Sob a perspectiva dos anos 20
Barões do café. Império em crise. A industrialização a todo o vapor. A história contada pela Arte
Funerária em São Paulo
emitério da Consolação, Cripta da
Sé e Monumento à
Independência. Roteiro que nos guia ao
bairro do Ipiranga e o Centro – terrenos
que anteriormente pertenceram aos
nobres e imperiais.
Quando pensa-se em cemitério, cripta
ou túmulo, cada um terá uma reação:
pode ser medo de espíritos, rejeição,
tristeza ou, em alguns casos, atrativo,
como para os góticos. Mas, dificilmente ocorrerá a ideia de conhecimento.
Os cemitérios surgiram em detrimento da proibição de se enterrar cadáveres em Igrejas,
contendo assim no livro de, Clarival do Prado Valladares (1918 – 1983), em seu livro A arte e a
sociedade nos cemitérios brasileiros, foi médico, escritor, professor, poeta, pesquisador e crítico
de arte. Encontramos trechos da carta de 1801 de D.Pedro I, em posição de Príncipe Regente,
proibindo os enterros dentro das igrejas: “uma representação sobre os danos a que está exposta a
Saúde Pública, por se enterrarem os Cadáveres nas Igrejas, que
ficam dentro das cidades populosas do meu Domínio Ultramarino,
(...) que dentro dos Templos se continue ou dar sepultura aos
cadáveres logo que estiverem construídos os mencionado
cemitérios”.
Atrás desse conhecimento desconhecido, ultrapassei
portas e portões. Fui em busca de arte. E foram esses espaços
sugeridos em sala de aula para a realização dessa pesquisa tão rica e vasta: revelar escultores que
encontraram ali o lugar para suas obras permanecem. E assim ficarem para a posteridade.
Brasil, entre o meio do século XIX e início do Século XX. Barões do café. Império em crise. A
industrialização a todo o vapor. A revolução industrial acontece na França. Primeira Guerra
c
A arte tumulária varia
com a data, acompanha
cada estilo de época, e de
região, e jamais sonega o
caráter, a espiritualide do
meio em que ocorre
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Detalhe do Monumento à Independência, Ipiranga, de Ettore Ximenes
Mundial. Sem esquecer-se da imigração europeia, entre 1898 a 1917. Fábricas brotando aqui e ali.
A quebra do conservadorismo. Mulheres se separando. E é neste período que a alta classe,
seguindo exemplos dos europeus, passa a contratar escultores e marmorarias, a fim de mostrar
em qual status sua família se encontrava, como o Conde Matarazzo, assinado por Luigi Brizzolara.
“Esses conceitos de produção e reprodução do espaço podem ser trabalhados com as
imagens do túmulo, que traz outra temporalidade da cidade de São Paulo, onde o centro da
cidade abrigava uma indústria, essa visão só é possível graças ao congelamento dessa
temporalidade que ficou impressa no Cemitério da Consolação”, Eduardo Coelho Morgado
Rezende, em o Enigma dos Cemitérios da cidade de São Paulo.
É neste período que Marquesa de Santos doa as terras para o cemitério. Não havia
cemitérios na cidade, o Consolação – é o primeiro cemitério público da cidade de São Paulo,
fundado em 1858 e é tombado em como patrimônio histórico em 2005 .
Na década de XX fase os brasileiros estão indo para a Europa interessados em arte e
conhecimento e retornando cheio de ideias na cabeça. O Brasil tem acesso ao Modernismo. Esta
reviravolta cultural ocasionou uma verdadeira explosão de pensamentos e tendências nas artes da
década de 20.
Cemitério da Consolação
Sábado dia 28 de setembro, clara manhã. Eu e mais dois amigos no Cemitério da
Consolação, centro de São Paulo. Passamos por seus imensos portões e logo se revelaram cruzes e
mais cruzes e muitas esculturas. A paisagem é essa: estátuas e estatuetas surgindo a cada passo.
Nascendo por de trás das grandes lápides. Mausoléus indo de encontro ao céu.
E, assim vamos flutuando por entre os segredos guardados de uma época que marcou a
história: o Modernismo no Brasil. “Não faltam ao Consolação anjos que transitem entre Belle
Èpoque e o Art Nouveau ora em pranto, no batente, ora despetalando rosas sobre a laje ou então
para preparo de arribação”, diz Valladares.
E, assim vamos flutuando por entre os segredos
guardados de uma época que marcou a nossa HISTÓRIA,
enquanto brasileiros natos.
Deixei o guia de lado e fui à busca de um olhar cru,
sem pré-julgamento. Diante dessa fascinação, me veio à
cabeça a pergunta: quem eram as famílias que
patrocinaram essas obras? Mas, para esta pergunta as
respostas são vagas. O que se sabe gira em torno de
famílias com grandes nomes, como Conde Matarazzo,
imigrante Italiano que amontoou fortunas com a
exportação de trigo e outros muitos ramos em que se
envolveu, como o setor têxtil – seu Mausoléu é considerado o mais alto da América Latina. Outro
nome de destaque é o de Dna. Olívia Guedes Penteado, apreciadora das artes, trouxe para o Brasil
obras como as de Picasso, fundou o Salão de Arte Moderna e foi precursora do voto feminino,
colaborando para que a Dra. Carlota Pereira de Queiroz fosse eleita primeira deputada Federal.
Por meio de nobres e ricos, boa parte ítalo-brasileira, podemos conferir de perto o famoso
museu a céu aberto. Eram essas famílias que bancavam as obras, em homenagem aos seus mortos
–, além de ser a tendência na época, em questão de status. Segundo Clarival do Prado Valladares,
em Arte e Sociedade nos cemitérios brasileiro, “A arte tumulária varia com a data, acompanha
cada estilo de época, e de região, e jamais sonega o caráter, a espiritualide do meio em que
ocorre. (...) podemos entender as estruturas sociais e culturais dos meios”.
Alguns dos principais escultores no Brasil do século XX
Deparo-me com Nicola Rollo (Bari, 10 de novembro de 1889 — São Paulo, 29 de
julho de 1970), foi escultor ítalo-brasileiro. Sua vinda ao Brasil é marcada por mistérios, já que
oficialmente não há relatos de suas obras até a inscrição o concurso para o Monumento
Comemorativo ao Iº Centenário da Independência do Brasil, no qual ficou em terceiro lugar (quem
levou o prêmio foi Ettore Ximenes, e em segundo lugar ficou Luigi Brizzolara).
Detalhe da Obra “a lenda de Orfeu e
Eurídice”, de Nicola Rollo.
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A escultura, baseada na lenda de Orfeu e Eurídice,
abriga a família Trevisioli, que pouco se conhece. Ao que indica
eram italianos e faziam parte dos novos ricos. Rollo ainda
realizou a composição da estátua de Oswaldo Cruz – grande
cientista e médico.
Seguindo sem rota, me embrenhando entre túmulos e
mausoléus, eis que surge aquela mulher fascinante em toda
sua magnitude e presença. A obra pertence a Celso Antônio
Menezes, 1896 a 1984, nascido paraense e escultor prodígio.
Aos dezesseis anos partiu para o de Rio de Janeiro e
matriculou-se no curso de desenho na Escola Nacional de
Belas-Artes, com bolsa de estudos concedida pelo então governador do Maranhão, Urbano
Santos. Celso Antônio começa a impressionar por suas obras e recebe, mais uma vez, do governo
maranhense, apoio financeiro e vai estudar na França, onde se tornou discípulo de Antoine
Bourdelle, escultor. Passou a ministrar a disciplina de Estatuária na mesma escola que iniciou os
estudos. Foi convidado por Le Corbusier a executar um monumento chamado “O homem
sentado”, para o prédio do MEC, mas o obra tragicamente desmoronou. Celso Antônio morreu
pobre e sem nenhum reconhecimento. As suas obras são: o Monumento ao Café, em Campinas, as
esculturas do presidente do Estado, Carlos de Campos e a de Lydia Piza Rangel Moreira (Foto
acima. Foi filha de Salvador Toledo e Piza e casada com o Dr. Jeronymo Rangel Moreira, homens
de destaque na época). A partir daí são realizadas encomendas do governo: a escultura "Moça
Reclinada", que está no Ministério da Educação e Cultura
(MEC) – Edifício Gustavo Capanema – no Rio de Janeiro,
entre outras obras, incluindo o busto Getúlio Vargas.
A próxima composição é de autoria de
Amadeu Zani (Rovigo, 1869 — Niterói, 1944), escultor ítalo-
brasileiro e professor de nomes como Francisco Leopoldo e
Silva. Ao chegar ao Brasil, ficou algum tempo em São Paulo,
porém mudou para o Rio de Janeiro, onde virou discípulo de
Rodolfo Bernadelli. Passado algum tempo, retornou à capital
paulista e trabalhou para Tommaso Gaudenzio Bezzi,
responsável pela construção do Museu do Ipiranga, em 1895.
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Obra Caminhando, de Celso Antonio S. Meneses
Obra Mausoléu, de Amadeu Zani
Foto: Denise Sisti
Retornou à Europa (França e Itália) para prosseguir com seus
estudos. Volta ao Brasil e passa a lecionar na escola Liceu de Artes
e Ofícios. Foi responsável pelo monumento Glória Imortal, aos
Fundadores de São Paulo, no Pátio do Colégio. Ainda realizou
obras para o centro da cidade paulista, como Alfredo Maia, na
Praça Júlio Prestes, Alvares de Azevedo, no Largo São Francisco,
Caetano Campos e Cesário Mota, ambos na República, e Giuseppe
Verdi, no Anhangabaú.
A obra Mausoléu chama a atenção por sua presença arrebatadora. O manto da santa
parece nos envolver em um misto de terror e sobriedade.
Por toda a visita temos contato com a alta sociedade de uma São Paulo em
chamas. Personalidades, artistas desconhecidos e famílias, que de alguma forma, sem querer ou
não, enriqueceram a cultura paulista e brasileira, que até a década de 20, não tinha se revelado
como referência artística. Para tanto, foi necessário que a grande e esmagadora maioria dos
nossos artistas, fossem buscar embasamento nas escolas
europeias. Fora os próprios artistas ítalo-brasileiros, que
trouxeram consigo já uma carga de conhecimento do que
estaria acontecendo acerca da Arte Moderna, que estava
rompendo o conservadorismo no mundo velho.
Nessa época algumas obras se tornaram
clássicas e referência da introdução do modernismo no
Brasil, como Interrogação, de Francisco Leopoldo e Silva
(Taubaté, 1879 – São Paulo, 1948), que foi aluno de
Amadeu Zani, então professor na escola Liceu de Artes e
Ofícios – essa não será a primeira vez que os nomes de
escultores se cruzam. Leopoldo e Silva seguiu então à
França, onde estudou ao lado de Victor Brecheret. Na
sequência viajou para a Itália, com uma bolsa de estudos
cedida pelo governo paulista, para estudar na escola conceituada de Belas Artes, em Roma. É
autor de muitas obras espalhadas por São Paulo, entre elas estão Aretuza, no parque Siqueira
Campos, Índio Pescador, na Praça Oswaldo Cruz e Soletudo, também no cemitério da Consolação,
além de obras para a Catedral da Sé.
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Obra Interrogação, de Francisco Leopoldo e Silva.
“Em muitas
igrejas,originalmete
levantadas para serem o
jazigo do doador, este
descansa sob uma lápide
que nem pertuba o nível
do chão”, Valladares
E a história da arte pelo nosso roteiro da antiga
São Paulo continua. Como disse no início, não segui um guia
dentro do cemitério, pois minha motivação se deu pelo o que
os impressionistas deixaram em suas obras.
Enrico Bianchi, após exaustiva busca não foi
possível determinar sua presença no Brasil, nem a data de
chagada ou se saiu do país. Acredita-se que viveu na década de
20 em diante. Sua obra, de tamanho estupor, nos causa
inquietação e deslumbre. O acesso às suas informações são
bem restritas, mas afinal, não poderia deixá-lo para traz. O
pouco que se sabe é que suas obras eram fundidas por Roque
de Mingo. A família que permanece ali é a João Rosa e, assim
como o autor, não foi localizado nenhum tipo de arquivo histórico disponível, assim como a família
Trevisioli, ornada por Nicola Rollo. Acesso à árvore genealógica de ambas as famílias apenas
mediante pagamento. Consta como sua obra Anjo Mensageiro, também localizado no Cemitério
da Consolação.
Chegamos então a Rodolfo Bernadelli, (Guadalajara, 18 de dezembro de 1852 – Rio de
Janeiro, 7 de abril de 1931), filho de pai violista e mãe bailarina, nasceu no seio de uma família
artística – seus dois irmãos Félix Bernadelli e Henrique Bernadelli eram pintores. No Brasil, sua
família se instala no Rio Grande do Sul em meados de 1860. Após um período se estabelecem a
família se muda para o Rio de Janeiro, onde ele os três irmãos iniciam os estudos na Academia
Imperial de Belas Artes. Por volta
dos 22 anos de idade Bernadelli é
naturalizado brasileiro. Na escola
tem aulas de escultura
estatuária com deChaves
Pinheiro. Deste período em
diante, no ano de 1877, viaja para
a Itália devido um prêmio de
viagem ao estrangeiro que
recebeu pelo relevo Príamo
implorando o corpo de Heitor a
Obra Tributo à República, em homenagem ao presidente Campos Salles, de Rodolfo Bernadelli.
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Detalhe da obra Anjos sobre o Esquife e Pietá, Enrico Bianchi.
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Sisti
Foto: Denise Sisti
Aquiles. Neste período o artista entra em contato com os mestres Achille d'Orsi e Giulio
Monteverde. No ano de 1884, retorna ao Brasil. Onde recebe a cadeira de professor de Estatuária,
também pela Academia Imperial de Belas Artes. Posteriormente dirige a nova Escola Nacional de
Belas Artes – que abrigaria os modernistas, embora sua formação tenha sido clássica. Permaneceu
neste cargo por 25 anos. Teve um discípulo notável, que foi Amadeu Zani. Sua obra é vasta tanto
no Rio de Janeiro quanto em são Paulo. Na Pinacoteca do Estado de São Paulo encontram-se a
Cabeça de aldeã da ilha de Capri, Faceira, Baiana, entre outras. Em santos encontra-se a obra
sobre o túmulo de José Bonifácio de Andrade e Silva.
E a história da escultura via cemitério da consolação não para por aqui. São cerca de 300
obras realizadas por importantes escultores. Este é o cemitério abriga mais de 50 personas que
inseriram novas formas de fazer e pensar o cotidiano dele e, consequentemente o nosso.
Os artistas mais famosos e referências do Modernismo no Brasil: Tarsila do Amaral e Anita
Malfatti, na pintura, Oswald de Andrade e Mário de Andrade, na literatura e Victor Brecheret na
escultura (autor do Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera).
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Foto: Denise Sisti
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Cripta da Sé
A Cripta da Sé fica na Catedral, localizada embaixo do altar da igreja; foi fundada em 1589,
em São de Piratininga, e sua construção foi finalizada em 1616.
No ano de 1912 é lançado o projeto para uma nova igreja. Nesta época, o arcebispo
Duarte Leopoldo e Silva era quem estava à frente da Catedral. Uma nova Matriz, desenvolvida
pelo arquiteto alemão Maximilian Hehl. Sua função é a de receber bispos e arcebispos de São
Paulo. Porém, na cripta está: o cacique Tibiriçá, o ex-ministro da Justiça e regente do Império,
Diogo Antônio Feijó e o padre Bartolomeu de Gusmão, o inventor do balão.
Nos seus corredores encontramos Francisco Leopoldo e Silva, com duas obras de arte.
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Monumento à Independência
A vista do museu do Ipiranga por aquelas rua larga não tem igual. Olhamos o monumento
de cima. O quão imponente ele quer se fazer? Descendo pela rua, vamos descobrir o que há
naqueles terrenos, que foram imperiais. A mim agrada muito fazer essa relação do o passado e do
futuro. Quem foram nossos visionários? Afinal seu comportamento nos induziu para o hoje.
E mais história! Chegando ao monumento me deparo com um grupo da 7ª. Série sendo
levado pelo guia à catacumba do imperador, Dom Pedro I. Entramos dentro do monumento. E o
guia pôs-se a narrar a história do Brasil, da bandeira.
Da união dos Habsburg-Lothringen com os Bragança
e Bourbon.
Diante de mim os túmulos de D. Pedro I e da
Imperatriz Leopoldina: Ali jaz uma presença fúnebre.
Porém a caminhada é através da arte. Aquele
monumento no Ipiranga é origem de um concurso,
realizado em realizado em 1º de junho de 1919. Os
finalistas foram: Ettore Ximenes, 1º (Escultor italiano.
1855 – 1926); Luigi Brizollara, 2º; e Nicolla Rollo, 3º. Observe como todos esses escultores estavam
ligados à elite provinda do Império e mais tarde, às famílias italianas e portuguesas, trazendo o
que era considerado alta classe na Europa.
“(...) o que salva mesmo nossos cemitérios Ensolarados, dando-lhes nível e dignidade
artística é a interpretação e construção leiga, das pequenas comunidades. É nesses que temos
encontro marcado com um texto ético e um nível estético de razoável autenticidade e, por isso, de
valor universal.”, Valladares
Por Denise Sisti
Detalhe do Monumento à Independência do Brasil, de Ettore Ximenes
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