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7/22/2019 Resumo Honneth (1)
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I PRESENTIFICAO HISTRICA: A IDEIA ORIGINAL DE HEGEL
Tarefa de Hegel Tirar da ideia de Kant sobre a autonomia individual o mero carter de
dever-ser, expondo-a como um elemento da realidade social j vivida historicamente. Nos
anos como escritor em Jena, defendeu a ideia de que resulta da luta entre os sujeitos por
reconhecimento uma presso intrassocial para o estabelecimento de instituies garantidoras
de liberdade. Hegel chegou a essa ideia atravs dos conceitos de luta social de Maquiavel e
Hobbes, atribuindo o conflito a impulsos morais. E encontrou tambm no conceito de luta a
ideia de que ela um distrbio das relaes sociais de reconhecimento, sendo tambm um
meio do processo de formao tica do esprito humano.
1. Luta por autoconservao: a fundamentao da filosofia social moderna.
A filosofia social moderna encara a vida social como uma relao de autoconservao.
Em Maquiavel, h a ideia de que os sujeitos individuais se contrapem para defesa de seus
interesses, e em Hobbes a ideia do Contrato fundamentando a soberania estatal s possvel
em razo da luta. Difere da ideia clssica de zoon politikon em que o homem dependia daestrutura social para garantir a sua natureza interna. Apenas aps a plis que o homem passou
a ser individualmente considerado, em razo das virtudes intersubjetivamente consideradas.
Maquiavel escreveu artigos sobre o homem ser egocntrico, atento somente ao
proveito prprio, lutando com outros homens pela busca de xito e, sabendo da natureza
egocntrica de seus opositores, agem com receio e desconfiana, buscando sempre a
autoconservao. Para ele, os detentores do poder devem saber influenciar estes conflitos.
Hobbes pde, tendo em vista a expanso comercial e o moderno aparato estatal, bem
como o xito do estudo das cincias naturais de Galileu, aprimorar o pensamento. Ao estudar
as leis da vida civil, Hobbes conclui que o homem, movendo-se como um autmato, destaca-
se pela necessidade de garantir o seu bem-estar futuro. Ocorre que, ao se deparar com outrohomem com os mesmos objetivos, tem que ampliar a sua atuao, para evitar tambm o
ataque do outro no futuro. Na segunda parte de sua pesquisa, Hobbes demonstra que, caso se
fosse subtrada a figura do poder estatal, os homens, tendo em vista a natureza de conflito,
entrariam em permanente guerra. E conclui, em sua terceira etapa, que apenas a submisso
dos homens soberania estatal, atravs de um contrato, pode dar fim guerra ininterrupta de
todos contra todos.
O que h em comum em ambos os estudos o pensamento da necessidade de
limitao dos conflitos, atravs do Poder. Hegel busca, com a sua filosofia poltica, ir contra
esse pensamento, mas acaba por se valer do modelo hobbesiano de luta inter-humana para
concretizar os propsitos crticos.
2. Crime e eticidade: Hegel e o enfoque novo da Teoria da Intersubjetividade
Hegel retoma o conceito da luta social entre homens para desenvolver a sua filosofia
poltica, mas em um contexto completamente diferente, j que havia se passado 100 anos
desde os estudos de Hobbes. A teoria da Unificao de Hlderlin colocaram em xeque o vis
individualista dos estudos kantianos; a leitura de Plato e Aristteles conferem
intersubjetividade uma importncia muito maior; e o modelo de circulao de bens da
economia poltica inglesa via a necessidade de mediao pelo mercado, atribuindo uma
limitao formal dos direitos.
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Hegel destaca em seu texto duas formas de Direito Natural, a Emprica e a
Formal, encontrando erros nas duas. Ele entende como emprica aquele enfoque pelo qual
os atos admitidos como naturais so sempre oriundos de indivduos isolados, aos quais
acrescem depois, como que do exterior, as formas de constituio da comunidade. O enfoque
formal, representado por Kant, diz que as aes ticas em geral s podem ser tomadas como
o resultado de operaes racionais, purificadas de todas as necessidades e inclinaes do
esprito humano, ou seja, aqui a natureza do homem tomada como uma coleo de
disposies egocntricas. Em ambos os modelos, Hegel v a falha no pensamento de que a
base da sociedade a existncia de sujeitos isolados, enquanto ele prope que, no direito
natural moderno, a comunidade de homens tem que ser enxergada como muitos
associados, uma soma de todos os sujeitos isolados, e no segundo o modelo de uma
unidade tica de todos.
Para a filosofia poltica de Hegel, o que importa o pensamento de uma totalidade
tica: a sociedade s pode ser entendida como uma comunidade eticamente integrada de
cidados livres. Remonta aos estudos de Plato e Aristteles, de os membros da comunidadepoderem se reconhecer intersubjetivamente em um costume praticado em pblico.
Disto ele extrai o seu pensamento de uma coletividade ideal. Em primeiro lugar, ele v
a sociedade como uma unidade viva da liberdade geral e universal, ou seja, a vida pblica
tem que ser encarada como uma soma das liberdades individuais, e no como uma restrio
liberdade. Em segundo, ele informa que os costumes e os usos comunicativamente exercidos
no interior de uma coletividade so o meio de se efetuar a integrao da liberdade por este
vis, as leis deveriam expressar sempre os costumes existentes de fato na comunidade. E, ppor
fim, ele mostra que as atividades mediadas pelo mercado e os interesses dos indivduos
particulares (o sistema de propriedade e direito) seriam uma zona negativa, mas ainda assim
constitutiva do todo tico.Tendo em vista essas premissas, Hegel enfrenta uma srie de problemas, tendo em
vista que a filosofia social moderna est ancorada em uma premissa atomstica (que parte de
um indivduo fictcio, solitrio e autocentrado para, posteriormente, encontrar a comunidade
como algo que lhe exterior e heternomo) e no consegue explicar um novo tipo de
sociedade superior. Ele precisa ento desenvolver meios de justificar a existncia de uma
sociedade que encontraria a sua coeso tica no reconhecimento solidrio da liberdade de
todos os cidados.
A primeira proposio, guiada por Aristteles, a de substituir as categorias
atomsticas por categorias que busquem o vnculo social entre os sujeitos. Deve ser aceito que,
desde o princpio, a base da socializao humana encontra-se no vnculo intersubjetivo. O
segundo passo expor de que modo pode ser explicada a passagem de uma eticidade
natural para a forma de organizao da sociedade definida como uma relao de totalidade
tica. O que Hegel busca no explicar a gnese de formao das comunidades em geral, mas
sim a transformao das comunidades primitivas em formas mais sofisticadas de interao
social, tendo em vista que ele parte da premissa de que o estado natural da sociedade
calcada em relaes intersubjetivas. Ele v nesse processo um estado to conflituoso, que
surge nesse momento o conceito no qual ele trabalhar adiante, que o do reconhecimento.
Ele alega que o esprito humano o processo de universalizao conflituosa dos potenciais
morais, j inscritos na eticidade natural como algo no desdobrado, o vir a ser da
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eticidade. E que, dos conflitos vivenciados, a sociedade vai se livrar dos resqucios individuais,
dando vez a uma unidade do universal com o particular.
Neste momento, surgem dois problemas: 1) de que modo podem estar constitudos os
potenciais no desdobrados da eticidade humana; e 2) que forma social deve possuir o
processo de negaes a se repetirem, atravs do qual os mesmos potenciais ticos poderiam
depois se desenvolver at alcanar a validade universal.
A dificuldade inicial surge da necessidade de descrever os contedos normativos da
primeira etapa da socializao, de forma que dela resulte um processo de crescimento dos
vnculos de comunidade, bem como o aumento da liberdade individual. Ele apenas passa a
esboar uma resposta sobre isso quando reinterpreta a doutrina do reconhecimento de Fitche,
imprimindo tambm um novo significado ao conceito de luta hobbesiano.
Antes ele criticava Fitche, por ser ele defensor do enfoque formal do direito natural
(as aes ticas em geral s podem ser tomadas como o resultado de operaes racionais,
purificadas de todas as necessidades e inclinaes do esprito humano, ou seja, aqui a natureza
do homem tomada como uma coleo de disposies egocntricas) , mas posteriormente,ele reconheceu a teoria do reconhecimento como til para ajudar a descrever a estrutura
interna das formas de relao tica, como se fosse um primeiro momento da socializao
humana. Para Fitche, a relao de reconhecimento uma ao recproca entre os indivduos,
cria a conscincia comum, que depois vai ser validada pela relao jurdica. Hegel, num
primeiro momento, aplica esse modelo sobre as distintas formas de ao recproca entre
indivduos, projetando o processo intersubjetivo de reconhecimento mtuo para dentro das
formas comunicativas da vida. A seguir, as relaes ticas da sociedade representam para ele
as formas de uma intersubjetividade prtica, na qual o vnculo complementrio e a
comunidade necessria de sujeitos em conflito so assegurados pelo movimento de
reconhecimento. Assim que um sujeito se sabe reconhecido pelo outro, ele sempre vir aconhecer, ao mesmo tempo, as partes de sua identidade inconfundvel e, assim, tambm
estar contraposto ao outro novamente como um particular. Ou seja, o processo de
reconhecimento dinmico, posto que a relao j estabelecida eticamente sempre gera mais
conhecimento acerca do Eu individual, gerando novas etapas cada vez mais exigentes de
reconhecimento da individualidade. A relao de reconhecimento composta de etapas de
reconciliao e conflito ao mesmo tempo, as quais substituem umas s outras. Como se v, o
que Hegel prope no mais a ideia de que a vida tica resulta simplesmente da natureza dos
homens, mas de uma espcie particular de relao entre eles. Sai do conceito de natureza e
adentra num conceito do social em que h sempre uma tenso interna.
Essa dinamizao terica que permite a Hegel concretizar o curso negativo do
desenvolvimento da eticidade humana. Reinterpretando a luta originria de todos contra
todos, inscrita na obra de Hobbes, se os sujeitos entram em conflito em razo de no verem
reconhecidas as suas individualidades, a luta no apenas por autoconservao do ser fsico,
mas antes, por origem um acontecimento tico. Um contrato entre os homens no finda o
estado precrio de uma luta por sobrevivncia de todos contra todos, mas sim a luta como um
meio moral leva a um estgio mais maduro da relao tica. Para Hegel e sua reinterpretao,
o conflito prtico entre sujeitos pode ser entendido como um momento do movimento tico
no interior do contexto social da vida. Assim, o conceito de social, agora recriado, abrange no
s o domnio moral de tenses, mas tambm o meio social pelo qual elas as tenses sodecididas de maneira conflituosa.
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No Sistema da eticidade, o modelo encontrado por Hegel se manifesta, em vez de
comear a falar sobre a luta de todos contra todos, ele a inicia com formas elementares do
reconhecimento inter-humano, com o ttulo de Eticidade natural. A violao dessas relaes
iniciais, recebem o status de crime, passando a conduzir um estado de integrao social,
concebvel como uma relao pura de eticidade.
Hegel comea descrevendo as primeiras relaes sociais afastando o sujeito de
determinaes naturais, aumentando-lhes a individualidade em duas etapas de
reconhecimento recproco, cujas diferenas se medem pelas dimenses da identidade pessoal
que encontram a uma confirmao prtica.
A primeira relao social a dos pais e filhos, em que se reconhecem
reciprocamente como amantes e emocionalmente dependentes. No entanto, quando do
trabalho da educao, surge a formao da negatividade interna e da independncia do
filho, causando a superao da unificao do sentimento. A segunda relao descrita,
superada essa primeira fase, mas ainda chamando de eticidade natural, a das relaes de
troca praticados entre proprietrios. As relaes prticas que os proprietrios j mantinham naprimeira relao social so arrancadas do universo particular e passa por uma universalizao
jurdica, garantidas por contratos.Aos proprietrios cabe o direito formal de falar sim ou
no para as propostas do acordo, reconhecendo-se mutuamente a liberdade negativa de
atuao (podendo negar as propostas).
Nessa segunda etapa, Hegel continua vendo os indivduos em uma etapa natural da
eticidade, posto que eles apenas esto includos atravs da liberdade negativa, ou seja,
meramente pela capacidade de negar ofertas sociais. verdade que, nessa segunda etapa, o
movimento de reconhecimento rompe os limites particularistas da fase da famlia (primeira
etapa), mas o indivduo ainda no posto como totalidade que se reconstri a partir da
diferena.Aps isso, Hegel se ocupa em contrapor a estas formas naturais de reconhecimento
diversas espcies de luta entre a fase da eticidade elementar e a eticidade absoluta. Ele no
busca explicar teoricamente a passagem entre as diversas etapas no movimento de
reconhecimento, mas sim ele faz com que siga a elas todas uma nica etapa de lutas diversas,
cujo efeito comum consistir em interromper de maneira reiterada e conflituosa o processo de
reconhecimento recproco. O que interessa a ele a forma interna do decurso da luta que
resulta em cada caso de perturbao no convvio social, ao que ele d o nome de crime.
Hegel enxerga no conceito de crime o fato de que os indivduos, em razo de estarem
includos socialmente apenas atravs de sua liberdade negativa, fazem um uso destrutivo. Ele
no se ocupa em explicar o motivo interno de cada crime, mas o que d pra extrair de sua obra
que o motivo do crime constitudo pelo indivduo no se ver reconhecido de maneira
satisfatria na etapa estabelecida de reconhecimento mtuo, o que o faz a cometer o crime.
Na segunda etapa do reconhecimento, num roubo, por exemplo, o sujeito fere a forma
universal de reconhecimento. No crime de roubo, num primeiro momento, o sujeito
subtrado em sua propriedade, mas ao mesmo tempo atingido de tal modo que ele lesado
como pessoa, pois, j que estamos ainda em uma fase de eticidade natural, e falta ao
direito um a fora de autoridade pblica, cabe prpria pessoa a defesa de seu direito de
propriedade, de modo que uma leso o atinge como pessoa como um todo. Da surge a reao
do sujeito lesado, nascendo uma relao reativa pessoa versus pessoa. Mas, para Hegel,apenas o sujeito lesado poder ter prevalncia no conflito, posto que ele est em defesa de
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sua personalidade inteira, enquanto o criminoso age de acordo apenas com seus interesses
particulares.
Por fim, na terceira etapa da negao do reconhecimento (a primeira, inicia com o
roubo e a segunda com a sujeio do criminoso), surge a luta por honra. Nesta etapa, o prprio
criminoso poderia estar lutando por sua honra, e, por isso cometeu o crime: como ele no
teve a sua integralidade reconhecida num primeiro momento, ele parte para o crime. Assim,
so opostos dois sujeitos que, lutando por honras motivadas diferentemente, buscam apenas
afirmar a sua integralidade, reparando assim a sua honra. Por estar o todo das pessoas
envolvidas em jogo, Hegel entende que o conflito que se pe de vida ou morte.
A evoluo dos conflitos apresentados retiram do ato destrutivo o carter unicamente
negativo, mas, d a ideia de que, tomados em conjunto, os conflitos parecem querer constituir
a passagem da eticidade natural para a eticidade absoluta, uma vez que os indivduos
estaro providos da qualidade e discernimento para tal. A partir dos atos de destruio so
criadas as relaes de reconhecimento eticamente mais maduras, sob cujo pressuposto pode
se desenvolver uma comunidade de cidados livres.Neste ponto, surgem dois aspectos da ao intersubjetiva: 1) de um lado, a cada
desafio a que so expostos os indivduos em razo dos diversos crimes, os sujeitos chegam a
um conhecimento maior sobre sua prpria identidade; passa-se do estado de pessoa
(indivduo que recebe sua identidade primariamente do reconhecimento intersubjetivo de sua
capacidade jurdica, na eticidade natural) para pessoa inteira (indivduo que obtm sua
identidade sobretudo do reconhecimento de sua particularidade); 2) ao mesmo tempo, os
sujeitos devem desenvolver um conhecimento maior sobre sua dependncia recproca:
quando assim agem, no mais o fazem como agentes egocntricos, mas sim como
membros de um todo.
Assim, acaba se destacando o processo de formao com que Hegel tenta explicar apassagem da eticidade natural para a absoluta. Somente aqueles conflitos sociais nos quais a
eticidade natural se despedaa (atravs do crime) permitem aos sujeitos desenvolverem o
reconhecimento mtuo enquanto pessoas dependentes umas das outras, e, ao mesmo tempo,
integralmente individuadas.
Porm, Hegel ainda insere nessa terceira fase, uma condio implcita. afirmada
como fundamento intersubjetivo de uma coletividade futura uma relao especfica entre os
sujeitos, para a qual se encontra a categoria intuio recproca, ou seja, o sujeito se intui no
outro como em si mesmo. O reconhecimento no somente cognitivo, mas tambm afetivo.
Porm, ele no continua a desenvolver essa ideia.
Honneth passa a apresentar alguns pontos obscuros na teoria de Hegel:
1) Hegel no deixa claro sobre em que medida a histria da eticidade humana deve ser
reconstruda atravs do desdobramento relaes de reconhecimento. O texto faz transparecer
a ideia de que so trs fases de reconhecimento: relao afetiva com a famlia, relao
cognitivo-formal como pessoa de direito, e a relao de reconhecimento pelo Estado, no plano
afetivo, como ser universal-concreto. Porm, para a teoria das etapas do reconhecimento
social, em que diferentes modos de reconhecimento so aplicados a diferentes tipos de
pessoa, fica faltando clareza conceitual, de modo que a teoria de Hegel no seria de aplicao
segura.
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2) Faltou exatido categorial para a posio do crime na histria da eticidade, posto que Hegel
no esclareceu como as diversas formas de crime, como um todo, influenciariam na passagem
de uma etapa para a outra. Ademais, a luta no momento do reconhecimento no seria s uma
funo negativa, mas tambm uma positiva, ou seja, criando a conscincia.
Hegel apenas comeou a realizar um estudo mais aprofundado sobre essas falhas
quando deixou de lado a base aristotlica dos conceitos bsicos de sua eticidade. At ento, a
referncia central era a ordem natural, e, por isso, ele no pde descrever as relaes ticas
entre homens seno como gradaes de uma semelhante natureza subjacente, de modo que
as qualidades cognitivas e morais permaneceriam indeterminadas. na sua Filosofia do
Esprito que ele rompe com o conceito de natureza abrangente, e passa a designar no a
realidade como um todo, mas apenas o domnio da realidade que oposto ao esprito como
seu outro, ou seja, a natureza pr-humana. Ao sofrer essa delimitao, a esfera da eticidade se
v livre para determinaes e distines categoriais derivadas do processo de reflexo do
esprito. Nasce ento uma teoria filosfica da conscincia.Agora, Hegel no mais pode compreender a vida da constituio de uma coletividade
poltica como um processo de desdobramento conflituoso de estruturas elementares de uma
eticidade natural. Antes disso, ele precisa entende-la como um processo de formao do
esprito. Atravs dos meios linguagem, instrumento e bem familiar, a conscincia
aprende a conceber-se pouco a pouco como unidade imediata de singularidade e
universalidade, e, aps, chega compreenso de si mesma enquanto totalidade.
Neste novo contexto, o reconhecimento refere-se ao passo que uma conscincia
ideal em totalidade efetua no momento em que ela se reconhece como a si mesma em uma
outra totalidade, em uma outra conscincia. A partir disso, ocorre uma luta nessa experincia
do reconhecer-se-no-outro, e apenas no conflito que fica evidenciado se o outro tambm sereconhece nas outras totalidades.
Agora, com a teoria da luta por reconhecimento mais clara que nos tempos de Jena,
Hegel consegue transferir os motivos do conflito para o interior do esprito humano que, para
se realizar integralmente, tem de pressupor um saber sobre seu reconhecimento pelo outro,
atravs do conflito. O conflito permanece sendo o mecanismo que fora os sujeitos a se
reconhecerem reciprocamente um no outro, gerando assim uma conscincia universal.
Contudo, h diferenas entre os dois escritos, no nvel dos fundamentos. Ambos
revelam a luta por reconhecimento como o processo social que leva a um aumento da
comunitarizao. Porm, somente em Sistema da Eticidade (Jena) a luta tambm um meio
de individualizao, pela qual os sujeitos se reconhecem mutuamente, mas tambm geram um
autoconhecimento. Agora, Hegel se afasta dessa ideia, posto que a anlise no mais se baseia
em relaes ticas, mas consiste, antes, em etapas de automediao da conscincia
individual. Assim, a relao entre os sujeitos no pode ser concebida como algo anterior aos
prprios indivduos. Ou seja, antes a descoberta individual se dava no momento da relao, do
conflito. Agora, a luta posterior ao alcance da concluso sobre a individualidade, que ocorre
no esprito. Se antes, a investigao filosfica tomava como ponto de partida a ao
comunicativa, agora ela confronta o indivduo com o seu entorno, desenvolvendo uma
reflexo do esprito. Ele precisa alcanar a conscincia da totalidade antes de partir para a
universalizao, que se dar atravs da luta por reconhecimento. Ou seja, a luta perde o duplo
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carter: no h mais o reconhecimento individual; agora, a luta apenas se presta como meio
para a universalizao social.
3. Luta por reconhecimento: a teoria social da Realphilosophie de Jena
Na Realphilosophie que Hegel vai arredondar a sua filosofia, formando um sistema
unitrio, pois conseguiu aprimorar o seu conceito de esprito. Com base na influncia de
Fitche, Hegel considera como trao determinante a capacidade particular de ser nele mesmo
o outro de si mesmo, cabendo ao esprito a propriedade de autodiferenciao, num processo
de trs etapas: sua constituio interna como tal, a sua exteriorizao na natureza objetiva e o
retorno para si mesmo, quando, ento, retorna j diferenciado e absoluto em si mesmo.
As partes da Filosofia do Esprito devem reproduzir o processo de formao que o
esprito efetua, no mais se restringindo s relaes ticas. A terceira parte do sistema passa a
incluir, tambm, os passos da formao do esprito pelos quais ele obtm uma viso absoluta
de si mesma, com base na religio, arte e cincia. Assim, no so mais as relaes ticas do
Estado que fornecem o ponto de referncia supremo, mas sim os trs media do conhecimento.A constituio da conscincia humana deixa de ser integrada no processo de construo das
relaes sociais ticas como uma dimenso constitutiva, mas sim, as formas de
relacionamento social e poltico dos homens passam a ser somente etapas de transio no
processo de formao da conscincia humana que produz os trs media de autoconhecimento
do esprito.
Hegel mantm sua inteno original de reconstruir a formao do esprito no interior
da esfera da conscincia humana at chegar ao ponto onde comeam a se delinear, na relao
tica do Estado, as estruturas institucionais de uma forma bem-sucedida de socializao.
Porm, Hegel no faz com que o processo se consuma numa situao de relaes polticas,
mas o encerra com aquelas formas de saber nas quais ele alcanou a intuio de si mesmo
como si mesmo.
Na reconstruo de sua teoria, o primeiro ttulo o do esprito subjetivo; o segundo
ttulo fala do esprito efetivo e, por fim, o esprito absoluto. Os captulos narram o
processo de realizao do esprito. Num primeiro momento, fala-se da relao do indivduo
consigo prprio (esprito subjetivo). Depois, as relaes institucionalizadas dos sujeitos entre si
(esprito efetivo) e, por fim, as relaes reflexivas dos sujeitos socializados com o mundo todo
(esprito absoluto).
Na primeira fase (esprito subjetivo), o procedimento reconstrutivo deve esclarecer
quais experincias um sujeito tem que ter feito antes de estar em condies de conceber-se
como pessoa dotada de direitos e, assim, poder participar da vida em sociedade, isto , no
esprito efetivo. Quanto ao aspecto cognitivo, ele narra uma sequencia de etapas que vai da
intuio capacidade de representao lingustica das coisas, passando pela imaginao, e
aprende assim a entender-se como a fora negativa que gera a ordem da realidade,
tornando-se objeto dessa realidade. Por outro lado, a experincia ainda incompleta, porque
o sujeito s pode produzir categorialmente o mundo, e no de forma prtica, sem eu
contedo. Assim, o processo de formao precisa de uma ampliao, para que a inteligncia
venha a adquirir a conscincia de seu agir. O sujeito s vai se autoexperimentar
completamente quando ele aprender a se conceber tambm como um sujeito das produes
prticas. Por isso que o segundo aspecto que Hegel investiga o movimento de auto-objetivao, uma sequencia de passos de realizao da vontade individual. Se antes, o sujeito
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em suas relaes com o mundo era apenas inteligncia, para Hegel ele se torna vontade
quando abandona as experincias tericas e tem um contato prtico com o mundo. A vontade
quer dizer da resoluo de experimentar-se como a si mesmo num objeto da ao. Para Hegel,
o processo de formao da vontade se compe das formas de autoexperincia que desejam a
realizao prtica das prprias intenes.
Hegel faz com que o aspecto prtico do processo comece com a experincia
instrumental do sujeito, atravs do nexo interno trabalho, instrumento e produto. Como o
esprito humano no reage escassez com um ato de consumo direto dos objetos, aparece
nele a ao do trabalho, que tem seu esforo reduzido pelos instrumentos que adia o
processo de satisfao, mas que gera no indivduo a conscincia que a obra o resultado da
atividade do trabalho atravs do instrumento, ou seja, o indivduo no s altera
categorialmente o mundo, mas adquire conscincia de suas aes, passa a saber de sua
capacidade para a produo prtica. Esse mecanismo, contudo, limitado, porque depende da
coao da autodisciplina. O esprito subjetivo se experimenta como um ser capaz de atividade
por autocoero.Contudo, essa primeira experincia continua incompleta, tendo em vista que, se o
esprito subjetivo apenas pode se conhecer na execuo do trabalho, em razo da adaptao a
uma causalidade natural (a escassez), essa experincia ainda no capaz de se chegar a uma
conscincia de si mesmo como uma pessoa de direito. Tal situao demandaria conhecer-se
intersubjetivamente, cabendo a Hegel, ento, delinear o primeiro reconhecimento recproco.
Para essa misso, ele se vale do conceito de astcia, que seria uma propriedade
feminina. Ele alega que, ao substituir o instrumento pela mquina, a conscincia subjetiva
torna-se astuta, porque aplica as foras naturais, para os prprios fins da elaborao da
natureza. Porm, a capacidade de fazer o outro inverter-se a si mesmo em seu agir, seria
unicamente feminina. Assim, a astcia divide a vontade em dois extremos, o masculino e ofeminino, e, da em diante, escapado de sua existncia solitria. Hegel assim amplia a esfera
do esprito subjetivo, incluindo a relao sexual, e o motivo que o levou a isto reside no fato de
que, junto com a interao sexual, introduzida uma condio constitutiva complementar da
autoconscincia de uma pessoa de direito.
A sexualidade representa, assim, a primeira forma de unificao de sujeitos opostos
uns aos outros. Mas a experincia reciproca do saber-se no outro apenas se torna amor real
quando capaz de se tornar conhecimento das duas partes, intersubjetivamente partilhado.
Neste momento Hegel usa pela primeira vez o termo reconhecimento, ao afirmar que a
relao amorosa o si no cultivado que reconhecido. Generalizando essa ideia, temos a
premissa de que o desenvolvimento de um sujeito est ligado pressuposio de
determinadas formas de reconhecimento por outros sujeitos. Porm, a ideia de Hegel vai alm
da mera constatao da teoria da socializao, pela qual a formao da identidade do sujeito
deve estar vinculada ao reconhecimento intersubjetivo. Est embutida na relao de
reconhecimento, tambm, uma presso para a reciprocidade, que sem violncia obriga os
sujeitos que se deparam a reconhecerem o outro da seguinte maneira: se eu no reconheo
meu parceiro de interao como um determinado gnero de pessoa, eu no posso me ver
reconhecido nele, j que foram negadas por mim aquelas propriedades e capacidades nas
quais eu quis me sentir confirmado por ele.
Mas no momento Hegel no quer se preocupar com concluses deste tipo e parte parauma outra premissa, ocupando-se, sobremaneira, com a relao de reconhecimento amor,
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com a funo especial que h de caber no processo de formao da autoconscincia de uma
pessoa de direito. Hegel entende que o amor um elemento da eticidade, no ela prpria,
mas um pressentimento da eticidade. Com esse carter, o amor pode significar que a
experincia de ser amado conduz ao desenvolvimento bem-sucedido do ego e, com isso, ser
fundamental para a experincia com a vida pblica.
Hegel afirma ainda duas formas de intensificao do potencial do amor de experincia
interna. Num primeiro momento, consolida-se a relao ertica do amor, o saber-se-no-outro,
at tornar-se um conhecimento comum dos dois parceiros. Atravs do casamento, esse saber
assume novamente uma atuao reflexiva, posto que v na posse familiar uma forma de sua
subsistncia. Contudo, a posse familiar se assemelha ao instrumento, posto que uma
expresso insuficiente, sem emoo. Para poder se chegar a uma intuio ilimitada do amor
num meio exterior, um outro passo de objetivao comum o nascimento de um filho. No
filho, os pais intuiriam o amor, seria a unidade consciente de si, enquanto consciente de si.
Ainda assim, ainda no h um campo de experincia que permita o reconhecimento de
si como pessoa de direito. Por mais que o relacionamento familiar seja capaz de produzir noesprito subjetivo a ideia do reconhecimento recproco, ele no capaz de gerar distrbios que
obrigue o sujeito a pensar sobre as normas abrangentes, gerais, da regulao do
relacionamento social. Por isso, Hegel deve ampliar ainda mais o processo de formao do
sujeito, valendo-se, no contexto de sua Realphilosophie, do conceito de luta por
reconhecimento.
Tendo em vista que o homem ainda no pde, no seio familiar, se experimentar como
sujeito de direito, ele transporta o agrupamento familiar para um lugar em que possa
experimentar relaes com outros agrupamentos familiares semelhantes, mas no o faz como
uma fase da formao do esprito, mas apenas como uma simples operao de mtodo.
Quando as famlias passam a se apoderar de uma poro de terra, para o seu bem econmico,h uma situao de concorrncia social, que, primeira vista, corresponde quela descrita
pelo direito natural: este o estado de natureza: o ser livre e indiferente de indivduos uns
para com os outros, e o direito natural deve responder ao que, segundo essa relao, os
indivduos tm por direitos e deveres uns para com os outros.
Neste novo momento, Hegel se ope criticamente ao estado de natureza
hobbesiano de guerra de todos contra todos, como forma a justificar a necessidade de um
contrato, como algo de fora. Hobbes via que o contrato era um preceito de prudncia,
enquanto Kant e Fitche entendiam que se tratava de um postulado da moral, de modo que em
ambas as situaes a necessidade algo externo, e no um movimento do pensamento do
esprito. Hegel mostra que, ao contrrio, a realizao do contrato social um processo que
procede com necessidade da situao social iniciativa. No uma necessidade terica, mas
sim prtica, emprica, no qual o contrato fechado no interior da estrutura da situao de
concorrncia.
Hegel sustenta que h uma fase pr-contratual em que os sujeitos se reconhecem
reciprocamente, destacando o potencial moral, que depois se efetiva de forma positiva na
disposio individual de limitar reciprocamente a esfera de liberdade. Entre as circunstncias
que caracterizam o estado de natureza, deve ser contado o fato de que os sujeitos j se
reconheceram previamente ao conflito. Dessa forma, Hegel explicita que o convvio humano
pressupe uma espcie de afirmao mtua, que, de forma rudimentar, pode ser encaradacomo a primeira forma de conscincia do direito, mas que a passagem para o contrato social
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apenas um processo prtico, que os sujeitos efetuam quando se tornam conscientes de suas
relaes prvias de reconhecimento, criando uma relao jurdica intersubjetivamente
compartilhada.
Apresentando como conflito a tomada de posse por uma das famlias, Hegel afirma
que a tomada de posse gera uma perturbao no convvio social. S que, ao contrrio do que
afirma Hobbes, o indivduo vai reagir tomada no por medo de uma ameaa futura sua
autoconservao, mas sim a reao vai se calcar no fato de o confrontante ter ignorado o
sujeito passivo da tomada de posse. A prpria reao tambm distancia a teoria de Hegel da
de Hobbes: aqui o sujeito lesado quer apenas se fazer reconhecido pelo outro defrontante, e
no meramente satisfazer seus interesses particulares.
O prximo passo reconstruir o conflito pelo vis da parte possuidora. Inicialmente, a
parte que pretende tomar a posse desejava apenas a multiplicao de seus bens, sendo uma
relao consigo mesmo. Porm, quando h uma reao, h uma percepo retrospectiva pelo
tomador da posse sobre o entorno social. Da, o ato ofensivo no mais se refere unicamente
posse, mas sim ao prprio ofendido, que deve reagir, nascendo uma situao de conflito emque ambos os envolvidos j reconhecem a dependncia recproca. Com isso, Hegel conclui que
no estado de natureza um acordo implcito entre os sujeitos se antepe ao conflito. Cada um
est consciente de si no outro antes mesmo que o conflito ocorra.
Na reconstruo Hegeliana, atribuda uma posio de destaque luta de vida e
morte, etapa pela qual os indivduos se reconhecem como detentores de direitos. Ao
experimentar a questo da finitude da vida, eles possuem de imediato um saber da vontade,
em que o defrontante includo como um sujeito de direitos. Contudo, uma srie de
interpretaes sobre o que viria a ser a morte precisou ser realizada, para se fazer uma linha
de raciocnio compreensvel. Andreas Wildt entende que o conceito de vida e morte no
num sentido literal, mas sim referente a uma ameaa existencial, nos quais o sujeito percebe
que a vida plena s possvel caso sejam reconhecidos os direitos e deveres. A interpretao
de Alexandre Kojve, por sua vez, alega que Hegel antecipou os fundamentos da filosofia
existencialista, visto que a possibilidade de liberdade individual estaria ligada certeza
antecipada da prpria morte. Uma terceira interpretao, baseada na teoria da
intersubjetividade, diz que a morte no a morte em si, mas a possvel morte do parceiro de
interao seria capaz de gerar o conhecimento sobre a deteno de direitos, pois com a
cincia da finitude do outro, toma-se a conscincia da comunidade existencial entre ambos.
Nenhuma dessas interpretaes, para Honneth capaz de explicar a razo pela qual a
cincia sobre a morte geraria a conscincia sobre os direitos fundamentais, mas Hegel explica
de forma categrica que os sujeitos que lutam entre si, previamente j conheceram seus
direitos fundamentais, formando uma relao jurdica intersubjetivamente vinculante.
Honneth entende que Hegel transgrediu um pouco o estado das coisas, posto que no
precisaria da figura da morte, pois, to logo os sujeitos tenham se reconhecido mutuamente
em suas fragilidades, h a aceitao recproca das pretenses fundamentais de integridade.
Hegel termina assim a sua exposio sobre a criao do esprito subjetivo. Visto que a
vontade individual pode se conceber agora, com base nas reaes de cada outro indivduo,
como uma pessoa dotada de direitos, ela est capacitada para participao na esfera universal
onde ocorre a vida social. Essa esfera, contudo, no superior aos sujeitos, mas sim um
mdium englobante, capaz de reproduzir atravs da prxis intersubjetiva do reconhecimentorecproco. Esta esfera se forma pela soma de todos os processos de formao individual.
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Assim, inaugura-se uma nova etapa da investigao de Hegel, pela qual a vontade
individual ingressa na realidade social. No captulo que versa sobre o esprito efetivo, Hegel
precisa reconstruir o processo de formao do esprito numa esfera da sociedade constituda
apenas pelo direito. Contudo, as relaes jurdicas mostradas at ento no so capazes de
fornecer uma base adequada, de modo que Hegel deve ampliar cada vez mais, abarcando
contedos materiais.
O sujeito entra na sociedade como um ser que frui e trabalha. Disso decorre que a
atividade laboral do sujeito no mais se presta a atender as suas prprias carncias, mas sim as
dos demais, instituindo-se um sistema de troca: os sujeitos reconhecem mutuamente a
legitimidade de sua posse gerada pelo trabalho, e passam a trocar parte de suas riquezas por
outros produtos sua escolha. H aqui uma ao recproca entre sujeitos de direito, que
ampliada com a introduo da figura de um contrato. Com este, no h mais a imediatez do
ser reconhecido: a troca factual de bens substituda por uma forma reflexiva de um sab er
linguisticamente mediatizado, por uma obrigao de realizao de trocas futuras. Uma troca
do declarar, da manifestao de vontades, que vale igualmente troca factual.Hegel enxerga no contrato, contudo, a possibilidade em potencial de ocorrer a
violao do direito, quando uma das partes, motivada por sua vontade singular, deixa de lhe
dar cumprimento. Neste sentido, o emprego da coero, para obrigar aquele que deixou de
cumprir com a palavra, a cumpri-la posteriormente, visa a impedir que o sujeito fuja do
contexto interativo da sociedade. O sujeito deve dar cumprimento ao contrato, antes de tudo,
pelo seu prprio status de sujeito de direitos.
Com a coero surge o processo conflituoso, de modo que Hegel passa a supor uma
luta por reconhecimento dentro da prpria relao jurdica. O emprego da coero jurdica
gera naquele que descumpriu o contrato tambm uma sensao de desrespeito, posto que ele
tambm se reconhece como pessoa de direito, de modo que ele reagir com indignao smedidas coercitivas da sociedade. Hegel equipara a violao do contrato ao crime, posto que
seria um desrespeito social, pois o criminoso (ou o violador do contrato) quer realizar a sua
vontade a despeito da vontade geral. O motivo do crime seria a prpria vontade do
criminoso, superando uma lacuna deixada no Sistema da Eticidade, em que a motivao do
crime havia sido deixada em branco.
Mas Hegel ainda dificulta o que tem em vista porque associa a experincia do
desrespeito da unicidade individual (a vontade do crime) com o emprego da coero jurdica: o
que significa que um sujeito deve sentir-se lesado em sua pretenso realizao da prpria
vontade no instante em que legitimamente forado a cumprir seus deveres contratualmente
impostos?
Aqui, deve-se atribuir violao do contrato (ou ao crime) a funo de provocao
moral, atravs da qual a vontade geral dos sujeitos de direito associados deve dar um novo
passo de diferenciao. Mas o que consiste o contedo particular do crime s possvel medir
pelas expectativas normativas que o sujeito violador busca expor sociedade na forma cifrada
do crime. Apresentam-se duas possibilidades de reinterpretar as explicaes de Hegel:
1) O desrespeito especial que o sujeito que quebrou a palavra deve experimentar com oconstrangimento jurdico pode ser entendido no sentido de uma abstrao das
condies concretas do seu caso particular; a vontade singular ficaria sem
reconhecimento social, porque a aplicao de normas jurdicas institucionalizadas coma relao contratual procederia de forma to abstrata que os motivos
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contextualmente especficos e individuais no poderiam ser levados em conta.
Portanto, a qualidade lesiva da coero jurdica se mede pelo falso formalismo de uma
aplicao de normas que cr poder abstrair de todas as circunstancias particulares de
uma situao concreta; e o passo de aprendizado com que os sujeitos de direito
associados teriam de reagir provocao do criminoso deveria ser num ganho de
sensibilidade para o contexto na aplicao de normas jurdicas.
2) De outro lado, o desrespeito particular que deve estar vinculado prtica da coerojurdica pode ser entendido no sentido de uma abstrao das condies materiais da
realizao de propsitos individuais; a vontade singular fica sem reconhecimento,
porque as normas jurdicas institucionalizadas com a relao contratual so
apreendidas, no plano do contedo, de forma to abstrata que as diferenas nas
chances individuais de realizar as liberdades juridicamente garantidas no so levadas
em conta. A qualidade lesiva da coero jurdica se mede pelo falso formalismo do
contedo das normas jurdicas (e no da aplicao); e o aprendizado consistiria na
ampliao das normas jurdicas pela dimenso da igualdade material de chances.
Aqui Honneth entende que uma deciso sobre qual das duas possibilidades de
interpretao reproduziria mais adequadamente o estado de coisas dependeria do
prosseguimento da argumentao de Hegel, pois, sabendo-se qual seria o prximo passo da
relao jurdica, o motivo do crime se esclareceria retrospectivamente, podendo se definir o
tipo de desrespeito social. Contudo, Hegel no faz isso, e afirma que a nica novidade que a
provocao moral poderia resultar seria na passagem do direito natural para o positivo,
atravs da figura da pena. Uma vez que o crime uma leso vontade geral, esta deve
reagir atravs da punio do criminoso. Honneth sustenta que, com essa deciso, os
progressos se condensam apenas no vis institucional, posto que as normas jurdicas assumemo carter de prescries legais controladas pelo Estado, mas no so concretizadas ou
diferenciadas em seu contedo moral. Hegel no enfrenta as possibilidades de interpretao,
para escolher a mais adequada ao crime, mas apenas lana a teoria da pena. Ele explicita a
ao criminosa como uma exigncia radical de reconhecimento, mas, ao no enfrentar as
possibilidades de interpretao, simplesmente no o integra mais na relao jurdica. Assim, a
luta por reconhecimento comea a produzir exigncias morais para as quais Hegel se distancia
de dar uma resposta, razo pela qual Honneth entende que a proposta de atribuir mais uma
vez o prprio desenvolvimento da relao jurdica presso normativa de uma luta por
reconhecimento permanecer como uma simples sugesto.
Contra essa ideia, possvel argumentar que s a relao tica do Estado considerada
por Hegel o verdadeiro lugar de um reconhecimento da vontade singular. Com efeito, no
Sistema da eticidade a pretenso do sujeito de ser reconhecido na particularidade tambm
no se deu na esfera do direito, seno com a participao Estado. A mesma lgica pode ser
empregada na Realphilosophie, posto que, uma vez que o direito representa uma relao de
reconhecimento recproco atravs da qual cada pessoa experimenta o respeito, a relao no
pode se prestar a buscar o respeito da biografia pessoal de cada indivduo. Pelo contrrio, este
tipo de reconhecimento pressupe, alm do conhecimento cognitivo, uma espcie de
conhecimento afetivo que torna a vida do outro como uma tentativa arriscada de
autorrealizao individual. Ao trazer essa lgica para o esprito afetivo, fica claro porque Hegelquer que esse reconhecimento se d fora da relao jurdica: um respeito vontade singular
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do criminoso s deve se realizar uma relao com sentimentos de participao social, o que
no cabe na relao de direito. Essa posio traz a ideia de que Hegel no ignorou a ideia,
deixando o campo de investigao para outro lugar.
Este outro lugar, no contexto da Realphilosophie, a etapa no processo de formao em
que o esprito comea a retornar ao seu prprio mdium. Com o esprito efetivo, Hegel
descreveu a passagem do esprito subjetivo para a vida social, at o limiar em que, com o
surgimento do Poder Legislativo, se formaram os rgos institucionais do Estado. Assim, o
esprito se livrou de todos os resduos do arbtrio subjetivo, completando-se. Da, ele pode
tomar seu caminho de volta para seu mdium. Mas antes, ele deve se expor mais uma vez na
etapa de formao deixada por ltimo; e atravs da autorreflexo do esprito no mdium da
realidade consumada do direito que caracteriza o processo de formao do Estado e a
constituio da eticidade.
Acontece que, se a construo da esfera tica parte da autorreflexo do esprito, isso no
pode deixar de influir nas relaes sociais no interior dessa esfera. Como na Realphilosophie os
processos de formao do esprito foram pensados como etapas nas quais um novo potencialde reconhecimento se desenvolve reciprocamente, ele teria de conceber a esfera tica do
Estado como uma relao intersubjetiva na qual os membros da sociedade podem saber-se
reconciliados uns com os outros sob a medida de um reconhecimento recproco de sua
unicidade o respeito individual seria o fermento habitual dos costumes coletivos de uma
sociedade. Contudo, Hegel no pode pensar nesse conceito, uma vez que ele concebe a
organizao da esfera tica como uma autoexteriorizao do esprito. Ao fim de
Realphilosophie, Hegel sujeita-se a projetar na forma de organizao social da comunidade
tica o esquema hierrquico do todo e de suas partes.
Um conceito de eticidade prprio da teoria do reconhecimento parte da premissa que a
integrao social de uma coletividade s pode ter xito na medida em que lhes correspondem,por lado dos membros da sociedade, hbitos culturais que tm a ver com o relacionamento
recproco. Contudo, Hegel prope uma teoria da eticidade diversa, referindo-se somente s
relaes dos membros da sociedade com a instncia superior do Estado, que a corporificao
institucional do ato de reflexo que o esprito se expe mais uma vez na etapa da realidade
jurdica de que sara. Mas, se cabe ao Estado o papel de desempenhar as tarefas do esprito de
forma substitutiva, a construo da esfera tica se efetua como um processo de transformao
de todos os elementos da vida social em componentes de um Estado conglobante. Surge entre
o Estado e as pessoas de direito um desnvel de dependncia: no Estado a vontade geral se
contrai em um Um, posto que a nica instncia de poder, que por sua vez se refere aos
seus portadores, da mesma maneira que se refere s formas de sua prpria produo
espiritual. Assim, a esfera da eticidade se desenvolve como uma relao entre os sujeitos
socializados e o Estado. Os hbitos culturais formados em tal relao de autoridade assumem
em sua abordagem o papel que deveria ser desempenhado por formas exigentes de
reconhecimento recproco, num conceito de eticidade prprio da teoria do reconhecimento.
O Estado no surge mais da relao jurdica, como antes, mas sim da existncia de uma
personalidade tirnica e carismtica, na qual a subjetividade do esprito se espelha. Hegel
chega a tecer elogios a O Prncipe de Maquiavel, uma vez que o que se chama de assassinato
traio no quer dizer do mal, mas sim do conciliado em si mesmo. Hegel conduz seu
pensamento ento, alegando que a nica forma que a sociedade pode se reproduzir numa
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pessoa singular na figura do monarca constitucional, que seria o n firme, imediato, do
todo.
Nada, porm, explicita mais como Hegel expurgou a eticidade de toda a intersubjetividade
como a parte em que ele se ocupa com o papel do cidado eticamente formado. Ele separa
duas categorias: o bourgeois, que tem o singular por fim, buscando apenas os seus
interesses, e o citoyen, que se preocupa com os assuntos da formao poltica da vontade.
Para Hegel, a relao do primeiro de pura intersubjetividade na relao jurdica, ao passo
que a do segundo diretamente com o Estado, e no atravs de relaes intersubjetivas bem-
sucedidas. Hegel no enxerga mais no Estado o espao para a convivncia intersubjetiva, posto
que ele parte do princpio de que a esfera tica apenas uma forma de autorreflexo do
esprito. A eticidade agora no uma forma de intersubjetividade, mas apenas uma forma do
esprito constituda monologicamente. No entanto, a obra de Hegel, seja no Sistema da
Eticidade, seja na Realphilosophie foi importante na medida que demonstra todo o processo
de formao do mundo social, passando por diversas etapas de luta e reconhecimento
recproco. Talvez, se tivesse seguido este raciocnio at a constituio da comunidade tica,ento ele poderia ter chegado forma de interao social na qual cada pessoa pode contar,
para sua particularidade individual, com um sentimento de solidariedade universal. Porm, no
final, o contedo material acabou sendo pensado inteiramente conforme o modelo de
autorrelao do esprito.
Ficam suspensas, assim, dois pontos importantes da Realphilosophie: o destino da
vontade singular, ao qual Hegel se remeteu na figura do crime; e as perspectivas da viso e
uma comunidade genuinamente livre. Para a soluo destes, Hegel deveria ter partido de
uma premissa intersubjetiva de eticidade, a qual ele abandonou, quando performou a
passagem para a filosofia da conscincia.
Hegel nunca mais voltou a enfrentar a temtica abordada em suas obras anteriores.Quando ele apresenta a Fenomenologia do Esprito, ele aborda as relaes intersubjetivas
apenas para a construo da autoconscincia e, ainda, traz a discusso para apenas o campo
do trabalho, a fim de regular as relaes entre senhor e escravo. Na Fenomenologia, Hegel se
distancia das antigas instituies, no mais desenvolvendo a teoria do reconhecimento,
deixando diversos pontos sem concluso.
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II ATUALIZAO SISTEMTICA: A ESTRUTURA DAS RELAES DE RECONHECIMENTO.
Honneth diz que Hegel abandonou a sua tarefa de reconstituir filosoficamente a
construo de uma coletividade tica, quando a sacrificou para dar vez filosofia da
conscincia. Ainda, sustenta que a maior dificuldade no de dar continuidade ao trabalho de
Hegel, mas sim faz-lo livrando-se das premissas metafsicas que no so compatveis com as
condies tericas do pensamento atual. Da, para se dar continuidade teoria do
reconhecimento, no deve existir o propsito de construir uma teoria normativa das
constituies, ou, ainda, a concepo da moral ampliada no plano da teoria da subjetividade.
Honneth prope que haja uma perspectiva na teoria social de teor normativo, encontrando
trs tarefas para realiza-la:
1) Hegel toma como ponto de partida a ideia de que o Eu s toma conscincia de si quando
confrontado com um prximo. Contudo, o faz partindo de premissas metafsicas, no
considerando a relao intersubjetiva como um acontecimento emprico no interior do mundo
social. Assim, para superar isto, a sua tese deve ser reconstruda a partir da luz da psicologiasocial.
2) Em sua segunda tese, afirma que existem diversas formas de reconhecimento recproco que
confirmam os sujeitos em suas individualidades, como o amor, o direito e a eticidade. Para
Hegel, a sistematizao dessas formas de reconhecimento importante para acompanhar a
evoluo da formao da eticidade. Contudo, ainda experimenta essas formas de
reconhecimento a partir de um vis metafsico, de modo que a sua teoria deve ser retomada
atravs de uma fenomenologia empiricamente controlada.
3) Por fim, em sua terceira tese, as trs formas de reconhecimento precisam de um processode formao mediado pela luta moral. Para Hegel, o desenvolvimento do Eu precisa de uma
sequncia de formas de reconhecimento recproco e, ainda, na experincia do desrespeito,
surge uma luta por reconhecimento. Porm, Honneth alega que h uma contaminao da
metafsica, de modo que para retomar seu o trabalho, confirmando-o empiricamente, h a
necessidade de 1) se a sequencia ordenada de etapas de reconhecimento de Hegel se
sustentam empiricamente; 2) se possvel atribuir a cada forma de reconhecimento, uma
hiptese de desrespeito; e 3), se as formas de desrespeito so capazes de gerar o conflito
social.
4. Reconhecimento e Socializao: Mead e a transformao naturalista da Ideia Hegeliana.
Honneth sustenta que Mead conseguiu explicar que o a identidade do homem fruto
das relaes intersubjetivas atravs de um conceito naturalista, de modo que consegue
reinterpretar Hegel livrando-se da carga metafsica. Ambos concordam com o processo de
formao do Eu, criticam a viso contratualista de Hobbes e, ainda mais importante,
vislumbram na luta por conhecimento o meio de construo da moral da sociedade.
Mead trilha o seu discurso sobre a teoria da intersubjetividade tomando como objetivo
clarificar os problemas filosficos do idealismo alemo, de forma no especulativa, atravs da
psicologia. De incio, j esbarra em uma questo, que identificar como a sua pesquisa podedar uma resposta no redutora da subjetividade humana, e j lana mo do conceito de
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psquico, que seria a experincia que um sujeito faz consigo prprio quando um problema
que se apresenta o impede do cumprimento habitual de sua atividade. O domnio objetual da
psicologia funcionalista o estgio da experincia interior quando temos conscincia dos
impulsos conflitantes da ao, que tira do objeto o carter de objeto e nos deixa numa atitude
de subjetividade, surgindo um novo estmulo para a anlise reconstrutiva, que pertence ao
Eu.
Contudo, Mead entende que este conceito de psquico no suficiente. Isto porque,
para ele, quando h um distrbio na execuo, a ateno do Eu no voltada para a soluo
dos problemas, mas sim determinao mais precisa dos objetos que constituem o estmulo.
Assim, a psicologia deve partir de um outro tipo de ao, em que o Eu reflete sobre a sua
prpria ao subjetiva. Deve-se coloca-lo em interao com outros agentes, de modo que cada
um deles reflita no sobre os objetos, mas sim sobre a sua ao reativa, posto que o
comportamento social bem-sucedido leva a um domnio em que a conscincia de suas prprias
aes auxilia no comportamento dos outros.
Com este princpio funcionalista, Mead sustenta que a psicologia pode obter umaviso interna dos mecanismos atravs dos quais surge a conscincia da prpria subjetividade,
partindo da perspectiva que o ator adota em sua relao sempre ameaada com seu parceiro
de interao. Mas, antes disso, para controlar o comportamento dos outros, o sujeito deve
ter conhecimento prvio sobre sua prpria reao na eventual situao comum com outros
parceiros. O autoconhecimento reside na possibilidade de o sujeito desencadear, em si
mesmo, a mesma reao causada em seu defrontante.
Mead sustenta que a forma de realizar esse autoconhecimento da reao ao mesmo
tempo que a reao do parceiro atravs da voz humana, pois, quando h o gesto com a voz,
o sujeito emissor a experimenta ao mesmo tempo que o defrontante, com o mesmo
significado. Quando o sujeito provoca em sai o significado que a ao tem para o outro, abre-se para ele, ao mesmo tempo, a possibilidade de se ver como objeto da relao social do
outro, chegando-se conscincia de sua identidade, surgindo, assim, o que Mead chama de
Me.
Para Mead, o Me o resultado da autorrelao originria . O selfque aparece em seu
campo de viso quando o indivduo reage a si mesmo sempre o parceiro de interao,
partindo do ponto de vista do defrontante, ou seja, a imagem que o outro tem de mim.
diferente do Eu, que a instncia da personalidade humana que responde criativamente aos
problemas prticos, mas no entra no campo de viso. Entre o Me e o Eu h um dilogo,
no qual o Eu comenta as manifestaes prticas do Me.
Com isso, Mead verifica que um sujeito s adquire uma conscincia de si mesmo
atravs de relaes intersubjetivas, ou seja quando ele aprende sobre a sua ao sob a
perspectiva de uma segunda pessoa. Esse o primeiro passo para uma reinterpretao
naturalista da teoria de Hegel, uma vez que se pe a estudar a necessidade da relao
interpessoal como necessria formao da autoconscincia. Atravs de bases empricas, ele
inverte a relao do Eu com o mundo social, partindo da perspectiva da percepo do outro
sobre o sujeito (ou seja, o Me) para a formao da autoconscincia. Assim, o Me no
uma formao prvia, que depois jogada nos corpos de outros seres para lhes conferir a
plenitude da vida humana. , antes, uma importao do campo dos objetos sociais para o
campo desorganizado da experincia interna. Depois de organizado esse material, a identidadedo Eu, o material colocado na forma da autoconscincia.
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Contudo, Hegel no pareceu se preocupar com a autoconscincia, mas sim algo mais
abrangente. O que ele investigou nas lutas por reconhecimento foram as formas de
confirmao prtica mediante as quais o indivduo alcana uma compreenso de si como um
determinado gnero de pessoa. Hegel est interessado nas condies intersubjetivas da
autorrelao prtica do homem, para o que Mead tambm possui uma resposta naturalista,
buscando transferir a distino conceitual de Eu e Me para a dimenso normativa do
desenvolvimento individual.
Nessa nova etapa, no basta mais a mera imagem cognitiva que a pessoa obtm de si
mesmo, pela perspectiva da segunda pessoa. O Me agora deve ser constitudo tambm de
normas morais, das expectativas normativas. O exemplo que ele d o de uma criana que
reage julga uma ao como boa ou m lembrando dos ensinamentos dos pais. O Me se torna
uma autoimagem prtica: ao se colocar na perspectiva normativa do parceiro de interao, o
outro sujeito assume suas referncias morais, aplicando-as na relao prtica consigo mesmo.
Da que, conforme h um maior crculo de parceiros de ao, o quadro da autoimagem
prtica tende a crescer gradualmente. Mead ilustra essa evoluo, em dois momentos dacriana: a etapa do play, em que ela se comunica consigo mesma imitando o comportamento
de um parceiro concreto da interao, para depois reagir a isso em sua prpria ao. J na
etapa do game, ela representa em si mesma as expectativas de comportamento de todos os
seus companheiros de jogo para poder perceber o prprio papel no contexto da ao. No
primeiro caso, uma pessoa concreta serve de referncia. No segundo, os padres socialmente
generalizados de comportamento de todo um grupo que so inseridos na ao como
expectativas normativas. Para Mead, o processo de socializao deve passar por essa base, se
efetuando na forma de uma interiorizao de normas de ao, provenientes da generalizao
das expectativas de comportamento de todos os membros da sociedade. Em remisso
questo de como o Me se altera no processo, o indivduo aprende a se conceber, desde a
perspectiva do outro generalizado, como o membro de uma sociedade organizada pela diviso
do trabalho.
Uma vez que o sujeito, atravs das normas do outro generalizado alcana a
identidade de um membro socialmente aceito em sua coletividade, estamos falando em
Reconhecimento. No diferente de Hegel, o reconhecimento da pessoa enquanto pessoa de
direito. Ela aprende quais direitos lhe pertencem, sabe que o outro generalizado satisfar suas
pretenses, com esse saber, ele se v inserido na comunidade, o que Mead chama de
dignidade. A conscincia do valor social da sua identidade, quando reconhecido pelos
conviventes sociais enquanto determinado tipo de pessoa, o que Mead chama, por sua vez,
de autorrespeito. Por sua vez, o grau de autorrespeito varivel de acordo com a medida
em que so individualizadas as respectivas propriedades ou capacidades para as quais o sujeito
encontra confirmao pelos parceiros de interao, como manter o respeito, cumprir suas
obrigaes.
At este momento, Mead coincide com Hegel na formao prtica da identidade,
valendo-se, entretanto, da psicologia social. Falta, contudo, em Mind, self and Society
referncia fase do reconhecimento que Hegel caracterizou como amor. Mas, no que toca
fase do direito, Mead complementou a teoria, e ainda a aprofundou objetivamente. Com
efeito, reconhecer-se como pessoa de direito significar incluir em sua prpria ao as normas
intersubjetivamente reconhecidas de uma sociedade. Os parceiros de interao sabem quaisobrigaes tem uns com os outros, sendo, inversamente, detentores de pretenses
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individuais, a que o defrontante sabe-se obrigado normativamente. Porm, nesse momento as
pessoas apenas se reconhecem como membros de uma coletividade, e no individualmente
considerados. Assim como Hegel, Mead entende que o reconhecimento jurdico incompleto
se os sujeitos no puderem expressar suas diferenas individuais.
Porm, Mead avana ao incluir na formao da identidade o potencial criativo do Eu,
de modo que estuda a fora psquica que torna explicvel a dinmica interna do movimento de
reconhecimento. At o momento, Mead concentra seus estudos no Me, excluindo o Eu da
anlise. Agora, preciso investigar como reagimos s obrigaes morais do cotidiano, que o
papel do Eu, ao passo que o Me apenas hospeda as normas sociais pelas quais o sujeito
controla seu comportamento. O Eu o receptculo dos impulsos internos que se expressam
nas reaes involuntrias aos desafios sociais. Nele, porm, no possvel adentrar
diretamente, pois s conhecemos os impulsos oriundos das reaes aos padres de
comportamento normativamente exigidos, o que deixa o conceito do Eu um pouco ambguo
e indeterminado.
O potencial criativo do Eu a contraposio psquica ao Me, de modo que h umconflito entre as normas generalizadas que compem o Me e a necessidade de
reconhecimento individual do Eu, surgindo um conflito moral entre o indivduo e a
coletividade, posto que, em princpio, as individualidades tm de ser aceitas por todos os
membros da sociedade.
Mead ilustra isso com exemplos ligados a ampliao dos direitos fundamentais. O
sujeito sente em si impulsos para agir, mas limitado pelas normas do seu meio social. Para
que possa satisfazer as exigncias do seu Eu, ele tem que antecipar idealmente uma
coletividade na qual lhe cabe a pretenso realizao dos desejos. No lugar do outro
generalizado colocado um outro, de uma sociedade futura, que permita uma maior
liberdade de direitos. O sujeito apenas poder se autoafirmar se se colocar na perspectiva deuma comunidade jurdica ampliada, e no da mera vontade global. Tendo em vista que o Eu
no pode ser controlado, um elemento da idealizao migra para toda a coletividade,
formando o processo de evoluo social. Uma vez que todos os indivduos tm esse impulso
de projetar a comunidade futura, com mais direitos, contraposta atual, que mais limitada,
por uma influncia recproca, surge o movimento de evoluo.
Este processo ininterrupto, uma vez que, sempre que uma nova etapa da evoluo
social alcanada, mais o Eu se irrompe para o reconhecimento de mais individualidades.
Como diz Mead, o processo de evoluo uma tendncia liberao individualidade.
Tanto Hegel como Mead veem na evoluo moral das sociedades uma ampliao dos
contedos do reconhecimento jurdico, mas apenas Mead oferece uma explicao quanto aos
fundamentos motivacionais: sob a presso contnua do Eu, os indivduos so compelidos a
tentar ampliar a relao de reconhecimento jurdico, o que gera uma prxis social que busca
um enriquecimento da comunidade pela unio de esforos. Este movimento Mead chama de
luta por reconhecimento. Mead exemplifica esse movimento atravs de transformaes
sociais passadas, aduzindo que, em alguns momentos, direitos foram institucionalizados
porque algumas pessoas, com um carisma especial, souberam mudar o outro generalizado,
como, por exemplo, Jesus Cristo, que alterou, com suas parbolas, o conceito de comunidade,
usando o exemplo da famlia.
Honneth entende, entretanto, que Mead associa dois processos muito distintos, queso o da ampliao de direitos individuais, e a ampliao do alcance dos direitos a um nmero
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cada vez maior de pessoas, no distinguindo os dois processos, o que cria restries
aplicao do conceito de relao jurdica social que ele tenta introduzir nos termos da teoria
do reconhecimento.
Hegel distinguiu a relao jurdica oriunda do amor da relao na qual a
particularidade do sujeito deve ser confirmada. Mead coloca os impulsos do Eu voltados
para a pressuposio de chances para autorrealizao individual, e no ao crescimento da
autonomia pessoal. Mead no deixa claro se essa pretenso uma outra etapa do processo da
formao prtica da identidade, mas parte do princpio que ambas s ocorrem quando o
sujeito j se v reconhecido como membro de uma coletividade, de modo que surgem os
impulsos da diferenciao, da individuao (como status econmico, modo de se portar, etc).
Mead conta com os impulsos no ser humano dirigidos distino para que se alcance
uma conscincia sobre a unicidade individual. Como a satisfao destes impulsos est ligada a
pressupostos diferentes do que seriam dados com a ampliao da relao de reconhecimento
jurdico, ele as atribuiu a uma classe independente de pretenses do Eu. Mas tambm o
mpeto para a autorrealizao depende de uma espcie particular de reconhecimento, pelaqual a identidade social tem que ser reconhecida pelos outros para receber os valores que ns
gostaramos de ver atribudos a ela.
Por autorrealizao, Mead entende o processo em que um sujeito desenvolve
capacidades e propriedades de cujo valor para o meio social ele pode se convencer com base
nas reaes de reconhecimento de seu parceiro de interao. O Me da autorrealizao
requer poder entender-se como propriedade nica e insubstituvel, de modo que o sujeito, sob
a luz das convices da coletividade, possa se certificar da importncia social de suas
capacidades individuais.
A autorrealizao individual, portanto, precisa de um Me valorativo, de modo que o
prximo passo da investigao de Mead deveria ser a sua constituio no sujeito individual,como ele fez para a construo do Me Moral, o que, contudo no faz. Ele no investigou a
forma que deve ter o reconhecimento recproco quando este voltado para a individualidade,
e no mais para a mera concesso intersubjetiva de direitos. A nica frmula apresentada por
ele que o sujeito reconhecido pela sua individualidade, no campo do trabalho, quando ele
dotado de alguma habilidade superior (um bom mdico, um bom advogado) e, ao invs de
ficar se gabando disso, usa o seu conhecimento em prol da comunidade. Para o autorrespeito,
ou seja, a medida em que so individualizadas as respectivas propriedades ou capacidades
para as quais o sujeito encontra confirmao pelos parceiros de interao, resulta que o
sujeito s se respeita integralmente quando identifica a sua contribuio positiva para a
reproduo da coletividade.
Mead encontra na diviso funcional do trabalho a resposta para o problema hegeliano
da eticidade: os sujeitos, para alm de suas comunidades morais, podem saber-se
reconhecidos em suas propriedades particulares na diviso do trabalho. Contudo, esse modelo
no claro, pois faz surgir em um outro lugar o problema que Mead tentava evitar. Isto
porque quem define se um trabalho bem desenvolvido ou se ele tem alguma valncia
social, a prpria coletividade. Dessa forma, o sujeito no consegue ter independncia para o
seu reconhecimento, posto que o exemplo da diviso funcional depende muito do outro
generalizado. O problema aqui experimentado determinar as convices ticas do outro
generalizado de modo que o sujeito possa alcanar a conscincia de sua participao, massem restringir o espao livre, conquistado historicamente.
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O conceito de vida boa, assim, deve ser formulado de forma que ele permite ao
membro da coletividade a possibilidade de determinar seu modo de vida no quadro dos
direitos que lhe cabem. O outro generalizado h de ser, portanto, um common good, de
modo que cada indivduo possa se reconhecer reciprocamente em sua particularidade
individual pelo fato de que cada um deles capaz de contribuir para a reproduo da
identidade coletiva.
Por mais que a ideia de Mead de usar a diviso do trabalho seja fracassada, ela ao
menos traz luz o problema que Hegel enfrentou. Sua obra voltou-se para a finalidade de,
num ltimo estgio da luta por reconhecimento, os homens seriam reconhecidos
intersubjetivamente como pessoas biograficamente individuadas. Valendo-se da obra de
Mead, o que se v so relao solidrias, posto que, no trabalho de Hegel, v-se no amor o
aspecto do vnculo emotivo e da assistncia, e no direito o tratamento igual universal. Para
Hegel, a eticidade surge quando o amor, sob a presso cognitiva do direito, se purifica,
tornando-se uma solidariedade universal entre os membros da coletividade. O que faltava
antes era a indicao de por que os indivduos devem ter esse sentimento de respeito solidriouns com os outros. Para poder demonstrar ao outro o reconhecimento que se apresenta num
interesse solidrio de seu modo de vida, preciso antes a experincia que me ensine que ns
partilhamos situaes de perigo. Mas quais riscos dessa espcie realmente nos vinculam de
maneira prvia possvel medir, por sua vez, pelas concepes que possumos em comum
acerca de uma vida bem-sucedida no quadro da coletividade, o que constitui o debate entre
liberalismo e comunitarismo, temas que tero de ser invocados para dar um conceito
formal de eticidade.
5. Padres de Reconhecimento Intersubjetivo: Amor, Direito e Solidariedade.
Mead, muito alm de apenas estudar a teoria de Hegel com um enfoque emprico, foicapaz de elaborar os equivalentes tericos, oriundos de uma concepo ps-metafsica e
naturalista, para a distino conceitual de diversas etapas do reconhecimento. Com a incluso
da psicologia social, os escritos de Hegel podem ser o fio condutor de uma teoria social de teor
normativo.
O ponto de vista desta teoria deve partir da premissa que a vida social se reproduz
atravs do reconhecimento recproco, de modo que os sujeitos s podem chegar a uma
autorrelao prtica quando aprendem a se conceber, da perspectiva dos parceiros de
interao, como seus destinatrios sociais. Nessa premissa deve ainda se incluir um elemento
dinmico, que a crescente deslimitao do contedo do reconhecimento, para que eles
possam conferir expresso s pretenses de suas subjetividade. Assim, a teoria da sociedade
vista como as lutas moralmente motivadas de grupos sociais, com o objetivo de ampliar as
formas de reconhecimento recproco, o que vai gerar a transformao normativamente gerida
das sociedades. Seja no ponto de vista Idealista de Hegel, ou Materialista de Mead, ambos
deram luta social uma interpretao na qual ela pde se tornar uma fora estruturante na
evoluo moral da sociedade.
Honneth separa em momentos a sua pesquisa. Inicialmente, a tripartio do processo
de reconhecimento que ambos os autores realizam precisa de uma justificao, fazendo-a
concordar com a pesquisa emprica. Depois disto, surgir o momento em que sero descritos
os trs padres de reconhecimento de modo que se tornem empiricamente controlveis. A
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ltima tarefa identificar as experincias sociais de desrespeito a cada uma dessas formas de
reconhecimento.
Os trs momentos so o da dedicao afetiva, como no caso das relaes amorosas e
dos amigos, o reconhecimento jurdico e o assentimento solidrio. A cada passo dado nas
formas de relao, o grau de relao positiva da pessoa consigo mesma aumenta. Em ambos
os autores, h indcios do local onde ocorre cada fase do reconhecimento, como, em Hegel, a
famlia, a sociedade e o Estado e, em Mead, as relaes jurdicas e a esfera do trabalho. A
forma tripartite do reconhecimento (ligaes emotivas, adjudicao de direitos e orientao
comum por valores) se prestam ao desenvolvimento moral e s formas distintas de
autorrelao individual, sendo o amor, o direito e a solidariedade o meio pelo qual tais
pretenses sero satisfeitas.
1) Amor: deve ser entendido de forma neutra, como a forte relao existente numpequeno grupo, como homem e mulher, pais e filhos, amigos, etc. Nessa fase, ossujeitos se reconhecem carentes uns dos outros, e a satisfao se d com o ser si
mesmo no outro. Honneth introduz os primeiros elementos da sua teoria doreconhecimento a partir da categoria da dependncia absoluta, de Winnicott. Estacategoria designa a primeira fase do desenvolvimento infantil, na qual a me e o bebse encontram num estado de relao simbitica. A carncia e a dependncia total dobeb e o direcionamento completo da ateno da me para a satisfao dasnecessidades da criana fazem com que entre eles no haja nenhum tipo de limite deindividualidade e ambos se sintam como unidade. Aos poucos, com o retornogradativo aos afazeres da vida diria, este estado de simbiose vai se dissolvendo pormeio de um processo de ampliao da independncia de ambos, pois, com a volta normalidade da vida, a me no est mais em condies de satisfazer as necessidadesda criana imediatamente. A criana, ento em mdia com 6 meses de vida, precisa se
acostumar com a ausncia da me. Essa situao estimula na criana odesenvolvimento de capacidades que a tornam capaz de se diferenciar do seuambiente. Winnicott atribui a essa nova fase o nome de relativa independncia. Nestafase, a criana reconhece a me no mais como uma parte do seu mundo subjetivo esim como um objeto com direitos prprios. A criana trabalha esta nova experinciapor meio de dois mecanismos, que Honneth chama de destruio e fenmeno detransio. O primeiro mecanismo interpretado, por Honneth, a partir dos estudos deJessica Benjamin. Jessica Benjamin constata que os fenmenos de expresso agressivada criana nesta fase acontecem na forma de uma espcie de luta, que ajuda a crianaa reconhecer a me como um ser independente com reivindicaes prprias. A meprecisa, por outro lado, aprender a aceitar o processo de amadurecimento que o beb
est passando. A partir dessa experincia de reconhecimento recproco, os doiscomeam a vivenciar tambm uma experincia de amor recproco sem regredir a umestado simbitico (Honneth, 2003, p. 164). A criana, porm, s estar em condiesde desenvolver o segundo mecanismo se ela tiver desenvolvido com o primeiromecanismo uma experincia elementar de confiana na dedicao da me. Ento, combase nos estudos de Winnicott, Honneth esboa os princpios fundamentais doprimeiro nvel de reconhecimento. Quando a criana experimenta a confiana nocuidado paciencioso e duradouro da me, ela passa a estar em condies dedesenvolver uma relao positiva consigo mesma. Honneth chama essa novacapacidade da criana de autoconfiana (Selbstvertrauen). De posse dessa capacidade,a criana est em condies de desenvolver de forma sadia a sua personalidade. Esse
desenvolvimento primrio da capacidade de autoconfiana visto por Honneth (2003,p. 168ss) como a base das relaes sociais entre adultos. Honneth vai alm e sustenta
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que o nvel do reconhecimento do amor o ncleo fundamental de toda a moralidade(ibid., p. 172ss). Portanto, este tipo de reconhecimento responsvel no s pelodesenvolvimento do auto-respeito (Selbstachtung), mas tambm pela base deautonomia necessria para a participao na vida pblica (ibid., p. 174)
2)
Duas perguntas guiam a anlise honnethiana da segunda esfera do reconhecimento:(1) Qual o tipo de auto-relao que caracteriza a forma de reconhecimento dodireito? (2) Como possvel que uma pessoa desenvolva a conscincia de ser sujeitode direito? A estratgia utilizada por Honneth consiste em apresentar o surgimento dodireito moderno de tal forma que, neste fenmeno histrico, tambm seja possvelencontrar uma nova forma de reconhecimento. Honneth pretende, portanto,demonstrar que o tipo de reconhecimento caracterstico das sociedades tradicionais aquele ancorado na concepo de status: em sociedades desse tipo, um sujeito sconsegue obter reconhecimento jurdico quando ele reconhecido como membroativo da comunidade e apenas em funo da posio que ele ocupa nesta sociedade.Honneth reconhece na transio para a modernidade uma espcie de mudana
estrutural na base da sociedade, qual corresponde tambm uma mudana estruturalnas relaes de reconhecimento: ao sistema jurdico no mais permitido atribuirexcees e privilgios s pessoas da sociedade em funo do seu status. Pelocontrrio, o sistema jurdico deve combater estes privilgios e excees. O direitoento deve ser geral o suficiente para levar em considerao todos interesses de todosos participantes da comunidade. A partir desta constatao, a anlise do direito queHonneth procura desenvolver consiste basicamente em explicitar o novo carter, anova forma do reconhecimento jurdico que surgiu na modernidade (Honneth, 2003,p. 178ss). Honneth procura mostrar que, junto com o surgimento de uma moral ou deuma sociedade ps-tradicional, houve tambm uma separao da funo do direito edaquela dojuzo de valor(Wertschtzung). Na teoria de Ihrering e na tradio kantianade diferenciao de duas formas de Respeito (Achtung), principalmente com base napesquisa de Darwall, ele encontra elementos para determinar a diferena entre direitoe juzo de valor. Para o direito, a pergunta central : como a propriedade constitutivadas pessoas de direito deve ser definida; no caso do juzo de valor: como se podedesenvolver um sistema de valor que est em condies de medir o valor daspropriedades caractersticas de cada pessoa (ibid., p. 183ss). Os sujeitos de direitoprecisam estar em condies de desenvolver sua autonomia, a fim de que possamdecidir racionalmente sobre questes morais. Aqui Honneth tem em mente a tradiodos direitos fundamentais liberais e do direito subjetivo em condies ps-tradicionais, que indicam a direo do desenvolvimento histrico do direito (ibid., p.190ss). A luta por reconhecimento deveria ento ser vista como uma presso, sob aqual permanentemente novas condies para a participao na formao pblica davontade vm tona. Honneth esfora-se, naturalmente influenciado pelos escritos deT. H. Marshall (1967), para mostrar que a histria do direito moderno deve serreconstruda como um processo direcionado ampliao dos direitos fundamentais.Apesar de Honneth sempre utilizar um conceito problemtico de direito subjetivo, asua correta intuio pode ser compreendida claramente quando ele explicita a suainterpretao da reconstruo histrica de Marshall: os atores sociais s conseguemdesenvolver a conscincia de que eles so pessoas de direito, e agirconseqentemente, no momento em que surge historicamente uma forma deproteo jurdica contra a invaso da esfera da liberdade, que proteja a chance departicipao na formao pblica da vontade e que garanta um mnimo de bensmateriais para a sobrevivncia (Honneth, 2003, p. 190). Honneth sustenta que as trsesferas dos direitos fundamentais(liberdade, participao poltica e direitos sociais),diferenciadas historicamente, so o fundamento da forma de reconhecimento do
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direito. Por conseguinte, reconhecer-se reciprocamente como pessoas jurdicassignifica hoje muito mais do que no incio do desenvolvimento do direito: a forma dereconhecimento do direito contempla no s as capacidades abstratas de orientaomoral, mas tambm as capacidades concretas necessrias para uma existncia digna(ibid.), em outras palavras, a esfera do reconhecimento jurdico cria as condies que
permitem ao sujeito desenvolver auto-respeito (selbstachtung) (ibid., p. 194ss).
3) No caso da forma de reconhecimento do direito, so postas em relevo as propriedadesgerais do ser humano. No caso da valorao social, so postas em relevo aspropriedades que tornam o indivduo diferente dos demais, ou seja, as propriedadesde sua singularidade. Portanto, Honneth parte do princpio de que a terceira forma dereconhecimento, a saber, a comunidade de valores ou solidariedade, deve serconsiderada um tipo normativo ao qual correspondem as diversas formas prticas deauto-relao valorativa (Selbstschtzung). Honneth no aceita aquilo que Hegel eMead consideram condio deste padro de reconhecimento, pois ambos os autoresesto convencidos da existncia de um horizonte valorativo e intersubjetivo
compartilhado por todos os membros da sociedade como condio da existncia daforma de relacionamento que Honneth chama de solidariedade. Honneth procuramostrar, ao contrrio, que com a transio da sociedade tradicional para a sociedademoderna surge um tipo de individualizao que no pode ser negado. A terceira esferado reconhecimento deveria ser vista, ento, como um meio social a partir do qual aspropriedades diferenciais dos seres humanos venham tona de forma genrica,vinculativa e intersubjetiva (ibid., p. 197). Honneth identifica um segundo nvel destaterceira esfera do reconhecimento (solidariedade). No nvel de integrao socialencontram-se valores e objetivos que funcionam como um sistema de referncia paraa avaliao moral das propriedades pessoais dos seres humanos e cuja totalidadeconstitui a autocompreenso cultural de uma sociedade. A avaliao social de valoresestaria permanentemente determinada pelo sistema moral dado por estaautocompreenso social. Esta esfera de reconhecimento est vinculada de tal formaem uma vida em comunidade que a capacidade e o desempenho dos integrantes dacomunidade somente poderiam ser avaliadas intersubjetivamente (ibid.). Como nocaso das relaes jurdicas, Honneth analisa a transio da sociedade de tipotradicional para a moderna como uma espcie de mudana estrutural desta terceiraesfera de reconhecimento: assim que a tradio hierrquica de valorao social,progressivamente, vai sendo dissolvida, as formas individuais de desempenhocomeam a ser reconhecidas. Honneth parte do princpio que uma pessoa desenvolvea capacidade de sentir-se valorizada somente quando as suas capacidades individuaisno so mais avaliadas de forma coletivista. Da resulta que uma abertura do horizontevalorativo de uma sociedade s variadas formas de auto-realizao pessoal somente sed com a transio para a modernidade. Em funo dessa mudana estrutural existe,porm, no centro da vida moderna uma permanente tenso, um permanente processode luta, porque nesta nova forma de organizao social h, de um lado, uma buscaindividual por diversas formas de auto-realizao e, de outro, a busca de um sistemade avaliao social (ibid., p. 204ss). Essa espcie de tenso social que oscilapermanentemente entre a ampliao de um pluralismo valorativo que permita odesenvolvimento da concepo individual de vida boa e a definio de um pano defundo moral que sirva de ponto de referncia para avaliao social da moralidade fazda sociedade moderna uma espcie de arena na qual se desenvolve ininterruptamenteuma luta por reconhecimento: os diversos grupos sociais precisam desenvolver acapacidade de influenciar a vida pblica a fim de que sua concepo de vida boaencontre reconhecimento social e passe, ento, a fazer parte do sistema de refernciamoral que constitui a autocompreenso cultural e moral da comunidade em que esto
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inseridos. Alm disso, com o processo de individualizao das formas dereconhecimento surge nesta esfera de reconhecimento a possibilidade de um tipoespecfico de auto-relao: a autoestima (Selbstschtzung). A Solidariedade nasociedade moderna est vinculada condio de relaes sociais simtricas de estimaentre indivduos autnomos e possibilidade de os indivduos desenvolverem a sua
auto-realizao (Selbstverwirklichung) (ibid., p. 209ss). Simetria significa aqui que osatores sociais adquirem a possibilidade de vivenciarem o reconhecimento de suascapacidades numa sociedade no-coletivista.
6. Identidade pessoal e desrespeito: violao, privao de direitos, degradao.
Sendo certo que a integridade do ser humano est ligada ao reconhecimento, de seter em mente ainda que hipteses de ofensa ou rebaixamento esto ligadas aoreconhecimento recusado. A injustia no est somente na dor que ser causada na pessoa,porque ela ferida na compreenso positiva de si mesmo. bvio que essas situaes deofensa admitem graduaes, mas o que certo que, se a ofensa ou o desrespeito forem
capazes de gerar um abalo na imagem que a pessoa tem de si mesma, temos que considerarque existe uma diviso tripartite tambm das situaes de desrespeito.
Em outras palavras, se e quando o sujeito social faz uma experincia dereconhecimento, ele adquire um entendimento positivo sobre si mesmo; se e quando, aocontrrio, um ator social experimenta uma situao de desrespeito, conseqentemente, a suaauto-relao positiva, adquirida intersubjetivamente, adoece.Para tornar a sua teoria plausvel, Honneth precisa, por conseqncia, encontrar na histriasocial traos de uma tipologia tripartite negativa da estrutura das relaes de reconhecimento.Esta tipologia negativa deve cumprir duas tarefas: (1) para cada esfera de relao dereconhecimento deve surgir um equivalente negativo, com o qual a experincia de desrespeitopossa ser esclarecida, seguindo a estrutura da forma de reconhecimento correspondente; (2) a
experincia de desrespeito deve ser ancorada de tal forma em aspectos afetivos do serhumano, que a sua capacidade motivacional de desencadeamento de uma luta porreconhecimento venha tona. primeira esfera de reconhecimento, o amor, correspondemas formas de desrespeito definidas por Honneth como maus tratos (Mihandlung) e violao(Vergewaltigung). Nesta forma de desrespeito o componente da personalidade atacado aquele da integridade psquica, ou seja, no diretamente a integridade fsica que violentada, mas sim o auto-respeito (selbstvertndliche Respektierung) que cada pessoa possuide seu corpo e que, segundo Winnicott,