Transcript
  • 97

    Resenha: Tocado por Nossos seNTimeNTosDenis FoRtin, Ph.D. Professor de Teologia Histrica do Seminrio Teolgico Adventista da Andrews University, EUA.

    Zurcher, Jean R. Tocado Por Nossos Sentimentos: Uma pesquisa histrica do conceito adventista sobre a natureza hu-mana de Cristo. Trad. Csar Lus Pagani (Medianeira, PR: 1888 GEM Grupo de Estudos de Mensagem da Justia de Cris-to, 2002), 250 pginas, brochura, sem in-dicao de publicadora.

    Poucos assuntos tm gerado mais pol-mica no meio adventista do que as discus-ses sobre a natureza humana de Cristo. Por dcadas os adventistas tm debatido se a natureza de Cristo era idntica de Ado antes da queda (pr-lapsarianismo), ou de Ado aps a queda (ps-lapsa-rianismo), ou mesmo alguma forma de posio intermediria. Embora muitos fatores teolgicos influenciem esse deba-te, a questo em jogo se Cristo pode ser verdadeiramente um exemplo moral para a humanidade. O livro mais recente nesse debate a obra do experiente telogo Jean R. Zurcher traduzida do francs para o in-gls sob o ttulo Touched With Our Fee-lings [e do ingls para o portugus como Tocado Por Nossos Sentimentos]. Em sua anlise histrica do pensamento adven-tista sobre a natureza humana de Cristo, Zurcher procura resolver a questo argu-mentando que o pensamento adventista evoluiu, durante o ltimo sculo e meio, de uma posio estritamente ps-lapsaria-na para as concepes atuais.

    Os dezesseis captulos do seu livro es-to agrupados em cinco partes. A primeira analisa a discusso teolgica sobre a natu-

    reza divina de Cristo e afirma que muitos dos primeiros telogos adventistas, com exceo de Ellen G. White, tinham uma viso semi-ariana da divindade de Cris-to. Na segunda parte, Zurcher examina a cristologia de pioneiros adventistas como Ellen G. White, Ellet J. Waggoner, Alon-zo T. Jones, e William W. Prescott. A ter-ceira parte apresenta extratos das publica-es da igreja sobre a natureza humana de Cristo de 1895 a 1952. A quarta parte a mais ampla e trata da controvrsia pro-vocada pelo livro Questions on Doctrine (1957), reaes sua publicao e as po-sies teolgicas atuais. A ltima seo o apelo de Zurcher por um retorno ao que ele considera ser a autntica cristologia [ps-lapsariana], como, ainda segundo ele, ensinada antes da dcada de 1950.

    Deixando de lado algumas tradues inadequadas de expresses da lngua fran-cesa, o livro de Zurcher uma significa-tiva pesquisa histrica e busca apresentar aquilo que ele entende ser o desenvolvi-mento do pensamento adventista sobre a natureza humana de Cristo. Sua pesquisa em numerosas publicaes apresenta um quadro impressionante ao leitor contem-porneo, no familiarizado com os escritos sobre a natureza de Cristo. Suas compara-es de diferentes edies de documen-tos e livros adventistas, como os Estudos Bblicos (p. 112-114), ilustram alegadas mudanas no pensamento adventista a respeito da natureza de Cristo. As evidn-cias histrias e teolgicas apresentadas pelo autor so considerveis. Embora o

  • autor parea apresentar uma soluo au-toritativa ao debate, demonstrando como telogos adventistas nas dcadas de 1950 e 1960 abandonaram a compreenso tradicional da natureza humana de Cristo, a referida obra est longe de ser neutra e imparcial. A maneira como ele aborda as posies de vrios telogos claramente polmica. Mesmo o prefcio escrito por Kenneth Wood, ex-editor Adventist Re-view, define o teor da abordagem: a obra apia a posio ps-lapsariana.

    Embora Zurcher deva ser congratulado por sua pesquisa do assunto, sua obra, no entanto, fraca em algumas reas impor-tantes. A maior fraqueza a sua aborda-gem das declaraes de Ellen White sobre a natureza humana de Cristo, que so o ponto focal dessa controvrsia adventista. No seu captulo sobre a Cristologia de El-len G. White (p. 35-47), Zurcher apresen-ta uma sntese do pensamento dela, des-tacando as semelhanas entre a natureza humana de Cristo e a nossa. Mas ele evita qualquer meno de outras declaraes que enfatizam as diferenas entre a natu-reza de Cristo e a nossa. Alm do mais, entre vrias declaraes explcitas apoian-do a posio adventista pr-lapsariana, claramente assumida desde a dcada de 1950, a carta de Ellen G. White de 1895 a W. H. L. Baker aqui completamente ignorada. Zurcher algumas vezes discute o contedo e as implicaes dessa carta em outros lugares ao longo do livro, mas nunca de forma clara e sistemtica. Isto, creio eu, uma grande omisso.

    semelhana de muitos outros te-logos ps-lapsarianos, Zurcher deixa de considerar como Ellen G. White apre-senta uma tenso entre as semelhanas e as diferenas entre a natureza de Cristo e a nossa. A maioria de suas declaraes destacando as semelhanas com a nossa natureza foi feita no contexto das discus-ses sobre como Cristo foi tentado a pecar exatamente como ns o somos. O autor d um bom exemplo na pgina 232. No

    entanto, ele deixa de reconhecer que na carta a Baker ela se ope categoricamente a uma completa semelhana entre Cristo e os seres humanos pecaminosos, mesmo na maneira pela qual Ele foi tentado. En-quanto os primeiros adventistas inseriam suas discusses cristolgicas no contexto das doutrinas da salvao e da escatologia (como eles podiam seguir o exemplo de Cristo para vencer as tentaes e o peca-do em preparao para o segundo advento de Cristo), as discusses aps a dcada de 1950 tm-se situado freqentemente no contexto da doutrina do homem e de como o pecado nos afeta, e at que ponto a natu-reza de Cristo foi ou no afetada pelo pe-cado. Zurcher comenta essa significativa mudana teolgica, causada em grande medida pela redescoberta da carta de El-len G. White a Baker, mas no consegue reconciliar essa mudana, e a considera antittica posio adventista inicial.

    Zurcher no apenas evita uma exposi-o clara da carta a Baker, mas tambm a cita de forma distorcida e fora do con-texto. Em sua Avaliao e Crtica, ele discute o atual hibridismo teolgico de que Cristo tinha uma natureza fsica ps-lapsariana e uma natureza moral pr-lap-sariana. Duas vezes Zurcher cita a carta a Baker em apoio ao seu conceito de que tal posio historicamente invlida e que Ellen G. White no cria em uma natureza moral pr-lapsariana. Ele argumenta que LeRoy Froom distorceu o pensamento de Ellen G. White ao citar a carta a Baker (p. 212-213). Mas, para provar o seu ponto de vista, Zurcher cita apenas parte da mesma carta e deixa fora duas importantes sen-tenas curtas nas quais Ellen G. White estabelece um contraste marcante entre a natureza de Cristo e a nossa. O mes-mo ocorre tambm nas pginas 215-216. Aqui o autor procura distinguir, entre as expresses de Ellen G. White, propen-ses herdadas e ms propenses, ar-gumentando que propenses herdadas tornam-se ms propenses apenas aps

    98 / Parousia - 1 semestre de 2008

  • cesso tentao. Ento ele cita a car-ta a Baker, deixando de incluir uma sen-tena na qual Ellen G. White conecta as tentaes de Cristo no deserto com as de Ado no den. A distino entre propen-ses herdadas e ms propenses no apoiada por Ellen G. White nessa carta. Pelo contrrio, ela usa as duas expresses como sinnimos ao argumentar que Cristo no possua essas propenses. Em ambos os casos, Zurcher viola o contexto para manter seus prprios pontos de vista.

    Este livro certamente ser tido como uma das melhores apologias posio

    ps-lapsariana. Mas como muitos ou-tros livros, ele deixa de ser convincente, pelo fato de abordar o assunto de forma tendenciosa. O livro est to preocupado em fazer da nossa natureza humana peca-minosa o padro para medir a natureza de Cristo que deixa de mostrar como a huma-nidade de Cristo o padro verdadeiro e no adulterado pelo qual ns devemos ser medidos.

    Fonte: Andrews University Seminary Studies, vol. 38, n. 2 (outono de 2000), 342-344.

    resenha do livro Tocado por Nossos seNTimeNTos / 99


Top Related