SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
1
Repórteres de telejornal: o perfil ditado pela Rede Globo em
50 anos de televisão
Christina Ferraz Musse1
Cláudia Thomé2
Resumo: Este trabalho pretende caracterizar o perfil do repórter de televisão, a partir da análise
crítica dos depoimentos de 16 jornalistas empregados da Rede Globo de Televisão, que partici-
param da comemoração idealizada pelo “Jornal Nacional”, JN, líder de audiência na TV aberta
do Brasil, pelos 50 anos da maior rede de emissoras em atuação no país. No espetáculo de re-
memoração, transmitido em horário nobre, observam-se as estratégias que revelam o que é con-
siderado como jornalismo de qualidade pela emissora. A partir de conceitos da história, memó-
ria e das teorias do jornalismo, procura-se identificar o perfil desejável do repórter televisivo e
suas práticas ao lidar com a informação. Analisa-se também a cerimônia midiática de rememo-
ração, em que as narrativas privilegiam determinados relatos em detrimento de outros, evidenci-
ando qual é a memória que a maior empresa de comunicação do Brasil quer preservar.
Palavras-chave: repórter; telejornalismo; memória; narrativa; Rede Globo
1. Introdução
Ao completar 50 anos, em abril de 2015, a Rede Globo organizou uma série de
atividades comemorativas, entre elas, aquela que ficou conhecida informalmente como
“Projeto William Bonner” e que levou para o espaço nobre do “Jornal Nacional” (JN),
algumas das histórias vividas por 16 jornalistas selecionados pela emissora e que repre-
sentam a síntese do que a Globo considera a elite do telejornalismo brasileiro.
1 Professora associada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz
de Fora. Líder do Grupo de Pesquisa/CNPq Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. Membro da Rede
Telejor. [email protected]. 2 Professora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de
Fora. Membro do Grupo de Pesquisa/CNPq Comunicação, Cidade, Memória e Cultura. Membro da Rede
Telejor. [email protected]
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
2
As histórias compartilhadas por esses profissionais durante uma semana têm im-
portância fundamental para aqueles que querem entender as rotinas que imperam no
fazer noticioso dos telejornais. Apesar das críticas à que tem sido submetida, e que vêm
regularmente à tona em manifestações de rua, onde se ouve o bordão “O povo não é
bobo, abaixo a Rede Globo”, e mesmo enfrentando a queda da audiência3, a maior em-
presa de comunicação do Brasil sabe que criou um modelo de fazer notícia, que ilustra
os poucos manuais de telejornalismo que circulam no mercado editorial, como também
a forma de ensinar reportagem de TV na maior parte das instituições de ensino superior
do país.
Neste artigo, procuramos identificar quais são as características que podemos
chamar de canônicas na reportagem telejornalística, a partir dos depoimentos dos jorna-
listas selecionados para fazer parte do projeto.
2. Os jornalistas como “senhores da memória”
Entre as múltiplas atribuições dos jornalistas, existe uma que é fundamental para
as reflexões propostas neste trabalho: fazer a memória. Marialva Barbosa nos diz que
“ao selecionar temas que devem ser lembrados e ao esquecer outros, [os jornalistas]
produzem, a partir de critérios altamente subjetivos, uma espécie de classificação do
mundo para o leitor”. (BARBOSA, 2004, p.1) É neste sentido que o jornalista se carac-
terizaria como “senhor da memória”, porque a ele cabe dar visibilidade a alguns fatos,
enquanto outros permanecem invisíveis. “Assim, ao selecionar o que deve ser notícia e
o que vai ser esquecido, ao valorizar elementos em detrimento de outros, a mídia re-
constrói o presente de maneira seletiva, construindo hoje a história desse presente e fi-
xando para o futuro o que deve ser lembrado e o que precisa ser esquecido”. (BARBO-
SA, 2004, p.4).
Na fixação da memória, estabelecem-se inúmeras disputas simbólicas, porque o
relato da memória é uma construção do presente que negocia com o contexto social em
que os sujeitos estão inseridos. Pierre Nora (1984) nos fala dos “lugares da memória”,
3 Existem inúmeros artigos que comentam a queda de audiência do JN, entre eles, citamos a manchete:
“Ibope do ‘Jornal Nacional’ ‘derrete’ e marca 20 pontos, de autoria de Ricardo Feltrin, colunista do UOL,
publicada em março de 2015 (http://celebridades.uol.com.br; acesso em julho de 2015).
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
3
isto é, os museus, as estátuas, os nomes de ruas e avenidas, que nos dizem o quê e como
lembrar. É neste sentido que funciona a imprensa. A imprensa deve ser considerada um
“lugar da memória”, porque nos dá a dimensão daquilo que devemos lembrar e o que
deve ser esquecido. Marialva Barbosa, ao analisar os meios de comunicação, vai além.
Ela defende que os veículos de informação são um “duplo lugar de memória” (BAR-
BOSA, 2004, p.9), sendo tal característica mais evidente na televisão, “não apenas nas
notícias do quotidiano, mas nas comemorações e nas cerimônias midiáticas” (BARBO-
SA, 2004, p.10), em que se tornaria mais claro o interesse político de dominar o tempo,
construir o acontecimento e torná-lo público.
Michel Pollak, por sua vez, revela-nos em sua obra a disputa entre as memórias
dominantes e as memórias dos excluídos, dos marginalizados e das minorias. O autor
nos diz que essa “clivagem entre memória oficial e dominante e memórias subterrâneas,
assim como a significação do silêncio sobre o passado, não remete forçosamente à opo-
sição entre Estado dominador e sociedade civil”. (POLLAK, 1989, p.3) Muitas vezes,
essas disputas se dão entre grupos minoritários e outros de maior expressividade, políti-
ca, religiosa, ou étnica. Ou até mesmo, poderíamos complementar, entre cidadãos co-
muns e os meios de comunicação. Aqueles mais frágeis articulam-se para manter viva
as suas histórias, que não são manchetes de jornais. “A fronteira entre o dizível e o indi-
zível, o confessável e o inconfessável, separa uma memória coletiva subterrânea da so-
ciedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada
que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e im-
por”. (POLLAK, 1989, p. 6) Assim, mesmo havendo uma memória organizada, imposi-
tiva, isso não impede que outras memórias continuem a circular, pela tradição oral ou
por meios alternativos, entre eles, atualmente, as redes sociais.
De certa forma, quando analisamos as narrativas dos grandes veículos de comu-
nicação, conseguimos perceber essa distância entre o que poderíamos chamar de discur-
so hegemônico e as múltiplas vozes que não são contempladas, porque não têm lastro
político ou econômico. Apesar de reconhecermos que o cidadão anônimo tem sido em-
poderado, transformando-se mesmo em produtor-consumidor de informação, ainda per-
cebemos que, na grande mídia, seu papel é mais o de um coadjuvante que o de protago-
nista.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
4
A partir dessas considerações teóricas, propomos analisar a cerimônia midiática
de celebração dos “50 Anos” da Rede Globo de Televisão, inaugurada no Rio de Janei-
ro, em 26 de abril de 1965, a partir do projeto de rememoração idealizado por William
Bonner, editor-chefe e apresentador do principal telejornal da emissora, o “Jornal Naci-
onal”.
3. O jogo de cena dos “50 Anos”
O estúdio montado especialmente no Projac4 tem o formato de uma ágora, onde
os jornalistas estão dispostos em dois semi-círculos. No centro, como um tótem, um
pedestal exibe a logomarca da emissora, muito colorida. Na coluna octogonal que sus-
tenta a logomarca, aparecem várias pequenas telas de TV de plasma5. Em paineis espa-
lhados pelo fundo do cenário, frames ou quadros de imagens de diversas reportagens
que fizeram época. O estúdio é branco, e, ao fundo, aparecem as palavras jornalismo,
história e emoção em trabalho efetuado pela pós-produção. Essas palavras vão ser tro-
cadas à medida que se muda de assunto ou que se quer dar destaque a alguma questão
ou comentário. O piso do estúdio e a parede de fundo são cinzas. As bancadas, com
sutis frisos de luz azul, os dois semi-círculos e o tótem são brancos, as cadeiras também
são brancas com detalhes prateados. Um ambiente clean, com poucos adereços, e ex-
tremamente asséptico, onde a ideia de ordem prevalece, apesar do caos do mundo exte-
rior.
Três repórteres cinematográficos fazem a captação das imagens (um deles com
uma steadicam6) e também são visualizados em ação por uma quarta câmera, que está
numa grua, e mostra o cenário em plano geral. Os repórteres cinematográficos estão em
posições diferentes: o primeiro está dentro dos semi-círculos, sozinho; os outros dois
4 O Projac é o centro de produção da Rede Globo, na zona oeste, no Rio de Janeiro, onde são gravados
programas de auditório, novelas e séries. Normalmente, os estúdios dos programas jornalísticos ficam no
Jardim Botânico, na zona sul. 5 O cenário relembra a disposição de participantes adotada em programas jornalísticos de grande sucesso
na TV brasileira, como “Roda Viva”, da TV Cultura, e “Sem Censura”, da TV Brasil, entre outros. 6 A steadicam consiste em um sistema em que a câmera é acoplada ao corpo do operador por meio de um
colete no qual é instalado um braço dotado de molas, e serve para estabilizar as imagens produzidas,
dando a impressão de que a câmera flutua.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
5
estão do lado de fora, com câmeras sobre tripés com rodinhas. As imagens provenientes
das quatro câmeras são editadas no switcher 7pelo diretor de TV.
O apresentador William Bonner veste-se de preto. Está sorridente e descontraí-
do, sem a formalidade da bancada do JN, diríamos que está entre amigos. Ele é o único
que se movimenta pelo estúdio, enquanto os colegas permanecem sentados. Todos estão
vestidos informalmente. Apenas quatro mulheres, em ambiente dominado pelos ho-
mens. Apenas dois negros, em ambiente dominado pelos brancos. E, apesar da divisão
atual entre Esporte e Jornalismo, no organograma da Globo, dois dos jornalistas presen-
tes trabalham para a Divisão de Esporte.
No primeiro dia de veiculação da série, o apresentador e editor-chefe do JN,
William Bonner, apresenta cada um dos convidados. Eles vêem imagens antigas deles
próprios, e confrontam-se com a inevitabilidade da passagem do tempo, quando reco-
nhecem estar com menos cabelos, ou cabelos mais grisalhos, mais gordos etc. Alguns
conseguem se lembrar de qual reportagem foi retirado aquele quadro.
A ordem de apresentação é a seguinte, em sentido horário: Renato Machado, Lu-
iz Fernando Silva Pinto, Glória Maria, Tino Marcos, Ilze Scamparini, Galvão Bueno,
Ernesto Paglia, André Luiz Azevedo, Caco Barcellos, Francisco José, Sandra Passari-
nho (a pioneira, que recebeu uma salva de palmas dos colegas), Pedro Bial, Orlando
Moreira (o único repórter cinematográfico presente, que também recebeu palmas, sendo
considerado também um pioneiro), Fátima Bernardes, Heraldo Pereira e Marcelo Canel-
las. É importante notar que mais da metade desses jornalistas foi ou ainda é correspon-
dente internacional. Outros como Glória Maria, Tino Marcos, Galvão Bueno, Francisco
José, Fátima Bernardes, Heraldo Pereira e Marcelo Canellas já participaram de grandes
coberturas internacionais de eventos, reportagens factuais ou séries mais elaboradas.
O clima descontraído dá a tônica da condução do programa, que apresenta ima-
gens de arquivo editadas, numa cronologia que privilegia o monumental e extraordiná-
rio, e deixa invisíveis os relatos da vida cotidiana. As palavras-chave que ganham des-
taque durante toda a transmissão, em créditos que são sobrepostos às imagens, e enfati-
zam o que é comentado, antecipam o clima dos episódios em que “história, jornalismo e
7 O switcher é o mesmo que mesa de corte.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
6
emoção” dão o tom dos relatos. Na edição, recursos de sonoplastia reforçam o clima de
tensão, por exemplo, e as ilustrações animadas pontuam os depoimentos dos jornalistas.
4. Narrativas da história com emoção
No especial sobre as cinco décadas de jornalismo da TV Globo, os 16 repórteres
puderam relembrar as reportagens que mais marcaram suas carreiras e também pontuar
o fazer jornalístico em um outro tempo, tanto político quanto tecnológico. Eles relem-
bram os tempos de censura, o que era permitido e o que não era, as dificuldades para
produzir uma reportagem e fazê-la chegar ao telespectador, a emoção de noticiar, por
exemplo, o fim da ditadura em outro país quando o Brasil ainda vivia um regime ditato-
rial.
As reportagens selecionadas pela produção são comentadas pelo apresentador e
convidados, a partir da memória individual de cada um deles. São registros de fatos que
tiveram impacto sobre a história do país e do mundo. Certamente, enquadrados de for-
ma a evidenciar certas narrativas e a desaparecer com outras. Nenhum relato menciona
o continente africano, nem quando a temática são os desastres naturais, os grandes even-
tos esportivos, ou o terrorismo, que caracterizam as reportagens que retratam a Ásia. A
América Latina só é lembrada durante a guerra das Malvinas e a Copa do Mundo da
Argentina.
O especial da emissora mostrou, por exemplo, a cobertura do lançamento da
Apollo 11 e da chegada do homem à Lua, em julho de 1969, feita ao vivo por Hilton
Gomes. Na imagem, o repórter, com uma locução muito marcada pelo estilo radiofôni-
co, faz uma passagem8 em nada diferente do estilo descontraído que se tornaria moda
anos depois.
“Para a subida do foguete basta isto (ele aponta para o botão no painel, movi-
mento acompanhado pelo fechamento da câmera no botão). Apertar este botão”, afirma
Hilton Gomes na passagem9. Após o vídeo, Fátima Bernardes, comenta o jeito de noti-
ciar na televisão daquele tempo e de hoje, e afirma haver semelhanças: “A gente fala do
8 Passagem é a participação do repórter no meio da reportagem, é considerada a assinatura da matéria. 9 Todos os comentários de jornalistas citados neste artigo podem ser encontrados no endereço eletrônico:
http://especial.g1.globo.com/jornal-nacional/50-anos-de-jornalismo/ (acesso em jul.2015).
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
7
estilo formal, mas está tudo lá que a gente faz até hoje, ou seja, ele está próximo ao fato,
apontando e tentando mostrar para a gente que está em casa o que ele estava vendo”,
analisa Fátima.
Primeira correspondente da TV Globo na Europa, Sandra Passarinho lembra da
cobertura da Revolução dos Cravos, em abril de 1974, em Portugal, reportagem que foi
perdida em incêndios na TV Globo. Aquele momento histórico é revisitado pela repór-
ter, em suas memórias, quatro décadas depois, ainda carregado de emoção. Sandra conta
que estava com um bloquinho em mãos e que ia fazendo o texto conforme ia observan-
do o que estava acontecendo pelas ruas: “Que começo maravilhoso de carreira”!
As reportagens gravadas no exterior, e mesmo no interior do Brasil, nem sempre
vinham via satélite. Quando não era possível, o jeito era improvisar: os filmes chega-
vam de avião ou mesmo de ônibus, entregues pelos repórteres a pilotos e motoristas.
“Veja só, naquela época, você ia ao aeroporto e pedia a alguém. E dizia: ‘Olha eu sou da
Globo, não pode abrir que o filme não está revelado’”, conta o repórter cinematográfico
Orlando Moreira. O repórter Francisco José completa, lembrando como fazia para envi-
ar os filmes do Nordeste do país: “Eles estão falando que iam ao aeroporto e eu espera-
va o ônibus, que passava na estrada de terra, que passava lá no meio da seca, parava o
ônibus e entregava ao motorista a lata de filme e avisava que estava indo no ônibus que
vinha do Piauí”.
Nesta volta ao passado, Sandra Passarinho deu uma risada após rever parte de
seu stand up10, feito em 1978, sobre o nascimento do primeiro bebê de proveta. “Eu me
sentia muito responsável pelo que eu estava fazendo. Tinha que ficar na posição correta,
não me mexer demais. Continuo com a mesma vocação de falar com objetividade, com
clareza e com simplicidade, eu creio que sim, mas a postura ia ser diferente, seriam ou-
tras as palavras.”
Não só o estilo, a locução ou a postura, mas também o distanciamento da notícia
é uma questão que vem à tona nas memórias dos repórteres, sobretudo quando lembram
de coberturas de momentos históricos, carregados de emoção popular. Ernesto Paglia
lembra da cobertura do movimento pelas eleições diretas no país e diz que tinha que
10 O stand up é a apresentação da notícia pelo repórter, geralmente de pé, sem a cobertura do texto por
imagens.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
8
segurar a objetividade para não fazer torcida, mas sim jornalismo, como ele afirma. “A
dificuldade até para manter a objetividade diante de um movimento que obviamente
traduzia tudo que nós brasileiros queríamos, então para você não fazer torcida e conti-
nuar fazendo jornalismo você tinha que realmente se segurar, porque a gente tinha que
tentar ser objetivo e contar a história como ela estava ocorrendo diante dos nossos
olhos.”
Para a apresentação dos cinco episódios, exibidos na penúltima semana de abril
de 2015, a Globo fez uma edição ágil, com duração de cerca de 20 minutos do material
bruto, colhido no Projac, para cada episódio, que correspondia a uma década. Cada epi-
sódio era chamado do estúdio do JN pelos dois apresentadores, William Bonner e Rena-
ta Vasconcellos. Apenas na sexta-feira, a chamada da bancada do JN foi feita por Cid
Moreira e Sérgio Chapelin, e, excepcionalmente, o “boa noite” foi dado pelos quatro
apresentadores.
5. Os pioneiros: 1965 a 1974
O vídeo de aproximadamente vinte minutos, exibido durante o JN, traz referên-
cias fundamentais para o entendimento da memória do telejornalismo da emissora líder
de audiência. As imagens de enchente carioca de 1966, gravadas em preto e branco, em
película, dão a receita para o sucesso da trajetória da Rede Globo de Televisão: a “voca-
ção para a prestação de serviços”, um sinal de “solidariedade”, que vai sedimentar os
laços afetivos entre o público e a emissora.
Entre os vários trechos de filmes e vídeos que ilustram o primeiro dia de apre-
sentação, deve-se destacar que a rememoração destaca as notícias internacionais (o lan-
çamento da Apollo 11, a Revolução dos Cravos, Watergate) e, entre estas, as reporta-
gens da editoria de esportes (Copa do Mundo de 1970, Olimpíadas de Berlim, Campeo-
nato Mundial de Fórmula 1). Chama a atenção o fato das Olimpíadas de Berlim servi-
rem de “gancho” para se falar de terrorismo. Do assassinato de 11 atletas israelenses,
em 1972, pelo grupo Baader-Meinhof, as imagens saltam para a violência do Estado
Islâmico no mundo contemporâneo.
Quando o assunto é Brasil, a marca das notícias é a tragédia: as enchentes de
1966 e os dez anos da queda do elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro; os incên-
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
9
dios dos edifícios Andraus e Joelma, em São Paulo. Sobre a ditadura militar, algumas
imagens, e a referência ao Ato Institucional nº 5. Os depoimentos de Roberto Irineu
Marinho, Armando Nogueira e Ronan Soares destacam as dificuldades da imprensa
diante das limitações da censura, sem fazer qualquer menção à relação delicada entre a
Globo e os militares.
Neste primeiro dia de programação, devemos destacar as imagens daqueles re-
pórteres que, trabalhando no exterior nas décadas de 1970 e 1980, serviram de modelo
para o telejornalismo que foi feito a partir de então na Rede Globo de Televisão: Hélio
Costa, Sérgio Motta Mello, Roberto Feith, Lucas Mendes (que ainda pode ser visto na
TV como apresentador do Manhattan Connection, na GloboNews), Sandra Passarinho e
Luís Fernando Silva Pinto, os dois últimos presentes na gravação do especial. Não há
como negar que o talento desses pioneiros serviu de modelo para o telejornalismo de
hoje e que, afinal, as inovações técnicas não foram assim tão determinantes para a mu-
dança dos conteúdos.
6. A democratização e a ocupação do espaço público: 1975 a 1984
Neste segundo episódio, a imagem do Brasil aparece mais, como se o fim da
censura tivesse possibilitado mostrar mais a realidade nacional, apesar de ainda a dita-
dura persistir. Talvez o uso mais frequente do videoteipe, as câmeras mais leves, e as
primeiras unidades móveis, que possibilitavam entradas ao vivo, através das antenas de
micro-ondas, possam também justificar a maior frequência das imagens locais. Ou ou-
tra possibilidade é a de pensarmos que esta foi uma forma da emissora se redimir da
omissão durante a maior parte da ditadura militar.
De forma libertária, as imagens que relembram a segunda metade da década de
1970 mostram o corpo sem vida do jornalista Wladimir Herzog, os enterros de Juscelino
Kubitscheck e João Goulart. É a agonia da ditadura militar, que contrasta com a alegria
da volta dos presos políticos anistiados, as primeiras greves do ABC paulista e a ameaça
de um retrocesso com as bombas do Riocentro em 1981. Ao abrir o episódio com essas
imagens, a Globo parece dizer que desejou e publicizou todo o processo da “lenta e gra-
dual” abertura democrática, que parece prenunciada nas palavras da entrevista exclusiva
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
10
do general Ernesto Geisel ao repórter Costa Manso, no Japão, em que ele anuncia que
só quer mesmo se “aposentar”.
A abertura política dá o tom deste segundo episódio, mas entre o início e o fim
do mesmo, há referências ao primeiro bebê de proveta, à ampla cobertura da guerra das
Malvinas, entre Argentina e Inglaterra, às Copas do Mundo de 1978 e 1982, à vinda do
papa João Paulo II ao Brasil, ao primeiro Campeonato Mundial de Nélson Piquet na
Fórmula 1, às vitórias dos atletas João do Pulo e Joaquim Cruz, e a algumas reflexões
sobre a atuação do repórter de TV, como a objetividade, a clareza e a simplicidade,
atributos que ganham destaque nos créditos em movimento, deixando clara a “identida-
de imagética” (TEMER, 2014) que o telejornalismo cria para o seu espectador.
Grande parte do episódio é dedicada aos grandes comícios que tomam conta do
país, a partir de 1983, em favor das eleições diretas para a presidência da república. São
mostradas várias matérias sobre o processo de redemocratização, como se a Globo reite-
rasse ter estado o tempo todo atenta e solidária aos movimentos populares. Chama a
atenção o comentário de William Bonner sobre a “cabeça”11 de Marcos Hummel, cujo
assunto é o Comício da Sé, em São Paulo, e que destaca a festa de aniversário da capital
paulista, mas não cita em nenhum momento o movimento das “Diretas Já”. Bonner
justifica que o locutor não fala do movimento político, mas que as imagens estão lá. É
uma defesa da emissora, que se faz ainda mais presente, quando ele sugere que as pes-
soas acessem o site do projeto “Memória Globo” e se esclareçam sobre acusações das
quais a emissora já foi alvo12.
7. Desafio, emoção, ousadia e profissionalismo: 1985 a 1994
O terceiro episódio da série cobre o período da história recente em que a demo-
cracia brasileira ganha todas os holofotes: a eleição indireta de Tancredo Neves para a
presidência do país; a agonia da doença e a morte do presidente eleito, em 1985; a pro-
11 Texto de abertura lido pelo apresentador do telejornal que introduz a reportagem. 12 No site “Memória Globo” (http://memoriaglobo.globo.com), existe a aba “Erros”, em que a empresa
apresenta uma versão detalhado da cobertura efetuada no movimento das “Diretas Já” e no “Debate Col-
lor X Lula”, exibindo matérias jornalísticas de época e vários depoimentos. Em outra aba, denominada
“Acusações Falsas”, os assuntos tratados são: “Concessões de Canais”; “Caso Time-Life”; “Proconsult”;
“BNDES e Renegociação da Dívida”; “Queda do Avião da Gol”; “Caso da Bolinha de Papel” e “Direitos
de Transmissão da Copa do Mundo de 2002”.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
11
mulgação da Constituição de 1988; a primeira eleição direta para presidente, que con-
duziu Fernando Collor ao poder; o movimento dos Caras-Pintadas; o impeachment de
Collor, em 1993. Centenas de jornalistas e radialistas da Rede Globo em todo o Brasil
colaboraram com esta produção coletiva, o que levou William Bonner a afirmar: “Tele-
jornalismo é equipe à enésima potência”.
Neste episódio, o apresentador Bonner comentou a polêmica em torno do debate
entre os candidatos às eleições de 1989, Fernando Collor e Luíz Inácio Lula da Silva, e
reconheceu o erro do Jornalismo da Globo ao editar o debate político, que tinha durado
cerca de três horas, e foi ao ar, durante o JN, às vésperas da votação, garantindo não só
mais tempo, como melhor performance, ao ex-governador de Alagoas.
Entre os atributos que foram destacados como aqueles que foram a marca da
qualidade do jornalismo da emissora nesses dez anos, em coberturas como as tragédias
de Chernobyl, na URSS, e do Césio 137, em Goiás, no Brasil; a queda do Muro de Ber-
lim, em 1989, na Alemanha; ou a transmissão ao vivo da Guerra do Golfo, em 1991:
emoção, ousadia, investigação e desafio garantiram os vários “furos” de reportagem e
pontos de audiência.
Em todos os episódios observa-se a ênfase no sentido heroico da profissão de
jornalista. Heroísmo que às vezes se confunde com o ufanismo expresso nos momentos
das grandes conquistas esportivas: neste caso, o tri-campeonato mundial de Nélson Pi-
quet e de Ayrton Senna na Fórmula 1 (a morte de Ayrton e as cerimônias fúnebres tam-
bém ganham destaque, iniciando uma tendência que se estende hoje a várias celebrida-
des midiáticas); o ouro olímpico do Vôlei na Espanha, em 1992, e o momento apoteóti-
co do tetra-campeonato mundial de futebol, de 1994.
8. 1995 a 2004: o terror e as tragédias naturais
As imagens do quarto episódio começam fortes: o tsunami na Indonésia, em
2004, e o terremoto de Kobe, no Japão, em 1995. E também terminam de maneira forte:
os atentados terroristas ao World Trade Center, em Nova Iorque, nos Estados Unidos,
sendo que esta última cobertura resultou na primeira indicação do Telejornalismo da
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
12
emissora a um prêmio Emmy13. De alguma forma, o inesperado e o imprevisível con-
firmam-se como valor-notícia, que jamais poderá ser desprezado, em especial, pelas
emissoras de televisão, que têm na imagem um de seus maiores fatores de atração do
público.
A década mostrada destaca a importância das matérias investigativas, através do
trabalho de Caco Barcellos, que identificou no Cemitério de Perus, em São Paulo, ossa-
das de desaparecidos políticos, mas também revela os novos riscos para os jornalistas,
representados pelo assassinato de Tim Lopes, no Rio de Janeiro, em 2002. A homena-
gem ao repórter, que lançava mão de rotinas pouco comuns para fazer suas matérias,
como passar por vendedor de mate na praia ou se internar numa clínica psiquiátrica, não
esconde a possível omissão da empresa na proteção de seus profissionais. Outros morre-
ram nesses 50 anos, como Samuel Wainer Filho e Luiz Eduardo Lobo, também a servi-
ço da emissora, mas não foram mencionados nesta série de homenagens. Tim Lopes
acabou virando símbolo da intrepidez da Globo: “A sua voz vai ecoar hoje e sempre.
Em vez do silêncio, o nosso aplauso”, foram as palavras de encerramento da edição do
JN que noticiou a morte do repórter.
Certamente, a maior emoção do apresentador Bonner foi quando relembrou o
programa em que narrou a morte do “doutor”14 Roberto Marinho, na edição do JN de 7
de agosto de 2003. Em 2015, no episódio comemorativo dos 50 Anos da Globo, o fun-
dador da TV recebe nova homenagem, com a exibição de matérias de arquivo, e a reve-
lação de William Bonner sobre a grande dificuldade que teve em chegar ao fim da leitu-
ra da carta dos filhos de Roberto Marinho ao público brasileiro, naquele agosto distante.
Um pequeno detalhe, que recebe comentários de vários dos jornalistas presentes, reve-
lando uma relação de admiração, respeito e talvez até comunhão de ideias entre eles,
pouco comum entre patrão e empregados.
9. 2005 a 2015: relatos de aventura e heroísmo na busca pela notícia
13 O prêmio Emmy é um prêmio atribuído a programas e profissionais de televisão. É equivalente, por
exemplo, ao Oscar, no cinema. 14 É curioso retomar aqui a recomendação do “Manual de Telejornalismo” da Rede Globo com relação ao
uso da palavra doutor: “Só use a expressão doutor para designar alguém, no texto ou numa entrevista,
quando se tratar de um médico. Exemplo: um delegado de polícia, que é formado em Direito, jamais deve
ser tratado como doutor, mas como delegado”. (MANUAL, 1986, p.42)
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
13
A última década da série tem chamada de Sérgio Chapelin, ao lado de Cid Mo-
reira na bancada do JN, explicando que as memórias dos repórteres, mostradas na série,
emocionaram “tanta gente” por se referirem a fatos que atravessam a vida de todos. E
conclui: “é como se a memória deles fossem as suas”. Chama a atenção a determinação
da série em selecionar e definir o que deve ser lembrado, oferecendo ao telespectador a
certeza de que aquelas são as suas memórias sobre as cinco décadas.
O quinto episódio começa com o fim do papado de João Paulo II, em abril de
2005. As imagens são cobertas pelo comentário da correspondente Ilze Scamparini,
junto aos seus colegas, sobre o pontífice e sobre os seus próprios sentimentos ao vê-lo
sendo enterrado. Uma narrativa subjetiva, que dá ao relato jornalístico um tom humani-
zado, tão em voga no jornalismo desta década.
A presença dos repórteres no local do fato e até do diretor Ali Kamel reforça a
ideia de onipresença, uma premissa do telejornalismo, que dá ao público a sensação de
que também está testemunhando a história, como na peregrinação dos fieis que rendeu a
Caco Barcellos 18 horas na fila e pés inchados ao cinegrafista Sérgio Gilz, citado na
reportagem.
Imagens de escombros, pessoas soterradas, sofrimento. A década é marcada na
tela da Globo por uma cobertura internacional de desastres naturais: terremoto na China
(2008) e no Haiti (2010), tsunami no Japão (2011), furacão nas Filipinas (2013), e nos
EUA (2005), nesta ordem. As cenas de tragédia mostram os repórteres no local, em
meio ao caos e ao medo.
A emissora insere nas memórias desses anos seus projetos de revelar o Brasil aos
brasileiros. Em 2006, Pedro Bial esteve à frente da “Caravana JN”, espécie de redação
itinerante, na qual Bial, heroicamente, percorreu 16.409 quilômetros de estrada para
fazer 52 reportagens e mostrar, segundo ele, quais são os “desejos do Brasil”. No proje-
to de construir desejos e memórias, mais heroísmo: “quatro anos depois, Ernesto Paglia
virou comandante do JN no ar”, anuncia Bonner. Outro projeto que produziu retratos de
diferentes regiões do país.
Vale destacar aqui o noticiário internacional, até mesmo na sucessão presidenci-
al. A presença da então presidente eleita Dilma na bancada do JN, em 2010, mereceu
uma memória rápida, de apenas 22 segundos, seguida de uma retrospectiva de 1 minuto
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
14
e 20 segundos sobre a sucessão presidencial nos Estados Unidos, na campanha e no dia
da vitória de Barack Obama.
Voltando ao Brasil, outra grande cobertura, a ocupação do Morro do Alemão em
2010, no Rio de Janeiro. Os profissionais se vangloriam da competência do cinegrafista
na captação de imagens exclusivas e também por terem sido a primeira equipe a chegar
ao local, mais uma vez colocando-se como protagonistas de uma aventura heroica em
busca da notícia: entre polícia e bandidos, estavam em cena também os repórteres da
Globo. A cobertura rendeu à emissora o prêmio Emmy internacional.
O JN saiu do estúdio em edições especiais, sendo apresentado no local de fatos
marcantes desta década, como nos ataques a São Paulo, em 2006, no acidente aéreo da
TAM, em 2007, e na tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, em 2013.
As manifestações de junho de 2013 e os gritos de “vem pra rua vem”, com ima-
gens do povo nas ruas das capitais do país, talvez não rendam as melhores recordações
para o jornalismo da Globo. Os repórteres globais foram hostilizados e ameaçados nas
ruas. A memória deste movimento é construída na tela da série especial com imagens de
vandalismo e de violência.
As eleições presidenciais são representadas neste mosaico pelas entrevistas com
os três candidatos à presidência, Aécio Neves, Dilma Rousseff e Eduardo Campos, uma
campanha atravessada pelo inesperado: o acidente aéreo que matou Campos. O último
debate entre Dilma e Aécio e o anúncio da vitória da petista também mereceram lem-
brança, mas nada comparável ao destaque dado, e já citado aqui, à sucessão presidencial
dos Estados Unidos.
Ao fim deste episódio, a emissora faz uma homenagem aos repórteres cinemato-
gráficos, mostrando o autógrafo deles na tela e os rostos que estão por trás das câmeras
que captaram imagens de flagrantes, de momentos históricos, de denúncias, de tragé-
dias, nas reportagens selecionadas destas cinco décadas de jornalismo. Como em todo
show, a série termina com uma salva de palmas deles próprios.
9. Considerações finais
A série especial sobre os 50 Anos da Rede Globo de Televisão confirma a per-
cepção de que muito da nossa memória sobre as últimas cinco décadas é constituída
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
15
pelos sons e imagens que foram veiculados pela maior empresa de comunicação do país.
Nosso conhecimento do passado recente está definitivamente marcado por essas impres-
sões. É como se nossa memória fosse despertada pelo tom grave da voz de Fábio Perez,
a imagem desbotada de Sandra Passarinho, a estridente narração de um gol por Galvão
Bueno, o som abafado do hino nacional tantas vezes entoado em estádios e praças pú-
blicas. A nossa memória se confunde com o que a Globo mostrou. O problema é aqui-
lo que ela não mostrou, por falta de condições técnicas, recursos humanos, ou desejo
político. Neste cardápio, faltaram lugares, como a África, e assuntos, como a cultura.
Também faltaram pessoas comuns e jornalistas comuns. E todos os cinegrafistas, que,
ao longo de décadas, se ocuparam em carregar cabos, instalar a iluminação, testar mi-
crofones. Mas, inegavelmente, a série evidenciou a importância dos estudos da memó-
ria para a compreensão da complexidade do mundo.
Outro fator interessante foi contar as histórias dos jornalistas de TV, que ex-
põem suas dificuldades, fragilidades e estratégias para narrar os fatos. A abordagem se
ateve mais a aspectos curiosos e enfatizou a excelência dos profissionais que ali traba-
lham. De certa forma, não se esperava nenhuma revelação inusitada em programa que
foi ao ar já previamente editado. Mas tem que se reconhecer que houve um esforço para
em pouco tempo e em horário nobre fazer-se o relato de cinco décadas de história. Esta
é uma forma da empresa de comunicação se legitimar com o seu público, reconhecer
erros, reafirmar seu compromisso com a qualidade e, em especial, ao revelar seus basti-
dores, com a transparência da informação.
10. Referências
BARBOSA, Marialva. Jornalistas, “senhores da memória”?. Anais do XXVII Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação/IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
Porto Alegre: PUC do Rio Grande do Sul, 2004.
Globo 50 Anos. In: http://especial.g1.globo.com/jornal-nacional/50-anos-de-jornalismo/ Acesso
em junho 2015.
MANUAL de telejornalismo. Rio de Janeiro: Central Globo de Jornalismo, 1986.
MEMÓRIA GLOBO. Disponível em:
http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/revolucao-dos-cravos.htm. Acesso em
jul. 2015.
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 13º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Campo Grande – UFMS – Novembro de 2015
::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
16
NORA, Pierre. Entre mémoire et histoire: la problématique des lieux. In: Les lieux de
mémoire. Vol. 1. – La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XV-XLII.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, vol. 2, nº 03 (1989). p. 03-15.
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa Temer. Flertando com o caos – comunicação, jornalis-
mo e televisão. Goiânia: FIC/UFG, 2014.