SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
PDE- 2010 NÚCLEO REGIONAL DE EDUCAÇÃO DE CASCAVEL
JANETE BIF AGUIAR
DISCRIMINAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SOCIAL DENTRO DA ESCOLA: COMO SUPERÁ-LA?
MARECHAL CÂNDIDO RONDON - PR2012
JANETE BIF AGUIAR
DISCRIMINAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SOCIAL DENTRO DA ESCOLA: COMO SUPERÁ-LA?
Artigo final do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), promovido pela Secretaria de Estado de Educação – SEED, sob orientação da professora Selma Martins Duarte, do Colegiado do Curso de História, da UNIOESTE, Campus de Marechal Cândido Rondon.
MARECHAL CÂNDIDO RONDON – PR2012
DISCRIMINAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SOCIAL DENTRO DA ESCOLA: COMO SUPERÁ-LA?
Autora: Janete Bif Aguiar1
Orientadora: Selma Martins Duarte2
ResumoEste artigo é o resultado do trabalho final do curso desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), ofertado pelo governo do Estado do Paraná, junto à UNIOESTE. O trabalho teve como objetivo analisar os conflitos étnico-sociais entre os estudantes das oitavas séries (9os anos) do Colégio Estadual Lindoeste - PR. Essa problemática surgiu da percepção de que nessas turmas existia discriminação e não aceitação, por parte de alguns alunos, em relação a outros. Desta forma, grupos foram constituídos na sala de aula e observava-se que algumas alunas, negras, eram excluídas pelos colegas, e assim, se isolavam da turma. Diante do exposto, o desafio foi desenvolver entrevistas orais com a comunidade escolar, além de analisar o contexto em que estavam inseridos, para compreender estes conflitos no âmbito da escola. Na implementação pedagógica foram desenvolvidas, junto com os alunos, reflexões sobre a coleta de dados, bem como, análises de fragmentos de textos sobre as teorias raciais e a história do racismo no Brasil, com objetivo de promover a superação dos preconceitos étnico-raciais e sociais e o respeito às diversidades étnicas. O embasamento teórico que orienta esse trabalho provém das discussões da Lei 10.639/2003, bem como, das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná ao propor a necessidade do estudo da História da África e da cultura afro-brasileira. Conclui-se que as atividades realizadas, através da investigação histórica da situação de brancos e negros no Brasil e as suas relações de poder implícitas, auxiliaram-me a explicitar as formas de preconceitos, questioná-las, e verificar os grupos que estão por trás desses preconceitos, possibilitando, assim, a leitura crítica e autocrítica sobre o racismo. Essas ações definiram-se como um início da superação dessa realidade imposta, pois é preciso considerar que mudança de comportamentos e demais ações são concretizadas em longo prazo. Faz-se, portanto, indispensável um trabalho de reconhecimento das diferenças, um entendimento do outro, uma necessidade de desenvolvimento de novas metodologias de ensino de história afro-brasileira, tendo em vista que a discriminação étnico-racial e social está presente no cotidiano escolar e nas atitudes da sociedade em geral, sendo fundamental redirecionar o olhar sobre a história, e assim, romper com o eurocentrismo.
Palavras-chave: Discriminação étnico-racial. Aluno. Escola.
1 Professora de História no Colégio Estadual Lindoeste-PR e professora PDE.2 Professora do Colegiado do Curso de História, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE.
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Abstract
This article is the result of the final work of course developed in Educational Development Program (PDE), offered by the Paraná’s State Government with the UNIOESTE. The work aimed to analyze the ethnic social conflicts among students from eighth grade (9th year) of the Colégio Estadual Lindoeste-PR. This problematic arose from the perception that in these classes existed discrimination, and non-acceptance, on the part of some students in relation other students. In this way, groups were formed in the classroom, and noted that some students, black, were excluded by colleagues and so they were isolated the class. On the exposed, the challenge was to develop oral interviews with the school community, in addition to analyzing the context in which they were inserted, to understand these conflicts in the school. In the pedagogical implementation were developed, with students, reflections about the information collection, as well as, texts’s fragments analyses about the racial theories and the racism history in Brazil, with the aim of promoting the overcoming of ethnic-racial and social prejudices and respect for ethnic diversity. The theoretical foundation that guides this work comes from discussions of law 10.639/2003, as well as, of the Paraná State curriculum guidelines to propose the need for study of the Africa history and Afro-Brazilian culture. It is concluded that the activities carried out, through historical research of the situation of whites and blacks in Brazil and their implicit power relationships, helped me to clarify the prejudices forms, question them, and verify the groups that are behind these prejudices, enabling like this the critical reading and self-critical about racism These actions were defined as a beginning of the overcoming of this reality imposed because is necessary to consider that behaviors changing and other actions are implemented in the long term. It is therefore, necessary a work for the recognition of differences, understanding of the other, a necessity of development of new teaching methodologies of Afro-Brazilian History, considering that the ethnic-racial and social discrimination is present in school daily and in the attitudes of society in General, being essential redirect the look about the story, and so break with Eurocentrism.
Key words: Ethnic and racial discrimination. Student. School.
1. Introdução
O presente trabalho resulta da análise da implementação pedagógica feita no
Colégio Estadual de Lindoeste. Consiste em uma das atividades exigidas pelo Programa
de Desenvolvimento Educacional (PDE), promovido pelo governo do estado do Paraná
junto à Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. As reflexões foram
embasadas a partir do disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações étnico-raciais, e nas discussões sobre a necessidade de historicizar a
cultura afro-brasileira nas salas de aulas.
O objetivo do trabalho pedagógico foi analisar os conflitos étnico-sociais,
focalizando as relações de inclusão e exclusão entre os alunos das oitavas séries do
Colégio Estadual Lindoeste-Pr. Propôs-se, juntamente com os alunos, uma análise do
tratamento dado pela comunidade escolar em relação aos negros e às classes pobres
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(com menor poder aquisitivo). A partir dessa reflexão, os alunos deram sugestões para
agirmos na busca da superação dos preconceitos, estimulando o respeito a todos os
seres humanos e valorização da cultura Africana e de seus descendentes, para que os
alunos negros pudessem sentir-se respeitados e pertencentes ao grupo em que estão
inseridos, dentro e fora da escola.
Como afirma Cavalleiro,
O silêncio que atravessa os conflitos étnicos na sociedade é o mesmo que sustenta o preconceito e a discriminação no interior da escola. Como aos negros estão reservados, na sociedade, papel e lugar inferiores, pode-se afirmar que essa linguagem o condiciona ao fracasso, à submissão e ao medo, visto que parte das experiências vividas na escola é marcada por humilhações (CAVALLEIRO, 2000, p.98 e 99).
Ressalta-se que são comuns nas escolas, casos de discriminação racial e social
entre os alunos. No entanto, como abordou Cavalleiro, na citação acima, essas relações
são atravessadas por silenciamentos e preconceitos, ora implícitos e ora explícitos. Essa
dificuldade em visualizar variadas formas de violências torna mais complexa sua proble-
matização e superação, por isso foi um desafio trabalhar esse tema.
O percurso escolhido foi o de primeiro dar visibilidade aos preconceitos, levar os
alunos a um reconhecimento sobre suas ações ao identificar suas posturas diante das di-
ferenças étnicas e sociais. Posteriormente os estudantes apontaram possibilidades de
ação para tentar reverter a situação de intolerância presente entre eles, no sentido de não
só perceber as diferenças, mas aprender a respeitá-las. Corroborando com Cerri: “(...) é
necessário que a escola resgate a identidade dos afro-brasileiros. Negar qualquer etnia,
além de esconder uma parte da história, leva os indivíduos à sua negação” (2007, p. 35).
Não se pode negar que é indispensável um trabalho pedagógico como forma de
reconhecimento da cultura afro-brasileira, utilizando novas metodologias de ensino. Neste
sentido, faz-se necessário, em vez de abordar apenas as formas de preconceitos,
trabalhar a diversidade étnica juntamente aos alunos.
Assim, este projeto teve como objetivo desenvolver uma proposta para o ensino de
história afrodescendente, aprofundando o conhecimento dos alunos sobre essas práticas,
numa perspectiva histórica, através de atividades em sala de aula, com materiais
bibliográficos, revistas, textos, filmes, músicas que propiciam uma reflexão, buscando a
superação dos preconceitos. Oportunizando, portanto, um maior conhecimento e também
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uma reflexão crítica sobre o pertencimento étnico e social, pois, a história da população
negra tem sido negligenciada nos currículos básicos da educação.
2. Desenvolvimento
Por que existe discriminação? Por que a escola e a sociedade são permeadas de
tantos casos de preconceitos? Essas são perguntas difíceis de serem respondidas, ainda
mais quando muitos destes casos são configurados por uma suposta invisibilidade da
discriminação na sala de aula. Mas, contribui para responder essas perguntas, uma
análise do insistente discurso dos meios de comunicação e da sociedade de produzirem e
reproduzirem estereótipos dos negros.
Neste trabalho, para refletir sobre o racismo presente na sociedade brasileira,
buscou-se fazer uma análise do racismo científico e dos estudos dos teóricos raciais do
século XIX, que influenciaram a produção de intelectuais brasileiros. Para tanto, foi
analisado o texto: “Uma história de diferenças e desigualdades, as doutrinas raciais do
século XIX”, presente na obra: O espetáculo das raças, produzida pela autora Lilia M.
Schwarcz, na qual são analisadas as visões de diferentes autores sobre a teoria de
evolução das espécies e de seleção natural, aplicadas às sociedades humanas através
do darwinismo social. Sendo problematizado o pensamento da época, em que prevalecia
a concepção de que: “(...) as diferenças observadas na humanidade seriam, portanto,
definitivas e irreparáveis, transformando-se a igualdade em um problema ilusório” (1993,
p.62).
Para compreender, mais especificamente, as manifestações de preconceito na
escola, foram importantes as contribuições da autora Eliane do S. Cavalleiro, (2000), em
sua obra: “Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação
infantil”. Como contribuição essencial, refletiu-se a discriminação presente na sociedade,
essa que reflete diretamente no comportamento dos alunos. Essa reflexão suscita duas
questões: Primeira - Em que medida a escola reproduz valores sociais? Segunda -
Professores e alunos são vítimas, ou vítimas e autores de preconceito racial?
Para tentar responder a estas questões cabe analisar a função social da escola e
em que valores estão centrados a sua educação. Se a escola estiver fundamentada na
elitização branca, de grupos econômicos dominantes, os alunos continuarão sofrendo
e/ou reproduzindo a mesma discriminação na escola, que sofrem/exercem na sociedade.
Uma contraposição a essa hegemonia dos brancos ricos, é proposta pela perspectiva do
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multiculturalismo, conforme destaca Oliveira:
Se a educação está centrada na dominação cultural da elite branca, o multiculturalismo - por ser uma estratégia de orientação educacional para os problemas das diferenças culturais na instituição escolar - reconhece a alteridade e o direito à diferença dos grupos minoritários, como negros, índios, homossexuais, mulheres, deficientes físicos e outros, que se sentem excluídos do processo social. Portanto, deve ser uma teoria a ser propagada (2001, s/p).
Cabe à escola inserir essa perspectiva de uma educação multiculturalista em seus:
Regimentos, Regulamentos Internos, Projetos Políticos Pedagógicos, bem como em suas
Propostas Pedagógicas Curriculares. Cabe à comunidade escolar trabalhar no sentido do
reconhecimento e respeito às diferenças étnicas, bem como, no trabalho de
conscientização sobre a importância da justiça social e redistribuição de renda, pois só
desta forma será possível contrapor-se a educação voltada para as elites.
Neste sentido, Lúcia Helena Oliveira Silva em seu capítulo “Por uma história e
cultura afro-brasileira e africana”, presente na obra “Ensino de História e Educação:
olhares e convergências”, organizada por Luiz Fernando Cerri, apresenta a proposta de
que é necessário trabalhar o multiculturalismo, pois para ela: “(...) a escola é o espaço de
valorização cultural de todos os grupos (...)” (2007, p.149). Portanto, é importante que
todos na escola se sintam parte dela e que sejam respeitados em suas diferenças,
rompendo com qualquer forma de dominação de um grupo sobre outros.
Neste trabalho concordamos com o pensamento de Silva, pois é evidente que a
discriminação dos grupos minoritários ainda continua. E a escola é um importante espaço
para trabalharmos essas diferenças, problematizarmos as formas de discriminação e
reivindicarmos, no sentido do reconhecimento dos direitos sociais e da defesa dos grupos
minoritários, que sempre foram excluídos pela sociedade.
O racismo, no Brasil, remonta ao escravismo colonial, e foi embasado
“cientificamente” com estudos de teóricos brasileiros como Nina Rodrigues e Oliveira
Vianna, entre outros, que em fins do século XIX, e o início do século XX, em diálogo com
estudiosos europeus, baseavam seus estudos sobre a sociedade em teorias evolutivas
das espécies. Havia duas ideologias que serviram de pilares para dar suporte teórico ao
modelo de relações raciais no Brasil, de acordo com Telles (2003): a supremacia branca e
a ênfase no branqueamento e na democracia racial.
Segundo esses estudos racistas, haveria uma hierarquia social, na qual os grupos
mais aptos e desenvolvidos tenderiam a se sobrepor aos menos aptos, como destacou
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Schwarcz em sua análise; também Renam afirma que “(...) os grupos negros, amarelos e
miscigenados, seriam povos inferiores (...)” (1993, p. 62). De acordo Gustave Le Bon
“(…) era o grupo, entendido enquanto conjunto, que determinava os comportamentos
humanos individuais” (1993, p. 63). No século XIX e início do XX, os estudos feitos a partir
de medidas de crânios de negros, segundo Schwarcz, concluíram que este grupo étnico-
racial possui relação de inferioridade e comportamentos diferentes aos dos brancos. No
entanto, conforme a autora, para obter tais resultados muitos dados foram forjados de
acordo com interesse dos pesquisadores.
Ideias de superioridade racial estavam presentes, tanto nos estudos científicos,
como nas práticas sociais do século XIX, como por exemplo, no imperialismo e
colonialismo europeu, Japonês e dos Estados Unidos da América, diante da Ásia, África,
Oceania e América. Essas práticas de exploração dos povos habitantes das periferias
perpassam o século XX e adentram ao século XXI. Nos países ricos observa-se, em
vários momentos históricos, manifestações de intolerância e a xenofobia. Os estudos
recentes apontam que os preconceitos não foram superados, e tornam-se um desafio no
mundo contemporâneo.
Cabe aqui uma pergunta: Qual é papel da escola diante dessa realidade? É
evidente que a escola sozinha não conseguirá transformar essa realidade de
discriminação/exploração, principalmente porque frações das elites têm interesses em
perpetuar valores como os de superioridade/inferioridade para assegurar sua hegemonia
diante do conjunto da sociedade.
No entanto, a escola tem papel essencial, por ser um dos espaços onde é possível
perceber preconceitos, sejam étnicos ou econômicos. Muitas vezes, os alunos que sofrem
a discriminação se silenciam diante do agressor, afetando a sua autoestima e o seu
desenvolvimento. Passam a se sentir inferiores diante dos demais colegas. Dessa forma,
os agressores atingem seu objetivo, o de propagar a ideia de superioridade. Na escola é
possível tecer a crítica necessária à naturalização da discriminação, e assim, transformar
a mentalidade dos alunos.
Diante dessa realidade, a escola tem o grande desafio de contrapor as ideias
preconceituosas e discriminatórias, com o objetivo de superar essas práticas e possibilitar
aos alunos a compreensão histórica do racismo. Assim, os alunos poderão entender por
que essas ideias foram construídas, e como pessoas e nações se utilizaram destas ideias
para subjulgar outros povos, maltratá-los e até dizimá-los em busca de poder e riquezas,
disfarçada pela suposta ideia de que eram superiores e tinham o “dever” de civilizar os
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grupos inferiores (FERRO, 2004). Porém, cabe destacar que sozinha a escola, através de
seus professores, jamais conseguirá mudar a mentalidade da sociedade. É preciso que o
debate se amplie para outras esferas públicas, outras instituições formuladoras e
formadoras de opinião. Que estudos e projetos com essa abordagem sejam financiados e
desenvolvidos junto à sociedade já escolarizada, atingindo, dessa forma, pais e familiares
de nossos alunos.
Para possibilitar aos estudantes uma melhor compreensão sobre o racismo no
Brasil foi necessário refletir sobre as formas como os negros vêm sendo tratados. Para
esta abordagem foi preciso recuar no tempo e fazer um balanço desde a escravidão até o
presente. Esse estudo considerou a organização social brasileira, com ênfase nas
relações de exploração entre grupos hegemônicos e as minorias negras. Colaborou com
essa reflexão Hédio S. Junior (2002), em seu artigo: “Discriminação racial nas escolas:
entre a lei e as práticas sociais”, no qual enfatiza que nos livros didáticos a discriminação
vem sempre exposta com imagens negativas sobre o negro.
Não há como negar que os professores de História precisam compreender, refletir
e trabalhar esses conceitos juntamente aos alunos, para desconstruir essa imagem
negativa dos negros, para que esses sejam respeitados.
Vivemos um importante momento histórico, caracterizado pelo reconhecimento da
necessidade de se rediscutir questões relacionadas às relações étnico-raciais no Brasil,
como o movimento negro - pela ampliação do debate sobre essa questão, que deixa de
estar restrito aos bancos acadêmicos ou ao âmbito governamental, para transformar-se
em um debate público pelo surgimento de novas propostas de práticas pedagógicas
(MATTOS, 2003). Neste sentido, o papel de educadores requer uma mudança de
paradigma em relação ao negro e sua contribuição a nossa sociedade.
O preconceito foi historicamente construído, como afirma Suely R. R. de Queiróz,
na obra Historiografia Brasileira em Perspectiva, organizada por Marcos C. Freitas. Para a
autora, a forma que a escravidão foi abordada por Gilberto Freyre e os vulgarizadores de
seu pensamento possibilitou a construção de uma representação não conflituosa sobre a
escravidão, calcada nas relações paternais estabelecidas entre a casa-grande e a
senzala. Para a autora, Freyre teve uma “intencionalidade ideológica: a de justificar o
passado escravista” (1998, p. 107). Freyre contribuiu para a construção de um “mito”
sobre as relações sociais no Brasil, no qual não há espaço para o conflito racial. Calcada
nesta teoria freyriana, e similares, propagou-se a ideia de que o Brasil é o país de “todas
as raças” unidas harmoniosamente.
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Nesse contexto, as crianças negras sofrem com a discriminação não explicita
presente nas relações que se estabelecem socialmente. No ambiente escolar, segundo
Eliane dos S. Cavalleiro (2000), o educador, muitas vezes, se silencia diante da
discriminação, desta forma, os alunos sentem-se ainda mais excluídos perante essa
omissão. Mesmo existindo Leis e movimentos para que não haja a discriminação étnico-
racial em nossa sociedade, ainda estão presentes atitudes e gestos preconceituosos por
parte dos grupos majoritários e frações da elite. A discriminação está visivelmente
presente no dia-a-dia da escola, como avalia Munanga:
Um país onde os preconceitos e a discriminação racial não foram zerados, ou seja, onde os alunos brancos pobres e negros ainda não são iguais, pois uns são discriminados uma vez pela condição sócio-econômica e outros são discriminados duas vezes pela condição racial e sócio-econômica (...) (2003, s/p).
Concorda-se com Munanga, quando diz, que a condição econômica é utilizada
para estratificar o que a pessoa é, ou não é, perante a sociedade. Essa reflexão emprega-
se também à realidade do Colégio Estadual de Lindoeste, onde se observa a dupla forma
de discriminação: social e racial.
Há uma necessidade urgente de se trabalhar, nas escolas, os conflitos presentes
na sociedade brasileira contemporânea. Sabemos que essa realidade é uma política de
disputa por poder e a tentativa de dominação imposta pelas elites.
Na tentativa de lutar contra os preconceitos em nossa sociedade e em nossas
salas de aulas, criou-se a Lei 10.639/2003, das Diretrizes Curriculares Nacionais. A SEED
(Secretária Estadual de Educação do Paraná) como subsídio aos professores de História
produziu o Caderno Temático: História e cultura afro-brasileira: educando para as relações
étnico-raciais. Afirmando, assim, que temos obrigação de rever atitudes preconceituosas
em relação ao negro, atitudes essas, que precisam ser eliminadas no ambiente escolar e
também na sociedade. “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível
(...)” (Constituição Federal, 1988, p.11), segundo o art. 5º, inciso XLII da Constituição
Federal de 1988 - o poder das elites faz com que o processo de exclusão continue na
nossa sociedade. Essa realidade fez com que acontecesse no nosso país a mobilização
negra, através do Movimento negro, para resistência da dominação imposta.
Karin Santánna Kossling afirma que: “ainda na década de 70, os afrodescendentes
tinham que reafirmar e reivindicar seus direitos de cidadãos (...)” (2008, p.36). Essas
práticas sociais levam a repensar o processo histórico que envolve passado e presente da
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organização social brasileira. Essa necessidade de reafirmação do passado continua no
presente e também na escola.
Com o intuito de superar essas formas de preconceito étnico-raciais, é fundamental
redirecionar o olhar sobre a história. Ao romper com o eurocentrismo e trazer para o
centro dos debates a História da África, como alerta Mattos: “faz-se necessário e urgente
ensinar “História da África” aos alunos brasileiros, com os conflitos e contradições que lhe
são próprios, como a todas as sociedades” (2003, p.130). Com essa finalidade, foi
aprovada a Lei 10.639/03, que sugere uma urgência de repensar as práticas docentes e
propõe uma reflexão sobre as diferentes formas de discriminação étnico-racial praticadas
na sociedade e na escola, bem como, estabelecer um confronto entre passado e
presente, ressaltando as contribuições do negro para o crescimento do nosso país.
Esses procedimentos pedagógicos podem auxiliar os alunos para que reflitam e
desconstruam a ideia de que a população negra é “uma raça inferior”, compreendendo as
relações de poder que se estabeleceram no passado e os mecanismos de perpetuação
da exploração de uns grupos sobre outros no presente e rompendo com o legado de
preconceito no qual estão inseridos, como ressalta Nascimento:
(…) o negro vem sendo o preso político mais ignorado desse país. Por ser negro, por praticar suas tradições de origem, isto é por razões políticas, até hoje ele é vítima predileta da violência policial. O negro é o primeiro a ser preso, escolhido a dedo em “batidas” e buscas em geral violentas. Tal arbitrariedade confirma o dito popular: “branco correndo é atleta; preto correndo é ladrão” (NASCIMENTO,1983, p.18).
Essa situação de descaso em relação ao negro precisa ser superada, e para iniciar
é preciso tornar explícito que o preconceito existe. Há também a necessidade de que se
dê visibilidade a sua história, porém, não apenas para mostrar sua participação nos
trabalhos braçais, trabalhos escravos, mas também pelas suas contribuições para a
cultura e sociedade brasileira.
Corrobora-se com Silva, quando afirma que:
surgiram, em 2004, as Diretrizes das Relações étnico-raciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, primeira grande política pública no país a trabalhar as relações étnico-raciais no ambiente escolar. Elas orientam as discussões a respeito da diversidade racial e cultural e centraliza-se na produção do conhecimento, “de formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial (SILVA, apud CERRI, 2007, p. 143).
São notórias as diversas maneiras de se trabalhar essas diversidades étnicas nas
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escolas. Silva nos sugere refletir que, através de novas metodologias, podemos formar
novos cidadãos que se orgulhem de seu “pertencimento racial” e sejam respeitados pela
sociedade. Que saibam, também, lutar por justiça social contra a profunda desigualdade
das classes sociais, e que tanto na escola, como na sociedade, sejam vistos e tratados
com igualdade. Porém, vale ressaltar que não basta a criação de Leis e cadernos que
tratem das relações étnicas, é preciso que na prática os professores proponham a
reflexão e problematização acerca dessa matéria, fundamentando sua análise nos
estudos históricos já produzidos, para contrapor com propriedade ao “senso comum”
construído a partir dos interesses de grupos dominantes.
Neste sentido,
(…) o jovem é influenciado por uma série de meios de socialização diferentes da escola. Assim, a família pode (e possivelmente o faz) embutir comportamentos preconceituosos e discriminadores. O mesmo se afirma, por exemplo, a respeito dos meios de comunicação, em especial a televisão, que através da sua programação e de propagandas insistem em colocar o negro em posições socialmente inferiores ou o representa através de estereótipos como o sambista, bom de bola etc. Contudo, a escola tem um papel extremamente importante na formação do jovem: sendo um veículo de socialização primária, goza de função ideológica privilegiada pela sua atuação sistemática, constante e obrigatória junto ao alunado (FIGUEIRA, 1991, p. 34).
Portanto, é fundamental problematizar os estereótipos dos negros, criados pela
mídia e reproduzidos na sociedade. A escola tem possibilidade de fazer essa reflexão. Na
disciplina de História, o trabalho com fontes da mídia pode possibilitar questionar e
investigar o conteúdo das informações contidas nessas fontes e se contrapostas a outras
fontes históricas, possibilitará aos alunos compreenderem as contradições e
intencionalidades presentes nestes documentos.
Essa compreensão implica que todos os profissionais de educação sejam
comprometidos, estejam abertos a mudanças e queiram também mudar a maneira de
pensar e de agir em relação ao ato discriminatório existente em nosso espaço escolar e
em nossa sociedade.
3. Relatório e resultados da aplicação da implementação do projeto na escola
A implementação pedagógica constituiu-se em uma das etapas do PDE. Nesta fase
o objetivo foi problematizar a discriminação étnico-racial e social presente nas relações
entre os alunos das oitavas séries, do ensino Fundamental, do Colégio Estadual
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Lindoeste, município de Lindoeste - Paraná, no ano de 2011. O objetivo foi analisar
também as contribuições das populações negras para a construção sociocultural em
nosso município e país.
Para a realização do trabalho foram programadas atividades, junto aos alunos, que
compreendiam reflexões sobre as entrevistas coletadas no ambiente escolar; análise de
fragmentos de textos sobre as teorias raciais e a história do racismo no Brasil, através de
investigação histórica da situação de brancos e negros; análise sobre as relações de
poder estabelecidas entre os diferentes grupos étnicos, e questionamento sobre os
interesses dos grupos que estão por trás das formulações de preconceitos.
Para a construção do conhecimento, os alunos fizeram pesquisas utilizando os
computadores e a Internet na Sala de Informática, implementada pela SEED. Textos
pesquisados pela professora foram levados para a sala de aula, para que os alunos
estudassem e com isso, desenvolvessem trabalhos individuais e em grupos apontando as
possibilidades de enfrentamento às formas de preconceito étnico-raciais presentes no
universo que os envolve.
A escolha desta metodologia foi feita considerando que a construção do saber
não deve ser verticalizada, portanto, não é a professora quem tem exclusivamente
conhecimento sobre a melhor forma de enfrentar e combater preconceitos, e sim que os
alunos, a partir de suas vivências, possam apresentar importantes soluções para
enfrentar este problema, inclusive na sua própria transformação, caso tinham/tenham
algum preconceito.
Para o desenvolvimento do trabalho na escola, primeiramente, foi apresentada a
proposta para a Direção, Equipe Pedagógica e professores. Esta etapa foi feita em uma
reunião pedagógica, no início do segundo semestre, do ano de 2011. Relatou-se que na
experiência de docência fora constatado frequentemente discriminação racial e social
entre os alunos das 8ªs séries do Colégio Estadual Lindoeste. Tal situação despertou o
interesse em problematizar a referida temática em sala de aula, por compreender que
essas relações preconceituosas no ambiente escolar são “comuns”, ou seja, naturalizadas
no tratamento entre os alunos, porém apresentam-se escamoteadas nas ações e em sua
maioria os alunos não admitem ou não se percebem preconceituosos.
Diante de tais comportamentos evidenciava-se a angustia, ao presenciar atitudes
de alunos ao se referirem pejorativamente aos colegas, utilizando as características
físicas/aparência para humilhar e ofender. Por exemplo, ao usarem expressões como:
“baleia”, “cabeça de fogo”, “zarolho”, “neguinha do cabelo de Bombril”, “cabelo de retrós”,
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entre outras. Neste sentido, a proposta de implementação pedagógica era investigar o
universo dos alunos sobre as questões do preconceito racial e social e, posteriormente,
problematizar o racismo, em sala de aula, articulando a análise de bibliografia
especializada sobre a temática com debates, estudos e pesquisas, com intuito de
transformar a concepção dos alunos em relação a si e aos outros.
Ressalta-se a importância de possibilitar que nos espaços escolares sejam
oportunizados estudos, para que os alunos reflitam sobre os conceitos e categorias
preconceituosas em relação ao negro, presentes dentro e fora da escola, permitindo e
sugerindo um confronto entre o passado com a história presente, para estudar os
prejuízos acarretados à população negra.
Assim, iniciei o desenvolvimento das atividades. A primeira ação metodológica foi
à realização de entrevistas com onze (11) professores e vinte e dois (22) alunos.
Na sequência, serão analisadas algumas falas dos depoentes, com objetivo de
refletir sobre as concepções dos entrevistados. Os professores entrevistados ministram
aulas de Português, Matemática, Inglês, História, Sociologia, Filosofia, Geografia, Arte.
Todos com especialização em sua área de atuação. O período de trabalho desses
profissionais na área de educação apresenta-se entre 2 a 20 anos de magistério. Em
relação ao regime de trabalho, dois são professores temporários (Sociologia e Filosofia) e
os outros nove são efetivados por concurso.
Ao questionar os professores sobre preconceito e discriminação no interior da
escola, nove (9) professores disseram que há discriminação no Colégio Lindoeste e
apenas dois (2) professores disseram que não há discriminação, pelo menos eles afirmam
que não conseguem identificar. Na sequência um fragmento de relato de um dos
entrevistados:
tem sim discriminação dentro da escola, tanto social, como racial, mas também têm outras discriminações como: físico, homossexuais, isto por parte de alunos e professores. E que é a longo prazo que se muda de atitudes. Que os professores devem sim desmistificar que o negro é inferior e possibilitar reflexões, ações para que a identidade nacional dos negros seja valorizada e sua afirmação seja total. (NILZA, 2011)
Nas entrevistas feitas aos professores, o objetivo foi verificar se percebem que há
discriminação entre os alunos e a comunidade escolar. Se consideram que há
possibilidade de fazer com que todos, independente de raça ou classe social, se sintam
parte da escola onde estudam. Segundo os relatos dos professores ocorrem inúmeras
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formas de discriminação no espaço escolar, como consta na citação acima. Apontaram
que para a superação destas formas de discriminação é necessário que todos,
independentemente da disciplina em que lecionam, devem discutir e problematizar as
diferenças étnico-raciais e seus desdobramentos sócias. E a superação dos empecilhos
será por meio de estudos, e de aplicação da Lei.
Em relação aos vinte e dois (22) alunos entrevistados, os mesmos apresentam
idade entre 12 a 13 anos, nível de aprendizagem de regular a bom. Afirmaram que tem
discriminação tanto racial, como social, e até já sofreram discriminações pela cor, pela
preferência de estilo musical, por exemplo, por gostarem de hip hop, por serem gordos ou
muito magros, e por pertencer ao grupo dos “emos”.
Interessante que os alunos que afirmaram haver discriminação são ou negros, ou
obesos, ou de classe social baixa. Quanto aos que afirmaram não ter discriminação são
alunos de classe social mais alta e de cor branca, não conseguindo perceber a
discriminação na escola. Possivelmente isso ocorre, pela condição social ocupada pelo
narrador. A pessoa que não sofre com o preconceito, e profere o mesmo, não tem a
mesma percepção do que sofre, pois sua subjetividade em relação ao grupo social no
qual está inserido é diferente, ocupando um espaço de “dominação” construída
socialmente, em seu benefício, em relação ao grupo.
As entrevistas com os alunos tiveram como objetivo coletar dados sobre como se
sentem na escola, se observam algum tipo de discriminação por parte dos demais
colegas, ou não. Também foram investigados os motivos que levam alunos negros ao
isolamento perante as atividades propostas pelos professores na escola. A maioria dos
alunos disse que o racismo está presente na sociedade, e que a mídia contribui muito
com isso, e que as pessoas tratam as outras pela cor e pelo que elas têm, tanto na
sociedade, como na escola. Alguns alunos discordaram desses argumentos dos colegas.
Segundo os alunos, se trabalhado com frequência esses temas na escola, ocorrerá uma
diminuição da discriminação e um tratamento melhor para com as pessoas de cor ou
classe social diferenciada.
Nos relatos alguns alunos afirmaram que as pessoas antigas, como seus avós,
eram “mais” preconceituosas que as pessoas na atualidade. Para justificar seus
argumentos contaram que seus avós, quando seus pais eram crianças, brigavam e não
permitiam que brincassem com uma criança negra. Hoje, segundo eles, não existe mais
isso. No entanto, em suas percepções, os alunos que fizeram essa leitura não percebem
que o preconceito velado que existe na sociedade e na sala de aula são, em certa
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medida, responsáveis pelo isolamento e autoisolamento dos alunos negros, que muitas
vezes não querer participar das atividades propostas em grupo, pois sentem-se excluídos
por causa de sua cor ou sua condição social. Isso porque ocorreram ou ocorrem
episódios em que não foram aceitos para trabalhos em grupos, e essas atitudes de
discriminação fazem com que se sintam menosprezados e assim se isolam.
Após as entrevistas tabuladas, a próxima atividade foi uma conversa com os
alunos sobre suas origens étnicas. Muitos não conheciam sobre seus ancestrais, nem os
motivos que levaram, no passado, alguns deles saírem de seus países de origem e
migrarem para o Brasil. Solicitei que conversassem com seus pais e trouxessem
informações sobre os ancestrais. Trouxeram as informações relacionadas, mas muitos
coletaram poucas informações. Para a operacionalização da tarefa, solicitei que
produzissem um texto. Com base em suas respostas conclui que alguns são
descendentes de portugueses, espanhóis, africanos, indígenas, russos, alemães,
poloneses e italianos.
Dos trinta (30) alunos que escreveram apenas cinco (5) afirmaram serem
descendentes de negros e dois (2) de indígenas. A maioria, disse que seus avós, ou
bisavós vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor, porque a Europa estava em
crise. Também afirmaram que muitos deles trabalhavam na agricultura. Alguns
desenvolviam o ofício de mecânico, ferreiro e construção civil. Segundo eles, a maioria
dos pais são agricultores, vinte e três (23) deles são filhos de agricultores, dois (2) são
filhos de motoristas, dois (2) de professores, um (1) de policial militar, dois (2) de pedreiro,
entre outras profissões. Os alunos ajudam seus pais no trabalho na agricultura e na casa.
Merece destaque a afirmação dos alunos que escreveram que queriam, no futuro, ter uma
vida não tão sofrida como os pais, e gostariam que a sociedade tratasse todos com
igualdade. Ademais, quinze (15) dos alunos pretendem entrar na universidade e fazer
uma faculdade.
Como havia constatado pelas falas dos alunos e professores que havia e que há
discriminação no ambiente escolar, isso veio se confirmar através das produções escritas.
Como forma de construção do conhecimento pelos alunos, os mesmos realizaram
pesquisa sobre a discriminação étnico-racial e social, com o objetivo de subsidiá-los sobre
o tema, na Internet, em reportagens, em jornais e revistas para que fossem oportunizadas
reflexões, estudos, discussão sobre a discriminação racial.
Com a pesquisa realizada, os alunos sob a minha orientação, discutiram os
assuntos pesquisados. Porém, com uma ótica mais direcionada aos meus objetivos
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realizamos o estudo dos textos que discutiam os teóricos raciais, conceitos de
discriminação, racismo e preconceito. Foram trabalhadas imagens do passado, da
sociedade negra, para perceberem as diferenças étnico-raciais e sociais e o cruzamento
entre as etnias.
Houve nítida participação dos alunos, pois estavam curiosos sobre como cada
teórico pensava a respeito da discriminação racial, e o que cada um defendia.
Perceberam que o racismo é uma construção humana, a partir dos interesses de grupos
sociais, com destaque para a manifestação do racismo no mundo capitalista que fomenta
a competitividade, a desigualdade, e dominação de uns perante a submissão de muitos.
Para que a discussão tivesse um objetivo, instiguei-os com o seguinte
questionamento: Será que as pessoas não têm preconceitos raciais ou tentam disfarçar?
Em grupo, os alunos reorganizaram as suas ideias, discutiram sobre o questionamento
proposto e elaboraram pequenos cartazes para serem expostos no mural da escola. No
momento da apresentação, percebeu-se, claramente, que alguns alunos ainda não
conseguiam ver a discriminação em seu dia-a-dia, diziam que nunca foram discriminados
e que nunca discriminaram ninguém.
Ainda realizando trabalhos com imagens, utilizei recortes de jornais, os quais
apresentavam cenas de preconceitos, como por exemplo, do ano de 1859, uma mulher
negra, que foi tirada de sua casa, para amamentar o filho do homem branco. Outra do ano
de 2011, com um negro acusado de roubar seu próprio carro pelo vigia de um
supermercado em São Paulo. O uso da mídia se justifica porque tem um papel primordial,
pois a presença poderosa e penetrante das mensagens de sons e imagens produzem
grandes impactos no comportamento social dos indivíduos no mundo contemporâneo; e
as mídias estão diretamente em contato com os adolescentes. A partir da
problematização das reportagens os alunos fizeram a seguinte reflexão:
Não podem fazer isto, é crime. A mãe tem direito de amamentar seu próprio filho. Os brancos não podiam fazer isto, nem perguntavam se a negra queria ou não?
E pela visão naturalizada que alguns alunos têm sobre a cultura afrodescendente
expressaram a sua realidade, não ficaram surpresos com o tratamento dado à mulher
negra, ou pelo segurança ao homem negro. Segundo eles, já escutaram, vivenciaram ou
assistiram pelos meios de comunicação vários casos parecidos com esses; e outros
ficaram surpresos porque nunca tinham ouvido isso. Claro que sempre houve e haverá
divergência de opinião, no entanto, devemos problematizar a visão de que são “normais
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casos de discriminações”, como alguns alunos expuseram. Na mesma turma, outros
alunos acham que isso nunca vai mudar. O mais importante é que muitos afirmaram que
se continuarmos trabalhando essa temática nas escolas, desde a mais tenra idade,
haverá a diminuição de preconceito no meio escolar e na sociedade.
Foi válido o trabalho com reportagens, pois trouxe contribuições valiosas, e um
dos resultados positivos, foi que os alunos interessaram-se pela atividade e nas aulas
seguintes trouxeram outras reportagens de discriminação lidas por eles, deram exemplos
de pessoas envolvidas, despertaram o interesse pelos casos informados por colegas.
Na implementação, outra metodologia utilizada foi analisar através de letras de
músicas a diversidade de interpretação sobre o passado brasileiro e da escravidão. Com
objetivo dos alunos analisarem a exclusão dos negros da História brasileira, foi utilizado o
universo musical do negro, que é um campo interessante de sistematização e
problematização de questões do passado e do presente. Foram selecionadas músicas
com letras que abordam o processo de exclusão/inclusão negra na sociedade brasileira.
Foram analisadas as músicas “Haiti” - composição e interpretação de Caetano
Veloso e Gilberto Gil; e a música “Carta a Mãe África” - composição de Genival Oliveira
Gonçalves, interpretada por Ellen Oléria. Percebi que os alunos gostaram muito, até
pediram para ouvir novamente as músicas. Observei que esta atividade despertou o
interesse dos alunos para conhecer melhor o problema da discriminação, neste caso a
discriminação tanto social como racial.
Os alunos fizeram comparações das letras das músicas com atualidade, de como
o povo menos favorecido economicamente e de cor negra ainda vivem em um mundo que
é dominado por uma classe branca e rica. Como verifica-se nos comentários que seguem,
Precisamos de mais compositores para que façam letras de música como esta, porque assim chama mais atenção para que a nossa sociedade respeite mais o povo negro.
Através do encaminhamento metodológico utilizando músicas, os alunos ficaram
mais envolvidos com a questão de discriminação, através de suas participações durante
as discussões. Em relação à música Haiti, afirmam,
que o Haiti é aqui, pois a discriminação está exposta, e parece que nossas autoridades fecham os olhos para a tal situação. Os negros são maltratados, há tanta discriminação entre as pessoas. Outra indagação importante: de que adianta ser branco se não tem dinheiro? O mundo capitalista discrimina também.
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Este trabalho foi muito válido, pois consegui que os alunos ficassem bem mais
sensibilizados e comprometidos com a importância da diversidade étnico-racial e do
reconhecimento e valorização do ser humano.
Outro suporte utilizado foi à linguagem cinematográfica, pois faz parte do
cotidiano de nossos alunos, e cabe ser analisada, considerando que essa linguagem é
dinâmica e a compreensão do conteúdo tratado é mais direta. Foi analisado o filme:
Quanto vale ou é por quilo? de Sérgio Bianchi. A exposição e debate sobre o filme
envolveu a todos, pois tratava de um assunto polêmico e ao mesmo tempo triste.
Embasados pelo filme, fizemos um grande debate, falamos das cenas de exploração: em
que povo pobre e negro sempre aparece nos grupos explorados. A maioria dos alunos se
indignou com o tratamento dado aos negros e pobres no enredo do filme, século XIX.
Espantaram-se com a falta de direitos dos negros e com o tratamento, por não serem
vistos como gente e sim como uma mercadoria lucrativa.
A partir do filme, foram exploradas as cenas de tortura e os castigos que sofriam
os negros, para que se tornassem submissos. O filme também possibilitou a análise da
atuação de algumas ONGs, na atualidade, que fazem a lavagem de dinheiro e uso
indevido de verbas públicas destinadas a desenvolvimento de projetos sociais, e que na
realidade não atuam combatendo a exploração, ao contrário, aproveitam-se e lucram com
a miséria social.
O filme suscitou as seguintes indagações dos alunos:
Como podem algumas ONGs fazerem isso, não usar o dinheiro para as obras serem realizadas? Nem imaginavam que era um meio deles sonegar os impostos e terem lucros. Então, a Rede Globo, o SBT quando pedem auxílio para campanhas é para descontarem no Imposto de Renda, fazendo isso estão ajudando a eles mesmos.
Diante do exposto, observa-se que foi um trabalho com resultados positivos,
estávamos dando os primeiros passos para a compreensão de que a discriminação é
crime. Com o término da atividade em sala de aula, organizamos duplas e os alunos se
expressaram através de história em quadrinhos e poesias. Em suas produções colocavam
o que haviam aprendido e o que hoje acham da discriminação contra a pessoa negra.
O resultado mais interessante foi que em suas produções escritas e orais fizeram
uma comparação do seu conhecimento no início da implementação e concluíram que
estão tendo um novo olhar, e que necessitam de orientações para que consigam
efetivamente a mudança de atitudes em relação ao preconceito racial. A mudança de
atitudes e comportamentos se dá a longo prazo, mas, este trabalho já é um início.
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Contudo, para que os alunos negros comecem a compreender que a sua etnia só trouxe
contribuições e que devem se orgulhar disso, o ato de refletir sobre a cultura do negro e
suas contribuições para o país deve estar sempre fazendo parte do processo pedagógico.
Assim, esses alunos têm como perceberem a sua importância e estarem também mais
preparados para enfrentarem e se assumirem frente aos atos discriminatórios da escola e
da sociedade.
Como clímax da implementação, na semana de vinte a vinte e cinco de novembro
(20 a 25/11), houve a semana cultural e todas as atividades foram socializadas com a
comunidade escolar através de murais, cartazes, teatros, textos informativos, desenhos e
oficinas, mostrando a trajetória do negro e o desafio de ser reconhecido. Tivemos visitas
de outras escolas e da sociedade, foi um trabalho gratificante.
4. Considerações finais
A implementação na escola teve como objetivo a realização da pesquisa para
investigar o universo dos alunos sobre as questões do preconceito racial e promover a
problematização em sala de aula, articulada com a bibliografia especializada sobre a
temática através de debates, estudos e pesquisas.
Ressalva-se que esse trabalho é apenas o início das discussões, debates e ações
promotoras de superação da discriminação racial presente em nossa escola, em nossa
sociedade, estas ações devem ser continuadas no espaço escolar. A partir do disposto
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-raciais e das
discussões sobre a necessidade de historicizar a cultura afro-brasileira nas salas de
aulas, ressalta-se que é necessário oportunizar um maior conhecimento e também uma
reflexão crítica sobre pertencimento étnico-racial e a sua inclusão no meio social, pois as
contribuições da população afrodescendente apresentam-se esquecidas e ignoradas ao
longo do tempo.
Para que sejam superadas as práticas de discriminação racial e social entre os
alunos, aponta-se a necessidade de desenvolvimento de outras pesquisas, em nossa
escola, que abordem as formas de discriminação presentes em seu interior e que
perpassam a sociedade brasileira através de práticas sociais historicamente construídas.
Não se pode negar, que é indispensável um trabalho pedagógico utilizando novas
metodologias de ensino. Ao invés do preconceito trabalhar a diversidade e as práticas
socioculturais de origem afrodescendente para que se efetive um ensino que faça o aluno
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pensar historicamente, desenvolvendo a sua capacidade de historicizar, em especial no
que se refere à igualdade como seres humanos.
Contudo, deve-se ter o cuidado, de não se reproduzir atitudes preconceituosas,
vista a polêmica presente no tema. É preciso compreender que a história foi construída
por muitos conflitos e, portanto, cabe promover, junto aos alunos, uma reflexão crítica e
autocrítica sobre o racismo, e as relações de exploração impulsionadas por ideias raciais,
tanto no passado, quanto no presente, e consequentemente sua superação.
Esta realidade exige do professor um trabalho cuidadoso de formação dos alunos,
ao ensinar o respeito às diferenças e a defesa da justiça social para que as práticas de
discriminação racial e social entre os alunos, entre professores e alunos, alunos e
professores desapareçam. Portanto, é um desafio que o professor deverá assumir ao
trabalhar este tema, por isto é necessário o investimento na formação continuada dos
envolvidos na educação, e que também os mesmos tenham comprometimento, e que
todos encontrem tempo e espaço para buscar soluções.
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