LUIZ FELIPE PEÇANHA STELLING
“Raças humanas” e raças biológicas em livros
didáticos de Biologia de ensino médio
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Mestre. Campo de Confluência: Ciência, Sociedade e Educação
ORIENTADORA: PROFa. DRa. SONIA KRAPAS TEIXEIRA
Niterói 2007
2
LUIZ FELIPE PEÇANHA STELLING
“Raças humanas” e raças biológicas em livros
didáticos de Biologia de ensino médio
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Mestre. Campo de Confluência: Ciência, Sociedade e Educação
Aprovada em 09 de novembro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
PROFa. DRa. SONIA KRAPAS TEIXEIRA
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________________
PROFa. DRa. NADIR FERRARI
Universidade Federal de Santa Catarina
__________________________________________________________
PROFa. DRa. SANDRA ESCOVEDO SELLES
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________________
PROFa. DRa. LANA CLAUDIA DE SOUZA FONSECA
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
3
DEDICATÓRIA Aos meus pais José Carlos e Esmeralda, Ao meu irmão Alexandre, Às minhas avós (in memoriam) Maria de Lourdes e Genilda.
4
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora e amiga Sonia Krapas Teixeira, pela sua dedicação, paciência,
gentileza, compreensão, apoio firme, ensinamentos e exemplo de profissionalismo;
À professora Sandra Escovedo Selles, por participar de modo significativo e
determinante, com suas valiosas contribuições, na produção desta pesquisa sobre
currículo de Biologia;
À professora Nadir Ferrari, pelos seus relevantes comentários e sugestões para a
dissertação, e pela amável participação na banca examinadora desta dissertação;
Ao meu amigo e mestre Walmor Marcos Muniz Freitas, irmão salesiano, professor,
modelo de caráter e seriedade no magistério e que sempre me motivou ao estudo;
Às professoras do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, Glória Queiroz,
Cecília Goulart, pela convivência gentil e lições pedagógicas;
Aos meus amigos Marcelo Newton Ferreira Trotta, Luiz Felipe Areno de Souza,
Marcellus Porto Aguiar, Humberto Maciel Nobre, e Alexandre Souza Werneck (in
memoriam), que sempre me apoiaram e me motivaram;
Aos meus amigos e colegas de mestrado Maicon Jeferson Azevedo e Roberto de
Oliveira Beserra, queridos companheiros de jornada, com quem trabalhei e aprendi
muito;
Aos meus colegas de trabalho Teresa Cristina Martins, Delfim Sampaio Neves, Lúcia
Tropia Marotta, Cosme de Oliveira Leite, Ophelio W. de Castro Walvy, Tânia
Goldbach, Margarete Friedrich, Suely Pessanha de Almeida, Isabel Vitória P. de Fraga
Rodrigues, Dora Cristina Gustafson Fonseca, Marcos Antonio Carnavale de Barros;
Às bibliotecárias do Instituto de Física da UFF e do MAST, pela eficiência e presteza.
5
EPÍGRAFE
Que são os ricos sem sabedoria senão porcos engordados com farelo? Que são os
pobres sem compreensão das coisas senão burros condenados a transportar carga? Um
homem formoso privado de cultura, que é senão um papagaio de plumagem brilhante? –
ou, como disse alguém –, uma bainha de ouro com uma espada de chumbo?
Comenius (Didactica Magna, 1632)
6
SUMÁRIO 1 – Introdução 09 2 – Revisão de literatura e referenciais teóricos 13 2.1 – O conceito de raça em obras de referência 16 2.2 – Raças humanas e raças biológicas na Biologia e nas Ciências Sociais 19 2.2.1 – Teorias de classificação dos seres vivos e conceitos de raça na Biologia 19 2.2.2 – Concepções históricas de Biologia sobre raças humanas 25 2.2.3 – Questões e tensões sobre raças humanas na atualidade 39 2.3 – Livro didático e o ensino de Ciências 42 2.3.1 – Importância do livro didático 42 2.3.2 – Livro didático e o ambiente escolar 44 2.3.3 – Conteúdo do livro didático 45 2.3.4 – Estrutura do livro didático 46 2.3.5 – Metodologias de seleção e análise do livro didático 46 2.4 – Livro didático e conceitos de raças humanas e raças biológicas 51 3 – Procedimentos metodológicos 55 3.1 – Definição da amostra 55 3.2 – Metodologia de análise 56 4 – Resultados e discussão 59 4.1 – As categorias 59 4.2 – Os livros 65 4.2.1 – Análise qualitativa 65 4.2.2 – Análise quantitativa 108 4.2.3 – Os livros segundo o catálogo do PNLEM de Biologia de 2007 114 5 – Conclusões, recomendações e perspectivas 118 6 – Obras citadas 122 7 – Apêndices 131 8 – Anexos 143
7
RESUMO
Historicamente, na Biologia e nas ciências sociais, as concepções de “raças
humanas” e raças biológicas são polissêmicas, ambíguas e sem consenso. Na atualidade,
causam controvérsia e podem ser utilizadas com fortes vieses ideológicos. A pesquisa
avaliou tais concepções em livros didáticos recentes de Biologia, seis recomendados
pelo PNLEM e um de autor tradicional no mercado de textos didáticos. O corpus
analisado mostrou-se muito heterogêneo no modo de desenvolvimento acerca das
concepções de raças humanas: enquanto alguns livros apresentam textos não verbais
(fotos, etc) que parecem evidenciar grupos raciais humanos, outros livros explicitamente
negam a existência de raças, mas utilizam o conceito cultural de grupos étnicos de
forma intencional ou eufêmica. Da análise, emergiram categorias que permitiram dividir
o corpus em dois grupos, um mais afim com as recomendações dos PCN+ acerca de
raças humanas, e outro grupo que se afasta delas.
Palavras-chave: livro didático, raças humanas, currículo de Biologia
8
ABSTRACT
Historically, in Biology and Social Sciences, we can note that the conceptions of
biological races and “human races” are polisemic, ambiguous and lack consensus.
Nowadays, these conceptions cause controversy and can be used with strong ideological
biases. This research examines how those concepts of race are expressed in recent
biology school textbooks, six of them recommended by the PNLEM (National Program
of Textbooks for High School) and one written by an author well-known in the editorial
market of Biology textbooks. The analysed corpus is remarkably heterogeneous
regarding the development of concepts of “human races”: while some books present non
verbal texts (photos, etc) as evidence of the existence of human racial groups, other
books explicitly deny the existence of races, but use the cultural concept of ethnic
groups as an inappropriate synonym for racial groups, or as an intentional form of
euphemism. From this analysis emerged categories dividing the corpus into two groups,
one similar to the recommendations of PCN+ (National Curricula Parameters), and
another group that is antithetical to those recommendations.
Key-words: school textbook, human races, curriculum of Biology
9
1 – Introdução
Dentre as finalidades do ensino de nível médio, segundo as orientações
curriculares nacionais, preconiza-se, no processo formativo de cidadãos críticos, o
desenvolvimento das competências de representação, comunicação, investigação e
compreensão acerca de temas de ciência e tecnologia. Na área das ciências da natureza,
notadamente na área da Biologia, no currículo de nível médio, algumas questões
mostram-se polêmicas por contrastarem com preconceitos trazidos pelos alunos, como
os relacionados à sexualidade, a questões de natureza religiosa – que implica na
controvérsia evolucionismo versus criacionismo –, e as polêmicas envolvendo
concepções de raças humanas1. Trabalhos acadêmicos têm sido realizados no sentido de
procurar compreender as tensões curriculares entre conceitos científicos e valores que
os alunos trazem ao ambiente escolar. O livro didático, como importante componente do
currículo escrito, tem sido investigado no que concerne a vários temas polêmicos2,
incluindo o tema das raças humanas. Levy, Selles e Ferreira (2006) consideram que
raça humana é um conceito curricular que precisa ser entendido não apenas no domínio
dos conhecimentos biológicos, uma vez que envolve valores e encontra-se
ideologicamente imerso em múltiplos debates que ocorrem na sociedade. Essa visão
1 Preferi não usar ininterruptamente, ao longo da dissertação, a expressão raças humanas entre aspas. Com isso, tive o intuito de não cansar o leitor com um excesso destes sinais gráficos; não obstante, mesmo quando ausentes, o valor de realce das aspas estará incluso, ressaltando as ambigüidades e controvérsias de sentido referentes a raças humanas. 2 ANDRADE, Cristiane Pinto. Concepções sobre Diversidade de Orientações Sexuais veiculadas nos Livros Didáticos e Paradidáticos de Ciências e Biologia. Salvador, 2004. 211 f. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.
10
histórico-ideológica sobre o conceito de raça humana também é observada nas reflexões
de Willinsky (19983). Para ele, há a necessidade de se alertar os estudantes sobre o
contexto histórico da criação do termo raça, não apenas para que discutam a sua
origem, mas as suas implicações na atualidade.
Historicamente, na área de ciências biológicas e das ciências sociais, os
conceitos de raça humana são polissêmicos, ambíguos e sem consenso. Mesmo na
atualidade, causam controvérsia e podem ser utilizados com fortes vieses ideológicos
(GOULD, 1991; PENA, 2002; KAMEL, 2006). Recentemente, a polêmica se estendeu à
mídia por conta do projeto Raízes Afro-brasileiras4 − que investigou a composição
genética de personalidades autodenominadas ou consideradas “negras” (Cf. Anexo 1) −,
e por conta do caso dos gêmeos idênticos (Cf. Anexo 2)5, considerados, pela comissão
do sistema de cotas do vestibular da UnB, um “branco” e o outro “negro”. Mesmo entre
publicações oficiais não há consenso. Por exemplo, a Caderneta de Saúde da Criança,
editada pelo Ministério da Saúde (2007, Cf. Anexos 3 e 4), admite uma visão tipológica
de raças. Em direção contrária, outras publicações oficiais propõem uma discussão
sobre essa tipologia: os PCN+ recomendam aos alunos “levantar dados sobre as
características que historicamente são consideradas para definir os agrupamentos raciais
humanos em caucasóides, negróides e orientais, identificando-as como correspondentes
a apenas uma fração mínima do genoma humano.” (2002, p. 49)
Por outro lado, em nossa prática docente, testemunhamos uma tensão entre os
valores que os alunos trazem – tais como os relacionados ideologicamente à identidade
racial – e os saberes acadêmicos de referência da Biologia, que não reconhecem a
existência de raças ou subespécies entre humanos (PENA, 2005).
Tendo como base o conhecimento biológico atual, pode parecer inapropriado
procurar relacionar raças biológicas a raças humanas. No entanto, a aproximação entre
esses dois conceitos aparece em alguns livros didáticos de nível médio, entrelaçando-se
por vezes, dependendo dos saberes acadêmicos adotados pelos autores dos livros nos
3 WILLINSKY, John. Ciência e origem da raça. In: Lopes A. C. e Macedo, E. Currículo de Ciências em debate. São Paulo: Papirus, 2004. cap. 3, p. 77-118. Tradução de: WILLINSKY, John. Learning to Divide the World: Education at Empire’s End. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998. Observação: usei como base de consulta a tradução brasileira de 2004, mas esta foi cotejada com a edição original de 1998. Preferi mencionar a data da edição original para ser mais fiel ao situar o pensamento deste autor cronologicamente nos estudos acadêmicos sobre raça humana, Educação e Biologia. 4 O projeto foi veiculado nos portais UOL, BBC Brasil, G1 Globo.com, nos jornais O Globo e O Dia, e no Jornal Nacional da Rede Globo, durante o período de 28 de maio a 2 de junho de 2007. 5 Raça não existe é matéria da capa da revista Veja de 6 de junho de 2007.
11
âmbitos da classificação biológica (taxonomia e sistemática) da genética e dos
processos evolutivos.
Como decorrência dessas reflexões, foram formuladas algumas questões: Como
a Biologia trata o conceito de raça humana? Podem-se relacionar raças humanas, raças
biológicas e subespécies? O que dizem as pesquisas de Genética e de Evolução acerca
das raças humanas? A Sistemática Biológica considera diferentes raças humanas? O
conceito de raça é polissêmico ou encontra-se definido em limites precisos?
Historicamente, quais concepções de raças humanas foram construídas entre a Biologia
e as Ciências Sociais6? Há disputas e tensões no âmbito da linguagem comum, da
linguagem técnica, entre discursos sociológicos e biológicos? Como a mídia em geral e
as revistas de divulgação científica lidam com esses significantes e significados? Os
termos identidade racial e igualdade racial são compatíveis com os conhecimentos de
Genética da atualidade?
Entendendo que o livro didático constitui o discurso (verbal e não verbal) dos
autores, que, por transposição didática, selecionam parte do conhecimento acadêmico da
Biologia, trazendo-o para a sala de aula, sob a forma de um saber a ser ensinado,
justifico a investigação de raças biológicas e humanas em livros-texto.
A pesquisa objetivou avaliar de que modo livros didáticos recentes de Biologia,
destinados ao nível médio, tratam de forma implícita ou explícita as concepções de
raças humanas e de raças biológicas, se ocorrem contradições ou aproximações entre
estes conceitos, que Genética e aspectos sócio-históricos são veiculados pelos livros.
No capítulo dois, é apresentada uma revisão bibliográfica tendo como base dois
grupos de textos: os selecionados de forma não sistemática e aqueles que foram
encontrados a partir de busca em anais de congressos e revistas da área. Iniciada com
uma análise do conceito raça em dicionários de língua portuguesa, a revisão
bibliográfica está subdividida em três grandes temas: “raças biológicas” e “raças
humanas” na Biologia e nas Ciências Sociais; livro didático e o ensino de Ciências;
livro didático e conceitos de “raças humanas”.
Consta dos procedimentos metodológicos, detalhados no capítulo três, uma
análise de conteúdo de livros de nível médio, análise na qual se observam elementos de
texto verbais e não-verbais, tais como: texto principal, intertextos (excertos de obras de
6 Há pesquisas acadêmicas que admitem os conceitos de raça humana, identidade racial e diversidade racial, fundamentando-se em bases sócio-antropológicas (MUNANGA, 2006; SILVA, 2004; SILVA, 2005).
12
outros autores, geralmente apresentados como leitura suplementar), exercícios e
atividades propostas, glossários, sumários, índices remissivos, tabelas, fotos, esquemas,
gráficos, etc.
Da análise qualitativa dos textos, emergiram categorias relativas a raças
humanas e raças biológicas, descritas no capítulo quatro. Uma análise quantitativa
permitiu dividir o corpus em dois grupos, um mais afim com as recomendações dos
PCN+ acerca de raças humanas, e outro grupo que se afasta delas. Minhas avaliações
sobre os livros foram cotejadas com as veiculadas pelo catálogo do PNLEM de
Biologia.
No capítulo cinco, são feitas conclusões, e são defendidas recomendações ao
currículo de Biologia no que se refere a raças, assim como se entrevêem perspectivas de
futuros trabalhos.
13
2 – Revisão de literatura e referenciais teóricos
Com o objetivo de realizar uma revisão da literatura sobre o tema do meu
trabalho de pesquisa, foi feita uma busca em cinco revistas e atas de três congressos na
área de pesquisa em Ensino de Ciências compreendidos no período de 2001 a 2005.
A revisão bibliográfica foi realizada em revistas científicas classificadas com o
conceito Capes qualis A internacional na área de Ensino de Ciências e Educação
Matemática7, compreendendo os seguintes títulos: Enseñanza de las Ciencias, Science
Education, Science & Education, International Journal of Science Education e
Investigações em Ensino de Ciências. A revista Philosophy of Science não foi escolhida
porque a sua temática foge do foco de minha pesquisa. Os congressos de educação em
ciências considerados são os de maior relevância: na língua inglesa – European Science
Education Research Association Conference (ESERA), na língua espanhola – Congreso
Internacional sobre Investigación en la Didáctica de las Ciencias (CIIDC) – e no
cenário nacional – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC).
A busca nas revistas e atas de congresso consistiu em uma varredura sistemática
em várias etapas. Primeiramente os títulos dos trabalhos (2960 ao todo) foram lidos na
busca das seguintes palavras-chave: livro didático de Biologia/Ciências, alfabetização
científica e temas polêmicos de Biologia. Termos correlatos tais como divulgação
científica, CTS, letramento científico, questões bioéticas e sócio-científicas também
foram buscados. Quando o título do trabalho apresentava uma ou mais palavras–chave,
7 A classificação é a que se encontrava disponível em abril de 2006, data em que foi iniciada a presente revisão.
14
o resumo era lido (168 ao todo).
Foram considerados temas polêmicos aqueles que mais freqüentemente têm
aparecido em debates e matérias jornalísticas veiculados na televisão e na mídia
impressa (revistas de divulgação científica e jornais e revistas de grande expressão),
assim como os já presentes em livros didáticos e os preconizados pelos PCN para o
ensino médio. Mecanismos de busca na internet também foram utilizados para compor
um conjunto de temas polêmicos relacionados à Biologia. A princípio, foram
selecionados temas que contêm uma forte relação com questões éticas, morais, sociais,
políticas e econômicas, como os do domínio da Biotecnologia (clonagem, organismos
transgênicos, manipulação de embriões e o uso de células-tronco). Também considerei
temas como o embate entre criacionismo e evolucionismo e “raças humanas”. Na minha
busca, não foram considerados temas relativos à Ecologia, pois esses já estão muito
presentes nos currículos de Biologia, sendo trabalhados com os educandos desde o
ensino fundamental até o ensino médio e técnico. A rigor, os temas de Ecologia não são
totalmente controversos, pois, ao lado de questões sócio-político-econômicas (essas sim,
muitas vezes polêmicas), não há dúvidas, por exemplo, quanto aos danos provocados
pela poluição do ar (chuva-ácida) e da água (vazamentos de petróleo), quanto aos graves
prejuízos do desmatamento e da extinção de espécies, quanto à destruição de
ecossistemas como a mata atlântica e manguezais, quanto ao uso exagerado de
pesticidas, etc. Os temas de Ecologia são desenvolvidos inclusive em livros didáticos de
Química, como em Novais8 (1999) assim como nos de Geografia e História.
Durante a leitura dos resumos, vários motivos, explicitados com detalhe no
capítulo 3, permitiram-me tomar uma decisão fundamental para a minha pesquisa: a
escolha de qual tema controverso seria alvo da investigação nos livros didáticos.
Basicamente, o tema “raças humanas” se justifica, pois está presente em políticas
públicas de cotas, em questões ligadas a “identidades raciais” e, desde o século XIX até
o presente, em idéias racistas e de eugenia – estas últimas atingindo o ensino de
Biologia9.
Definido o tema, os textos selecionados sofreram outro crivo. Os critérios para a
seleção, obtidos a partir de uma especificação das palavras-chave, foram: a presença do
tema controverso “raças humanas”; a presença de tratamento analítico de livros
8 NOVAIS, Vera L. D. de Química. São Paulo: Atual, 1999. 9 Cf. URECH, Sandra Suely Rodrigues. Pressupostos Eugênicos no Ensino de Biologia. Recife, 2001. 190f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2001.
15
didáticos. Quando o resumo do trabalho cumpria um desses critérios, o trabalho era
selecionado para ser lido na íntegra (11 ao todo). Disso resultou que a alfabetização
científica e os temas controversos que não fossem “raças humanas” – nitidamente
colocados em segundo plano – só apareceram quando conjugados com os livros
didáticos.
Os trabalhos selecionados foram lidos integralmente, tendo como intuito compor
a revisão de literatura. Os 11 trabalhos são os seguintes: Clément et al. (2005);
Detregiachi e Arruda (2003); Ferreira e Selles (2003); Leão e Megid Neto (2003);
Massabni e Arruda (2003); Martinez-Gracia, Gil-Quílez e Osada (2003); Nascimento e
Martins (2005); Resnik (2005); Ribeiro, Dazzi, Souza e Wortmann (2001); Sandrin,
Puorto e Nardi (2005); Skoog (2005).
Na tabela 1 encontram-se os dados numéricos da busca realizada.
Periódicos e atas de congressos Títulos Resumos Textos na
íntegra IV ESERA 2003 135 11 0 V ESERA 2005 422 27 2 IV ENPEC 2003 435 26 4 VI CIIDC 2001 455 28 1 VII CIIDC 2005 429 39 0 IENC 68 5 1 Science & Education 217 16 2 Science Education 246 4 0 Enseñanza de las Ciencias 150 2 0 International Journal of Science Education 403 10 1 Total 2960 168 11
Tabela 1 – resultados da busca sistematizada em periódicos e atas de congressos.
Para complementar a revisão de literatura, consultei textos obtidos por vias não
sistemáticas como González e Sierra (2004), que trata da análise de manuais didáticos,
Reznik (1995), que analisa historicamente o conceito de gene em livros didáticos de
Biologia, Levy, Selles e Ferreira (2006), que analisa livros didáticos de Biologia e raças
humanas. Também foram consultados livros de Biologia Geral, Evolução, Genética,
Sistemática, História das Ciências Biológicas (LEWIN, 1999; GOULD, 1991,
AMORIM, 2002, PENA et al., 2002, dentre outros).
16
2.1 – O conceito de raça em obras de referência
Fundamentalmente, um discurso é estruturado valendo-se de significantes
(palavras, sinais10) que representam significados (idéias, conceitos). Esta seção tem um
caráter introdutório ao termo raça e examina acepções deste conceito encontradas em
dicionários recentes de língua portuguesa (FERREIRA et al., 2004; HOUAISS et al.,
2006), em um dicionário especializado (SOARES, 1993) e em dois dicionários
escolhidos pelo seu valor histórico (MELLO-LEITÃO, 1946; CAMPAGNE, 1886).
Pela proximidade semântica, o termo etnia também foi examinado. Não foram
realizadas consultas a enciclopédias nem a sítios de internet, pela característica não
exaustiva desta dissertação.
A necessidade do aprendizado de terminologia técnica pelos alunos de curso
médio é ressaltada pelos PCN+ (2002, p. 36). Muito básico e fundamental é o domínio
dos termos técnicos durante o aprendizado das Ciências Biológicas. Há muito, esta
necessidade é defendida; a título de referência, temos a afirmação de Melander (1937,
pág. III): “Uma das disciplinas do estudo da Biologia é a aquisição de vocabulário
técnico.”11 A falta de domínio desta terminologia pode ser um entrave ao
desenvolvimento do currículo de Biologia (STELLING, 1996).
A seguir, de cada dicionário, são reproduzidas as acepções12 mais gerais e as
relativas à Biologia e à Antropologia.
Do Novo Dicionário Eletrônico Aurélio (2004):
Raça [Do it. razza.] 1.Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. 2.Restr. Antrop. Cada uma das grandes subdivisões da espécie humana, e que supostamente constitui uma unidade relativamente separada e distinta, com características biológicas e organização genética próprias. [Diversos autores, seguindo critérios distintos de classificação, propuseram diferentes classificações da humanidade
10 No caso das línguas de sinais das pessoas surdas, como a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). 11 MELANDER, Axel Leonard. Source Book of Biological Terms. New York: The City College, 1937. No original: “One of the disciplines of the study of Biology is the acquirement of a technical vocabulary”. 12 Foram suprimidas as expressões de cunho popular ou de gíria, por se distanciarem em demasia das acepções científicas. Ex.: “Categoria, classe, espécie: Uma raça de motoristas imprudentes infestava a cidade.; Vontade firme, poderosa; grande determinação: ‘Fluminense vence com raça e coração’ (Marcos Penido e Michel Laurence, em Jornal do Brasil, 7.3.1983); Acabar com a raça de. Bras. Pop. Matar, assassinar; Na raça. Bras. Gír. V. no peito e na raça. Ter raça. (Aurélio, 2004).
17
em termos raciais. A mais básica e difundida é a das três grandes subdivisões: caucasóide (raça “branca”), negróide (raça “negra”) e mongolóide (raça “amarela”). Como conceito antropológico, sofreu numerosas e fortes críticas, pois a diversidade genética da humanidade parece apresentar-se num contínuo, e não com uma distribuição em grupos isoláveis, e as explicações que recorrem à noção de raça não respondem satisfatoriamente às questões colocadas pelas variações culturais.] 3.O conjunto dos ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo, que se origina de um tronco comum. 4.Ascendência, origem, estirpe, casta. 5.Descendência, progênie, geração. 6.O conjunto dos indivíduos com origem étnica, lingüística ou social comum: A América recebeu, pela imigração, europeus de diferentes raças. 11.Subespécie animal resultante do cruzamento de indivíduos selecionados pelo homem para manutenção ou aprimoramento de determinados caracteres. [Aplica-se especialmente aos animais domésticos.]. Etnia [De etn(o)- + -ia1.] Substantivo feminino. Antrop. 1.População ou grupo social que apresenta relativa homogeneidade cultural e lingüística, compartilhando história e origem comuns. [Neste sentido, tb us., a partir do início do séc. XX, em substituição a termos como nação, povo e raça, para designar as sociedades e grupos até então ditos primitivos.] 2.Grupo com relativa homogeneidade cultural, considerado como unidade dentro de um contexto de relações entre grupos similares ou do mesmo tipo, e cuja identidade é definida por contraste em relação a estes. [Sin., nesta acepç.: grupo étnico.] (FERREIRA et al., 2004).
Do Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa (2006):
Raça s.f. (datação: 1473) 1 divisão tradicional e arbitrária dos grupos humanos, determinada pelo conjunto de caracteres físicos hereditários (cor da pele, formato da cabeça, tipo de cabelo etc.) [Etnologicamente, a noção de raça é rejeitada por se considerar a proximidade cultural de maior relevância do que o fator racial; certas culturas de raças diferentes estão muito mais próximas do que outras da mesma raça.] <r. branca> <r. amarela> <r. negra> 2 conjunto de indivíduos pertencentes a cada um desses grupos 3 o conjunto dos seres humanos; a humanidade <as r. vindouras> 4 cada um dos grupos em que se subdividem algumas espécies animais, e cujos caracteres diferenciais se conservam através das gerações <cão da r. labrador> 5 BIO conjunto de populações de uma espécie que ocupa uma região particular, e que difere em uma ou mais características das populações de outras regiões [Termo freq. us. no mesmo sentido de subespécie.] 6 coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e costumes; grupo étnico <r. judia> cf. etnia 7 grupo étnico em relação com a nação, a região <a r. brasileira> 8 a ascendência de um povo <por natureza de r., os brasileiros são um povo caloroso> 9 o conjunto de antepassados de uma família ou de um indivíduo; linhagem <a r. dos Figueiredos> ETIM it. razza (sXV) ‘conjunto de indivíduos de uma espécie animal ou vegetal com características constantes e transmitidas aos descendentes’; tradicionalmente considerado ora do lat. generatìo,ónis ‘geração’,
18
com aférese, ora do lat. ratìo,ónis ‘natureza; motivo, causa etc.’, no sXX foi levantada a hipótese de o voc. se der. do fr.ant. haraz (sXII), fr. haras ‘estabelecimento destinado à reprodução de cavalos’; ver rat- SIN/VAR (e afins) cepa, estirpe, etnicidade, família, grupo, linhagem, nação, povo, progênie, prosápia, ramo; ver tb. sinonímia de ascendência ANT ver antonímia de ascendência noção de ‘raça’, usar antepos. 1geno-; pospos. -gêneo, -genia, -gênio e -geno; ‘raça humana’, usar antepos. etn(o)- Etnia s.f. (sXX cf. AGC) ANTRPOL coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir; grupo étnico [Para alguns autores, a etnia pressupõe uma base biológica, podendo ser definida por uma raça, uma cultura ou ambas; o termo é evitado por parte da antropologia atual, por não haver recebido conceituação precisa.] cf. etnicidade e 1raça ETIM etn(o)- + ia. (HOUAISS et al., 2006).
Do Glossário Biológico (1946):
Raça (s. f. ). Variedade fixada pelo homem. ____ geográfica – o mesmo que subespécie. [subespécie (s. f.) Variação geográfica ou ecológica da espécie.] Etnogenia (s. f.). Ciência que trata da origem das raças humanas. Etnografia (s. f.). Estudo e descrição das raças humanas. Etnologia (s. f.). Ciência que trata das raças humanas, sua distribuição, relações e cultura. (MELLO-LEITÃO, 1946).
Do Dicionário etimológico e circunstanciado de Biologia (1993):
Raça (Do it. razza). Variedade de uma espécie. Subespécie. Em Antropologia, segundo conceituação da UNESCO (1951), as raças são grupos que apresentam diferenças condicionadas pela hereditariedade, pelas quais seus integrantes se distinguem dos de outros grupos da mesma espécie. Dobzhansky completa essa idéia acrescentando que tais diferenças estão condicionadas à presença ou freqüência de determinados genes nos grupos ou populações interpretados como “raças”. Como a definição de raça, notadamente no que concerne à espécie humana, é muito complexa, já que a distinção tradicional em caucasóide (raça branca), negróide (raça negra) e mongolóide (raça amarela) não tem verdadeiro valor, quando se levam em conta outros caracteres, como, p. ex., formação lingüística e social ou distribuição de grupos sangüíneos, tem-se dado preferência pela expressão “grupos étnicos”, que oferece uma diversidade maior, mais condizente com a heterogeneidade dos caracteres antropológicos. Entre animais domésticos e plantas, todavia, o termo é comum, inclusive para qualificar as subespécies resultantes da ação seletiva do homem, controlando os cruzamentos, a fim de obter o aprimoramento de certos caracteres e a proliferação dos tipos preferenciais. Etnologia (Do gr. éthnos, ‘raça’, ‘nação’, ‘povo’; logos, ‘estudo’, ‘tratado’). Ciência que trata das raças humanas, sua distribuição,
19
relações e cultura. Fundamenta-se na Antropologia, na Etnografia, Arqueologia, na Sociologia e na Lingüística. Modernamente, prefere-se não falar em “raças humanas”, mas em “grupos étnicos”, que são numerosamente espalhados pelos diversos continentes, caracterizando ou identificando melhor a grande diversidade que existe entre as populações humanas. (SOARES, 1993).
Do Diccionario de Educação e Ensino (1886):
Raças humanas. “A raça europêa é, sem dúvida alguma, aquella que constitue as nações mais civilisadas e illustradas do mundo. Isto seria sufficiente para d'ahi concluirmos, sem que de outra prova carecessemos, que a agudeza de entendimento é o caracter commum d'esta raça [...]” (CAMPAGNE, 1886). [o texto completo desta acepção é reproduzido nos anexos 5 e 6].
O conjunto de acepções mostra várias diferenças de significado para o mesmo
significante raça, inclusive entre a linguagem coloquial e a linguagem científica, e que
existe inexatidão e falta de consenso para o uso deste termo, o que o torna dúbio e
movediço. Também se observam aproximações e entrelaçamentos entre os termos etnia
e raça. Mais adiante, o item 2.3.2 – que trata das concepções históricas de raça – traz
subsídios que dão a conhecer as origens das concepções verificadas no verbete do
dicionário de Campagne (1886).
2.2 – Raças humanas e raças biológicas na Biologia e nas Ciências Sociais
Para desenvolver esta seção, aprecio os seguintes aspectos: teorias de
classificação dos seres vivos e conceitos de raça na Biologia, concepções históricas de
Biologia e Ciências Sociais sobre raças humanas, e questões e tensões sobre raças
humanas na atualidade.
2.2.1 – Teorias de classificação dos seres vivos e conceitos de raça na Biologia
Este item versa sobre os conceitos de raça na Biologia recente e como eles se
entretecem com as concepções de classificação dos seres vivos, com as teorias
evolutivas e com os conceitos de ancestralidade genética. Foram consultados os textos
de Dobzhansky (1968), Coon (1962), Queiroz (1991), Lewontin (1984), Amorim
20
(2002), Belk e Borden (2007), Barbujani (2007), Pena et al. (2000, 2002), Jablonski e
Chaplin (2003) e Bamshad e Olson (2003).
O estudo científico das raças humanas tem pelo menos dois séculos de idade.
Não obstante, provavelmente não há nenhum outro aspecto da natureza humana cujo
estudo tenha se debatido com tanta freqüência em confusão e incompreensão
(Dobzhansky, 1968, p. 282). Por volta do fim do século 19 e início do 20, o número de
diferentes classificações de raças propostas era quase tão grande quanto o número de
classificadores. De fato, quanto mais se subdividem as raças, mais difícil se torna
identificá-las, porque serão encontradas algumas populações intermediárias.
Dobzhansky (ibid., p. 285) aventa que não há razão para pensar que a espécie humana
jamais consistiu de raças uniformes com certas combinações de traços (“raças puras”).
O autor comenta que alguns antropólogos do início do século 20 afirmaram que raça é
um conceito abstrato e que os antropólogos podem “manufaturar” tipos raciais a seus
gostos. Para ele, o defeito mortal das tipologias raciais é que se chega aos tipos
morfológicos por uma espécie de intuição, o que significa que são escolhidos
arbitrariamente, mesmo quando escolhidos por pesquisadores experientes. Dobzhansky
(ibid., p. 296 e 297) discorre sobre os propósitos do estudo de raças. Ele admite que a
classificação e a sistematização são recursos usados para tornar a diversidade inteligível
e manejável. É interessante a observação desse autor sobre as nomenclaturas utilizadas
para se referirem os grupamentos humanos:
O termo “grupo étnico” foi sugerido na década de 1930 para designar as raças humanas, quando os biólogos e antropólogos estavam ansiosos por se desligarem da prostituição [sic] hitleriana do conceito de raça. É discutível se um novo nome é de muita utilidade no combate ao preconceito racial: pode-se odiar um grupo étnico tão virulentamente quanto uma raça. Mas a conveniência de usar tais subterfúgios na Ciência é questionável. Pode-se falar de grupos étnicos, se se desejar, mas uma afirmação do tipo “o homem não tem raças, tem apenas grupos étnicos” é ilusória. (DOBZHANSKY, 1968, p. 299 e 300).
Queiroz (1991, p. 334) registra que ‘raça’ é um termo a que não tem
correspondido um significado preciso quer em linguagem corrente quer no discurso
científico. Barbujani (2007, p. 163) considera que raça, porque suas bases biológicas
não são precisas, é um conceito volátil. Queiroz (ibid.) refere que, por vezes, a Biologia
identifica raça como subespécie, a única categoria taxonômica infra-específica. Segundo
21
a autora (ibid., p. 335), recentemente a validade e até a utilidade desta categoria de
classificação têm sido postas em causa por muitos biólogos. E, contudo, perante a
palavra raça não é freqüente as pessoas se interrogarem; pelo contrário, utiliza-se e
ouve-se como se se tratasse de um termo perfeitamente claro. Nota-se que ‘raça’, fora
da academia, é um conceito do senso comum.
Por vezes, a percepção que o público leigo tem acerca da natureza é diversa da
ótica dos enfoques científicos. As classificações biológicas fundamentadas em hipóteses
de filogenia, como a que considera os crocodilianos e as aves sendo grupos afins
evolutivamente, podem suscitar reações de estranhamento em pessoas não versadas em
Sistemática Filogenética. O senso comum diria, por comparação de semelhanças
aparentes, que os crocodilianos são mais afins com os répteis em geral. Tal contraste de
enfoques também parece ocorrer quando biólogos e geneticistas afirmam que não há
raças humanas; muitas pessoas, sem base científica, afirmariam, em sentido contrário,
que raças humanas existem. Ainda em relação às subespécies (raças biológicas) e as
classificações evolutivas, observa-se que, para a Sistemática Filogenética13, a menor
unidade de classificação é a espécie, considerada um grupo monofilético com
característica(s) derivadas exclusivas (AMORIM, 2002, p. 92); por este referencial
teórico de sistemática cladística, portanto, não há raças ou subespécies, inclusive na
espécie humana.
Dobzhansky (ibid., p. 300) tem a opinião de que raças podem ser “espécies
incipientes”, ainda assim o homem preservou sua unidade específica desde o estágio dos
primeiros hominídeos. Para ele, a civilização causou a convergência das raças, devido à
permuta de genes. Neste raciocínio, as raças humanas são como que relíquias dos
estágios pré-culturais da evolução. O autor ainda relata que não é clara a compreensão
das origens e significação biológica das diferenças entre populações humanas (“raças”).
As diferenças raciais poderiam ter surgido por meio de seleção natural como adaptações
aos ambientes físicos; assim sendo, as características que distinguem as raças deveriam
ser direta ou indiretamente propícias (adaptativas) à sobrevivência e/ou reprodução nos
respectivos ambientes onde essas viviam. Obviamente, ele diz, não é isso que acontece.
Por exemplo, que diferença pode fazer o fato de ser o cabelo liso ou ondulado?
Dobzhansky ainda cita a suposição de que as diferenças entre populações possam ser
devidas à erraticidade genética – acidentes de amostragem do conjunto de genes (deriva
13 Também conhecida por Cladística e que na academia tem-se firmado no campo das classificações zoológicas.
22
gênica). Finalmente e não menos notoriamente, o autor diz que a idéia das raças
humanas diferirem em traços adaptativamente significativos é emocionalmente
repugnante a algumas pessoas (ibid., p. 301). Para ele, ser diferente não implica em ser
superior ou inferior. Além disso, as supostas adaptações diferentes entre grupos
populacionais muito provavelmente se referem a ambientes de um passado remoto,
sobrepujados pelos ambientes criados pela civilização recente.
Um exemplo de “adaptação racial ao ambiente” é sustentado por Coon (1962, p.
59 a 70): as raças que vivem em ambientes frios tendem a ter corpos maciços, grandes e
pesados ou baixos e atarracados – uma adaptação para evitar a perda de energia térmica
por grandes áreas de superfície corporal –, já as raças de regiões quentes e
desarborizadas têm inclinação a serem altas e magras ou mais leves e esguias – uma
adaptação que permite uma troca maior e eficiente de calor com o ambiente,
favorecendo o abaixamento da temperatura corporal. Esse princípio adaptativo que
envolve relação área/volume corporal e dissipação de calor é conhecido por regra de
Allen. O livro de Coon apresenta duas fotografias que ilustram esta regra: uma foto é de
um índio alakuf da Terra do Fogo, outra foto retrata duas meninas do Sudão (anexos 7 e
8). Esta suposição determinista de adaptação–raça–ambiente foi contestada, na época,
por Dobzhansky (1968, p. 306), que cita críticas (Scholander, 195514) que se baseiam no
fato de que são as vestimentas, habitações e outros fatores culturais, e não a forma do
corpo, que permitem ao homem viver em diversos climas. Além disso, nem todas as
diferenças de estatura e peso são unicamente genéticas, pois o fenótipo é resultado da
expressão gênica e da ação ambiental. Lewontin (1984, p. 129) também discorda das
concepções genéricas de adaptação racial ao meio ambiente. Para ele, deve-se valorar
com precaução os relatos adaptativos – como a relação área/volume corporal – pois,
quando reunidos os elementos históricos e a variabilidade do ambiente, qualquer
diferença pode ser, impropriamente, considerada como adaptação. Para ele, a
reconstrução adaptativa das causas das diferenças raciais humanas segue sendo, em boa
medida, um passatempo que entretém e que põe à prova nossa engenhosidade e
capacidade de imaginação.
Em sentido contrário a suposições superadas, como as de Coon, uma hipótese
plausível sobre os diferentes tons de pele humana – e sua distribuição nos continentes –
foi explanada por Jablonski e Chaplin (2003, p. 72-79). Eles defendem a hipótese de
14 SCHOLANDER, P. F. Evolution of climatic adaptations in homoeotherms. Evolution v. 9, p. 15-26, 1955.
23
que os primeiros hominídeos, após perderem seu pêlo, adquiriram pele pigmentada. A
pele mais escura deve ter evoluído como proteção contra a quebra de folato (ácido
fólico), um nutriente essencial para fertilidade e para o desenvolvimento fetal. Uma pele
que fosse escura demais bloquearia a luz solar necessária para catalisar a produção de
vitamina D, crucial para os ossos da mãe e do feto. Por conseqüência, os humanos
devem ter evoluído para terem uma pele clara o suficiente para sintetizar vitamina D e
escura o suficiente para proteger os estoques de folato. Como resultado de recentes
migrações humanas, muitas pessoas atualmente vivem em áreas que recebem mais (ou
menos) radiação UV adequada à sua tonalidade de pele. Esta suposição que relaciona
metabolismo de folato às tonalidades de pele também é encontrada em Belk e Borden
(2007, p. 309).
De modo amplo, as sistemáticas de classificação se baseiam nos processos de
evolução de populações que sofrem um isolamento (geográfico e/ou reprodutivo).
Segundo Gould (197715 apud QUEIROZ, 1991), exceto, talvez, em condições extremas,
em que o isolamento permita a evolução divergente de populações, a subespécie é uma
categoria artificial que se insere na visão tipológica e a qual não se deve recorrer. A
espécie humana é relativamente recente em termos evolutivos. Queiroz (ibid., p. 342 e
343) expõe que 40 mil anos é um período demasiadamente curto para que pudesse ter
havido evolução divergente; ainda que tivesse existido um processo inicial de
especiação (“raciação”), o movimento inter-migratório generalizado, desencadeado no
século 15 e que tem vindo se acentuando muito até nossos dias, contrariaria a formação
de genomas populacionais com freqüências significativamente diferentes entre grupos
de populações. Como conseqüência, a variabilidade é maior dentro de cada população
do que entre populações (QUEIROZ, ibid.; PENA, 2002, BAMSHAD e OLSON,
2003), por outras palavras, não existe fundamento biológico que permita a subdivisão
racial da espécie humana. Em síntese, o ser humano permanece substancialmente
idêntico apesar dos polimorfismos – inclusive os de caráter neutro e os de DNA não
codificante –, como as variações na cor da pele, forma dos olhos, etc. A evolução tem,
no fundamental, unido mais do que dividido (QUEIROZ, ibid., p. 363; BARBUJANI,
2007, p. 45).
Recentemente, por meio de estudos de ancestralidade genética, que tomam por
base a distribuição de alelos nas regiões geográficas nas quais estão presentes
15 GOULD, Stephen Jay. Ever since Darwin. London: Penguin Books, 1977.
24
atualmente, consegue-se reconstituir as principais migrações que levaram a difusão de
nossa espécie (e de muitas outras) pelo planeta (BARBUJANI, ibid.). Esses estudos são
denominados pelo termo filogeografia. As investigações de Pena et al. (2000; 2002)
sobre ancestralidade genética evidenciaram que a população brasileira é altamente
miscigenada e que caracteres fenotípicos físicos, como cor da pele, tipo de cabelo, etc,
não são suficientes para dividir a população em grupos raciais ou étnicos. Pena et al.
(ibid.) basearam-se no estudo de linhagens paternas (patrilinhagens16, via cromossomo
Y) e maternas (matrilinhagens17, via DNA mitocondrial) em pessoas “brancas” e
encontraram um surpreendente resultado: a grande maioria das linhagens paternas veio
da Europa, mas que 60% das linhagens maternas são ameríndias ou africanas. Pena et
al. (ibid.) afirmam que, do ponto de vista genético, não existem raças humanas.
Entretanto, a inexistência de raças humanas é uma concepção hegemônica entre os
biólogos, mas esta concepção não é unânime, pois há autores que defendem a existência
de raças biológicas humanas, como Pigliucci e Kaplan (2003).
Os estudos de filogeografia realizados por Pena et al. em brasileiros tiveram
grande repercussão na mídia: em dezembro de 2000, a revista Veja publicou resultados
de pesquisas de ancestralidade genética em personalidades como Paulo Zulu, José
Sarney, Paulo Coelho, dentre outros (anexos 9 e 10); em maio de 2007, o sítio BBC
Brasil divulgou pesquisa de ancestralidade em personalidades “negras”, como Daiane
dos Santos, Neguinho da Beija-Flor, Ildi Silva, dentre outros. As controvérsias
estenderam-se a outras mídias, como o programa de televisão Fantástico, novamente a
Veja (anexo 11), a revista Raça Brasil (anexo 12). Em face às presenças na grande
mídia dos temas raça e miscigenação no Brasil, catalisadas pelos resultados das
investigações de filogeografia de Pena et al., como os livros didáticos de Biologia
tratam estes temas e dão sua contribuição em um currículo que tem por objetivo o
letramento científico dos alunos? É o que observaremos nos resultados empíricos
apresentados na seção de Resultados e discussão.
16 Os estudos filogeográficos usando o cromossomo Y baseiam-se na teoria de que todos os haplótipos (blocos de genes que não se recombinam) do Y existentes hoje derivam de um haplótipo ancestral que estaria presente entre os primeiros Homo sapiens, ainda hoje encontrado em bosquímanos Kung, que vivem no Sul da África. À medida que os homens migraram para novas regiões, o conjunto inicial de genes foi sofrendo mutações, o que gerou novos haplótipos, cada um se comportando como uma linhagem evolutiva independente. Em geral, quanto mais antigo o haplótipo, maior sua distribuição geográfica. (PENA et al., 2000, p. 21). 17 O DNAm (mitocondrial), assim como o cromossomo Y, permite estudar as linhagens maternas porque todas as mitocôndrias de uma pessoa são originadas das mitocôndrias do óvulo. Somente o núcleo do espermatozóide penetra no óvulo; deste modo, as mitocôndrias paternas não fazem parte da célula-ovo, ou zigoto, que se desenvolverá no embrião.
25
2.2.2 – Concepções históricas de Biologia sobre raças humanas
Nesta seção, me oriento pelos textos Ciência e a origem da raça de Willinsky
(1998) e A falsa medida do homem de Gould (1991), e revejo aspectos históricos
correlatos à ciência racial, no Brasil e em outros países, desde o século 18 ao 20,
enfocando concepções de Lineu, Gobineau, Galton, Haeckel, Lombroso, Nina
Rodrigues, Coon, Dobzhansky, fazendo uma breve apreciação das representações
raciais em livros didáticos e científicos desde o início do século 20, passando por textos,
como o do BSCS (1976), até chegar à década de 1990.
Willinsky (ibid., p. 78) comenta que o conceito de raça foi a grande contribuição
da ciência natural para classificar as diferenças humanas. No século 18, Lineu usou o
conceito de raça para dividir a humanidade em sua grande taxonomia. Na décima edição
do seu Systema Naturae (1758), Lineu dividia a espécie Homo sapiens em subespécies
que incluíam não apenas Homo sapiens americanus (vermelho), Homo sapiens
europaeus (branco), Homo sapiens asiaticus (amarelo), Homo sapiens afer (negro), mas
também Homo sapiens monstrous (anões e gigantes) e os primatas [!] Homo sapiens
ferus (quadrúpede) e Homo sapiens troglodytes (incluindo Orang Utan).
Na opinião de Willinsky (1998, p. 79), as construções de raça ofereceram a lição
mais monstruosa do imperialismo – tais concepções influenciaram mesmo até a época
em que ele era estudante; segundo este autor, ainda hoje alguns reflexos dessas
construções podem ser observados nas escolas contemporâneas. O primeiro ponto a se
destacar nessa ciência da raça é como os cientistas do século 19 pensavam que nela
repousaria o segredo da natureza humana. A esse respeito, Nancy Stepan afirma:
De fato, o que faz a história da ciência da raça tão interessante é que tantos cientistas renomados do passado acreditassem que as raças biológicas eram a chave para os problemas mais prementes da época – o futuro da América, o destino dos europeus nos trópicos, a extinção de povos, o papel da Inglaterra na Europa. (STEPAN18, 1982 apud WILLINSKY, 1998, p. 80)
Stepan também esclarece que foi com o final da escravidão no império britânico,
em 1833, que o estudo científico da raça começou efetivamente – cabia às ciências
18 STEPAN, Nancy L. The Idea of race in science: Great Britain, 1800-1960. London: Macmillan, 1982.
26
naturais restabelecer as fronteiras que demarcavam claramente a inequívoca
superioridade da raça européia.
Willinsky (ibid.) diz que a raça era um projeto profundamente interdisciplinar.
Entre seus principais pilares encontra-se a obra Essai sur l'inégalité des races humaines,
publicada entre 1853 e 1855, do conde Arthur de Gobineau (1816-1882). As concepções
de Gobineau foram baseadas em filósofos, historiadores e antropólogos, tais como S. G.
Morton, craniologista19 americano que correlacionava o tamanho do cérebro e o
desenvolvimento cultural (Cf. com as idéias de Coon, mais adiante nesta seção), e
Georges Cuvier, anatomista francês que diferenciava as raças branca, amarela e negra
por meio de suas dimensões (Cf. com o excerto de Haeckel, nesta seção). Willinsky
(ibid.) ressalta que a distinção do argumento de Gobineau é a preocupação que a ciência
da raça lança sobre a ameaça da poluição racial: “A civilização [...] irá certamente
terminar20 no dia em que a unidade primordial da raça [...] for quebrada e inundada pelo
influxo de elementos estrangeiros”. Willinsky aponta, como decorrência dessa
concepção, a necessidade de demarcar as fronteiras entre raças, estabelecer firmemente
suas diferenças e evidenciar os riscos dos cruzamentos inter-raciais. Embora Gobineau
acreditasse que uma fusão inicial entre raças fosse necessária para a civilização – com
uma crucial infusão ariana disseminada por todas as grandes civilizações do passado –,
ele alertou sobre a ameaça de a predominância branca ser invadida e dizimada pela
“adulteração” racial do sangue.
Gobineau viveu alguns anos no Brasil, servindo como embaixador da França.
Seus comentários sobre os brasileiros são singulares e fazem referência a suas
concepções sobre desigualdade de raças e sobre degeneração da população, resultado de
casamentos inter-raciais. Para ele, o imperador Pedro II era um ariano puro, ou quase,
mas sobre o povo brasileiro ele comenta:
Uma população toda mulata, com sangue viciado, espírito viciado e feia de meter medo. [...] Nenhum brasileiro é de sangue puro; as combinações dos casamentos entre brancos, indígenas e negros multiplicaram-se a tal ponto que os matizes da carnação são inúmeros, e tudo isso produziu, nas classes baixas e nas altas, uma
19 Gould (1991, p. 63 a 108) relata o estudo das dimensões cranianas por Galton, Broca e outros cientistas do século 19. 20 No texto da edição americana: “Civilization ... will certainly die on the day when the primordial race-unit is ... broken up and swamped by the influx of foreign elements” (Willinsky, 1998, p. 164); mas no original francês de Gobineau de 1884: “Il mourra définitivement [l’homme dégénéré], et sa civilisation avec lui, le jour où l’élément ethnique primordial se trouvera tellement subdivisé et noyé dans des apports de races étrangères [...]”.
27
degenerescência do mais triste aspecto. [...] Já não existe nenhuma família brasileira que não tenha sangue negro e índio nas veias; o resultado são compleições raquíticas que, se nem sempre repugnantes, são sempre desagradáveis aos olhos. [...] A Imperatriz tem três damas de honra: uma marrom, outra chocolate-claro, e a terceira, violeta. (GOBINEAU21, 1869 apud RAEDERS, 1988, p. 90)
Em face da ameaça, alertada por Gobineau, dos cruzamentos inter-raciais, a
ciência da raça procurou quantificar e qualificar as distinções que garantiriam a
exploração imperial enquanto fortalecia as fronteiras da diferença. Alguns cientistas
partidários dessas concepções propuseram que as raças constituíam espécies diferentes
(Cf. Haeckel no parágrafo a seguir).
Em outro sentido, Darwin apontava três fatores que sugeriam uma espécie única
na humanidade: a fácil associação de raças em lugares como o Brasil; a variabilidade
das características raciais dentro de uma mesma raça; a forma como as raças convertem-
se entre si. Contraditoriamente, Darwin estava preparado para alicerçar a idéia de “raças
selvagens” para as quais “humanidade é uma virtude desconhecida”, mesmo tendo ele
separado dos europeus, em termos raciais, os judeus que viviam entre eles. Darwin
acabou por apoiar seu primo Francis Galton, que defendia a eugenia (termo criado pelo
próprio Galton em 1883) como ciência aplicada do aperfeiçoamento humano22
(Willinsky, 1998, p. 83). Como mostrarei mais adiante, as idéias de Galton chegaram a
abarcar a patologia da raça judaica.
Outro teórico e cientista do século 19, Ernst Haeckel – evolucionista alemão
seguidor das idéias de Darwin, Goethe e Lamarck –, admitia que a classificação das
diferentes espécies ou raças humanas oferecia as mesmas dificuldades que a das
espécies animais e vegetais (HAECKEL, 1910, p. 550). Nos dois casos, os tipos
aparentemente mais dessemelhantes eram entre si ligados por formas intermediárias.
Segundo ele, o gênero humano se dividia em cinco grupos: raça etiópica ou negra
(negros africanos), raça malaia ou parda (malaios, polinésios, australianos), raça
21 Carta de 19 de abril de 1869 para Caroline de Gobineau. 22 Algumas idéias de eugenia encontram-se no livro Biologia Educacional de Almeida Júnior (1966): “Segundo Galton, ‘Eugenia é o estudo dos meios subordinados à ação social, capazes de melhorar ou de prejudicar as qualidades raciais das gerações futuras, quer física quer mentalmente’. Com freqüência se estabelece confusão entre Eugenia e Higiene. São coisas distintas. O objetivo da Eugenia é melhorar as qualidades hereditárias da espécie, mediante seleção do plasma germinativo. A Higiene protege o indivíduo, procurando criar em torno dele condições favoráveis de ambiente – ambiente pré ou pós-natal, interior ou exterior. Impedir que um imbecil tenha filhos é medida eugênica; proibir que um sifilítico se case antes de curado, é providência higiênica [...] o fato da transmissão hereditária de bons e maus fatores é reconhecido por todos, e assim a ciência de Galton continua solidamente apoiada” (p. 451 e 452).
28
mongólica ou amarela (a maioria dos asiáticos e dos esquimós), raças americanas ou
vermelhas (indígenas da América), raças brancas ou caucásicas (europeus, africanos do
norte, asiáticos do sudeste).
No século 19, havia duas concepções sobre a origem da espécie humana: a
monogenista admitia que as raças humanas foram produtos da degeneração da perfeição
do Paraíso, já a concepção poligenista prescindia da versão bíblica e afirmava que as
raças humanas eram espécies biológicas separadas23 e descendiam de mais de um Adão
(Gould, 1991, p. 26). Embora Haeckel rejeitasse a criação do homem segundo o gênesis
bíblico, ele se declarava monogenista:
Sabeis que há duas facções digladiando-se sobre este assunto: os monofiletistas e os polifiletistas. Os primeiros ou monogenistas afirmam a origem unitária e a consangüinidade de todas as espécies humanas. Os segundos ou poligenistas pensam que as diversas espécies ou raças humanas tiveram, cada uma delas, origem independente. Depois do que dissemos precedentemente sobre a genealogia do reino animal, não pareceria duvidoso que no sentido lato da palavra se não fundamentasse a opinião monofilética. (HAECKEL24, 1910, p. 548)
Sobre a diferença entre brancos e negros, Haeckel menciona a afirmação do
paleontólogo Quenstedt: “Se o Negro e o Caucásico fossem caracóis, logo os zoólogos
afirmariam que eram excelentes espécies, não podendo promanar nunca de um mesmo
casal, de que gradualmente teriam se afastado” (ibid.). Para classificar as raças
humanas, explica Haeckel (ibid.), tomam-se por base a natureza dos cabelos, a
coloração da pele, a forma do crânio. Por este ponto de vista, há dois tipos cranianos
opostos: cabeças compridas e cabeças curtas. Os homens de cabeça comprida
(dolicocéfalos), cujos tipos mais acentuados são os negros e os australianos, apresentam
crânios alongados, estreitos e comprimidos lateralmente. Nos homens de cabeça curta
(braquicéfalos), pelo contrário, o crânio é longo e curto, comprimido de diante para trás,
como nos mongóis. Entre estes dois extremos ficam os de cabeça média (mesocéfalos);
23 Uma hipótese poligenista de raças encontra-se no esquema evolutivo do livro Biologia Educacional de Almeida Júnior (1966, p. 76) reproduzido no anexo 13. Notam-se os grupos “australiano” e “negro” em um caminho evolutivo distinto dos grupos “mongol” e “branco”. 24 A tradução americana traz o texto: “As is well known, two great parties have for a long time been at war with each other upon this question; the monophylists (or monogenists) maintain the unity of origin and the blood relationship of all races of men. The polyphylists (or polygenists), on the other hand, are of opinion that the different races of men are of independent origin. According to our previous genealogical investigations we cannot doubt that, at least in a wide sense, the monophyletic opinion is the right one.” (HAECKEL, 1876, vol. 2, p. 303).
29
é especialmente o tipo craniano dos americanos. Em cada um desses três grupos, há os
prognatas, com os maxilares salientes para diante, lembrando o focinho dos animais. O
autor continua seu discurso ressaltando os quatro grupos que considera como os mais
inferiores, cujos cabelos são lanzudos:
Cada cabelo considerado isoladamente é chato, em fita e tem uma seção transversal elíptica. [...] As quatro espécies humanas de cabelo lanzudo (ulotricos) dividem-se em dois grupos: os cabelos em tufos (lofocomos) e em velo (ericomos). Nos lofocomos, Papuas e Hotentotes, distribuem-se os cabelos desigualmente em tufos ou pequenas borlas. Nos ericomos, Cafres e Negros, estão igualmente repartidos por todo o couro cabeludo [...] Os ulotricos são prognatas e dolicocéfalos. Neles, a cor da pele, dos cabelos e dos olhos é sempre muito carregada. Todos os homens desse grupo habitam o hemisfério meridional: só na África ultrapassam o equador. São geralmente inferiores aos lissotricos [de cabelos lisos] e aproximam-se imenso do tipo simiano. Não são os ulotricos susceptíveis de verdadeira cultura cerebral, de um alto desenvolvimento intelectual, mesmo num meio social favorável, como hoje se observa nos Estados Unidos da América [nota-se aqui uma concepção de determinismo biológico]. Nenhum povo de carapinha teve história verdadeira. (HAECKEL25, 1910, p. 551)
A proximidade evolutiva entre a raça negra e os símios, segundo Haeckel (1892,
p. 180 e 181), é evidenciada na figura reproduzida a seguir:
25 A tradução americana traz o texto: “[...] every hair is flattened like a tape, and thus its section is oval. These four species of woolly-haired men (Ulotrichi) we may reduce into two groups - tuft-haired and fleecy-haired. The hair on the head of tuft-haired men (Lophocomi), Papuans and Hottentots, grows in unequally divided small tufts. The wooly hair of fleecy-haired men (Eriocomi), on the other hand, in Caffres and Negroes, grows equally all over the skin of the head. All Ulotrichi, or woolly-haired men, have slanting teeth and long heads, and the colour of their skin, hair, and eyes is always very dark. All are inhabitants of the Southern Hemisphere; it is only in Africa that they come north of the equator. They are on the whole at a much lower stage of development, and more like apes, than most of the Lissotrichi, or straight-haired men. The Ulotrichi are incapable of a true inner culture and of a higher mental development, even under the favourable conditions of adaptation now offered to them in the United States of North America. No woolly-haired nation has ever had an important ‘history’.” (HAECKEL, 1876, vol. 2, p. 307 a 310).
30
fig. 1 – Chimpanzé, gorila, orangotango e negro (HAECKEL, 1892, plate XIV).
A idéia de diferentes raças – inferiores e superiores – conjugava-se com as
teorias evolutivas do século 19. Para Willinsky (1998, p. 84), a evolução fez da história
natural o perfeito complemento do imperialismo. Se Darwin não a tivesse “descoberto”,
outros ingleses estavam preparados para fazê-lo. Thomas Malthus havia dito sobre a
ocorrência natural no controle das populações, e Herbert Spencer usou a expressão
31
“sobrevivência do mais apto”. Willinsky considera o darwinismo social e a invenção
científica da raça afinados com o espírito europeu da época. Ainda no século 19, o
determinismo biológico desenvolve-se de modo característico: Cesare Lombroso realiza
estudos de craniometria, relacionando criminosos – e suas ações nefastas – à forma de
seus crânios, trazendo a lume, em 1876, sua obra L'Uomo Delinquente. A teoria
lombrosiana não seria somente uma vaga proclamação de que o crime é hereditário, mas
uma teoria evolucionista específica baseada em dados antropométricos. Criminosos
seriam casos de atavismo evolutivo, germes de um passado ancestral que
permaneceriam adormecidos na hereditariedade. Em alguns indivíduos desafortunados,
esse passado iria se aflorar no presente. A identificação de “criminosos natos” poderia
ser realizada através da apreciação dos seus sinais anatômicos. O atavismo presente
neles seria tanto físico quanto mental, sendo o primeiro o mais relevante.
Comportamentos criminosos poderiam também aparecer em homens normais, contudo a
anatomia teria os instrumentos necessários para revelar o “criminoso nato” (Gould,
1991, p. 123 a 133).
Durante duas décadas, as idéias de Lombroso foram coroadas de êxito, como se
verifica pelas diversas edições de suas obras e a publicação de artigos. O sucesso do
médico italiano chegou ao auge em 1885, com o Primeiro Congresso Internacional de
Antropologia Criminal, reunido em Roma, quando “afirma sem rodeios que sua teoria
do criminoso nato predisposto ao crime por sua constituição física não é passível de
discussão por ser o resultado da observação positiva dos fatos”. (Darmon 199126 apud
Maio, 1995).
As idéias relativas à miscigenação de raças e o determinismo biológico criminal
lombrosiano tiveram fortes ecos em nosso país. De acordo com o médico legista Nina
Rodrigues27 (1862-1906):
[...] na série animal, as complicações crescentes na composição histológica ou bioquímica da massa cerebral só se operam com o auxílio da adaptação e da hereditariedade, de um modo muito lento e no decurso de muitas gerações. Assim também, os graus sucessivos do desenvolvimento mental dos povos. (RODRIGUES, 1957, p. 29)
26 DARMON, P. Médicos e Assassinos na Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. 27 D'Ávila (2005, p. 30) faz referência a Arthur Ramos, antropólogo que iniciou seus estudos sobre cultura afro-baiana com Nina Rodrigues e que se tornou diretor do Serviço de Ortofrenologia e Higiene Mental do sistema escolar do Rio de Janeiro na década de 1930. Ramos considerava a “higiene da raça” em seu trabalho de prevenção de problemas mentais em crianças.
32
O estudo das raças inferiores [de índios] tem fornecido à ciência exemplos bem observados dessa incapacidade orgânica, cerebral. (ibid. p. 33) Tem se afirmado, é exato, que o cruzamento das raças ou espécies humanas não dão híbridos. Mas os fatos demonstram que se ainda não está provada a hibridez física, certos cruzamentos dão origem em todo caso a produtos morais e sociais evidentemente inviáveis e certamente híbridos. (ibid., p. 126 e 127) [...] discutamos como a incapacidade das raças inferiores influiu no caráter da população mestiça, transformando ou combinando em sínteses variáveis os predicados transmitidos pela herança. A escala vai aqui do produto inteiramente inaproveitável e degenerado ao produto válido e capaz de superior manifestação da atividade mental. (ibid. p. 134)
Nina Rodrigues nos oferece alguns exemplos de seus estudos de criminalidade
encontrada entre mestiços brasileiros. É notável a relação causa–efeito que ele
estabelece entre conformação física inferior e condutas sociais reprováveis:
É um pardo em que os caracteres do mulato e do mameluco estão bem combinados. [...] Não apresenta deformação ou estigma físico, não é canhoto, nem ambidestro. As medidas cefálicas tomadas dão os seguintes resultados [...] donde calculamos um índice cefálico hipercaquicéfalo de 86,11 e um índice nasal de 80,76. [...] Também consegui a confissão completa dos seus hábitos pederastas que até então ele teimava em negar. (ibid., p. 192) [outro caso] É mulato claro, com uma conformação craniana facial assimétrica, hiperbraquicéfalo com um índice cefálico de 88,13, as orelhas muito destacadas do crânio e mal conformadas, a abóbada palatina profundamente escavada, gago em extremo. [...] também é pederasta passivo, ladrão, jogador e bêbado. [...] este menor, apesar de muito claro, tem caracteres inferiores muito acentuados. [...] (ibid, p. 194 e 195).
Destes excertos de antropologia criminal, novamente me reporto ao texto de
Willinsky, para quem a ciência da raça provou a si mesma sua utilidade pública e lucrou
com o patrocínio recebido por servir às políticas oficiais. Este autor relembra os casos
do movimento eugênico americano e do alemão – este tendo explodido na década de
1930. Os Estados Unidos realizaram programas de esterilização recomendados
cientificamente (Willinsky, 1998, p. 86; Gould, 1991, p. 359). Essas concepções de
determinismo biológico, racismo científico e eugenia também se estenderam às políticas
raciais da Alemanha nazista, como diz Müller-Hill:
É fácil descrever a ideologia do nacional-socialismo: a diversidade dos seres humanos é fundamentada biologicamente [...] O
33
que torna judeus os judeus, ciganos os ciganos, anti-sociais os anti-sociais e doentes mentais os doentes mentais encontra-se no sangue, ou seja, nos genes. Todas as criaturas citadas, e outras mais, são inferiores. Ora, é claro que não pode haver igualdade de direitos para inferiores e superiores. [...] Por conseguinte, os inferiores devem ser segregados, esterilizados, exterminados, isto é, devem ser mortos, caso contrário somos culpados do naufrágio da cultura. (MÜLLER-HILL, 1993, p. 32).
Também na Áustria do século 19, a ciência da raça teve reflexos diretos. No
jovem Freud, que cresceu em Viena, naquela época, a categoria de raça teve um
significado real: ser judeu significava ser visto como diferente, como doente, como
culturalmente incompleto (GILMAN, 1994, p. 32). Num período inicial de sua carreira,
em 1889, em uma resenha de um estudo do psiquiatra suíço Auguste Forel – cujas
concepções radicais sobre pureza racial e eugenia eram amplamente aceitas –, Freud
atacou a difundida suposição de que “nacionalidade, raça e latitude geográfica” de um
cientista atestavam a verdade ou falsidade de sua ciência; desse modo, um cientista
“judeu” nunca poderia se tornar um cientista “ariano”. E aqueles rotulados como
diferentes são, segundo Freud, odiados por causa dessa noção de diferença: “Não nos
espantamos mais com o fato de que maiores diferenças levariam a uma quase
insuperável repugnância, tal como a que o povo gaulês sente pelo alemão, o ariano pelo
semita, e as raças brancas pelas escuras.” (ibid., p. 33). Um exemplo das idéias racistas
sobre os judeus, que afligiram Freud, pode ser ilustrado pela montagem de várias
fotografias realizada por Francis Galton:
34
Fig. 2 – Fotomontagem de judeus realizada por Galton (de GILMAN, 1994, p. 91).
Ele afirmou que era capaz de penetrar em um tipo representativo da essência
psicológica e fisiológica dos judeus. Falando sobre dois trabalhos, a serem apresentados
no Instituto de Antropologia, “sobre as características raciais dos judeus”, Galton
acreditava que tinha apreendido os “aspectos típicos da face judaica moderna”. Segundo
ele, “é no olhar dos judeus que a patologia de suas almas pode ser encontrada” – um
argumento fisiognomônico e de determinismo biológico (GILMAN, 1994, p. 90).
Neste percurso histórico acerca de raças humanas, vale realçar como eram as
representações de tipos raciais em livros didáticos editados no Brasil no início do século
20 – neles encontramos reflexos das concepções de desigualdade racial, correntes no
século anterior. Na Historia Natural de Langlebert, uma ilustração semelhante a uma
estátua grega representa a raça branca (anexos 14 e 15). Na Terra Illustrada, a raça
35
negra é caracterizada por possuir uma inteligência apática (anexos 16 e 17). Já a
Historia Natural FTD (1924) exibe uma concepção monogenista, que ressalta a unidade
da espécie humana, considerando todas as suas raças como igualmente nobres, sem
permitir distinção de raças superiores e inferiores (anexos 18 e 19). Antes da Segunda
Guerra Mundial, vemos no Curso Elementar de História Natural de Mello-Leitão
(1933) detalhadas descrições raciais com medidas antropométricas, das quais os anexos
20 e 21 reproduzem as fotografias ilustrativas da raça branca ou caucásica e da raça
negra ou etiópica.
Após a Segunda Guerra Mundial, a UNESCO afirmava, com seu Estatuto da
Raça, que “a humanidade é uma só: todos os homens pertencem à mesma espécie,
Homo sapiens” (Willinsky, 1998, p. 87). Mesmo assim, as concepções racistas,
antropométricas e tipológicas estenderam-se até os anos 1960, como atesta o livro The
Origin of Races (1962) de Carleton Coon, professor da Universidade da Pensilvânia,
como menciona Willinsky (ibid., p. 90 a 95).
O livro de Coon foi, sem dúvida, contestado por proeminentes figuras da época
como o último suspiro de uma ciência moribunda, mesmo assim teve seus defensores e
permanece como um influente relato sobre a natureza das raças (Willinsky, ibid., p. 90).
O discurso de Coon é entremeado de fotos de pigmeus, aborígines, macacos do passado,
diagramas cranianos e estatísticas antropométricas. Segundo Coon, as intransponíveis
diferenças e distâncias entre as raças eram explicadas pelo argumento da especiação, e,
na história da origem da humanidade, as várias raças foram transformadas em períodos
diferentes, passando de Homo erectus a Homo sapiens.
De acordo com as concepções de Coon, “se a África foi o berço da civilização,
foi apenas um jardim-de-infância medíocre. Europa e Ásia foram nossas melhores
escolas28.” As idéias de Coon são evidentes na seguinte justaposição de fotografias, que
compara as capacidades cranianas de uma mulher aborígine e de um sábio chinês:
28 No original americano de Willinsky (1998, p. 172) e em Coon (1962, p. 656): “If Africa was the cradle of mankind, it was only an indifferent kindergarten. Europe and Asia were our principal schools.”
36
Fig. 3 – Capacidades cranianas (COON, 1962, plate XXXII).
Ainda, para este autor, “é encorajador que a bioquímica nos divida nas mesmas
subespécies que há muito reconhecemos baseados em outros critérios” (COON, 1962, p.
662). Essa capacidade de “distinguir raças quase de relance” (ibid.), com a confiável e
37
inequívoca testemunha do olhar – como todos podem ver –, permanece como a base da
transcendente verdade do empirismo (Willinsky, ibid., p. 93). Embora a teoria de Coon
não tenha sobrevivido ao tempo, ela ainda serve como um sinalizador do patrocínio
científico do qual se beneficiou o racismo (ibid., p. 94). O geneticista Dobzhansky – em
sua crítica ao livro de Coon na Scientific American (1963, p. 169) – afirmou que “o
professor Coon estabelece algumas de suas conclusões de uma forma que torna seu
trabalho suscetível de manipulação pelos racistas e defensores da supremacia branca e
de outras causas pouco convencionais” (Willinsky, ibid., p. 94). Dobzhansky assevera
que diversidade nunca deve ser confundida com desigualdade; igualdade e desigualdade
são fenômenos sociológicos, e identidade e diversidade são fenômenos biológicos, e,
ainda, afirma: diversidade é um fato observável, igualdade, um preceito ético
(DOBZHANSKY, 196829, p. 79).
As concepções de determinismo biológico e de raças humanas alcançaram as
áreas de Educação e Psicologia ainda na década de 1970, como evidencia este excerto
que descreve relações diretas entre raça e desenvolvimento infantil:
A precocidade prematura de crianças negras, e seu desvanecimento posterior, foram também observados por Bayley em seus estudos em larga escala de crianças e seu desenvolvimento percepto-motor; é interessante que vários observadores verificaram que crianças japonesas e chinesas são menos precoces nestes testes que as caucasianas. Nas idades mais avançadas, as crianças orientais fazem [sic] significativamente melhor que as brancas em testes percepto-motores típicos tal como o da ‘tarefa de copiar a figura’; as crianças negras fazem pior. Esta superioridade das crianças orientais sobre as crianças brancas é surpreendente quando se considera que o status sócio-econômico delas está bem abaixo do das crianças brancas; juntando isto com a superioridade dos adultos orientais nos testes de raciocínio abstrato (a despeito da mesma inferioridade em status sócio-econômico) poder-se-ia concluir que os orientais podem ter pools de genes geneticamente superiores para o desempenho em testes de QI elaborados pelos brancos! (EYSENCK, 1971, p. 95)
É interessante ressaltar que o texto do BSCS (1976, Versão Verde) se distancia
da visão tradicional de Coon, e, em sentido inverso, traz um texto não absoluto e não
dogmático em relação a raças humanas. Embora o livro apresente algumas fotografias
29 DOBZHANSKY, T. Na introdução do capítulo Biological aspects of race in man In: MEAD, M.; DOBZHANSKY, T.; TOBACH, E.; LIGHT, R. E. (editores). Science and the concept of race. New York: Columbia University Press, 1968.
38
de tipos “raciais” tradicionais (reproduzidas no anexo 22), o texto principal do BSCS
desenvolve-se numa perspectiva de discussão e relatividade:
AS “RAÇAS” HUMANAS [...] Com base nessas diferenças [de aparência física],
fizeram-se várias tentativas para classificar as populações humanas, mas não se chegou a um acordo geral sobre essa classificação. A mais simplista separa as populações em “branca”, “negra” e “amarela”, enquanto a mais complexa considera cerca de trinta grupos diferentes. [...]
Recentemente, os antropólogos começaram a usar as freqüências gênicas das populações como base da classificação e passaram a falar em “distância biológica”, que é um modo simples de expressar o grau de semelhança entre as freqüências gênicas de duas ou mais populações. [...] Naturalmente decidir qual é a distância biológica mínima para que duas populações sejam consideradas “raças” diferentes é ainda apenas um critério antropológico.
[...] Discussões sobre raças humanas freqüentemente envolvem argumentos sobre superioridades ou inferioridade de uma ou outra raça. Na realidade, esses argumentos carecem de bases biológicas. Se considerarmos a questão do ponto de vista físico, poderíamos dizer que os mais evoluídos são os mongolóides, pois possuem menos pêlos; ou os negróides, porque os lábios, peculiaridade humana, são mais desenvolvidos entre eles; ou os caucasóides, por causa da pele muito clara.
Entretanto, geralmente a argumentação é mais cultural do que biológica. [...] Os caucasóides tornaram-se presunçosos porque a civilização européia tem sido a mais poderosa nos últimos quatrocentos ou quinhentos anos, mas iso não garante que continuará a ser. Há três mil anos, os chineses possuíam um grande império, enquanto os bárbaros das Ilhas Britânicas estavam pintando seus corpos de azul e cultuando carvalhos. (BSCS, 1976, v. 3, p. 357 a 360).
Contrastando com esse discurso do BSCS, mesmo no final do século 20,
vestígios da ciência da raça e do determinismo biológico são encontrados,
principalmente, na área da Sociobiologia. Willinsky (1994, p. 96) cita o livro The bell
curve: Intelligence and class in American Life (199430) por Richard Herrnstein,
psicólogo de Harvard, e Charles Murray, cientista social. Esta obra extrai sérias
implicações políticas de correlações entre Q.I. e grupos “raciais”, compreendendo
vários agrupamentos humanos, de asiáticos a judeus asquenazes.
30 HERRNSTEIN, R. J.; MURRAY, C. The bell curve: Intelligence and class in American Life. New York: Free Press, 1994.
39
Como mostrarei adiante, na seção Resultados e discussão, a ciência da raça –
por meio da obra de Coon, por exemplo –, teve repercussão em livros didáticos de
Biologia recentemente editados no Brasil.
2.2.3 – Questões e tensões sobre raças humanas na atualidade
Esta seção é uma concisa revisão bibliográfica sobre algumas questões relativas
a conceitos de raça e ancestralidade humana na Biologia – particularmente na Genética
recente – e a discussões e tensões político-sociais, como as ações afirmativas, e a
medicina “racial”. A revisão se vale do texto sobre ações afirmativas nos Estados
Unidos (RESNIK, 2005), além de outras fontes obtidas por vias não sistemáticas.
Na história do Brasil, podemos notar várias questões histórico-sociais
relacionadas às concepções de raça: os debates e lutas abolicionistas do século 19, o
questionamento da existência ou não de uma “democracia racial”, o racismo – velado ou
explícito – e os movimentos políticos étnicos e raciais nos séculos 20 e 21, dentre outras
situações e atritos que envolvem disputa de poder e valores. Recentemente, o acesso à
universidade por meio de cotas raciais para negros tem sido tema de relevo na mídia e
nos meios acadêmicos (KAMEL, 2006; FRY et al., 2007). O conhecimento da Biologia
sobre raça – ensinado nas escolas e pesquisado pela academia – se entrelaça com estas
questões sociais. Não só em nosso país os conhecimentos científicos imbricam-se com
tais tensões sociais.
Uma breve referência histórica da situação dos conceitos de raça nos Estados
Unidos, na década de 1960, pode ser realizada com o texto de Robert Light, no qual ele
comenta o entendimento dos conceitos científicos de raça naquela época:
Três décadas atrás, quando Adolf Hitler proclamou para o mundo a superioridade de sua raça, cientistas americanos procuraram refutar o absurdo do nazismo e assegurar que o público em geral obtivesse um sensato conhecimento sobre o conceito de raça. Eles realizaram especiais esforços para alcançar o público – por meio de palestras e por meio do rádio e em artigos, panfletos, e livros – para explicar o que a ciência sabia sobre raça e sua relevância contra as alegações de superioridade ou inferioridade inata das pessoas. Muita informação teve como veículo a sala de aula. [...] Desafortunadamente, o grau de informação sobre raça tem declinado agudamente neste país. Hoje, muitas tolices são ditas sobre raça, muitas vezes por pessoas que tiveram educação. Questione um aluno universitário por uma definição de raça, e ele irá gaguejar uma resposta incoerente; líderes políticos e muitos professores
40
universitários não farão melhor. A mídia de massa regularmente usa de modo indevido o termo e dissemina informações erradas. (LIGHT In: MEAD et al., 1968, p. vii)
Ainda enfocando os Estados Unidos, mas trazendo as questões raciais para um
tempo mais recente, passo a apreciar o artigo de Resnik (2005), que examina as bases
legais e morais das ações afirmativas nas áreas da ciência e da engenharia. Segundo ele,
ação afirmativa é uma resposta institucional a problemas de discriminação na sociedade
e a efeitos decorrentes e prolongados de discriminação em épocas passadas. O sistema
de cotas é um método para obter uma determinada porcentagem de pessoas que se
baseia em classificações raciais, étnicas ou de gênero (ibid. p. 77, grifo meu). Resnik
traz vários argumentos que criticam as ações afirmativas, como a consideração de que
elas são uma discriminação reversa. Em referência às políticas de cotas universitárias, o
autor faz destaque à Suprema Corte Americana que determinou que raça, etnia e gênero
podem ser usados como critérios – entre outros – na adoção de programas de ação
afirmativa, mas que raça, etnia e gênero não devem ser os fatores decisivos em tais
processos. Resnik (ibid.) reconhece que ações afirmativas podem promover criatividade,
produtividade e sucesso na ciência e na engenharia, mas que isto não justifica o uso de
fortes ações preferenciais ou cotas. O autor conclui que programas que estabelecem e se
baseiam em cotas raciais, étnicas ou de gênero não são legal ou moralmente
justificáveis, e que tais programas devem avaliar cada candidato individualmente,
considerando sua potencial contribuição à diversidade intelectual nas escolas,
programas e profissões. Kamel (2006), Fry (2007), Ventura e Maio (2007), Goldemberg
e Durham (2007), dentre outros, ponderam vários argumentos sociais e legais contra as
cotas nas universidades. Como mostra a revisão bibliográfica sobre Biologia, teorias de
classificação e raças humanas (seção 2.2.2), os caracteres fenotípicos não são suficientes
e adequados para uma classificação em raças humanas, fato que reitera a impropriedade
prática dos sistemas de cotas raciais.
Outra questão recente, que ocorre no Brasil e nos Estados Unidos, é uma suposta
medicina racial ou étnica. A mídia impressa vem trazendo informações como a notícia
Classificação por raça atrapalha medicina (O Globo, 25 de setembro de 2007, Cf.
41
anexo 23) e a matéria de capa Racial Medicine da revista de divulgação Scientific
American (Aug. 200731) e da sua versão brasileira (set. 2007) (Cf. anexos 24 e 25).
A revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos dedicou uma edição especial
denominada Dossiê raça, genética, identidades e saúde (v. 12, n. 2, maio-ago. 2005).
Dos vários artigos, destaco o de Pena (2005), para quem o conceito de raça deve ser
banido da medicina:
O conceito de ‘raça’ faz parte do arcabouço canônico da medicina, associado à idéia de que cor e/ou ancestralidade biológica são relevantes como indicadores de predisposição a doenças ou de resposta a fármacos. Essa posição decorre de uma visão tipológica de raças humanas. O baixo grau de variabilidade genética e de estruturação da espécie humana é incompatível com a existência de raças como entidades biológicas e indica que considerações de cor e/ou ancestralidade geográfica pouco ou nada contribuem para a prática médica, especialmente no cuidado do paciente individual. Mesmo doenças ditas ‘raciais’, como a anemia falciforme, decorrem de estratégias evolucionárias de populações expostas a agentes infecciosos específicos. Para Paul Gilroy32, o conceito social de raça é ‘tóxico’, contamina a sociedade como um todo e tem sido usado para oprimir e fomentar injustiças, mesmo dentro do contexto médico. (PENA, 2005, p. 321)
Controvérsias recentes acerca de medicina racial também são expressas em
Braun et al. (2007), que relatam vigorosos debates provocados pelo uso de categorias de
raça em epidemiologia, saúde pública e pesquisa médica. Os autores dizem que, ao
longo do século 20, raça não teve uma definição nos serviços públicos médicos
americanos. Na epidemiologia, raça é vagamente referida a “pessoas que são
relativamente homogêneas no que se refere à herança biológica”. Em síntese, Braun et
al. concluem que não há consenso de como raça pode ser um fator de diagnóstico, pois
categorias raciais são históricas, e não, biológicas.
A controvérsia sobre medicamentos raciais ou étnicos é o foco do artigo de Kahn
(2007). Ele tece observações sobre o BiDil, medicamento que combate a insuficiência
cardíaca congestiva e que foi aprovado em 2005 para tratamento apenas de afro-
americanos. O autor afirma que não existe nenhuma evidência de que o BiDil funcione
melhor em afro-americanos que em brancos e comenta que organizações como a
31 É interessante destacar a tradução dos títulos das matérias de capa e dos artigos: enquanto no original, tem-se Racial Medicine: The Weak Science behind Ethnic Drugs – Race in a bottle, na edição brasileira, lê-se: Medicina Étnica: A Ciência duvidosa dos Medicamentos Especializados – Medicamentos étnicos. 32 GILROY, P. Against Race – Imagining Political Culture Beyond the Color Line. Cambridge: Harvard University Press, 2000.
42
Associação de Cardiologistas Negros e a Convenção Parlamentar de Negros defenderam
firmemente o uso do BiDil. O autor conclui que a aprovação desta droga como
específica para uma raça cria um precedente imprudente de medicina “racial”.
Além das referências supracitadas, vários textos relativos às controvérsias entre
raça e saúde são encontrados no livro Divisões perigosas (FRY et al., 2007), do qual
cito, aleatoriamente, estes dois exemplos: Sobre cor/raça e Aids no Brasil
(TRAVASSOS, 2007) e O SUS é racista? (MAIO, MONTEIRO e RODRIGUES,
2006).
2.3 - Livro didático e o ensino de Ciências
A apresentação a seguir focalizou os seguintes aspectos: história e importância
do livro didático, livro didático e o ambiente escolar, conteúdo do livro didático,
estrutura do livro didático, metodologias de seleção e análise do livro didático.
2.3.1 – Importância do livro didático
Tradicionalmente, o livro didático esteve sempre presente nas instâncias formais
de ensino, fazendo parte do currículo escrito desenvolvido no ambiente escolar.
Pesquisas investigam os fatores que interferem na produção desses materiais de ensino e
como o uso desses manuais didáticos pode vir a influenciar o trabalho docente e a
formação dos educandos.
Muitos pesquisadores em educação registram que o livro didático é o principal
recurso utilizado no sistema de ensino, seja como fonte de pesquisa bibliográfica, seja
como fonte de consulta para o aluno e para o professor, como proposta de exercício e
projetos e, muitas vezes, como a única fonte de informação que o docente dispõe para
trabalhar com seus educandos (Detregiachi e Arruda, 2003; Leão e Megid Neto, 2003).
Nascimento e Martins (2005) afirmam que o livro didático influencia nos diferentes
estágios do planejamento e no desenvolvimento das aulas, além de ser material de
referência para os professores.
Sandrin, Puorto e Nardi (2005), citam o Programa Nacional do Livro Didático
do MEC (2003) ao comentar que o livro didático é uma das principais formas de
documentação e consulta empregados por professores e alunos, o que, às vezes, termina
por influenciar o trabalho pedagógico e o cotidiano da sala de aula. Ressaltam que o
livro didático tem um papel excepcional na veiculação de conhecimentos científicos.
43
González e Sierra (2004) confirmam a importância do livro didático, cujos
papéis no ensino são: objeto de estudo, material de consulta, registro das atividades dos
alunos, coleções de exercícios propostos e problemas a resolver. Isto originou uma
prática escolar determinada pelo uso do livro didático assim como uma organização do
ensino, que se mantém na atualidade. Os autores ressaltam que os livros-texto têm, por
um lado, uma função comunicativa e de interpretação que lhes dotará um caráter
subjetivo por parte do autor e também do leitor e, por outro, uma estrutura materializada
do conhecimento de um caráter eminentemente objetivo. Essa dupla face dos livros
didáticos faz com que sua investigação produza relevantes informações tanto acerca das
concepções em relação ao conteúdo que desenvolvem, como acerca do processo
educativo com o qual estão relacionados.
Leão e Megid Neto (2003) afirmam que a questão do livro didático, sua
qualidade e finalidades tornam-se muito complexas por sofrerem influências de
diferentes instâncias: organismos internacionais (como o Banco Mundial), pesquisas
acadêmicas sobre esses textos didáticos, editores (que sobrevivem da venda dos livros),
políticas públicas para a educação, programas do Ministério da Educação de avaliação
dos livros (PNLD), professores que escolhem e usam os livros.
Segundo Nascimento e Martins (2005), pesquisas caracterizam os livros
didáticos como mediadores de interações discursivas na sala de aula. Os livros-texto
têm sido considerados como objetos culturais, apresentando um entrelaçamento de
vozes que corresponde aos diferentes horizontes conceituais relacionados aos discursos
da ciência, da pedagogia e da mídia.
Para González e Sierra (2004), o livro escolar é um elemento cultural reflexo da
manipulação social que seleciona uns conteúdos frente a outros, que impõe uma
determinada forma de estruturá-los e que propõe à geração seguinte certo tipo de
problemas com certas ferramentas semióticas e não outras. Esses autores citam
Choppin33 (1980), para quem o livro-texto impõe uma distribuição e uma hierarquia dos
conhecimentos e contribui para forjar os alicerces intelectuais tanto de alunos como de
professores; é instrumento de poder, dado que contribui para a uniformização lingüística
da disciplina, o nivelamento cultural e a propagação de idéias dominantes. Os mesmos
autores ressaltam a importância da pesquisa sobre livros didáticos, que são uma fonte de
investigação para os interessados na história da educação, já que permitem estudar os
33 CHOPPIN, A. L’histoire des manuels scolaires. Um bilan bibliométrique de la recherche français. Histoire de l’Education, 58: 165-185, 1980.
44
enfoques que se tem dado, ao longo da história, a uma disciplina ou conceito e extrair
informações sobre difusão e evolução dos saberes em uma época determinada e
interpretar fenômenos que têm relação com os processos de ensino-aprendizagem.
2.3.2 –Livro didático e o ambiente escolar
Ferreira e Selles (2003) referenciam-se em Chevallard34 (1985), para quem o
conhecimento científico-acadêmico (denominado por ele saber sábio) passa por
modificações, mediadas por contextos político-históricos, denominadas transposição
didática, e se transforma em um saber a ser ensinado, característico do ambiente
escolar, encontrado, por exemplo, nos livros didáticos. Por conseguinte, os livros
didáticos são produtos culturais, construídos de modo específico para atender às
finalidades sociais próprias da escolarização. González e Sierra (2004) também se
reportam a Chevallard (1985) salientando que, entre o saber sábio e o saber ensinado,
existe um nível intermediário correspondente ao saber a ensinar, que se reflete no texto
de saber. Esse texto de saber é o que o professor considera que é necessário ensinar. O
mais próximo a esse texto de saber, ou saber a ensinar, é o livro didático, cujo conteúdo
e estrutura refletem essas transformações do saber sábio. Clément et al. (2005), ao
tratarem da transposição didática, desdobram-na em duas perspectivas complementares:
a transposição didática “externa”, que enfoca a escolha do que será ensinado (definição
do conteúdo dos currículos e estratégias envolvidas nessas escolhas por aqueles que
decidem os currículos) e a transposição didática “interna”, que transforma o
conhecimento de referência científico em propósitos educacionais, transformação
efetuada em livros-texto (escolhas realizadas pelos editores e autores), em outros
documentos usados durante o ensino35 e pelo próprio professor. Skoog (2005) comenta
a influência externa sobre os livros ao citar a afirmação de Apple e Christian-Smith36
(1991) para os quais o manual didático é resultado de atividades, disputas e
compromissos políticos, econômicos e culturais. Afirmam igualmente que o
conhecimento (a ser trabalhado como currículo na escola) é o resultado de complexas
relações de poder e lutas entre grupos de classe, raça (grifo meu), gênero/sexo e de
34 CHEVALLARD, Y. La Transposition Didactique. Du Savoir Savant au Savoir Enseigné. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1985 35 Os autores não esclarecem que tipo de documentos se trata, mas que podem ser: apostilas, roteiros de aula prática ou excursões, estudos dirigidos, textos complementares, etc. 36 APPLE, M. e CHRISTIAN-SMITH, L. The Politics of the Textbook. New York: Routledge, Chapman and Hall, 1991
45
religião, e que é ingênuo o pensamento de que o currículo é um conhecimento de caráter
neutro.
Ribeiro, Dazzi, Souza e Wortmann (2001) afirmam a importância da análise de
livros didáticos ao se investigar as limitações das linguagens que estão nos textos, os
modos de subjetividade, o papel do imaginário e dos valores culturais presentes em
determinado contexto sócio-histórico, assuntos que necessitam ser discutidos e
problematizados pelos professores com seus alunos.
2.3.3 –Conteúdo do livro didático
Leão e Megid Neto (2003), ao dissertarem sobre os programas governamentais
de avaliação de livros didáticos de Ciências, comentam que os manuais didáticos, há
décadas, vêm sendo objeto de debate e investigação, de onde se originaram inúmeras
críticas. Citam como problemas dos livros didáticos: indução ou reforço de
preconceitos e estereótipos raciais e sociais (grifo meu); difusão ou reforço de
equívocos ou mitificações em relação à concepção de ciência, ambiente, saúde, ser
humano e tecnologia; proposição de atividades que mais estimulam a obtenção de
informações e memorização, em detrimento do desenvolvimento de capacidades como
reflexão, análise e síntese, curiosidade e criatividade; não valorização do conhecimento
prévio dos estudantes e ausência de tratamento de situações concretas de seu cotidiano.
Massabni e Arruda (2003) ressaltam que pesquisas sobre livros-texto
evidenciaram erros e inadequações tanto em seu conteúdo quanto na visão de ciência
que veiculam. Nos livros, a ciência é vista como algo estático, desvinculada das razões
sociais que levaram a descobertas e estando apenas ao alcance de gênios e grandes
cientistas. Comentam que os docentes usam os livros de modo acrítico e que estes
materiais são o principal recurso pedagógico efetivamente usado pelos professores de
Biologia em sala de aula. Os livros analisados em sua pesquisa tratam superficialmente
os conteúdos relacionados à saúde e ao enfoque CTS, não estando nem sociedade nem
tecnologia abordados adequadamente.
46
2.3.4 – Estrutura do livro didático
Segundo Jacobi37 (1987) apud Clément et al. (2005), cada página de um livro
didático é uma “estrutura escrito-visual” (scripto-visual frame) que compreende texto
e/ou imagens que podem ser analisadas individualmente, mas que produzem efeitos
globalizantes, que geram estratégias de leitura pelo destinatário-alvo do texto, o
educando.
Nascimento e Martins (2005) afirmam que, segundo referenciais teóricos de
semiótica e educação em ciências, os livros didáticos são híbridos semióticos e
materializações de discursos do conhecimento escolar que são compostos da integração
entre linguagem verbal (texto) e imagens. Observam uma relação entre imagens
veiculadas no livro didático e o conteúdo da ciência, notadamente em imagens
canônicas como a dupla hélice do DNA e a estrutura celular (uma das representações
didáticas mais tradicionais). Os autores consideram que tais imagens têm a propriedade
de produzir fortes relações entre o discurso científico e o discurso pedagógico e
auxiliam na construção da estabilidade do discurso científico escolar.
2.3.5 – Metodologias de seleção e análise do livro didático
Leão e Megid Neto (2003) tomaram como referência os dados de teses e
dissertações sobre ensino de Ciências no Brasil disponíveis no Centro de Documentação
em ensino de Ciências da Faculdade de Educação da UNICAMP e encontraram 50
pesquisas sobre livro didático na área de Ciências, nos vários níveis escolares. Os
trabalhos analisaram livros didáticos sob diferentes ângulos: conteúdos específicos; as
atividades, em especial a experimentação; concepção de ciência, de saúde, de ambiente;
ilustrações; integração de temas; ideologia; transposição didática. Os autores comentam
que artigos publicados em periódicos nacionais analisam os livros a partir de critérios
similares: correção e atualidade dos conteúdos, articulação desses, ilustrações,
abordagem do cotidiano, concepção de ambiente, entre outros.
González e Sierra (2004) mencionam vários tipos de investigação de livros
didáticos, dentre os quais enumero os seguintes: pesquisas sobre transposição didática,
sobre a linguagem e a compreensão dos textos, e sobre análise histórica, que ressalta a
37 JACOBI, D. Images et discours de la vulgarisation scientifique. Berne: Peter Lang, 1987.
47
necessidade de uma abordagem global que analisa as mudanças nas sucessivas edições
de um livro e as modificações respectivas a outros livros didáticos num contexto
cronológico comparativo entre os títulos considerados.
Ferreira e Selles (2003) analisaram a produção acadêmica brasileira sobre livros
didáticos de Ciências publicada em periódicos nacionais em ensino de Ciências. Nos
dezessete artigos encontrados, observaram que a maior parte das análises centrava-se
em aspectos conceituais. As autoras apontam outros problemas encontrados em livros
didáticos: conteúdos de caráter abstrato e que priorizam a memorização excessiva;
conteúdos que reforçam concepções alternativas dos alunos; conteúdos que, de modo
equivocado, confundem as afirmações da ciência com descrições exatas da realidade
concreta (realismo ingênuo) que trazem representações visuais em desacordo com os
processos de construção do conhecimento científico, podendo ser prejudiciais aos
alunos, impedindo-os de compreender a natureza da ciência. Ressaltam que as ciências
de referência não devem ser o único critério de análise de livros didáticos. Para elas, é
desejável que, para além dos erros conceituais, e o que “falta” nos livros (rigor,
historicidade, contextualização, uma visão da natureza da ciência), deve-se investigar os
livros-texto buscando compreendê-los em seus contextos tanto de produção quanto de
utilização. Como exemplo deste tipo de investigação, Skoog (2005) realizou uma ampla
investigação de caráter histórico procurando identificar como o tema evolução biológica
foi desenvolvido em livros norte-americanos de nível médio ao longo das décadas do
século 20. Seus resultados mostram que os currículos de Biologia dos estados
americanos e o conteúdo dos livros didáticos refletiam, ora de modo hegemônico, ora
com uma menor influência, concepções antievolucionistas (criacionistas) e de eugenia,
o que evidencia uma persistente controvérsia sobre o lugar das teorias evolutivas nos
currículos e nos livros-texto. Ao investigar o tema evolução biológica no material verbal
dos livros, o autor procurou identificar passagens textuais que caracterizavam o conceito
de evolução e objetivou coletar dados nos índices e sumários, assim como nos
glossários dos livros pesquisados (113 títulos ao todo).
Clément et al. (2005) informam que, na França, a maior parte das pesquisas
focaliza, principalmente, a transposição didática interna. Em essência, esse método
compara o conteúdo dos livros didáticos com os principais textos de referência
científica e também investiga os livros-texto quanto à não contextualização do
conhecimento, à dogmatização do conhecimento científico, etc. Sugerem um novo
enfoque de pesquisa que analisa se os conceitos, transpostos didaticamente, são o
48
resultado da interação entre conhecimento científico, valores e práticas sociais. Os
autores também enumeram uma série de análises semiótico-lingüísticas que podem ser
usadas para avaliar o impacto de um determinado capítulo de livro nos alunos: análise
de títulos, subtítulos, sumários, palavras-chave, redundância e/ou freqüência de texto
e/ou imagens, identificação do conteúdo e de campos semânticos de cada capítulo,
identificação do estilo pedagógico (aquisição de conhecimento ou de competências),
uso de discurso afirmativo ou interrogativo, apresentação de certezas ou dúvidas,
referências para leituras adicionais, categorização do uso de imagens (se a função da
imagem é puramente estética, ilustrativa ou demonstrativa), se tem como objetivo
questionar ou surpreender o leitor, se há legendas para interpretar as imagens, análise
retórica do texto (se ele é narrativo, explicativo, descritivo, argumentativo). Os autores
também procuram avaliar quanto o conhecimento científico, transposto didaticamente,
faz referência a “práticas sociais” em relação a um campo específico ou mesmo à
sociedade em geral em relação a tópicos fortemente ligados a disputas sociais e/ou a
sentimentos pessoais como educação em saúde, educação sexual, evolução humana e
suas origens, determinismo biológico. No modo de proceder às suas pesquisas,
primeiramente, conduzem análises epistemológicas e históricas para estabelecer a
evolução do conhecimento referente a cada tópico. Isto inclui analisar interações, para
cada período, entre o conhecimento factual e as disputas de interesses que podem ter
sido obstáculos ao desenvolvimento em um campo em uma certa época. Este enfoque
epistemológico também explora as mais recentes perspectivas em relação aos tópicos
selecionados. Os autores também procuram identificar e analisar obstáculos
significativos na transposição do conhecimento, como o uso de supersimplificações
reducionistas (tais como: uma característica sendo condicionada por um único gene;
uma doença sendo causada por um único microorganismo) e a ausência de aspectos
prévios de um tópico que são essenciais para o seu entendimento. Salientam que o mais
difícil aspecto desse enfoque é identificar e analisar as mensagens implícitas dos livros
didáticos.
Detregiachi e Arruda (2003) citando Bizzo38 (1996) referenciam-se em
estudos do MEC que apontam muitos livros-texto desatualizados quanto a informações
e teorias importantes e que contêm erros inaceitáveis e veiculam valores incompatíveis
com a construção da cidadania. Valorizam, principalmente, a correção conceitual nos
38 BIZZO, N. Graves erros conceituais em livros didáticos de ciências. Ciência Hoje, 121 (21): 26-35, junho, 1996.
49
livros didáticos ao fazer referência aos PCN de Ciências Naturais que afirmam a
adequação de conteúdos como verdadeira condição de aprendizagem significativa. As
autoras propõem um instrumento de análise de livros didáticos de ciências que identifica
a presença ou ausência de conteúdos mínimos, e quando presentes, avalia a sua correção
científica. Os dados obtidos são distribuídos em uma tabela simples que identifica a
presença ou ausência de conteúdos e se esses estão desenvolvidos de modo correto ou se
apresentam erros conceituais.
Massabni e Arruda (2003), para a escolha do corpus de livros a serem
investigados em seu trabalho, elaboraram questionários nos quais se perguntava aos
professores de Biologia de ensino médio da rede pública se usavam livros didáticos e
qual(ais) eram utilizados. Já Nascimento e Martins (2005) compuseram um conjunto de
títulos selecionando-os segundo dois critérios: aprovação pelo Programa Nacional de
Avaliação de Livros Didáticos (PNLD) e número significativo de professores que o
adotam.
Para investigar os papéis que as imagens desenvolvem no ensino de ciências,
Nascimento e Martins (2005) baseiam suas análises em referenciais teóricos de
semiótica. Essas análises dão ênfase na relação que se observa na produção de imagens
e na recepção destas em relação a determinada cultura. Sua pesquisa considera
fotografias, diagramas, desenhos e tabelas, os quais, segundo as autoras, expandem e
elaboram idéias, freqüentemente adicionando informações novas ao estudante. De modo
comparativo, os dados empíricos – as imagens – de cada livro são tratados de forma
estatística em relação ao número de páginas de cada título. Para Martins39 (2002) apud
Nascimento e Martins (ib.), a análise funcional das imagens evidencia as relações entre
o texto, atividades realizadas pelos alunos e a própria ciência. Citam os PCN de
Ciências Naturais, para os quais as imagens didáticas são elementos importantes no
desenvolvimento formativo dos educandos, e mencionam que as imagens são um dos
critérios da avaliação dos livros-texto pelo PNLD - Programa Nacional do Livro
Didático do MEC, pois elas podem atuar de vários modos, como por exemplo:
estabelecer relações entre o contexto científico e do cotidiano, promover enfoques
interdisciplinares, familiarizar o estudante com uma variedade de gêneros textuais,
construir valores de cidadania. Contextos do cotidiano provêem uma base para o
39 MARTINS, I. Visual imagery in school science textbooks. In: GRAESSER, A.; OTERO, J. e DE LEON, J. A. The psychology of science text comprehension. Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum Associate Publ., 2002.
50
entendimento de conceitos científicos que incluem, por exemplo, o conceito de
“fenótipo”, que pode ser trabalhado por meio de fotografias de grupos de pessoas que
têm baixa estatura, relacionando-as com deficiência nutricional, e referências à
diversidade étnica. (grifo meu).
Sandrin, Puorto e Nardi (2005) referenciam o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) do MEC como um instrumento de avaliação dos títulos a serem
adquiridos (ou não), em milhões de exemplares, para a distribuição em escolas públicas.
Este programa iniciou-se em 1985 e, a partir da década de 1990, o MEC publicou os
primeiros guias de livros didáticos em um esforço de auxiliar o professor a selecionar os
livros mais adequados à sua prática pedagógica. Os autores afirmam que, embora
algumas orientações governamentais que orientavam o PNLD, no final da década de
1990, possam ser questionadas em diversos aspectos, é indiscutível o avanço que tais
normas promoveram em relação à qualidade dos livros. Especificamente, no caso do
livro de Ciências, foram mencionados problemas conceituais e metodológicos graves,
além de desrespeito às diferentes etnias (grifo meu), gêneros, classes sociais e descuido
com a segurança e integridade física do aluno, entre outros. Os resultados das análises
realizadas por equipes de especialistas geraram a exclusão de parcela significativa de
títulos da lista de compras pelo MEC. Os autores fundamentaram suas análises na
correção científica dos conceitos veiculados nos manuais didáticos. Para dar suporte à
sua análise, procederam a extensa revisão bibliográfica em livros de referência. O
tratamento analítico dos problemas conceituais e metodológicos consistiu de leitura
rigorosa dos textos e observação meticulosa das ilustrações. Em relação à correção
científica foram analisadas a terminologia científica, precisão e atualização conceitual.
A análise metodológica procurou verificar a presença/ausência de conteúdos relevantes
e o tipo de abordagem realizada, incluindo a preocupação com a contextualização, uso
de idéias alternativas, proporção entre texto e ilustração. Ressaltam a diferença
encontrada entre livro de volume único e coleção de três volumes: a análise mostrou a
omissão preponderante de conhecimentos relevantes em livros de ensino médio de
volume único; neles o conteúdo é apresentado de forma exageradamente sintética. A
escassez de informações que caracteriza diversas publicações pode ser potencialmente
prejudicial ao trabalho de reflexão e análise crítica preconizados pelo ensino
comprometido com a cidadania. Os autores salientam que, embora alguns títulos não
tenham sido recomendados pelo PNLD, as escolas possuem ainda à disposição de
51
alunos e professores, tanto livros antigos quanto as obras mais recentes. Nuñes40 (2001)
apud Sandrin, Puorto e Nardi (ib.) afirma que nem todos os livros excluídos pelo MEC
deixaram de circular pelas escolas; muitos deles ainda são parte do acervo bibliográfico
das instituições de ensino. Por isso, os autores compuseram sua amostra de análise
orientando-se pelo critério da disponibilidade dos mesmos nas bibliotecas de duas
escolas estaduais da cidade de Bauru, SP.
2.4 – Livro didático e conceitos de raças humanas e raças biológicas
Esta seção é fundamentada nos textos de Willinsky (1998)41 Levy (2005), e
Levy, Selles e Ferreira (2006) e abrange observações sobre conceitos de raça em livros-
texto recentes de Biologia de nível médio.
Para ver como a raça vem sendo tratada no ensino médio norte-americano e no
canadense, Willinsky (1998) analisou quinze livros didáticos de Biologia da década de
1980. Foi constatado que o conceito de raça raramente aparece nesses livros-texto. Em
apenas três dos doze livros americanos e em nenhum dos livros canadenses ele
encontrou referências feitas à raça42. Ele tem a opinião de que a negação tem sido, há
muito, a resposta das escolas à controvérsia, e o resultado é que mentes jovens são
freqüentemente forçadas a lidar com idéias altamente contestáveis de forma
exclusivamente extracurricular. Neste caso, para o autor, a negação significa tanto uma
oportunidade perdida de trabalhar o comprometimento intelectual nas implicações
sociais da ciência como uma falha em lidar com as experiências dos alunos, que
convivem com questões raciais.
Ele faz comentários sobre os livros de Creager et al. (1986), de Mader (1988),
mas nada fala sobre o do BSCS43 (1987). Sobre a primeira obra, Willinsky identifica
contradições quando o livro afirma que “o conceito de raça se tornou cada vez mais
40 NUÑES, I. B. et al. O livro didático para o ensino de ciências. Selecioná-los: um desafio para os professores do ensino fundamental. In: III Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. 2001. Atibaia, SP. Atas... 1 CD-ROM. Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Atibaia, 2001. 41 Willinsky também disserta sobre investigações de conceitos de raça em livros universitários de Biologia, de Antropologia Física, assim como sobre concepções de professores de nível superior, mas suas conclusões a esse respeito não são consideradas nesta dissertação. 42 Os três livros que fazem referência ao conceito de raça são: Creager, J. G. et al. Macmillan Biology. New York: Macmillan, 1986; Mader, S. S. Inquiry into Life. Dubuque: Brown, 1988, e BSCS – Biological Sciences Curriculum Study. Biological science: An ecological approach. 6. ed. Dubuque, Iowa: Kendall Hunt, 1987 [o título e a edição do livro do BSCS são mencionados na edição original, mas ausentes na edição brasileira]. 43 Tal omissão foi também verificada na edição original.
52
difuso nos últimos milhares de anos” ao mesmo tempo em que procura questionar a
classificação racial, tentativa que é neutralizada pelo grupo de quatro fotografias que
representam, cada uma, uma família moderna, nas quais fica evidente a intenção de
acondicionar diferentes “tipos raciais”. Ele conclui que as “diferenças raciais”
apresentadas nas fotografias e a declaração inicial sobre o caráter difuso das raças levam
o estudante a ter dificuldade em responder à questão ao final da seção que indaga por
que “a definição biológica de raça é baseada na freqüência gênica, e não na aparência
física”. Sobre o manual didático de Mader (1988), Willinsky ressalta que a autora não
tem o desejo de velar o conceito de raça, pois utiliza fotografias de pessoas de tipo
“caucasóide”, “australóide”, “negróide”, “indígena americano” e “oriental” com legenda
que reitera que “todos os seres humanos pertencem à mesma espécie, mas existem
várias raças”44.
Mesmo estando entre os três livros que abordam o tema raça, Willinsky observa
que, nesses dois – volumosos – livros, a questão da raça toma um espaço mínimo.
Assim, o autor conclui defendendo a idéia de que os alunos precisam de uma melhor
compreensão do papel da ciência na construção do conceito de raça. Cita alguns
exemplos de educadores da ciência que se recusam a evitar ou obscurecer a questão
racial, como um grupo de professores londrinos, na década de 1980, que assumiram a
responsabilidade de não apenas ensinar ciências, mas de ensinar sobre o lugar que as
ciências ocupam no atual sistema ideológico e econômico, chamando a atenção dos
estudantes para as causas e conseqüências políticas da adoção de conceitos científicos
tais como raça.
Willinsky, ao comentar livros didáticos de Biologia mais recentes (como Bullard
et al., 199245), preconiza conteúdos curriculares sobre raça, tais como: história do
movimento eugênico – incluindo suas origens no trabalho de Galton –; leis de
esterilização e antimiscigenação dos anos 1920 e 1930 nos Estados Unidos e Europa;
surgimento da eugenia na Alemanha nazista misturada às idéias de uma raça superior;
informação explícita de que não existem raças puras; dúvidas sobre qualquer
determinação científica confiável de fronteiras raciais; e raça como um dos princípios
organizadores do imperialismo. Para este autor, os alunos devem tratar raça como uma
forma de trabalhar a natureza da disciplina e de suas implicações sociais. Willinsky
salienta que tudo que está nomeado e classificado é um esforço para tornar evidente a
44 Willinsky informa que a sétima edição do texto de Mader (1994) elimina muito a discussão sobre raça. 45 BULLARD, J. et al. Science Probe nr. 10. Toronto: Wiley, 1992.
53
diferença, para organizar a realidade por meio da linguagem46. O autor reconhece que a
compreensão do que a ciência fez ao conceituar raça pode ou deve colocar um fim na
auto-identificação racial de quem quer que seja. Ele afirma que seu objetivo é fornecer
aos alunos um registro de como a ciência, trabalhando conjuntamente com outras forças
sociais, nos leva a esse ponto do complexo e polissêmico significado de raça. Willinsky
finaliza afirmando que um currículo de ciências que obscureça a contribuição da
disciplina ao significado de raça é incompleto e irresponsável.
Em sua monografia de graduação, Levy (2005) analisou o conceito de raça
humana em seis livros didáticos de curso médio e em oito livros de ensino fundamental.
A autora relata que somente um dentre os oito livros-texto de ciências abordava o
conceito; os outros livros evitavam tocar no assunto “raça”. Na maioria dos livros de
ensino médio, de alguma maneira, o conceito estava presente, embora os autores
tivessem tratado o tema de maneira evasiva e não questionadora (LEVY, ib., p. 62).
Levy, Selles e Ferreira (2006) investigaram como o conceito de raça humana
encontra-se expresso em livros escolares de Biologia. Com esta pesquisa, procuraram
entender como os saberes escolares materializam as tensões envolvidas nas decisões
curriculares sobre quais conhecimentos e valores ensinar na disciplina Biologia. As
autoras analisaram seis livros didáticos de Biologia para o ensino médio, publicados
entre os anos de 1997 e 2003. Para pesquisar o caráter tensionado do conceito de raça
humana nos livros-texto, empregaram categorias analíticas que focalizaram: (i) a
ambigüidade na abordagem do tema, com ênfase em aspectos biológicos ou culturais,
(ii) o caráter ideológico e histórico dessa abordagem. Na primeira categoria analítica,
consideraram: como o conceito de raça humana é definido, se ocorrem tipologias
raciais, se a noção de “grupo étnico” é considerada como sinônimo de raça humana. Na
segunda categoria, observaram: como os aspectos sócio-históricos relativos à construção
do conceito de raça humana são apresentados, o papel da ciência e dos cientistas nessa
construção, a abordagem acerca do imperialismo e do determinismo biológico. Do
corpus analisado, cinco livros tratam explicitamente do tema raça no texto principal, nas
ilustrações, nas leituras complementares e nos exercícios. A exceção é um livro47 que,
embora aborde aspectos relacionados ao conceito de raça, opta pela omissão de
temáticas que envolvem a espécie humana. Um dos livros investigados – Soares (1997)
– associa o conceito de gene pool a traços morfológicos humanos, o que, segundo as
46 Cf. seção 2.1 desta dissertação – O conceito de raça em obras de referência. 47 LOPES, Sônia. Bio Volume único. São Paulo: Saraiva, 2000.
54
autoras, reforça, junto aos estudantes do Ensino Médio, a idéia de que o conceito de raça
humana possui fundamentos biológicos que justificam sua inserção no currículo escolar.
Justaposta a esse texto de gene pool, Soares apresenta uma ilustração, que evidencia
uma visão tipológica de raças humanas, composta de três fotografias: a primeira é de
uma pessoa de raça “negra”, a segunda, de uma pessoa de raça “branca”, a última, de
uma pessoa da raça “amarela ou mongólica”. A ilustração é acompanhada de uma
legenda na qual a expressão “grupos étnicos humanos” é empregada como sinônimo de
raças humanas. Levy, Selles e Ferreira (ibid.) identificaram em Soares (1997) outra
representação tipológica de raças – composta de quatro fotografias de pessoas de
fisionomia “negra”, “morena”, “índia” e “ruiva” – igualmente acompanhada de legenda
com a expressão “grupos étnicos” correspondendo a raças humanas, mas neste caso, a
legenda adiciona o conceito de miscigenação, que vem modificando os “grupos étnicos”
e impedindo o desmembramento da espécie humana em diversas outras. Para as autoras,
o emprego da expressão “grupos étnicos” pode ser entendida como um eufemismo que
suaviza a abordagem e retira do contexto a questão racial. Dentre outras observações e
conclusões, as autoras ressaltam que, nos livros analisados, os autores tangenciam as
questões que focalizam o papel da ciência na construção do conceito de raça humana.
Apenas dois livros assumem mais criticamente as articulações entre conhecimento
científico e diferenciação econômica e social dos indivíduos baseada em distinções
biológicas hereditárias, mas, ainda assim, o fazem em leituras complementares –
intertextos – ainda que de forma defensiva. Levy, Selles e Ferreira concluem que os
livros didáticos expressam tensões ao selecionarem conhecimentos de Biologia,
História, Antropologia, Sociologia e Geografia. Ao abordarem conhecimentos que se
encontram enraizados em campos disciplinares com diferentes tradições metodológicas
sócio-críticas, os livros didáticos de Biologia parecem ter dificuldade em abandonar
suas próprias tradições metodológicas de ensino, marcadamente com menor teor crítico.
Esta pode ser uma forma de entender porque silenciam o debate sobre raças humanas,
formatando os conteúdos curriculares dentro dos limites da neutralidade.
55
3 – Procedimentos metodológicos
A seguir, passo a explanar escolhas que fiz em relação ao corpus de livros
investigados e às metodologias de análise utilizadas nesta pesquisa. As decisões
metodológicas foram ponderadas em relação à revisão bibliográfica.
3.1 – Definição da amostra
O Catálogo do PNLEM – Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio –,
referente à Biologia, foi divulgado pelo MEC, em 2006, para orientar a compra de
exemplares para o ano seguinte. Justifico a escolha dos livros recomendados pelo
PNLEM para fazerem parte do corpus de minha pesquisa porque milhares de
exemplares dos mesmos foram adquiridos com verba do estado para serem distribuídos
em instituições públicas de ensino. José Luís Soares48 é um autor tradicional de livros
de Biologia que teve seus títulos excluídos da lista de recomendação do MEC. Esse
autor teve uma presença marcante na história nos livros didáticos de Biologia e de
Ciências para o ensino fundamental; seus numerosos títulos tiveram várias edições,
além dele ter escrito vários livros paradidáticos e um dicionário de Biologia. Ainda que
os livros desse autor não tenham sido indicados pelo PNLEM 2007, um título foi
incluído na análise. Várias edições dos livros de Soares também foram objeto de análise
48 SOARES, José Luis (1934 – 2001), Médico, biólogo e professor, notabilizou-se por mais de vinte anos como escritor de livros didáticos de Ciências e Biologia no Brasil. [dados biográficos fornecidos pela editora Scipione, via email].
56
por Reznik (1995), Stelling (1996), Sandrin, Puorto e Nardi (2005) e por Levy, Selles e
Ferreira (2006).
Embora Ferreira e Selles (2003) preconizem a pesquisa de livros didáticos nos
contextos de sua produção, como elemento no estudo da história do currículo49
(caracterizando investigação de transposição didática externa, tal como o trabalho de
Skoog, 2005), por motivo de tempo de execução desta dissertação, limitei o corpus de
pesquisa a livros recomendados pelo PNLEM 2007, adicionando um título de Soares,
como justificado acima. Por conseqüência, não analisei as sucessivas edições de um
mesmo livro, procedimento mencionado por Gonzáles e Sierra (2004). O corpus de
livros sendo composto pelos títulos do PNLEM também foi um critério adotado por
Nascimento e Martins (2005). Embora haja diferenças da profundidade e extensão do
conteúdo veiculado em livros de volume único (com um conteúdo “condensado” em um
número limitado de páginas) e as coleções de três volumes, conforme apontam Sandrin,
Puorto e Nardi (2005), minha pesquisa valeu-se de livros recomendados pelo PNLEM,
de modo que foi realizada a análise da coleção em três volumes de Amabis e Martho,
embora haja no mercado um título de volume único desses autores.
Por motivos de tempo de execução da pesquisa, o corpus foi limitado a 7
títulos50, que foram escolhidos por terem sido disponibilizados pelas editoras:
Adolfo, Crozetta e Lago (2005); Laurence (2005); Linhares e Gewandsznajder
(2005); Lopes e Rosso (2005); Amabis e Martho (2004); Frota-Pessoa (2005) e Soares
(1997).
3.2 – Metodologia de análise
A pesquisa priorizou a análise de conteúdo dos livros, considerada como um
estudo de transposição didática interna (Clément et al. 2005). Assim como procederam
Sandrin, Puorto e Nardi (2005) e Clément et al. (2005), foi realizada a comparação do
conteúdo dos livros didáticos com os principais textos de referência científica. Tal como
Skoog (2005), procurei identificar passagens textuais que caracterizam o tema
pesquisado coletando dados nos índices, sumários e glossários dos livros. Igualmente ao
49 Reznik (1995) também pesquisou história do currículo ao analisar a evolução do conceito de gene ao longo do século 20 em livros didáticos de Biologia de nível médio. 50 O PNLEM 2007 recomendou 9 títulos. Os 3 livros não analisados foram: FAVARETTO, J. A. e MERCADANTE, C. Biologia. São Paulo: Moderna, 2005; PAULINO, W. R. Biologia. São Paulo: Ática, 2005; SILVA Jr., C. da e SASSON, S. Biologia. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
57
método de Clément et al. (2005), foram analisados títulos, subtítulos, sumários,
palavras-chave, redundância e/ou freqüência de texto e/ou imagens, referências para
leituras adicionais, legendas de imagens, e quanto o conhecimento científico, transposto
didaticamente, faz referência a tópicos ligados à sociedade em geral, fortemente ligados
a disputas sociais e/ou a sentimentos pessoais, como educação em saúde, evolução
humana, a questão racial e o determinismo biológico. A análise de material imagético e
não verbal foi realizada como recomenda o trabalho de Nascimento e Martins (2005).
Realizei a coleta de dados por meio de um modo sistematizado de varredura em
certos locais determinados, definidos pela estrutura dos livros (volumes, unidades,
capítulos, anexos, etc) e pela distribuição do conteúdo curricular. Por atuar
ininterruptamente, desde 1988, em turmas de ensino médio, tenho experiência
profissional que me possibilita fazer certas escolhas de recorte quanto ao procedimento
de leitura e análise do material empírico. Pelo conhecimento acumulado no uso de
vários títulos didáticos, constato que há uma maneira tradicional de distribuição dos
assuntos nos livros (geralmente, na seguinte seqüência: Biologia celular, Histologia,
Embriologia, Os Seres Vivos, Genética, Evolução, Ecologia). Assim, mesmo antes de
lidar com o material empírico, já me ocorria uma previsão do modo como os livros
desenvolvem o currículo de Biologia. Existem certos tópicos nos quais é mínima a
probabilidade de ocorrer o conceito de raça, tais como: fotossíntese, digestão humana,
fecundação dos gametas vegetais, estudo de certos grupos animais (as águas-vivas,
corais, etc), divisão celular (mitose e meiose), etc. Outros tópicos têm uma alta
probabilidade de se encontrar o assunto investigado, como: classificação dos seres
vivos, genética de populações, genética humana, evolução biológica, formação de
espécies, etc. que se localizam, em geral, no volume sobre Genética, Evolução e
Ecologia. Esse meu prévio saber docente me possibilitou proceder da seguinte maneira:
ao considerar a subdivisão dos livros e ao avaliar a probabilidade da ocorrência (ou não)
dos termos raça e correlatos, defini as seguintes ações:
1 – não leitura do tópico.
2 – leitura dos títulos das seções e subseções.
3 – leitura em diagonal (varredura rápida à procura de palavras relacionadas ao tema
pesquisado) do tópico.
4 – leitura integral do tópico.
5 – leitura do índice remissivo.
58
Como a análise dos livros foi seqüencial, a cada livro examinado, revi as
categorias de tópicos e de locais de ocorrência, com o objetivo de atualizar os critérios
de estabelecimento dessas categorias. A busca de dados empíricos foi realizada por
meio destas ações:
1 – Toda vez que se identificava um local de ocorrência (dos elementos textuais),
foi examinado o conjunto de exercícios, atividades e projetos do capítulo respectivo. Ao
final da varredura sistemática do livro-texto, foram consultados o glossário e o índice
remissivo (quando presentes) para procurar palavras e expressões relacionadas ao
conceito de raça, as quais, se encontradas, remeteram-me a outras páginas; nesse
processo, novamente, foi realizada uma conferência. Deste modo, foi realizado um
cruzamento de informações que, ciclicamente, realimentava e reavaliava a coleta de
dados empíricos e sua interpretação.
2 – A numeração das categorias de local foi efetuada à medida que estas iam
aparecendo nos livros analisados.
3 – Nas coleções de três volumes, a coleta de dados por varredura sistemática foi
realizada no livro que desenvolvia currículo relacionado a Genética e Evolução.
Do processo de ordenação e comparação dos dados empíricos, foram construídas
categorias de análise que exprimem onde e como o conceito investigado aparece nos
livros. Inicialmente, a construção das categorias foi realizada a partir da análise dos
livros didáticos de Amabis e Martho (2004) e de Frota-Pessoa (2005). O conjunto das
categorias foi submetido à análise crítica de dois pares (professores de Biologia, alunos
do Curso de Mestrado e de Doutorado em Educação da UFF), da professora orientadora
e de uma professora da área de Ciências, Sociedade e Educação do programa de Pós-
Graduação em Educação da UFF. À medida que se aplicavam as categorias prévias nos
outros elementos do corpus, estas eram reavaliadas e ajustadas em suas características
descritivas; estas ações se estenderam até o final do processo, quando as categorias se
estabilizaram.
O cotejo entre os meus dados empíricos com as informações do catálogo do
PNLEM 2007 foi realizado após as análises qualitativas e quantitativas terem sido
concluídas, ou seja, as análises do referido catálogo do MEC não interferiram nas etapas
de coleta de dados, elaboração de categorias e nas análises por mim realizadas.
59
4 – Resultados e discussão
Todas as ocorrências, identificadas ao longo do processo de varredura
sistemática dos livros, estão registradas em tabelas na seção Apêndices. Os resultados
mais relevantes são classificados em categorias analíticas e discutidos nas subseções
dedicadas a cada livro didático, a começar pelos livros de volume único, seguidos dos
livros em três volumes.
4.1 – As categorias
A heterogeneidade de abordagens dos conceitos de raça humana – e seus
entrelaçamentos com conceitos de raças animais e variedades vegetais – pode ser
visualizada pela divisão dos dados empíricos dos livros-texto nas seguintes categorias
de raças biológicas e raças humanas:
- Categoria Fenótipos e Biodiversidade humana [FB]
Grande variabilidade e riqueza de fenótipos humanos, resultado das inúmeras
combinações de características genéticas encontradas nas diversas populações e nos
indivíduos. Tais caracteres e fenótipos não são utilizados como critério para a
determinação de raças humanas.
60
Exemplos:
Observe, no quadro de Tarsila do Amaral, a biodiversidade de nossa espécie: diferenças como cor dos olhos, cor da pele, bico-de-viúva, espessura das sobrancelhas e – superando todas as outras – o sexo. [legenda que comenta a reprodução da pintura Operários da referida artista] (FROTA-PESSOA, 2005, p. 8).
O modelo mais simples para explicar a herança da cor da pele na espécie humana classifica as pessoas em cinco fenótipos básicos: negro, mulato-escuro, mulato-médio, mulato-claro e branco. Essas cinco classes fenotípicas seriam controladas por dois genes, cada um com dois alelos (Aa e Bb). (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 84).
- Categorias Taxonomia e Classificação
Divisão dos organismos (seres humanos incluídos) em espécies e subespécies,
segundo referenciais teóricos de classificação biológica. Os termos linhagem51,
variedade e raça entrelaçam-se com os conceitos de espécie e subespécie. Estas
categorias são as seguintes:
[TC1] Raças de animais e variedades vegetais definidas como subespécies naturais ou
artificiais consistindo de populações isoladas geograficamente ou por outra barreira
(reprodutiva, etc). Nomenclatura trinomial de subespécie (incluindo as “subespécies”
humanas).
Exemplos:
[...] Frangos híbridos desenvolvem-se mais depressa que as raças puras52. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 120).
[...] Mendel isolou 22 variedades de ervilhas, que originavam linhagens puras, ou seja, produziam descendência homogênea ao longo de muitas gerações analisadas. (LAURENCE, 2005, p. 595).
[...] todos os indivíduos da espécie humana são biologicamente muito semelhantes e pertencem a uma única raça: Homo sapiens sapiens [...] (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 299).
51 Não considerei o termo linhagem nas expressões relacionadas à evolução: linhagem humana, linhagens de gorilas e chimpanzés, linhagens de mamíferos monotremados, marsupiais e placentários. 52 Não considerei o adjetivo puro caso ocorresse isolado. Ex.: Como resultado do cruzamento entre plantas puras de ervilhas [...] e A geração F1, portanto, não é pura [...] (LAURENCE, 2005, p. 597)
61
[TC2] Diversidade de fenótipos usada como critério para definir ou descrever raças
humanas, considerando uma “taxonomia” ou classificação racial. Reconhecimento de
grupos raciais ou “étnicos” segundo critérios arbitrários. Representação tipológica das
raças humanas.
Exemplos:
Olhos oblíquos (como na raça amarela) são um caráter dominante. Olhos não oblíquos (como na raça branca) são um caráter recessivo. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 80).
Os recém-nascidos de etnia caucasiana apresentam sempre olhos claros, que podem se tornar progressivamente mais escuros à medida que os melanócitos da íris produzem melanina. Os recém-nascidos latinos e de etnias negróide e asiática já apresentam olhos escuros ao nascer. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 88).
[TC3] Declaração expressa da não existência de raças humanas por motivo de ínfima
diferença genética, inclusive entre indivíduos de grupos “étnicos” diferentes;
argumentos e discussão sobre a imprecisão, arbitrariedade e ambigüidade do conceito de
raça humana.
Exemplo:
No caso da espécie humana, a diferença genética entre as populações é muito pequena.Entre duas pessoas escolhidas ao acaso, a diferença entre seus genes é de apenas 0,2%, independentemente da origem geográfica ou étnica. Como dizem os evolucionistas John Tooby e Leda Cosmides: “[...] a diferença genética média entre um fazendeiro peruano e seu vizinho ou entre um aldeão suíço e seu vizinho pode ser 12 vezes maior que a diferença entre o ‘genótipo médio’ da população suíça e o da população peruana.” [...] Do ponto de vista biológico, não faz sentido falar em raças, uma vez que não houve entre os indivíduos da espécie humana atual isolamento geográfico por tempo suficiente para formar raças ou subespécies. (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2005, p. 447).
- Categorias Processo Evolutivo
Ênfase nos processos evolutivos como mecanismos que modificam, no tempo e
no espaço, populações atuais ou de espécies fósseis (como Homo neanderthalensis e
Homo floriensis), entrelaçando tais processos com os conceitos de “raças humanas”,
raças de animais e variedades de plantas. Estas categorias são as seguintes:
62
[PE1] Raças de animais e variedades vegetais (“subespécies”) originadas por meio de
seleção artificial, transgenia, ou por meio de fatores evolutivos (mutação, recombinação
gênica, seleção natural, influência do clima e ambiente, isolamento geográfico).
Genética de populações destas raças e variedades.
Exemplo:
Em um concurso de cães, duas características são condicionadas por genes dominantes [...] Um criador, desejando participar do concurso, cruzou um macho e uma fêmea, ambos heterozigotos para dois genes, obtendo uma descendência com todos os genótipos possíveis. (LAURENCE, 2005, p. 627).
[PE2] Concepções sobre a origem das raças humanas por meio de fatores evolutivos
(mutação, recombinação gênica, seleção natural, influência do clima e ambiente,
isolamento geográfico).
Exemplo:
Suponhamos, agora, que, vencendo certas barreiras naturais, como rios ou montanhas, um grupo de indivíduos [humanos] tenha conseguido colonizar uma zona limítrofe, de clima diferente.
A seleção natural entrou em ação, alterando a distribuição das freqüências gênicas. Alelos que eram inferiores no antigo ambiente puderam mostrar utilidade e aumentaram de freqüência. Novas mutações e combinações de alelos, trabalhadas pela seleção natural, foram tornando a população cada vez mais adaptada ao novo ambiente e mais diferente da população da qual se separou. Formaram-se, assim, duas raças, com características genéticas um tanto diferentes. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 155 e 156).
[PE3] Migração, miscigenação, deriva gênica e efeito do fundador em populações
humanas. Análise genômica de ancestralidade (DNA nuclear e DNA mitocondrial) de
indivíduos e populações, sem relacioná-la a raças humanas.
Exemplo:
[...] Construíram um barco e se foram, 100 deles, entre homens e mulheres, para nunca mais voltar. Havia apenas um emigrante de olhos azuis53 (aa), os outros 99 tinham olhos negros e eram homozigotos AA. [...] Por acaso, a única pessoa de olhos azuis que emigrou não teve filhos, de modo que a freqüência do alelo a tornou-se zero e assim permaneceu mesmo depois de inúmeras gerações. (FROTA-PESSOA, 2005, p.148).
53 O autor incorre em erro, pois cor de olhos é herança poligênica, e aqui é considerada como monogênica.
63
- Categoria Antropologia Cultural [AC]
Antropologia cultural versus concepções biológicas de raças humanas: os grupos
étnicos (culturais) como contraponto às idéias de raças (antropologia física).
Exemplos:
Na espécie humana, duas populações não são consideradas raças diferentes só porque falam línguas diferentes ou hábitos, culturas, crenças ou rituais diversos. Só são raças populações da mesma espécie que diferem nas freqüências de seus genes. [...] Chamamos de etnias ou grupos étnicos duas populações que diferem culturalmente, tenham ou não a mesma composição genética. É impróprio, embora comum, usar esses termos como sinônimos de raças. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 153).
Etnia grupo de população que difere genética (sic) e culturalmente de outro. Esse termo pode ser impropriamente usado como sinônimo de raça. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 273).
- Categorias Ideologia e História
Aspectos ideológicos, históricos, políticos e sociais e as raças humanas.
Concepções sobre “desigualdade” entre raças humanas. Estas categorias são as
seguintes:
[IH1] Racismo, preconceito, discriminação, escravidão e ódio racial. Suposta existência
de “raças superiores e inferiores” – desigualdade das raças humanas. Darwinismo
social, determinismo biológico, imperialismo.
Exemplos:
[...] No século 19, a moral, tanto dos costumes como da lei, aceitava a escravidão, o racismo, a discriminação sexual. Entretanto, as ideologias libertárias incendiaram o povo, a partir da Revolução Francesa, e prepararam o caminho para a abolição da escravatura, o sufrágio universal, a revolução sexual, o divórcio, as leis anti-racistas, o respeito às minorias e as delegacias da mulher.[...] (FROTA-PESSOA, 2005, p. 101).
[...] Certos estereótipos a atitudes tradicionais no Brasil indicam menosprezo pelo negro e pelo mulato. São também conhecidas as barreiras que se opõem à ascensão social das “pessoas de cor”, descendentes dos escravos. A discriminação crescente em centros como São Paulo e Rio de Janeiro fez com que o Congresso Nacional
64
votasse uma lei que tornou a discriminação racial criminosa. (WAGLEY54, 1952 apud FROTA-PESSOA, 2005, p. 166).
No século XX, a deturpação do darwinismo culminou com a idéia, defendida por alguns, de que entre os seres humanos existiam raças “superiores” e “inferiores”. A aplicação das idéias de Darwin na sociedade humana ficou conhecida como “darwinismo social”. (LAURENCE, 2005, p. 535).
[IH2] Idéias de eugenia quanto à espécie humana e suas raças, “melhoramento” da
espécie humana por controle e “manipulação” de populações, concepções de “pureza
racial”, nazismo.
Exemplos:
Se nossa espécie fosse submetida a uma seleção artificial rigorosa, o que é eticamente inadmissível, seriam formadas raças puras, com indivíduos muito parecidos. Mas a seleção natural só consegue formar raças homogêneas quanto a poucos alelos, e não impede que, quanto aos demais, a diversidade seja quase tão grande dentro de uma raça quanto entre elas. Por isso, não existem, nem nunca existiram, raças humanas puras. Na espécie humana, existem raças naturais, mas não raças puras. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 155).
A idéia de “raça pura” é não apenas absurda, em relação à espécie humana, como indesejável [...]. (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2005, p. 447).
[IH3] O mito da “democracia racial” brasileira; ações afirmativas e política de cotas
raciais, movimentos históricos e políticos de “identidade racial” e de “igualdade
racial”55.
Exemplo:
O Brasil é famoso no mundo por sua democracia racial. Através de sua enorme área de meio continente, o preconceito e a discriminação raciais são tênues comparados com a situação em muitos outros países. Três estoques raciais – o índio americano, o negro e o caucasóise europeu – misturaram-se e cruzaram-se no Brasil para formar uma sociedade em que as tensões e conflitos raciais são especialmente brandos, a despeito da grande variabilidade racial da população. [...] Não obstante, a maioria dos brasileiros sente-se orgulhosa de sua tradição de igualdade racial e da heterogeneidade racial de seu povo. [...] (WAGLEY56, 1952 apud FROTA-PESSOA, 2006, p. 166).
54 WAGLEY, C. na introdução de Race and class in rural Brazil. Paris: UNESCO, 1952. 55 Esta categoria foi criada a partir do cenário sociopolítico recente nacional, para abarcar suas possíveis referências na interdisciplinaridade (preconizada pelos PCN) entre os currículos de Biologia e de Ciências Sociais. 56 op. cit.
65
4.2 – Os livros
O corpus analisado compõe-se de livros recomendados pelo Programa Nacional
do Livro para o Ensino Médio do MEC de 2007: Adolfo, Crozetta e Lago, IBEP, 2005;
Laurence, Nova Geração, 2005; Linhares e Gewandsznajder, Ática, 2005; Lopes e
Rosso, Saraiva, 2005; Amabis e Martho, Moderna, 2004; Frota-Pessoa, Scipione, 2005
e de um livro de Soares, Scipione, 1997, perfazendo um total de sete títulos.
Primeiramente, são apresentados os resultados qualitativos, a começar pelos livros de
volume único e seguidos pelas coleções de três volumes. Após, seguem-se as análises
quantitativas. Por fim, as análises são cotejadas com as avaliações do catálogo do
PNLEM 2007.
4.2.1 – Análise qualitativa
4.2.1.1 – Biologia: volume único – Adolfo, Crozetta e Lago (2005).
O livro não relaciona os fenótipos da pele humana e da cor dos olhos à
existência de raças, o que caracteriza a categoria FB. Exemplos disso são os excertos e
as tabelas da p. 282, reproduzidas a seguir:
Vejamos alguns exemplos [de herança quantitativa]: a cor da pele e a cor dos olhos (determinada pela quantidade do pigmento melanina), a estatura, o peso e o grau de inteligência [sic] na espécie humana; a produção de leite pelas vacas [...] (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 282).
66
Quando estão presentes os quatro genes que contribuem para a produção de pigmentos, a cor manifestada é o negro; quando estão presentes três genes, o fenótipo é mulato escuro; quando estão presentes dois, o fenótipo é mulato médio; quando está presente apenas um desses genes, o fenótipo é mulato claro e, finalmente, quando não há esses genes [dominantes], o fenótipo é branco. (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, ib.).
Para exemplificar, vamos supor o cruzamento entre indivíduos mulatos médios, ambos heterozigotos para os dois pares de genes. [...] (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, ib.).
O termo variedade, com o significado de descendência modificada de uma
população, é mencionado na parte histórica do capítulo sobre teorias evolutivas, o que
caracteriza a categoria TC1: “[...] Alfred Russel Wallace (1823-1913), em seu ensaio
intitulado ‘A tendência das variedades de se afastarem indefinidamente do tipo
original’, chegou às mesmas conclusões que Darwin.” (ADOLFO, CROZETTA e
LAGO, 2005, p. 288).
Os autores também empregam o termo variedade para denominar populações
com diferentes freqüências gênicas resultantes de seleção natural (categoria TC1). O
exemplo utilizado é o melanismo industrial na mariposa Biston betularia, na legenda de
duas fotos dessa espécie: “Inicialmente, a variedade cinza-clara de mariposas conseguia
sobreviver à ação dos predadores. Com a industrialização, ela tornou-se um alvo mais
fácil para a ação dos predadores.” (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 292).
67
Causa um estranhamento a colagem de fotos que se situa abaixo do título do
capítulo 2:
(ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 293).
As pessoas retratadas parecem pertencer a grupos populacionais distintos e não
são identificadas as suas origens ou localizações geográficas. Como o título do capítulo
é Especiação, o leitor pode ser levado a pensar que os diferentes indivíduos das fotos
ilustram os processos de especiação e “raciação” na espécie humana, o que caracteriza a
categoria PE2. O texto situado abaixo das fotos confirma a possível relação entre as
fotos e tais conceitos (categoria PE1):
A formação de novas espécies é um processo fundamental dentro da evolução, sendo que esse processo consiste em etapas gradativas, decorrentes de contínuas modificações na estrutura genética e de alterações no ambiente. Essa soma de modificações, ao longo do tempo, resulta em uma população tão diferente da original que pode ser considerada uma nova espécie. (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 293).
Ainda na mesma página, os autores ressaltam o isolamento geográfico como um
fator no mecanismo da especiação, mencionando a formação de raças. Esta informação
pode levar o aluno a realizar uma relação entre o isolamento geográfico com os tipos
humanos representados na colagem de fotos mencionada acima:
O primeiro passo para a formação de uma nova espécie é o isolamento geográfico de uma população. [...] O acúmulo dessas mutações e a ação da seleção natural, agindo de maneira diferente
68
em populações agora distintas, levam ao processo de raciação, ou seja, à formação de novas raças (subespécies) As raças são populações naturais da mesma espécie que diferem em determinadas características e estão adaptadas a ambientes diferentes. O acúmulo gradativo de novas mutações levam os organismos de raças distintas a evoluírem para diferenças cada vez mais marcantes, não só morfologicamente mas, também, em nível cromossômico, fisiológico e até comportamental, levando essas raças ao isolamento reprodutivo. Mesmo que o isolamento geográfico desapareça e elas venham a se encontrar existem tantas diferenças que mesmo sendo possível o cruzamento, os descendentes são abortados ou então são estéreis, estabelecendo aí a formação de novas espécies ou especiação. (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 293).
Uma ilustração, com o emprego do termo raça nas legendas, esquematiza os
mecanismos de isolamento geográfico e reprodutivo:
(ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 293).
69
Os autores reiteram o conceito de raça geográfica relacionado à especiação
quando o texto explica a ilustração:
[...] Com o passar do tempo, o estoque de genes (pool gênico) vai se alterando, de maneira a estabelecer certas divergências genéticas entre as duas populações (B e C). A acentuação dessas divergências determina a formação de raças geográficas e posteriormente novas espécies. (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 294).
Observamos um relevante contraste no modo com que os autores tratam o tema
raça ao compararmos o grupo de fotos da p. 293 com o seguinte exercício, que se
caracteriza pelas categorias TC3, IH1 e IH2:
Racismo injustificado Os estudos de Biologia Molecular nos provam que não
existem raças ou subespécies diferentes entre os seres humanos. Isso significa que todos os indivíduos da espécie humana são biologicamente muito semelhantes e pertencem a uma única raça:
Na verdade, podemos observar apenas pequenas variações, que não justificam nenhum tipo de discriminação ou de superioridade dentro da nossa raça. Historicamente, as desigualdades raciais surgiram por razões econômicas, quando se achou conveniente escravizar e desmoralizar as pessoas por apresentarem certos traços genéticos, como o tipo de cabelo, a cor dos olhos ou a tonalidade da pele.
Para refletir, elaborar um texto e discutir. Com base no exposto acima e utilizando os seus
conhecimentos cotidianos, elabore um texto que responda às seguintes questões:
. Que fatos históricos marcam a discriminação racial na espécie humana?
. Qual é sua opinião pessoal sobre o racismo que existe nos dias de hoje?
. Como a ciência foi usada ao longo da história para justificar as práticas de discriminação e do aprimoramento racial (eugenia humana)?
Não se esqueça de dar um título ao seu texto e pedir a ajuda de seus professores de História, Geografia, Filosofia e Biologia.
Uma boa sugestão é assistir o filme GATTACA – a
experiência genética. (itálico no original) Após a produção dos textos, sugerimos um debate, mediado
pelo professor. (ADOLFO, CROZETTA e LAGO, 2005, p. 299).
70
Neste exercício, os autores consideram que a população humana atual não se
divide em várias “raças” (categoria TC3); ao invés, seus indivíduos pertencem a uma só
“raça” denominada Homo sapiens sapiens (categoria TC1). Esta informação pode
confundir o aluno, porque no texto há uma relação direta entre os termos raça e
subespécie. Em contrapartida, neste exercício, identificamos uma ocorrência de FB, seis
ocorrências de IH1 e uma de IH2. Na minha opinião, a relevância da presença destas
categorias pode ser atenuada porque elas não ocorrem no texto principal, e sim num
exercício, que pode passar despercebido pelo professor e seus alunos.
O livro incorre em uma contradição ao apresentar as categorias TC2 e TC3
simultaneamente, e ao considerar uma única “raça” humana (categoria TC1). Não há
menção às características étnico-culturais (categoria AC). Ressalta-se a freqüência da
categoria IH1 (assim como de uma referência à eugenia, categoria IH2), o que torna o
livro relevante para o desenvolvimento curricular relativo a racismo, preconceito racial
e demais temas de caráter ideológico e histórico.
4.2.1.2 – Biologia: ensino médio, volume único – Laurence (2005).
O autor, valendo-se do recurso do intertexto, usa um artigo de Costa e
Massarani57 (1997) que menciona fenótipos – referentes à presença de pêlos no corpo –
que “caracterizam” determinados grupos populacionais: [...] fatores raciais também são
importantes: os indígenas quase não têm pêlos; já os árabes são muito peludos.
(LAURENCE, 2005, p. 216). Nota-se uma discrepância do autor em escolher um texto
no qual a expressão “fatores raciais” está presente (categoria TC2), diferentemente do
que ocorre nas demais páginas do livro.
As informações do quadro Darwinismo social são relevantes para
desenvolvimento de currículo interdisciplinar com as Ciências Sociais. Distingue-se
nesse excerto a categoria IH1, o que ressalta este livro como uma obra apropriada para a
discussão dos problemas histórico-políticos relacionados às teorias evolucionistas e ao
racismo “científico”:
57 COSTA, R. O. e MASSARANI, L. Pele, unha e cabelo. Ciência Hoje na escola – O corpo humano, SPBC, 1997.
71
(LAURENCE, 2005, p. 535).
Laurence apresenta uma foto, que sugere um casal e seus filhos, na qual cada
pessoa apresenta um fenótipo diferente de cor de pele O autor não faz referência a tipos
raciais ou étnicos no texto principal nem na legenda da foto. O autor usa os termos
branco, negro e mulato para denominar fenótipos, igualmente, sem relacioná-los a
grupos raciais ou étnicos. Nota-se o cuidado do autor ao se referir aos indivíduos de pele
branca [e não “raça branca”]:
72
(LAURENCE, 2005, p. 631).
[...] como é o caso da cor da pele humana, em que os fenótipos variam de forma contínua do branco ao negro. [...]
Recorrendo às iniciais das palavras negro e branco, vamos representar esses genes pelas letras N e B, onde as letras maiúsculas representam os alelos efetivos [...]
O fenótipo negro é puro e condicionado pelo genótipo NNBB, homozigoto constituído somente pelos alelos efetivos. Cada um desses alelos contribui igualmente para a síntese de pigmentos, de maneira que a cor da pele será o resultado da soma da ação desses alelos (efeito cumulativo).
O fenótipo branco também é puro, porém condicionado pelo genótipo nnbb, constituído pelos alelos não-efetivos. Os indivíduos de pele branca possuem pigmentos na pele, mas em pequena quantidade em relação aos demais fenótipos para a cor da pele, pois esses alelos determinam uma síntese pequena de pigmentos.
Os fenótipos intermediários entre o negro e o branco são representados pelos mulatos, que podem ser escuros, médios e claros. (LAURENCE, 2005, p. 631 e 632).
Segue-se o tradicional quadro de fenótipos e genótipos relativos à cor da pele
humana:
73
(LAURENCE, 2005, p. 632).
O livro, no quadro Genoma: desafios filosóficos para nossa geração, sugere ao
leitor a reflexão sobre o determinismo genético, e utiliza novamente o recurso do
intertexto ao reproduzir um excerto de artigo de Matt Ridley58. As informações entre
ancestralidade genômica e o parentesco de grupos populacionais identificam a categoria
PE3; a caracterização de grupos étnicos assinala a categoria AC. O embate acerca do
determinismo biológico faz o excerto incidir na categoria IH1, o que propicia uma
oportunidade de discussão pelos alunos:
Conhecer o genoma – conjunto de genes – de um indivíduo não gera apenas a questão de como esses genes são transmitidos e expressos no organismo. Surgem também questões éticas e filosóficas, que constituem um desafio para o presente e o futuro: até que ponto algumas de nossas características são determinadas geneticamente? Até que ponto o fenótipo é influenciado pelo ambiente? Para ajudar a pensar nisso, leia o texto a seguir.
O genoma é como um registro autobiográfico, escrito na linguagem dos genes [...]. Com as informações fornecidas pelos genes, ficamos sabendo que os chimpanzés são nossos parentes mais próximos [...], que os espanhóis bascos não têm laços de parentesco com outros euroasiáticos e talvez sejam descendentes de caçadores indígenas da Europa. [os genes] determinam nossa capacidade de linguagem e parte de nossa habilidade intelectual. [...] E onde entra o livre-arbítrio nessa história? Segundo algumas teorias, ele nasce na sociedade. A liberdade surgiria de parte de nossa natureza que não é determinada pelo material genético [...] Alguns insistem, porém, que é possível superar esse determinismo genético e agarrar a flor mística da liberdade. Mas esse raciocínio não passa
58 Escritor científico de genética e comportamento humano.
74
de uma substituição do determinismo genético pelo determinismo
social, o que me parece desolador. (RIDLEY, 200059)
Escolha trechos desse texto que mais tenham chamado sua atenção e elabore uma argumentação para ser discutida com seus colegas e professores. (LAURENCE, 2005, p.641).
Laurence usa uma fotografia (ocupando quase a metade da área da página) que
retrata a diversidade fenotípica da espécie humana, mas não se vale dos termos raça ou
etnia. A não ocorrência dos termos raça/etnia é um indício de que o autor tinha o
propósito de não induzir ou reforçar a idéia de raças na espécie humana, o que evidencia
a categoria FB:
(LAURENCE, 2005, p. 679).
A discussão do conceito de espécie biológica – dentro do item especiação do
capítulo sobre teorias evolutivas – é um ponto positivo do discurso do autor, que, ao
invés de trazer um conhecimento pronto, procura fazer com que o aluno, ao refletir
sobre os diversos conceitos de espécie, construa seu próprio conhecimento. Dos
59 RIDLEY, M. trecho de artigo publicado na revista Time e traduzido em encarte do jornal Folha de S. Paulo, 24 de fevereiro de 2000.
75
variados conceitos de espécie, o autor inclui o conceito filogenético60, que deriva de um
campo relativamente recente da Biologia, a Sistemática Filogenética ou Cladística61.
Embora tal conceito não seja fundamental nesta dissertação sobre raças biológicas e
raças humanas, ressalto que Laurence procura trazer para o livro didático informações
acadêmicas atualizadas.
A categoria PE1 é evidenciada quando o autor emprega o termo população (ao
invés de utilizar os termos raça ou subespécie) para tratar do isolamento geográfico e
reprodutivo, no texto principal e na ilustração:
(LAURENCE, 2005, p. 686).
Embora o livro de Laurence não explicite a relação entre DNA mitocondrial e
processos evolutivos (o que configuraria a categoria PE3), é positiva a presença da
informação sobre a herança materna exclusiva do DNA mitocondrial (p. 137),
permitindo ao docente utilizá-la ao se referir a estudos de genética populacional
humana, tais como os de Pena (2000; 2002).
Em síntese, o livro apresenta duas ocorrências de TC2 que são contrabalançadas
pela ausência de PE2; além disso, há a presença das categorias AC e IH1, o que são
pontos positivos no livro-texto de Laurence.
60 “Uma espécie é formada por populações de indivíduos que compartilham uma ou mais condições derivadas”. 61 Desenvolvida teoricamente a partir da década de 1950 por W. Hennig (Cf. AMORIM, 2002).
76
4.2.1.3 – Livro Biologia: volume único – Linhares e Gewandsznajder (2005).
Os autores utilizam com freqüência, ao longo do texto principal e em exercícios,
termos como subespécie, variedade e raça num contexto de classificação biológica e de
processo evolutivo, o que assinala a categoria TC1.
Em dois momentos de seu discurso, os autores ressaltam concepções relativas a
raças humanas. No primeiro momento, ocorre uma discrepância conceitual entre
excertos – situados em parágrafos distintos – e também, internamente, no primeiro
excerto:
[...] a diferença de DNA entre dois seres humanos é muito pequena – menos de 0,2% - mesmo que sejam de grupos étnicos diferentes. Essa é uma prova de que o conceito de raça é biologicamente insustentável. (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2005, p. 95).
O exame de ancestralidade genômica é capaz de revelar as origens de uma pessoa. (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, ibid.).
No primeiro excerto, ao mesmo tempo em que os autores apontam a inexistência
de raças (categoria TC3), afirmam que há grupos étnicos diferentes. Na falta de uma
definição do que vem a ser grupo étnico, configura-se uma situação de discrepância
conceitual que confunde o leitor. No segundo excerto, os autores informam que as
“origens” de uma pessoa podem ser descobertas por exame de ancestralidade genômica.
Em primeiro lugar, não fica esclarecido de quais “origens” se tratam. Serão origens
geográficas? Em segundo lugar, não detalham o dito exame, como é realizado, se a
referência é o DNA mitocondrial ou nuclear. Além disso, há uma incongruência entre os
conceitos da inexistência de raças – explícito no primeiro excerto – e um exame que é
capaz de informar a “origem” de uma pessoa.
No segundo momento, que é ressaltado num quadro intitulado Biologia e
Sociedade – Raças na espécie humana?, os autores se posicionam mais uma vez sobre a
não existência de raças humanas (categoria TC3). Afirmam a possibilidade de
considerar a existência de raças [!] – biológicas ou humanas – se houvesse um número
de características exclusivas ou bem mais freqüentes numa população em relação a
outra. Embora não utilizem diretamente o recurso do intertexto, citam dois
pesquisadores evolucionistas estrangeiros para os quais a diferença genética entre duas
77
pessoas é muito pequena. Nesse trecho, distingo novamente a ambigüidade entre
conceitos de raça, origem geográfica e etnia:
Para afirmar que duas populações pertencem a raças ou subespécies diferentes, tem que haver certo número de características genéticas que, em conjunto, sejam exclusivas de uma das populações ou, pelo menos, bem mais freqüentes em uma população do que na outra. No caso da espécie humana, a diferença genética entre as populações é muito pequena. Entre duas pessoas escolhidas ao acaso, a diferença entre seus genes é de apenas 0,2%, independentemente da origem geográfica ou étnica. [...]
Do ponto de vista biológico, não faz sentido falar em raças, uma vez que não houve entre os indivíduos da espécie humana atual isolamento geográfico por tempo suficiente para formar raças ou subespécies. Na realidade, há apenas uma raça humana. (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2005, p. 447).
Logo a seguir, os autores frisam a diversidade da espécie humana como uma
vantagem sob o ponto de vista evolutivo, ao mesmo tempo em que tecem comentários
ético-ideológicos:
A idéia de “raça pura” é não apenas absurda, em relação à espécie humana, como indesejável, pois a variedade genética em uma espécie é importante para a sua sobrevivência, como também é absurdo falar em “raça superior” ou “raça inferior”, ignorando a grande diversidade genética em cada população. Qualquer tentativa de formar uma “raça pura”, de fazer com que todos os indivíduos da espécie humana sejam geneticamente muito parecidos, ameaçaria sua sobrevivência. O racismo, isto é, a idéia de que há raças superiores a outras, não tem base científica. Ele serviu apenas de pretexto para justificar a dominação e a exploração de um grupo por outro. Além de injusta, essa atitude discriminatória acaba levando à violência e à intolerância. Por isso o racismo deve ser combatido com leis severas.
É importante ainda lembrar que nós, da espécie humana, somos capazes de, conscientemente, compreender que a cooperação é importante para todos – independentemente da cor da pele, do sexo, da religião ou da classe social de cada um.
Uma educação que aproxime as pessoas, que valorize a diversidade, que elimine preconceitos, funciona como um antídoto contra o racismo – e todos ganham com isso. (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, ibid.).
Na minha opinião, os autores perderam duas oportunidades de se posicionar
mais claramente sobre temas tão controversos relacionados a raças humanas: a primeira,
quando poderiam ter dito que é reprovável qualquer tentativa de formar uma raça pura,
78
não somente pela questão da ameaça da sobrevivência da espécie humana, mas,
principalmente, por questões éticas; a segunda, quando poderiam citar casos históricos
de racismo, como os do nazismo e da escravidão no nosso país, quando populações a
serem exterminadas ou escravizadas eram “cientificamente” classificadas como
inferiores, pois, naquela época, o racismo não era “apenas um pretexto”, mas, sim, uma
concepção apoiada pela ciência dominante da época.
O livro reproduz uma questão de vestibular que menciona a pouca possibilidade
de efetuar-se especiação em Homo sapiens. Tal exercício pode levar o aluno a supor que
a espécie humana, una geneticamente há milhares de anos, poderia facilmente ter
sofrido divisão em subespécies geográficas, num processo de “raciação” (categoria
PE2):
(Vunesp) A especiação do Homo sapiens tem pouca chance de ocorrer, considerando a atual condição da espécie humana. Assinale a afirmação que melhor sustenta essa hipótese:
a ) A ciência moderna tem eliminado as mutações humanas b ) Os medicamentos atuais diminuem a incidência de
doenças. c ) Os postulados de Darwin não se aplicam à espécie
humana. d ) As alterações ambientais que favorecem a especiação são
cada vez menores. e ) Os meios modernos de locomoção e comunicação têm
diminuído ou eliminado os isolamentos geográficos.” (LINHARES e GEWANDSZNAJDER, 2005 p. 449).
O livro usa várias vezes os conceitos de raça e subespécie, muitas vezes os
relacionando a processos evolutivos, o que é verificado nas altas freqüências das
categorias TC1 e PE1. A presença de TC3 e TC2 e a ausência de AC no mesmo local (p.
95) sugerem que os autores utilizaram o termo grupo étnico num sentido eufêmico,
como assinalam Levy, Selles e Ferreira (2006). A presença de TC3, IH1 e IH2 é
relevante para o desenvolvimento curricular de conceitos ideológicos e históricos
referentes a raças humanas, racismo, etc.
4.2.1.4 – Biologia: volume único – Lopes e Rosso (2005).
O livro considera subespécie [geográfica e/ou raça?] como uma categoria de
classificação: Outra categoria taxonômica não-obrigatória e que é inferior à espécie é
a subespécie.(LOPES e ROSSO, 2005, p. 181). Mesmo que os autores considerem a
79
subespécie como uma categoria não-obrigatória, ocorre uma contradição entre esse
conceito e o excerto a seguir, que trata da Sistemática Filogenética, para a qual não há
subespécies:
Espécie é uma população ou grupo de populações definidas por uma ou mais condições derivadas, constituindo o menor agrupamento taxonômico reconhecível. (LOPES e ROSSO, 2005, p. 184).
Destaca-se no livro a exposição das duas principais escolas de classificação62, o
que evidencia que a sistemática é uma área da Biologia em constante modificação _
exemplo de que o conhecimento científico não é absoluto e dogmático, mas se altera, no
tempo, com a revisão, refutação e superação de métodos, tecnologias, hipóteses e
teorias.
Os autores não mencionam os conceitos de raça, variedade ou linhagem ao
comentar sobre a seleção artificial em técnicas de reprodução seletiva que objetivam o
melhoramento genético de espécies comercialmente importantes (p. 429).
Num quadro intitulado Genoma – o que é e o que tem sido feito, Lopes e Rosso
informam que o texto foi uma adaptação realizada por eles (a partir do sítio
www.ufrgs.br e de artigo publicado na Revista USP no. 24, 1995), o que não configura,
na minha opinião, um caso de intertexto. Nota-se o emprego dos termos raça e etnia,
sem explicação ou comentário: “[...] O princípio da igualdade rege o acesso igual aos
testes [genéticos], independentemente de origem geográfica, raça, etnia e classe
socioeconômica.” (LOPES e ROSSO, 2005, p. 431).
Pode-se distinguir a categoria FB em dois quadros (p. 469) que representam os
fenótipos e genótipos de cor da pele humana (NNBB, negro; nnbb, branco, etc),
encontradiços nos livros de ensino médio e já comentados anteriormente nesta
dissertação.
O livro menciona de forma heterogênea os diversos agrupamentos humanos na
seção Programas de triagem populacional. Ora os autores valem-se de termos relativos
a raça ou etnia (caucasiano, afro-americano), ora utilizam o local onde as populações
habitam (judeus de Israel; indivíduos do Chipre):
62 A Sistemática Evolutiva ou Gradista, que é a mais antiga e tradicional, e a Sistemática Filogenética ou Cladística.
80
[...] Há muitos anos foi criado o programa de triagem populacional para adolescentes judeus ortodoxos ashkenazim, originários da Europa central e do Leste europeu. Nesse grupo é alta a incidência da doença de Tay-Sachs, causada por alelo recessivo. [...] Cerca de 50 mil jovens desse grupo de judeus de Israel, dos estados Unidos, do Canadá e de vários países da Europa já foram testados. Alguns centros de Inglaterra estão realizando testes para fibrose cística, uma doença autossômica recessiva grave, particularmente comum entre caucasianos. Um programa considerado um sucesso foi o de triagem populacional realizado em Chipre, para se identificarem portadores da talassemia [...] Entretanto, nem sempre o programa de triagem populacional é bem aceito. Foi o que ocorreu na década de 1970 nos Estados Unidos, quando o governo instituiu para os afro-americanos um programa de triagem para a doença anemia falciforme. Essa doença, comum em pessoas de ascendência africana, é causada por alelos com dominância incompleta [...] Pela falta de informações e de aconselhamento, o programa levou a uma discriminação contra os portadores do gene na comunidade negra, alterando as possibilidades de emprego e seguro-saúde. (LOPES e ROSSO, 2005, p. 503).
É interessante observar que os autores voltam a citar a anemia falciforme no
capítulo sobre teorias de evolução, mas sem se referirem expressamente à “comunidade
negra”:
Em condições normais, o alelo para anemia falciforme sofre forte efeito seletivo negativo, ocorrendo com baixa freqüência nas populações. Observou-se, no entanto, alta freqüência desse alelo em extensas regiões da África, onde há grande incidência de malária. (LOPES e ROSSO, 2005, p. 518).
O livro reproduz questão de vestibular63 que menciona a pouca possibilidade de
se efetuar especiação em Homo sapiens (LOPES e ROSSO, 2005, p. 537). Tal exercício
pode levar o aluno a supor que nossa espécie poderia se dividir em subespécies
geográficas por um processo de “raciação”, o que caracteriza a categoria PE2.
O manual didático de Lopes e Rosso apresenta as categorias não desejáveis TC2
e PE2; além disso, há a ausência das categorias propícias ao desenvolvimento de
racismo, darwinismo social e eugenia (IH1, IH2, IH3), o que torna o livro pouco
indicado para tratar do tema curricular raça.
63 Questão da Vunesp, que ocorre igualmente no livro de Linhares e Gewandsznajder (2005) e reproduzida na p. .
81
4.2.1.5 – Biologia: volume único – Soares (1997).
O livro, na legenda do quadro sobre herança poligênica no homem (p. 246),
considera a cor da pele como um traço étnico; isso evidencia que Soares considera a
existência de raças humanas (categoria TC2), as quais se subdividem, segundo ele, em
grupos étnicos (categoria AC), embora não haja comentários explícitos das
características [culturais] desses grupos:
(SOARES, 1997, p. 246).
Contrastando com o quadro acima, no texto a seguir, que desenvolve o conceito
de gene pool64 (ilustrado pela fig. 459), identifica-se a presença das categorias TC2 e
AC:
64 A expressão gene pool pode ser substituída, preferencialmente, pela expressão genoma populacional, como preconizava o prof. Johann Becker nas suas aulas de Genética Ecológica, durante minha graduação em Ciências Biológicas na UFRJ em 1987.
82
(SOARES, 1997, p. 264).
A expressão gene pool, ou fundo genético comum, designa o quadro geral de genes comuns aos indivíduos de uma certa população ou de uma raça. Por exemplo: os genes para pele escura, cabelos grossos e crespos, nariz largo, lábios grossos e pouco desenvolvimento dos cabelos são integrantes do gene pool raça negra, mas não são comuns nas raças branca e mongólica. Você pode concluir que os genes para cabelos louros, para olhos azuis e para lábios finos não fazem parte do gene pool da raça negra, mas, em contrapartida, estão presentes em larga percentagem no fundo genético comum de muitos grupos étnicos da raça branca (nórdicos, por exemplo). O gene pool da raça amarela ou mongólica (chineses, japoneses, coreanos, vietnamitas, esquimós) é bem característico, sendo comuns nele os genes para olhos rasgados, arcadas orbitárias pouco profundas, malares (ossos da face) proeminentes, cabelos negros e muito lisos, rosto amendoado etc. [...] (SOARES, 1997, p. 264).
Este trecho parece não ser um caso de eufemismo do tipo mencionado por Levy,
Selles e Ferreira (2006), pois Soares não explicita e, sim, confunde a distinção entre
etnias e raças ao usar as expressões “grupos étnicos da raça branca” e “raça amarela ou
mongólica (chineses, japoneses, [...]” (Cf. o verbete raça do Dicionário de Soares,
1993, p. 404, mencionado na seção 2.2 desta dissertação).
O livro incorre na categoria FB ao apresentar uma fotografia com pessoas de
diferentes fenótipos:
83
(SOARES, 1997, p. 281).
Esta fotografia pode levar o leitor a valorizar a aparência das pessoas como
critério de distinção racial – fenótipo visível –, que está intimamente ligada às
definições tradicionais de raças humanas.
Causa estranhamento o excerto no qual Soares comenta que olhos azuis e
cabelos louros são “bastante interessantes” para a nossa espécie (categorias FB, PE1 e
IH2):
Na espécie humana também ocorrem mutações. Em algum momento do passado, num lugar qualquer do mundo, durante a cadeia de transformações que levou ao aparecimento do homem na face da Terra a partir de tipos primitivos, talvez bem parecidos com os atuais macacos, seguramente surgiu um mutante com olhos azuis. E não há como negar que, nos dias em que vivemos, as pessoas portadoras de olhos azuis são todas descendentes daquele mutante. O mesmo podemos dizer com relação aos cabelos louros. Não foram essas mutações bastante interessantes para a espécie? Já ao contrário, quando você vê um portador da síndrome de Down (mongolismo), está diante de um mutante. Mas esse mutante revela uma mutação em nada adaptativa. (SOARES, 1997, p. 284).
O fator evolutivo isolamento (geográfico e/ou reprodutivo) parece ser
considerado por Soares (ib. p. 287) como um fenômeno que aproxima, por semelhança
da sua ação sobre as populações, a evolução das espécies domesticadas (de animais e
vegetais) com a evolução da espécie humana. A miscigenação é apontada como um
84
mecanismo que “homogeneíza” as populações humanas. Tais concepções configuram as
categorias TC1, TC2, AC, PE1 e PE2. Sobre isso, o livro exibe dois conjuntos de
fotografias (fig. 486 e 487) e o seguinte texto:
(SOARES, 1997, p. 287).
[...] Quando um mutante se reproduz e generaliza o seu novo fenótipo, pode ocorrer que um grupo de indivíduos com essa nova característica se segregue dos demais indivíduos da população. O grupo segregado pode isolar-se apenas sexualmente (o homem tem provocado essa segregação intensamente em animais domésticos e em plantas, com o fim de procriar ou cultivar variedades especiais comercializáveis) ou, então, naturalmente, por migração para regiões afastadas. [...] Se não ocorrer o isolamento, a nova característica mutante se diluirá entre as outras características preexistentes na espécie e não haverá uma bifurcação para dois tipos de indivíduos. Foi o que sucedeu com a espécie humana. Inicialmente, vinha ela se diversificando em numerosos grupos étnicos. Seguramente, se tivesse ocorrido segregação sexual ou geográfica entre esses grupos, eles continuariam evoluindo para espécies distintas. Mas a civilização, incentivando o contato entre os povos e facilitando a miscigenação entre eles, parou com o processo de especiação. Agora, qualquer
85
mutação que ocorra num indivíduo da raça negra, por exemplo, poderá em breve estar presente num outro da raça branca ou da raça mongólica, porque os indivíduos dessas raças cruzam-se entre si. E assim sendo, os grupos étnicos humanos, ainda que possam evoluir, estarão sempre evoluindo no sentido da transformação da espécie Homo sapiens, mas nunca no sentido da diversificação dessa espécie em três ou mais novas espécies. (SOARES, 1997, p. 286 e 287).
Soares considera várias subespécies fósseis que compuseram a história evolutiva
da espécie Homo sapiens. Tais subespécies, como Homo sapiens sapiens (nossa
“subespécie” atual), Homo sapiens neanderthalensis, Homo sapiens rhodesiensis, são
enumeradas em figuras nas p. 298, 299 e 302, o que configura a categoria TC1.
A categoria TC1 é a mais freqüente, pois o livro considera subespécies dentro de
Homo sapiens, assim como raças animais e variedades vegetais. Há uma relação entre
PE1 e PE2 e os mecanismos de isolamento geográfico, inclusive na espécie humana. Há
uma coerência entre a ausência de TC3 e a ocorrência de TC2, o que corrobora a crença,
pelo autor, na existência de grupos raciais humanos, que vai de encontro ao que
preconizam os PCN+. As categorias IH1, IH2 e IH3 não ocorreram neste livro,
evidência de que Soares não verbaliza sobre racismo, eugenia e a “democracia racial
brasileira”, embora mencione a miscigenação que ocorreu no país. Ao invés de Soares
comentar os nefastos efeitos das concepções eugênicas sobre as sociedades, causa
estranhamento o seu discurso que ressalta o “valor” das mutações que originaram os
olhos azuis e os cabelos louros nos ancestrais da nossa espécie, e isto parece indicar que
o autor era partidário de idéias eugênicas ou, pelo menos, que ele reforçava valores
eurocêntricos.
4.2.1.6 – Biologia: volume 3: Biologia das populações – Amabis e Martho (2004).
O livro ressalta a variabilidade de fenótipos nas espécies do homem e do cão,
assim como diversas tonalidades de pele em pessoas que tiveram diferentes exposições
ao sol, o que caracteriza a categoria FB:
86
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 34).
Quando desenvolvem a genética humana da cor da pele e dos olhos, os autores
não mostram um enfoque homogêneo: ora verbalizam o aspecto fenotípico, ora esse
aspecto é acompanhado de referências raciais-étnicas (categorias FB e TC2):
Herança da cor da pele na espécie humana O modelo mais simples para explicar a herança da cor da pele na espécie humana classifica as pessoas em cinco fenótipos básicos: negro, mulato-escuro, mulato-médio, mulato-claro e branco. Essas cinco classes fenotípicas seriam controladas por dois genes, cada um com dois alelos (Aa e Bb). (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 84).
Quadro Genética da cor dos olhos na espécie humana Os recém-nascidos de etnia caucasiana apresentam sempre
olhos claros, que podem se tornar progressivamente mais escuros à medida que os melanócitos da íris produzem melanina. Os recém-nascidos latinos e de etnias negróide ou asiática já apresentam olhos escuros ao nascer. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 86).
Amabis e Martho mencionam raças “puras” de cães (a foto a seguir ilustra o
excerto), o que caracteriza uma ocorrência de TC1:
As raças puras, das quais muito se ouve falar, são linhagens altamente homozigóticas que produzem indivíduos com mesmas características fenotípicas, geração após geração. Os indivíduos dessas raças são semelhantes entre si porque possuem genótipos semelhantes, homozigóticos para muitos dos seus genes. (AMABIS e MARTHO, 2004, p.161).
87
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 161).
Observa-se o termo raça quando os autores introduzem a história das idéias
evolucionistas, ao citar o título da obra de Darwin “Sobre a origem das espécies por
meio da seleção natural, ou a preservação das raças favorecidas na luta pela
sobrevivência.” (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 184). Ao mencionar as conclusões de
Darwin sobre a fauna e flora do arquipélago de Galápagos, utilizam o conceito de
variedade em contexto de processo evolutivo por seleção natural (categoria PE1): Em
cada uma das ilhas, as populações colonizadoras sofreram adaptações específicas,
originando variedades ou espécies. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 189). A mesma
acepção deste conceito ocorre na p. 190. Ainda nesta página, os autores citam o termo
raça numa analogia entre os conceitos de seleção artificial e natural:
Da mesma forma que os criadores selecionam reprodutores de uma determinada variedade ou raça, permitindo que se reproduzam apenas os que têm as características desejadas, a natureza seleciona, nas espécies selvagens, os indivíduos mais adaptados às condições reinantes. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 190).
O excerto supracitado relaciona-se com a figura na qual são citadas as
variedades artificiais de pombos produzidas pelo próprio Darwin:
88
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 190).
O livro exibe uma fotografia com pessoas de diferentes fenótipos (categoria FB),
mas os autores não mencionam a inexistência de raças humanas, nem mesmo na legenda
trazendo a informação de que as diferenças individuais na espécie humana são da ordem
de 0,1% do DNA. A foto parece retratar pessoas que correspondem à “tradicional”
divisão em raças caucasóide, negróide e mongolóide:
89
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 209).
Pode-se supor uma dificuldade dos autores em tratar o tema, porque, se fazem
menção à ínfima diferença genética entre as pessoas, não explicitam a inexistência de
raças biológicas na espécie humana (categoria TC3) e valem-se da referida foto que
sugere uma visão tipológica de raças.
No capítulo sobre teoria moderna da evolução, Amabis e Martho, ao tratarem da
anemia falciforme (siclemia) e da malária, parecem considerar a existência de grupos
raciais ao utilizar os termos “populações negras” e “afro-americanos”. Nesse local,
observo a ocorrência de duas categorias, relativas à seleção natural (PE2) e à migração
de populações (PE3):
[...] Na ausência da doença, o alelo s será progressivamente eliminado da população, pois as pessoas homozigóticas para a siclemia continuarão a morrer de anemia. Foi o que aconteceu com populações negras que viviam em áreas de malária endêmica, na África, e que foram levadas como escravas para a América do Norte, onde a doença é praticamente inexistente. Nos afro-americanos descendentes dessas populações, a freqüência do alelo s vem diminuindo progressivamente ao longo das gerações. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 219).
Os autores relatam, como exemplo para o princípio do fundador (categoria PE3),
o caso da migração de comunidades religiosas alemãs para os Estados Unidos. Pode-se
notar um contraste ao excerto anterior, pois, em relação àquelas comunidades, são
90
ressaltados valores culturais, mas não são usados termos de conotação racial (“raça
causasóide”, “população branca”):
[...] Devido a seus costumes e religião, os membros dessas comunidades, chamadas Dunker, mantiveram-se isolados da população norte-americana. [...] As diferenças de freqüência gênica na população Dunker não podem ser atribuídas a fatores seletivos ambientais, pois esses também teriam agido sobre a população norte-americana. A explicação mais plausível é que os Dunker norte-americanos, oriundos da Alemanha, não eram amostra representativa da população alemã, no tocante às freqüências dos genes analisados. [...] (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 230).
Por um lado, ao apresentar o conceito de cladogênese – processo pelo qual duas
populações isoladas diferenciam-se no decorrer do tempo, originando duas novas
espécies –, os autores parecem usar o termo linhagem filogenética em uma acepção
próxima aos conceitos de raça geográfica e de subespécie: “As duas populações, ou
linhagens filogenéticas, que originalmente pertenciam a uma mesma espécie, são
chamadas de clados.” (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 241). Por outro lado, ao
tratarem do conceito de espécie biológica, comentam sobre o conceito tipológico de
espécie, que consiste na existência de um padrão bem definido para cada espécie de ser
vivo, e utilizam o termo raça:
[...] Em alguns casos, esse conceito ainda é empregado; por exemplo, em concursos de animais, utilizam-se vários critérios morfológicos para escolher o vencedor, que seria o representante mais típico de uma raça ou espécie. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 243).
Na mesma página, há foto de três cães de raças diferentes com a seguinte
legenda:
91
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 243).
Cães de raças distintas são capazes de se cruzar e produzir descendentes férteis. Apesar de as diferenças de tamanho limitarem certos cruzamentos entre raças, os cruzamentos intermediários possibilitam, potencialmente, que alelos originalmente surgidos em um cão Golden Retriever possam se reunir aos de um Chiuaua. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 243).
Quando Amabis e Martho destacam o conceito de subespécie, relacionando-o
explicitamente ao termo raça, dão como exemplo o caso de duas subespécies de girafas
africanas e se valem de um exemplo esquemático no qual representam uma espécie
ancestral formando duas raças, uma adaptada à montanha, e outra, a um lago (categoria
PE1). Neste ponto do livro, os autores não mencionam a inexistência (ou existência) de
raças ou subespécies humanas:
92
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 244).
O conceito de subespécie [subtítulo de capítulo] Subespécies, ou raças, são populações de mesma espécie que
diferem entre si quanto a determinadas características. [...] A formação de subespécies representa uma etapa de transição na origem de novas espécies, como veremos adiante. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 244).
O livro faz referência ao homem de Neandertal (no quadro denominado Os
neandertalenses, p. 278) quando trata ancestralidade humana. Os autores não
consideram esses hominídeos como uma subespécie humana65 (Homo sapiens
neanderthalensis, o que configuraria a categoria TC1), mas, sim, como uma outra
espécie, o Homo neanderthalensis. O texto faz uma relação direta entre o clima e a
65 Diferentemente do que escreveram em obra anterior: [...] Atualmente, entretanto, admite-se que o homem de Neandertal constituiu apenas uma raça diferenciada dentro da espécie humana. Assim, considera-se este grupo como uma subespécie extinta da raça humana, denominada Homo sapiens neanderthalensis. AMABIS, J. M. e MARTHO, G. R. Curso Básico de Biologia: Genética, Evolução e Ecologia. São Paulo: Moderna, 1985. p. 246.
93
compleição física dos neandertalenses (categoria PE2): “As características físicas, como
o corpo e os membros curtos e compactos, indicam adaptação ao clima frio da Europa,
na época em que viveram.” (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 278). O excerto
mencionado pode sugerir aos alunos a suposição simplista e superficial de que o clima e
o ambiente “moldaram”, por seleção natural, as diversas raças humanas, como afirmava
Coon66 (1962), idéia que incorre na categoria PE2. Uma figura representa a irradiação
do Homo sapiens para as diversas partes do mundo ao longo de milhares de anos (p.
279); a esta figura os autores não fazem nenhuma menção sobre pesquisas de
ancestralidade genética baseadas em estudos de DNA (PENA, 2000; 2002), o que
poderia contrastar com concepções raciais humanas apresentadas em outros pontos do
livro:
(AMABIS e MARTHO, 2004, p. 279).
Ainda em referência às espécies fósseis relacionadas ao Homo sapiens, Amabis
e Martho valem-se de um intertexto67 sobre o Homo floriensis, onde também ocorre a
66 Concepção que parece ser partilhada pelos autores, – citada sob forma de intertexto reproduzido no anexo 26 (palestra de CUNHA, A. B. da, O homem e a raça, Conferências do Instituto Brasileiro de Altos Estudos - IBRAE, 1987) – em dois livros didáticos anteriores: AMABIS, J. M. e MARTHO, G. R. Biologia das Populações: Genética, Evolução e Ecologia. Vol.3. São Paulo: Moderna, 1994, p. 285, e AMABIS, J. M. e MARTHO, G. R. Conceitos de Biologia: Genética, Evolução e Ecologia. Vol.3. São Paulo: Moderna, 2001, p. 128. Os anexos 27 e 28 reproduzem representações de variabilidade fenotípica e de concepção tipológica de raças do livro de AMABIS, J. M. e MARTHO, G. R. A ciência da Biologia. v. 3. São Paulo: Moderna, 1983. 67 ANGELO, Cláudio. “Primo anão do homem habitou Indonésia.” Folha de S. Paulo, 28 out. 2004.
94
mesma idéia do ambiente “moldando” populações (categoria PE2) mas por um
raciocínio lamarckista:
[...] uma raça de pessoas de um metro de altura conviveu em tempos passados com o homem moderno. Trata-se do mais novo membro do gênero humano, cujos fósseis foram desenterrados numa caverna na Ilha de Flores, Indonésia. [...] o H. floriensis era uma espécie anã, cujos adultos não passavam de um metro de altura. Seu crânio abrigava o menor cérebro já visto entre hominídeos – do tamanho do de um chimpanzé. [...] Segundo os cientistas, o nanismo do H. floriensis foi uma adaptação ao ambiente da ilha. Esse fenômeno é comum entre mamíferos ilhéus, que reduzem seu tamanho em resposta à escassez de comida. [Lamarck!] Há ilhas em que elefantes ficam do tamanho de um porco em 5.000 anos, diz Brown. [...] A hipótese preferida do antropólogo é que uma população de H. erectus tenha chegado à ilha e encolhido com o tempo. (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 282 e 283).
Os autores, na seção Evolução e cultura, comentam o desenvolvimento da
linguagem simbólica em paralelo ao desenvolvimento do encéfalo na linhagem
evolutiva hominídea, e ressaltam as representações mentais, a escrita e a cultura como
características do Homo sapiens. Causa estranhamento a ausência do conceito de etnia
no momento em que os autores apresentam uma definição de cultura: “[...] conjunto de
conhecimentos e experiências acumulados pelas populações humanas e transmitidos ao
longo das gerações.” (AMABIS e MARTHO, 2004, p. 280), o que contrasta com a
ocorrência do termo etnia, como uma concepção próxima – e talvez eufêmica – do
conceito de raça humana, em outros pontos do livro.
Autores como Amabis e Martho, assim como Soares, tiveram livros editados ao
longo de décadas68. Suponho que os dois primeiros autores efetuaram modificações –
relativas aos conceitos de raça humana, por exemplo –, com o intuito de afinar seus
textos com as recomendações dos PCN e PCN+. Este seria um caso de transposição
didática externa interferindo no currículo escrito, no caso, o livro didático. Caso que não
pode ocorrer com Soares devido ao seu falecimento em 2001, antes da edição dos
PCN+.
O livro se caracteriza por não se aproximar do que preconizam os PCN+ em
relação a raças humanas, por não haver nenhuma ocorrência da categoria TC3. Ao
68 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues; MIZUGUCHI, Yoshito. Biologia: volume três: Genética, Evolução e Ecologia. São Paulo: Moderna, 1974.
95
contrário, no texto se sucedem várias concepções de tipos raciais (categoria TC2) e não
são observadas as desejáveis categorias IH1, IH2 e IH3.
4.2.1.7 – Biologia: volume 3 – Frota-Pessoa (2005).
O livro inicia-se com uma parte introdutória denominada Ver, fazer, pensar que
sugere atividades práticas individuais ou em grupo. É reproduzida em cores, tomando
área correspondente à metade da página, a pintura Operários de Tarsila do Amaral, com
a seguinte legenda “Observe, no quadro de Tarsila do Amaral, a biodiversidade de nossa
espécie: diferenças como cor dos olhos, cor da pele, bico-de-viúva, espessura das
sobrancelhas e – superando todas as outras – o sexo.” (FROTA-PESSOA, 2005,p. 8). O
autor ressalta a diversidade entre pessoas, mas sem utilizar uma visão tipológica de
raças, o que caracteriza a categoria FB:
(FROTA-PESSOA, 2005, p. 8).
Frota-Pessoa sugere projetos aos alunos com o objetivo de que eles,
individualmente ou em grupo, sejam incentivados a resolver questões relacionadas às
unidades que compõem o livro. No sumário, vemos dois projetos relativos à Genética
molecular:
96
(FROTA-PESSOA, 2005, p. 6).
Causa estranheza a omissão do projeto Miscigenação brasileira: ele inexiste na
p. 51, ao contrário do que ocorre com o projeto relativo a alimentos transgênicos.
Entretanto, o texto do projeto é encontrado na edição anterior do livro (2001), excerto
que se enquadra nas categorias TC2 e PE3:
Projeto 1. Miscigenação brasileira O jornal Folha de S. Paulo comentou, em 16 de abril de 2000, a pesquisa de Sérgio D. Pena e colaboradores da Universidade Federal de Minas Gerais que compara o DNA mitocondrial (situado nas mitocôndrias e não no núcleo das células) de 200 homens e mulheres brancos de várias regiões do Brasil e diferentes níveis sociais. De acordo com os marcadores de DNA que utilizaram, de cada 100 pessoas brancas estudadas, apenas 39 descendem exclusivamente de europeus, 33 têm ascendência índia e 28 ascendência africana. A predominância indígena se explica, porque, por mais de um século, os cruzamentos se deram sem a presença negra. Os pesquisadores concluem que “se os muitos brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso valorizariam mais a exuberante diversidade genética do nosso povo e, quem sabe, construiriam no século 21 uma sociedade mais justa e harmoniosa”. Discuta com seus colegas e com seu professor de história que aspectos sociais, culturais e econômicos contribuíram para nossa miscigenação. (FROTA-PESSOA69, 2001, p. 54).
O texto de Frota-Pessoa se categoriza em TC2 quando relaciona caracteres
dominantes e recessivos diretamente a raças humanas, na seguinte tabela70:
69 FROTA-PESSOA, O. Os caminhos da vida: Biologia no ensino médio: Genética e Evolução. São Paulo, Scipione, 2001.
97
(FROTA-PESSOA, 2005, p. 80).
O autor faz um comentário sobre ética, leis e comportamentos humanos que
caracteriza a categoria IH1. O excerto de interesse está num conjunto de sete parágrafos,
os quais recebem título em destaque gráfico:
As leis emanam dos cidadãos, que, por isso, devem ponderar e opinar [...] No século 19, a moral, tanto dos costumes como da lei, aceitava a escravidão, o racismo, a discriminação sexual. Entretanto, as ideologias libertárias incendiaram o povo, a partir da Revolução Francesa, e prepararam o caminho para a abolição da escravatura, o sufrágio universal, a revolução sexual, o divórcio, as leis anti-racistas, o respeito às minorias e as delegacias da mulher.[...] (FROTA-PESSOA, 2005, p. 101).
Na seção A ciência em marcha, no item Os genes e o ambiente, é observada uma
incongruência entre TC2 e PE3: “[...] Obtenha dados sobre a freqüência da siclemia em
negros e brancos do Brasil para verificar se os antepassados dos negros vindos da África
para o Brasil viveram, por muito tempo, em zonas de malária endêmica.” (FROTA-
PESSOA, 2005, p. 103).
Ao discorrer sobre Engenharia Genética, o autor menciona o conceito de raça
relacionado a evolução de hominídeos (categorias TC2 e PE2):
A amplificação gênica por PCR [...] Verificou-se, recentemente, pela comparação do DNA do homem atual (Homo
sapiens) com o DNA tirado de fósseis do Homo neanderthalensis, que as diferenças são grandes demais para que as duas formas tenham sido raças da mesma espécie. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 122).
70 O autor, erroneamente, considera olhos escuros e cabelos negros como caracteres dominantes; tais características têm herança complexa, não monogênica.
98
No texto introdutório à Unidade 5 do livro, Frota-Pessoa menciona, de forma
abrangente, a formação de raças, o que configura as categorias PE1 e PE2: “[...] e a
macroevolução, que é o processo que cria raças, espécies, gêneros e grupos maiores a
partir de uma única espécie.” (FROTA-PESSOA, 2005, p. 136).
O capítulo 14 do livro abarca a formação de raças e espécies, dando ênfase ao
processo de especiação. Estas ocorrências são representativas das categorias TC1, TC2,
PE1, PE2. O título do capítulo, reproduzido abaixo, apresenta um evidente realce
gráfico:
(FROTA-PESSOA, 2005, p. 147).
O autor desenvolve o princípio de Hardy-Weinberg e o conceito de deriva
utilizando-se de um exemplo hipotético que enfoca freqüências gênicas relativas a olhos
azuis e negros em populações humanas que se distribuem em ilhas. Neste ponto, há o
uso expresso do conceito de raça, o que caracteriza a categoria TC2, assim como são
identificadas ocorrências de PE2 e PE3:
[...] Assim, as duas ilhas iniciaram um processo de formação de raças: a menor não possuía mais o alelo a depois da morte da única pessoa de olhos azuis. Na ilha maior, a freqüência de a continuava em torno de 1%. Em teoria, as duas populações passaram a constituir duas raças, já que possuíam pelo menos um alelo com freqüências distintas, devido à perda acidental do alelo a. [...] a deriva genética atua com igual eficácia sobre alelos neutros, que têm o mesmo valor adaptativo de seu antagônico. A deriva pode, portanto, ser a causa de diferenças entre populações ou raças, que a seleção natural não é capaz de explicar. É possível que a deriva genética tenha produzido diferenças de freqüências alélicas entre pequenos grupos tribais, como os que constituem as populações de índios brasileiros. [...] Até o início da colonização da América do Sul, a população ameríndia estava em processo de formação de raças menores, isoladas por barreiras geográficas [...] A imigração dos europeus e dos africanos conturbou esse processo, contrariando a tendência de formação de muitas raças de índios, muito semelhantes, e estabelecendo as bases para a formação de uma “raça brasileira” que apresenta polimorfismo (grande variabilidade). Com o avanço da miscigenação, as freqüências gênicas tendem a ficar cada vez mais semelhantes em toda a área nacional. Nossa biodiversidade aumentou
99
e se espalha por todo o país. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 148 e 149).
É digna de nota a ênfase aos conceitos de raça (em geral), raça geográfica e raças
humanas no intervalo compreendido entre as p. 152 a 156, o qual se compõe de uma
longa seqüência de subtítulos e subseções. Dado o ostensivo destaque que o autor
dedica ao tema raça, passarei a reproduzir, quase que na íntegra, os referidos excertos.
Frota-Pessoa relaciona e entrelaça explicitamente os conceitos de raça biológica, raça
geográfica, raças humanas e processos de raciação. Nos fragmentos a seguir [com seus
subtítulos reproduzidos], podem-se identificar ocorrências de TC1, TC2, PE2 e AC:
Raças são subgrupos de uma mesma espécie que diferem significativamente na freqüência de certos caracteres hereditários e, portanto, na freqüência dos genes que os produzem. Muitas espécies domésticas, como a do cão e a da galinha, têm inúmeras raças que resultaram de seleção artificial. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 152).
Mas também existem, na natureza, espécies divididas em raças, que ocupam áreas geográficas diferentes. Raças geográficas são as que vivem relativamente isoladas por barreiras, mas que, postas em contato, se cruzam dando prole fértil. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 153).
Na espécie humana, duas populações não são consideradas raças diferentes só porque falam línguas diferentes ou hábitos, culturas, crenças ou rituais diversos. Só são raças populações da mesma espécie que diferem nas freqüências de seus genes.
Quando dizemos que os pigmeus da África e os noruegueses são de raças diferentes, referimo-nos aos traços físicos, como estatura e cor da pele, sabiamente produzidos, pelo menos em parte, por alelos diferentes. Certamente eles diferem também pela freqüência de alelos que comandam caracteres bioquímicos, como grupos sangüíneos e muitos outros. A língua que falam ou a religião que adotam são traços culturais.
Chamamos de etnias ou grupos étnicos duas populações que diferem culturalmente, tenham ou não a mesma composição genética. É impróprio, embora comum, usar esses termos como sinônimos de raças.
As raças não são grupos estáticos. Elas são estágios da evolução, em mudança constante, a longo prazo. Seu destino é se tornarem espécies distintas, se permanecerem isoladas, ou se fundirem em uma espécie única, de variabilidade maior, no caso de se romperem as barreiras que as separavam. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 153).
100
Podemos batizar com nomes especiais apenas duas ou três raças humanas, ou vinte, ou trinta, e em todos os casos estaremos certos.[!] O importante é reconhecer que a espécie humana, como as demais [espécies biológicas], é dividida em alguns grupos raciais maiores; estes, por sua vez, se subdividem em raças menos distintas, e a subdivisão continua até chegarmos a populações que não apresentam quase nenhuma diferença.
No sistema de nomenclatura usado pelos biólogos, só se acrescenta um terceiro nome latino ao nome de espécie quando as raças já estão bastante diferenciadas, muito isoladas e habitam regiões geográficas distintas, isto é, quando estão em isolamento
geográfico. Tais raças geográficas se chamam subespécies. Elas representam o último estágio evolutivo antes do estabelecimento dos mecanismos de isolamento reprodutivo. Apenas não se cruzam porque estão isoladas, mas, se colocadas juntas, são capazes de produzir híbridos férteis. [...] (FROTA-PESSOA, 2005, p. 153).
Só se pode reconhecer a existência de uma raça contrastando seus traços hereditários com os de outra, da mesma espécie. Durante o longo e contínuo processo de formação de raças, vão-se formando raças dentro de raças, que vão ficando cada vez mais diferentes entre si.
Que grau de diferença é suficientemente grande para que duas populações sejam consideradas raças distintas? Essa decisão é arbitrária, porque as diferenças são, de início, insignificantes e vão aumentando gradualmente, enquanto persistir o relativo isolamento entre as populações. Assim, podemos considerar os habitantes da Itália e da Grécia como pertencentes a uma raça mediterrânea, em contraste com as populações escandinavas. Ou então, em um estudo mais minucioso, que revele diferenças significativas, por exemplo, nas freqüências dos grupos sangüíneos, é igualmente válido considerar as populações da Itália e da Grécia como pertencentes a raças diferentes. [!] (FROTA-PESSOA, 2005, p. 154).
A enorme diversidade genética entre as pessoas de uma mesma raça deixa claro que raça é um termo coletivo. “Raça caucasóide” designa uma população e não uma pessoa. A rigor, portanto, dizer que “fulano é nórdico” só é aceitável como
101
condensação de “fulano pertence à raça nórdica”. Um sueco braquicéfalo, de estatura baixa e cabelos e olhos escuros, pertence à raça nórdica tanto quanto seu vizinho que apresente traços opostos, apesar de os nórdicos se parecerem, em sua maioria, com o vizinho.
A diferenciação de raças (raciação) pode levar à especiação (formação de espécies). No caso humano, isso não aconteceu porque o avanço da tecnologia abalou as barreiras geográficas e facilitou as migrações em massa e a miscigenação. Dentro do futuro previsível, continuaremos formando uma única espécie, enriquecida pela diversidade genética que a raciação promoveu.
As grandes migrações produziram alterações rápidas das freqüências gênicas de muitas populações. Antes da descoberta das Américas, os brasileiros pertenciam ao tronco racial mongolóide (amarelo), junto com várias populações asiáticas, mas os imigrantes vindos da Europa e da África alteraram radicalmente a raça brasileira, introduzindo nela as freqüências gênicas dominantes naqueles continentes.
Porém a migração africana para a Argentina foi pequena, de modo que suas freqüências gênicas ficaram diferentes das nossas, o que justifica diferenciar-se raça Argentina e raça brasileira. [!] (FROTA-PESSOA, 2005, p. 154).
Em seu relacionamento social, o homem apresenta duas tendências opostas e complementares: a da solidariedade e a do antagonismo. Ambas têm base genética, reforçada pela cultura. A solidariedade representa uma extensão do instinto de proteção à prole, sem o qual a humanidade não sobreviveria. O antagonismo deriva da agressividade contra o estranho, para preservar e favorecer a família.
O desenvolvimento da cultura ampliou o círculo da solidariedade para abarcar, sucessivamente, parentes mais distantes, a tribo, a nação e o total da humanidade, de modo que, embora mais solidários com os íntimos, não negamos apoio a associados mais afastados. Portanto, pelo menos até certo ponto, é natural que sejamos protetores de parentes, bairristas e solidários com os membros de nossa profissão.
Ao longo da evolução social, embora com altos e baixos, a solidariedade vem sobrepujando a agressividade. Aboliram-se a inquisição e o colonialismo, a monarquia absoluta e a escravidão física. A ética hoje dominante exige o respeito às minorias, em uma atmosfera democrática, sem discriminações. Entretanto, ainda se insinuam, aqui ou ali, atitudes racistas, que destoam dessas tendências. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 155).
No fragmento a seguir, Frota-Pessoa não faz menção a genes recessivos e a
genes em baixa freqüência, que poriam por terra uma “raça pura”. Não há referência,
também, à pureza e supremacia racial idealizada pelos nazistas, nem às idéias
102
eugênicas. O autor não faz alusão a pesquisas de ancestralidade genômica focadas em
humanos, mas cita estudos71 com DNA mitocondrial de papagaios, araras e outros
psitacídeos que evidenciam os parentescos filogenéticos entre estes animais. (p. 157).
São observadas ocorrências das categorias TC2, TC3 e PE2 no trecho:
Aplicado aos animais, o conceito de raça pura – uma raça cujos representantes são geneticamente muito semelhantes – é realístico e útil. As raças puras de cavalos, porcos, galinhas e outros animais premiados em exposições são produzidas por intensa e persistente seleção artificial. Consegue-se. Assim, notável uniformidade de muitos traços físicos e de tendências de temperamento a ponto de ser habitual chamá-las de raças puras.
Se nossa espécie fosse submetida a uma seleção artificial rigorosa, o que é eticamente inadmissível, seriam formadas raças puras, com indivíduos muito parecidos. Mas a seleção natural só consegue formar raças homogêneas quanto a poucos alelos, e não impede que, quanto aos demais, a diversidade seja quase tão grande dentro de uma raça quanto entre elas. Por isso, não existem, nem nunca existiram, raças humanas puras.
Na espécie humana, existem raças naturais, mas não raças puras. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 155).
Os excertos abaixo descrevem um modelo explicativo para a formação de raças e
há um destaque em relação à espécie humana, o que denota as categorias TC1, TC2,
PE1 e PE2:
[...] Alelos que eram inferiores no antigo ambiente puderam mostrar utilidade e aumentaram de freqüência. Novas mutações e combinações de alelos, trabalhadas pela seleção natural, foram tornando a população cada vez mais adaptada ao novo ambiente e mais diferente da população da qual se separou. Formaram-se, assim, duas raças, com características genéticas um tanto diferentes.
Duas raças geograficamente isoladas evoluem independentemente e se diversificam cada vez mais. Chegam a um ponto em que as diferenças nos órgãos reprodutores, ou nos instintos sexuais, ou no número de cromossomos, são tão grandes que o cruzamento entre elas se torna impossível. Estabeleceu-se o isolamento reprodutivo e as duas raças se tornaram duas espécies (especiação), incapazes de trocar genes.
Daí por diante, mesmo que as barreiras desapareçam e as espécies passem a compartilhar o mesmo território, não haverá mais cruzamentos viáveis entre elas [...]. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 156).
71 do Instituto de Biociências da USP.
103
(FROTA-PESSOA, 2005, p. 156).
[...] Por outro lado, se o isolamento geográfico entre as raças desaparece após algum tempo, antes que a especiação se complete, o cruzamento entre elas volta a fundir os dois grupos em um só com maior variabilidade genética. É isto que está acontecendo com a nossa espécie.
As raças humanas se diferenciaram enquanto as barreiras naturais eram muito difíceis de vencer e quase chegaram ao ponto de formar espécies distintas. Mas os meios de transporte se aperfeiçoaram antes de se instalarem mecanismos de isolamento reprodutivo entre as raças. Os cruzamentos interraciais se tornaram freqüentes e a humanidade tende a tornar-se cada vez mais miscigenada.
Dentro do futuro previsível, continuaremos formando uma única espécie, enriquecida pela diversidade genética que a raciação promoveu. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 156).
Ainda em relação a raças, mas sob um prisma ideológico, o livro apresenta um
intertexto (WAGLEY, 1952) que tem por assunto a “democracia racial”72. É
interessante registrar que Frota-Pessoa já tinha utilizado o discurso de Wagley (ibid.) na
72 Noção elaborada pelo antropólogo Gilberto Freyre, nos anos 1930, para quem o Brasil era uma nação racial e culturalmente miscigenada, concepção que passou a vigorar como uma ideologia não oficial do Estado. (SCHWARCZ, 1993, p. 248).
104
forma de um intertexto em seu livro Biologia na Escola Secundária (1972, p. 587 e
58873). No livro didático em análise (2005), Frota-Pessoa reutiliza grande parte do texto
de Wagley de 1952, no qual identificam-se as categorias TC2, IH1, IH2 e IH3:
O problema racial no Brasil O Brasil é famoso no mundo por sua democracia racial.
Através de sua enorme área de meio continente, o preconceito e a discriminação raciais são tênues comparados com a situação em muitos outros países. Três estoques raciais – o índio americano, o negro e o caucasóise europeu – misturaram-se e cruzaram-se no Brasil para formar uma sociedade em que as tensões e conflitos raciais são especialmente brandos, a despeito da grande variabilidade racial da população.
Além disso, no Brasil, não se desenvolveu, à parte desses primórdios escravocratas, uma sociedade de castas com barreiras rígidas entre os grupos raciais, como aconteceu nos Estados Unidos e nas Ilhas Ocidentais Britânicas. No Brasil, à medida que o negro e o mulato ganhavam sua liberdade, eram também investidos de direitos de cidadania e passavam a tomar parte na visa pública. Numerosas figuras de ascendência negra completa ou parcial tornaram-se importantes na vida cultural e política brasileira e hoje ocupam posições altas numa sociedade em que as tensões e os conflitos raciais não impõem um custoso tributo à vida nacional ou aos indivíduos. Pode-se dizer que, hoje, o Brasil não tem um “problema racial”, no mesmo sentido dos que existem em muitas outras partes do mundo; pessoas de três estoques raciais e misturas de todas as variedades desses estoques vivem no que se pode considerar como relações essencialmente pacíficas. Todos são brasileiros, orgulhosos de sua imensa nação, e compartilham seus numerosos problemas e potencialidades.
Isso não significa, entretanto, que todos os brasileiros têm direitos e vantagens iguais. Na verdade o Brasil é um país de impressionantes contrastes sociais. (...)
Além disso, os brasileiros, conscientes das realidades sociais em seu país, não negam a existência de certo preconceito racial e de uma forma atenuada de discriminação racial, crescente em certas áreas. Certos estereótipos a atitudes tradicionais no Brasil indicam menosprezo pelo negro e pelo mulato. São também conhecidas as barreiras que se opõem à ascensão social das “pessoas de cor”, descendentes dos escravos. A discriminação crescente em centros como São Paulo e Rio de Janeiro fez com que o Congresso Nacional votasse uma lei que tornou a discriminação racial criminosa. Não obstante, a maioria dos brasileiros sente-se orgulhosa de sua tradição de igualdade racial e da heterogeneidade racial de seu povo. Eles consideram as relações essencialmente pacíficas que existem em seu país entre as pessoas de diversos grupos raciais como uma grande vantagem que o Brasil leva sobre a maioria das nações ocidentais. Será mais fácil superar o atraso industrial, tecnológico e mesmo
73 Para comparação, estas páginas são reproduzidas nos anexos 27 e 28. Do mesmo Biologia na Escola Secundária (1972), são reproduzidas fotografias que ilustram “a falta de preconceito racial e a democracia racial no Brasil” e dois “extremos raciais da espécie humana” [anexos 29 e 30].
105
educacional no Brasil, do que em regiões do mundo onde a população é dividida por clivagens raciais. Os brasileiros têm a preservar uma importante tradição quanto aos seus padrões interraciais. WAGLEY, C., na introdução de Race and class in rural Brazil. Paris: UNESCO, 1952. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 166 e 167).
O livro de Frota-Pessoa dá ênfase, mais uma vez, aos conceitos de raça humana
e migração ao desenvolver o isolamento e o fluxo gênico como importantes fatores
evolutivos. Registram-se as categorias TC2, PE2 e PE3:
Antes de 1500, o Brasil era habitado exclusivamente por índios. Com a chegada dos portugueses, abriu-se o caminho para uma imigração maciça de europeus e africanos. Hoje as características da população brasileira são radicalmente diferentes das que compunham a população autóctone. Sua composição genética se modificou por causa dos genes trazidos pelos imigrantes. Esse exemplo de fluxo gênico mostra como a migração, fazendo confluir diferentes estoques raciais, é um fator importante na modificação genética das raças. [...] Se os ancestrais dos nossos índios não tivessem se isolado geograficamente do resto da população mongólica, não teria sido possível a diferenciação da raça ameríndia. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 186).
O discurso prossegue ainda insistindo nas concepções de raça, migração,
barreiras geográficas e miscigenação, mas novamente se identifica a ausência de
comentários sobre pesquisas de ancestralidade genética, além de o autor citar cultura,
mas não referenciar o conceito de etnia. Sucedem-se as categorias TC2, PE2 e PE3:
Quando o progresso náutico dos europeus conseguiu superar a barreira do Atlântico, houve uma invasão [...] e muitas plantas e animais exóticos aqui se estabeleceram. Os ameríndios foram aniquilados em extensas áreas. Nesse caso, o fator decisivo foi a cultura e não o patrimônio hereditário. Tendo o choque ocorrido entre raças de uma mesma espécie, a redução do número de índios foi acompanhada por uma parcial incorporação de seus genes ao patrimônio hereditário do grupo dominador, por meio de intercruzamentos. [...] Os movimentos migratórios bem-sucedidos têm grandes conseqüências evolutivas. O novo ambiente orienta a seleção natural por novos rumos e, se a comunicação com a população principal é difícil, a espécie pode dividir-se. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 187).
Frota-Pessoa faz um comentário sobre estudos de Freire-Maia sobre uma
população com alta freqüência de albinismo em uma ilha no Maranhão (ibid., p. 191).
Observa-se o conceito de efeito do fundador (categoria PE3), mas se estranha a ausência
106
do uso do termo raça, ressaltado em exemplo anterior que tratava de deriva gênica com
populações com olhos azuis e olhos negros (ibid., p. 148).
A categoria IH1 é observada no excerto a seguir, que é uma introdução à
Unidade 8 do livro:
Partimos da mais simples monera e eis que estamos – você e eu – certos de sermos o resultado aperfeiçoado de 4,5 bilhões de anos de evolução. Há animais muito maiores e menores que nós, mas nenhum tão esperto. [...] Ainda existem violência, crueldade, racismo, fome, doença e injustiça. Isso nos enche de culpa e nos incentiva a proceder melhor. O orgulho por nossos feitos não obscurece a humildade que nos faz reconhecer e corrigir nossas deficiências. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 230).
O livro traz um esquema que representa as duas grandes migrações do Homo
sapiens que ocuparam as Américas. No texto principal, as categorias TC2, PE2 e PE3
fazem-se presentes:
(FROTA-PESSOA, 2005, p. 257).
A primeira onda migratória deve ter colonizado amplamente as Américas. [...] Com o tempo, as populações humanas do Norte da Ásia adquiriram os traços da raça mongolóide, que representam, em parte, uma adaptação ao clima frio. Foi esse segundo grupo racial mongolóide que integrou as migrações subseqüentes que originaram os indígenas atuais.
107
Assim como seus predecessores não-mongolóides eles vieram da Sibéria, provavelmente passando pelo estreito de Bering, no extremo noroeste da América do Norte. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 258).
Vale ressaltar o intertexto74 que comenta sobre pesquisas que investigam o
cromossomo Y do “Adão” africano, ancestral comum a todos os humanos. Embora aqui
Frota-Pessoa (2005, p. 260) trate de ancestralidade genômica, a referência usada não é
recente (1997).
As concepções de origem das raças humanas por influência de fatores
ambientais, como defendia Coon (1962), aparecem neste fragmento, o que evidencia as
categorias TC2 e PE2. Existe a referência a cultura, mas não a etnia:
[...] Basta considerar como o frio intenso é desconfortável para nós, mas não para um urso polar, para concluir que nossa espécie se formou em climas amenos (na África). Os esquimós adaptaram-se às regiões polares culturalmente, construindo iglus, vestindo peles e usando trenós puxados por cães. Mas seu físico, comparado com os europeus e africanos, mostra adaptações genéticas ao frio, como nariz menos saliente e olhos protegidos por pálpebras grossas, que deixam fendas estreitas. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 264).
Frota-Pessoa mostra um discurso ideológico que evidencia claramente a
categoria IH1:
Essa disposição de espírito varia na população, cobrindo todas as transições, desde o egoísta mais mesquinho até os que se despojam para entregar-se à caridade. O racista está no extremo agressivo da escala. [...] Hoje a ética majoritária exige respeito à pessoa e a seus direitos, em uma atmosfera democrática, sem discriminações. O racismo foi parcialmente controlado, mas ainda representa perigo e, contra ele, a sociedade deve precaver-se. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 265).
Por fim, o livro apresenta um trecho sobre evolução (categoria PE3) o qual, se
não enuncia explicitamente, insinua a inexistência de raças por motivo de ínfima
diferença genética entre as pessoas, o que configura a categoria TC3:
[...] nossa espécie é relativamente recente. A população atual de 6 bilhões de pessoas descende de algumas centenas de milhares de ancestrais que viviam na África há uns 150 mil a 200 mil anos. Uma
74 GIBBONS, A. O Adão africano [título traduzido]. Science, 278, 31 out. 1997.
108
população tão pequena só consegue manter uma diversidade genética limitada, formada por uns poucos alelos comuns nas seqüências de cada gene. Além disso, as milhares de gerações de crescimento exponencial da população foram insuficientes, na escala evolutiva, para alterar substancialmente o espectro da variação comum. O resultado é que a humanidade moderna apresenta muito menos variação genética intraespecífica do que, por exemplo, os chimpanzés. Estudos experimentais recentes confirmaram a exigüidade de variantes comuns de genes típicos. Isso sugere que será possível catalogar todas as variantes (alelos) comuns de todos os genes humanos. (FROTA-PESSOA, 2005, p. 268 e 269).
Em relação ao caso atípico do livro de Frota-Pessoa, suponho que as ocorrências
de TC2 e PE2 derivem de uma dificuldade do autor em alterar suas opiniões sobre raças
em nossa espécie. Suas concepções, hoje anacrônicas, sobre raças humanas e
democracia racial no Brasil, presentes no seu livro-texto de 2005, são muito
semelhantes às encontradas em dois livros didáticos da década de 1960. Salta à vista o
texto O problema racial no Brasil que é reproduzido no livro de 2005 a partir dos seus
livros de 196075 e 197276 (Cf. Anexos 29 e 30). Estes volumosos e reiterados resultados
qualitativos – alta freqüência de TC2 e PE2; incongruência conceitual entre TC2 e TC3;
freqüentes menções de combate ao racismo por meio de IH1 – caracterizam fortemente
o livro de Frota-Pessoa como singular e distinto entre todo o corpus analisado.
4.2.2 – Análise quantitativa
Nesta seção, apresento os gráficos relativos às ocorrências das categorias
observadas na pesquisa empírica, cujos dados numéricos encontram-se detalhados em
tabelas respectivas na seção Apêndices. A seguir, os livros são agrupados segundo seus
perfis, e minha avaliação é cotejada com os dados encontrados no catálogo do Programa
Nacional do Livro para o Ensino Médio de 2007.
75 FROTA-PESSOA, Oswaldo. Manual de Biologia. Rio de janeiro: Fundo de Cultura, 1960. 2 v. 76 FROTA-PESSOA, Oswaldo. Biologia na Escola Secundária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972. 2 v.
109
0
20
40
60
80
100
120
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 1: Número de ocorrências das categorias no livro Amabis e Martho
0
2
4
6
8
10
12
14
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 2: Número de ocorrências das categorias no livro Lopes e Rosso
110
0
5
10
15
20
25
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 3: Número de ocorrências das categorias no livro Soares
0
10
20
30
40
50
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 4: Número de ocorrências das categorias no livro Frota-Pessoa
111
0
5
10
15
20
25
30
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 5: Número de ocorrências das categorias no livro Laurence
0
1
2
3
4
5
6
7
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 6: Número de ocorrências das categorias no livro Adolfo, Crozetta e Lago
112
0
2
4
6
8
10
12
FB TC1 TC2 TC3 PE1 PE2 PE3 AC IH1 IH2 IH3
Gráfico 7: Número de ocorrências das categorias no livro Linhares e Gewandsznajder
Em relação às categorias IH1 e IH2, são semelhantes os perfis dos livros de
Amabis e Martho, Lopes e Rosso, e Soares, onde estas categorias são quase nulas, ao
contrário de Frota-Pessoa, Adolfo, Crozetta e Lago, e Linhares e Gewandsznajder, que
apresentam um número expressivo de ocorrências nestas categorias.
Em relação à categoria TC3, novamente os livros de Lopes e Rosso, Soares, e
Amabis e Martho encontram-se agrupados pela ausência desta categoria, que os
distancia de materiais didáticos que discutem biológica e historicamente o conceito de
raça humana. Juntamente com Laurence, esses livros mais uma vez se diferenciam de
Frota-Pessoa, Adolfo, Crozetta e Lago, e Linhares e Gewandsznajder, nos quais TC3
mostra-se presente.
O agrupamento de Frota-Pessoa, Adolfo, Crozetta e Lago, e Linhares e
Gewandsznajder é desfeito quando se consideram as categorias TC2 e PE2, quase
ausentes nos dois últimos, mas muito freqüentes em Frota-Pessoa, freqüência que
supera inclusive a de livros como Lopes e Rosso, Soares, e Amabis e Martho. Em Frota-
Pessoa, TC2 sobressai de modo tão relevante que faz com que o perfil do seu gráfico
seja diferente dos demais onde a categoria mais freqüente é TC1. Vale notar que
Laurence, que se agrupava com Lopes e Rosso, Soares, e Amabis e Martho, nestas
categorias se aproxima de Adolfo, Crozetta e Lago, e Linhares e Gewandsznajder,
grupamento de autores que não evidenciam uma classificação racial no homem.
113
Esse primeiro agrupamento dos livros, aponta, de modo amplo, para dois
grandes grupos: o primeiro grupo se destaca pela presença de categorias muito positivas
tais como TC3, IH1, IH2, IH3 e ausência de categorias negativas como TC2 e PE2; no
segundo grupo o contrário ocorre.
Em relação a TC2 e TC3, vale lembrar que os PCN+ põem em xeque a
classificação tradicional – historicamente datada – que definia os agrupamentos raciais
humanos em caucasóides, negróides, orientais (PCN+, 2002, p. 49). Na mesma direção,
Willinsky (2004, p.109), ao fazer uma apreciação positiva de um livro didático,
comenta: “o livro sustenta explicitamente que não existem raças puras, e ainda lança
dúvidas sobre qualquer determinação científica confiável de fronteiras raciais.” Em
relação a IH1, IH2 e IH3, Willinsky enfatiza que os conceitos de raças humanas tiveram
um aspecto histórico (ibid., p. 108 e 109) e que o currículo de ciências deve “trabalhar a
natureza da disciplina e de suas implicações sociais” (ibid., p.112). Em relação a PE2,
Shipman (apud Willinsky, ibid., p.106) aponta para o fato de que “apesar de as
distinções entre os povos, antigamente isolados, terem diminuído, o conceito de raça se
tornou cada vez mais preciso em seu uso científico, começando há pouco mais de dois
séculos”.
O primeiro grupo de livros compreende Adolfo, Crozetta e Lago, e Linhares e
Gewandsznajder; o segundo, engloba Lopes e Rosso, e Amabis e Martho, e Soares.
Laurence mostra-se numa posição de transição entre os dois grupos com tendência de se
aproximar dos perfis de Adolfo, Crozetta e Lago, e Linhares e Gewandsznajder,
enquanto Frota-Pessoa é um caso atípico, pois apresenta alta freqüência de categorias
desejáveis ao lado de uma também alta freqüência de categorias negativas, o que torna
este livro-texto um recurso didático ambíguo, que admite interpretações diversas e até
contraditórias referentes às raças humanas.
A categoria TC1, porque é neutra, não discrimina os diferentes livros didáticos,
o que torna inócua a alta freqüência notada em Amabis. O mesmo acontece com PE1,
uma vez que está intimamente relacionada a TC1, ambas caracterizando raças,
variedades e subespécies em animais e plantas.
As categorias FB, PE3 e AC, em comparação às categorias TC3, IH1, IH2 e IH3,
são menos positivas. Vejamos suas ocorrência nos livros. FB é semelhante em todos os
livros, com exceção de Laurence onde é mais freqüente, fato que o aproxima do grupo
de livros mais positivos, uma vez que esta categoria valoriza a diversidade fenotípica
sem correlacioná-la a uma tipologia de raças humanas. A categoria PE3, positiva porque
114
não relaciona a ancestralidade genética a raças humanas, igualmente não produz
contraste entre os livros, com exceção de Frota-Pessoa, o que reforça a condição atípica
deste livro didático. A categoria AC, que diferencia os conceitos de etnia e de raça,
igualmente não discrimina os livros.
4.2.3 – Os livros segundo o catálogo do PNLEM de Biologia de 2007
Nesta seção, minhas avaliações sobre os livros – com exceção de Soares, que
não faz parte do conjunto de obras recomendadas pelo MEC – são cotejadas com as
avaliações do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio apresentadas no
catálogo do PNLEM 2007.
Das avaliações realizadas pelo PNLEM, ressalto o seguinte critério de exclusão
utilizado: “veicular preconceitos de origem, cor, condição econômico-social, etnia,
gênero, orientação sexual, linguagem ou qualquer outra forma de discriminação”
(BIOLOGIA: catálogo do PNLEM/2007, 2006 [versão em pdf], p. 15). Ao final do
catálogo, há a reprodução da ficha utilizada no processo avaliativo, da qual saliento o
seguinte item:
Na obra, é perceptível: a) tratamento privilegiado a determinados grupos sociais ou regiões particulares do país. b) preconceitos ou estereótipos relacionados a gênero, cor, origem, condição econômico-social, etnia, orientação sexual, linguagem ou qualquer outra forma de discriminação.
( ) Sim (Apresentar os argumentos, exemplificando-os) ( ) Não (BIOLOGIA: catálogo do PNLEM/2007, 2006 [versão em pdf], p. 102).
Em relação ao mesmo item da ficha de avaliação, observei uma diferença entre a
versão supracitada (disponível no sítio do MEC) e a versão impressa (distribuída para as
escolas):
Abordagem crítica das questões de gênero, de relações étnico-raciais e de classes sociais. [grifo meu] Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar. (BIOLOGIA: catálogo do PNLEM/2007, 2006, p. 103)
115
Segue-se o cotejo entre as avaliações do PNLEM e os meus resultados
avaliativos:
Em relação ao livro de Linhares e Gewandsznajder, o catálogo do PNLEM é
consoante com minha avaliação, que ressalta a ocorrência das categorias TC3, AC e
IH1:
Em relação à construção da cidadania, não são encontrados preconceitos ou estereótipos relacionados a gênero, cor, etnia, origem, orientação sexual, condição socioeconômica. [...] quando trata de relações étnico-raciais, aborda criticamente a existência ou não de “raças na espécie humana”, destacando que a idéia de que existiriam raças superiores a outras não possui base científica. (Biologia: catálogo do PNLEM, 2006, p. 25)
Acerca do livro-texto de Laurence, o catálogo do PNLEM faz uma avaliação
positiva, com a qual concordo parcialmente, pois apesar de fazer menção a aspectos
históricos ideológicos – como o darwinismo social –, e exibir fotografias de diversidade
fenotípica humana sem se referir a raças, este autor considera, algumas vezes, a
existência de raças humanas. Sobre o livro, lê-se no catálogo:
De maneira geral, a obra “Biologia”, de Laurence, colabora para a construção da cidadania dos alunos, no que diz respeito às questões étnicas e raciais, de gênero e de classes sociais. Ela apresenta iniciativas de promoção ou inserção das minorias sociais e de valorização da diversidade: [...] fotografias que representam os elementos que compõem nossa diversidade étnica. Porém, vale chamar a atenção dos alunos para o fato de que não há representações de povos ou de elementos indígenas nas ilustrações. (Biologia: catálogo do PNLEM, 2006, p.40)
Causa estranhamento a alusão a “povos ou elementos indígenas” num texto do
PNLEM, porque se opõe ao que preconizam os PCN+ acerca da divisão da população
em raças. Outro ponto controverso: a denominação “diversidade étnica” será uma
linguagem eufêmica para “raças humanas” ou será referente a valores culturais?
Segundo a avaliação do PNLEM, a obra de Adolfo, Crozetta e Lago se omite no
que toca à discussão do tema raças humanas:
A obra não traz, contudo, uma abordagem crítica sobre as
questões de gênero, classe ou étnico-raciais; nem tratamentos que
promovam minorias sociais. Para essa tarefa, professora e professor
precisarão estar atentos. (Biologia: catálogo do PNLEM, 2006,
p.48)
116
Discordo da avaliação do PNLEM porque há seis ocorrências de IH1, uma de
IH2, e quatro de FB e a ausência de PE2, aspectos positivos do livro, ainda que tenha
sido identificada uma incongruência entre uma ocorrência de TC2 e uma de TC3.
O livro de Amabis e Martho tem o seguinte perfil segundo o catálogo do
PNLEM:
No que diz respeito à construção da cidadania, a obra evita o fortalecimento de preconceitos ou estereótipos. Contudo, não aborda explicitamente questões de gênero, étnico-raciais e econômico-sociais que desempenham papel importante na formação da cidadania, e tampouco há ações afirmativas para a promoção das minorias. (Biologia: catálogo do PNLEM, 2006, p.66)
Discordo porque o livro apresenta ocorrências de TC2 e PE2, paralelamente a
uma ausência de TC3 e das categorias IH, o que pode levar o leitor a revigorar possíveis
preconceitos quanto a raças humanas.
Em relação ao livro de Lopes e Rosso, o catálogo do PNLEM comenta:
Em relação à construção da cidadania, não são encontrados
preconceitos ou estereótipos relacionados a gênero, cor, etnia, origem, orientação sexual e condição socioeconômica. (Biologia: catálogo do PNLEM, 2006, p.83)
Discordo da avaliação do MEC porque o texto dos autores considera raças
humanas (categoria TC2) e não apresenta comentários referentes às categorias TC3,
IH1, IH2.
O excerto do catálogo do PNLEM relativo ao livro de Frota-Pessoa é o seguinte:
Em relação à construção da cidadania, não são observados na obra preconceitos ou estereótipos relacionados a gênero, cor ou condição socioeconômica. Além disso, ela propõe discussões interessantes sobre temas polêmicos, como o futuro dos povos indígenas, a diversidade racial e a virgindade, e trata adequadamente de questões importantes na formação dos alunos, como o alcoolismo e o fumo. (Biologia: catálogo do PNLEM, 2006, p.94)
Discordo fortemente da avaliação positiva realizada pelo MEC. O discurso de
Frota-Pessoa, embora exiba algumas ocorrências de PE3 e AC, e poucas de IH1 e IH2, é
eivado por uma alta freqüência TC2 – a admissão do conceito de raças humanas – e de
PE2 – associando processos evolutivos à formação de raças em nossa espécie, inclusive
117
na época atual [!]. A avaliação positiva do PNLEM, no fundo, encontra-se em sintonia
com o discurso do autor do livro, uma vez que utiliza expressões como “diversidade
racial”.
118
5 – Conclusões, recomendações e perspectivas
O corpus de livros-texto analisado mostrou-se muito heterogêneo em termos de
extensão, profundidade e modo de apresentação e desenvolvimento das concepções de
raças humanas e raças biológicas. Alguns livros apresentam textos não verbais que
evidenciam uma visão tipológica de raças humanas. Alguns autores parecem evitar o
termo raça ou explicitamente negam a existência de raças humanas, mas,
contraditoriamente, no mesmo texto, utilizam o conceito cultural de grupos étnicos
como sinônimo de grupos fenotipicamente distintos, de forma intencional, eufêmica ou
não. Enquanto alguns livros apresentam discursos que se referem a aspectos históricos e
políticos relacionados às raças humanas, outros não expõem nem problematizam
tensões sociais, como o racismo, nem mencionam aspectos históricos, como o uso
indevido do darwinismo social, a suposta desigualdade de raças e as idéias eugênicas,
tampouco problematizam o conhecimento científico como não absoluto e suscetível de
influência histórico-política.
Da análise qualitativa realizada, emergiram as seguintes categorias referentes a
raças humanas e a raças biológicas:
- Categoria Fenótipos e Biodiversidade humana [FB]
- Categorias Taxonomia e Classificação [TC]
- Categorias Processo Evolutivo [PE]
- Categoria Antropologia Cultural [AC]
- Categorias Ideologia e História [IH]
119
Fundamentando-me na revisão de literatura, que considera um currículo de
Biologia comprometido com a formação de alunos críticos, as categorias podem ser
agrupadas em quatro conjuntos. O primeiro – composto de categorias relativas à não
existência de raças humanas, à ancestralidade genética de populações e a conhecimentos
histórico-políticos sobre concepções de raça humana – compreende categorias muito
positivas e altamente desejáveis: TC3, PE3, IH1, IH2 e IH3. O segundo conjunto – que
diz respeito à variabilidade fenotípica no homem (sem correlacioná-la a raças humanas)
e a conceitos de Antropologia cultural – compõe-se de categorias positivas, porém
menos relevantes do que as do conjunto anterior: FB e AC. O terceiro conjunto – que
evidencia visões tipológicas de raças humanas, processos evolutivos e suposta
influência do ambiente na formação de raças humanas – abrange categorias negativas e
indesejáveis no desenvolvimento do currículo de Biologia: TC2 e PE2. O quarto
conjunto – que abarca conceitos de classificação e processos evolutivos relacionados a
raças animais e variedades vegetais – contém conhecimentos de Biologia que podem ser
considerados neutros: TC1 e PE1.
Como resultado da análise quantitativa dos dados empíricos, o corpus pode ser
subdividido, de modo amplo, em dois grupos de livros didáticos em relação ao
tratamento da questão raças: um grupo compõe-se de textos que apresentam categorias
positivas e ausência de categorias não desejáveis (Adolfo, Crozetta e Lago; Linhares e
Gewandsznajder); o outro, é formado de livros com categorias negativas e ausência de
categorias desejáveis (Amabis e Martho; Lopes e Rosso; Soares). Entre estes grupos
distintos, situam-se dois livros, um que tende a aproximar-se do primeiro grupo
(Laurence), e outro (Frota-Pessoa) que apresenta alta freqüência de categorias tanto
positivas quanto negativas, fato que o torna contraditório e ambíguo no tratamento do
tema raça.
Os resultados das análises dos livros foram cotejados com as avaliações do
Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM). Em relação
ao livro de Linhares e Gewandsznajder, o catálogo do PNLEM é consoante com minha
avaliação. Acerca do livro de Laurence, o catálogo do PNLEM faz uma avaliação
positiva, com a qual concordo parcialmente. Segundo a avaliação do PNLEM, a obra de
Adolfo, Crozetta e Lago se omite no que toca à discussão do tema raças humanas,
opinião com a qual discordo. No que se refere ao livro de Amabis e Martho, e ao livro
120
de Lopes e Rosso, discordo da avaliação do MEC. Acerca do título de Frota-Pessoa,
discordo fortemente da avaliação positiva realizada pelo MEC.
Como entender a discrepância entre as avaliações? Uma primeira explicação
vem do fato de que algumas categorias, como IH1 e IH2, foram identificadas por mim
em exercícios, os quais, conjeturo, passaram despercebidos pelos avaliadores do MEC.
Mas essa discrepância pode ter raízes mais profundas, na própria concepção sobre raça
por parte dos avaliadores. No caso do livro de Frota-Pessoa, por exemplo, a avaliação
positiva do MEC, no fundo, encontra-se em sintonia com o discurso do autor do livro,
uma vez que são utilizadas expressões tal como “diversidade racial” (BIOLOGIA:
catálogo do PNLEM, 2006, p. 94).
Adiciona-se a isso, a menção a “povos ou elementos indígenas” no texto do
PNLEM (ibid., p. 40), porque se opõe ao que preconizam os PCN+ acerca da divisão da
população em raças. Outro problema: a denominação “diversidade étnica” (ibid., p. 40)
será um eufemismo para “raças” ou será relativa a valores culturais? Se esta segunda
probabilidade corresponder ao que preconiza o excerto, questiono se um livro de
Biologia deve se referir a diversidades culturais.
Considerações finais
Defendo que o currículo de Biologia no ensino médio deva desenvolver os
seguintes pontos:
• A espécie humana, mesmo apresentando grande diversidade fenotípica, é
geneticamente una e indecomponível em subgrupos, o que se contrapõe a uma
visão tipológica de raças;
• O estudo de ancestralidade genética de populações humanas (envolvendo DNA
mitocondrial e nuclear) mostra que os caracteres aparentes (fenotípicos) não são
adequados para dividir a população em tipos raciais.
• É incorreto relacionar grupos culturais (étnicos) a raças humanas, uma vez que
estas são inexistentes para a Biologia. De modo análogo, é inadequado o uso do
termo etnia como sinônimo ou eufemismo para “raça humana”;
• A população do Brasil, formada pela miscigenação de vários grupos
populacionais migratórios, é una e indecomponível em subgrupos “raciais”, tal
como a população humana global.
121
• Historicamente, o conceito científico de raça foi utilizado como justificativa
ideológica e política para dominação de certos grupos humanos sobre outros,
incluindo episódios racistas e eugênicos.
Concluo vislumbrando algumas perspectivas de pesquisa a partir das conclusões
desta dissertação: Os resultados se manteriam caso fosse expandida a análise para os
outros títulos recomendados pelo PNLD? E se a investigação incluísse outros livros
didáticos recentes de Biologia, incluindo livros estrangeiros? Quais seriam os resultados
de pesquisa qualitativa que investigasse as categorias de raças humanas e raças
biológicas em livros de História Natural e Biologia ao longo do século 20? As
categorias de raça humana e raças biológicas observadas nos livros didáticos seriam
semelhantes às categorias que emergissem da análise de revistas de divulgação
científica como Superinteressante, Galileu, Ciência Hoje e Scientific American Brasil?
Que resultados seriam encontrados se fosse realizada uma investigação sobre
exposições montadas em espaços de educação não formal, como museus e centros de
ciência? Como poderiam ser desenvolvidos trabalhos formativos interdisciplinares,
envolvendo Biologia, Ciências Sociais e a área de Códigos e Linguagens, em relação às
concepções históricas de raças humanas e de etnias? Em que medida movimentos
políticos, orientações oficiais e informações veiculadas na grande mídia causam
impacto no desenvolvimento de currículos de Biologia para o nível médio no que se
refere a Genética e conceitos históricos de raças humanas?
122
6 – Obras citadas
ALMEIDA JÚNIOR, A. Biologia Educacional: Noções fundamentais. 19. ed. rev. e
aum. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. (Atualidades pedagógicas, 35).
AMORIM, Dalton de S. Fundamentos de Sistemática Filogenética. Ribeirão Preto:
Holos, 2002.
BAMSHAD, Michael J.; OLSON, Steve E. Does race exist? Scientific American, v.
289, n. 6, p. 78-85, September 2003.
BARBUJANI, Guido. A invenção das raças. São Paulo: Contexto, 2007.
BELK, Colleen; BORDEN, Virginia. Biology: Science for Life with Physiology. 2. ed.
Upper Saddle River: Pearson/Prentice Hall, 2007.
BIOLOGIA: catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio:
PNLEM/2007. Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.
________. catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio:
PNLEM/2007. Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.
123
[versão em arquivo pdf]. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/pnlem/biologia/> Acesso em: 26 maio 2006.
BRAUN, Lundy; FAUSTO-STERLING, Anne; FULLWILEY, Duana; HAMMONDS,
Evelynn M.; NELSON, Alondra et al. Racial Categories in Medical Practice: How
Useful Are They? PLoS Medicine v. 4 n. 9, p. 1423-1428, Sept. 2007. Disponível em:
<http://medicine.plosjournals.org/archive/1549-
1676/4/9/pdf/10.1371_journal.pmed.0040271-L.pdf> Acesso em: 01 outubro 2007.
BSCS [Biological Sciences Curriculum Study]. Biologia. [texto adaptado pela equipe da
FUNBEC, com a colaboração dos Centros de Treinamento de Professores de Ciências]
São Paulo: EDART, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de
Ciências, 1976. 3 v. (BSCS. Versão Verde).
CAMPAGNE, E. M. Diccionario Universal de Educação e Ensino. Util á mocidade de
ambos os sexos, ás mães de familia, aos professores, aos directores e directoras de
collegios e aos alumnos que se preparam para exame, contendo o mais essencial da
sabedoria humana e toda sciencia quotidianamente applicavel, especialmente ao ensino
[trasladado a portuguez e ampliado ... por Camillo Castello Branco] Porto: Ernesto
Chardron, 1886. 3 v.
CLÉMENT, Pierre; BERNARD, Sandie; QUESSADA, Marie-Pierre; ROGERS, Crane;
BRUGUIÈRE, Catherine. Different theorethical backgrounds for different didactical
analyses of biology school textbooks. In: ESERA - European Science Education
Research Association Conference. 2005, Barcelona. Anais... 1 CD-ROM.
COON, Carleton, S. The Origin of Races. New York: Alfred A. Knopf, 1962.
D’ÁVILA, Jerry. As relações entre raça e estado no Brasil: contribuições para discussão
no Ensino de Biologia. In: MARANDINO, Martha; SELLES, Sandra Escovedo;
FERREIRA, Marcia Serra; AMORIM, Antonio Carlos (orgs.) Ensino de Biologia:
conhecimentos e valores em disputa. Niterói: EdUFF, 2005. p. 15 a 36.
124
DETREGIACHI, Cláudia Rucco Penteado; ARRUDA, Maria Sueli Parreira de. Livros
didáticos de ciências: proposta de um instrumento de análise. In: ENPEC – Encontro
Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 4. 2003, Bauru - SP. Anais... 1 CD-ROM.
DOBZHANSKY, Theodosius G. Genética do Processo Evolutivo. São Paulo: Polígono,
1973.
________. O homem em evolução. São Paulo: Polígono e EdUSP, 1968.
EYSENCK, Hans. J. Raça, Inteligência, Educação. Rio de Janeiro: Eldorado, s.d.
Tradução de: EYSENCK, H. J. Race, Intelligence and Education. London: Temple
Smith, 1971.
FERREIRA, Aurélio et al. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio – versão 5.0.
[correspondente à 3a edição, 1a impressão da Editora Positivo, revista e atualizada do
Aurélio Século XXI, 2004] 1 CD-ROM.
FERREIRA, Márcia Serra e SELLES, Sandra Escovedo. A produção brasileira sobre
livros didáticos em ciências: uma análise em periódicos nacionais. In: ENPEC –
Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 4. 2003, Bauru - SP. Anais... 1
CD-ROM.
FRY, Peter; MAGGIE, Yvonne; MAIO, Marcos Chor; MONTEIRO, Simone;
SANTOS, Ricardo Ventura (orgs.) Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil
contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
GILMAN, Sander L. Freud, raça e sexos. Rio de Janeiro: Imago, 1994. Tradução de:
GILMAN, Sander L. Freud, Race, and Gender. Princeton University Press, 1993.
GOBINEAU, Le Comte [Arthur] de. Essai sur L'Inégalité des Races Humaines. 2. ed.
Paris: Firmin Didot, 1884. 2 v.
GONZÁLEZ ASTUDILLO, M. Teresa; SIERRA VÁZQUEZ, Modesto. Metodologia
de análisis de libros de texto de matemáticas. Los puntos críticos em la enseñanza
125
secundaria em España durante el siglo XX. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona: v.
22, n. 3, p. 389-408, 2004.
GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
(Coleção ciência aberta) Tradução de: GOULD, Stephen Jay. The mismeasure of man.
New York: W. W. Norton, 1981.
HAECKEL Ernst. The Evolution of Man: a popular exposition of the principal points of
human ontogeny and phylogeny. vol. 2. New York: A. Appleton and Co., 1892.
________. The History of Creation: or the development of the earth and its inhabitants
by the action of natural causes. New York: D. Appleton and Co., 1876. 2 v.
________. Historia da Creação Natural ou Doutrina Scientifica da Evolução. Porto:
Chardron de Lello e Irnão, 1910. Tradução de: HAECKEL, Ernst. Natürliche
Schöpfungsgeschichte. Berlin: Georg Reimer, 1868.
HISTORIA NATURAL – Curso Superior. Tomo I – Anthropologia – Zoologia. Rio de
Janeiro: Livraria Paulo de Azevedo, 1924. (Collecção F.T.D.).
HOUAISS, Antônio. et al. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. –
Versão 1.5 – dezembro de 2006. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. 1 CD-ROM.
JABLONSKI, Nina G. e CHAPLIN, George. Skin Deep. In: New Look at Human
Evolution [special issue]. Scientific American, v. 13, n. 2, 2003. p. 72-79.
KAHN, Jonathan. Race in a Bottle. Scientific American, v. 297, n. 2, Aug. 2007, 40-45.
________. Medicamentos Étnicos. Scientific American Brasil, ano 6, n. 64, set. 2007,
78-83.
KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa
nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
126
LANGLEBERT, J. Historia Natural. Rio de Janeiro: Garnier, s.d. [circa 1910].
LEÃO, Flavia de Barros Ferreira; MEGID NETO, Jorge. O que avaliam as avaliações
de livros didáticos de ciências – 1a à 4a séries do Programa Nacional do Livro Didático.
In: ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 4. 2003, Bauru -
SP. Anais... 1 CD-ROM.
LEITE, Maria L. F. T. e T. Muito além da Dolly: as "novidades científicas" em sala de
aula. Niterói, 2004. 166f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
LEVY, Rachel Santos. Raça entre aspas: discutindo as ambigüidades do conceito de
raça humana em livros didáticos de Biologia e de Ciências. Niterói, 2005. 65f. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2005.
LEVY, Rachel Santos; SELLES, Sandra Escovedo; FERREIRA, Marcia Serra.
Examining the ambiguities of the human race concept in Biology textbooks: tensions
between knowledge and values expressed in the school knowledge. Trabalho
apresentado na ERIDOB (European Researchers in Didactic of Biology) Conference,
London, 2006.
LEWIN, Roger. Evolução Humana. São Paulo: Atheneu, 1999.
LEWONTIN, Richard. La Diversidad Humana. Barcelona: Prensa Cientifica, 1984.
Tradução de: LEWONTIN, Richard. Human Diversity. (Scientific American Library
Series) New York: Scientific American Books, 1982.
MAIO, Marcos Chor. A Medicina de Nina Rodrigues: Análise de uma Trajetória
Científica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde
Pública, Fundação Oswaldo Cruz, v.11, n. 2, abr./jun. 1995.
MAIO, Marcos Chor, MONTEIRO, Simone e RODRIGUES, Paulo Henrique Almeida.
O SUS é racista? (2006). In: FRY, Peter; MAGGIE, Yvonne; MAIO, Marcos Chor;
127
MONTEIRO, Simone; SANTOS, Ricardo Ventura (orgs.) Divisões perigosas: políticas
raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 237-
239.
MARTÍNEZ-GRACIA, M. V.; GIL-QUÍLEZ, M. J.; OSADA, J. Genetic engineering: a
matter that requires further refinement in Spanish secondary school textbooks.
International Journal of Science Education, Taylor & Francis, v. 25, n. 9, p. 1147-1168,
2003.
MASSABNI, Vânia Galindo; ARRUDA, Maria Sueli Parreira de. As relações entre
ciência, tecnologia e sociedade (C/T/S) e a saúde nos livros didáticos de Biologia. In:
ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 4. 2003, Bauru - SP.
Anais... 1 CD-ROM.
MEAD, Margaret; DOBZHANSKY, Theodosius; TOBACH, Ethel; LIGHT, Robert E.
(ed.). Science and the concept of race. New York: Columbia University Press, 1968.
MELLO-LEITÃO, Cândido de. Curso Elementar de Historia Natural. v. primeiro. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. (Bibliotheca Pedagogica Brasileira, serie II,
v. 15).
________. Glossário Biológico. Pequeno Dicionário de termos técnicos empregados nas
ciências biológicas: Botânica, Ecologia, Genética, Zoologia. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1946.
MÜLLER-HILL, Benno. Ciência assassina: como cientistas alemães contribuíram para
a eliminação de judeus, ciganos e outras minorias. Rio de Janeiro: Xenon, 1993.
Tradução de MÜLLER-HILL, Benno. Tödlich Wissenschaft. Hamburg: Rowohlt
Taschenbuch Verlag, 1984.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,
identidade e etnia. [Palestra proferida no 3o Seminário Nacional Relações Raciais e
Educação – PENESB – RJ, 2003]. Disponível em:
<http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/09abordagem.pdf>. Acesso em: 22 julho
2006.
128
NASCIMENTO, Tatiana Galieta; MARTINS, Isabel. Images in Brazilian secondary
science textbooks: an example in genetics. In: ESERA - European Science Education
Research Association Conference. 2005, Barcelona. Anais... 1 CD-ROM.
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica. Brasília, 1997.
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, Parte III – Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília, 1999.
PCN+: Ensino Médio, Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias.
Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2002.
PENA, Sergio D. J. (org.). Homo Brasilis: aspectos genéticos, lingüísticos, históricos e
socioantropológicos da formação do povo brasileiro. Ribeirão Preto: FUNPEC-RP,
2002.
PENA, Sérgio D. J. Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira.
História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, v. 12,
n. 1, p. 321-346, maio-ago. 2005.
PENA, Sérgio D. J.; CARVALHO-SILVA, Denise R.; ALVES-SILVA, Juliana;
PRADO, Vânia F.; SANTOS, Fabrício R. Retrato molecular do Brasil. Ciência Hoje, v.
27, n. 159, p. 16-25, abril 2000.
PIGLIUCCI, Massimo; KAPLAN, Jonathan. On the concept of biological race and its
applicability to humans. Philosophy of Science, v. 70, p. 1161-1172, december 2003.
QUEIROZ, Clara. “Raça”. In: Enciclopédia Einaudi: v. 19 – Organismo-
Hereditariedade. Porto: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1991.
129
RAEDERS, Georges. O Inimigo Cordial do Brasil: O Conde de Gobineau no Brasil.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
RESNIK, David B. Affirmative action in science and engineering. Science &
Education, Springer, v. 14, p. 75-93, 2005.
REZNIK, Tânia. O Desenvolvimento do Conceito de Gene e sua Apropriação nos
Livros Didáticos de Biologia. Niterói, 1995. 203f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1995.
RIBEIRO, Paula Regina C.; DAZZI, Mirian Dolores B.; SOUZA, Diogo;
WORTMANN, Maria Lúcia. Representações de AIDS nos livros didáticos de ciências e
Biologia. Enseñanza de las Ciencias, número extra, Congreso Internacional sobre
Investigación en la Didáctica de las Ciencias, 4. 2001: Barcelona, p. 171-172.
RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no
Brasil. Salvador: Progresso, 1957. Reedição de: RODRIGUES, Raimundo Nina. As
Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. 1894.
SANDRIN, Maria de Fátima Neves; PUORTO, Giuseppe; NARDI, Roberto. Serpentes
e acidentes ofídicos: um estudo sobre erros conceituais em livros didáticos.
Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 10, n. 3, dez. 2005. Disponível
em: <http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol10/n3/v10_n3_a1.html> Acesso em: 7 jun
2006.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SILVA, Ana Célia da. A discriminação do negro no livro didático. 2. ed. Salvador:
EDUFBA, 2004.
SILVA, Paulo Vinicius Baptista da. Relações raciais em livros didáticos de língua
portuguesa. São Paulo, 2005. 243 f. Tese (Psicologia Social) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
130
SKOOG, Gerald. The coverage of human evolution in high school biology textbooks in
the 20th century and in current state sciences standards. Science & Education, Springer,
v. 14, p. 395-422, 2005.
SOARES, José Luís. Dicionário etimológico e circunstanciado de Biologia. São Paulo:
Scipione, 1993.
STEARNS, Stephen C. e HOEKSTRA, Rolf F. Evolução: uma introdução. São Paulo:
Atheneu, 2003.
STELLING, Luiz Felipe Peçanha. O vocabulário técnico das Ciências Biológicas e sua
influência no ensino de Biologia no segundo grau. Niterói, 1996. 96 f. Monografia
(Especialização em Ensino de Ciências, Modalidade: Biologia) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1996.
TERRA ILLUSTRADA, A – Geographia Universal Physica, Ethnographica, Politica e
Economica das Cinco partes do Mundo. Rio de Janeiro: Garnier, s.d. [circa 1910].
[somente as iniciais do autor “F. I. C.” figuram na folha de rosto da obra].
TRAVASSOS, Cláudia. Sobre cor/raça e Aids no Brasil. (2007). In: FRY, Peter;
MAGGIE, Yvonne; MAIO, Marcos Chor; MONTEIRO, Simone; SANTOS, Ricardo
Ventura (orgs.) Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 225-227.
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-
Graduação. Apresentação de trabalhos monográficos de conclusão de curso. 8. ed. rev.
Niterói: EdUFF, 2005.
WILLINSKY, John. Ciência e origem da raça. In: Lopes A. C. e Macedo, E. Currículo
de Ciências em debate. São Paulo: Papirus, 2004. cap. 3, p. 77-118. Tradução de:
WILLINSKY, John. Learning to Divide the World: Education at Empire’s End.
Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998.
131
7 – Apêndices
7.1 – Tabela de locais de ocorrência de categorias nos livros: Categoria Local de ocorrência L1 Classificação (taxonomia e sistemática), raças geográficas, subespécies L2 Introdução à Genética, história da Genética L3 Variabilidade de fenótipos L4 Herança poligênica (de cor da pele, de cor dos olhos, de tipo de cabelo) L5 DNA mitocondrial relacionado a processos evolutivos L6 Genética de populações (inclui a população humana) L7 Malária e siclemia (anemia falciforme) relacionadas aos negros da África77 L8 Histórico das teorias evolutivas L9 Projeto genoma humano L10 Evolução humana (inclui primatas antropóides e hominídeos fósseis) L11 Primeira lei de Mendel – monoibridismo L12 Histologia – melanócitos e pigmentação da pele e cabelos humanos L13 Segunda lei de Mendel – segregação independente de genes, polialelia,
genes letais, herança e sexo, genética posterior a Mendel L14 Aplicações da Genética, Biotecnologia, Engenharia genética, clonagem,
melhoramento genético (que não seja por seleção artificial e cruzamentos controlados)
L15 Expressão gênica: transcrição e tradução L16 Teoria moderna ou sintética da evolução, processos de especiação L17 Origem das espécies e evolução dos grandes grupos de seres vivos,
evidências da evolução L18 Sumário ou índice L19 Índice remissivo L20 Introdução ao livro e sua estrutura (unidades, capítulos, etc), proposição de
atividades práticas
77 Este é um item relativo à categoria L16, mas, como é relevante isoladamente, foi considerado como categoria de local.
132
7.2 – Tabelas de ocorrências das categorias por livro 7.2.1 – Adolfo, Crozetta e Lago (2005):
Página Categoria Local Número de
ocorrências Forma de ocorrência
282 FB L4 ** Texto principal, duas tabelas – cor da pele em humanos
284 FB L4 * Exercício – Um estudante de 23 anos, [...], é moreno, [...]
288 TC1 L8 * Texto principal – A. R. Wallace e variedades
292 TC1 L8 * Legenda de fotos de Biston betularia
293 TC1/PE1/TC2 L16 ***/**/* Colagem de fotos / texto principal / texto principal / ilustração – isolamento reprodutivo
294 TC1/PE1 L16 */* Texto principal – isolamento e formação de raças geográficas
299 FB/TC1/TC3/IH1/IH2 L16 */*/*/******/* Exercício – racismo injustificado, questões históricas, racismo e discriminação, eugenia
133
7.2.2 – Biologia: ensino médio, volume único – Laurence (2005):
Página Categoria Local Número de vezes
Forma de ocorrência
216 FB/TC2 L12 */* Quadro com intertexto “Pele, unha e cabelo” – fatores “raciais”
524 TC1 L10 * Texto principal – Homo sapiens neanderthales (sic)
535 IH1 L10 ** Quadro “Darwinismo social” 595 TC1 L2 ** Texto principal – linhagens puras 596 TC1 L11 ** Texto principal – linhagens puras 597 TC1 L11 ****** Texto principal/Esquema – linhagens
puras 598 TC1 L11 *** Texto principal – linhagens puras 605 TC1 L11 ** Texto principal/fotos e legenda – raça
de gado shorthorn 609 TC1 L11 *** Exercícios - linhagens 625 TC1 L13 *** Quadro/foto com legenda – raças e
variedades 627 PE1 L13 * Exercício – seleção artificial em cães 631 FB L4 ** Texto principal/foto e legenda –
herança da cor da pele humana 632 FB L4 ****** Texto principal/tabela – herança da cor
da pele humana 641 TC2/AC/IH1 L9 */*/* Quadro com intertexto – “Genoma:
desafios filosóficos para nossa geração”
643 FB L4 * Exercício – herança da cor da pele humana
652 TC1/PE1 L14 */* Texto principal – melhoramento genético e obtenção de variedades
653 TC1 L14 * Texto principal – variedades transgênicas vegetais
659 TC1 L14 * Exercício – variedade de algodão transgênico
660 TC1 L14 * Exercício – raça de gado nelore 679 FB L8 * Foto e legenda – variabilidade
fenotípica na espécie humana 681 TC1/PE1 L8 */* Foto e legenda – raça de gado belgian
blue 685 e 686 PE1 L8 ** Texto principal e esquema com legenda
– especiação e isolamento geográfico
134
7.2.3 – Linhares e Gewandsznajder (2005):
Página Categoria Local Número de vezes
Forma de ocorrência
95 TC3/TC2 L9 */* Texto principal – inexistência de raças humanas; ancestralidade genômica
140 TC1 L1 * Texto principal – subespécies animais 142 TC1 L1 ** Exercício – subespécies animais 370 TC1 L1 * Exercício – galinhas da raça andaluza 378 TC1 L11 * Quadro – variedades de plantas, cães etc 393 FB L4 ** Tabelas – fenótipos de pele humana 397 FB L4 * Exercício – fenótipos de pele humana 398 TC1 L1 * Exercício – cães da raça labrador 422 TC1/PE1 L8 */* Fotos e legenda – cães das raças dálmata,
pointer e chinese crested toy 425 TC1/PE1 L8 */* Texto principal – raças geográficas ou
subespécies; isolamento geográfico 430 TC1 L8 * Quadro “Biologia e História” –
variedades e A. R. Wallace 432 TC1/PE1 L8 */* Exercício – especiação e formação de
raças 445 TC1 L10 * Texto principal – Homo sapiens
neanderthalensis 446 TC1 L10 * Texto principal – Homo sapiens sapiens 447 FB/TC1/TC3/IH1/IH2 L10 */*/*/***/** Quadro “Biologia e Sociedade” 449 PE2 L10 * Exercício – especiação e isolamento
geográfico
135
7.2.4 – Lopes e Rosso (2005):
Página Categoria Local Número de
ocorrências Forma de ocorrência
181 TC1 L1 * Texto principal - subespécie 190 TC1 L1 * Exercício - subespécie 431 TC2/AC L9 */* Quadro Genoma _ o que é e o que tem sido
feito – raça e etnia humana 446 TC1 L11 * Texto principal – raça de gado 463 TC1 L13 * Exercício – raça animal 465 TC1 L13 * Exercício – laranja da baía (variedade
triplóide) 469 FB L4 **** Texto principal e esquema – fenótipos de
cor de pele 496 TC1 L14 * Texto principal – raças de cães e gatos 501 TC1 L14 ** Texto principal – raças de ovelha 503 AC/TC2/PE2 L14 */***/* Texto principal – judeus ashkenazim,
caucasianos, afro-americanos 515 TC1 L8 ** Texto principal – título do livro de Darwin;
raças de cães e gatos 533 TC1 L10 * Texto principal – Homo sapiens
neanderthalensis 534 TC1 L10 * Texto principal – Homo sapiens sapiens 536 TC1 L6 ** Quadro Texto para discussão – variedades
de milho, trigo, soja, tomate; raças puras de cães
537 PE2 L6 * Exercício – meios de locomoção diminuindo ou eliminando isolamento geográfico em Homo sapiens
136
7.2.5 – Biologia: volume único – Soares (1997):
Página Categoria Local Número de
ocorrências Forma de ocorrência
5 TC2 L18 * Sumário – O gene pool das populações [humanas]
344 TC1 L1 *** Texto principal – denominação trinomial para subespécie; ex. das subespécies de ema (Rhea)
233 TC1 L13 * Texto principal – raça de gado Polled angus
242 TC1 L13 * Texto principal – raça de gado sueca Lowland
246 FB/TC2 L4 */* Quadro - Polialelia em cor da pele humana. Legenda – cor da pele como traço étnico
249 TC1 L4 ** Exercícios – raça de galinha Leghorn; raça de cães cocker spaniel
264 TC2 L6 ** Texto principal – raças negra, branca, mongólica associadas ao conceito de gene pool. Figura com legenda – grupos étnicos humanos
281 FB L8 * Fotografia com legenda – indivíduos da espécie humana com diferentes fenótipos
283 PE1/TC1 L8 */* Texto principal – carneiros da raça ancon, derivada por seleção artificial. Foto com legenda – raça ancon
284 FB/PE2/IH2 L8 */*/* Texto principal – mutacionismo – mutações que originaram olhos azuis e cabelos louros como “bastante interessantes” (sic) para a espécie humana
287 PE1/TC1 L16 */* Texto principal – segregação artificial de animais domésticos e plantas para obter ou procriar variedades. Figura com legenda – isolamento reprodutivo e raças de gatos, cães e plantas.
287 TC1/PE1/PE2/TC2 L10 */*/*/* Texto principal – desenvolvimento de grupos “étnicos” pelos fatores evolutivos. Figura com legenda – isolamento e aparecimento de grupos “étnicos” e sua posterior miscigenação
294 TC1/PE1 L17 */* Texto principal – variedades de banana e de trigo
298, 299 e 302
TC1 L10 ***** Figuras com legenda – subespécies Homo sapiens sapiens, Homo sapiens neanderthalensis, Homo sapiens rhodesiensis
443 TC1 L11 * Exercício – raça de galinhas andaluza 444 TC1 L13 * Exercício – raças de cavalos
137
446 TC1 L13 * Exercício – raça de gado Shorthorn 446 FB L13 * Exercício – genes na espécie humana para
cabelos escuros ou claros; lábios grossos ou finos; nariz largo ou afilado; [...]
453 TC1 L13 * Exercício – raças de galinha 453 FB L4 * Exercício – cor da pele: casamento entre
mulatos médios 454 TC1 L13 * Exercício – variedades de aveia 455 TC1 L13 * Exercício – raça de galinhas Leghorn 467 TC1/PE1 L16 */* Exercício – raças isoladas
geograficamente; cruzamentos inter-raciais
468 TC1 L10 * Exercício – Homo sapiens heidelbergensis
479 e 480
TC1 L1 ** Exercícios – nomenclatura trinomial (subespécie)
138
7.2.6 – Biologia – Amabis e Martho (2004), volume 3:
Página Categoria Local Número de
ocorrências Forma de ocorrência
2 TC1/PE1 L2 */* Texto principal – seleção produzindo variedades de animais e plantas domésticos
19 TC1/PE1 L11 **/* Quadro “Quem foi Gregor Mendel?” – hibridização com variedades de ervilhas
25 TC1 L11 ** Texto principal – linhagens de coelhos 26 TC1 L11 *** Texto principal / esquema – linhagens de
coelhos 32 TC1 L11 * Exercício – linhagens puras de ervilha 33 FB L11 ** Texto principal – fenótipos de cor de pele
e textura de cabelo humanos 34 FB/TC1 L11 **/** Texto principal / foto com legenda –
fenótipos humanos ao lado de cães de raças diferentes
38 TC1 L11 * Texto principal – raça de galinhas andaluza
39 TC1 L11 * Esquema – raça de galinhas andaluza 42 TC1 L11 ** Texto principal – raça de galinhas
andaluza 44 TC1 L11 * Texto principal – cães da raça beagle 45 TC1 L11 * Ilustração com legenda – cães da raça
beagle 58 TC1 L11 * Exercício – raça de gado shorthorn 63 TC1 L13 * Foto com legenda – variedades de milho 74 TC1 L13 ** Texto principal – raças e linhagens puras
de galinhas 75 TC1 L13 **** Texto principal – linhagens puras de
galinhas 79 TC1 L13 *** Texto principal – linhagens e raça de cães
labrador 80 TC1 L13 * Foto com legenda – raça de cães labrador 84 TC1/FB L13/L4 **/* Texto principal – linhagens puras de trigo /
fenótipos de pele humana: negro, mulato-escuro, etc
86 TC1 L13 * Quadro – variedades de cevada 86 a 88 FB/TC2 L13 */** Quadro “Genética da cor dos olhos na
espécie humana” 89 TC1/PE1 L13 **/** Quadro com intertexto – melhoramento
genético de vegetais 90 TC1/FB L13 */* Exercícios – raça de cães labrador /
diferentes cores de olhos em humanos 92 TC1 L13 * Exercício – variedades puras de ervilha 109 TC1 L13 * Exercício – linhagem de coelhos 127 TC1 L13 * Quadro com intertexto – linhagens puras
de abelhas
139
129 TC1 L13 * Exercício – linhagens puras em animais 155 TC1 L15 * Exercício – linhagens puras em animais 157 TC1 L14 ******** Texto principal / duas fotos com legenda –
raças de cães; variedades de couve, brócolis, etc
158 TC1 L14 ******** Texto principal / foto com legenda – raças de gado; variedades de milho
159 TC1 L14 ******* Texto principal / quadro com foto e legenda “Origem e propagação da laranja-da-baía”
160 TC1 L14 ** Texto principal – linhagens e endogamia em plantas
161 TC1 L14 *********** Texto principal / duas fotos com legenda – definição de raça pura; cães da raça dachmund; variedades de vegetais
173 TC1 L14 ** Texto principal – variedades transgênicas de soja e de milho
179 TC1 L14 ** Exercícios – linhagens de animais 184 e 186
TC1 L8 ** Texto principal e foto– título do livro de Darwin: On the origin [...] favoured races [...] raças favorecidas [...]
189 TC1/PE1 L8 */* Texto principal – evolução em Galápagos com origem de variedades e espécies
190 TC1/PE1 L8 ***/*** Texto principal / fotos e legenda / figura e legenda – seleção artificial produzindo variedades ou raças de animais domésticos
209 FB L16 * Foto com legenda – variabilidade gênica na espécie humana e ínfima diferença genética entre pessoas
219 PE2/PE3 L7 */* Texto principal – anemia falciforme e populações “negra” e “afro-americana” descendentes
220 e 221
TC1/PE1 L16 ********/** Texto principal – linhagens de insetos
230 AC/PE3 L16 */** Texto principal / esquema com legenda – princípio do fundador, comunidades religiosas Dunker
243 TC1 L17 ** Texto principal / foto com legenda – conceito tipológico de espécie e representantes típicos de espécie ou raça; raças de cães
244 TC1/PE1 L17 *******/** Texto principal / esquema com legenda – definição de subespécies ou raças
278 PE2 L10 * Quadro Os neandertalenses – corpo e membros curtos e compactos como adaptação ao clima frio da Europa
282 e 283
PE2 L10 * Intertexto – Homo floriensis como resultado de isolamento geográfico e evolução lamarckista [!]
140
7.2.7 – Biologia – Frota-Pessoa (2005). Volume 3: Página Categoria Local Número de
ocorrências Forma de ocorrência
8 FB L20 * Ilustração com legenda – reprodução da pintura Operários
51 Texto existente na edição anterior – projeto Miscigenação brasileira
75 TC1 L2 ** Texto principal – vida de Mendel – raças de milho e de ervilha
84 e 85
FB L4 ** Texto principal e esquema – cor da pele em humanos
101 IH1 ** Texto principal – comentário histórico sobre racismo e leis anti-racistas
103 TC2/PE3 */* Texto principal – siclemia em negros oriundos de regiões de malária endêmica na África
113 TC1/PE1 */* Texto principal – seleção artificial originado raças ou cultivares de plantas
114 TC1/PE1 **/* Texto principal – cruzamentos entre raças de gado
116 TC1 * Foto e legenda – raça de galinha 120 TC1 * Texto principal – híbridos e raças
puras de galinha 122 PE2 * Texto principal – diferenças
genéticas significantes entre humanos e neandertalenses, de modo que não seriam raças da mesma espécie
128 e 129
PE1 ** Texto principal – reconhecimento de várias espécies de roedores por já terem ultrapassado o nível de raças
136 PE1/PE2 */* Texto introdutório (à unidade 5) – macroevolução como processo que cria raças, espécies, gêneros e grupos maiores a partir de uma única espécie
146 TC1/PE1 */* Texto principal – raças de galinha 147 TC1/TC2/PE1/PE2 */*/*/* Texto principal – raças e
especiação em geral; raças humanas e princípio de Hardy-Weinberg
148 TC2/PE2/PE3 **/**/*** Texto principal – deriva genética; raças humanas e princípio de Hardy-Weinberg; população ameríndia da América do Sul formando raças
141
149 TC2/PE1/PE2/PE3 **/*/*/* Texto principal – imigração de europeus e africanos e raças indígenas produzindo uma “raça brasileira”;barreiras geográficas e migrações e animais e plantas
151 PE1 * Texto principal – raças e especiação
152 TC1 ** Texto principal – definição do conceito de raça (animal); fotos (com legenda) de raças de cães
153 TC1/PE1 */* Texto principal – definição de raças geográficas
153 TC2/PE2/AC ****/*/* Texto principal – reconhecimento de raças humanas por diferenças genéticas; raças humanas como estágios da evolução; conceito de etnia
153 TC1/TC2/PE1 ***/****/* Texto principal – divisão da humanidade em raças, tal como ocorre com as demais espécies; nomenclatura trinomial de subespécie (raça geográfica)
154 TC2 **** Texto principal – populações da Itália, Grécia e da Escandinávia como raças diferentes
154 TC2/PE2/PE3 ********/*/* Texto principal – raça caucasóide, raça nórdica; raciação como mecanismo de especiação, o que não ocorreu com humanos; migrações; tronco racial mongolóide, raça brasileira, raça argentina
154 e 155
IH1 *** Texto principal – racismo e atitudes racistas; solidariedade e antagonismo (instintos agressivos) com base genética
155 TC1/TC2/PE1/IH2 ***/**/*/* Texto principal – na espécie humana, há raças naturais que não são puras; analogia entre seleção artificial em animais e uma inadmissível seleção artificial em humanos
155 e 156
TC1/TC2/PE1/PE2/PE3
*****/****/**/*/*
Texto principal / foto com legenda – raciação como mecanismo de especiação; miscigenação entre raças humanas
157 PE1 * Texto principal – estudo de populações de papagaios, araras e similares por meio de análise de DNA mitocondrial
142
159 TC1 * Texto principal – raças animais e variedades vegetais
162 PE1 * Texto principal – seleção natural e influência do clima
165 TC1/PE1 */* Texto principal – seção A ciência em marcha – Darwin e seleção artificial
166 e 167
TC2/IH1/IH3 ******/***/** Seção A ciência em marcha – intertexto – O problema racial no Brasil, democracia racial
186 TC2/PE2/PE3 **/**/** Texto principal – isolamento e fluxo gênico e as raças ameríndias e populações mongólicas
187 TC2/PE3 */** Texto principal – invasão européia 191 PE3 * Texto principal – princípio do
fundador em ilha do Maranhão 230 IH1 * Texto introdutório - racismo 258 TC2/PE2/PE3 **/*/** Texto principal – migração de
mongolóides (adaptados ao clima frio) originando indígenas
260 TC2 * Seção A ciência em marcha – intertexto – raças primitivas em Homo sapiens
264 TC2/PE2/AC */**/* Texto principal – esquimós tendo adaptações genéticas ao frio, e adaptações culturais (iglus)
265 IH1 ** Texto principal – racismo 268 e 269
TC3/PE3 */* Texto principal – população humana originada da África e com limitada diversidade genética
273 e 277
TC1 * Glossário – definições de etnia e de raça
286 TC1/TC2/PE1 */*/* Exercício – teoria de Darwin e raças de animais versus raças humanas
304 TC1/PE1 **/* Índice remissivo – raça, raça geográfica, raciação
143
8 – Anexos
Anexo 1. (sítio BBC Brasil, 2007).
144
Anexo 2. (revista Veja, 6 de junho de 2007).
145
Anexo 3. (Caderneta de Saúde da Criança, 2006).
146
Anexo 4. (Caderneta de Saúde da Criança, 2006).
147
Anexo 5. (CAMPAGNE, 1886).
148
Anexo 6. (CAMPAGNE, 1886).
149
Anexo 7. (COON, 1962, plate VII).
150
Anexo 8. (COON, 1962, plate VI).
151
Anexo 9. (revista Veja, 20 de dezembro de 2000).
152
Anexo 10. (revista Veja, 20 de dezembro de 2000).
153
Anexo 11. (revista Veja, 6 de junho de 2007).
154
Anexo 12. (revista Raça Brasil, agosto de 2007).
155
Anexo 13. (ALMEIDA JÚNIOR, 1966, p. 76).
156
Anexos 14 e 15. (LANGLEBERT).
157
Anexo 16. (TERRA ILLUSTRADA).
158
Anexo 17. (TERRA ILLUSTRADA).
159
Anexo 18. (HISTORIA NATURAL FTD, 1924).
160
Anexo 19. (HISTORIA NATURAL FTD, 1924).
161
Anexo 20. (MELLO-LEITÃO, 1933).
162
Anexo 21. (MELLO-LEITÃO, 1933).
163
Anexo 22. (BSCS, 1976).
164
Anexo 23. (O GLOBO, 25 de setembro de 2007).
165
Anexo 24. (SCIENTIFIC AMERICAN, setembro e August, 2007).
166
Anexo 25. (SCIENTIFIC AMERICAN, setembro e August, 2007).
167
Anexo 26. (AMABIS e MARTHO, 1994, p. 285 e 286).
168
Anexo 27. (AMABIS e MARTHO, 1983, p. 231).
Anexo 28. (AMABIS e MARTHO, 1983, p. 252).
169
Anexo 29. (FROTA-PESSOA, 1972, p. 587).
170
Anexo 30. (FROTA-PESSOA, 1972, p. 588).
171
Anexo 31. (FROTA-PESSOA, 1972, p. 577).
Anexo 32. (FROTA-PESSOA, 1972, p. 575).