Tese de Doutorado
“Proximidade territorial, aprendizado e inovação: Um
estudo sobre a dimensão local dos processos de capacitação inovativa em arranjos e sistemas produtivos
no Brasil”
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Autores: Marco Vargas (IE-UFRJ)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
Proximidade territorial, aprendizado e inovação: Um estudo sobre a dimensão local dos processos de capacitação inovativa em arranjos e
sistemas produtivos no Brasil
Marco Antonio Vargas
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Economia
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Cassiolato
Rio de Janeiro
2002
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
Proximidade territorial, aprendizado e inovação: Um estudo sobre a dimensão local dos processos de capacitação inovativa em arranjos e
sistemas produtivos no Brasil
Marco Antonio Vargas
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Economia
BANCA EXAMINADORA Prof. José Eduardo Cassiolato (orientador) Prof. Fábio Stefano Erber Prof. Paulo Bastos Tigre Prof. Renato Ramos Campos Prof. Wilson Suzigan Prof. Jorge Nogueira de Paiva Britto (suplente)
Rio de Janeiro, 2002
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Agradecimentos
Mais do que meras categorias de análise, a interação e a cooperação
representaram princípios fundamentais na realização desta tese. Nada mais oportuno,
portanto, do que resgatar neste momento a importância que assumiram as contribuições
de diversas pessoas e instituições no sentido de concretizar este trabalho.
Ao professor José Eduardo Cassiolato, meu orientador e com quem tenho tido o
privilégio de conviver nos últimos anos, devo um agradecimento especial. Tanto no
plano profissional como pessoal, sua postura fraternal, séria e competente constituiu um
incentivo permanente e foi decisiva para finalização da tese.
A oportunidade de integrar a rede de pesquisa sobre arranjos e sistemas
produtivos, permitiu o acesso a um ambiente muito especial de debate acadêmico. A
tese incorpora importantes aportes conceituais e metodológicos que se originaram a
partir das discussões no escopo deste grupo e, particularmente, com amigos com quem
tive a oportunidade de manter um convívio mais próximo nos últimos anos como
Helena Lastres, Cristina Lemos, Renato Campos, Arlindo Villaschi e Jorge Britto. No
Rio Grande do Sul, nas diferentes fases da pesquisa pude contar com o apoio e amizade
de Rejane Alievi e Nery dos Santos Filho que, juntamente comigo, integraram a equipe
de coordenação do estudos sobre arranjos e sistemas locais no Estado.
No Instituto de Economia da UFRJ tive a oportunidade de conviver num
ambiente acadêmico intenso e de permanente debate que contribui decisivamente para
meu crescimento intelectual durante o doutorado. Em particular, agradeço aos
professores Fábio Erber e Paulo Bastos Tigre pelas valiosas críticas e sugestões feitas
durante a etapa de avaliação do projeto de Tese.
Minha permanência no IDS - Institute of Development Studies - da Universidade
de Sussex, entre 1999 e 2000, representou uma oportunidade única de compartilhar de
um ambiente acadêmico intenso e avançar em diversos elementos do referencial
analítico da tese. Neste aspecto, gostaria de agradecer a Hubert Schmitz e aos demais
membros do grupo de Globalização pelas inúmeras oportunidades que tive de apresentar
e debater meu trabalho de pesquisa, incorporando assim importantes sugestões às
versões preliminares de capítulos. Da mesma forma, das salas de seminário aos
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encontros de sexta-feira no PUB do IDS, o apoio e amizade de diversos colegas no IDS
e SPRU foram fundamentais para o sucesso deste meu período de permanência em
Sussex. Em especial gostaria de agradecer a Eva Dantas, Eduardo, Keyju, Lizbeth
Navas Aleman, Luis Paulo Bresciani Maite Irurzun, Milasoa Cherel, Nicolas, Rosane
Marques e Sérgio Queiroz., entre outros tantos.
Em todos os estágios do doutorado, o apoio financeiro da CAPES foi
fundamental, seja através da concessão de bolsa no programa PICDT ou na concessão
de bolsa para realização do doutorado sanduíche na Inglaterra.
O apoio da Universidade de Santa Cruz do Sul através do seu programa
qualificação de professores, assim como o apoio dos meus colegas também foi
fundamental para viabilizar o meu afastamento das atividades docentes durante o
período de realização do programa de Doutorado no IE/UFRJ. Além disso, durante a
realização das pesquisas de campo no Rio Grande do Sul contei com o importante
respaldo institucional da universidade através de diferentes articulações e convênios.
Toda esta empreitada não teria sido possível sem o apoio emocional que tive de
minha família no decorrer de todo o período do doutorado. Sob os mais diversos
aspectos, sempre contei com a compreensão e o carinho de todos.
Ao meu amor maior, Marina, devo muito mais do que os dias e noites de
ausência, conselhos sábios e revisões incansáveis. Devo a ela todo o amor e carinho do
mundo e a certeza de que, parafraseando Benedetti, juntos somos muito mais do que
dois.
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Resumo
Esta tese discute o papel da proximidade territorial no processo de capacitação
produtiva e inovativa de empresas inseridas em aglomerações produtivas, no contexto
dos países em desenvolvimento. A principal hipótese utilizada é de que os processos de
aprendizado tecnológico e capacitação produtiva não podem ser explicados unicamente
a partir de fatores internos a uma firma ou setor. Tais processos emergem também das
formas de interação que são estabelecidas entre os diferentes atores e instituições que
integram os sistemas produtivos em âmbito local.
Do ponto de vista teórico e conceitual, tal análise baseia-se, em particular, no conceito
de sistema de inovação desenvolvido no escopo da abordagem neo-schumpeteriana,
bem como em elementos analíticos oriundos de contribuições da literatura em Ciência
Regional e Clusters Industriais nos países em desenvolvimento, entre outras.
Em termos de evidências empíricas, a tese está fundamentada num conjunto de estudos
que abrange a experiência de quatro aglomerações produtivas situadas no Estado do Rio
Grande do Sul: O arranjo agro-industrial fumageiro localizado na região do Vale do Rio
Pardo; os arranjos vitivinícola e moveleiro localizados na Serra Gaúcha; e o arranjo
coureiro-calçadista localizado na região do Vale dos Sinos. Com base nos estudos de
caso a tese discute as características e funcionalidade de diferentes formatos de
aglomerações produtivas a partir da noção de arranjo produtivo local. A noção de
arranjo produtivo local refere-se genericamente aos diferentes tipos de aglomerações
produtivas mencionadas na literatura e serve de base para discussão de um referencial
analítico que abarca aspectos relativos à forma de organização dos sistemas de
produção, estruturas de governança e estratégias de capacitação inovativa e produtiva
presentes nestas aglomerações.
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Abstract
The aim of this thesis is to discuss the role of territorial proximity in the productive and
innovative capability strategies of firms comprising local productive clusters in
developing countries. The main hypothesis is that technological and productive learning
processes cannot be explained entirely by sectoral or individual firm analysis. Instead,
such processes arise from the interaction relationships established between different set
of actors and institutions comprising local productive systems.
In order to explore these issues, the thesis draws together those strands of literature
concerned with the relationship between territorial proximity, learning and innovation.
Besides the literature on systems of innovation the thesis has also drawn on the
literature concerned with industrial cluster in developing countries and the main
contributions emerging from the regional science literature, among others.
The empirical material on which the thesis is based comprises four local productive
arrangements in the State of Rio Grande do Sul: the tobacco agro- industrial productive
arrangement in Rio Pardo Valley; the wine and furniture local productive arrangements
located in the Serra Gaúcha region; and the leather- footwear arrangement in the Sinos
Valley. These four empirical studies are useful to discuss some major dimensions
associated to the concept of local productive arrangement. The concept of Local
Productive Arrangement encompasses the different types of productive agglomerations
described in the literature and is used to build an alternative analytical framework that
comprises three main analytical dimensions. The first is concerned with the productive
system’s organization and territorialisation forms. The second is related to the
governance forms within the local productive arrangement. The third is concerned with
innovative strategies and interactive learning mechanisms adopted by local actors.
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Proximidade territorial, aprendizado e inovação: Um estudo sobre a dimensão local dos processos de capacitação inovativa em arranjos e sistemas produtivos no
Brasil
Sumário
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................................1 PARTE I: REFERENCIAL TEÓRICO...................... .......................................................................................................09 1 - A DIMENSÃO LOCAL DO APRENDIZADO E DA INOVAÇÃO..........................................................................09 1.1 -Introdução........ ...........................................................................................................................................................09 1.2 - O conhecimento e o aprendizado sob as novas condições de desenvolvimento sócio-econômico...........................14 1.3 - Da informação como conhecimento ao aprendizado pela interação: uma análise da visão neoclássica e neo-schumpeteriana sobre conhecimento e inovação.............................................................................. ..................................19 1.4 - Dimensão tácita e os limites da codificação do conhecimento .................................................................................31 1.5 - Conclusão: a dimensão localizada do aprendizado....................................................................................................35 2 – PROXIMIDADE ESPACIAL, INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE......................................................................37 2.1 – Introdução..................................................................................................................................................................37 2.2 – Convergência e diversidade: os limites da globalização produtiva e tecnológica.....................................................40 2.3 –Proximidade espacial, inovação e competitividade: principais enfoques...................................................................46 2.3.1 – As contribuições da literatura sobre clusters industriais nos países em desenvolvimento....................................51 2.3.2 - Millieu Inovativo e sistemas locais de inovação.....................................................................................................57 2.3.3 - A literatura sobre sistemas de inovação .................................................................................................................62 2.3.4 - Novos espaços industriais e sistemas locais de produção.......................................................................................68 2.4 – Conclusões.................................................................................................................................................................73 PARTE II: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA EXPERIÊNCIA DE ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS SELECIONADOS: ELEMENTOS PARA ELABORAÇÃO DE UM REFERENCIAL ANALÍTICO............................78 Introdução geral..................................................................................................................................................................78 Reformas estruturais e reestruturação produtiva na década de 90......................................................................................80
86
3 – CARACTERIZAÇÃO DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS SELECIONADOS........ ..................................87 3.1 – Introdução..................................................................................................................................................................87 3.2 – Origem, consolidação e estágios de desenvolvimento...............................................................................................90 3.3 – Organização territorial e padrões de concorrência..................................................................................... ..............100 3.4 – Estrutura e organização dos sistemas de produção: atores e mercados...................................................................110 3.4.1 – Aglomerações produtivas locais voltadas ao mercado externo: o caso dos arranjos fumageiro e coureiro-calçadista...........................................................................................................................................................................110 3.4.2 – Aglomerações produtivas com foco em mercados locais e nacionais: o complexo agro-industrial vitivinícola e o pólo moveleiro na Serra Gaúcha...............................................................................................................................120 3.5 - Conclusões................................................................................................................................................................126 4 – FORMAS DE COORDENAÇÃO E DESENHOS INSTITUCIONAIS....................................................................131 4.1 – Introdução................................................................................................................................................................131 4.2 – Arranjos produtivos articulados com instâncias globais de coordenação................................................................133 4.3 – Arranjos produtivos articulados com instâncias locais de coordenação..................................................................144 4.4 - Conclusões................................................................................................................................................................152 5 – MECANISMOS DE APRENDIZADO E ESTRATÉGIAS INOVATIVAS.............................................................157 5.1 – Introdução................................................................................................................................................................157 5.2 – Características gerais do processo de capacitação produtiva e inovativa................................................................159 5.3 – Fontes de informações e formas de cooperação......................................................................................................177 5.3.1 – Arranjos produtivos articulados com instâncias globais de coordenação: a experiência dos arranjos fumageiro e coureiro-calçadista...................................................................................................................................... .177 5.3.2 – Arranjos produtivos articulados com instâncias locais de coordenação: a experiência do arranjo moveleiro e vitivinícola............................................................................................................................ ............................................192 5.4 - Conclusões................................................................................................................................................................199 CONCLUSÃO..................................................................................................................................................................205
87
BIBLIOGRAFIA. ............................................................................................................................................................212 ANEXOS..........................................................................................................................................................................226
88
Lista de Tabelas, Quadros, Gráficos e Figuras
Tabelas
TABELA 2.1 - Categorias de governança pública-privada e local-global ..........................57
TABELA 3.1 - Participação da Indústria e do setor Elétrico e de Comunicações no PIB – 1949-1999............................................................................................................. 83 TABELA 3.2 - Produção e Exportação mundial de fumo em folha: Principais Países - 1995 - 1999 (em toneladas) ................................................................................. 102 TABELA 3.3 - Principais Países Produtores de Calçados - 1994/96 ............................... 103 TABELA 3.4 – Móveis Principais Países Exportadores de móveis –1996/1997 (%) ...... 105 TABELA 3.5 – Produção e Consumo Mundial de Vinho ................................................ 109 TABELA 3.6 - Estrutura da indústria calçadista gaúcha, 1994......................................... 116 TABELA 3.7 - Arranjo coureiro-calçadista do Vale do Sinos – principais atores no segmento produtivo- 1991;1996 .................................................................................. 118 TABELA 3.8 - Comercialização da produção de móveis do RS, segundo a participação percentual de cada mercado .......................................................................... 124
TABELA 5.1 - Inovações de produto e processo adotadas no arranjo fumageiro ............ 162 TABELA 5.2 - Investimento em P&D e pessoal vinculado às atividades de Assistência Técnica ........................................................................................................... 164 TABELA 5.3 - Inovações de produto e processo adotadas no arranjo vitivinícola .......... 167 TABELA 5.4 - Arranjo Moveleiro: Importância associada às inovações de produto e processo de acordo com o porte da empresa - 1995-1999 ............................................. 172 TABELA 5.5 - Perfil de qualificação da mão-de-obra (%) .............................................. 174
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TABELA 5.6 - Arranjo coureiro-calçadista: Importância associada às inovações de produto e processo de acordo com o porte da empresa - 1995-1999 .......................... 175 TABELA 5.7 - Arranjo fumageiro: Principais fontes de informação para adoção de inovações ..................................................................................................................... 178 TABELA 5.8 - Arranjo coureiro-calçadista: Principais fontes de informação utilizadas pelas empresas calçadistas para promover inovações de produto ou processo, de acordo com o porte das empresas ................................................................. 184 TABELA 5.9 – Arranjo Vitivinícola: Principais fontes de informação para adoção de inovações .......................................................................................................... 193
Quadros
QUADRO 3.1 - Características da estrutura produtiva dos arranjos analisados ................. 87 QUADRO 3.2 - Origem e consolidação dos arranjos .......................................................... 92 QUADRO 3.3 - Desnacionalização das Empresas do Setor Fumageiro em Santa Cruz do Sul .......................................................................................................................... 96 QUADRO 3.4 - Empresas fumageiras: filiais fora da região do Vale do Rio Pardo – 1998.......................................................................................................................103 QUADRO 4.1 - Principais características do Sistema Integrado de Produção no arranjo fumageiro ...............................................................................................................135 QUADRO 4.2 - Principais organizações voltadas à coordenação das relações inter empresariais no arranjo fumageiro .....................................................................................136 QUADRO 4.3 – Organizações de Representação instaladas no Vale dos Sinos ...............141 QUADRO 4.4 - Principais organizações de coordenação das relações inter empresariais no arranjo vitivinícola.................................................................................. 149 QUADRO 4.5 - Estruturas de governança e desenhos institucionais nos arranjos............ 153
90
QUADRO 5.1 - Arranjo fumageiro: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção de inovações ......................................................................................182 QUADRO 5.2 – Arranjo coureiro-calçadista: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção de inovações ....................................................................................... 190 QUADRO 5.3 – Arranjo vitivinícola: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção de inovações ................................................................................................... 195 QUADRO 5.4 - Arranjo moveleiro: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção de inovações .................................................................................................. 199 QUADRO 5.5 - Características associadas aos sistemas de conhecimento e estratégias inovativas nos arranjos produtivos ................................................................ 201 QUADRO 6.1 – Canais de comercialização e estratégias de capacitação: Inserção em cadeias globais x atuação em nichos próprios .............................................................. 209
Gráficos GRÁFICO 3.1 - Arranjo Moveleiro: Vantagens Relacionadas à Localização da Empresa na Região ............................................................................................................ 125 GRÁFICO 5.1 - Importância associada aos diferentes tipos de inovações adotadas pelas empresas do arranjo moveleiro - 1995-1999 ........................................................... 173 GRÁFICO 5.2 - Arranjo coureiro-calçadista: Vantagens associadas ao perfil da mão- de-obra no Vale dos Sinos ..................................................................................................176 GRÁFICO 5.3 - Empresas Calçadistas: mudanças nas relações de cooperação com os demais atores do arranjo 1995-1999 ..................................................................... 186 GRÁFICO 5.4 – Empresas calçadistas: mudanças nas relações de cooperação horizontal – 1995-1999...................................................................................................... 187 GRÁFICO 5.5 - Arranjo moveleiro: Fontes de informação para adoção de inovações
91
nas grandes e médias empresas ......................................................................................... 197 GRÁFICO 5.6 - Arranjo moveleiro: Principais Fontes de Informação para adoção de inovações nas Pequenas Empresas.................................................................................198
Figuras FIGURA 3.1 - Mapa do Arranjo Fumageiro ...................................................................... 115
92
INTRODUÇÃO
A percepção de que o conhecimento e a inovação representam fatores cruciais
para o sucesso competitivo e o desenvolvimento de indivíduos, firmas, regiões e países
não se constitui num fato novo na literatura. Entretanto, no decorrer das últimas
décadas, a emergência de um novo paradigma tecnológico1 aliada ao debate em torno do
fenômeno da globalização contribuíram consideravelmente para reforçar o interesse em
torno da importância que assume o processo de geração, distribuição e uso do
conhecimento no estágio atual de desenvolvimento do sistema capitalista.
Diante deste quadro, marcado por profundas mudanças técnicas e
organizacionais que surgem juntamente com o que alguns autores convencionaram
chamar de Nova Economia Baseada no Conhecimento, a inovação, seja ela tecnológica
ou organizacional, está cada vez mais associada ao tema do aprendizado2. Sem
desconsiderar os diferentes enfoques que integram a literatura sobre aprendizado, uma
das abordagens que encontra-se diretamente relacionada ao debate atual é a do
aprendizado pela interação (learning-by-interacting) (Lundvall, 1988; 1995), que
destaca a natureza interativa e cumulativa do processo de aprendizado e sua importância
crítica para o desempenho competitivo 3.
A importância do aprendizado pela interação está vinculada à visão sistêmica do
processo de inovação. Neste, a capacidade de geração, difusão e utilização de novos
conhecimentos consolida-se como um processo que transcende a esfera da firma
individual e passa a depender da contínua interação entre firmas e destas com as
1 A concepção relativa a mudança de paradigma tecno-econômico foi originalmente proposta por Chris Freeman e Carlota Perez (1988) para descrever o conjunto de transformações radicais que se processam na economia mundial a partir da década de 70. Esses autores enfatizam que as inovações institucionais constituem um fator tão importante neste processo de transformação quanto as mudanças de natureza técnico- produtivas induzidas pelo surgimento das novas tecnologias de base microeletrônica. 2 O acelerado processo de difusão das novas tecnologias de informação e comunicação e sua profunda influência sobre diferentes aspectos da organização sócio-econômica, política, cultural, etc constituem-se na base das mudanças paradigmáticas que têm sido descritas por diferentes autores como Nova Economia Baseada no Conhecimento (Lundval e Foray, 1996); Nova Sociedade da Informação (Castells, 1997); Economia do Aprendizado (Lundvall e Bórras, 1997); entre outras denominações. 3 No âmbito da teoria Econômica é possível identificar alguns enfoques que analisam diferentes aspectos sobre a questão do aprendizado tais como: learning-by-doing (Arrow, 1962); learning-by-using (Rosenberg, 1982); learning-by-interacting (Lundvall, 1992); e learning-by-searching (Boulding, 1985).
93
diferentes instituições que constituem sistemas de inovação em diferentes âmbitos4. Em
particular, esse modelo interativo de inovação ressalta a relevância da cooperação entre
firmas e demais instituições e, portanto, o papel dos vínculos e redes envolvendo
diferentes organizações.
A partir da década de 80, diversas contribuições passaram a enfatizar que os
processos de aprendizado interativo evoluem a partir de bases de conhecimento e
padrões de comunicação que, muitas vezes, são moldados por configurações
institucionais cuja origem e evolução se traduzem na proximidade geográfica entre
firmas em aglomerações produtivas. Inspirados numa concepção que remonta ao
trabalho pioneiro de Marshall5, tais estudos estiveram pautados, em grande parte, pelo
desenvolvimento induzido a partir do dinamismo tecnológico de determinadas
aglomerações produtivas. Como exemplos mais clássicos deste tipo de estudo
encontram-se os Distritos Industriais na chamada Terceira Itália, o Vale do Silício na
Califórnia, ou a região de Baden-Wurttemberg na Alemanha, entre outros. Experiências
cujo sucesso logrou resgatar o papel ativo desempenhado pelo ambiente local enquanto
instância de organização da produção e locus de importantes elementos relacionados ao
aprendizado tecnológico6.
Da mesma forma, o interesse crescente em torno da dinâmica econômica e
tecnológica de sistemas produtivos operando em regiões específicas resultou na criação
de múltiplas definições e conceitos voltados à análise sobre a importância da dimensão
territorial na coordenação e organização de atividades produtivas e tecnológicas.
Distritos industriais (Brusco, 1990; Becattini, 1990; Piore e Sabel, 1984), clusters
industriais (Schmitz, 1989; 1995; Nadvi e Schmitz, 1994), millieu inovativo (Aydalot,
1986; Maillat, 1996), sistemas nacionais e regionais de inovação (Freeman, 1987;
Lundvall, 1992; Braczik et al.,1998), entre outros, são alguns dos conceitos que
4 Neste aspecto, assume uma importância crucial as relações de cooperação horizontais e verticais, entre firmas, bem como com seu universo de clientes, fornecedores e demais organizações como centros de pesquisa, escolas técnicas, atores públicos e privados, que desempenham um papel relevante no processo de capacitação de arranjos produtivos. 5 Em seus 'Princípios de Economia' (1890), Marshall foi o primeiro autor a utilizar o conceito de 'Distritos Industriais', para descrição de um padrão de organização comum à Inglaterra dos fins do século XIX, onde pequenas firmas concentradas na manufatura de produtos específicos de setores como o têxtil se localizavam geograficamente em grupamentos, em geral na periferia dos centros produtores . 6 Como um elemento comum à maior parte desses enfoques, esteve o debate em torno do crescente esgotamento dos ganhos de produtividade oriundos do modelo fordista de produção em massa e a transição para um novo paradigma tecno-econômico baseado nos avanços advindos de ramos ligados às novas tecnologias como a microeletrônica e a biotecnologia.
94
procuram captar a diversidade dessas experiências empíricas. Em particular, tais
contribuições logram resgatar a importância da diversidade em termos de formatos
institucionais e padrões de organização produtiva e tecnológica que refletem a dimensão
localizada do aprendizado tecnológico, numa clara contraposição aos argumentos sobre
a crescente desterritorialização da economia contemporânea induzida pelo fenômeno da
globalização (Amin, 1993).
Esta tese visa contribuir na discussão sobre o papel da proximidade territorial no
processo de capacitação produtiva e inovativa de empresas inseridas em aglomerações
produtivas. Em particular, objetiva-se analisar as especificidades que assume a dinâmica
competitiva e inovativa em diferentes formatos de arranjos produtivos no contexto dos
países em desenvolvimento.
Num plano mais geral, a análise parte da hipótese de que os processos de
aprendizado tecnológico e capacitação produtiva não podem ser explicados unicamente
a partir de fatores internos a uma firma ou setor. Tais processos emergem também das
formas de interação que são estabelecidas entre os diferentes atores e instituições que
integram os sistemas produtivos em âmbito local. Esta percepção encontra-se
fundamentada na premissa de que o ambiente local não consiste numa mera delimitação
geográfica, mas antes constitui uma unidade própria de análise, que condiciona o
desempenho competitivo e inovativo de empresas articuladas em torno de arranjos e
sistemas produtivos.
Com relação à análise das limitações que caracterizam o ambiente industrial e
inovativo dos países em desenvolvimento, e em particular da América Latina, a análise
parte daquelas contribuições que, desde a década de 70, têm explorado a natureza
específica das trajetórias de aprendizado tecnológico nestes países. De uma maneira
geral, a experiência destes países demonstra que, aliado ao investimento reduzido nas
atividades de C&T e a importância de fontes externas na capacitação tecnológica do
setor produtivo, existem limitações igualmente importantes relacionadas à inexistência
ou ineficácia de configurações institucionais que compõem seus sistemas de inovação e
à ausência de vínculos de interação entre os principais atores que integram tais sistemas.
Entretanto, um dos principais focos de atenção da tese recai sobre o impacto do
processo de reformas estruturais sobre os arranjos que, desde a década de 90, tem
95
acarretado importantes mudanças nas estratégias inovativas e competitivas em
diferentes segmentos de empresas no Brasil.
Diante desses dois eixos principais de análise, relativos à dimensão localizada do
processo inovativo e suas especificidades no contexto dos países em desenvolvimento,
esta tese discute as características e funcionalidade de diferentes formatos de
aglomerações produtivas a partir da noção de arranjo produtivo local. A noção de
arranjo produtivo local refere-se genericamente aos diferentes tipos de aglomerações
produtivas mencionadas na literatura e serve de base para discussão de um referencial
analítico que abarca aspectos relativos à forma de organização dos sistemas de
produção, estruturas de governança e estratégias de capacitação inovativa e produtiva
presentes nestas aglomerações.
Do ponto de vista teórico, a análise baseia-se no referencial evolucionista sobre
o processo de mudança tecnológica e explora o conceito de sistema de inovação
desenvolvido no escopo da abordagem neo-schumpeteriana. Neste contexto, a inovação
é colocada como um fenômeno sistêmico que tem lugar através da interação entre
diferentes atores e instituições e onde o conceito de aprendizado torna-se fundamental
para compreensão das trajetórias de capacitação inovativa das firmas (Freeman, 1987;
Lundvall, 1988 e 1992). Da mesma forma, o processo inovativo ocorre através do
compartilhamento de bases de conhecimento e padrões de aprendizado que são
sustentados por arcabouços institucionais específicos (Johnson, 1992).
Em termos de evidências empíricas, a tese está fundamentada num conjunto de
estudos que abrange a experiência de quatro aglomerações produtivas situadas no
Estado do Rio Grande do Sul: O arranjo agro-industrial fumageiro localizado na região
do Vale do Rio Pardo; os arranjos vitivinícola e moveleiro localizados na Serra Gaúcha;
e o arranjo coureiro-calçadista localizado na região do Vale dos Sinos7. Estes estudos
foram realizados entre o segundo semestre de 1997 e o segundo semestre de 1999, no
escopo da Rede de Pesquisa em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais,
sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro8.
7 Os critérios que nortearam a seleção destes quatro estudos de caso são discutidos na introdução geral da segunda parte da tese e no anexo metodológico. 8 No conjunto de publicações que resultaram destes estudos destacam-se: Vargas (2001); Vargas (2000); Vargas e Alievi (2002); Vargas e Alievi (2000); Vargas, Santos e Alievi (2000); Vargas, Santos e Alievi (1999a e 1999b); Alievi e Vargas (2001).
96
Assim, a análise comparativa apresentada nesta tese se insere, em parte, num
esforço coletivo de constituição de um referencial conceitual e metodológico voltado
para o estudo das especificidades que cercam o processo de capacitação em
aglomerações produtivas no Brasil e no Mercosul. Da mesma forma, a apresentação e
debate dos resultados destes estudos em diferentes fóruns, inclusive juntos aos atores
dos próprios arranjos, contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento e
enriquecimento do referencial de análise utilizado nesta tese.
É importante assinalar algumas limitações intrínsecas ao tipo de análise proposta
nesta tese. No plano metodológico, a realização de um estudo comparativo com base na
experiência dos quatro arranjos produtivos restringe a profundidade da análise em torno
das principais características estruturais de cada um dos arranjos. No entanto, tal
limitação reflete uma escolha consciente no sentido de privilegiar alguns parâmetros de
comparação entre os diferentes arranjos, em detrimento de uma análise mais detalhada
dos mesmos.
Outra limitação refere-se ao fato de que todos os arranjos analisados operam em
setores chamados tradicionais (móveis e calçados) ou agro- industriais (fumo e vinho).
Apesar de oferecer aportes importantes para discussão sobre os mecanismos que afetam
o dinamismo competitivo e inovativo de aglomerações produtivas, o referencial
analítico desenvolvido a partir destes estudos apresenta uma limitação referente ao seu
grau de generalização.
Finalmente, um terceiro tipo de limitação reside na utilização de um referencial
analítico que se vale de uma tipologia preliminar visando identificar diferentes formatos
de aglomerações produtivas. A constituição deste referencial implicou na escolha de
alguns critérios simplificadores que, mesmo envolvendo um certo grau de
arbitrariedade, refletem certas dimensões-chave do processo de capacitação do conjunto
de aglomerações estudadas.
A tese está estruturada em torno de duas partes que totalizam seis capítulos. A
primeira parte, composta pelos dois primeiros capítulos, é de natureza teórico-conceitual
e, em linhas gerais, discute questões relativas à dimensão local do aprendizado
inovativo e às principais contribuições na literatura sobre aglomerações produtivas. A
97
segunda parte, apresenta a análise dos estudos empíricos organizada em torno dos
quatro capítulos restantes, onde se inclui a conclusão do trabalho.
O primeiro capítulo discute a relação entre aprend izado e inovação tendo como
pano de fundo o arcabouço teórico neo-schumpeteriano. O debate apresentado neste
capítulo abarca dois eixos de análise. O primeiro, de cunho mais geral, destaca as
principais implicações associadas às mudanças na forma de produção e distribuição de
conhecimento que emergem juntamente com o processo de transição para um novo
paradigma tecno-econômico, no decorrer das últimas décadas. Em particular, discute-se
a crescente polarização entre as economias avançadas e os países em desenvolvimento
decorrente do hiato em termos de competências e da capacitação para inovação. O
segundo eixo de análise procura explorar a relação entre conhecimento, aprendizado e
inovação a partir de uma perspectiva que enfatiza a dimensão tácita do conhecimento e
a natureza interativa e localizada do aprendizado. Tal caracterização permite destacar a
importância da proximidade no processo de capacitação inovativa de sistemas
produtivos na medida em que se concebe o ambiente local como um conjunto de
configurações institucionais e organizacionais inseridas num rol de interações com
diferentes atores econômicos.
O segundo capítulo apresenta uma sistematização das diferentes abordagens
teóricas que, de alguma forma, incorporam a proximidade espacial como uma dimensão
analítica relevante no estudo da capacitação inovativa e competitiva de arranjos e
sistemas produtivos. O capítulo encontra-se focalizado em torno de quatro enfoques
principais que abarcam: a) a literatura sobre clusters industriais nos países em
desenvolvimento, com ênfase na discussão sobre as implicações da interação entre
instâncias globais e locais de coordenação no processo de upgrading de aglomerações
produtivas nos países em desenvolvimento; b) a abordagem sobre Milleu inovativo e,
em particular, seus desdobramentos recentes em termos de modelos sobre sistemas
locais de inovação que destacam o espaço meso econômico enquanto principal instância
para o desenvolvimento de processos de aprendizado e inovação; c) as contribuições
sobre novos espaços industriais que emergem a partir da literatura sobre ciência
regional, com ênfase na discussão sobre diferentes formas de territorialização das
atividades econômicas e na caracterização de sistemas produtivos locais; d) as
abordagens sobre sistemas de inovação associadas a teoria evolucionária neo-
98
schumpeteriana, com ênfase na discussão sobre sistemas regionais de inovação que
destaca a noção de ordem coletiva baseada em formas de regulação micro institucionais
e condicionada por elementos como confiança, intercâmbio e integração coletiva. Esse
conjunto de contribuições incorpora elementos de maior interesse para as questões
teóricas e metodológicas apresentadas na tese e fornece subsídios para construção do
referencial analítico que serve de base para discussão dos estudos empíricos.
A partir do terceiro capítulo discute-se a relação entre diferentes formatos de
arranjos produtivos e sua dinâmica inovativa e competitiva, através dos resultados
obtidos nos estudos empíricos. Tal análise comparativa é desenvo lvida através de um
referencial que abarca aspectos relacionados às formas de organização de estruturas
produtivas, sua dimensão territorial, padrões de concorrência, estruturas de governança,
desenhos institucionais e mecanismos interativos de aprendizado. No terceiro capítulo,
apresenta-se uma caracterização inicial dos arranjos produtivos estudados a partir de um
conjunto de elementos associados à evolução da estrutura produtiva e desempenho
competitivo destas aglomerações até a década de 90. Da mesma fo rma, procura-se
avaliar o impacto do processo de reformas estruturais na economia brasileira no
decorrer da década de 90, sobre a trajetória recente dos arranjos estudados. Tal
caracterização visa, em particular, analisar os principais pontos de inflexão associados à
trajetória de desenvolvimento dos arranjos e destacar a forma de inserção de diferentes
segmentos de atores na estrutura produtiva dos mesmos.
O quarto capítulo discute a influência das estruturas de governança e desenhos
institucionais sobre as formas de organização da estrutura produtiva e dos sistemas de
conhecimento associados aos quatro estudos de caso. Tal análise remete, em particular,
a um debate sobre as diferentes estruturas de poder subjacentes aos diversos formatos de
arranjos produtivos e ao papel desempenhado pelos desenhos institucionais e
organizacionais, na promoção de vínculos cooperativos entre diferentes segmentos de
atores locais.
O quinto capítulo avança na sistematização de um referencial analítico para
caracterização de diferentes formatos de arranjos produtivos através da discussão sobre
os mecanismos de aprendizado tecnológico e estratégias inovativas associadas a cada
um dos estudos de caso. A natureza dos mecanismos interativos de aprendizado
encontra-se focalizada sobre o esforço de capacitação tecnológica e o padrão de
99
incorporação de inovações nas firmas que integram o segmento produtivo principal da
cadeia produtiva em âmbito local. Em particular, a análise procura identificar em que
medida os processos de aprendizado nos arranjos emergem e são sustentados através de
vínculos de interação e cooperação entre atores locais e estão baseados em fontes de
conhecimento locais ou externas a estas aglomerações.
O sexto capítulo apresenta as principais conclusões relativas à análise da
dinâmica inovativa e competitiva nos diferentes formatos de arranjos e sistemas
produtivos locais estudados. Em particular, sugere-se que a importância da proximidade
territorial para o desenvolvimento de processos interativos de aprendizado tende a variar
de acordo com especificidades associadas a fatores tais como: estruturas de governança,
desenhos institucionais, canais de comercialização de diversos tipos de arranjos
produtivos, entre outros. Neste aspecto, este capítulo final analisa o impacto dessas
dimensões-chave sobre os mecanismos de aprendizado e as estratégias inovativas em
diferentes arranjos produtivos, bem como os possíveis desdobramentos desta análise em
termos da proposição de políticas industriais e de competitividade voltadas para
capacitação inovativa e produtiva de empresas articuladas em arranjos e sistemas
produtivos locais.
100
PARTE I - REFERENCIAL TEÓRICO
1. - A DIMENSÃO LOCAL DO APRENDIZADO E DA INOVAÇÃO
1.1 - Introdução.
Uma das características mais marcantes das últimas décadas tem sido o ritmo
acelerado de mudança tecnológica motivado, em grande parte, pela intensificação da
competição nos mais diversos mercados em âmbito mundial. Diante da crescente
complexidade associada atualmente ao processo de geração, difusão e uso de novos
conhecimentos e da própria incerteza decorrente da globalização, a capacidade de
manter processos de aprendizado tornou-se um fator crucial para sobrevivência
competitiva de empresas e regiões. Entretanto, no âmbito da teoria econômica, ainda
que o conhecimento e a competência humana sejam reconhecidos como elementos
centrais no processo de desenvolvimento, verifica-se ainda uma dificuldade intrínseca
da maior parte dos enfoques teórico-conceituais em lidar com o conhecimento e o
aprendizado enquanto variáveis endógenas em seus modelos analíticos.
Este capítulo apresenta uma análise crítica em relação à percepção sobre
conhecimento e inovação característica da abordagem ortodoxa neoclássica e os
principais elementos relativos à abordagem evolucionária e neo-schumpeteriana. Tal
contraposição serve como pano de fundo para discutir o papel do conhecimento e do
aprendizado no atual contexto do desenvolvimento, e destacar a importância crescente
que assume a dimensão localizada do processo de aprendizado e da inovação enquanto
fonte de vantagem competitiva de firmas, regiões e países.
A discussão apresentada no capítulo articula-se em torno de duas linhas
principais de análise. Na primeira, de cunho mais geral, consideram-se as principais
implicações das mudanças na forma de produção e distribuição de novos conhecimentos
que vêm sendo associadas ao advento de um novo paradigma tecno-econômico. Este
novo modelo, rotulado por alguns autores de “Economia do Conhecimento e do
Aprendizado”, guarda uma relação direta com o uso crescente das tecnologias de
informação e comunicação (TIC) e abarca também um intenso debate tendo em vista
101
sua relação com o fenômeno da globalização9. A segunda linha de análise busca
explorar a relação entre conhecimento, aprendizado e inovação a partir de uma
perspectiva que contempla a dimensão tácita e codificada do conhecimento, e o caráter
interativo e localizado que assumem os processos de aprendizado voltados para
inovação. A partir desta caracterização, discute-se o papel e a importância da
proximidade territorial na promoção de processos de aprendizado interativo.
Na medida em que este capítulo explora a dimensão tácita e localizada do
conhecimento e do aprendizado interativo no processo de inovação, é importante
destacar dois conjuntos de contribuições que, no decorrer das décadas de 70 e 80,
desempenharam um papel fundamental na discussão sobre a natureza específica e
limitada do processo de aprendizado tecnológico nos países em desenvolvimento.
Uma das primeiras contribuições sistemáticas sobre a natureza limitada do
processo de capacitação tecnológica nos países em desenvolvimento surgiu ainda na
década de 70, através da literatura ligada à escola da dependência. Dentre as principais
contribuições associadas a este enfoque destacam-se, os trabalhos de Cooper e
Sercovitch (1971), Vaitsos (1974) e Cardoso (1977), entre outros10. De um ponto de
vista histórico, a escola da dependência consistiu numa importante reação aos enfoques
teóricos que preconizavam que a industrialização de países periféricos consistiria num
processo gradual, ocorrendo em etapas sucessivas até atingir patamares semelhantes ao
dos países industrializados.
Esse enfoque do ‘desenvolvimento por estágios’ ganhou força no período do
pós-guerra e baseava-se, em parte, no papel modernizador do investimento externo.
Neste aspecto, o principal questionamento da escola da dependência - relativo à
especificidade do padrão de desenvolvimento em países periféricos - permaneceu válido
e influenciou significativamente o esforço de pesquisa sobre mudança tecnológica nos
países em desenvolvimento11. Uma das principais constatações da literatura sobre
9 Existe um relativo consenso de que a conjugação de dois fenômenos – o crescente movimento de liberalização e desregulação dos mercados e o advento deste novo paradigma pautado pelas tecnologias de informação e comunicação – é considerada como um elemento catalisador do processo de globalização nas últimas décadas. (Lastres, Cassiolato, Lemos, Maldonado e Vargas, 1999: 43) 10 Para uma revisão da literatura da dependência em comparação com a literatura sobre aprendizado endógeno incremental ver especialmente Erber (1983) e Viotti (1997). 11 Também é importante destacar a influência das idéias desenvolvidas por teóricos da CEPAL em defesa do processo de industrialização específico da América Latina e que representaram um dos principais pontos de interlocução para a escola da dependência (Erber, 1983).
102
dependência aponta para a heterogeneidade considerável da estrutura industrial e, em
particular, para o tamanho e papel limitado desempenhado pelos setores fornecedores de
tecnologia e bens de capital nos países periféricos (Erber, 1983).
Um segundo conjunto de contribuições remete à literatura sobre aprendizado
endógeno incremental, que surge no final década de 70, e que esteve particularmente
representada através de dois grupos. Um deles consiste numa série de estudos sobre
mudança tecnológica em empresas nos países em desenvolvimento onde se destacam os
trabalhos de Katz (1978), Maxwell (1977) e Dahlman e Fonseca (1978). O segundo
conjunto de estudos, que avalia a capacitação tecnológica dos países em
desenvolvimento através das exportações de bens de capital e serviços tecnológicos,
esteve representado pelos trabalhos de Katz e Ablin (1979) e Lall (1980).
Dentre as principais características da literatura sobre aprendizado endógeno
incremental destaca-se, em primeiro lugar, uma visão da mudança tecnológica como um
processo contínuo (em oposição à ênfase na descontinuidade e ruptura característica da
visão schumpeteriana de destruição criadora). Em segundo lugar, os estudos também
apontaram para evidências importantes relativas ao domínio de tecnologias de
manufatura por parte dos países em desenvolvimento, bem como para sua capacidade de
introdução de melhorias em produtos e processos importados através de esforços de
aprendizado incremental. Finalmente, tais processos de aprendizado estariam refletindo
o sucesso destes países na exportação de tecnologia, em particular com relação ao
conhecimento tecnológico incorporado em produtos e processos complexos (Erber,
1983: 9).
Sob vários aspectos, a literatura sobre aprendizado incremental endógeno
representou uma contribuição significativa para compreensão do processo de mudança
tecnológica nos países em desenvolvimento e apontou para existência de importantes
formas de adaptação local de técnicas importadas nestes países. Entretanto, a análise a
partir deste enfoque reflete uma visão parcial sobre o processo de mudança tecnológica
nos países em desenvolvimento.
Em primeiro lugar, de acordo com este enfoque, as trajetórias de aprendizado
tecnológico apresentam uma natureza similar tanto nos países industrializados como nos
países em desenvolvimento. Em segundo lugar, tais trajetórias sofreriam reduzida
103
influência decorrente de mudanças radicais em paradigmas tecnológicos (Dosi, 1988).
Diante desta percepção, a mudança tecnológica nos países em desenvolvimento acaba
por se reduzir a um processo contínuo de aprendizado ao longo de um paradigma
determinado. Dessa forma, a principal diferença entre o processo de mudança
tecnológica nos países desenvolvidos e em desenvolvimento estaria reduzida a
idiossincrasias em termos de trajetórias de aprendizado tecnológico de uma mesma
natureza que apenas seriam diferenciadas em função dos estímulos característicos do
ambiente de cada país (Viotti, 1997: 53).
De acordo com Erber (1983: 10), as limitações presentes na literatura sobre
aprendizado endógeno incremental decorrem, em grande parte, da sua vinculação com a
abordagem neoclássica. Neste aspecto, Clark (1985) lembra que o ponto de partida para
a literatura sobre aprendizado incremental endógeno reside no conceito de learning-by-
doing formalizado por Arrow.
Apesar da ênfase na natureza incremental do processo de capacitação
tecnológica dos países menos desenvolvidos ser, em parte, consistente com a visão
presente na escola da dependência, ela enfatiza que países periféricos apresentam
condições limitadas para promover processos de desenvolvimento tecnológico
espontâneos. Neste aspecto, por um lado, as evidências oriundas da literatura sobre
aprendizado incremental demonstram que a abordagem da dependência tende a
subestimar a crescente inserção de países em desenvolvimento em novos nichos de
mercado, abertos pela expansão do comércio mundial, mesmo tendo em vista seu grau
limitado de capacitação tecnológica. Por outro lado, a visão otimista da literatura sobre
aprendizado incremental em relação à evolução dos países em desenvolvimento na
divisão internacional do trabalho repousa, de acordo com Erber (1983), em duas
premissas errôneas. A primeira estaria baseada na suposição de que o investimento e o
comércio mundial tendem a apresentar um crescimento estável de modo a permitir a
crescente inserção de países menos desenvolvidos em novos nichos para exportação de
tecnologias de produto e processo. A segunda e principal crítica refere-se à limitação da
literatura sobre aprendizado incremental no sentido de compreender o impacto do
processo de transição em direção a um novo paradigma tecno-produtivo, que vem se
delineando nas últimas décadas, sobre o processo de capacitação tecnológica dos países
em desenvolvimento.
104
O desenvolvimento subsequente de estudos centrados nas especificidades
inerentes ao processo de aprendizado tecnológico nos países em desenvolvimento
logrou ampliar consideravelmente a compreensão sobre as limitações que cercam o
processo de mudança tecnológica nestes países. Destacam-se, em particular,
contribuições mais recentes voltadas para análise das implicações da abordagem sobre
sistemas de inovação no âmbito dos países em desenvolvimento12. Partindo, em alguns
casos, de estudos comparativos sobre sistemas de inovação em diferentes países, tais
contribuições logram demonstrar que a literatura sobre sistemas de inovação
desconsidera importantes problemas relacionados à instabilidade e vulnerabilidade do
ambiente macroeconômico, institucional, político e financeiro dos países em
desenvolvimento (Cassiolato e Lastres, 1998: 33). Da mesma forma, essas contribuições
enfatizam a importância relativa ao papel de políticas ativas de aprendizado tecnológico,
tanto em âmbito nacional como no âmbito das empresas (Bell e Cassiolato, 1993).
Verifica-se, portanto, uma convergência entre essas contribuições mais recentes e as
análise que, desde a década de 70, têm enfatizado a importância do ambiente
macroeconômico e institucional no sentido de moldar o processo de mudança
tecnológica nos países em desenvolvimento.
Essa discussão será retomada na segunda parte da tese que discute a trajetória
recente de desenvolvimento dos arranjos estudados à luz do impacto das reformas
estruturais que tem lugar no Brasil no decorrer da década de 90. O foco sobre o
processo de reformas estruturais, liberalização e abertura comercial no Brasil justifica-
se pelo grande impacto que essas mudanças ocasionaram nas trajetórias recentes de
desenvolvimento da estrutura industrial brasileira.
Da mesma forma, na medida em que o conhecimento é colocado como principal
insumo e o aprendizado como principal processo no contexto atual de reestruturação
tecno-econômica, o reconhecimento de tais particularidades é fundamental para
compreensão dos processos de aprendizado inovativo que têm lugar no conjunto de
aglomerações produtivas analisadas na segunda parte da tese.
O capítulo encontra-se dividido em quatro seções além desta introdução. A
próxima seção aborda as transformações associadas à chamada Economia do
12 Dentre as principais contribuições destacam-se Cassiolato (1992); Villaschi (1992); Bell e Cassiolato. (1993); Albuquerque (1998) e Viotti (1997).
105
Conhecimento e do Aprendizado e suas implicações sobre as novas condições de
desenvolvimento sócio-econômico. Em particular, esta segunda seção aponta para o
risco de polarização que se origina no hiato relacionado às condições de geração e
apropriação de conhecimentos entre diferentes países e regiões. A terceira seção traz
uma análise crítica sobre a noção de inovação e conhecimento característica da
abordagem neoclássica tradicional e procura contrapor a visão ortodoxa com os
principais elementos presentes na abordagem evolucionária e neo-schumpeteriana. A
quarta seção apresenta uma análise sobre a relação entre conhecimento tácito e
codificado e os limites associados ao processo de codificação do conhecimento. As
conclusões do capítulo, na quinta seção, destacam a importância crescente do
conhecimento tácito como um dos principais elementos que explicam a dimensão
localizada do aprendizado frente ao processo de globalização.
1.2 - O conhecimento e o aprendizado sob as novas condições de
desenvolvimento sócio-econômico
A ênfase sobre a importância do aprendizado associada ao debate atual sobre o
novo paradigma tecno-econômico justifica-se a partir de duas perspectivas distintas
(Foray e Lundvall, 1996; Lundvall, 1996). Por um lado, na medida em que a
competência humana encontra-se no centro do processo de desenvolvimento de
qualquer sociedade, a constituição de uma visão que focaliza o aprendizado e o
conhecimento em qualquer processo histórico de formação sócio-econômico constitui-
se num elemento analítico relevante. Por outro lado, partindo-se de uma perspectiva
histórica específica que remete às condições atuais de desenvolvimento, na qual a
economia encontra-se profundamente enraizada na produção, distribuição e uso de
conhecimentos, justifica-se a ênfase no surgimento de uma nova era caracterizada como
Economia do Conhecimento e do Aprendizado.
A ‘Economia do Conhecimento’ caracteriza-se por três elementos principais
(Carter, 1994)
106
• a crescente importância de transações econômicas focalizadas no
conhecimento;
• a acelerada mudança qualitativa em produtos e serviços;
• a própria incorporação da criação e implementação de mudanças como um
objetivo dos agentes econômicos.
Estes e outros elementos que caracterizam a economia do conhecimento - tais
como a nova dinâmica de formação de conhecimentos tácitos e codificados; a crescente
importância das redes de conhecimento; e o ritmo acelerado dos processos de
aprendizado – tem sua origem associada ao uso crescente das tecnologias de informação
e comunicação (Freeman e Soete, 1993).
Entretanto, ao mesmo tempo em que as tecnologias de informação e
comunicação (TIC) representam, no longo prazo, uma nova base para ganhos potenciais
de produtividade no processo de geração, distribuição e uso do conhecimento, existe um
relativo consenso de que suas implicações imediatas ainda refletem limitações de ordem
institucional. Esta questão é enfatizada por Foray e Lundvall (1996:14) que distinguem
o impacto das tecnologias de informação e comunicação sobre o desenvolvimento da
economia do conhecimento tendo em vista suas implicações a médio e longo prazos. No
que se refere aos seus efeitos de longo prazo, o uso crescente das novas TIC tende a
contribuir direta e indiretamente nos processo de aquisição de conhecimento através de
três formas principais: i) no desenvolvimento de instrumentos e ferramentas para
pesquisa básica e P&D (tais como protótipos e técnicas de simulação); ii) na crescente
capacidade de geração de alternativas tecnológicas e; iii) no amplo impacto das redes
eletrônicas enquanto ferramentas de pesquisa.
Porém, dentre os impactos mais imediatos associados ao uso das novas TIC, a
existência de atritos decorrentes do descompasso entre as mudanças técnicas e a ordem
institucional vigente constitui-se, sem dúvida, numa das principais limitações ao pleno
desenvolvimento e consolidação do novo paradigma tecno-econômico das tecnologias
da informação.
O uso da infra-estrutura técnica viabilizada a partir das TIC demanda, tanto de
indivíduos como de organizações, novos hábitos e formas de organização que nem
107
sempre se desenvolvem no mesmo ritmo das mudanças técnicas13. Dessa forma, as
transformações que vêm sendo engendradas a partir das novas tecnologias da
informação e comunicação não podem ser explicadas unicamente através de seus
recursos físicos ou palpáveis (como equipamentos). Tais transformações envolvem uma
dimensão incorpórea que é moldada, em grande parte, pelas necessidades dos agentes
no manuseio dessas informações (Aksoy, 1990). Neste aspecto, existe uma percepção de
que as limitações de ordem institucional associadas à difusão das novas tecnologias de
informação e comunicação são importantes e devem ser contornadas através de uma
intensificação dos processos de aprendizado em todos os níveis da sociedade mediante o
envolvimento de empresas, dos sistemas educacional e tecnológico e demais instituições
formais tais como mecanismos de proteção à propriedade intelectual.
A importância crucial do aprendizado, não somente na busca de acesso a
informação, mas principalmente na construção de novas competências e qualificações
se traduz na própria conceitualização da ‘Economia do Conhecimento’ sob o sinônimo
de ‘Economia do Aprendizado’. Mais do que uma mera questão semântica, o uso deste
rótulo como um conceito chave na definição do novo paradigma se justifica pela sua
ênfase no ritmo acelerado de mudança em variáveis econômicas, sociais e tecnológicas
associadas a aquisição de conhecimentos especializados (e codificados). Em outras
palavras, a noção de ‘Economia do Aprendizado” logra deixar claro que o que
realmente importa para o desempenho competitivo é a habilidade para o aprendizado (e
para o esquecimento) dos agentes econômicos e não o estoque de conhecimentos
(Ludvall, 1995: 29-30).
Entretanto, na medida em que as transformações técnicas e institucionais
engendradas a partir da economia do conhecimento e do aprendizado são discutidas a
luz do processo de globalização, percebe-se um outro tipo de impacto ligado a crescente
polarização entre indivíduos, setores, regiões e países no tocante ao desenvolvimento de
processos de aprendizado e no acesso ao conhecimento. Ainda que esta polarização seja,
em parte, apontada como uma decorrência transitória do processo de consolidação deste
novo paradigma, alguns autores consideram que ela reflete características estruturais do
13 Conforme destacado na introdução, essa noção de descompasso entre o ritmo de mudanças técnicas e a ordem institucional remete à discussão sobre o processo de transição associado à revoluções tecnológicas proposta por Carlota Perez e Chris Freeman (Freeman e Perez, 1988).
108
novo modelo de desenvolvimento centrado no papel da inovação e do aprendizado
(Castells, 1999, Vol.1: 66; 1997; Chesnais, 1992: 291)
Assim, se nas economias industrializadas o hiato em termos da capacidade de
construção de competências e qualificações constitui-se, atualmente, num dos principais
fatores de polarização social e regional, no âmbito dos países em desenvolvimento os
efeitos nefastos de tal polarização se mostram ainda mais evidentes.
A noção de “sociedade do aprendizado” associada ao conceito de economia do
conhecimento reflete um padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico presente
em algumas partes do mundo que, todavia, passa a ser extrapolado como uma realidade
global. Porém, ainda que a maior parte das economias periféricas (em particular no caso
dos países latino americanos) não apresente sinais de convergência em direção aos
padrões da sociedade do aprendizado, tais economias são profundamente afetadas pelas
tendências impostas por esta nova ordem global.
Alguns autores têm enfatizado que este novo hiato entre os países em
desenvolvimento e as economias industria is avançadas se reflete, em particular, no
acesso à infra-estrutura física das novas tecnologias de informação e comunicação,
configurando um tipo de exclusão digital (digital divide). Entretanto, a noção de
exclusão digital apresenta um alcance limitado no sentido de traduzir a real dimensão do
hiato que vem sendo estabelecido entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
como resultado do uso crescente das novas tecnologias de informação e conhecimento.
Em particular, a noção de exclusão digital se preocupa apenas em quantificar o hiato em
termos das diferenças na infra-estrutura física desconsiderando, portanto, problemas
estruturais nos países em desenvolvimento que implicam em limitações para a criação
de condições de uso para as novas tecnologias.
Tendo em vista essas limitações, outros autores afirmam que o hiato estabelecido
entre países ou regiões que apresentam condições para uma inserção dinâmica na
economia do conhecimento e aqueles que se encontram fora deste novo padrão reflete
implicações ainda mais sérias que se traduzem numa exclusão em termos de capacidade
de aprendizado (learning divide). Assim, os fatores que condicionam a assimetria e
polarização entre regiões desenvolvidas e não desenvolvidas (ou mesmo entre
indivíduos e grupos sociais nos países) apresentaram variações ao longo da história.
109
Diante do contexto atual caracterizado por uma economia globalizada, baseada no
conhecimento e voltada para a inovação, é o aprendizado, sem dúvida, que assume o
papel de principal fator de assimetria ou exclusão14.
A permanência deste processo de exclusão do aprendizado (learning divide)
resulta, por sua vez, no aumento do ‘hiato inovativo’ presente nos países periféricos e
que se reflete na incapacidade de alguns países ampliarem seu nível de capacitação
frente aos demais, tendo em vista suas deficiências no desenvolvimento de processos de
aprendizado formais e informais. Da mesma forma, é importante ressaltar a distinção
entre o conceito de hiato inovativo e o de hiato tecnológico. Ambos apresentam uma
natureza diferenciada na medida em que o hiato tecnológico tende a refletir diferenças
no acesso a tecnologia enquanto que o hiato inovativo reflete diferenças em termos de
capacitações e aprendizado, que consistem em limitações mais difíceis de serem
superadas. Em particular, a constituição de capacitações relevantes em termos de
aprendizado envolve o mapeamento e a identificação de lacunas das bases de
conhecimento disponíveis; a organização de processos de busca para aquisição de
conhecimento; a integração de novas parcelas de conhecimento nas bases existentes;
bem como a aplicação destas bases de conhecimento nas práticas correntes.
Entretanto, a criação de condições adequadas ao pleno desenvolvimento de
processos de aprendizado constitui uma pré-condição básica para superação de ‘hiatos
inovativos’ e para própria dinâmica de crescimento econômico. Neste aspecto, a criação
e manutenção dos chamados espaços de aprendizado interativo representa uma condição
essencial para superação deste processo de exclusão. Estes espaços podem estar
representados por diferentes tipos de organizações formais (tais como universidade,
centros de pesquisa, departamentos de empresas, etc.) ou através de redes de pesquisa
formadas com objetivos específicos. Assim, tais espaços representam oportunidades
para resolução de problemas que envolvem a geração de conhecimentos em diferentes
estágios que vão desde a pesquisa básica até o desenvolvimento experimental de novos
produtos e processos (Sutz e Arocena, 2000: 7).
As especificidades que marcam o ambiente de aprendizado e de inovação nos
países em desenvolvimento também são discutidas por Cassiolato e Lastres (2000: 35)
14 “The divide is indeed centred around learning, because what is paramount to be and to stay in the "good side" is to master uncertainty and destabilisation with creativity plus ability to make the most of
110
que enfatizam, em particular, a limitação da maior parte dos enfoques conceituais sobre
sistemas nacionais de inovação em lidar com a instabilidade institucional e
macroeconômica característica destes países:
The environment of developing countries, however, has always
been characterized by macroeconomic instability. Despite of that,
important differences in national economic performance are expected to
remain, particularly between richer and poorer countries. At least two
structural differences, identifiable at national level are important for
variances in NSI. One is institutional and the other technological. Both
interrelated, suffer strong influences from macroeconomic instability and
are partially responsible for the greater diversity that is found in NSI in
developing countries (Cassiolato e Lastres, 2000: 35)
Em síntese, as transformações associadas ao surgimento e difusão do novo
paradigma tecno-econômico, fundado na crescente complexidade e importância que
assume a relação entre conhecimento, aprendizado e inovação, têm suscitado
implicações de diferentes ordens. Em primeiro lugar, aliado ao descompasso entre o
ritmo de mudanças técnicas e a ordem institucional que decorre do uso intensivo das
novas tecnologias da informação e comunicação, percebe-se que o novo contexto que
marca a produção e difusão de conhecimentos tem levado a uma polarização crescente
entre países e regiões. Em segundo lugar, diante da intensificação do processo de
globalização no decorrer da década de 80 - que apresenta uma relação direta com a
difusão do novo padrão de desenvolvimento baseado no uso das TIC - percebe-se, com
preocupação, que tal polarização não se reflete somente nos padrões de renda,
produtividade e emprego, mas tem abarcado principalmente um hiato em termos de
capacitações para o aprendizado e para inovação. Em terceiro lugar, cabe enfatizar as
limitações enfrentadas pela maior parte das abordagens teórico-conceituais no sentido
de adaptar seus modelos a essa nova realidade que coloca a relação entre conhecimento,
aprendizado e inovação no centro da análise sobre o processo de desenvolvimento
sócio-econômico.
knowledge, including the ability to search for new knowledge. (Arocena e Sutz, 2000: 12).
111
1.3 - Da informação como conhecimento ao aprendizado pela interação: uma
análise da visão neoclássica e neo-schumpeteriana sobre conhecimento e inovação
A percepção de que o conhecimento representa um fator crucial no
desenvolvimento econômico não se constitui num fato novo. Mesmo quando remete-se
essa discussão aos primórdios da teoria econômica é possível apontar o interesse de
autores como Adam Smith e Karl Marx no papel desempenhado pelo conhecimento, sob
a forma de progresso técnico, na organização das atividades produtivas15. Entretanto,
percebe-se igualmente que tal interesse esteve historicamente acompanhado de uma
dificuldade intrínseca dos modelos econômicos em analisar o processo de acumulação e
geração de novos conhecimentos enquanto um componente endógeno do processo de
desenvolvimento. Neste aspecto, ainda que a incorporação do conceito de conhecimento
na teoria econômica, bem como sua relação com diferentes formas de aprendizado
represente um tema complexo, também constitui-se num ponto essencial para
compreensão da dinâmica competitiva e do próprio processo de mudança qualitativa do
sistema econômico (Dosi, 1996).
Do ponto de vista epistemológico, a discussão em torno do conceito de
aprendizado vincula-se à compreensão sobre a origem e evolução dos hábitos cognitivos
e estruturas de compreensão nos indivíduos. Em outras palavras, envolve uma tentativa
de desvendar os mecanismos de funcionamento da mente humana com relação ao
processo pelo qual indivíduos formam suas opiniões e utilizam seus conhecimentos
como base para suas ações e tomada de decisão (Hodgson, 1997: 663).
No campo da Ciência Econômica, de um modo geral, a busca de explicações
sobre a forma pela qual indivíduos e firmas acumulam e modificam suas bases de
conhecimento com vistas a atuar em mercados e organizações deu origem a diferentes
abordagens teóricas fundamentadas em perspectivas distintas sobre a natureza do
conhecimento. Por um lado, a abordagem neoclássica demonstra uma visão empiricista
que limita a noção de aprendizado ao acúmulo de informações através da observação e
15 O reconhecimento sobre a importância da informação e do conhecimento na economia ocupou efetivamente a atenção de diversos autores como Friedrick List, Joseph Schumpeter, entre tantos outros. Entretanto, o resgate deste conjunto de contribuições encontra-se fora do escopo de análise desta tese. Uma revisão sobre tais contribuições pode ser encontrada em Foray e Lundvall (1996); Dosi (1996); e Albuquerque (1998).
112
da experiência (Hodgson,1998). Por outro, no decorrer das últimas décadas, as
transformações radicais nas relações sócio-econômicas, engendradas pelas novas
tecnologias da informação e comunicação, contribuíram para o surgimento de novos
enfoques - baseados no referencial teórico evolucionário e neo-schumpeteriano - que
destacam a importância do conhecimento enquanto principal insumo do atual padrão de
desenvolvimento sócio-econômico e apontam a natureza social e interativa do processo
de aprendizado (Lundvall, 1995; Dosi 1996: 84).
De acordo com este enfoque não ortodoxo, o processo de aprendizado reflete o
uso de informações e a geração e difusão de conhecimentos (tácitos ou codificados),
constituindo-se numa atividade coletiva que integra a experiência de indivíduos e
organizações. Seu desenvolvimento efetivo encontra-se, portanto, vinculado à natureza
das interações entre diferentes atores sociais e ao estabelecimento de canais eficientes
de comunicação que, por sua vez, refletem as condições do ambiente social, cultural e
institucional (Amin e Wilkinson, 1999: 121).
Em linhas gerais, a concepção sobre conhecimento tecnológico presente no
escopo da abordagem neoclássica tradicional reflete integralmente as limitações
inerentes a um conjunto de pressupostos teóricos que se traduzem na existência de
agentes operando com informação perfeita, racionalidade maximizadora e em condições
de equilíbrio pleno. O principal foco de análise recai sobre o conhecimento incorporado
à função de produção na forma de equipamentos ou técnicas, onde as eventuais
mudanças no estoque de conhecimento são traduzidas na alteração de parâmetros
exógenos ao modelo. A questão da produção se resume a um problema de escolha de
técnicas, onde é assumido que as firmas têm competência para operar qualquer tipo de
tecnologia. A tecnologia, neste contexto, é encarada como um tipo de conhecimento ao
qual todas as firmas têm acesso imediato a um custo nulo (Dosi, 1988; Dosi e Egidi,
1991; Possas, 1988)
Tais limitações presentes no tratamento neoclássico para o processo de
transformação do conhecimento e sua relação com a inovação decorrem da própria
definição do modelo conceitual neoclássico marcado desde o início pela metáfora
mecanicista absorvida a partir dos princípios da física clássica. Não obstante as
transformações mais recentes no próprio referencial teórico da física, que passa a
incorporar linhas de pensamento semelhantes as do aparato conceitual evolucionário em
113
biologia, a teoria neoclássica logrou manter o referencial herdado da metáfora
mecanicista, mesmo tendo em conta as limitações relacionadas à incorporação de
elementos mais realísticos da vida econômica (Hodgson, 1998).
Diante de um contexto de análise permeado pelas premissas de racionalidade,
equilíbrio e agentes representativos, a análise neoclássica tradicional passa a assumir
que os agentes mantêm sua estrutura de preferências e regras de comportamento ao
longo do tempo. Na medida em que a garantia de um estado de equilíbrio elimina
qualquer necessidade ou incentivo para o aprendizado, a adoção de novas regras de
comportamento e qualificações fica restrita a simples processos de adaptação baseados
no resultado de ações passadas e a forma mais próxima de aprendizado se resume a um
processo de aquisição de informações.
A distinção entre informação e conhecimento representa um ponto essencial que
marca a oposição entre a perspectiva neoclássica tradicional e a abordagem neo-
schumpeteriana. Por um lado, a informação pode estar intimamente relacionada com
eventos empíricos, porém a informação como tal é constituída apenas através da
observação humana e da interpretação através de esquemas cognitivos. Dessa forma, a
criação de informação enquanto sinais depende fundamentalmente do conhecimento já
existente tendo em vista que este conhecimento pré-existente funciona como um
esquema cognitivo que viabiliza a compreensão e utilização dessa informação. Na
medida em que a informação é criada, entendida e utilizada passa a ser agregada à base
de conhecimento existente no decorrer de um processo complexo que pode depender de
uma prática contínua (Hodgson, 1996: 665). O conhecimento, por outro lado, constitui-
se numa forma de representação da informação que é mais agregada, mais estável (no
sentido institucional) e dependente de contextos específicos. O processo de aprendizado,
por sua vez, envolve o manuseio e processamento de informações e sua agregação na
forma de conhecimento.
A ênfase do arcabouço teórico-conceitual neoclássico na existência de processos
de otimização condicionados por estruturas estáveis de preferência contribuiu para o
desenvolvimento de uma perspectiva na qual a noção de aprendizado vincula-se à mera
aquisição e acumulação de informação16. Na abordagem neo-schumpeteriana, ao
16 Em sua crítica a visão neoclássica sobre aprendizado Hodgson coloca que: “Learning is thus treated as the mere acquisition and accumulation of information, as if it were a transferable substance 'out there'. On
114
contrário, o fenômeno do aprendizado envolve um processo permanente de reconstrução
do conhecimento e uma mudança constante nas relações que se estabelecem entre o
agente e o ambiente externo. Dessa forma, a abordagem neo-schumpeteriana destaca a
importância que assumem os esforços explícitos para geração de novos conhecimentos e
sua posterior difusão no sistema produtivo (Hodgson, 1996).
Em particular, a premissa sobre otimização presente no enfoque ortodoxo torna-
se extremamente problemática num contexto onde o processo de inovação encontra-se
permeado pela incerteza com relação ao futuro. Este tipo de incerteza, de natureza
substantiva, inviabiliza qualquer tipo de previsão por parte da firma, seja com relação ao
potencial de mercado ou mesmo quanto as características técnicas da inovação17. Neste
aspecto, Kwásnicki (1996) enfatiza que a premissa neoclássica de que os agentes
econômicos fazem escolhas ótimas demanda uma representação teórica particular sobre
a situação cognitiva destes agentes. Na maior parte dos casos, o indivíduo ou agente
econômico caracteriza-se por ter não somente informação completa sobre todas as
alternativas possíveis relacionadas aos estados do mundo, como também uma boa
compreensão sobre as conseqüências.
Da mesma forma, a premissa de racionalidade que reside no cerne da análise
econômica ortodoxa ainda desafia a compreensão sobre a real dimensão do
conhecimento e do aprendizado no funcionamento do sistema econômico. A premissa
de racionalidade "ilimitada" para todos os agentes econômicos presente na teoria
neoclássica assume que tanto as formas de conhecimento codificadas como tácitas são
perfeitamente dominadas por todos os indivíduos no sistema econômico. Neste aspecto,
mesmo os modelos neoclássicos mais elaborados como o das expectativas racionais
(Lucas, 1972; 1986) acabam, ainda que inadvertidamente, por comprometer o postulado
da racionalidade na medida em que suscitam questões sobre a natureza do processo de
aprendizado no sistema econômico. Nesta teoria, os agentes econômicos apreendem o
"modelo de funcionamento do mundo" através da observação e acúmulo de
informações, ou seja, a informação é descoberta e acumulada ao invés de ser gerada
the contrary, learning involves the continuous reconstruction and reformation of knowledge, involving a changing relationship between the agent and the external environment. It involves cognitive framing and selection of information. It is a process of problem-formulation and problem-solving, rather than the acquisition and accumulation of given, objective 'bits' of information." (Hodgson, 1998:676) 17 Esse tipo de incerteza no sentido proposto por Frank Knight é imprevisível e, portanto, não pode ser contornada através de escolhas racionais. Sobre este tema ver Knight, F. (1933), Risk, Uncertainty and Profit, 2nd edn, London, London School of Economics.
115
cognitivamente ou reformulada. Entretanto, conforme é colocado por Hodgson (1996:
4): “How can agents be said to be rational at a given point in time when they are in the
process of learning and acquiring relevant information? The very act of learning means
that not all information is possessed and global rationality is ruled out”
A permanência dessas premissas irrealistas no “núcleo duro” da abordagem
neoclássica se reflete diretamente na falta de relevância de seus modelos. Esse tipo de
limitação foi ilustrado em particular pelo exemplo do chamado resíduo de Solow
(1957)18. Somente a partir desta constatação acerca das limitações associadas aos
modelos de crescimento que a questão do aprendizado e da inovação começou a ser
considerada como uma questão relevante no escopo da abordagem neoclássica. Neste
aspecto, o conceito de "learning-by-doing", proposto por Arrow (1962) representa uma
das contribuições mais importantes no escopo da abordagem neoclássica sobre a relação
entre aprendizado e inovação, justamente pelo fato de reconhecer a natureza cumulativa
e interativa que assume o processo de aprendizado. Originalmente, o conceito de
learning-by-doing remete ao surgimento de diversos estudos empíricos sobre
crescimento econômico, que buscavam demonstrar que o aumento na produção per
capita não poderia ser atribuído somente ao crescimento da relação capital-trabalho.
Tendo em vista essa percepção, autores como Arrow, Abramovitz e Solow passam a
explorar a hipótese de que os indivíduos e empresas desenvolvem processos de
aprendizado através da experiência adquirida no decorrer do processo produtivo.
Com vistas a incorporar adequadamente o conceito de conhecimento na
abordagem neoclássica, Arrow (1962) analisa as particularidades que assume o
conhecimento enquanto mercadoria. Incialmente, Arrow identifica a noção de
conhecimento com a de tecnologia, num sentido mais amplo ligado ao know-how e
passa a interpretar a invenção como um processo de produção de conhecimento. Assim,
ao enfocar o papel da informação, este autor passa a enfatizar a questão da incerteza
relacionada a escassez, ausência e distribuição assimétrica que a informação apresenta
enquanto insumo no processo de pesquisa e invenção. Em particular, Arrow destaca três
18 Durante muito tempo, a economia neoclássica negligenciou a natureza endógena do processo de mudança tecnológica tratando o conhecimento tecnológico como uma variável exógena cuja aquisição, a exemplo de outros insumos, estaria condicionada à relações de mercado. Foi somente a partir trabalho de Solow que a tecnologia passou a ser considerada como uma variável explicativa fundamental nos modelos de crescimento neoclássicos, na medida em que verificou-se que entre 80% e 90% do crescimento da produtividade nas economias industrializadas avançadas seria explicado pelos efeitos da inovação.
116
problemas inter-relacionados que dão margem à existência de falhas no tocante à
alocação do fator conhecimento pelo mercado:
• Falta de apropriabilidade por parte daqueles que seriam os produtores do
conhecimento;
• Incerteza relacionada ao processo de produção do conhecimento;
• Indivisibilidade aliada à existência de economias de escala na sua produção.
A existência de incerteza implica em que a produção de conhecimento não possa
ser prevista a priori e que mesmo os mecanismos tradicionais utilizados no mercado
com vistas a compatibilizar riscos não possam ser aplicados no caso das atividades de
pesquisa. Já os problemas relacionados a falta de apropriabilidade envolvem a
impossibilidade de criar um mercado específico onde os produtores do conhecimento
possam internalizar adequadamente os benefícios advindos das atividades de pesquisa.
A questão da indivisibilidade, por fim, refere-se às economias de escala que se aplicam
ao conhecimento tecnológico e que envolvem a existência de um patamar mínimo de
escala independente da taxa de produção. Tais características contribuíram para o
desenvolvimento de uma discussão, no âmbito da abordagem neoclássica, sobre a
existência de falhas de mercado que justificariam a atuação do Estado no sentido de
prover investimentos relacionados à criação de conhecimento dado que as firmas não
encontrariam incentivo para investimentos desta natureza.
Valendo-se, em parte, destas contribuições sobre as características diferenciadas
do conhecimento desenvolvidas a partir da conceito de learning-by-doing, modelos
mais recentes construídos a partir da nova teoria do crescimento passaram a procurar
explicações sobre o processo de crescimento econômico a partir da noção de retornos
crescentes de escala ligados a produção de conhecimentos (Romer, 1986; Lucas, 1988).
Neste novo enfoque, o conhecimento é visto como um elemento parcialmente
apropriado pelas firmas, que envolve externalidades positivas na medida em que flui
através de uma firma para as demais do setor. Ou seja, as firmas contam com alguns
incentivos para produzir conhecimentos, mas o estoque de conhecimento utilizado
resulta também dos spillovers inter- firmas (Smith, 1997: 19). Da mesma forma, em
alguns casos, esses modelos procuram enfatizar o processo de learning-by-doing,
117
enquanto em outros passam a analisar o efeito de investimentos em educação e capital
humano.
Entretanto, mesmo tendo em vista tais avanços, a abordagem neoclássica ainda
apresenta limitações relativas à utilização de pressupostos extremamente restritivos, tais
como os padrões de otimização presentes nos comportamentos ou o foco sobre
trajetórias de equilíbrio. Conforme é enfatizado por Freeman (1993), o foco principal de
análise dos modelos mais recentes na abordagem neoclássica recai sobre a tecnologia e
não sobre a inovação, ignorando, portanto, a dimensão organizacional da inovação.
Uma questão-chave colocada por Smith (1997) refere-se ao fato de que apesar da
análise neoclássica lidar com as características econômicas do conhecimento enquanto
uma mercadoria, não apresenta uma diferenciação clara deste conceito. Mesmo assim,
este autor aponta para atributos do conhecimento que encontram-se implícitos neste tipo
de abordagem:
1. Em primeiro lugar, o conhecimento apresenta um caráter genérico no
sentido de que qualquer avanço oriundo de um campo particular do conhecimento
pode ser amplamente utilizado em diferentes firmas e indústrias;
2. Em segundo lugar, é codificado na medida em que um elevado grau de
transmissibilidade garante que o conhecimento possa ser complemente descrito em
diferentes formatos;
3. Em terceiro lugar, é acessível a um custo nulo, o que implica tanto no
fato de que possui um custo de transmissão irrelevante, como também que as firmas
não enfrentam barreiras em termos do custo de acesso e incorporação;
4. Em quarto lugar, é independente de contextos específicos, o que
garante a todas as firmas a mesma capacidade de incorporar conhecimentos
codificados no processo produtivo.
A partir destas premissas sobre o conceito de conhecimento, implícitas na
abordagem neoclássica, o processo de maximização por parte das firmas torna-se uma
mera questão de cálculo e escolha de alternativas em vez de um problema de
capacitação tecnológica e organização. Assim, em primeiro lugar, na medida em que o
conhecimento tecnológico relevante encontra-se livremente disponível, as decisões
118
sobre a adoção de inovações tornam-se totalmente independentes de uma firma a outra,
e a questão da interação entre firmas torna-se um fator irrelevante. Em segundo lugar,
considerando que o mercado passa a excluir aquelas firmas que não logram maximizar
suas escolhas, as diferenças entre firmas também passam a ser irrelevantes na medida
em que passa a predominar apenas uma forma de otimização da produção e das
técnicas. Da mesma forma, ainda que tais premissas tornem a aquisição e uso de
tecnologias uma questão resolvida no âmbito de teorias baseadas no equilíbrio, elas
representam uma séria limitação para a análise do processo de desenvolvimento
tecnológico e no estabelecimento de novos princípios tecnológicos.
Em síntese, o principal problema da indefinição do conceito de conhecimento na
abordagem neoclássica tradicional não se limita a sua incapacidade de lidar com as
especificidades do investimento na produção de conhecimentos e seu impacto no
processo produtivo, mas envolve, principalmente, a constituição de uma visão de mundo
que limita a compreensão sobre a importância do processo de aprendizado no sistema
econômico.
A busca de uma explicação endógena para o processo de transformação do
conhecimento aplicado em sistemas econômicos representa o principal desafio do
esforço de teorização evolucionário. Sob vários aspectos, o desenvolvimento da
explicação evolucionária para o processo de mudança tecnológica reflete o desconforto
com relação ao referencial ortodoxo onde, tradicionalmente, o processo de criação e
acumulação de conhecimento se encontra fora do escopo de análise dos modelos.
Assim, um dos maiores avanços da abordagem evolucionária em relação ao enfoque
neoclássico consiste, justamente, no reconhecimento da importância desempenhada pelo
aprendizado no processo de mudança tecnológica. Neste novo contexto, o aprendizado
passa a ser descrito como a forma pela qual as firmas constróem, suplementam e
organizam conhecimentos e rotinas em torno de competências e cultura inerentes, ao
mesmo tempo em que adaptam e desenvolvem sua eficiência organizacional através da
melhoria destas competências (Dodgson, 1996: 55)
Os elementos chave que compõem a abordagem evolucionária são destacados
por Malerba (1996:2)19: Inicialmente, o conhecimento encontra-se na base do processo
19 Também cabe destacar que a constituição do arcabouço teórico evolucionário acaba por refletir contribuições oriundas de diferentes disciplinas científicas: i) da teoria dos sistemas e termodinâmica
119
inovativo, e a sua criação e difusão são a fonte básica na mudança econômica e
tecnológica. O aprendizado é o mecanismo chave no processo de acumulação do
conhecimento, ocorrendo através de formas que apresentam diferentes graus de inércia,
contextualidade e complementaridade. O surgimento de alternativas em termos de
inovações em produtos, processos, tecnologias, instituições, etc. possibilita o aumento
da diversidade ou variedade no sistema e a ocorrência de um processo de mudança
qualitativa. O mecanismo de seleção, por sua vez, reduz a variedade da economia e
afeta a difusão comparativa dos tipos de atores e comportamentos no sistema
econômico. Além disso, as instituições, na medida em que ajudam a moldar o processo
de aprendizado, desempenham um papel fundamental na inovação e na evolução
industrial, tendendo a evo luir conjuntamente no tempo com a tecnologia, formas
organizacionais, estruturas de mercado e com as estratégias das firmas.
Johnson e Gregersen (1997) destacam que na perspectiva evolucionária a
importância das instituições e a própria relação entre instituições e mudança econômica
torna-se evidente. As configurações institucionais afetam a geração, acumulação,
distribuição, uso e destruição do conhecimento na medida em que moldam a percepção
e as decisões dos agentes econômicos. Da mesma forma, as instituições também
condicionam o processo de geração de variedade e seleção tendo em vista seu papel
com relação às transformações técnicas e organizacionais. Assim, a evolução dos
padrões de aprendizado constitui-se numa decorrência do contexto institucional e do
grau de interação estabelecido entre os diferentes atores no sistema (Thomson, 1993).
Em contraposição à visão neoclássica, no âmbito da abordagem evolucionária
tanto a hipótese de equilíbrio como a de racionalidade dos agentes econômicos passam a
ser refutadas. O comportamento maximizador que determina o processo de decisão na
concepção ortodoxa tradicional é substituído por regras ou rotinas que passam a
direcionar o processo de decisão nas firmas. Assim, na medida em que as firmas se
defrontam com situações novas para as quais suas regras diárias não oferecem
referências, passam a valer-se de novas estratégias, incorporando-as a sua experiência e
diferenciado-se das demais. A adoção de rotinas reflete a existência de um elevado grau
deriva-se a diferença fundamental entre sistemas abertos e fechados, a concepção de mudança qualitativa, indeterminação, irreversibilidade, path dependency e multi estabilidade; ii) da biologia, resgata-se a discussão sobre o conceito de variação que dá origem às novas espécies e de abordagem populacional em oposição à abordagem tipológica proposta pela teoria neoclássica tradicional; iii) da teoria das organizações, introduz-se explicitamente a noção de estrutura organizacional e mediação de conflitos
120
de incerteza no ambiente de decisão das firmas. Assim, não existe nenhum mecanismo
que assegure uma posição de equilíbrio de longo prazo para a indústria no decorrer do
processo que leva à busca de inovações pela firma e à seleção pelo mercado dessas
estratégias inovativas (Dosi e Cimoli, 1994). Em outras palavras, a incerteza inerente às
atividades de criação de novos conhecimentos induz a adoção de procedimentos e
rotinas que refletem a interpretação das firmas sobre o sucesso de seus padrões de
decisão no passado e que são continuamente reproduzidos e reforçados enquanto se
mostrarem eficazes.
O processo de aprendizado, neste contexto, não pode ser analisado
separadamente do processo de seleção. Ao mesmo tempo em que as firmas e
organizações ampliam sua base de conhecimento e incorporam novas rotinas, elas
também passam a avaliar o quanto a sua estratégia, estrutura e competências operam no
sentido de garantir a sua sobrevivência num determinado ambiente (Nelson e Winter,
1982). Além disso, a adoção de procedimentos e rotinas encontra-se influenciada
sobremaneira pela experiência passada da firma, denotando o elevado grau de
dependência de trajetória (path-dependency) associado ao processo de criação de
conhecimento.
Na medida em que é a geração de alternativas, aliada aos mecanismos de
seleção, que viabiliza o processo de evolução econômica, a noção de diversidade passa
a ser incorporada na análise evolucionária como um conceito chave para compreensão
do processo de mudança qualitativa do sistema econômico20. A diversidade, seja ela
técnica, institucional ou organizacional, consiste num elo fundamental para análise do
processo inovativo na medida em que se reflete na base de conhecimento e afeta o
processo de aprendizado interativo. Por um lado, a redução na diversidade implica na
redução de opções e no decréscimo nas possibilidades de comunicação e interação entre
diferentes tipos de qualificações, de conhecimentos e competências (Cohendet e
Llerena, 1997; Johnson e Gregersen, 1997). Por outro lado, a heterogeneidade de
recursos e qualificações representa o melhor fundamento para construção de
internos (Saviotti, 1997). 20 A utilização do conceito de diversidade na teoria econômica remonta a tentativa pioneira de Thorstein Veblen de incorporar os princípios evolucionários darwinianos da biologia na discussão sobre o desenvolvimento de sistemas econômicos. Veblen considerava a metáfora evolucionária - importada da biologia - mais adequada para compreensão do processo de desenvolvimento econômico e tecnológico, num claro contraste com os princípios estáticos de equilíbrio incorporados à ciência econômica pela abordagem neoclássica (Hodgson, 1996).
121
competências específicas às firmas e variações entre firmas quanto à sua
competitividade. Neste contexto, o aprendizado surge como um elemento importante
para manutenção da diversidade no sistema econômico, através da implementação de
novas rotinas que constituem a unidade básica de análise do processo de inovação nas
empresas e organizações.
Com vistas a explicar essa interdependência entre aprendizado e diversidade
David e Foray (1995) propõem uma diferenciação que remete a dois mecanismos
fundamentais no processo de aprendizado. O primeiro, remete ao aprendizado
“extensivo” – ou aprendizado pela diversidade – e envolve o processo de
experimentação que tem lugar por intermédio de uma grande variedade de opções e
permite a eliminação de certas trajetórias de desenvolvimento. O segundo tipo é
denominado de aprendizado “intensivo” – aprendizado pela padronização – que envolve
um foco claro sobre uma única variante tecnológica e permite identificar irregularidades
e problemas que demandam maior investigação, correção e elaboração. Neste sentido, o
aumento da diversidade do sistema torna-se viável através da implementação de novas
rotinas ou através da explotação de rotinas já existentes, que são moldadas a partir das
propriedades do processo de aprendizado dentre as quais destaca-se a sua natureza
interativa.
Além da diversidade, a natureza interativa do processo de geração de
conhecimento representa um elemento central no escopo da visão evolucionária.
Conforme é colocado por Gregersen e Johnson (1997: 15), quase todos os processos de
aprendizado são sociais e interativos, sendo o conhecimento afetado e transformado
através de processos permeados pela interação social e onde as próprias instituições
mudam como resultado dessa interação voltada para criação de novos conhecimentos.
Dessa forma, as instituições são apresentadas como um elemento básico no processo de
evolução social na medida em que propiciam, através do mercado, um ambiente de
seleção para as inovações e cumprem um papel relevante na acumulação e transmissão
de conhecimentos de um período a outro.
Tendo em vista esse conjunto de elementos que definem o papel e a importância
do conhecimento e do aprendizado, os desdobramento da análise evolucionária em torno
da relação entre aprendizado e inovação remetem à discussão sobre os principais
122
mecanismos e contextos que moldam os processos de aprendizado tecnológico e
organizacional.
Lundvall (1988) por exemplo, aponta para cinco características principais
relacionadas aos processos de aprendizado por interação. Em primeiro lugar, este
processo pressupõe a existência de um fluxo sistemático de informações entre os
agentes econômicos. Adicionalmente, a existência deste fluxo de informações impõe a
necessidade da constituição de canais de comunicação e do estabelecimento de códigos
comuns que viabilizam a troca de informações. Uma segunda característica remete ao
estabelecimento de relações de confiança mútua que são consolidadas através do
aprofundamento do processo de aprendizado entre os atores econômicos. Em terceiro
lugar, o aprofundamento das interações também requer a existência de um sistema de
incentivos que evite o rompimento dos vínculos entre os atores tendo em vista os
benefícios relacionados aos novos relacionamentos. Em quarto lugar, o aprofundamento
das relações de confiança e cooperação entre os atores que participam dos processo de
aprendizado interativo, requer um horizonte de tempo mínimo para se consolidar.
Entretanto, na medida em que um patamar mínimo de interação é atingido esse processo
tende a se auto-reforçar. Por fim, uma última característica refere-se ao fato de que a
consolidação desses processos de interação e cooperação, através do tempo, leva à
constituição de um espaço econômico próprio.
Johnson e Gregersen (1997), por sua vez, destacam as diferenças associadas ao
caráter direto ou indireto que assume o processo de aprendizado na abordagem
evolucionária. Neste caso, a forma direta envolve as atividades de aprendizado que são
desenvolvidas em universidades, centros de pesquisa e nos departamentos de P&D das
empresas de forma deliberada. Já os processos indiretos referem-se ao aprendizado
desenvolvido através de atividades econômicas comuns ou cotidianas relacionadas, por
exemplo, ao processo de produção das empresas. Ao mesmo tempo em que essas
atividades de aprendizado, diretas e indiretas, aumentam o estoque de conhecimento, os
autores destacam também a importância que assume a capacidade de "esquecimento"
das firmas e organizações na medida em que ele diminui o risco de lock-in das
trajetórias de aprendizado tecnológico e viabiliza o surgimento de novos processos de
aprendizado. Lundvall (1995: 29) destaca que o papel desempenhado pelo
“esquecimento” no processo de criação de novos conhecimentos costuma ser
123
subestimado. Neste sentido, considera que a influência de hábitos de pensamentos na
economia constitui-se num risco permanente relacionado ao bloqueio de processos
criativos de aprendizado na medida em que processos de “destruição criadora do
conhecimento” tornam-se necessários a fim de viabilizar a difusão de inovações radicais
no tecido econômico.
A partir da visão evolucionária, portanto, a inovação deixa de ser encarada como
um fenômeno isolado no tempo e no espaço e passa a ser considerada como o resultado
de trajetórias que são cumulativas e construídas historicamente, de acordo com as
especificidades institucionais e padrões de especialização econômica inerentes a um
determinado contexto tecnológico, territorial ou setorial. A firma inova através da
interação com outras instituições com vista à criação, desenvolvimento e troca de
diferentes tipos de conhecimento. Por um lado, do ponto de vista da firma a noção de
aprendizado encontra-se associada a um processo permanente de (re)construção de
competências que expressam as bases de conhecimento sobre as quais as empresas
operam. Por outro lado, no âmbito de aglomerações produtivas a noção de aprendizado
localizado reflete a importância que assume a proximidade e a interação entre diferentes
conjuntos de firmas e outros atores institucionais no sentido de potencializar a criação,
difusão e uso de novos conhecimentos, em especial do tipo tácito (Maskell e Malmberg,
1999: 167)
1.4 - Dimensão tácita e os limites da codificação do conhecimento
Originalmente, a distinção entre conhecimento tácito e codificado remonta ao
trabalho de Michael Polanyi (1958) que ilustra esta noção ao colocar que o que sabemos
é mais do que conseguimos falar ou descrever. Por um lado, formas codificadas incluem
o conjunto de conhecimentos de tipo tecnológico (incorporados em máquinas,
componentes e produtos finais) e organizacional que podem ser transmitidos através da
comunicação formal entre os agentes e aos quais se tem acesso no mercado. As formas
tácitas, por outro lado, envolvem: i) saberes sobre o processo produtivo que não estão
disponíveis em manuais e blue-prints; ii)saberes gerais e comportamentais; iii)
capacidade para resolucão de problemas não codificados; iv) capacidade para
124
estabelecer vínculos entre situações e interagir com outros recursos humanos (Novick,
apud Youguel, 1998: i).
Na medida em que o conhecimento apresenta uma natureza mais padronizada,
codificada, simplificada e independente, torna-se mais fácil a sua transmissão através de
meios ou mecanismos formais como publicações, licenças, patentes, etc. Porém, quanto
mais mutável, tácito, complexo e interdependente de outras estruturas de conhecimento,
tanto mais relevância assumem os mecanismos informais de transmissão de
conhecimento como treinamentos, mobilidade de pessoal, etc. (Breschi e Malerba,
1997)21.
A percepção de que o conhecimento incorpora tanto elementos tácitos como
codificados contrapõe-se à visão neoclássica tradicional que o coloca como um ativo
que pode ser livremente transferido ou adquirido no mercado pelos agentes econômicos
como mera informação. Por um lado, a noção de conhecimento codificado constitui a
melhor aproximação com a definição de informação adotada na perspectiva neoclássica,
tendo em vista sua transferibilidade através de canais formais de comunicação. Por
outro lado, a disponibilidade de conhecimentos codificados não é capaz de garantir, por
si só, o acesso à informação relevante por parte dos agentes econômicos na medida em
que mesmo o uso de informações codificadas requer algum tipo de conhecimento para
seu uso eficiente (David e Foray, 1995). Em outras palavras, o processo de aprendizado
interativo não tem lugar em mercados perfeitos onde agentes racionais otimizam suas
escolhas segundo a lógica de um modelo de equilíbrio geral. Em particular, o que se
verifica a partir da abordagem evolucionária é que a habilidade para apreender encontra-
se assimetricamente distribuída entre indivíduos e organizações22. Dessa forma, os
agentes econômicos ampliam sua base de conhecimento através de distintos processos
de aprendizado, em nível individual e coletivo, que envolvem diferentes arranjos
institucionais e exigem o manuseio de formas tácitas e contextos específicos.
21 Ainda que, em geral, esse acréscimo à base de conhecimento ocorra em torno das linhas de pesquisa já existentes, não está excluída a possibilidade de ocorrerem mutações radicais que levam à tra jetórias totalmente novas. Conforme é colocado por Metcalfe e Saviotti (1989: 16): "Economic and technological evolution seem to be remarkably fast by comparison with their biological analogue. Here we may also note that Schumpeter was a saltationist, believing that economic change ocurred by discrete, pontuated changes. By contrast, Marshall was a gradualist and built his entire theoretical edifice around the concept of incremental change, one thing leading imperceptibly to another." 22 Conforme foi colocado anteriormente, ainda que esta percepção também se encontre presente na análise de autores como Arrow, não foi incorporada no escopo na abordagem neoclássica tradicional.
125
O processo de codificação do conhecimento implica na sua transformação em
um tipo de "informação" que viabiliza sua transmissão através de determinados canais
de comunicação formais. Dessa forma, o conhecimento codificado passa a ser
transferível em forma compacta e padronizada, a um custo baixo e através de longas
distâncias e fronteiras organizacionais. A codificação do conhecimento permite,
portanto, uma redução nos custos do processo de aquisição de conhecimento e da
própria difusão tecnológica. Também acentua certas características que tendem a fazer
do conhecimento uma mercadoria transacionável e, por esse motivo, facilita a
externalização do conhecimento e amplia a capacidade de aquisição de conhecimento
por parte das firmas.
Entretanto, Lundvall e Bórras (1998: 33) apontam para duas importantes
limitações ao processo de codificação do conhecimento. Em primeiro lugar, a própria
complementaridade existente entre conhecimentos tácitos e codificados impõe limites
naturais ao processo de codificação. Em outras palavras, o processo de codificação do
conhecimento nunca está completo. Em segundo lugar, o mesmo ritmo acelerado de
mudança tecnológica que amplia a possibilidade de codificação e amplia o valor
econômico do conhecimento codificado, também contribui para manter a importância
relativa do conhecimento tácito na medida em aumenta o seu grau de complexidade.
Neste aspecto, o conhecimento tácito permanece sendo um elemento chave no processo
de apropriação e uso de conhecimentos.
Ao contrário do que ocorre com o conhecimento codificado, o conhecimento do
tipo tácito não pode ser facilmente comprado e vendido no mercado dado que sua
transferência se encontra condicionada pelo contexto social e institucional onde ocorre a
interação entre indivíduos, firmas e organizações. Neste caso, mesmo a
operacionalização de formas codificadas de conhecimento – como na interpretação de
manuais de engenharia e desenho – requer conhecimentos do tipo tácito que se
manifestam nas rotinas organizacionais e na experiência coletiva de grupos específicos
em diferentes áreas das empresas (Ernst e Lundvall, 1997). Além disso, as trajetórias de
aprendizado que são constituídas nas firmas a partir do desenvolvimento de
competências tácitas constituem um elemento diferenciador do desempenho competitivo
na medida em que representam ativos intangíveis que são difíceis de transferir.
126
A distinção entre a dimensão tácita e codificada do conhecimento nem sempre
apresenta um linha divisória tão clara. Na realidade, formas tácitas e codificadas de
conhecimento são complementares e coexistem em diferentes momentos. Essa questão é
ilustrada por MacKelvey (1998), que enfatiza que os aspectos tácitos de uma atividade
podem ser esquecidos mesmo quando os aspectos codificados são lembrados. Portanto,
em alguns casos, o uso eficiente do aprendizado implica em transformar conhecimento
codificado em prática, o que leva à transferência de conhecimento compartilhado em
aprendizado específico. É através da prática que os indivíduos passam a converter o
conhecimento do tipo compartilhado num aprendizado pessoal, transformando o
conhecimento codificado em tácito e/ou utilizando-o para incrementar o seu
conhecimento tácito.
Entretanto, apesar do elevado grau de complementaridade entre o conhecimento
tácito e codificado, ambos são produzidos de maneira distinta, possuem graus diferentes
de rigidez e desempenham papéis diferentes no processo de aprendizado. Neste aspecto,
Lundvall e Johnson (1994: 46) propõem algumas distinções relacionadas às formas do
conhecimento que envolvem apenas uma dimensão informacional (com maior ou menor
grau de complexidade) ou como um conjunto de qualificações e competências. Essas
distinções abrangem quatro categorias distintas de conhecimento, que se inserem na
percepção das dimensões tácitas e codificadas do conhecimento:
1. know-what refere-se ao conhecimento sobre fatos e pode ser chamado de
informação no sentido de que é facilmente divisível e armazenável;
2. know-why refere-se ao conhecimento científico sobre princípios e leis naturais,
sociais ou morais e pode ser organizado, produzido e reproduzido por instituições
como universidades;
3. know-how refere-se às capacitações que permitem fazer algo e pode ou não estar
vinculado com um processo de produção e tende a se desenvolver e manter
internamente nas empresas;
4. know-who refere-se a um conjunto de diferentes qualificações, inclusive aquelas de
natureza social, e envolve um tipo de informação sobre ‘quem sabe o que’ e ‘quem
sabe como fazer o que’, permitindo um uso eficiente do conhecimento na sociedade.
127
Os mecanismos de aquisição desses quatro tipos de conhecimento ocorrem
através de diferentes canais. Conhecimentos do tipo know-what e know-why são
facilmente transferíveis através de livros, aulas e acesso à bases de dados, já os
conhecimentos do tipo know-how e know-who estão vinculados à experiência prática e
dependem de certas qualificações básicas.
1.5 - Conclusão: a dimensão localizada do aprendizado
Uma das implicações da intensificação da globalização econômica que tem se
tornado mais evidente reside, contraditoriamente, na importância crescente que assume
o conhecimento tácito enquanto fator de vantagem competitiva de empresas e regiões.
Neste aspecto, quanto mais fácil torna-se o acesso ao conhecimento do tipo codificado,
tanto mais crucial torna-se o domínio sobre formas tácitas de conhecimento. (Maskell,
1996, Maskell e Malmberg, 1999: 172). Por um lado, a intensificação do processo de
globalização e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação têm
levado a uma aceleração considerável no ritmo de codificação do conhecimento e,
consequentemente, na sua capacidade de transmissão a longa distância de forma rápida
e eficiente. Por outro lado, mesmo diante desta tendência de transformação, percebe-se
a permanência de formas tácitas de conhecimento que somente podem ser trocadas
através da proximidade e interação face a face entre diferentes atores. Na medida em
que não se encontra estabelecido de forma explícita, o conhecimento tácito não pode ser
facilmente transmitido. A dificuldade de transmissão do conhecimento tácito, por sua
vez, contribui para que ele geralmente encontre-se associado a contextos
organizacionais ou geográficos específicos o que, apesar de contribuir para sua
circulação localizada, dificulta ou mesmo impede o seu acesso por atores externos a tais
contextos.
Assim, dentre os principais elementos que caracterizam o processo de
aprendizado na abordagem evolucionária, dois em particular assumem uma importância
crucial na análise da sua dimensão localizada. O primeiro destes elementos diz respeito
ao caráter “path-dependent” das trajetórias de aprendizado que tende a perpetuar rotinas
e procedimentos ao longo do tempo. O segundo elemento, refere-se à sua natureza
128
interativa que, por sua vez, introduz o espaço geográfico como uma dimensão de análise
a ser considerada (Maskell et al, 1998: 9; Cooke e Morgan, 1998; Maskell e Malmberg,
1999: 180). Neste aspecto, na medida em que se concebe o ambiente local como um
conjunto de configurações institucionais e organizacionais inseridas num rol de
interações com diferentes atores econômicos, percebe-se a importância que assume a
dimensão localizada dos processos de aprendizado e capacitação inovativa das firmas.
Em especial, a aglomeração territorial ou os sistemas produtivos localizados
traduzem os benefícios relacionados ao engajamento de empresas em processos de
aprendizado interativo. Neste tipo de ambiente o conhecimento tende a se tornar
incorporado não somente nas qualificações individuais e nos procedimentos e rotinas
das organizações, como também no próprio ambiente local ou nos vínculos de interação
entre os diferentes atores e desenhos institucionais. A habilidade das empresas de criar
conhecimento vai capacitá-las a interagir com os demais atores locais num processo de
aprendizado coletivo no qual conhecimentos que são em parte codificados e em parte
tácitos são trocados e utilizados em cada firma. Neste aspecto, capacitações localizadas
se refletem no conhecimento incorporado em indivíduos, empresas e na própria
estrutura institucional presentes em sistemas produtivos territoriais.
129
2 – PROXIMIDADE ESPACIAL, INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE
2.1 – Introdução
A intensificação do processo de globalização produtiva e financeira, no decorrer
das duas últimas décadas, deu início a um intenso debate sobre a dicotomia entre o
espaço global e o espaço local enquanto esferas de organização e condução das
atividades produtivas e tecnológicas. Em meio a esta controvérsia situam-se, de um
lado, argumentos que apontam para o crescente processo de internacionalização de
mercados e integração econômica extra-fronteira como o principal fator de
esvaziamento dos espaços de atuação de países e regiões. Tal visão esteve
fundamentada na crescente expansão de mercados financeiros e de produtos, no
crescimento das grandes corporações transnacionais, numa nova divisão internacional
do trabalho, na crescente mobilidade do capital financeiro através de fronteiras
internacionais, entre outros aspectos que levaram alguns autores a afirmar que a
economia contemporânea estaria transcendendo a própria noção de “lugar” (Ohmae,
1990; 1993).
Atualmente, essa percepção sobre o fenômeno da globalização permanece
amplamente ilustrada pela imagem dos grandes conglomerados multinacionais que,
supostamente, não encontram-se ligados a nenhum território ou região em particular e
são reconhecidos por alguns como a principal instância de organização de processos
produtivos e inovativos (Ernst e Lundvall, 1997). Da mesma forma, encontra-se
implícita neste tipo de enfoque a premissa de que a disseminação do processo inovativo
estaria, cada vez mais, centrada no dinamismo tecnológico das grandes corporações
transnacionais (Ostry e Nelson, 1995). Neste aspecto, regiões e localidades seriam nada
mais do que hóspedes passivas de empreend imentos inovativos e móveis tendo em vista
vantagens geográficas e dotações de fatores específicos, descartando-se assim a
existência de processos de aprendizado tecnológico localizados.
A despeito do aparente consenso oriundo deste tipo de enfoque que enfatiza a
crescente ‘desterritorialização’ da economia contemporânea (Amin, 1993), diversos
autores questionam esta visão dominante ao afirmar que a globalização constitui-se num
processo assimétrico e incapaz, portanto, de diminuir tanto a desigualdade como a
incerteza e a entropia do sistema mundial. Dentre os argumentos utilizados neste
130
enfoque alternativo sobre a globalização destacam-se, em primeiro lugar, estudos
recentes que apontam para diferenças persistentes nos padrões de especialização
comercial e tecnológica entre países no decorrer das últimas décadas (Dosi; Freeman e
Fabiani, 1994; Boyer, 1996; Cooke e Morgan, 1998). Em segundo lugar, com relação à
dimensão tecnológica da globalização, já são bastante conhecidas as evidências sobre o
escopo da globalização tecnológica apresentadas em trabalhos de autores como Pavitt e
Patel (1991) e Archibugi e Michie (1995; 1997) demonstrando que as atividades
tecnológicas das grandes empresas permanecem em grande medida circunscritas às
matrizes nos seus países de origem23. Da mesma forma, conforme destacado no
primeiro capítulo, outros autores como Lundvall e Bórras (1997) enfatizam que a
mobilidade espacial do conhecimento constitui-se num dos limites mais importantes da
globalização, que subestima o papel desempenhado pela proximidade geográfica no
processo de transmissão de formas tácitas de conhecimento e no desenvolvimento de
processos de aprendizado interativo.
Este conjunto antagônico de argumentos, que tem como pano de fundo as
implicações decorrentes da globalização produtiva e tecnológica, permite a identificação
de dois eixos de análise com elevado grau de interdependência, mas que remetem a
questionamentos de natureza diversa.
Num plano mais geral, a análise sobre os limites da globalização produtiva e
tecnológica contribuiu para a retomada de um antigo debate em torno de hipóteses sobre
a convergência ou divergência associada aos padrões de desenvolvimento e
produtividade da economia mundial. Neste aspecto, os principais argumentos que
refutam as teses sobre convergência e apontam para os limites da globalização
produtivas e tecnológica são apresentados de maneira sintética a seguir, sem qualquer
pretensão de aprofundar a discussão sobre o conceito de globalização. Apesar de
extremamente relevante para a compreensão de diferentes aspectos relacionados as
transformações recentes na economia capitalista, a discussão sobre o conceito e
implicações mais amplas da globalização foge ao escopo de análise desta tese24.
23 Archibugi e Michie (1995), por exemplo, enfatizam que a categoria mais usual de globalização tecnológica refere-se, na realidade, à exploração em âmbito global de tecnologias geradas em matrizes de grandes conglomerados multinacionais nos seus países de origem. Entretanto, as atividades tecnológicas desenvolvidas por subsidiárias de multinacionais fora de seus países de origem ainda são reduzidas. 24 Para uma discussão detalhada sobre as principais implicações associadas ao fenômeno da globalização ver, entre outros, Fiori (1995), Tavares e Fiori (1997), Ianni (1995 e 1996).
131
O principal foco da tese (e deste capítulo em particular) recai sobre um segundo
eixo de análise que destaca a importância crescente da proximidade territorial enquanto
fonte de vantagem competitiva e de dinamismo inovativo diante do fenômeno da
globalização. O objetivo deste capítulo consiste, portanto, em apresentar uma
sistematização das principais contribuições teóricas que destacam a importância da
proximidade territorial no estudo de processos de capacitação inovativa e competitiva
de aglomerações produtivas.
O capítulo encontra-se organizado em três seções além desta introdução. A
segunda seção apresenta uma breve análise sobre os principais elementos que marcam o
debate sobre a dicotomia entre convergência e diversidade associada aos padrões atuais
de produtividade e inovação. Em seguida, a partir da identificação das principais linhas
de trabalho que têm explorado a relação entre proximidade territorial, inovação e
competitividade, a terceira seção discute quatro enfoques principais que incorporam
elementos de maior interesse para as questões teóricas e metodológicas propostas nesta
tese. Esse detalhamento da discussão envolve: a) a literatura sobre clusters industriais
nos países em desenvolvimento; b) as abordagens sobre millieu inovativo e seus
desdobramentos em termos de modelos de sistemas locais de inovação; c) a literatura
sobre novos espaços industriais que emergem a partir da Nova Ciência Regional e; d) os
estudos sobre sistemas de inovação – particularmente em nível local e regional -
associados às abordagens de cunho neo-schumpeteriano e evolucionárias. Mais do que
discutir exaustivamente as diferenças existentes entre cada uma dessas abordagens, esta
seção se propõe a explorar as principais categorias analíticas usadas em cada uma delas
para explicar as relações entre proximidade e formas de capacitação competitiva e
inovativa em aglomerações produtivas. Finalmente, a quarta seção traz as principais
conclusões do capítulo e apresenta as principais dimensões do referencial analítico que
serve de base para a discussão do bloco de estudos empíricos da segunda parte da tese.
132
2.2 – Convergência e diversidade: os limites da globalização produtiva e
tecnológica
Um dos aspectos mais controversos no debate sobre as características do
chamado processo de globalização refere-se à idéia de que todos os países
industrializados, e em particular as economias avançadas, estariam convergindo em
direção a um mesmo padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico. Da mesma
forma, essa convergência nas estruturas de produção e mesmo as relações entre
economia, Estado e sociedade, estariam sendo promovidas pela intensificação nos
fluxos de comércio internacional, imitação e difusão de best practices ou pela crescente
mobilidade do capital, entre outros fatores.
De acordo com Berger (1996: 2), o debate sobre convergência se originou a
partir da literatura sobre sociedades industriais no pós-guerra que colocava a tecnologia
como o principal mecanismo de indução do processo de convergência entre países.
Entretanto, desde a década de 70, essa literatura sofreu pesadas críticas em razão do seu
elevado grau de determinismo tecnológico25. Dessa forma, até a década de 90, a
percepção de que todos países estariam convergindo em direção a um conjunto comum
em termos de instituições econômicas e práticas, cuja forma de organização seria
condicionada pela variável tecnológica, praticamente desaparece de cena. Entretanto, a
expectativa de que a maior parte da estrutura produtiva e econômica dos países
industrializados estaria convergindo permanece presente até os dias de hoje no debate
econômico. Na década de 90, a retomada da hipótese de convergência esteve ligada
principalmente ao questionamento sobre a capacidade de preservação das identidades
sociais, culturais e econômicas em regiões e países diante da crescente interdependência
econômica resultante do processo de globalização.
Esta questão é analisada por Boyer (1996: 30) que aponta para três definições
distintas da convergência as quais são utilizadas indiscriminadamente no atual debate
sobre globalização. A primeira, envolve a noção de convergência econômica que surge
como resultado da globalização financeira, produtiva, tecnológica e do trabalho.
25 Para uma apresentação e críticas dessa literatura ver: Suzanne Berger e Michael J. Piore, Dualism and Discontinuity in Industrial Societies (New York: Cambridge University Press, 1980).
133
Entretanto, apesar de plausível tanto do ponto de vista teórico como através de
evidências empíricas, verifica-se que a tendência à convergência nos padrões de
produtividade, crescimento e qualidade de vida encontra-se atualmente restrita a um
grupo reduzido de países que historicamente lograram atingir um patamar mínimo de
investimentos em educação e infra-estrutura produtiva e tecnológica.
Um segundo significado da convergência remete, mais do que ao desempenho
econômico, ao surgimento de uma nova ordem constitucional associada à organização
das relações políticas e econômicas. Este tipo de enfoque reflete fundamentalmente a
idéia de uma ampla difusão das forças de mercado enquanto mecanismo capaz de
garantir não somente a eficiência econômica mas também a ordem democrática. Dessa
forma, a convergência entre países estaria sendo demonstrada pela crescente
substituição de regimes autoritários por instituições democráticas.
No entanto, este tipo de enfoque apresenta um alcance muito limitado sob
diferentes aspectos. Em primeiro lugar, não é possível estabelecer uma vinculação única
e inequívoca entre a implementação de regimes democráticos e a constituição de
mercado e desempenho econômico pois, como é destacado pelo autor: “The success of
some NICs such as South Korea has been obtained by authoritarian regimes, not to
speak of Chile under the Pinochet regime, Brazil during the miracle, or Mexico ruled by
the PRI.” (Boyer,1996: 32). Em segundo lugar, na medida em que se analisa o grau de
generalização desta tendência à convergência baseada em democracia e mercados,
verifica-se que a transição de diversos países para regimes democráticos também foi
acompanhada pelo surgimento de novos modelos totalitários (como, por exemplo, no
mundo Islâmico ou em diversos países do continente africano). Além disso, mesmo a
existência de diferentes configurações políticas democráticas acaba gerando diferenças
institucionais que têm grande influência nos padrões de reforma econômica. Neste
aspecto, a diversidade associada a tais configurações políticas e suas implicações em
termos de eficiência econômica também reflete as limitações deste enfoque sobre a
convergência.
Finalmente, uma terceira definição sobre convergência reside nas características
do arcabouço institucional que sustenta as interações entre economia e política.
Diferentemente da definição anterior onde a convergência estaria se refletindo em
similaridades nos estilos de desenvolvimento baseados no equilíbrio entre democracia e
134
mercados, esta terceira definição enfatiza o papel das configurações institucionais no
sentido de gerar padrões dinâmicos de ajustamento. Neste caso, a convergência nos
padrões de crescimento de economias nacionais estaria necessariamente condicionada
pela similaridade de suas formas institucionais e pela uniformidade da sua reação diante
de fatores como competição externa ou instabilidade de natureza política ou econômica.
Entretanto, verifica-se que trajetórias de crescimento econômico semelhantes, ou pelo
menos, sustentáveis no longo-prazo, podem ocorrer a partir de formatos institucionais
distintos. Alternativamente, tais formatos institucionais e trajetórias de crescimento
podem divergir do modelo dominante de desenvolvimento.
Do ponto de vista da abordagem evolucionária, a globalização constitui um
processo inacabado onde as especificidades nacionais ainda são fundamentais e se
refletem sobre a organização dos sistemas de relações industriais, sistema educacional,
mecanismos financeiros e formas de intervenção governamental. Tendo em vista a
diversidade em termos de formatos institucionais e demais mecanismos geralmente
associados a hipótese de convergência, parece mais plausível aceitar a possibilidade de
que a convergência seja apenas uma das situações de equilíbrio possíveis do atual
processo de evolução do sistema econômico mundial.
O ceticismo em torno do caráter convergente da globalização também é
compartilhado por Wade (1996:60), que por um lado, aponta para diversas evidências
que induzem a uma interpretação favorável das teses que colocam a globalização como
um fenômeno dominante e homogeneizador. Por outro lado, enfatiza que uma análise
mais detalhada destas evidências revela que a economia mundial tornou-se, na verdade,
mais internacional do que global.
Dentre as evidências que dão suporte às teses sobre a globalização produtiva e
financeira, destaca-se o elevado crescimento do comércio internacional. De acordo com
Wade (1996: 62), entre 1965 e 1990, o comércio internacional de mercadorias cresceu
em média cerca de uma vez e meia mais do que a taxa de crescimento do PNB
mundial26. Deste modo, uma proporção crescente da produção das economias nacionais
passou a ser destinada para mercados externos. Assim, de uma maneira geral, o aumento
26 Os dados estatísticos que fundamentam estas evidências estão apresentados em: OECD National Accounts (Main Aggregates), 1960-1990, vol.1 (Paris; OECD, 1992) e World Bank, World Development Report, 1992 (Washington, DC.: World Bank, 1992), World Tables, tabelas 2 e 14; ambos citados por Wade (1996).
135
na importância relativa do mercado externo para economias nacionais tornou a renda
relativa destas economias cada vez mais dependente da sua capacidade de competir
contra importações no mercado doméstico e contra outros produtores no mercado
externo. Os fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE), por sua vez, apresentaram
um crescimento cerca de três vezes mais rápido do que o dos fluxos de comércio e
quase quatro vezes mais rápido do que o da produção mundial. O ritmo mais intenso de
internacionalização, entretanto, ocorreu efetivamente no âmbito financeiro. O estoque
de empréstimos bancários internacionais aumentou cerca de dez vezes num período de
dez anos, passando de cerca de 4% do PNB dos países da OCDE em 1980, para 44% em
1990.
No entanto, apesar das evidências em favor da globalização, as fronteiras
econômicas nacionais ainda definem os limites do sistema de acumulação de capital.
Este argumento é reforçado através de uma série de fatos estilizados (Dosi; Freeman e
Fabiani, 1994; Wade, 1996: 86; Cooke e Morgan, 1998: 24)
• nas principais economias industrializadas, cerca de 90% da produção ainda
se destina ao mercado doméstico;
• os investimentos domésticos promovidos através de capital nacional ainda
excedem consideravelmente o conjunto de investimentos diretos no exterior e de
investimentos estrangeiros nos países;
• o mercado de ações em nível mundial ainda encontra-se longe de uma total
integração na medida em que apenas um número reduzido de corporações são
suficientemente conhecidas mundialmente a ponto de poderem transacionar suas
ações fora de seus mercados domésticos de capitais;
• as companhias multinacionais são mais adequadamente definidas como
empresas nacionais com operações internacionais, tendo em vista que o grosso das
suas atividades de agregação de valor são desenvolvidas em suas matrizes;
• os países da OCDE têm demonstrado diferenças persistentes em seus
padrões de atividades tecnológicas desde a década de 60, o que sugere uma forte
influência de seus sistemas nacionais de inovação no escopo de atividades
136
tecnológicas desenvolvidas pelas grandes empresas, ao contrário do que argumenta
a visão dominante sobre a globalização;
• na década de 60, quando surgem as primeiras análises sobre o fenômeno da
globalização na literatura, as economias nacionais ainda consistiam em entidades
consideravelmente fechadas. Assim, o aumento dramático na internacionalização
desde então ocorre a partir de uma base bastante reduzida. Por exemplo, numa
perspectiva histórica mais ampla, percebe-se que alguns mercados financeiros ainda
são, em aspectos importantes, qualitativamente menos internacionalizados em
comparação com o período anterior à Primeira Guerra Mundial.
• a noção de ‘sistema nacional’ repousa no pressuposto de que a tecnologia,
mesmo diante do avanço crescente da capacidade de codificação do conhecimento,
permanece dependente de uma parcela considerável de conhecimentos que são
tácitos e, portanto, difíceis de adquirir, cumulativos e dependentes de trajetória no
seu desenvolvimento.
• As fronteiras nacionais segue sendo uma proxy importante para
proximidade cultural, física, política e lingüística que, por sua vez, condicionam a
transferência de conhecimentos do tipo tácito entre atores e organizações.
Mesmo no caso dos fluxos financeiros internacionais, que refletem um dos mais
importantes aspectos da globalização induzida pelo ritmo acelerado de mudanças
tecnológicas, percebe-se uma reação voltada para retomada de mecanismos de controle
em âmbito nacional e internacional. Tal reação reflete a percepção sobre as
conseqüências decorrentes do processo de liberalização financeira para diversas
economias.
Em síntese, na medida em que os principais argumentos relacionados ao debate
sobre convergência e diversidade são analisados, percebe-se um quadro paradoxal onde
a existência de diversas evidências que apóiam a hipótese de convergência não refletem
uma tendência histórica, geral e inequívoca em direção a um padrão comum nos níveis
de produtividade e padrões de vida em âmbito mundial. O silogismo que procura
equiparar a hipótese de convergência com o processo de globalização demonstra-se
logicamente inconsistente e não reflete adequadamente o quadro atual marcado pela
137
elevada diversidade em termos de formatos institucionais e padrões de capacitação
tecnológica.
Em particular, conforme é destacado por Storper (1997: 177), percebe-se que as
principais categorias que são usualmente utilizadas para definir a globalização – tais
como investimento direto estrangeiro, estrutura global de comércio de commodities,
conhecimento, tecnologia, etc. – parecem apontar para um processo estável de
desterritorialização do poder econômico. Entretanto, tais categorias se revelam
claramente inadequadas para avaliar um conceito que remete a um processo
eminentemente geográfico: “It is indeed, quite curious that a fundamentally
geographical process labeled with a geographical term – ‘globalization’- is analyzed as
a set of resource flows largely without considering their interactions with the
territoriality of economic development”.
Neste aspecto, a dimensão geográfica da globalização constitui o foco central da
análise de Santos (1997) que define o espaço como um conjunto indissociável de
sistemas de objetos e sistemas de ações, cuja dinâmica atual encontra-se marcada pela
emergência das redes e do processo de globalização. Por um lado, tais redes são globais
na medida em que, através do avanço tecnológico, ‘transportam o universal ao local’,
unindo pontos distantes numa mesma lógica produtiva. Tal movimento é definido como
o funcionamento vertical do espaço geográfico contemporâneo. Por outro lado, as redes
também são locais e refletem localmente as condições técnicas de trabalho que são
determinadas a partir de uma divisão do trabalho em nível global.
Como decorrência, Santos argumenta que: “Não existe um espaço global, mas
apenas, espaços da globalização. O mundo se dá sobretudo como norma, ensejando a
espacialização, em diversos pontos, dos seus vetores técnicos, informacionais,
econômicos, sociais, políticos e culturais. São ações “desterritorializadas”, no sentido de
teleagidas, separando, geograficamente, a causa eficiente e o efeito final.” (Santos,
1997: 271)
Neste embate entre uma ordem global e outra local, o mundo é colocado como
um conjunto de possibilidades cuja efetivação depende das oportunidades oferecidas
pelos lugares. É o território que termina por operar como a grande instância de
mediação entre o mundo e a sociedade nacional e local. Em outras palavras, ao mesmo
138
tempo em que uma ordem global busca impor uma única racionalidade em todos os
lugares, estes respondem segundo sua própria racionalidade: “A ordem global é
‘desterritorializada’, no sentido de que separa o centro da ação e a sede da ação. Seu
‘espaço movediço e inconstante, é formado de pontos, cuja existência funcional é
dependente de fatores externos. A ordem local, que ‘reterritorializa’, é a do espaço
banal, espaço irredutível (…) porque reúne numa mesma lógica interna todos os seus
elementos: homens, empresas, instituições, formas sociais e jurídicas e formas
geográficas” (Santos, 1997: 273).
2.3 –Proximidade espacial, inovação e competitividade: principais enfoques.
Sob vários aspectos, a década de 80 representou um importante ponto de
inflexão no estudo da influência da proximidade espacial no desempenho competitivo e
inovativo de aglomerações produtivas. Antes da década de 80, pouco ou nenhum
interesse esteve reservado à discussão do papel da dimensão territorial na organização
das atividades sócio-econômicas. A região era vista fundamentalmente como resultado
de diferentes processos sócio-econômicos, e não como uma unidade de análise em si no
estudo da dinâmica de mudança de tais processos.
No momento em que a euforia resultante do esforço de reconstrução do Pós-
Guerra deu lugar à percepção sobre a fragilidade econômica estrutural de diversas
regiões industriais tradicionais na Europa, modelos inspirados nos pólos de crescimento
de Perroux (1950) ainda serviam de base teórica para promoção de políticas de
investimentos em infra-estrutura física e incentivos para instalação de grandes empresas
nessas regiões. Entretanto, ainda que esse tipo de política tenha encorajado o aumento
de emprego em nível local e atraído investimentos externos para diferentes regiões, em
muitos casos, o abismo existente entre a tradição econômica regional e os investimentos
realizados acarretou a derrocada dessas economias regionais diante da crise que se inicia
a partir dos anos 70.
139
A limitação das abordagens tradicionais de política regional somada ao processo
de profundas transformações na própria forma de organização do sistema capitalista em
nível mundial no decorrer das décadas de 70 e 80, contribuiu para o surgimento de
diversas abordagens centradas na importância da dimensão local na coordenação das
atividades econômicas e tecnológicas. Tais abordagens representaram uma
contraposição à visão tradicional desenvolvida a partir de estudos de economia regional,
onde a análise sobre o papel da proximidade geográfica no desempenho de
aglomerações se resumia a uma contabilização de transações econômicas envolvendo a
troca de bens, informações e recursos humanos (Storper, 1997).
Em particular, a origem de grande parte destas abordagens esteve relacionada ao
esgotamento do modelo Fordista de produção em massa e ao surgimento de novas
formas de organização pós-fordistas baseadas em relações de subcontratação
envolvendo grandes empresas e núcleos de fornecedores compostos de pequenas e
médias empresas com elevado grau de dinamismo econômico e tecnológico (Piore e
Sabel, 1984; Scott, 1988). Em termos empíricos, o ressurgimento da região ou
localidade como foco central de vantagens competitivas e inovativas foi largamente
ilustrado pelo sucesso de algumas experiências de economias regionais e distritos
industriais cujo dinamismo encontrava-se fundamentado extensivamente em ativos
locais27.
Na medida em que esse conjunto de contribuições tem sua origem relacionada a
diferentes disciplinas e enfoques teóricos (como geografia econômica, ciência regional,
organização industrial, economia evolucionária, entre outros) percebe-se sua elevada
diversidade em termos conceituais e metodológicos. Por um lado, esta diversidade
contribuiu significativamente para ampliar a perspectiva de análise referente ao
fenômeno da inovação e sua dimensão territorial. Conceitos antes restritos a disciplinas
específicas passaram, gradativamente, a compor um pano de fundo comum para
diferentes modelos permitindo integrar elementos analíticos ligados à noção de
aprendizado, inovação, instituições e território.
27 Algumas experiências de aglomerações industriais em particular chamaram a atenção de pesquisadores: os distritos industriais na região Nordeste-Central da Itália, o Vale do Silício na Califórnia, Baden-Wurttemberg, na Alemanha, Toyota City no Japão, entre outras.
140
Por outro lado, a incorporação de tais elementos nos esquemas de análise
também tem levado o estudo da dimensão territorial da inovação e da competitividade a
um grau crescente de complexidade sem a devida contrapartida em termos de evidências
empíricas. Desde os aportes teóricos associados à Nova Ciência Regional onde a região
é vista como um espaço de aprendizado (Storper, 1997; Cooke e Morgan, 1998) até as
incursões mais recentes da nova geografia econômica que propõe a existência de
retornos crescentes de escala associados à aglomeração espacial de empresas (Krugman,
1995), percebe-se um risco crescente de que a discussão sobre a dimensão localizada da
inovação e da competitividade acabe por incorrer em conclusões tautológicas. Em
outras palavras, a mera alocação de atores num mesmo espaço passa a ser tomada como
evidência da existência de vínculos de cooperação e de processos de aprendizado
interativo entre os mesmos.
Dentre as proposições que procuram sistematizar os diferentes modelos e
correntes teóricas que analisam a relação entre proximidade e inovação Schmitz (1999),
por exemplo, considera que o debate referente à importância da proximidade geográfica
nos relacionamentos inter- firmas apresenta quatro linhas de trabalho principais. A
primeira, estaria incorporada nos modelos da chamada nova teoria do crescimento e
comércio internacional desenvolvidos no escopo da mainstream economics onde
destaca-se, particularmente, o trabalho de autores como Krugman (1991; 1995).
Uma segunda linha de trabalho estaria representada na contribuição de autores
como Porter (1990), que enfatizam a importância dos vínculos e fluxos de
conhecimentos que emergem das relações entre agentes locais na conquista de
vantagens competitivas. Os estudos de distritos industriais e outras formas de
aglomerações industriais ligadas às novas abordagens em Ciência Regional são
apontados como uma terceira linha de trabalho. Neste conjunto de contribuições,
destaca-se o trabalho de autores como Storper (1995; 1997), Becattini (1990), Brusco
(1990), Markussen (1996), entre outros. Finalmente, as diferentes contribuições no
campo da literatura da inovação, e em especial os estudos relacionados a sistemas de
inovação em nível regional e local (Braczik et al. 1998; Cooke e Morgan, 1998;
141
Edquist, 1997; Cassiolato e Lastres, 1999a), compõem uma quarta linha de trabalho
relacionada ao estudo das relações entre proximidade e inovação28.
Não obstante o tipo de recorte utilizado para classificar estas contribuições, de
uma maneira geral todas procuram explicar o processo de capacitação inovativa e/ou
competitiva de aglomerações produtivas a partir da importância do ambiente local, em
função de elementos como a qualidade dos fatores de produção, infra-estrutura
tecnológica e educacional, formas de interação ou cultura empresarial. Em particular,
percebe-se na maior parte destes modelos a importância atribuída ao papel dos formatos
institucionais na articulação desses diferentes fatores. No modelo que serve de base para
a abordagem sobre millieu inovativo, por exemplo, o papel do potencial institucional
endógeno em nível local é utilizado para explicar a dinâmica inovativa das empresas
(Camagni, 1991). Esse mesmo tipo de percepção encontra-se presente no enfoque sobre
clusters industriais, que destacam o equilíbrio entre concorrência e cooperação no
processo de capacitação competitiva das empresas. No caso dos modelos de inovação
territorial inspirados na abordagem sobre sistemas de inovação essa ênfase nas bases de
coordenação institucional são ainda mais claras e refletem uma tradução dos princípios
presentes na concepção sobre sistemas de inovação nacionais e tecnológicos para o
âmbito regional (Smith, 1997).
Na análise crítica que é apresentada a seguir, a literatura que aborda a dimensão
territorial da inovação e da competitividade é discutida através de três abordagens que
constituem a base de construção teórica da maior parte dos modelos de inovação
territorial.
28 Um recorte alternativo é proposto por Larsson e Malmberg (1999) que identificam três grupos diferenciados ligados ao debate em torno do processo de regionalização de sistemas industriais e tecnológicos. No primeiro, encontram-se tanto as contribuições de autores como Brusco (1990), Becattini (1990) e Piore e Sabel (1984) ligadas à abordagem sobre distritos industriais e centrada na noção de especialização flexível e no papel das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), bem como as contribuições da escola de geografia econômica da Califórnia. Esta última representada por autores como Scott (1988), que tratam do relacionamento entre inovação tecnológica, organização industrial e espaço através do conceito de novos espaços industriais. Num segundo grupo, encontra-se a extensa literatura sobre millieu inovativo e distritos tecnológicos associada, em sua vertente mais recente, à contribuição de autores como Aydalot (1986) e Maillat (1996). Um terceiro agrupa a literatura sobre economia evolucionária e da inovação - representada por autores como Nelson e Winter (1982), Freeman (1987), Dosi (1988) e Lundvall (1995) – juntamente com o conceito de aglomeração industrial desenvolvido por Porter (1990), na medida em que seriam modelos que discutem a capacidade inovativa de sistemas industriais e tecnológicos de países e regiões.
142
A primeira remete à literatura sobre clusters industriais nos países em
desenvolvimento que tem sua origem ligada à discussão do modelo de especialização
flexível em distritos industriais nos países industrializados. Não obstante essa origem
comum, este enfoque sobre clusters logrou incorporar elementos inéditos na literatura,
relativos às especificidades que cercam o processo de desenvolvimento de aglomerações
industriais nos países em desenvolvimento e à importância da ação conjunta na busca de
vantagens competitivas. O segundo grupo de contribuições inclui a análise tradicional
sobre millieu inovativo - que representa uma das abordagens pioneiras no estudo de
processos endógenos de desenvolvimento regional - e seus desdobramentos recentes em
termos dos modelos de sistemas locais de inovação. Em particular, este tipo de enfoque
destaca a importância de processos de aprendizado interativo e bases de conhecimento
que são moldadas a partir das especificidades do ambiente local. Finalmente, o terceiro
grupo, abarca a literatura neo-schumpeteriana sobre sistemas de inovação e,
particularmente, os seus desdobramentos em termos de modelos que analisam tais
sistemas a partir da sua dimensão local ou regional. Esse enfoque engloba elementos
importantes na análise das relações entre proximidade e inovação na medida em que
destaca o papel da infra-estrutura institucional e organizacional na articulação de atores
locais.
Da mesma forma, a análise destas abordagens é feita de modo a destacar alguns
aspectos específicos que abarcam:
a) os principais conceitos e hipóteses adotados em cada enfoque para
descrever a relação entre proximidade, inovação e competitividade;
b) a ênfase atribuída aos diferentes elementos analíticos que caracterizam
a dinâmica de desenvolvimento de aglomerações produtivas, tais como as formas de
organização e coordenação dos fluxos de bens e serviços, desenhos institucionais e a
natureza dos vínculos entre atores locais.
2.3.1 – As contribuições da literatura sobre clusters industriais nos países
em desenvolvimento
143
O ponto de referência inicial da literatura sobre aglomerações industriais nos
países em desenvolvimento reside nos estudos sobre distritos industriais europeus e, em
particular, no debate sobre a experiência dos distritos industriais da Terceira Itália que
deu margem a um extenso conjunto de estudos no decorrer da década de 80 (Schmitz,
1995). Tais estudos estiveram fundamentados no conceito de especialização-flexível
(Piore e Sabel, 1984) e a notabilização destas experiências aumentou o interesse em
torno da dinâmica competitiva de pequenas empresas no contexto de países em
desenvolvimento. No decorrer da década de 90, as contribuições mais significativas
sobre aglomerações industriais nos países em desenvolvimento, tanto em termos
empíricos como conceituais, estiveram associadas ao trabalho de um grupo de
pesquisadores do Institute of Development Studies na Universidade de Sussex (IDS-
UK).
Não obstante sua vinculação com a literatura sobre distritos industriais nos
países industrializados, a abordagem sobre clusters logrou desenvolver um referencial
teórico próprio, a fim de discutir as especificidades que marcam o crescimento e
inserção competitiva de aglomerações nos países em desenvolvimento. Assim, os
mecanismos que explicam o desempenho competitivo dessas aglomerações são
traduzidos através do conceito de eficiência coletiva (Schmitz, 1989; 1992) que
descreve os ganhos competitivos associados à interação entre empresas em nível local.
A idéia principal que emerge com o conceito de eficiência coletiva é a de que
externalidades locais, no sentido marshaliano tradicional, não são suficientes para
explicar o desenvolvimento de aglomerações de micros e pequenas empresas (MPEs).
De acordo com Schmitz (1995: 3), apesar do conceito de economias externas constituir-
se num elemento essencial para compreensão das vantagens derivadas da aglomeração
de empresas, ele tem um alcance limitado na medida em que abarca somente aqueles
ganhos (ou perdas) resultantes da facilidade de acesso à insumos especializados, mão-
de-obra e outros fatores incidentais. Dessa forma, o conceito de eficiência coletiva
associa os efeitos decorrentes de economias externas (incidentais) com aqueles que
emergem a partir da ação deliberada de cooperação entre atores locais29.
29 A diferenciação entre esses dois componentes associados à eficiência coletiva levou à denominação de eficiência coletiva passiva aquelas vantagens que emergem de efeitos incidentais de aglomeração e à de eficiência coletiva ativa aquela ligada a ação conjunta deliberada de atores locais (Nadvi, 1996 e Schmitz, 1995).
144
A partir desta base conceitual, os estudos desenvolvidos no escopo dessa
abordagem lograram demonstrar que:
a) Aglomerações industriais apresentam uma importância crescente para
os países em desenvolvimento e constituem-se num fenômeno comum numa ampla
gama de países e setores;
b) A participação em aglomerações assume particular importância no
segmento de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) na medida em contribui
para superação das dificuldades que são usualmente impostas às empresas neste
segmento e viabiliza sua inserção em mercados distantes;
c) A noção de eficiência coletiva constitui-se num referencial analítico
importante para explicar as diferenças associadas ao desempenho de aglomerações,
sustentada pela existência de canais de comercialização e confiança mútua nas
relações inter-firmas;
d) O esforço de ação conjunta promovido por atores locais condiciona a
sua habilidade em enfrentar os desafios impostos pela crescente competição global.
Com vistas a explicar as trajetórias recentes de desenvolvimento de
aglomerações nos países em desenvolvimento face ao fenômeno da globalização, a
abordagem sobre clusters passou a ampliar o seu escopo de análise. Um dos pontos
principais dessa nova agenda de pesquisa remete à busca de um referencial dinâmico
que permita analisar os processos que levam ao sucesso ou ao fracasso de aglomerações
através do tempo. De acordo com Schmitz (1999) tal discussão implica,
necessariamente, na distinção entre clusters que se encontram em fases incipientes ou
avançadas de industrialização. Neste aspecto, diversos estudos têm demonstrado que a
aglomeração consiste num estímulo importante principalmente nos estágios iniciais de
crescimento de empresas por facilitar seu desenvolvimento em etapas de maior risco. O
principal argumento é o de que a aglomeração de empresas facilita a mobilização de
recursos financeiros e humanos, permite reduzir as necessidades de investimento inicial
focalizando-os em estágios específicos, estabelece padrões de empreendimento que
servem de base para o surgimento de novas empresas e contribui para constituição de
estruturas de apoio que viabilizam o desenvolvimento de MPMEs (Schmitz, e Nadvi,
1999:1507).
145
Apesar dos avanços significativos dessa literatura, particularmente mediante a
incorporação de um enfoque dinâmico voltado para análise das trajetórias evolutivas de
aglomerações industriais na década de 9030, ainda são apontadas algumas áreas de
deficiência. A principal delas remete à necessidade de incorporar a influência de
vínculos externos no processo de capacitação de produtores locais em aglomerações. O
foco tradicional de análise da literatura sobre clusters esteve, durante muito tempo,
centrado na natureza dos vínculos de cooperação horizontal e vertical inter- firmas.
Entretanto, estudos recentes passaram a apontar para a importância crescente da
relações com atores externos - como compradores internacionais - na definição das
estratégias das aglomerações (Humphrey e Schmitz, 2000; Schmitz, 1999; Dolan, C. e
Humphrey, 1999). Neste aspecto, as mudanças na abordagem sobre clusters industriais
e a busca de novos elementos conceituais capazes de complementar a análise sobre
ganhos de eficiência coletiva foram em grande parte pautadas pela constatação de que
as pressões competitivas advindas da globalização estariam acarretando a crescente
integração de produtores locais nos países em desenvolvimento a cadeias globais de
produção.
Diante da intensificação do processo de globalização, mesmo levando em conta
os benefícios da aglomeração para a inserção das empresas no mercado externo, a
integração em cadeias produtivas globais passou a exercer grande influência sobre o
equilíbrio entre forças locais e globais na definição das estratégias de desenvolvimento
de aglomerações. A questão sobre quais atores – globais ou locais – estariam detendo
maior poder sobre os sistemas de produção de determinadas aglomerações torna-se,
portanto, um ponto central na compreensão das estratégias inovativas e competitivas
dessas aglomerações (Schmitz e Knorringa, 1999).
As limitações no sentido de avaliar a importância de vínculos externos nas
estratégias de desenvolvimento de produtores locais contribuiu para incorporação de
alguns dos elementos presentes na análise sobre cadeias globais de produção (Gereffi,
1994) na abordagem sobre clusters.
A análise sobre cadeias globais de produção (Gereffi, 1994; Gereffi, 1999)
procura discutir as implicações que emergem da interação entre forças locais e globais
30 Um panorama geral sobre as contribuições recentes associadas dessa abordagem pode ser encontrada na edição especial da World Development de setembro de 1999 (v.27, n.9), que é dedicada integralmente à
146
no processo de capacitação produtiva de aglomerações locais. Estas cadeias podem ser
consideradas como redes inter-organizacionais agrupadas em torno de uma mercadoria
ou produto, capazes de articular empresas em diferentes regiões e países. Neste aspecto,
a análise sobre cadeias globais resgata a dimensão internacional de cadeias produtivas e
os modos de coordenação ao longo destas cadeias como um elemento chave na busca de
vantagens competitivas. Gereffi (1999: 3), considera que a inserção em uma cadeia
global oferece aos produtores locais a possibilidade de embarcar numa trajetória
progressiva de capacitação (upgrading) através dos processos de aprendizado e novos
conhecimentos adquiridos a partir da interação com compradores globais.
Entretanto, na medida em que a literatura sobre clusters industriais passou a
avançar na discussão sobre o impacto de vínculos externos no processo de upgrading de
produtores locais nos países em desenvolvimento, seus pontos de divergência com
relação à abordagem sobre cadeias globais de produção foram igualmente explicitados.
Humphrey e Oeter (1999), por exemplo, destacam que o enfoque sobre cadeias globais
de Gereffi ainda apresenta um alcance limitado na análise sobre o papel de atores locais
nas estruturas de coordenação e estratégias de capacitação de aglomerações. Assim, a
ênfase nas formas de coordenação que operam ao longo da cadeia produtiva global
tende a subestimar o papel de outros mecanismos de coordenação tais como vínculos
locais de cooperação e formas de regulação governamental em âmbito nacional ou
internacional.
Da mesma forma, Schmitz (1999) destaca que apesar da inserção em cadeias
globais haver facilitado a capacitação de produtores locais nos países em
desenvolvimento em esferas associadas à produção, o mesmo não pode ser afirmado
quanto à capacitação desses produtores em esferas que se estendem além da produção.
Em outras palavras, a inserção em cadeias globais pode dificultar o acesso de produtores
locais a etapas da cadeia produtiva que incorporam maior valor agregado, tais como as
atividades relacionadas à comercialização e design (Schmitz e Knorringa, 1999).
Finalmente, Humphrey e Schmitz (2000: 14), procuram esclarecer as divergências entre
as duas abordagens da seguinte forma:
“Both emphasise the importance of upgrading in order to sustain incomes in the face of increasing competition in global markets, but the
discussão sobre clusters industriais nos países em desenvolvimento.
147
routes to this same end are different. (…) The cluster literature emphasises the need to improve co-operation and local governance. Even the resources for product and functional upgrading are seen mainly to come from within the locality. Links with the wider world are frequently acknowledged, but they are weakly theorised. (…). In contrast, the value chain literature emphasises links with the external world, leaving the locality largely untheorised. The value chain literature pays little attention to the role of business associations and local inter-firm co-operation in competitiveness and upgrading.”
A percepção sobre os limites inerentes ao processo de upgrading de
aglomerações por intermédio da inserção de produtores locais em cadeias globais levou
igualmente a abordagem sobre clusters industriais a aprofundar sua discussão sobre a
influência das formas de governança. Em particular, o foco de análise volta-se para a
interação entre a coordenação global de cadeias produtivas e a coordenação local de
clusters no sentido de promover ou restringir as estratégias de capacitação de produtores
locais.
Essa questão requer a elaboração e detalhamento de dois conceitos importantes.
O primeiro remete à noção de “upgrading” entendida enquanto o processo de
capacitação produtiva e inovativa das empresas que integram aglomerações locais e que
resulta da necessidade de enfrentar pressões competitivas. Esse processo pode implicar
tanto na busca de maior eficiência no desempenho de suas atividade produtivas
tradicionais, na busca de novos nichos de produção ou mesmo no desempenho de
atividades em outros estágios da cadeia produtiva. Essas formas de capacitação são
denominadas respectivamente: “upgrading de processo”; “upgrading de produto; e
“upgrading” funcional.
É importante ressaltar que a ênfase no processo de capacitação de produtores
locais – definida através do conceito de upgrading- reflete, em grande parte, a
preocupação atual da literatura sobre clusters industriais com os aspectos tecnológicos
do dinamismo de aglomerações nos países em desenvolvimento. Porém, percebe-se que
a análise sobre as fontes de dinamismo inovativo e aprendizado tecnológico ainda
carecem de elementos analíticos adequados na abordagem sobre clusters. A maior parte
dos estudos sobre clusters nos países em desenvolvimento demonstra uma preocupação
com questões relativas ao processo de mudança tecnológica em aglomerações
produtivas. Entretanto, tais estudos não lidam de fato com a natureza dos fluxos de
conhecimento e processos de aprendizado tecnológico que têm lugar nessas
148
aglomerações (Bell e Albu, 1999). Geralmente, quando a questão sobre o processo de
capacitação tecnológica é focalizada diretamente, acaba por remeter à incorporação de
inovações incrementais e aquisição de equipamentos
A segunda definição envolve o conceito de “governança” e implica na
coordenação de atividades econômicas através de relações extra-mercado, e que são
diferenciadas através três categorias que refletem o grau de simetria associado às
relações entre atores locais e globais: network; quasi-hierarchy e hierarchy. Assim,
“network governance” representa formas de coordenação onde a relação de poder entre
empresas é relativamente simétrica enquanto a “quasi-hierarchy governance” envolve a
subordinação de uma empresa à outra como geralmente acontece no caso das relações
de subcontratação.
Ao mesmo tempo em que destacam a importância que assumem as estruturas
locais de governança na organização dos sistemas de produção em aglomerações, estes
autores também apontam para a necessidade de compreender o impacto da interação
entre instâncias locais e globais de coordenação no processo de upgrading de produtores
locais.
Da mesma forma, ao mesmo tempo em que distinguem a interação entre formas
locais e globais de governança, Schmitz e Humphrey enfatizam que o termo governança
também pode ser utilizado tanto para descrever estruturas de coordenação associadas à
esfera privada como à esfera pública, permitindo a interação entre diferentes tipos de
atores, conforme é ilustrado na tabela abaixo:
TABELA 2.1 - Categorias de governança pública-privada e local-global ÂMBITO LOCAL ÂMBITO GLOBAL GOVERNANÇA PRIVADA • Associações empresarias
locais • Cluster do tipo “hub-and-
spoke”
• Cadeias globais coordenadas pelo comprador
• Cadeias globa is coordenadas pelos produtores
GOVERNANÇA PÚBLICA • Agências governamentais locais e regionais
• Regras da OMC • Regras nacionais e supranacionais com referência global
GOVERNANÇA PÚBLICA-PRIVADA
• Redes de políticas locais e regionais
• Padrões internacionais • Campanhas internacionais
de organizações não governamentais
149
Fonte: Humphrey e Shmitz (2000: 5)
Neste aspecto, o foco principal da análise recente sobre clusters industrias recai
sobre a interação entre as formas globais de coordenação associadas às cadeias globais
de valor e as formas locais de governança, em particular aquelas que envolvem a
interação entre formas públicas e privadas de governança.
2.3.2 - Millieu Inovativo e sistemas locais de inovação
Em comparação com a literatura sobre clusters industriais, a abordagem sobre
millieu inovativo apresenta um nível menor de preocupação com a natureza dos fluxos
produtivos que emergem das relações inter- firmas, bem como com as economias de
escala associadas à existência de aglomerações produtivas. O principal foco da maior
parte das contribuições que integram esta abordagem recai na natureza dos processos de
aprendizado interativo que dão origem às inovações no âmbito de aglomerações
produtivas. Tais processos de aprendizado capacitam os diferentes atores a perceberem
mudanças no ambiente e assim adaptar seus padrões e estratégias de capacitação.
Desenvolvida pelo grupo de acadêmicos do GREMI (Groupement de Reserche
Européen sur les Milieux Innovateurs) no decorrer da década de 80 (Camagni, 1991;
Maillat, 1996; Aydalot, 1986), a noção de millieu inovativo enfatiza a importância do
ambiente local no dinamismo tecnológico de aglomerações produtivas.
O millieu inovativo é descrito como um conjunto de elementos materiais (firmas,
infra-estrutura), imateriais (conhecimento) e institucionais (regras e arcabouço legal)
que compõem uma complexa rede de relações voltada para a inovação. A firma não é
considerada um agente isolado no processo de inovação, mas parte de um ambiente com
capacidade inovativa. Este conjunto de elementos e relacionamentos é representado por
vínculos entre firmas, clientes, instituições de pesquisa, sistema educacional e demais
autoridades locais que interagem de forma cooperativa. Neste contexto, o millieu pode
ser compreendido tanto como uma rede concreta de atores que interagem dentro de um
sistema produtivo local como enquanto o próprio ambiente que provê as condições que
viabilizam e facilitam a existência de interações entre os diferentes segmentos de atores
nas aglomerações (Maillat, 1996).
150
Assim, o principal foco dos estudos teóricos e empíricos desenvolvidos no
escopo dos trabalhos do GREMI recai sobre os relacionamentos entre as firmas e seu
ambiente e, particularmente, sobre as formas de organização dessas relações. Tais
relações são estruturadas em torno de três espaços funcionais distintos que incluem: o
espaço de produção, espaço do mercado e o espaço de apoio. É o espaço de apoio que
habilita as firmas a enfrentarem as incertezas inerentes ao ambiente de competição na
medida em que ele determina as relações entre a inovatividade das firmas e o
desenvolvimento territorial. Este espaço, por sua vez, encontra-se constituído em torno
de três tipos diferentes de relações: a) relações relativas à organização dos fatores de
produção; b) relações estratégicas entre a firma e seus parceiros, fornecedores e clientes;
e c) relações estratégicas com atores que pertencem ao ambiente territorial. Da mesma
forma, a dimensão local ou territorial deixa de ser vista como uma mera moldura dentro
da qual diferentes elementos de sistemas produtivos locais passam a interagir
(condicionados por vantagens locacionais estáticas), mas antes como um ambiente para
aprendizado coletivo.
Baseada neste mesmo enfoque teórico, um conjunto mais recente de
contribuições têm discutido a importância da dinâmica de aprendizado e de organização
cooperativa de atores em aglomerações produtivas a partir do conceito de sistema local
de inovação (De la Mothe e Paquet, 1998). Um dos pontos de partida deste modelo
reside justamente na crítica dos estudos que analisam a dinâmica competitiva e
inovativa de aglomerações a partir de elementos que contemplam unicamente a infra-
estrutura física e educacional dessas aglomerações. Assim, ainda que a descrição da
infra-estrutura local consis ta num aspecto importante da maior parte dos estudos sobre
sistemas industriais locais, a ênfase exagerada que costuma ser dada a essas infra-
estruturas torna-se também uma das maiores fraquezas de tais estudos. Neste sentido,
uma análise meramente descrit iva da infra-estrutura de sistemas industriais apresenta
um alcance limitado para explicar a natureza dinâmica de sistemas de inovação
localizados.
Tendo em vista essas limitações, o modelo de sistema local de inovação
associado à abordagem sobre millieu inovativo procura estabelecer um esquema
alternativo de análise centrado na relação entre a inovação e processos de aprendizado.
Tal esquema é descrito como uma abordagem de ‘processo mais do que de estrutura’
151
(process rather than structure - PRTS) que enfatiza a interação entre três dimensões
analíticas denominadas respectivamente, de i) espaço cognitivo; ii) capacidade de
absorção das empresas; e iii) coordenação de práticas comunitárias. O referencial
analítico baseado nessas três dimensões serve de base para desvendar o papel dos
processos de aprendizado na geração de inovações que são consideradas
primordialmente enquanto novas formas de conhecimento prático.
Em primeiro lugar, a noção de espaço cognitivo baseia-se na contribuição de
Zysman (1991) e constitui-se numa representação dos padrões de aprendizado que
emergem a partir do relacionamento entre áreas transversais de conhecimento que
apresentam um padrão cognitivo comum muito semelhante às redes neurais. Em outras
palavras, algo que externamente parece ser somente uma série de vínculos aleatórios
mas que - do ponto de vista do sistema em si - representa um padrão neural que
viabiliza o aprendizado. Esses padrões e conexões não são necessariamente iguais de
um sistema a outro na medida em os mecanismos de aprendizado recaem tanto sobre
configurações particulares de idéias, técnicas e mercadorias como nas parcelas de
conhecimento especializado que lhes servem de vínculo. Assim, por um lado, torna-se
evidente que a complexidade assumida por esses padrões e configurações que moldam
processos de aprendizado nos chamados espaços cognitivos, dificulta o
desenvolvimento de categorias de análise mais precisas. Por outro lado, a noção de
espaço cognitivo permite destacar a natureza coletiva do processo de aprend izado. Neste
aspecto, o aprendizado de organizações é considerado como sendo um processo que
resulta das interações entre diferentes atores.
Em segundo lugar, a capacidade de absorção ou de capacitação, procura
descrever como as diferentes formas de conhecimento prático – que constituem a
inovação - são geradas por organizações dentro do espaço cognitivo. Assim, a principal
ênfase recai tanto sobre a habilidade de organizações em explorar as bases de
conhecimento existentes, como na sua habilidade em explorar novas trajetórias de
aprendizado. Este equilíbrio entre a ‘explotação’ de bases de conhecimento existentes e
a ‘exploração’ de novas trajetórias tecnológicas surge, geralmente, a partir de regras não
escritas, procedimentos e demais aspectos que não são capturados pelas características
formais de organizações. Em alguns casos, a natureza incerta e altamente volátil de
certos contextos institucionais impõe às organizações estratégias de aprendizado mais
152
voltadas para a exploração de novas oportunidades e possibilidades, ao invés de
otimizar o uso das bases de conhecimento existentes. O principal argumento remete
justamente ao fato de que as organizações representam o locus onde ocorre o processo
de transformação, que permite a criação de novos conhecimentos através dos vínculos
estabelecidos com os diferentes elos do sistema. O desafio, neste caso, consiste em
determinar a melhor forma de organização da produção de conhecimento tendo em vista
o objetivo de gerar processos de aprendizado e inovação.
Em terceiro lugar, a coordenação de práticas comunitárias abarca o conjunto de
valores comuns que marcam o desenvolvimento de processos de aprendizado e geração
de conhecimentos em sistemas locais de inovação: “Actual practice in the workplace
has a communal base. Learning has also a communal base. It is not about transmission
of abstract knowledge from someone’s head to another. It is about learning to ‘function
in a community’, about the ‘embodied ability to behave as community members’, about
‘becoming a practioner’ (De la Mothe e Paquet, 1998: 4)
Finalmente, o enfoque sobre sistema local de inovação enfatiza que os processos
de inovação e descoberta são percebidos mais claramente em níveis meso-econômicos
de análise. Tais níveis de análise são, por um lado, mais abrangentes que níveis micro-
econômicos – que levam em consideração somente inovações no âmbito de firmas – e,
por outro lado, menos abrangentes que análises de âmbito nacional (nível macro). Além
disso, considerando a existência de um ambiente de seleção que molda os processos de
descoberta e inovação, é a noção de millieu que passa a definir o espaço no qual as
inovações são geradas através da inter-relação entre as três dimensões analíticas
mencionadas acima.
A ênfase atribuída ao espaço meso econômico como sendo um locus
privilegiado para o surgimento de sistemas dinâmicos de inovação emerge a partir de
três argumentos. O primeiro envolve o fato da inovação estar vinculada a contextos
sociais e institucionais específicos que encontram-se geralmente circunscritos a espaços
locais ou regionais onde as identidades sócio-culturais são mais claramente definidas. O
segundo argumento baseia-se no fato das aglomerações produtivas territoriais
representarem um formato que facilita a promoção de redes cooperativas e o
gerenciamento eficiente de ‘trade-offs’ entre flexibilidade tecnológica, ‘lock-in’ e
minimização de custos. Finalmente, a própria desarticulação atual das economias
153
nacionais e o surgimento de regiões-estado estaria contribuindo para potencializar o
dinamismo de sistemas de inovação em âmbitos meso-econômicos. Assim, no núcleo de
sistemas de inovação meso-econômicos encontram-se representados três processos que
apresentam elevada inter-relação: i) um processo de aprendizagem cumulativo e
adaptativo; ii) um sistema de interações entre atores e grupos; e iii) um processo de
coordenação dinâmica baseado nos dois primeiros (Maillat, 1995: 159).
Neste aspecto, os sistemas locais de inovação associados ao conceito de millieu
refletem uma elevada fragilidade na medida em que não estão baseados em estruturas
administrativas mas em representações comuns ou num mapa cognitivo coletivo que
pode não ser adequadamente transferido de uma geração para outra. O espaço meso-
econômico, enquanto principal instância para o desenvolvimento de processos de
aprendizado e inovação, não representa unicamente uma dimensão espacial ou
territorial. O território não se torna automaticamente um espaço para o aprendizado
coletivo a menos que seja capaz de conter uma representação de idéias e valores
compartilhados.
Em síntese, do ponto de vista conceitual, abordagem sobre millieu inovativo
coloca a relação entre proximidade, aprendizado e inovação no centro do seu referencial
e explora a importância da dimensão organizacional e institucional na mediação dessas
relações. Entretanto, uma importante limitação deste enfoque refere-se à ausência de
critérios objetivos que permitam explicar adequadamente a natureza dos processos de
inovação que emergem a partir do dinamismo de determinadas aglomerações
territoriais. Ainda que este tipo de crítica seja aplicável à maior parte das abordagens
atuais sobre aglomerações produtivas, ela apresenta particular relevância na abordagem
sobre millieu inovativo, na medida em que se encontra associada ao risco de
circularidade nos argumentos utilizados.
Em particular, uma das principais críticas ao enfoque sobre millieu e seus
desdobramentos recai na incapacidade de identificar a lógica econômica através da qual
aglomerações produtivas promovem processos de inovação. Tais limitações na análise
das fontes de dinâmica inovativa associadas ao millieu acabam por conduzir à
formulação de argumentos tautológicos do tipo: a inovação ocorre em
regiões/aglomerações onde existe um millieu inovativo enquanto que o millieu inovativo
154
passa a ser caracterizado como aquele ambiente onde ocorrem inovações (Larsson e
Malmberg, 1999:1).
2.3.3 - A literatura sobre sistemas de inovação
Ainda que a origem das primeiras abordagens sobre sistemas de inovação esteja
relacionada à análise da capacidade inovativa de sistemas tecnológicos e industriais no
âmbito de economias nacionais, desenvolvidas por autores como Freeman (1987),
Lundvall (1992) e Nelson (1993), a perspectiva da inovação a partir dessa visão
sistêmica constitui-se num referencial suficientemente abrangente para permitir a
análise desses sistemas a partir de diferentes dimensões. Dessa forma, sistemas de
inovação podem apresentar alcance supranacional, nacional, mas também podem ser
analisados a partir de sua dimensão setorial, regional ou local (Edquist, 1997). Esses
diferentes recortes apresentam um caráter complementar e a escolha de uma dimensão
específica de análise reflete basicamente o tipo de enfoque e objeto de estudo. Em
alguns casos as relações entre diferentes atores que integram um sistema podem
apresentar maior nexo quando analisadas a partir da sua dimensão setorial, em outros
casos tais relações são mais claramente explicadas a partir da sua dimensão territorial ou
local.
Um dos aspectos chave da abordagem sobre sistemas de inovação reside na
constatação de que a inovação consiste num fenômeno sistêmico no sentido de que os
processos de inovação que têm lugar no nível da firma são, em geral, gerados e
sustentados por relações inter- firma e por uma complexa rede de relações inter-
institucionais (Smith, 1997). Neste contexto, a firma passa a ser redefinida como uma
organização voltada para o aprendizado e inserida num contexto institucional mais
amplo (Nelson e Winter, 1982; Freeman, 1987; Freeman e Perez, 1988; Lundvall, 1992;
Edquist, 1997) 31.
A percepção sobre a natureza sistêmica e complexa da inovação contrapõe-se à
noção tradicional característica do chamado "modelo linear" que estabelece uma
seqüência bem definida que inicia com as atividades de pesquisa básica e desemboca na
adoção de novos produtos e processos nas empresas. Assim, a partir da abordagem
31 É possível destacar também a contribuição de Porter (1990) que, mesmo sem apresentar explicitamente o conceito de sistema nacional de inovação, aponta para diferentes estratégias que afetam a competitividade da indústria nacional.
155
sistêmica, a inovação deixa de ser encarada como um fenômeno isolado no tempo e no
espaço e passa a ser considerada como o resultado de trajetórias que são cumulativas e
construídas historicamente, de acordo com as especificidades institucionais e padrões de
especialização econômica inerentes a um determinado contexto espacial ou setorial. A
firma inova através da interação com outras instituições visando a criação,
desenvolvimento e troca de diferentes tipos de conhecimento. Enquanto o modelo linear
extrapola o papel da ciência básica e negligencia a necessidade de interação entre os
diferentes atores no processo de inovação, o modelo sistêmico destaca a importância de
elementos como a interação e a cooperação em tal processo.
O desenvolvimento da abordagem sobre sistemas de inovação pode ser
explicado a partir de três grandes vertentes que abarcam o estudo sobre sistemas
nacionais, tecnológicos e regionais de inovação (Edquist,1997). Na análise da dimensão
nacional dos sistemas de inovação, cabe ressaltar o contraste existente entre as
contribuições de autores como Freeman (1987) e Lundvall (1992) de um lado, e Nelson
(1993), de outro. O enfoque proposto por Nelson, apresenta uma visão mais restrita,
relacionada ao alcance dado pelo autor ao conceito de sistema nacional de inovação, na
medida em que este abarca somente aquelas instituições mais diretamente envolvidas no
processo de pesquisa e exploração tecnológica, como universidades, departamentos de
P&D nas empresas, cientistas e engenheiros. Adicionalmente, sua análise reflete uma
percepção de que tais sistemas evoluem naturalmente e que portanto sua configuração e
desenvolvimento não podem ser concebidos conscientemente pelos seus principais
atores.
De maneira diversa, a visão de Freeman e Lundvall - mesmo com algumas
diferenças no enfoque - apresenta uma concepção mais ampla sobre o conjunto de
instituições que compõem o sistema nacional de inovação, além de enfatizar que as
diferenças relacionadas à experiência histórica, linguagem e cultura, implicam em
características idiossincráticas que se refletem na organização interna das firmas, no
papel do setor público, na configuração institucional do setor financeiro e na intensidade
e organização das atividades de P&D.
Sob vários aspectos, a discussão sobre o escopo e limites da abordagem sobre
sistemas nacionais de inovação proposta por autores como Freeman e Lundvall,
156
apresenta uma clara contraposição aos argumentos que apontam para a crescente
globalização dos processos de inovação tecnológica. Ao contrário da visão de Nelson,
eles consideram que o elementos e relacionamentos que compõem os sistemas nacionais
de inovação podem ser moldados a partir da ação de policy-makers e demais atores e
instituições que compõem tais sistemas. Desta forma, destacam a importância da
constituição de arranjos institucionais, públicos e privados, que possam contribuir para a
criação de competências tecnológicas específicas e para o processo de aprendizagem
interativa.
No âmbito dos estudos relativos à dimensão tecnológica dos sistemas de
inovação, uma das principais contribuições se originou a partir de estudos empíricos
sobre sistemas tecnológicos na Suécia coordenados por Bo Carlsson que apresentam
diversos elementos comuns com a abordagem sobre sistemas de inovação. Carlsson e
Jacobsson (1997: 268), descrevem estes sistemas a partir de redes de agentes que
interagem numa área tecnológica e sob uma infra-estrutura institucional específica, na
geração difusão e utilização de tecnologias. Esses sistemas são definidos em termos de
fluxos de conhecimento e competência ao invés de fluxos de produtos e serviços.
Entretanto, ainda que destaquem a dimensão tecnológica que caracteriza os fluxos de
conhecimento entre agentes como uma unidade básica de análise dos sistemas de
inovação, esses autores também reconhecem a importância que assume a dimensão local
na configuração das redes.
A importância atribuída às especificidades locais na constituição de sistemas de
inovação também é destacada por Ehrnberg e Jacobsson (1997), que afirmam que um
sistema tecnológico local e funcional pode dar à firma um conjuntos de vantagens no
processo de superação das descontinuidades tecnológicas. De acordo com esses autores,
evidências empíricas demonstram que as firmas e inovações tendem a agrupar-se
espacialmente e que as regiões geográficas freqüentemente se especializam em certas
áreas industriais ou tecnológicas. O chamado "conhecimento coletivo" relacionado a
proximidade territorial tende a conduzir o comportamento de uma região em relação a
"como fazer a coisas" significando que o desenvolvimento regional tende a convergir
para uma trajetória path dependent. Entretanto, isso pode tornar-se uma desvantagem na
medida em que acentua a inércia da região como um todo, sugerindo que os
157
ajustamentos decorrentes de processos de mudança tecnológica podem ocorrer de forma
muito lenta.
Ainda que os enfoques centrados na dimensão nacional e tecnológica dos
sistemas de inovação não descartem a importância da dimensão localizada destes
sistemas, a noção de sistemas regionais de inovação somente passa a ganhar destaque a
partir da contribuição de autores como Saxenian (1994); Cooke e Morgan (1994); e
Scott (1994).
Em linhas gerais, este tipo de enfoque sobre sistema regional de inovação (RIS)
encontra-se fundamentado, em parte, na visão evolucionária sobre sistemas de inovação
e incorpora ainda elementos teóricos oriundos das novas abordagens sobre a nova
ciência regional. Neste sentido, o RIS é definido por alguns autores em termos de uma
ordem coletiva baseada em formas de regulação microinstitucionais e condicionada por
elementos como confiança, intercâmbio e integração cooperativa (Braczik et al, 1998:
1580). A região, por sua vez, é apresentada como um tipo de organização coletiva
voltada para o aprendizado onde a dimensão sistêmica da inovação é sustentada por
uma combinação de dotações que incluem uma infra-estrutura organizacional e uma
superestrutura associativa. Da mesma forma, encontra-se implícita nesta análise a noção
de ‘embeddedness’ representando uma ordem social coletiva que evolui de acordo com
os hábitos, rotinas e regras do jogo que integram as convenções institucionais em
âmbito local (Grabher, 1993).
Um dos modelos que discute a relação entre diferentes graus de
institucionalização de sistemas regionais de inovação bem como sua capacidade de
gerar e sustentar processos de transferência tecnológica é apresentado por autores como
Cooke e Morgan (1994 e 1998). Tal modelo, abrange aspectos da estrutura produtiva e
da infra-estrutura institucional e de coordenação de aglomerações produtivas.
O modelo baseia-se em duas categorias principais. A primeira, envolve a infra-
estrutura de coordenação e remete particularmente às modalidades de transferência
tecnológica nessas aglomerações. O processo de transferência tecnológica é analisado
tendo em vista o âmbito no qual tal processo tem início, suas fontes de financiamento,
nível de especialização técnica e grau de coordenação supra local.
158
De acordo com essas características, os SRI podem ser agrupados em três
modalidades distintas com relação à infra-estrutura de coordenação. Na primeira
modalidade, ‘grassroots’, os principais elementos envolvendo processos de
transferência tecnológica encontram-se sob a responsabilidade de atores locais ou
regionais; os esquemas de financiamento tendem a apresentar origem difusa; o nível de
especialização técnica é baixo bem como o grau de coordenação supra local; enquanto
as bases de conhecimento se refletem na pesquisa aplicada ou voltada para o mercado.
Na segunda modalidade, ‘networks’, tanto a inicialização de processos de transferência
tecnológica, como suas fontes de financiamento, bases de conhecimento e demais
elementos são definidos a partir de diferentes níveis territoriais (local, regional, nacional
e supra nacional). Já na terceira modalidade, ‘dirigiste’, a maior parte dos elementos
relacionados ao processo de transferência tecnológica são definidos a partir de
instâncias e atores que se encontram fora ou acima do local ou região focalizados.
Uma segunda categoria analítica – a da inovação empresarial – é proposta com
vistas a complementar a dimensão relacionada à infra-estrutura de coordenação. A
exemplo da primeira, esta dimensão também envolve três modalidades que visam
descrever a postura das empresas que integram economias regionais, tanto em termos
das suas relações horizontais, como nas suas relações verticais com fornecedores e
consumidores (Braczik et al, 1998). Neste contexto, na primeira modalidade, ‘localist
RIS’, os sistemas regionais são caracterizados pela ausência ou número reduzido de
grandes empresas locais e/ou ramos de grandes conglomerados controlados
externamente. Da mesma forma, tais sistemas apresentam um elevado grau de
associativismo entre atores locais, ainda que as atividades de pesquisa das empresas não
apresentem grande alcance. Na segunda modalidade, ‘interactive’ RIS, os sistemas são
caracterizados pela existência de equilíbrio no número de pequenas e grandes empresas
e manutenção de esquemas associativos entre atores locais que são expressos através de
redes industriais, fóruns empresariais, etc. Finalmente, na terceira modalidade,
‘globalized’ RIS, existe um claro predomínio de corporações globais que são
geralmente apoiadas por cadeias de fornecedores locais.
Além de estabelecer um referencial que discute a natureza dos processos
inovativos de sistemas regionais a partir de elementos que envolvem sua infra-estrutura
e modos de coordenação, este enfoque logra avançar na caracterização da dimensão
159
regional de tais sistemas. Este ponto é discutido por Cooke, Uranga e Etxebarria (1998:
1573) que apresentam alguns critérios para definição da dimensão regional:
“First, rather as with states, we would not advocate setting any size limit, such as population, to the designation. Second, the designation should, nevertheless, display homogeneity and identity with respect to certain limited criteria. Third, the designation should enable the region to be distinguishable from other regions by reason of certain kinds of specificity. Fourth, it should display some features of internal integration and cohesion, for example in administrative terms. Thus a region is a territory less than its sovereign state possessing distinctive supralocal administrative, cultural, political, or economic power and cohesiveness, differentiating it from its state and other regions”
Neste aspecto, Cooke e Morgan (1998), apontam para uma diferenciação
importante sobre o grau de coesão de um determinado território e sua própria trajetória
de evolução. Por um lado, a evolução de uma região ou território pode ocorrer através
de um processo de regionalização onde sua delimitação e coesão são definidas a partir
de forças supralocais, seja através do Estado ou de outras instâncias administrativas. A
criação de regras e convenções, neste caso, ocorre independentemente da existência de
identidades socio-culturais regionais que são fundamentadas em processos históricos.
Por outro lado, o regionalismo envolve uma forma distinta de evolução territorial
caracterizada pela existência de uma forte coesão ligada à existência de identidades
sócio-culturais ou econômicas. Assim, enquanto o processo de regionalização envolve a
imposição de formatos organizacionais com vistas a estimular o desenvolvimento de
instituições regionais, o processo de regionalismo envolve a consolidação de
organizações pré-existentes que permitam dar expressão às instituições regionais
(Cooke, Uranga e Etxebarria, 1998: 1574).
2.3.4 - Novos espaços industriais e sistemas locais de produção
A noção de novos espaços industriais foi proposta inicialmente por autores como
Storper (1982 e 1995) e Scott (1988 e1995) e combina elementos da literatura sobre
distritos industriais, da discussão sobre sistemas flexíveis de produção e da abordagem
evolucionária. O principal foco de discussão recai sobre a relação entre territórios,
tecnologias e organizações.
160
Um dos principais argumentos desta literatura reside na percepção de que
economias territoriais não são criadas unicamente pela proximidade nas estruturas de
insumo-produto, mas principalmente pela proximidade na chamada dimensão relacional
de organizações e tecnologias. Assim, a importância da proximidade territorial para a
organização das atividades produtivas e inovativas em sistemas produtivos locais
somente pode ser traduzida através de ‘ativos relacionais’ ou ‘dependências não
comerciais’32
Kirat e Lung (1999: 29-30), por exemplo, enfatizam os diferentes significados
que assume a noção de proximidade na análise de processos de aprendizado interativo.
Inicialmente, a proximidade pode ser concebida através da sua dimensão meramente
geográfica, como uma configuração de atores econômicos que integram um mesmo
sistema produtivo territorial, independentemente da existência de processos de
aprendizado coletivo. Alternativamente, a proximidade pode estar relacionada à
existência de interdependências tecnológicas ou industriais associadas às relações de
complementaridade e similaridade na produção que caracterizam os distritos industriais.
Contudo, na medida em que procura-se explorar em que grau esses
relacionamentos entre atores econômicos abarcam processos de aprendizado coletivo,
torna-se crucial compreender a dimensão organizacional e institucional da proximidade.
Tendo em vista que o aprendizado consiste num processo que é eminentemente social,
as organizações constituem um espaço onde são definidas as estratégias e práticas de
atores que compartilham um conjunto de regras e valores comuns que, por sua vez,
emergem da matriz institucional na qual estas organizações se inserem. Em outras
palavras, enquanto a proximidade organizacional cumpre uma função de interligar um
conjunto de atores que integram empresas e outras entidades concretas em torno de um
modelo cognitivo comum, a proximidade institucional denota modelos, regras e outros
tipos de estrutura de representação coletivas que servem de base para formulação das
estratégias e práticas desses atores.
Do ponto de vista evo lucionário, a importância da proximidade entre diferentes
atores no âmbito de uma região pode ser analisada a partir das relações de
32 “These assets are claimed to have a direct impact on a region’s competitive potential insofar as they constitute part of the learning environment for firms. They provide the daily access to the relevant resources (information, knowledge, technology, ideas, training and skills) that are activated trough the networks of interdependency and common understanding that surrounds individual firms” (Amin, 1999).
161
interdependência que se refletem, fundamentalmente, sobre as condições de criação e
difusão de conhecimentos. Neste sentido, uma dada região torna-se fundamental para o
processo de capacitação tecnológica na medida em que se constitui num espaço onde a
diversidade tecnológica é criada e, posteriormente, limitada no sentido de definir
trajetórias específicas (Storper, 1996).
Em particular, Storper apresenta a noção de territorialização do desenvolvimento
econômico como um fenômeno distinto da mera localização de atividades econômicas
num mesmo espaço territorial. A territorialização é definida como um conjunto de
atividade econômicas que é dependente de recursos específicos do ponto de vista
territorial. Tais recursos, tanto podem assumir a forma de ativos territoriais específicos
(no sentido material), como podem traduzir também ativos relacionais que encontram-se
disponíveis a partir de relacionamentos e arranjos inter-organizacionais que envolvem
necessariamente a proximidade entre os atores envolvidos. Apesar de ampla, essa
definição sobre territorialização destaca claramente a importância da proximidade
geográfica na constituição de externalidades positivas (spillover effects) em um sistema
de atividades econômicas. Dessa forma: “An activity is fully territorialized when its
economic viability is rooted in assets (including practices and relations) that are not
available in many other places and cannot easily or rapidly be created or imitated in
places that lack them” (Storper: 1997:170).
Num linha de argumentação semelhante, Maillat (1996) enfatiza que a dinâmica
de construção da identidade regional de sistemas produtivos não pode ser definida a
priori na medida em que decorre das estratégias adotadas pelos agentes econômicos em
âmbito local, das suas formas de interação e dos mecanismos de aprendizado. Neste
contexto, o sistema produtivo local é visto como um conjunto de unidades
interdependentes e atores econômicos que estão sujeitos à influência de duas lógicas
distintas em termos de organização geográfica: a lógica funcional e a lógica territorial.
A lógica funcional reflete um tipo de organização industrial baseada na
hierarquia33 e independe de uma localização específica para operar dando lugar a uma
33 Em termos conceituais a noção de hierarquia contrapõe-se à noção de ‘mercado’ e reflete formas de organização do processo produtivo baseadas na centralização das decisões características das grandes corporações e de formas extensivas de integração vertical e horizontal. Uma abordagem alternativa, propõe a organização do processo produtivo a partir de um espaço meso-econômico, característico das formações de redes de empresas e constitui-se numa espécie de meio termo entre as duas formas
162
divisão de tarefas e à dispersão da produção no espaço. A organização funcional da
produção encontra-se centralizada em uma grande empresa (ou num pequeno número de
grandes empresas) que distribui as funções produtivas no espaço na medida em que os
mercados se expandem visando uma otimização de custos. Em termos inovativos, a
lógica funcional assume que o dinamismo do processo de criação e desenvolvimento de
novas tecnologias reside na grande empresa e que a única forma da periferia
acompanhar esse desenvolvimento é através dos spin-offs gerados a partir do centro. Tal
situação gera uma assimetria nas relações que se estabelecem entre as regiões - que
servem de base para esse tipo de atividade - e o centro, representado pela grande
empresa, que tira vantagens decorrentes da distribuição de diferentes funções de
produção em regiões separadas.
A lógica territorial, situada no outro extremo da análise, coloca em discussão as
interdependências entre os atores econômicos que são engendradas a partir da dinâmica
local onde, ao contrário do que ocorre na lógica funcional, os empreendimentos
estabelecem localmente as redes de cooperação e troca. Na mesma medida em que as
especificidades regionais dão suporte ao desenvolvimento desses empreendimentos, são
construídos vínculos e interações que não se restringem às trocas entre empresas, mas
envolvem também outros agentes e instituições como centros de pesquisa, instituições
de ensino ou entidades governamentais locais. A compreensão do processo que leva ao
desenvolvimento da capacidade de inovação de uma região em relação a outra, tendo
em vista a influência da lógica territorial ou funcional, passa a depender, então, do
ambiente inovativo inerente a cada região.
A discussão sobre os diferentes tipos de lógica que moldam a organização
territorial de empresas reflete, em particular, a noção de estruturas de governança que
são inerentes às relações entre diferentes segmentos de atores no âmbito de
aglomerações produtivas. Neste aspecto, Storper e Harrison (1991), discutem a
influência das estruturas de governança na organização territorial de sistemas de
produção a partir de um modelo que engloba três dimensões de análise: i) a estrutura
dos sistemas de insumo-produto; ii) as formas de coordenação desses sistemas; e iii) os
formatos territoriais das atividades industriais.
anteriores. Para uma discussão detalhada ver Williamson (1975).
163
O primeiro elemento, a estrutura dos sistemas de insumo-produto, reflete um
conjunto de atividades que leva à produção de um bem ou serviço comercializável
específico, e possibilita uma análise do grau de flexibilidade destes sistemas, segundo o
grau de economias de escala e escopo que são geradas tanto em nível da empresa como
da indústria 34. O segundo elemento refere-se às formas de coordenação ou estrutura de
poder inerente ao sistema de produção e, portanto, reflete o grau de poder que
apresentam os agentes econômicos no sentido de afetar o desenvolvimento do sistema.
O terceiro elemento é justamente aquele que possibilita analisar a dimensão espacial do
processo de inovação nos sistemas produtivos na medida em que determina o grau de
aglomeração ou dispersão das atividades industriais nos sistemas produtivos.
Em primeiro lugar, a análise das estruturas de insumo-produto permite
identificar desde pequenas unidades produtivas isoladas (onde economias de escala e
escopo são reduzidas), até redes de produção com grandes unidades produtivas (onde
tais economias são elevadas). Além do grau de aglomeração espacial de diferentes
configurações produtivas, este modelo também analisa o impacto de diferentes formas
de coordenação na forma pela qual atividades produtivas são organizadas no espaço
territorial. Tais formas de coordenação são vistas como refletindo a estrutura de poder
inerente ao sistema de produção e, portanto, o grau de poder que apresentam os agentes
econômicos no sentido de afetar o desenvolvimento do sistema.
Em segundo lugar, as estruturas de governança e as formas de coordenação do
sistema de produção são classificadas de acordo com o número de agentes potenciais
que participam na cadeia de fornecimento e com a natureza qualitativa destes vínculos.
De acordo com esses condicionantes, as estruturas de poder são representadas através de
duas situações extremas. Num extremo, tais relações podem ser totalmente assimétricas
(core), de modo que algumas firmas apresentam a possibilidade de determinar a
existência de outras. No outro extremo, estão relações marcadas pela simetria no poder
34 Enquanto as economias internas de escala e escopo são utilizadas para explicar o tamanho das firmas ou unidades produtivas presentes nesses sistemas, as economias externas de escala e escopo encontram-se associadas com o grau de flexibilidade da produção e de divisão social do trabalho na indústria. Assim, economias externas de escopo existem quando o processo de produção é fragmentado de modo que o escopo do sistema como um todo é amplo, mas o das unidades individuais é restrito. Da mesma forma, economias externas de escala e escopo são associadas com a flexibilidade na produção. A formação de redes constitui-se numa forma particularmente importante para obtenção de flexibilidade na produção, dadas as possibilidades que oferece no ajustamento das relações inter-unidades permitindo mudanças nas quantidades e na qualidade da produção e viabilizando a adaptabilidade de um sistema insumo -produto
164
entre diferentes segmentos de agentes (ring), onde a existência de firmas não depende
necessariamente do poder de decisão de outras empresas. Diferentes combinações
associadas ao grau de especificidade dos ativos e níveis de especialização em cada
configuração produtiva podem resultar numa ampla variedade de situações de equilíbrio
associados às relações de poder e formas de coordenação dos sistemas produtivos.
(Stoper e Harrison, 1991: 412).
A noção de sistema de produção reflete, portanto, a idéia de que qualquer
sistema de insumo-produto está necessariamente inserido numa estrutura de
coordenação específica. Assim, as relações de poder e estruturas de decisão inerentes ao
conjunto das atividades que compõe o processo produtivo passam a definir o formato do
sistema de produção. Do ponto de vista territorial, a posição que a região ocupa em
relação aos sistemas que abriga e nos quais as empresas estão vinculadas, constitui-se
num fator importante pois reflete o poder de barganha da região e seu poder de interferir
no desenvolvimento desse sistema.
O quadro final definido a partir deste modelo é bastante interessante. Mais do
que um esquema classificatório para identificação de formatos diversos de sistemas
produtivos, este modelo permite explorar algumas hipóteses importantes relativas aos
caminhos evolutivos destes sistemas. Em particular, a noção de sistema de produção
apresentada pelos autores, apresenta uma visão dinâmica que permite analisar as
trajetórias evolutivas de diferentes formatos de aglomerações de acordo com elementos
que refletem mudanças tanto na estrutura produtiva como nas relações de poder
inerentes a essas aglomerações.
Da mesma forma, ainda que este tipo de modelo ofereça uma representação
esquemática que permite analisar o funcionamento de diferentes sistemas de produção
tendo em vista sua relação com a dimensão territorial, o que se verifica, na realidade,
são padrões mais complexos de relacionamento dadas as possibilidades de interação
entre diferentes sistemas produtivos. Uma mesma empresa, por exemplo, pode,
participar de mais de uma rede, cuja configuração tanto pode refletir uma estrutura
centralizada e hierarquizada com vínculos territoriais fracos, como uma estrutura
descentralizada, baseada em vínculos de cooperação e com forte aglomeração territorial.
em relação a choques externos e encorajando impulsos internos de mudança, como na inovação de produtos (Storper e Harrison, 1991: 409).
165
2.4 - Conclusões
Apesar da diversidade em termos de suas matrizes teóricas, o conjunto de
abordagens discutidas ao longo do capítulo apresenta uma visão convergente sobre a
importância que assume a proximidade territorial na busca de vantagens competitivas e
inovativas. Ta l percepção se reflete num conjunto relativamente consensual de
argumentos que engloba, em primeiro lugar, a importância crescente atribuída às
aglomerações produtivas locais enquanto elemento central na competitividade
econômica e no dinamismo tecnológico das firmas.
Em segundo lugar, a região é encarada como um espaço cognitivo onde valores
comuns e outros ativos intangíveis contribuem para o sucesso dos processos de
aprendizado interativo e tendem a minimizar os custos de transação entre firmas. Assim,
ao mesmo tempo em que o aprendizado interativo é apontado como principal
mecanismo para o desenvolvimento econômico e tecnológico, a proximidade territorial
é considerada como o melhor contexto para troca de conhecimentos tácitos.
Em terceiro lugar, ainda que a firma permaneça como a unidade central de
análise do processo de inovação, as firmas são reconhecidas como organizações cuja
dinâmica de aprendizado encontra-se associada à contextos institucionais mais amplos.
Dessa forma, a dimensão institucional, considerada como o conjunto de normas sob as
quais sistemas locais de produção são organizados, torna-se um aspecto crítico para
compreensão da inovação e da competitividade local e regional. Da mesma maneira, a
análise sobre o papel desempenhado por desenhos institucionais não pode ser dissociada
das estruturas de governança que delimitam o escopo de ação de atores locais e externos
nas aglomerações produtivas.
Em quarto lugar, um outro importante ponto de convergência entre essas
contribuições refere-se ao esforço de analisar os processos de inovação em âmbito local
e regional a partir de um arcabouço dinâmico. Em outras palavras, percebe-se nas
diferentes abordagens o interesse em focalizar trajetórias de desenvolvimento ao invés
de se restringir ao estudo dos elementos estruturais de aglomerações produtivas. Neste
aspecto, existe um amplo reconhecimento de que estes elementos e suas relações
tendem a mudar na medida em as aglomerações produtivas evoluem.
166
A noção de proximidade territorial apresenta um alcance e uma delimitação
diferenciada de acordo com o tipo de abordagem utilizado. Na maior parte dos modelos
inspirados na abordagem sobre millieu inovativo, a proximidade é representada através
da noção mais genérica de espaço mesoeconômico que denota a existência de sistemas
produtivos territoriais, mas também abarca sua dimensão organizacional e institucional.
Na abordagem sobre clusters industriais a noção de proximidade assume uma clara
identificação com a idéia de aglomerações que se originam a partir da concentração
espacial e setorial de empresas. Essa visão é compartilhada, em parte, pelos modelos
oriundos da abordagem sobre sistemas de inovação que também destacam a articulação
entre elementos espaciais e setoriais na definição de sistemas regiona is e locais de
inovação. Não obstante estas pequenas divergências, existe um consenso entre os
diferentes enfoques de que a proximidade territorial representa uma condição necessária
para existência de aglomerações produtivas, mas não constitui-se em condição
suficiente para a promoção do dinamismo competitivo e inovativo de empresas. O
desenvolvimento de processos de aprendizado voltados para a inovação no âmbito de
aglomerações produtivas implica não somente na proximidade geográfica, mas na
existência de outras formas de proximidade relacionadas a fatores institucionais,
culturais e tecnológicos, com vistas à troca efetiva de conhecimentos tácitos e
codificados entre agentes.
Assim, com base nos elementos analíticos que integram as abordagens teóricas
discutidas ao longo do capítulo, é possível destacar o conjunto de critérios a serem
considerados na constituição do referencial de análise dos estudos de caso apresentados
na segunda parte da tese.
Inicialmente, a fim de incorporar a dimensão territorial como uma unidade
própria de análise que define o espaço onde processos produtivos e inovativos têm
lugar, o referencial que serve de base para discussão dos estudos empíricos apresentados
na segunda parte da tese baseia-se no conceito de arranjo ou sistema produtivo local.
Este conceito refere-se genericamente aos diferentes tipos de aglomerações produtivas
(tais como clusters, redes, distritos industriais, etc.) que apresentam fortes vínculos
envolvendo diferentes segmentos de atores localizados num mesmo território. Da
mesma forma, na medida em que se baseia numa concepção mais ampla de sistema de
inovação, este conceito inclui não apenas empresas (produtoras, fornecedoras,
167
prestadoras de serviços, comercializadoras, etc.) e suas diversas formas de
representação e associação (particularmente cooperativas), mas também diversas outras
instituições públicas e privadas (voltadas à: formação e treinamento de recursos
humanos; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; consultoria; promoção e
financiamento, etc.) (Lastres e Cassiolato, 1999; Lastres, Cassiolato, Lemos; Maldonado
e Vargas, 1999; e Cassiolato e Szapiro, 2002).
É importante enfatizar que apesar de partir de um recorte setorial, a
caracterização dos arranjos e sistemas produtivos envolve um referencial de análise
mais amplo que inclui elementos relacionados à estrutura setorial dos arranjos, mas
abarca também outros aspectos relativos ao sistema local de inovação e seu contexto
institucional. Por um lado, a percepção de que processos de inovação transcendem a
esfera da firma individual e assumem uma dimensão claramente sistêmica contribuiu,
em parte, para identificação de aglomerações produtivas a partir de um recorte
tradicional de setores industriais. Por outro lado, a adoção de um enfoque unicamente
setorial apresenta limitações, seja no sentido de negligenciar a diversidade associada aos
elementos institucionais e históricos que integram sistemas produtivos territoriais, seja
pela sua incapacidade de captar a volatilidade de tecnologias ligadas às fronteiras de
setores industriais. Essa articulação pode assumir um papel complementar importante na
análise da dinâmica inovativa e competitiva de aglomerações produtivas, na medida em
que as implicações tecnológicas de cunho setorial sejam consideradas a partir da sua
interação com configurações institucionais e organizacionais específicas associadas a
sistemas produtivos territoriais.
A partir desta noção ampla de aglomeração produtiva territorial refletida no
conceito de arranjo produtivo local, a constituição do referencial analítico procura
abarcar também três importantes tipos de diferenciação mencionadas nas abordagens
discutidas anteriormente.
A primeira, refere-se à distinção entre sistemas de produção e sistemas de
conhecimento, tendo em vista os atores e vínculos relacionados a cada um desses tipos
de sistema. Neste aspecto, as relações entre atores que integram aglomerações
produtivas são geralmente definidas em termos de fluxos de insumos e produtos através
dos vínculos verticais (entre empresas e fornecedores) ou horizontais (entre empresas de
um mesmo segmento). Porém, são os fluxos de informação e conhecimento entre atores
168
locais que determinam a incorporação de novos produtos e processos nas empresas.
Apesar da clara interação existente entre os sistemas de produção e de conhecimento em
arranjos produtivos, a natureza desta interação é variável e geralmente envolve
conjuntos diferenciados de atores (Carlsson e Stankiewicz, 1991; Bell e Cassiolato,
1993; Bell e Albu, 1999). A adoção desta diferenciação no escopo do referencial de
análise permite explorar a influência de segmentos diversos de atores na organização
dos sistemas de produção e na adoção de inovações em produtos e processos produtivos
nos arranjos.
Um segundo tipo diferenciação, envolve a influência das estruturas de
governança e refere-se ao impacto da interação entre instâncias locais e globais de
coordenação na organização das atividades produtivas e inovativas dos arranjos. Esta
questão é enfatizada em particular na literatura recente sobre clusters nos países em
desenvolvimento, tendo em vista a crescente internacionalização de mercados que
amplia a inserção de produtores locais em cadeias produtivas globais (Humphrey e
Schmitz, 2000). Na análise dos estudos empíricos apresentada nos capítulos
subsequentes, as assimetrias de poder que emergem da interação entre instâncias locais
e globais de coordenação nos arranjos são discutidas tendo em vista a natureza da
inserção dos arranjos no mercado doméstico e externo.
Uma terceira diferenciação refere-se à origem das fontes de informações e
conhecimentos que servem de base para adoção de inovações nos arranjos e que podem
estar vinculadas a fontes locais ou externas às aglomerações. Da mesma forma,
conforme enfatizado tanto na literatura sobre millieu inovativo como nas abordagens
sobre sistemas de inovação, a capacitação inovativa de aglomerações produtivas não se
baseia unicamente na exploração de bases de conhecimento existentes, mas também na
habilidade de explorar novas bases de conhecimento através da promoção de processos
de aprendizado interativo. Neste aspecto, o referencial que serve de base para análise
dos estudos de caso apresentados a seguir, também avalia a importância relativa de
fontes internas e externas de informação e conhecimento, associadas ao processo de
aprendizado inovativo de atores locais.
Em particular, a aquisição de informações e conhecimentos por parte das
empresas pode ocorrer através de diferentes canais que envolvem tanto o uso de fontes
internas às aglomerações (tais como infra-estrutura tecnológica e educacional local,
169
atividades de P&D nas empresas, etc), como também o uso de fontes externas (clientes,
fornecedores localizados fora do entorno geográfico do arranjo, feiras internacionais,
etc). Em muitos casos, fontes de informação e conhecimento situadas fora do entorno
territorial de aglomerações podem desempenhar um papel importante na dinâmica de
mudança tecnológica de atores locais. Em outros casos, são os centros de pesquisa,
associações empresariais e outras organizações locais que apresentam maior
participação no processo de criação de novos conhecimentos no arranjo.
Finalmente, outro aspecto a ser considerado na constituição do referencial
analítico refere-se ao fato de que a existência de processos de aprendizado interativo e
localizado não garante, necessariamente, a sustentabilidade do dinamismo competitivo e
inovativo de aglomerações produtivas. Por um lado, a proximidade entre os atores que
integram arranjos e sistemas produtivos pode promover as condições necessárias para
promoção de processos de aprendizado que garantem trajetórias inovativas estáveis
baseadas em inovações incrementais. Por outro lado, com vistas a evitar os riscos de
lock-in nas trajetórias de aprendizado, os arranjos produtivos também devem mostrar a
capacidade de romper trajetórias através de inovações radicais, onde a capacidade de
incorporação de conhecimentos a partir de fontes externas assume uma importância
crucial (Cooke e Morgan, 1998:74-75; Maskell e Malmberg, 1999). Um ponto crucial,
portanto, refere-se à capacidade de atores locais, tais como empresas, universidades ou
centros tecnológicos, atuarem na articulação de bases de conhecimento internas e
externas aos arranjos, desempenhando assim a função de “porteiros tecnológicos” nos
sistemas de conhecimento de aglomerações (Bell e Albu, 1999).
170
PARTE II - EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA EXPERIÊNCIA DE ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS SELECIONADOS: ELEMENTOS PARA
ELABORAÇÃO DE UM REFERENCIAL ANALÍTICO
Introdução Geral
Nos capítulos subsequentes, discute-se a relação entre diferentes formatos de
arranjos produtivos locais e sua dinâmica inovativa e competitiva, através de um
referencial que abarca aspectos associados às formas de organização dos sistemas de
produção, estruturas de governança e mecanismos de aprendizado. Tal análise
comparativa é desenvolvida com base na experiência de quatro aglomerações produtivas
situadas no Estado do Rio Grande do Sul: o arranjo agro- industrial fumageiro localizado
na região do Vale do Rio Pardo; os arranjos vitivinícola e moveleiro localizados na
região da Serra Gaúcha; e o arranjo coureiro-calçadista da região do Vale dos Sinos.
Os estudos empíricos que servem de base para esta análise foram desenvolvidos
no escopo de uma rede de pesquisa que, desde 1997, tem se dedicado a analisar a
experiência de arranjos e sistemas produtivos locais nos países do Mercosul35. A
incorporação destes estudos foi baseada em alguns critérios objetivos de seleção que
levaram em conta fatores como a relevância econômica dos arranjos no contexto local e
regional; a sua relação com processos históricos de desenvolvimento regional e a sua
dimensão territorial, em termos do grau de concentração geográfica dos diferentes
segmentos de atores integrantes da cadeia produtiva em âmbito local e regional. O
conjunto de diretrizes que nortearam a composição da amostra em cada estudo de caso
bem como os instrumentos de coleta de dados utilizados nas pesquisa de campo são
apresentados no anexo metodológico no final deste trabalho.
Além de discut ir os resultados dos estudos empíricos, esta segunda parte da tese
abarca também a construção de um referencial analítico que procura resgatar as
proposições e diferenciações oriundas das abordagens teóricas discutidas na primeira
parte da tese, ao mesmo tempo em que incorpora novos elementos de análise que
35 A Rede de Pesquisa em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais, envolve um conjunto de instituições e pesquisadores de diferentes Estados no Brasil e no exterior e conta com a participação e apoio financeiro de diversas instituições tais como Ministério de Ciência e Tecnologia, FINEP, BNDES, IPEA, CNPq, Organização dos Estados Americanos, entre outras. A coordenação geral desta rede de pesquisadores e instituições está estabelecida no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IE/UFRJ sob responsabilidade do Profs. José Eduardo Cassiolato e Helena Lastres. Maiores
171
emergem a partir da discussão das evidências empíricas. Neste aspecto, procura-se
conciliar a diversidade conceitual que marca as abordagens que exploram a relação
entre espaço, competitividade e inovação apresentadas no capítulo anterior, com a
riqueza empírica que emerge a partir dos estudos de caso que são apresentados.
O principal objetivo deste referencial analítico consiste, portanto, em relacionar
a dinâmica competitiva e inovativa das aglomerações produtivas estudadas com
elementos que englobam três dimensões complementares:
• as características relativas à sua estrutura produtiva, principais mercados e
padrões de territorialização;
• as estruturas de governança e formatos institucionais que fornecem a base
de sustentação tanto para fluxos produtivos como para os fluxos de conhecimento e
informação;
• as principais características dos fluxos de conhecimento e mecanismos de
aprendizado associados a adoção e difusão de inovações em âmbito local.
A proposição deste referencial tem duas motivações principais. Em primeiro
lugar, ele reflete a necessidade de contar com um conjunto de critérios objetivos que
permita desenvolver uma análise comparativa entre os diferentes formatos de arranjos
produtivos que emergem dos estudos de caso apresentados a seguir. Em segundo lugar,
coloca-se uma motivação de cunho mais geral que remete ao desenvolvimento de
instrumentos de análise que auxiliem na discussão das especificidades que cercam a
trajetória de capacitação inovativa de aglomerações produtivas no contexto de países em
desenvolvimento, diante de um ambiente econômico crescentemente globalizado.
Neste aspecto, além das especificidades inerentes à dinâmica de aprendizado
tecnológico nos países em desenvolvimento mencionadas anteriormente, verifica-se
que, no decorrer da década de 90, as reformas estruturais (liberalização econômica,
abertura comercial e privatizações) acarretaram mudanças consideráveis nos padrões de
desenvolvimento industrial e tecnológico dos países em desenvolvimento. Tais
mudanças tiveram um impacto significativo sobre as estratégias inovativas e
detalhes sobre os objetivos e alcance do esforço desta rede podem ser encontrados em: http://www.ie.ufrj.br/redesist.
172
competitivas do conjunto de arranjos analisados e representam, portanto, um recorte
importante na análise da sua trajetória recentes de evolução.
A seguir apresenta-se um panorama geral sobre o impacto deste processo de
reformas estruturais no Brasil tendo em vista suas principais implicações em termos da
evolução da estrutura industrial brasileira na década de 90. O detalhamento sobre o
impacto destas reformas estruturais sobre as trajetórias recentes, formas de organização
e estratégias inovativas dos arranjos produtivos analisados é apresentado ao longo dos
próximos capítulos.
Reformas estruturais e reestruturação produtiva na década de 90
Até a década de 80, a estrutura industrial brasileira havia atingido um elevado
grau de diversificação da produção e integração intersetorial. Neste período, a
participação de setores de maior valor agregado na estrutura industrial brasileira (tais
como os complexos químico e metal-mecânico), equivalente a 58,8% do produto total
da indústria, aproximava-se daquela verificada nas três principais economias
desenvolvidas em âmbito mundial (EUA, Japão e Alemanha)36.
Entretanto, com o esgotamento do modelo de crescimento econômico baseado
na substituição de importações e no financiamento externo, o país passa a enfrentar um
processo de estagnação. Por um lado, já no início da década de 80, fatores como a
debilidade do mercado interno brasileiro, deficiente integração com o comércio
internacional e a limitada dinâmica inovativa do setor produtivo contribuíam
significativamente para a instabilidade do processo de industrialização brasileiro. Por
outro lado, nesse mesmo período, a indústria mundial passava por um processo de
transformação marcado pelo aumento da concorrência internacional e pelo ritmo mais
intenso de incorporação de inovações tecnológicas associadas a um novo paradigma
tecno-econômico, colaborando assim para um persistente atraso relativo da indústria
brasileira que dura até os dias de hoje.
Dessa forma, a incapacidade da indústria brasileira de manter um ritmo
sustentado de crescimento ao longo da década de 80, aliada à crescente instabilidade
36 Em 1980 os EUA, Japão e Alemanha Ocidental tinham aproximadamente dois terços de sua produção industrial originada dos setores de bens de capital, bens de consumo durável e automobilístico. A proporção de tais setores no total da indústria era de 64,4% no caso dos EUA, 64,5% no caso do Japão e 69,8% no caso da Alemanha Ocidental (Cassiolato, 1992; Bell e Cassiolato, 1993; Ferraz et al., 1995:55;
173
macroeconômica e à crise de financiamento do setor público trouxeram efeitos
extremamente danosos sobre os determinantes sistêmicos da competitividade37. Do
ponto de vista do papel do Estado, a crise financeira do setor público representou apenas
mais um aspecto importante de um movimento amplo de desmantelamento institucional
do Estado desenvolvimentista brasileiro. Esse processo de desarticulação e perda da
capacidade de gestão de políticas públicas trouxe reflexos tanto sobre a capacidade
regulatória do Estado como sobre aquelas políticas de intervenção ativa nos campos de
comércio exterior, tributária, industrial e científica e tecnológica (Ferraz et ali, 1995:
61).
O quadro de perda do dinamismo industrial, instabilidade macroeconômica e
estagnação da produção trouxe mudanças qualitativas importantes sobre o perfil das
estratégias empresariais. De uma maneira geral, o processo de ajuste produtivo que foi
empreendido pela maioria das empresas industriais consistiu numa estratégia defensiva
de racionalização da produção. Os principais objetivos deste ajuste foram a redução de
custos, aumento de eficiência e qualidade e maior flexibilidade frente ao acirramento da
concorrência (Tigre et al., 2000)
O processo de ajuste defensivo das empresas envolveu três etapas distintas.
Inicialmente, na primeira metade da década de 80, a conjunção de fatores como uma
grave crise cambial, mercado interno deprimido e aceleração inflacionária, se refletiram
em dois tipos de movimento. No plano patrimonial, as empresas adotaram um profundo
ajuste financeiro com redução do endividamento e aumento de receitas não operacionais
através de aplicações financeiras. No plano produtivo, as empresas mais dinâmicas
buscaram ampliar sua inserção externa e promoveram a modernização de plantas
industriais através da incorporação de novos equipamentos de base microeletrônica.
A segunda fase, que teve início em meados da década de 80, foi marcada pela
adoção de novas formas de organização da produção com vistas ao aumento da
produtividade. Esta fase representou uma reorientação das empresas para o mercado
Tigre et al. 2000). 37 Os determinantes sis têmicos da competitividade são aqueles que constituem externalidades sobre as quais as empresas produtivas detêm escassa ou nenhuma possibilidade de intervenção constituindo, portanto, parâmetros do processo decisório. Tais determinantes podem ser: macroeconômicos, político-institucionais, legais -regulatórios, infra-estruturais, sociais ou internacionais. Para uma discussão detalhada sobre tais fatores ver Ferraz et ali (1995: 1-53).
174
interno, na medida em que o processo de abertura comercial e liberalização começava a
ser sinalizado através de reduções tarifárias38. A estratégia de reestruturação voltada
para adoção de novas técnicas organizacionais atingiu um amplo espectro de empresas
nos mais diversos setores industriais.
Apesar dos efetivos avanços em termos do aumento da produtividade que foram
conquistados pelas empresas até o final da década de 80, o prolongamento da recessão
de 1990 a 1992 e a consolidação do processo de liberalização comercial implicaram
numa nova etapa de ajuste. Até então, a racionalização de custos havia abarcado
atividades administrativas não essenciais como limpeza e segurança, bem como o
enxugamento de níveis hierárquicos, entre outras medidas. Porém, nesta terceira etapa o
esforço de redução de custos teve como foco principal os processos produtivos das
empresas e incluíram desde a redução no número de linhas de produto até a
desverticalização da produção com aumento do conteúdo importado de componentes e
partes (Ferraz et al., 1995: 73-75)
Do ponto de vista da estrutura industrial, o resultado da multiplicidade de
reformas efetuadas no Brasil nos anos 90, aponta para realização de um processo parcial
de reestruturação baseado principalmente numa maior incorporação de insumos e bens
de capital importados, redução de custos, introdução de novas técnicas organizacionais
e especialização produtiva. Em particular, a maior parte dos investimentos realizados
estiveram voltados para modernização da estrutura produtiva e aumento da
produtividade através da reposição de equipamentos, redução de custos e eliminação de
gargalos na estrutura produtiva. Entretanto, a ausência de maiores investimentos em
novas plantas produtivas e em setores de maior valor agregado e tecnologicamente
sofisticados, constituem ainda uma importante limitação para inserção competitiva da
indústria brasileira em mercados internacionais dinâmicos (Tigre et al., 2000:220).
Neste aspecto, a análise do novo modelo de investimento na economia brasileira a partir
dos anos 90, revela o melhor desempenho daqueles setores que, de algum modo,
retiveram maiores níveis de proteção contra a concorrência externa (como no caso dos
bens duráveis de consumo, por exemplo), com maior produtividade e onde a presença
de empresas transnacionais é mais intensa (Baumann, 2000:45).
38 Conforme enfatizado por Baumann (2000: 20) “A liberalização comercial teve início em 1987, com a primeira mudança ocorrida em trinta anos da estrutura de tarifas nominais, e um redução progressiva das alíquotas tarifárias, que foi acelerada desde 1990. As alíquotas tarifárias simples (não ponderadas) foram
175
É importante ressaltar que, considerando-se as transformações no ambiente
industrial e tecnológico desde a década de 80, a evolução da estrutura industrial
brasileira apresenta um padrão diverso daqueles países que tiveram sucesso na
internalização dos setores associados ao novo paradigma tecno-econômico (como
microeletrônica e biotecnologia) na sua estrutura econômica. Conforme é destacado por
Cassiolato (2001: 23), nos principais países da OCDE a diminuição da importância do
setor industrial no produto, entre 1980 e 1995, esteve acompanhada pelo aumento
significativo na participação de setores de alta tecnologia, em particular o complexo
eletrônico e biotecnologia, no valor adicionado. No Brasil, a redução da participação da
indústria de transformação no PIB no decorrer da década de 80 foi ainda mais intensa
do que aquela observada nos países da OCDE. Entretanto, tal retração foi acompanhada
pela estagnação ou mesmo retrocesso da participação daqueles setores industriais mais
dinâmicos na estrutura industrial brasileira.
TABELA 3.1 - Participação da Indústria e do setor Elétrico e de Comunicações no PIB – 1949-1999
SETORES 1949 1959 1970 1980 1990 1992 1995 1999 Indústria 25,4 33,9 38,3 44,11 42,1 38,3 36,29 30,59 Transformação 19,3 26,7 29,3 33,7 29,1 25,4 22,98 16,75 Mat. Elétrico e Comunicações
0,3 1,1 1,6 2,4 2,5 1,8 1,99 1,10
Mat. Elétrico e Comunicações/ Indústria (%)
1,11 3,24 4,18 5,44 5,94 4,70 5,48 3,60
Mat. Elétrico e Comunicações/ Indústria de Transformação(%)
1,55 4,11 5,16 7,12 8,59 7,08 8,66 6,56
Fonte: Cassiolato (2001) apud Bonelli e Pinheiro (2001)
Conforme pode ser observado na tabela acima, a participação do setor de
material elétrico e de comunicações que chegou a representar 7,12% da indústria de
transformação em 1980, e 8,59% em 1990, passou a representar apenas 6,56% em 1999.
Tal quadro contrasta, por exemplo, com a participação de quase 16% que este setor
apresenta atualmente na estrutura industrial dos Tigres Asiáticos (Bonelli e Pinheiro,
2001: 121).
as seguintes: 1988-1990: 33,4%; 1991-1993: 17,8%; 1994-1996: 12,9%; 1997-1998: 13,9%”.
176
Além da reduzida participação de setores mais dinâmicos na estrutura industrial
brasileira, a abertura comercial e a presença significativa de empresas transnacionais
nestes setores têm sido associadas com desequilíbrios na balança comercial. De acordo
com Erber (2001), com a crescente abertura comercial a penetração das importações foi
especialmente significativa nos produtos baseados em ciência e de fornecedores
especializados que chegaram a representar 39% do consumo aparente em 1998. Da
mesma forma, nos produtos de alta tecnologia a participação das importações no
consumo aparente passou de 9% para 34% no período 1989/1998. Em alguns setores,
ainda que num primeiro momento a pressão competitiva internacional tenha induzido à
incorporação de tecnologias de produto e processo importadas, finalmente acarretou na
simples substituição da produção local por bens importados, contribuindo para redução
da demanda de atividades tecnológicas no país. Essa percepção é compartilhada por
diferentes análises sobre o padrão de desenvolvimento industrial e tecnológico na
década de 90 (Cassiolato e Lastres, 2000; Gonçalves, 2001; Tigre et al., 2000).
Gonçalves (2001: 21), por exemplo, destaca a regressão no padrão de inserção
brasileira no sistema mundial de comércio que estaria refletida no processo de
“reprimarização” da economia, traduzida na perda de competitividade internacional de
produtos manufaturados e ganho dos produtos agrícolas exportados. Tal fenômeno
reflete, em parte, uma mudança na estrutura de produção industrial brasileira com um
aumento expressivo da participação de setores baseados em recursos naturais, em
detrimento de setores intensivos em atividades tecnológicas mais complexas (Erber,
2001: 184).
O aumento na entrada de investimento direto estrangeiro e a privatização de
empresas estatais, por sua vez, provocaram profundas alterações na estrutura de capital
das empresas, em particular naqueles setores mais dinâmicos em termos da sua
capacidade de geração e difusão de inovações para o tecido industrial. Assim, em vários
casos, a desnacionalização de empresas nacionais com considerável dinâmica inovativa
representou uma redução no conteúdo tecnológico das atividades desenvolvidas
localmente (Cassiolato e Lastres, 2000).
É interessante observar que, do ponto de vista dos formuladores de políticas, o
processo de abertura, liberalização e privatizações também estaria criando as condições
necessárias para a integração da economia brasileira no mundo globalizado através da
177
atração de empresas estrangeiras consideradas como um importante canal de
incorporação de tecnologia e modernização da estrutura industrial. Entretanto, o maior
questionamento com relação a este tipo de estratégia reside na forma que assumiu a
atração de capital estrangeiro no decorrer da década de 90. Cassiolato (2001: 41)
ressalta que este processo resultou num elevado déficit estrutural na conta corrente do
Brasil através do aumento nos fluxos de importação. Neste aspecto, o aumento do
investimento externo tem sido realizado fundamentalmente dentro de uma estratégia que
visa o acesso e controle de mercados locais e regionais e através da aquisição de
empresas locais (Laplane e Sarti, 1998). Da mesma forma, Erber (2001: 190), questiona
o impacto deste processo de internacionalização sobre a dinâmica tecnológica da
indústria brasileira. Erber concorda, em parte, com o argumento de que empresas
controladas por capital estrangeiro têm apresentado maior propensão à introdução de
novos produtos e processos, bem como uma intensidade de gastos em P&D maior do
que a de empresas nacionais. Ressalva porém que, em primeiro lugar, a maior
propensão inovadora de empresas sob controle estrangeiro é consistente com sua
orientação setorial tendo em vista sua participação elevada em alguns dos segmentos
industriais mais dinâmicos na indústria brasileira atualmente.
Em segundo lugar, a divisão de trabalho em termos das atividades tecnológicas
desenvolvidas pelas matrizes no exterior e pelas filiais brasileiras, ainda que justificável
do ponto de vista das economias de escala e escopo associadas a localização das
principais atividades de P&D nos países centrais, acaba por orientar o desenvolvimento
de capacitação tecnológica destas empresas no Brasil para atividades com alcance
inovativo limitado. Assim, a análise da transformação da estrutura de controle de capital
na indústria brasileira sugere, por um lado, uma aceleração na introdução de produtos e
processos mas, por outro, demonstra uma crescente orientação das atividades
tecnológicas em projetos de adaptação com finalidades mais simples.
Em síntese, diante da importância estratégica que assume o domínio das
tecnologias intensivas em informação, flexíveis e computadorizadas no novo contexto
competitivo que marca a chamada Economia do Conhecimento, a análise do processo
de reformas estruturais na economia brasileira revela sérias limitações. Em particular, a
experiência internacional demonstra que o uso eficiente de tais tecnologias não se
encontra dissociado da capacidade de geração e difusão das mesmas. Porém, verifica-se
178
que as mudanças na estrutura industrial brasileira na década de 90 acentuaram os
problemas relativos à internalização de setores dinâmicos limitando, portanto, a
incorporação das novas tecnologias na estrutura produtiva da economia.
Tendo em vista a profusão de estudos que têm se ocupado do tema relativo às
mudanças na estrutura industrial brasileira, considera-se que não há necessidade de
aprofundar aqui tal discussão39. Alternativamente, a análise apresentada nos capítulos
subsequentes desta tese busca enfatizar as especificidades relativas ao impacto do
processo de reformas estruturais no Brasil no decorrer da década de 90 (liberalização da
economia, abertura comercial e privatização), sobre as estratégias competitivas e
inovativas adotadas pelo conjunto de empresas que integram os arranjos estudados.
39 Para um panorama detalhado sobre as implicações do processo de reformas estruturais a partir de diferentes óticas ver as diversas contribuições em Baumann (2000) e na edição especial da Revista de Economia Contemporânea do Instituto de Economia da UFRJ (vol.5 Edição especial 2001).
179
3 - CARACTERIZAÇÃO DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS SELECIONADOS
3.1 – Introdução
Este capítulo incorpora a análise das evidências empíricas que emergem da
experiência das quatro aglomerações estudadas. O principal objetivo do capítulo é
apresentar uma caracterização inicial destes arranjos produtivos a partir de um conjunto
de elementos que abarca a discussão sobre sua origem e trajetória de desenvolvimento
até a década de 90, formas de organização territorial da produção, padrões de
concorrência e regime tecnológico, entre outros elementos associados a evolução da
estrutura produtiva e desempenho competitivo destes arranjos.
A diversidade nos padrões de organização territorial destes arranjos, bem como a
forma de articulação entre diferentes segmentos de atores que integram sua estrutura
produtiva regional permite destacar alguns critérios iniciais de classificação segundo seu
grau de territorialização e forma de inserção no mercado local e/ou externo. O quadro
3.1 abaixo apresenta um perfil inicial dos arranjos através de suas principais
características estruturais. Algumas destas características estruturais merecem um
destaque preliminar.
QUADRO 3.1 - Características da estrutura produtiva dos arranjos analisados Aglomeração Empresas* Perfil Produto Principais
Mercados Densidade da
estrutura produtiva
local Fumo 16 Predomínio de
grandes subsidiárias empresas
multinacionais (EMN)
Fumo processado e
cigarros
Exportações: subsidiárias de
EMN e agentes de exportação
Baixa
Calçados 500 Grandes e médias empresas
Calçados femininos de
couro
Exportações: cadeias
globais e mercado
doméstico
Alta
Móveis 350 Predomínio de Micro e
Pequenas Empresas
(MPEs) e poucas grandes e médias
empresas
Móveis residenciais de
madeira
Mercado doméstico: nacional
Baixa mas crescente
180
Vinho 200 Predomínio de MPEs e
cooperativas
Vinhos comuns e
vinhos finos
Mercado doméstico: regional e nacional
Média
OBS: * corresponde ao número aproximado de empresas que integram o segmento produtivo principal do arranjo.
A relação com diferentes nichos de mercado representa um primeiro critério
importante de caracterização dos arranjos na medida em que reflete o alcance dos fluxos
de produção e as estruturas de governança implícitas ao longo dos diferentes estágios da
cadeia de valor nas quais os diferentes arranjos estão integrados. Neste aspecto, tanto o
arranjo agro- industrial fumageiro como o coureiro-calçadista têm no mercado externo o
seu principal canal de comercialização. No caso do arranjo fumageiro, cerca de 60% do
total de fumo produzido destina-se ao mercado externo enquanto que os 40% restantes
são destinados à produção de cigarros no mercado nacional. No Rio Grande do Sul, o
setor fumageiro responde por mais de 10% do total das exportações estaduais e é um
dos setores que mais contribui para o crescimento do PIB no Estado. Já o arranjo
coureiro-calçadista no Vale dos Sinos responde atualmente por cerca de 40% da
produção e quase 80% das exportações brasileiras de calçados, especialmente na linha
de sapatos femininos de couro. Da mesma forma, a produção de calçados continua
sendo um dos principais itens da pauta gaúcha de exportações juntamente com as
exportações de fumo em folha e processado.
Nos arranjos ligados à produção de vinho e móveis, apesar da sua crescente
inserção no mercado externo no decorrer da década de 90, os principais canais de
comercialização ainda encontram-se ligados ao mercado nacional e regional. Cerca de
83% da produção de móveis destina-se ao mercado nacional enquanto 17% é destinada
ao mercado externo. Entretanto, o crescimento acelerado das exportações na última
década coloca atualmente o arranjo moveleiro na posição de segundo pólo exportador
de móveis em nível nacional. No caso do arranjo vitivinícola, as exportações
representam um canal de comercialização ainda incipiente que se limita ao nicho de
mercado de vinhos finos e corresponde, por sua vez, a menos de 20% da produção total
de vinhos do arranjo. Porém, ainda que a exportação de vinhos finos responda
atualmente por cerca de 5% do total de vinhos comercializados pela indústria vinícola
brasileira, observa-se também um crescimento significativo das exportações deste
arranjo ao longo da década de 90.
181
A densidade dos arranjos, definida em termos da concentração territorial dos
diferentes segmentos que integram uma determinada cadeia produtiva, representa um
segundo critério de caracterização. O arranjo produtivo coureiro-calçadista é, sem
dúvida, aquele que apresenta a estrutura produtiva regional mais completa em termos da
presença dos diferentes segmentos de atores que compõem a sua cadeia de valor em
âmbito regional. Além de um universo de cerca de 500 empresas calçadistas – grande
parte das quais MPEs – a região do Vale dos Sinos congrega um contingente
considerável de curtumes, fabricantes de máquinas, equipamentos e componentes,
agentes de exportação, prestadores de serviço, fabricantes de borrachas e plásticos, entre
outros atores que integram a cadeia produtiva local. A presença destes diferentes
segmentos de atores num raio de cerca de 50 km faz deste arranjo uma das mais densas
aglomerações produtivas do setor em nível mundial.
O arranjo fumageiro, por outro lado, apresenta uma estrutura produtiva com
poucos elos locais. O núcleo produtivo central deste arranjo é composto por cerca de 16
empresas – grande parte das quais subsidiárias de grandes conglomerados
transnacionais - que atuam na produção, processamento e comercialização de fumo,
além de um extenso contingente de pequenos produtores rurais (cerca de 70.000 no RS).
Entretanto, a maior parte dos fornecedores especializados do arranjo fumageiro,
incluindo os fabricantes de equipamento para o setor, encontram-se fora da estrutura
produtiva regional, instalados em outras regiões ou fora do país.
Já os arranjos vitivinícola e moveleiro, localizados na região da Serra Gaúcha,
constituem-se em casos intermediários em termos da densidade de sua estrutura
produtiva regional. No arranjo moveleiro, existem atualmente cerca de 350 produtores
de móveis e um universo considerável de fabricantes de máquinas e equipamentos para
o setor. Porém, apesar da Serra Gaúcha contar com um núcleo incipiente de
fornecedores de insumos especializados, os principais fornecedores do arranjo
encontram-se localizados no Paraná e nos Estados da região Sudeste do Brasil.
Finalmente, no caso do arranjo vitivinícola, a Serra Gaúcha conta atualmente com cerca
de 200 vinícolas, que se dividem entre pequenas cooperativas, cantinas familiares e
algumas poucas vinícolas com elevada capacidade de processamento (acima de 10
milhões de litros). Além das vinícolas, a região também abriga um extenso contigente
182
de produtores rurais, fabricantes de equipamentos e máquinas, e fornecedores
especializados de insumos para a indústria vinícola.
Em termos da propriedade de capital, o arranjo fumageiro é o único que
apresenta um claro predomínio de subsidiárias de empresas transnacionais no controle
da estrutura produtiva local. No arranjo vitivinícola, a existência de algumas vinícolas
pertencentes a grupos transnacionais no arranjo não trouxe um impacto significativo
sobre as formas de organização da estrutura produtiva regional. Nos arranjos coureiro-
calçadista e moveleiro predominam MPEs, porém, a principal instância de controle da
cadeia-produtiva local encontra-se no segmento das grandes e médias empresas de
capital nacional.
A análise das seções subsequentes apresenta um detalhamento sobre as
características estruturais dos diferentes arranjos, ao mesmo tempo em que relaciona tais
características com sua trajetória evolutiva. A segunda seção discute o processo
histórico de formação dos arranjos e procura identificar os principais pontos de inflexão
no decorrer de suas trajetórias de desenvolvimento. A seguir, na terceir a seção, destaca-
se a relação entre a organização territorial destes sistemas produtivos e suas
características mais gerais em termos de padrões de concorrência e estrutura industrial.
A quarta seção discute a divisão de trabalho entre diferentes segmentos de atores que
integram os arranjos. A quinta seção conclui o capítulo destacando as especificidades
que marcam o impacto das reformas estruturais sobre a trajetória recente de
desenvolvimento de cada um dos arranjos.
3.2 –Origem, consolidação e estágios de desenvolvimento
A análise apresentada nesta seção identifica os principais pontos de inflexão que
marcam o processo de desenvolvimento dos arranjos estudados e estabelece alguns
paralelos entre suas diferentes trajetórias evolutivas, desde sua origem até a década de
90. A trajetória recente de desenvolvimento dos arranjos e sua relação com os impactos
advindos do processo de reformas estruturais na década de 90, são discutidos na seção
final deste capítulo e constituem também o pano de fundo da análise sobre as estruturas
de governança e estratégias inovativas que é apresentada nos capítulos subsequentes.
Conforme destacado no segundo capítulo, o processo de formação e
consolidação de aglomerações produtivas territoriais encontra-se associado a contextos
183
históricos e culturais que geralmente se confundem com a própria trajetória de
construção de identidades regionais (Cooke et al., 1997). Essa construção institucional
de regiões pode tanto resultar de uma delimitação político-administrativa, como emergir
a partir de valores comuns associados a uma mesma base social, cultural, política e
econômica. Não obstante a clara interdependência existente entre estes dois tipos de
construção institucional de regiões, do ponto de vista da estruturação de aglomerações
produtivas locais e regionais, elas representam um critério útil na diferenciação entre
aglomerações produtivas que surgem a partir de processos de regionalização marcados
por contextos culturais e históricos específicos e experiências induzidas para criação de
aglomerações produtivas regionais.
Todas as aglomerações produtivas analisadas nesta tese tiveram sua formação e
consolidação associadas a processos de regionalização marcados por contextos
históricos e culturais muito próximos. Tanto na região do Vale do Rio Pardo como na
Serra Gaúcha, o núcleo inicial das aglomerações produtivas associadas,
respectivamente, ao plantio e beneficiamento de fumo em folha e ao plantio e
vinificação da uva, estão relacionadas com as atividades agrícolas familiares
desenvolvidas a partir do estabelecimento das primeiras colônias alemãs e italianas
nestas regiões. Da mesma forma, a produção de calçados no Vale dos Sinos e a de
móveis na Serra Gaúcha, também têm sua gênese ligada a oficinas artesanais criadas no
final do século XIX, a partir de um mesmo movimento de imigração no sul do Brasil
(Vargas et al, 1998; 1999; 2001; e 2002).
De uma maneira geral, a análise do processo histórico de formação deste
conjunto de arranjos produtivos demonstra a importância de externalidades associadas a
infra-estrutura produtiva regional, física e humana, nos seus estágios iniciais de
desenvolvimento. Em alguns casos, como no arranjo vitivinícola e fumageiro, tais
externalidades não somente tiveram uma grande importância nos estágios iniciais de
desenvolvimento destas aglomerações, como ainda desempenham um papel
fundamental enquanto fator de vantagem competitiva.
A década de 70 representou um importante ponto de inflexão na trajetória de
desenvolvimento de todas as aglomerações ainda que com reflexos diversos sobre a
organização da estrutura produtiva regional. Em alguns casos como no de tabaco e
calçados, esse período marcou uma importante etapa de inserção das empresas no
184
mercado externo ao mesmo tempo em que ocasionou mudanças significativas na forma
de organização do sistema produtivo e no papel de atores locais. Nos demais casos,
envolvendo o arranjo vitivinícola e moveleiro, a década de 70 também representou um
período importante em termos da modernização da estrutura produtiva local, ainda que
não tenha alterado significativamente o foco destes arranjos em torno de mercados
regionais e nacional.
O quadro abaixo procura sintetizar as principais características e pontos de
inflexão que marcam a trajetória de evolução dos quatro arranjos analisados:
QUADRO 3.2 - Origem e consolidação dos arranjos
Origem
Desenvolvimento e consolidação
Tabaco-Vale do Rio Pardo Agricultura familiar associada à imigração alemã na região a partir de 1824
Década de 20: estabelecimento do núcleo de empresas locais de processamento de fumo. Década de 70: modernização e inserção no mercado externo acompanhada da desnacionalização das empresas locais.
Calçados-Vale dos Sinos Produção artesanal de calçados associada à imigração alemã a partir de 1824
Década de 20: expansão significativa da produção industrial e adensamento da cadeia coureiro-calçadista. Década de 70: consolidação como pólo de exportação atrelado à grandes compradores internacionais.
Vinho-Serra Gaúcha Agricultura familiar associada à imigração italiana na região a partir de 1870
Entre 1910 e 1926: primeiro ciclo de industrialização e estabelecimento de cooperativas vinícolas. Década de 70: expansão e melhoria significativa da produção com instalação de grandes empresas de capital nacional e estrangeiro.
Móveis -Serra Gaúcha Pequenas marcenarias estabelecidas por imigrantes italianos e alemães no final do século 19
Década de 50: aumento significativo da produção em escala industrial. Década de 70: modernização produtiva fomentada por políticas explícitas de proteção tarifária e financiamento para importação de equipamentos.
185
A cultura do fumo no Rio Grande do Sul teve início com a vinda dos primeiros
imigrantes alemães para a região do Vale do Rio Pardo, em 1824, que passaram a se
instalar em pequenas propriedades com o uso intensivo de mão-de-obra familiar. A
partir de 1877 o município de Santa Cruz do Sul emancipa-se de Rio Pardo num
processo que resultou na expansão significativa da população e num aumento gradativo
das atividades agrícolas definindo o fumo, que inicialmente era destinado ao consumo
local, como o produto de maior valor econômico que passa a ser comercializado em
outros mercados. Com a crescente integração da agricultura local à economia nacional
ocorre um aumento da dependência das condições econômicas externas ao mesmo
tempo em que consolida-se o processo de industrialização do município de Santa Cruz
do Sul, principal locus das empresas fumageiras. O desempenho favorável da cultura do
fumo, que passou a ser destinada à exportação, serviu de estímulo ao desenvolvimento
de atividades relacionadas ao beneficiamento de produtos primários e levou também a
uma série de melhorias no processo produtivo das empresas locais (Vargas et al, 1998)
No caso do arranjo vitivinícola, apesar da tradição do cultivo da uva e
elaboração de vinho no sul do país remontar aos primórdios do povoamento do Rio
Grande do Sul pelos portugueses, foi com a chegada dos primeiros imigrantes italianos
que a atividade vitivinícola passou a ganhar maior impulso e evoluir de uma produção
voltada para o consumo próprio para uma estrutura de comercialização com abrangência
estadual e nacional. Até o ano de 1880, a história da vitivinicultura gaúcha apresentou
duas origens e localizações distintas. A primeira vinculada à colonização espanhola na
região das Missões e adjacências que se desenvolveu a partir de 1726 e a segunda ligada
a colonização portuguesa na região litorânea - a partir de Rio Grande, Pelotas e Porto
Alegre – que se desenvolveu entre os anos de 1732 e 1773. Entretanto, o grande marco
da vitivinicultura gaúcha do ponto de vista social e econômico ocorre por volta de 1875,
quando da implantação pelos imigrantes italianos dos primeiros vinhedos no sistema de
latadas que se mantém até os dias de hoje. Na medida em que a produção de vinho foi
crescendo, o mercado local e regional se tornou insuficiente para absorver a totalidade
da oferta levando o arranjo à busca de novas estruturas de comercialização, de produção
e de uma nova dinâmica empresarial em torno desta atividade (Vargas, 2000).
186
Conforme destacado anteriormente, o desenvolvimento inicial dos arranjos agro-
industriais associados à produção de vinho e fumo foi respaldado pela existência de
importantes externalidades regionais tais como:
• a existência de uma estrutura fundiária baseada em pequenas
propriedades e no trabalho familiar;
• a existência de mão-de-obra especializada no manuseio de ambas as
culturas agrícolas; e
• a infra-estrutura incipiente de produção e comercialização estabelecida
pelo núcleo de empresas nacionais nessas regiões no período anterior à década
de 70.
No caso do arranjo fumageiro, outros dois fatores também foram fundamentais
para sua consolidação na medida em que impulsionaram a instalação das empresas de
processamento e exportação de fumo na região do Vale do Rio Pardo. Em primeiro
lugar, não havia necessidade de investimentos de capital relacionados à aquisição de
terras e contratação de mão-de-obra na medida em que a estrutura de produção agrícola
baseada em pequenas propriedades e mão-de-obra familiar garantia um custo menor de
produção para as empresas.
Em segundo lugar, na década de 70 ocorre o bloqueio comercial declarado à
Rodésia (Zimbawe) que era o maior fornecedor do fumo destinado ao mercado europeu.
Este fato possibilitou um aumento significativo no volume de exportações do Brasil.
Assim, o grande impulso para consolidação do arranjo fumageiro no Vale do Rio Pardo
ocorre a partir da década de 70, quando as condições excepcionais de demanda de fumo
em folha no mercado internacional levaram à instalação das principais multinacionais
do setor no município de Santa Cruz do Sul40. Este fenômeno deu início a um processo
de desnacionalização das empresas que também foi acompanhado pelo aumento
substancial da produção e pela adoção de inovações relacionadas tanto ao
processamento industrial do fumo como à organização do sistema de produção
agrícola41. Paralelamente ao processo de modernização do setor, ocorreram profundas
40 Liedke (1997); Montali (1979). 41 Conforme é colocado por Vogt (1994: 105) o processo de transnacionalização da indústria fumageira na região ocorreu: “Via de regra, através de um processo gradual de compra: inicialmente o consórcio multinacional injetava recursos em determinada empresa local, ao adquirir parte das ações desta; posteriormente assumia o controle acionário total ou majoritário do empreendimento, quase sempre
187
transformações no ambiente regional a partir da criação de uma infra-estrutura física e
institucional articulada com o desenvolvimento do arranjo.
No arranjo vitivinícola, o primeiro ciclo de industrialização ocorreu ainda em
1910 quando fatores como o incremento do cooperativismo na região e a chegada da via
férrea até o município de Caxias do Sul possibilitaram a ampliação dos mercados e a
maior integração da cadeia produtiva vitivinícola no Estado. Em 1926, ocorre a criação
do Instituto Rio-grandense do Vinho, órgão responsável pela fiscalização e tabelamento
dos preços da uva. Entre a década de 30 e a década de 60 não ocorreram alterações
significativas nos aspectos técnicos da produção. No decorrer deste período, o arranjo
vitivinícola manteve um padrão tecnológico relativamente baixo em termos de
processamento industrial, juntamente com uma produção vitícola proveniente de cepas
híbridas e americanas. Foi na década de 70 que ocorreu o primeiro grande salto de
qualidade do arranjo vitivinícola da Região da Serra Gaúcha a partir da modernização
do parque industrial local e da melhoria significativa da produção vitícola através da
importação de mudas para formação de novos vinhedos mais adaptados às condições
climáticas da região.
É importante observar que tanto no arranjo fumageiro como no arranjo
vitivinícola o processo inicial de modernização da cadeia produtiva esteve relacionado à
entrada de grupos transnacionais de origem européia e norte americana nos arranjos, no
decorrer da década de 70. Entretanto, as diferenças que se verificaram na forma de
inserção das transnacionais em cada um dos casos permitiram o surgimento de
trajetórias de evolução distintas em cada arranjo.
O ingresso de empresas transnacionais na indústria vinícola gaúcha esteve em
grande parte ligado ao crescimento do mercado interno brasileiro nos anos 70. Tal
crescimento se deu através da ampliação do poder aquisitivo das camadas médias
urbanas e possibilitou a criação de um mercado consumidor de vinhos finos nacionais
em substituição aos produtos importados. Além disso, as empresas locais de maior porte
foram capazes de absorver as mudanças tecnológicas necessárias no decorrer do
processo de reorganização e modernização da produção vinícola. Neste contexto, a
mantendo os antigos proprietários ou seus descendentes nas funções administrativas e gerenciais do estabelecimento”
188
entrada de capital externo no arranjo ocorreu principalmente através de alianças de
empresas nacionais com grupos externos42.
No caso do tabaco, onde as principais empresas do arranjo detêm uma presença
significativa em mercados mundiais, a entrada das multinacionais levou a uma redução
da importância de atores locais na organização das atividades relacionadas à produção e
à inovação. Entre 1971 e 1995, o número de firmas operando no processamento e
comercialização de fumo e cigarros no município de Santa Cruz do Sul sofreu uma
redução de cerca de 62% passando de 16, em 1971, para 6, em 1995 (Silveira, 1997:
139).
O quadro abaixo ilustra esse movimento de desnacionalização de empresas
locais.
QUADRO 3.3 - Desnacionalização das Empresas do Setor Fumageiro em Santa
Cruz do Sul
EMPRESAS INSTALADAS ATÉ 1965 (POR ORIGEM DO CAPITAL)
ALTERAÇÕES NO CONTROLE ENTRE 1966 e 1974 (POR ORIGEM DO CAPITAL)
Fábrica de Cigarros Sudan S/A - (Nacional) Cia. de Fumos Santa Cruz – 1918 (Nacional) Cia. de Cigarros Souza Cruz - 1917 (Anglo-americano) Cia. de Cigarros Sinimbu – 1948 (Nacional) Exportadora Hennig S/A - 1890 (Nacional) Tabacos Tatsch S/A - 1932 (Nacional) Kliemann & Cia. - 1915 - (Nacional) Boettcher e Wartchow - 1932 (Nacional)
Fábrica de Cigarros Sudan S/A - (Nacional) Grupo Remtsmann - 1970 (Alemão) Cia. de Cigarros Souza Cruz - (Anglo-americano) Grupo Brinkmann - 1970/72 - (Alemão) Grupo Brinkmann - 1970/72 - (Alemão) Tabacos Tatsch S/A - (Nacional) Kliemann & Cia. - (Nacional) Boettcher e Wartchow - (Nacional) Armada S/A - Ind. e Com. - 1968 - (Alemão)43 Tabra - Exp. de Tabacos do Brasil Ltd -1970 (Americano)44 Cia. Meridional de Tabacos - 1974 - (Francês)45
PROPRIEDADE DAS EMPRESAS - 1975/77 (POR ORIGEM DO CAPITAL)
PERFIL ATUAL DO CONTROLE ACIONÁRIO DAS EMPRESAS – década de 90
42 A dinâmica que assume este processo de alianças é bem ilustrada pelas estratégias adotadas pela principal empresa do arranjo, a Cooperativa Vinícola Aurora, no decorrer da década de 60 e 70. Em 1962, esta empresa inicia o processo de engarrafamento de vinho de vinífera para a Bernard Taillan Importadora (de origem francesa), que atuava na intermediação de vinhos na França, no Brasil e na América do Norte. Esta associação ampliou consideravelmente a capacidade técnica da Cooperativa Vinícola Aurora e permitiu a sua vinculação ao mercado de vinhos finos. Já no início da década de 70, a Vinícola Aurora associou-se com a Seagrans, ampliando ainda mais sua inserção no mercado de vinhos finos com o lançamento da marca Forestier (Vargas, 2000). 43 Controlada pelo Grupo Gebrüder Kuhlenkampf. 44 Controlada pelo Grupo The Monk Austin Co. Inc. 45 Criada a partir da união de parte do capital da Boettccher Wartchow com a estatal francesa S.E.I.T.A, onde esta última tem o controle majoritário.
189
Fábrica de Cigarros Sudan S/A - (Nacional)46 Phillip Morris Inc. - 1975 - (Americano) Cia. de Cigarros Souza Cruz - (Anglo-americano) R.J. Reynolds Tab. do Brasi l- 1975 - (Americano)47 R.J. Reynolds Tab. do Brasi l- 197 5- (Americano) Tabacos Brasileiros Ltda. - 1976 - (Americano) Kliemann & Cia. - (Nacional) Boettcher e Wartchow - (Nacional) Armada S/A- Ind. e Com. (Alemão) Tabra- Exp. De Tabacos do Brasil Ltda (Americano) Cia.Meridional de Tabacos - Francês
Phillip Morris Inc. - (Americano) Cia. de Cigarros Souza Cruz - (Anglo-americano) Universal Leaf Tobacco Ltda.- 1991 - (Americano)48 Cia Meridional de Tabacos - (Americano)49 Dimon Incorporated - (Americano)50 Kanneneberg e Cia. Ltda. - 1953 (Nacional)51
Fonte: Atualizado a partir de Silveira (1997) e Vogt (1994), com base nos dados da pesquisa de campo.
Da mesma forma que no arranjo fumageiro, a inserção do arranjo coureiro-
calçadista no mercado externo ocorre a partir da década de 70. Porém, tal inserção não
implicou num processo de desnacionalização de empresas locais.
A origem do arranjo calçadista no Vale dos Sinos também remonta ao final do
século XIX, mais precisamente ao ano de 1824, quando as primeiras colônias alemãs
são instaladas nesta região52. Inicialmente, as atividades associadas à produção de
calçados foram desenvolvidas numa base artesanal visando eminentemente o consumo
local (Costa, 1978). Estas atividades evoluíram rapidamente na região, principalmente
na localidade que se tornou o município de Novo Hamburgo, tendo em vista a
existência de vários estabelecimentos fabricantes de arreios que originavam muitas
aparas de couro e passaram a ser utilizadas na fabricação caseira de chinelos
comercializados localmente.
Na medida em que as atividades relacionadas à indústria calçadista adquiriram
maior importância econômica na região, ocorreu a consolidação de um núcleo de
empresas controladas localmente e a criação de uma infra-estrutura física e institucional
46 Essa empresa de capital nacional foi a que mais resistiu à pressão do capital internacional, mas em 1991 acabou sendo incorporada pela norte-americana Dibrell Brothers Inc. 47 A R.J.Reynolds, em 1991, repassou sua fábrica de cigarros para a Phillip Morris e o seu Departamento de Fumo para a Dobra Tabacos. Essa depois foi adquirida pela Souza Cruz e posteriormente repassada para Dibrell. 48 A Universal Leaf surgiu a partir da fusão das empresas Tabacos Brasileiros Ltda, Armada S.A Ind. Com., Kliemann & Cia. e a Fumossul de Venâncio Aires. 49 Recentemente, a G.F. Vaughan, de origem americana, assumiu o controle acionário da Meridional. 50 A Dimon Incorporated surgiu em 1994 a partir da fusão da Monk Austin Inc. com a Dibrell Brothers Inc. Em 1991 essa empresa já havia incorporado a Tabasa Tabacos S.A; Verafumos Ltda e a Sudan, com sede em Venâncio Aires, Vera Cruz e Santa Cruz do Sul respectivamente. Em 1997 a Dimon incorporou a Intabex Worldwide S.A. 51 Apesar de existir desde 1953, a Kannenberg iniciou recentemente um processo de expansão que a levou a transferir a sede da empresa do município de Sinimbu para o Distrito Industrial de Santa Cruz do Sul. 52 A primeira colônia alemã fundada no Rio Grande do Sul foi em São Leopoldo em 25 de julho de 1824. Várias colônias foram fundadas no estado até 1830 e após este período. Até o ano de 1844 o fluxo migratório diminuiu significativamente.
190
de suporte à produção e ao comércio. Em 1920, Novo Hamburgo já contava com 66
fábricas, empregando um total de 1.180 operários (Fensterseifer et al., 1995: 266). Ao
longo das duas décadas seguintes, ocorreu a consolidação da atual configuração da
indústria de calçados no Estado, favorecida pela integração dos mercados regionais, o
que deu oportunidade ao desenvolvimento de empreendimentos com maiores escalas de
produção. Em 1955 a indústria calçadista gaúcha era responsável por 29,1% da
produção nacional e ao final da década de 60 por 32,9%. Do mesmo modo, outros
fatores também tiveram uma contribuição fundamental para o desenvolvimento do
arranjo produtivo calçadista no Vale do Rio dos Sinos:
• a ampliação de mercado proveniente da formação de núcleos comerciais,
devido ao adensamento populacional em determinadas localidades;
• a introdução da fabricação de sandálias que, por serem um tipo de calçado
leve, cômodo e barato, tiveram larga aceitação em todo o Brasil, de forma que em
1929 a produção total já atingia 2,7 milhões de pares;
• a facilidade de comunicação no espaço geográfico proporcionada pela
implantação de ferrovias, como a que ligou Porto Alegre a São Leopoldo em 1874,
estendida a Novo Hamburgo em 1876; e a instalação da usina hidroelétrica da
Cascata do Herval em 1927, que abastecia a região de Novo Hamburgo
(Fensterseifer et al., 1995. p.266).
Entre as décadas de 30 e 50, as atividades relacionadas à indústria calçadista em
Novo Hamburgo passaram a se expandir para outras localidades na região. No início da
década de 60 o setor calçadista gaúcho já respondia por mais de 30% da produção
nacional de calçados. No entanto, o grande impulso para consolidação do arranjo
coureiro-calçadista no Vale dos Sinos ocorreu durante a década de 70. Entre o final dos
anos 60 e o final da década de 80 esse arranjo tornou-se um dos principais centros
exportadores de calçados do mundo em decorrência da abertura de novos canais de
comercialização, particularmente relacionados à sua inserção no mercado norte-
americano. No decorrer do período que vai da década de 60 à década de 80, as
191
exportações do arranjo evoluíram de menos de 20.000 pares para mais de 150.000
milhões de pares ao ano 53.
No caso do arranjo moveleiro da Serra Gaúcha, a própria trajetória de evolução
da indústria brasileira de móveis reflete a existência de algumas descontinuidades
relacionadas ao processo histórico de formação da cultura industrial deste setor no país.
Juntamente com São Bento do Sul e São Paulo, o arranjo produtivo de móveis
localizado na Serra Gaúcha foi um dos pólos pioneiros da indústria de móveis no Brasil.
No Rio Grande do Sul, a exemplo do que ocorreu em São Paulo e Santa Catarina, a
atividade moveleira desenvolveu-se inserida num contexto industrial embrionário de
formação do mercado interno baseado no trabalho assalariado e no incremento do
movimento imigratório que se delineava (Santos et al.,1999).
A origem das atividades no arranjo moveleiro da Serra Gaúcha remonta ao final
do século XIX quando o surgimento de pequenas marcenarias instaladas por imigrantes
italianos e alemães deu origem a uma produção de móveis artesanais voltada para um
mercado interno ainda em formação. Neste aspecto, o processo de formação e
consolidação do arranjo moveleiro da Serra Gaúcha contrasta com a experiência de
outros pólos moveleiros como Mirassol, Votuporanga, Ubá e Arapongas – cuja origem
remonta a uma experiência histórica mais recente relacionada ao cic lo de substituição de
importações que caracteriza o processo de desenvolvimento industrial brasileiro no pós-
guerra (Santos et al., 1998, Gorini, 1999).
A partir da década de 20, já encontravam-se estabelecidas na região da Serra
Gaúcha pequenas empresas moveleiras que produziam seus produtos sob encomenda,
ainda em pequena escala pois a demanda no período era muito incipiente. A produção
em escala industrial apresenta significativo incremento a partir da década de 50 onde se
verifica a ampliação da produção e a implantação de novas empresas que já
comercializavam seus produtos no mercado estadual. O auge do crescimento deste
arranjo é verificado no decorrer das décadas de 60 e 70, com a implantação de um
número significativo de novas empresas na região da Serra Gaúcha.
53 Schmitz (1999) descreve o período que vai da década de 70 até o final da década de 80 como a “etapa fácil” de globalização do arranjo no Vale dos Sinos, na medida em que esta etapa contrasta com as dificuldades que passam a ser enfrentadas pelo arranjo a partir do final da década de 80.
192
A exemplo do que ocorreu nos demais pólos moveleiros do Brasil no decorrer da
década de 70, a consolidação do arranjo moveleiro da Serra Gaúcha se deu
principalmente através de uma política explícita de fomento oficial ao setor promovida
pelo governo, envolvendo tanto a criação de linhas para financiamento da importação de
máquinas como a própria proteção tarifária contra a concorrência externa. De uma
maneira geral, a trajetória de evolução das empresas de móveis na Serra Gaúcha a partir
da década 70 reflete o processo histórico de desenvolvimento da própria indústria
brasileira de móveis de madeira. Na primeira metade da década de 70, esse segmento da
indústria brasileira de móveis conheceu um importante ciclo de modernização
impulsionada pelo crescimento acelerado do mercado interno. Com a dinâmica de
crescimento da demanda interna, as vendas no mercado externo somente passaram a ser
incorporadas às estratégias comerciais das empresas do setor uma década mais tarde.
Já na década de 80, a contração no mercado interno passou a comprometer a
capacidade de investimento e atualização tecnológica das empresas moveleiras ao
mesmo tempo em a revolução na microeletrônica fomentava a introdução de novos
equipamentos com comandos de controle numérico54. Entretanto, a dificuldade
enfrentada pela maior parte das empresas do setor em absorver as inovações adotadas
pelo setor em nível mundial acentuou ainda mais o grau de heterogeneidade entre o
universo de empresas do arranjo55. Deste modo, os ciclos de crescimento e recessão que
caracterizaram a trajetória de evolução da economia brasileira no decorrer da década de
80 tiveram um reflexo bastante negativo sobre a indústria brasileira de móveis 56. Por
outro lado, a busca de novos canais de comercialização no mercado externo, aliada ao
processo de abertura da economia brasileira no decorrer da década de 90 foram fatores
que induziram ao processo de modernização do setor moveleiro no Brasil.
54 Entre o início da década de 70 e o final da década de 80, a trajetória de crescimento do setor moveleiro nacional apresentou uma sistemática perda de importância em relação à sua participação no valor adicionado total gerado pela indústria no país. Em 1970, a participação da indústria de móveis no valor adicionado total gerado pela indústria nacional era de 2%, tendo declinado para 1,7% em 1980 e para 1,1% em 1990 (ECIB,1993). 55 Conforme destacado por Gorini (1999), esse processo de modernização, quando ocorreu, esteve limitado a algumas empresas líderes que procuraram introduzir equipamentos de última geração apenas em algumas etapas do processo produtivo. 56 Com exceção do período imediatamente posterior ao Plano Cruzado, em 1986, quando o crescimento da demanda interna permitiu um aumento significativo da produção, nos demais anos da década de 80 o nível de produção esteve abaixo daquele verificado em 1980, demonstrando as dificuldades enfrentadas pelo setor ao longo da década de 80.
193
3.3. Organização territorial e padrões de concorrência
Esta seção apresenta um panorama sobre os padrões de competição e divisão
internacional do trabalho característicos dos setores industriais onde os diferentes
arranjos produtivos se inserem. Em particular, a discussão apresentada na seção se
limita a servir de balizamento para análise das características estruturais dos arranjos
sem aprofundar-se sobre as especificidades relativas aos padrões de concorrência e de
incorporação de inovações em cada um dos arranjos. Tal detalhamento é apresentado
nos dois próximos capítulos.
O foco inicial na dimensão setorial dos arranjos permite apontar um conjunto de
elementos comuns que condicionam as características estruturais destes sistemas
produtivos em âmbito local e refletem, em particular, sua vinculação com indústrias
tradicionais ou produtoras de commodities. Entretanto, a utilização deste recorte
baseado unicamente numa divisão de setores industriais apresenta limitações para
análise de aglomerações onde as fronteiras entre setores e tecnologias encontram-se
muitas vezes sobrepostas e apresentam uma natureza fluída. Neste aspecto, ainda que a
dimensão setorial represente o ponto de partida para discussão dos padrões de
competição dos arranjos nesta seção, as seções subsequentes procuram ampliar o escopo
de análise para outros elementos estruturais que caracterizam os sistemas produtivos e
sua relação com contextos institucionais específicos.
Uma questão fundamental está ligada ao cenário atual de competição
internacional, que tem gerado um novo conjunto de desafios em termos dos novos
padrões de competição enfrentados por produtores locais nos países em
desenvolvimento. Tanto no caso de aglomerações voltadas para o mercado doméstico
como naquelas que destinam grande parte da sua produção para o mercado externo,
percebe-se um aumento significativo das pressões competitivas que emergem com a
crescente internacionalização de mercado. A análise dos estudos empíricos permite
ilustrar as especificidades que assumem as pressões competitivas enfrentadas em ambos
os casos. Da mesma forma, a dimensão territorial representa um importante espaço de
mediação entre as formas de organização destes sistemas produtivos em âmbito local e
194
as condições de competição e divisão internacional do trabalho que prevalecem em
âmbito global.
No caso dos arranjos fumageiro e coureiro-calçadista, apesar das especificidades
que marcam a organização destes sistemas produtivos em âmbito local, a inserção no
mercado externo se reflete, em grande parte, através da integração em cadeias
produtivas globais que controlam estágios estratégicos do processo de agregação de
valor na produção.
A indústria fumageira constitui-se num dos mais expressivos oligopólios
internacionais onde um número restrito de grandes conglomerados controlam uma
extensa rede de empresas que se estende por diferentes localidades. A maior parte da
produção de fumo em folha encontra-se concentrada em poucos países como China,
Estados Unidos, Índia, Brasil, Turquia e Zimbabwe. O Brasil constitui hoje um
importante espaço no oligopólio mundial do fumo tendo em vista sua posição como o
quarto país produtor de fumo em folha e maior exportador em nível mundial57 conforme
pode ser observado na tabela abaixo:
57 No Brasil, a produção de fumo em folha encontra-se localizada em duas regiões do país. Em primeiro lugar, encontram-se os três Estados da região Sul - onde são produzidos os fumos claros para fabricação de cigarros - que já respondem por mais de 90% da produção nacional. Do restante da produção nacional de fumo, a maior parte ainda corresponde aos Estados do Nordeste que atendem, principalmente, à demanda de fumos escuros para charuto.
195
TABELA 3.2 - Produção e Exportação mundial de fumo em folha: Principais Países - 1995 - 1999 (em toneladas) 1995 1996 1997 1998 1999 Produção Total mundial 5,541,950 6,564,732 7,721,377 5,928,336 6,048,295 China 2,082,600 2,910,600 3,613,350 2,010,250 2,108,000 India 528,390 506,475 561,330 572,200 587,600 Estados Unidos 513,247 619,432 729,139 626,504 571,526 Brasil 323,500 365,900 485,100 373,150 498,400 Turquia 170,070 190,391 250,836 217,570 215,640 Indonesia 145,650 150,450 148,775 175,825 185,005 Exportações Total mundial 1,759,121 1,982,098 2,005,138 1,914,456 1,948,185 Brasil 256,300 282,500 319,000 300,500 318,000 Zimbabwe 174,289 195,958 159,941 168,804 205,500 Estados Unidos 209,482 222,316 221,512 211,917 189,379 Turquia 136,392 170,098 160,360 128,808 125,500 China 68,413 60,156 77,796 92,173 108,000 Malásia 99,057 95,555 111,449 135,300 107,600
Fonte: USDA/FAS/COTS, Março 2000.
Ainda que as atividades relacionadas à produção e exportação de fumo
encontrem-se circunscritas a este grupo reduzido de países, as atividades que envolvem
a distribuição e comercialização de fumo e de cigarros se estendem por mais de 50
países.
Apesar dos principais conglomerados deste setor atuarem numa escala mundial,
suas atividades envolvem a articulação de uma extensa rede de fornecedores de fumo
em folha e outros atores institucionais concentrados em torno de municípios como Santa
Cruz do Sul, Venâncio Aires e Vera Cruz, que integram a região do Vale do Rio Pardo
situado no Oeste do Rio Grande do Sul. Neste aspecto, a organização da produção de
fumo em folha na região apresenta, de fato, uma dimensão territorial considerável na
medida em que emerge de externalidades ligadas à infra-estrutura regional. Da mesma
forma, verifica-se que as principais empresas do arranjo controlam e organizam redes de
fornecedores de fumo em folha produzido em outras localidades da região Sul,
conforme é demonstrado no quadro abaixo:
QUADRO 3.4 - Empresas fumageiras: filiais fora da região do Vale do Rio Pardo - 1998 Empresa Estabelecimentos fora da região Souza Cruz Rio negro (PR); Blumenau (SC) Dimon Rio do Sul (SC); Araranguá (SC); Palmitos (SC); União da Vitória (PR) CTA Araranguá (SC); Ituporanga (SC) Meridional São Miguel do Oeste (SC); Sombrio (SC); Agronômica (SC); Rio Azul (PR) Kannenberg Apiúna (SC); Palmitos (SC)
196
Fonte: Pesquisa de campo.
Entretanto, ao mesmo tempo em que a análise sobre a forma de inserção do
arranjo fumageiro do Vale do Rio Pardo na cadeia de valor da indústria fumageira
revela a sua importância nas atividades relacionadas à produção e beneficiamento de
fumo em folha, também deixa claro sua reduzida participação em estágios como a
distribuição e comercialização de fumo e de cigarros. Tais atividades são organizadas
fora da região através dos grandes conglomerados internacionais.
No caso da indústria calçadista, o processo de reestruturação mundial deste
setor, em particular no decorrer da década de 80, implicou numa redução gradual na
participação dos países industrializados na produção de calçados que foi absorvida pela
maior inserção dos países em desenvolvimento. Este movimento reflete, principalmente,
a natureza “nômade” desta indústria cujo ajuste competitivo baseia-se principalmente
em reduções no custo de mão-de-obra empregada na produção. Neste aspecto, verifica-
se um aumento significativo na produção e participação no mercado mundial por parte
de países onde o custo da mão-de-obra é mais baixo. Destacam-se neste caso países
como a China, a Indonésia, o Brasil e a Índia que, juntos com a Itália, são os maiores
produtores mundiais de calçados, conforme os dados da tabela abaixo.
TABELA 3.3 - Principais Países Produtores de Calçados - 1994/96 Países 1994 1995 1996 China 3.750 4.270 4.500 Brasil 541 544 554
Indonésia 500,3 499,5 635 Itália 471,3 476,2 586 Índia 440 462 487,2
Fonte: Satra/Abicalçados In Gorini e Siqueira (1999:110) Nota: valores em milhões de pares
O Vale dos Sinos é hoje o maior pólo produtor de calçados no Brasil e também
um dos maiores do mundo. Além de contar com algumas das maiores empresas
fabricantes de calçados do Brasil, este arranjo concentra também cerca de 80% dos
produtores de máquinas para fabricação de calçados, 60% dos fornecedores de
componentes e diversos outros segmentos de empresas ligadas à cadeia produtiva
coureiro-calçadista. Este extenso segmento de atores que atuam em diferentes estágios
da cadeia produtiva coureiro-calçadista encontra-se organizado num raio de cerca de 50
197
km, em torno de aproximadamente 35 municípios que integram a região do Vale do Rio
dos Sinos (Costa, 1997)58.
A elevada densidade do arranjo e complexidade das relações entre diferentes
segmentos de atores em âmbito local revela o elevado grau de territorialização das
atividades relacionadas à produção de calçados. Entretanto, a articulação das principais
empresas exportadoras com seus canais de comercialização no mercado externo revela
um reduzido controle sobre determinados estágios da cadeia de valor relacionados
especialmente com as atividades de design e marketing.
Neste aspecto, no âmbito da indústria mundial de móveis, ainda que alguns
produtores, particularmente em determinados segmentos específicos como cozinhas e
móveis de escritório, operem com a comercialização direta da sua produção ao
consumidor final, percebe-se, no decorrer da última década, uma integração crescente
de fabricantes de móveis com distribuidores especializados organizados em torno de
cadeias globais59. Esse é o caso, por exemplo da IKEA que constitui uma das maiores
cadeias de distribuição de móveis em nível mundial e controla atualmente grande parte
do mercado europeu de móveis residenciais. Esse tipo de tendência acaba por reforçar o
poder de barganha dos grandes distribuidores internacionais ao mesmo tempo em que
limita o escopo de ação dos produtores locais (Maskell,1996: 100).
No arranjo calçadista, essa articulação entre pequenos produtores locais e as
grandes redes de distribuição internacionais apresenta um grande impacto sobre a
organização da cadeia produtiva local, tendo em vista a orientação da maior parte das
empresas para o mercado externo. Entretanto, no caso do arranjo moveleiro da Serra
Gaúcha, a integração com cadeias globais de produção não representa o principal canal
de comercialização dos fabricantes locais de móveis. Adicionalmente, em termos dos
padrões de competição internacional, percebe-se que enquanto a produção da indústria
calçadista mundial apresenta uma clara concentração nos países em desenvolvimento, a
produção mundial da indústria de móveis ainda envolve uma participação elevada de
países industrializados. Neste aspecto, no caso da indústria de móveis, observa-se que
58 Dentre os principais municípios ligados à produção de calçados no Vale dos Sinos encontram-se: Alvorada, Campo Bom, Estância Velha, Glorinha, Gramado, Igrejinha, Novo Hamburgo, Parobé, São Leopoldo, Sapucaia do Sul. 59 Dentre as grandes empresas de móveis que atuam em nível mundial encontram-se: Natuzzi (de Santeramo, Itália); DMF (de Illinois, EUA); Panda Furniture (da Bélgica); Poliform (de Brianza, Itália). Dentre as grandes redes de distribuição e venda encontram-se IKEA (da Suécia) e HABITAT.
198
países como Itália, Estados Unidos e Alemanha encontram-se atualmente entre os
principais produtores e exportadores no mercado internacional. De acordo com Gorini
(1998), juntos estes três países concentram mais de 40% das exportações mundiais de
móveis. Da mesma forma, somente cinco países (Estados Unidos, Alemanha, Japão,
França e Reino Unido) respondem por mais de 60% das importações. A tabela abaixo
apresenta os dados sobre a participação de diferentes países na exportação de móveis.
TABELA 3.4 – Móveis Principais Países Exportadores de móveis –1996/1997 (%)
País 1996 1997 Itália 31 28 EUA e Canadá 17 19 Alemanha 13 12 China 0,6 0,8 Dinamarca 0,6 0,6 Polônia 0,5 0,6 México 0,4 0,6 França 0,6 0,5 Taiwan 0,6 0,5 Outros 35,7 37,4
Fonte: Abimóvel (2000).
A Itália responde atualmente por cerca de 30% das exportações internacionais de
móveis e conta com algumas das empresas líderes do setor que investem fortemente no
aperfeiçoamento do design. As principais aglomerações moveleiras estão localizados
em distritos como Brianza, Cerea-Bovolone e Pesaro no norte do país, ainda que
também existam outras aglomerações menores ao sul em distritos como Poggibonsi e
Toscana (Maskell, 1996). No caso da Alemanha as principais aglomerações move leiras
estão localizadas nas regiões de North-Rhine Westphalia, Bavaria and Baden-
Württemberg. Apesar de constituir-se no maior produtor de móveis na Europa, a
indústria de móveis alemã ainda apresenta uma forte orientação para o mercado interno
de modo que a sua proporção de exportações sobre a produção não difere muito da
média da União Européia. Nos Estados Unidos, o maior pólo moveleiro encontra-se na
Carolina do Norte onde estão localizadas cerca de 1/3 das fábricas produtoras de móveis
para residência. Ao todo, este setor congrega cerca de 4.000 empresas em todo o país e,
no segmento de móveis residenciais, a indústria americana emprega aproximadamente
260 mil funcionários (Gorini, 1998).
No Brasil, a indústria de móveis é composta por cerca de 13.500 empresas
distribuídas em torno de mais de dez pólos produtivos. Apesar desta aparente dispersão
199
geográfica, 90% da produção e cerca de 70% do emprego neste setor estão concentrados
nas regiões Sul e Sudeste do país (Abimóvel, 2000). Os Estados de São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul respondem por cerca de 80% da produção nacional
de móveis, sendo que o Rio Grande do Sul representa cerca de 18% deste total.
No Rio Grande do Sul a indústria moveleira congrega cerca de 3.200 empresas
sendo que destas, 3.074 são micro e pequenas empresas; 122 são empresas de médio
porte e apenas 04 delas são empresas de grande porte (Movergs, 2000). A existência
deste extenso segmento de MPEs também coloca este setor como uma importante fonte
geradora de empregos no Estado totalizando, entre diretos e indiretos, cerca de 181.000
postos de trabalho.
A principal concentração de empresas do setor moveleiro no Rio Grande do Sul
encontra-se na região da Serra Gaúcha, em torno de municípios como Bento Gonçalves,
Antonio Prado, Flores da Cunha, Garibaldi, São Marcos e Caxias do Sul. A região da
Serra Gaúcha responde por 40% da produção do Estado, quase 10% do total da
produção nacional, cerca de 7.500 empregos diretos e quase 30.000 indiretos. Dentre os
municípios da Serra Gaúcha, Bento Gonçalves representa o principal núcleo de
produção do arranjo moveleiro e responde por cerca de 9% da produção nacional
(Gorini, 1999).
Além do arranjo moveleiro, a região da Serra Gaúcha abriga também o principal
pólo de produção vitivinícola no Estado. O Rio Grande do Sul produz 70% da área
vitícola do Brasil e é responsável por 90% da produção de vinhos no Brasil que se situa
em torno de 300 milhões de litros/ano. Esta representação é ainda maior quando se
considera exclusivamente o cultivo de espécies vitis vinífera. O principal núcleo da
produção de uva e vinho no Estado localiza-se na Serra Gaúcha abrangendo uma área de
800 km2 e envolvendo cerca de 40 municípios, onde se destacam os municípios de
Bento Gonçalves, Garibaldi e Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha e Canela.
Dos 35.000 hectares de parreiras que são cultivados no Estado, cerca de 5.000 ha são
destinados ao cultivo de variedades nobres. Em termos estaduais, as atividades ligadas a
este setor são desenvolvidas em mais de 400 cantinas e 24 cooperativas vinícolas
envolvendo cerca de 14 mil famílias numa estrutura fundiária marcada pela
200
predominância de pequenas propriedades e pelo elevado número de variedades
produzidas60.
O arranjo vitivinícola na Serra Gaúcha responde atualmente por cerca de 88% da
produção de uvas e 96% da produção de vinhos e mosto no Estado. Cerca de 65% da
produção de uvas é destinada à elaboração de vinhos enquanto que os 35% restantes são
direcionados para consumo in natura. (UVIBRA,1999). A produção de vinhos, por sua
vez, abarca tanto a vinificação de variedades de uvas comuns com baixo valor de
mercado, como a produção de vinhos finos a partir de variedades vitiviníferas.
Entretanto, a produção de vinhos finos corresponde hoje a menos de 20% do volume
total produzido pelo arranjo e envolve um percentual ainda menor quando se considera
o seleto grupo de empresas com capacitação tecnológica para este tipo de produção.
Neste aspecto, a parcela de vinhos finos destinados à exportação corresponde
atualmente a cerca de 5% do total de vinhos comercializados pelo arranjo vitivinícola.
Em termos do padrão de organização da indústria vinícola em âmbito mundial,
tradicionalmente os principais países produtores de vinho sempre foram também os seus
principais consumidores. Consequentemente, até a década de 70, menos de um décimo
da produção mundial de vinhos estava voltada para canais de comercialização fora das
fronteiras nacionais destes países. Essa proporção aumentou significativamente na
década de 80 e 90 e, atualmente, cerca de um quarto da produção mundial de vinho é
comercializada no mercado internacional. A maior parte desta produção e
comercialização envolve variedades de vinho fino, em detrimento de variedades de
vinho comum que tem apresentado uma redução gradual nas suas vendas61.
Até a década de 70, existia um claro predomínio dos países Europeus na
produção e consumo de vinho no mercado mundial e, sob vários aspectos, esse
predomínio ainda existe. Mais de três quartos da produção, consumo e comercialização
mundial de vinhos ainda envolve países da Europa enquanto que o restante desta
60 Fora do arranjo vitivinícola da Serra existem algumas pequenas regiões vinícolas, entre as quais o grande destaque é a região de Santana do Livramento, no extremo sul do Estado. No quadro vinícola descrito para as regiões fora do Rio Grande do Sul, o Nordeste brasileiro representa um espaço de produção promissor no Vale do rio São Francisco, especialmente na cidade de Santa Maria da Boa Vista, próxima de Petrolina e Juazeiro, na fronteira de Pernambuco e Bahia (Chaddad, 1997). 61 Apesar das principais castas vitiviníferas terem sido difundidas através do mundo juntamente com o know-how da produção vinícola, as particularidades associadas a fatores como solo e clima ainda garantem a impossibilidade de transformar o vinho numa commoditie agrícola global, nos moldes do que
201
participação remete a um pequeno grupo de países do Novo Mundo onde o núcleo
inicial de produção foi estabelecido por imigrantes europeus. Entretanto, o predomínio
da Europa no comércio internacional de vinhos foi reduzido significativamente no
decorrer da última década.
Entre 1987 e 1997, a participação de países não europeus 62 no valor das
exportações mundiais de vinho aumentou em cerca de 10 pontos percentuais. Do
mesmo modo, na medida em que se exclui o comércio entre países da União Européia
deste percentual, a participação da Europa nas exportações globais é ainda maior,
reduzindo-se de 88% para 70% (Anderson, 2001: 5). Assim, o surgimento de novas
áreas de produção vinícola representou uma nova fase de desenvolvimento para a
indústria vinícola. Uma das regiões pioneiras desta nova fase foi a Califórnia, que
conheceu uma revolução nos seus métodos de vinificação, ainda no final da década de
30, que veio posteriormente a abrir caminho para sua inserção qualificada no mercado
mundial de vinhos63 (Economist, 1999).
Em países como Austrália e Nova Zelândia o ingresso da indústria vinícola no
mercado mundial passa a ocorrer na década de 80. Da mesma forma, outros países como
África do Sul, Chile e, mais recentemente, Argentina vêm ganhando a condição de
exportadores emergentes para vários países. No Leste Europeu, onde se destaca em
particular países como a Hungria, o atraso na agroindústria vitivinícola vem sendo
resgatado através de investimentos estrangeiros
Em termos da concentração da indústria vinícola mundial, pode-se afirmar que
este é o segmento que apresenta menor nível de concentração no setor de bebidas e
fumo. A participação das quatro maiores empresas vinícolas no mercado mundial é de
cerca de 7%, enquanto que esse mesmo percentual chega a 20% entre as empresas
produtoras de cerveja, 44% no segmento de destilados e 60% no segmento de tabaco
(Anderson, 2001: 4). Mais significativo do que o grau de concentração da indústria
vinícola mundial é o crescente processo de internacionalização que pode ser constatado
ocorre na indústria fumageira, resguardando assim a importância da regionalização para a indústria vinícola. 62 Incluem-se neste grupo, além dos EUA (Califórnia), seis países do Hemisfério Sul 63 É interessante observar que a qualidade da produção vinícola dos países do Novo Mundo foi comprovada pela primeira vez em 1976 quando num teste de degustação “às cegas”, os vinhos da Califórnia superaram algumas das mais conceituadas marcas francesas. Este teste, que ficou conhecido como “Julgamento de Paris”, abriu um espaço importante para a comercialização de vinhos do Novo Mundo.
202
entre as empresas do setor, seja através do investimento direto em outros países ou
através do estabelecimento de alianças com outras vinícolas no exterior. Enquanto
vinícolas da Europa Ocidental têm investido em países do Leste Europeu, América do
Sul e China, outros produtores, como os australianos, têm optado por investimentos na
América do Norte e Europa64.
A participação da indústria vinícola brasileira no mercado internacional ainda é
reduzida, particularmente quando comparada com outros países no continente latino
americano como Argentina e Chile. De acordo com dados da Organização Internacional
da Uva e do Vinho, em 1996, o Brasil ocupava a posição de 17o produtor e 29o
consumidor de vinho no mercado mundial, conforme demonstra a tabela abaixo:
TABELA 3.5 – Produção e Consumo Mundial de Vinho PRODUÇÃO (bilhões de litros / ano) CONSUMO (litros per capita / ano)
1oFrança (5,96) 1oFrança (60,00) 2oItália (5,87) 2oItália (59,37)
3oEspanha (3,26) 3oPortugal (58,46) 4oEstados Unidos (1,86) 4oLuxemburgo (50,40)
5oArgentina (1,26) 5oArgentina (42,32) 6oÁfrica do Sul (1,00) 6oSuíça (41,17)
7oPortugal (0,95) 7oEspanha (37,71) 8oAlemanha (0,83) 8oÁustria (32,00) 9oRomênia (0,76) 9oRomênia (31,50)
10oAustrália (0.67) 10o Grécia (30,93) 11o China (0,43) 11oUruguai (30,70) 14o Chile (0,38) 15o Chile (15,8) 17ºBrasil (0,23) 23o Estados Unidos (7,70)
27ºUruguai (0,09) 29o Brasil (1.85) Fonte: OIV, 1996.
3.4 – Estrutura e organização dos sistemas de produção: atores e mercados
Esta seção focaliza as formas de organização das atividades produtivas dos
arranjos através de uma caracterização do papel dos principais segmentos de atores que
atuam em diferentes estágios da cadeia produtiva local. O principal objetivo da seção
consiste em descrever a forma de organização específica de cada um dos arranjos
analisados através da identificação da divisão de trabalho característica da relação entre
os principais segmentos de atores que participam da cadeia produtiva em âmbito local.
64 Ainda que este movimento de internacionalização não represente um fenômeno recente, ele sempre desempenhou um papel considerável no processo de capacitação tecnológica das empresas do setor, inclusive através do aumento no fluxo de informações tecnológicas oriundas do intercâmbio entre os produtores estabelecidos nos países que já contam com tradição na produção vitivinícola e produtores de regiões que vêm empreendendo um esforço de qualificação da sua produção vinícola.
203
Da mesma forma, a seção adota um recorte analítico que explora a relação entre
os canais de comercialização adotados e o grau de territorialização da estrutura
produtiva dos arranjos. A adoção deste tipo de recorte permite distinguir os estudos de
caso em dois grupos. De um lado, destacam-se aglomerações como as de fumo e
calçados, cujos principais canais de comercialização encontram-se no mercado externo
e a organização das atividades produtivas envolve instâncias que extrapolam o âmbito
local ou regional. Num outro extremo, estão aglomerações como as de vinho e de
móveis, focalizadas em mercados regionais e nacionais e cujo principal locus de
organização das atividades produtivas encontra-se circunscrito aos limites da própria
aglomeração.
3.4.1.Aglomerações produtivas locais voltadas ao mercado externo: o caso dos
arranjos fumageiro e coureiro-calçadista
Conforme destacado anteriormente, a inserção no mercado externo a partir da
década de 70 representou um importante ponto de inflexão na trajetória de
desenvolvimento dos arranjos fumageiro e coureiro-calçadista. Entretanto, a inserção
destes arranjos em cadeias globais de produção se refletiu de forma diferenciada na
organização das atividades produtivas em âmbito local, tendo em vista as características
estruturais de cada uma das aglomerações.
Assim, no arranjo fumageiro do Vale do Rio Pardo a inserção no mercado
externo se reflete no controle direto dos grandes conglomerados multinacionais sobre os
diferentes estágios da cadeia produtiva local, desde a produção do fumo em folha até a
sua exportação. No arranjo coureiro-calçadista, a inserção no mercado externo acarretou
uma redução na participação dos produtores locais em determinados estágios da cadeia
de valor, particularmente em atividades como design e comercialização. Porém, ao
contrário do arranjo fumageiro, a estrutura produtiva regional do arranjo coureiro-
calçadista revela uma complexidade muito maior e se reflete na participação de
diferentes segmentos de atores na organização da cadeia produtiva local.
A organização do arranjo fumageiro se dá em torno de um conjunto de empresas
que operam com a produção, processamento e comercialização de fumo e de cigarros.
Neste universo de empresas, destaca-se a presença de três grandes conglomerados
ligados ao processamento de fumo em folha e um ligado a fabricação de cigarros.
204
Operando na região com o beneficiamento de fumo estão a Souza Cruz, ligada
ao grupo British American Tobacco - BTA de capital anglo-americano; a Universal
Leaf Tobacco e a Dimon Incorporated, ambas de capital americano. Já a Phillip Morris,
também de capital americano, atua na região exclusivamente na fabricação de cigarros.
Ao todo, o arranjo fumageiro congrega cerca de 16 empresas na região, num universo
onde, além dos grandes conglomerados citados, operam também empresas de médio e
pequeno porte que se integram, total ou parcialmente, ao processo produtivo das
maiores mediante o fornecimento de fumo em folha ou beneficiado65.
O início dessa cadeia produtiva, entretanto, tem lugar ainda na etapa de produção
agrícola do fumo em nível de propriedade rural. Neste sentido, compreender a natureza
dos vínculos que emergem entre os atores deste arranjo implica em conhecer os laços de
interdependência que se estabelecem entre a etapa de produção agrícola do fumo e a
etapa subsequente ligada ao beneficiamento industrial do mesmo. Essa relação
institucional, que será analisada detalhadamente no próximo capítulo, assume
características particulares no caso do complexo agro-industrial fumageiro devido à
existência de um eficiente sistema integrado de produção que regula as relações entre os
pequenos produtores rurais e a agroindústria fumageira.
A análise do universo de empresas que integram o arranjo fumageiro permite
diferenciar dois segmentos de acordo com o tamanho, propriedade do capital e alcance
das suas atividades. Num primeiro extrato, percebe-se a existência de um núcleo de
empresas de pequeno porte de capital nacional que opera nas franjas do mercado
mediante a produção de fumo em folha. Pelo fato de não disporem de linhas próprias
para processamento de fumo, operarem numa escala de produção reduzida e não
contarem com uma estrutura de comercialização que permita o acesso ao mercado
externo, estas empresas encontram-se, em geral, vinculadas funcionalmente às grandes
usinas de beneficiamento instaladas na região. Tal vinculação se dá através de contratos
de fornecimento que condicionam o tipo de fumo produzido e o volume de produção a
ser repassado para a compradora em regime de exclusividade. Este segmento de
empresas, a exemplo do que ocorre nos grandes conglomerados, trabalham com o
sistema de produção integrada contando em média com cerca de 900 produtores aos
quais repassam insumos e assistência técnica. Entretanto, o volume de fumo
65 Estas informações foram obtidas com base em dados do Sindifumo.
205
comercializado por este grupo de empresas representa um percentual reduzido da
produção regional de fumo em folha.
O segundo segmento é constituído por empresas de médio e grande porte que
representam ramos dos grandes conglomerados da indústria mundial de tabaco. A maior
parte destas empresas possui mais de 500 empregados efetivos e mantém filiais nos
Estados de Santa Catarina e Paraná de onde provêm cerca de 50% da produção de fumo
em folha que é processada na região do Vale do Rio Pardo.
A Phillip Morris é a única empresa que opera com a fabricação de cigarros na
região e não mantém linhas de processamento primário de fumo, adquirindo fumo
processado de diferentes fornecedores na região e no exterior. Com uma capacidade de
produção de cerca de 42 bilhões de cigarros por ano, a unidade de Santa Cruz do Sul
emprega 4600 funcionários efetivos. Em nível nacional a empresa detém 15% do
mercado brasileiro de cigarros com marcas como Marlboro, L&M, Galaxy e Parliament
e ainda exporta para América Latina, Europa e Ásia66.
Na área de processamento de fumo em folha, Souza Cruz, Universal Leaf e
Dimon são as principais empresas do arranjo na medida em que respondem por uma
capacidade de processamento de mais de 400 milhões de quilos de fumo e mantêm mais
de 110 mil produtores integrados nos três Estados do Sul. A Souza Cruz é a principal
empresa beneficiadora de fumo do complexo fumageiro local. Apesar de também contar
com unidades de beneficiamento industrial de fumo no Estado de Santa Catarina, nas
cidades de Blumenau e Tubarão, a empresa tem investido pesadamente nos últimos anos
no aumento da sua capacidade de armazenagem e beneficiamento de fumo no município
de Santa Cruz do Sul.
Tal processo se iniciou, ainda no final da década de 80, com a construção de
uma área de 24.000 m2 de armazéns refrigerados destinados à estocagem de fumo in
natura comprado dos produtores no período de safra, evitando a deterioração da sua
principal matéria-prima e permitindo uma flexibilização considerável no período de
processamento. No final da década de 90, a empresa concluiu a construção do maior
centro de beneficiamento de fumo do mundo no município de Santa Cruz do Sul, com
66 Em 1998, com o impacto da crise russa, a empresa acabou por desativar sua unidade de produção em Curitiba, que destinava mais de 90% da sua produção à exportação para Rússia e demais países do Leste Europeu e Ásia (Jornal do Brasil, 20/02/98).
206
capacidade de processamento de 120 mil toneladas por ano, que representou um
investimento de US$ 81 milhões. Do total de volume de fumo processado pela empresa,
cerca de 60% é utilizado para alimentar suas fábricas de cigarros no país e o restante é
exportado. A Souza Cruz detém hoje mais de 80% do mercado nacional de cigarros e
iniciou recentemente a construção de uma nova fábrica de cigarros no Rio Grande do
Sul, no município de Cachoeirinha. Tanto a Souza Cruz como as demais grandes
empresas do arranjo mantêm filiais de compra de fumo em outros municípios como
forma de controlar e organizar sua rede de fornecedores distribuídas nos Estados do Sul.
A existência destes segmentos diferenciados de acordo com tamanho e dimensão
de mercado levou ao estabelecimento de uma divisão de trabalho implícita entre as
empresas do arranjo. Conforme destacado acima, as empresas de pequeno e médio porte
encontram-se atreladas ao processo produtivo das duas principais processadoras da
região (Souza Cruz e Phillip Morris) enquanto fornecedoras de fumo em folha (no caso
das pequenas) ou processado (no caso das médias). Segundo as empresas, o volume de
fumo adquirido e a identificação de seus fornecedores na região são mantidos em sigilo
por questões estratégicas, o que torna difícil a tarefa de construir um esquema confiável
de representação dos fluxos de produção entre empresas, seja em âmbito local ou
internacional.
Um esboço sobre a intensidade e natureza dos fluxos de produção entre
empresas fumageiras que atuam em âmbito local é apresentado na figura 1 a seguir67.
Esta representação procura identificar os diferentes segmentos de empresas que atuam
na produção, processamento e comercialização do fumo produzido no arranjo, as formas
de interação entre estes diferentes segmentos de empresas e os principais canais de
comercialização da produção local.
Conforme pode ser observado na figura, as fases relacionadas ao plantio,
armazenagem, processamento primário e exportações abarca o núcleo principal de
atividades do arranjo produtivo. Uma rede de mais de 70.0000 produtores rurais
desempenha as atividades de plantio do fumo em folha na região sul. Esta extensa rede
de produtores rurais integra o primeiro estágio da cadeia produtiva no arranjo e
67 Esta figura foi produzida a partir de um modelo sobre sub setores, definidos como uma rede de firmas que provê matéria-prima, opera no seu processamento e distribui produtos acabados para um nicho de mercado específico (Haggblade and Gamser, 1991). Esta representação do arranjo fumageiro abarca três diferentes canais de comercialização.
207
desempenha um papel crucial na medida em que garante o fornecimento da matéria-
prima principal. Entretanto, a maior parte dos insumos e outros bens intermediários
utilizados na produção e processamento do fumo são fornecidos por empresas que se
encontram fora do arranjo em outras regiões do Estado, no país ou no exterior. No caso
de insumos como fertilizantes, defensivos, herbicidas, pesticidas, entre outros, que são
utilizados na produção do fumo, o fornecimento é geralmente feito pelas próprias
empresas fumageiras através de fornecedores externos ao arranjo. Da mesma forma, as
atividades relacionadas a marketing, exportações distribuição e P&D encontram-se sob
o controle e coordenação das matrizes das subsidiárias de empresas transnacionais que
operam no arranjo ou sob responsabilidade de agentes de exportação especializados.
Neste aspecto, a análise da estrutura produtiva do arranjo fumageiro demonstra uma
elevada diversidade na natureza dos vínculos e atores envolvidos nas diferentes etapas
de produção e comercialização bem como no alcance geográfico destas atividades.
209
EXPORTAÇÕES (PROCESSAMENTO SECUNDÁRIO) VENDAS/DISTRIBUIÇÃO ARMAZENAGEM PROCESSAMENTO PRIMÁRIO EMPACOTAMENTO SECAGEM CORTE ARMAZENAGEM PLANTIO
PLANTAS DE
PROCESSAMENTO DE FUMO EM FOLHA
VERTICALMENTE INTEGRADAS
N= 3
MPEs, PEQUENOS DISTRIBUIDORES DE
FUMO EM FOLHA N=10
PLANTAS DE PROCESSAMENTO DE TABACO OPERANDO COM FORNECIMENTO EXTERNO DE
FUMO EM FOLHA N= 3
AGENTES DE EXPORTAÇÃO N=10
FÁBRICA DE CIGARROS N=1
PEQUENOS PRODUTORES RURAIS INTEGRADOS OU NÃO ÀS EMPRESAS FUMAGEIRAS
N= 70.000 (RS)
CANAL 1 MERCADO EXTERNO PARA FUMO PROCESSADO E IN
NATURA
CANAL 2 EXPORTAÇÃO DE CIGARROS
CANAL 3 MERCADO
DOMÉSTICO DE CIGARROS
US$ 939.7 milhões US$ 619.1 milhões US$ 518,4 milhões
FIGURA 3.1: MAPA DO ARRANJO
FUMAGEIRO
Legenda: Vendas de bens no varejo: Relações de subc ontratação Delimitação das firmas : OBS: Os valores no alto da figura, são estimativas para o ano de 1998 fornecidas pela ABIFUMO para os diferentes canais de comercialização da indústria de fumo no Brasil e podem estar superestimados.
Em comparação com os demais arranjos produtivos analisados, e em partic ular com o
arranjo fumageiro, a estrutura produtiva do arranjo coureiro-calçadista revela uma elevada
complexidade na densidade e formas de organização do sistema produtivo local. Atualmente, a
região conta com cerca de 500 empresas produtoras de calçados, que constituem o principal núcleo
de atividades do arranjo e que atuam principalmente no nicho de mercado de calçados femininos de
couro. A especialização das empresas da região na produção de calçados femininos trouxe algumas
vantagens do ponto de vista produtivo e competitivo, tais como: a) um mercado mais amplo em
função das mudanças constantes de estilo presentes no segmento de calçados femininos; b) o fato de
que o calçado feminino exige materiais menos resistentes e mais fáceis de trabalhar que o
masculino; e c) a tradição importadora do mercado internacional é de calçados femininos (Costa,
1993; Fensterseifer et al., 1995).
A tabela abaixo, que apresenta o perfil do arranjo em termos do porte das empresas
calçadistas, demonstra o predomínio de MPEs que representa mais de 70% das empresas do arranjo.
TABELA 3.6 - Estrutura da indústria calçadista gaúcha, 1994
No de funcionários 0 a 19 20 a 99 100 a 499 500 e + Total No de empresas 253 113 87 56 509 Fonte: SEBRAE/RS e Cadastro FIERGS/CIERGS – 94/95 (da Costa et al. 1997)
Além da elevada densidade da cadeia-produtiva local e do predomínio de MPEs, o perfil do
arranjo coureiro-calçadista contrasta com o do arranjo fumageiro pela clara predominância de
empresas de capital nacional. Neste aspecto, a inserção do arranjo no mercado externo a partir da
década de 70 não implicou na desnacionalização das empresas calçadistas, mas trouxe impactos
significativos sobre a forma de organização do arranjo. Ainda que o capital das empresas calçadistas
tenha se mantido sob o controle de produtores locais, o acesso destas empresas ao mercado externo
ocorreu em grande parte através da intermediação de agentes de exportação e grandes redes
internacionais de compra que passaram a deter um controle crescente de estágios estratégicos da
cadeia de valor associados a atividades de design e comercialização.
Assim, a inserção no mercado externo implicou numa redução significativa do escopo de
ação dos produtores locais nos estágios de distribuição e comercialização de calçados. Tais
atividades passaram a ser organizadas e controladas através dos agentes de exportação ou
representantes das grandes redes internacionais de compra instalados na região. Esta estratégia foi
ccxi
ccxi
adotada pela maior parte das grandes empresas calçadistas exportadoras do arranjo, que passaram a
desempenhar um papel importante na organização de redes de subcontratação envolvendo o
segmento de prestadores de serviço (ateliês de costura e pesponto) e o segmento de empresas
calçadistas de micro, pequeno e médio porte do arranjo. Entretanto, apesar da importância que
assumem estas grandes empresas calçadistas na organização dos fluxos de produção, a análise do
perfil atual do arranjo permite destacar um outro segmento de empresas calçadistas que apresenta
uma forma de inserção diferenciada no mercado interno e externo. Ainda que constitua um conjunto
relativamente restrito de empresas, esse segmento de empresas calçadistas tem buscado avançar em
estágios mais nobres da cadeia de valor relacionados à criação de desenhos e marcas próprias, e a
conquista de canais próprios de comercialização. A diferenciação destes dois grupos de empresas
calçadistas se reflete também na análise sobre as estratégias inovativas e mecanismos de
aprendizado coletivo apresentada nos próximos capítulos.
Além de um universo considerável de empresas calçadistas, o arranjo conta atualmente com
empresas que operam em diferentes etapas da cadeia produtiva de calçados como prestadores de
serviços especializados, curtumes, fornecedores de máquinas e equipamentos, fabricantes de
componentes e agentes de exportações, entre outros. Desse modo, no início dos anos 1990
constatava-se a existência de cerca de 130 empresas dedicadas às atividades de curtimento, 43
produzindo máquinas para couro e calçados, 219 fabricantes de componentes, 26 na indústria de
borracha, 722 empresas prestadoras de serviços (os chamados ateliês), 84 agentes de exportação e
carga, dentre outras ocupações (Costa, 1997). Apesar da dificuldade de mensurar a extensão exata
do arranjo dada a ausência de dados estatísticos oficiais sobre número e tamanho das empresas nos
diferentes segmentos da cadeia produtiva calçadista, a tabela a seguir procura apresentar um perfil
dos principais atores que integram a estrutura produtiva do arranjo nos anos 1991 e 199668.
68 Cabe destacar que esses dados não foram originalmente produzidos para fins comparativos, devendo, portanto, serem tratados com cautela
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TABELA 3.7 - Arranjo coureiro-calçadista do Vale do Sinos – principais atores no segmento produtivo- 1991;1996
1991 1996 Atividade N° de Empresas N° de Empresas
223 191 135 92 45 38 70 47 710 759 52 41 26 26
Fabricantes de Componentes Curtumes Fabricantes de Máquinas e Equipamentos Agentes de Exportação Empresas Prestadoras de Serviço Fabricantes de Artigos de Couro Fabricantes de Borracha Outros 80 88 TOTAL 1.821 1.673
Fonte: ABAEX e Schmitz (1994; 1999)
A análise da tabela revela a diversidade que assumem as atividades produtivas do arranjo e a
importância relativa que assumem segmentos de atores em diferentes estágios da cadeia-produtiva
local. A redução significativa de empresas em quase todos os segmentos do arranjo, entre 1991 e
1996, por sua vez, demonstra o impacto decorrente do processo de reestruturação produtiva no
decorrer da década de 90.
De uma maneira geral, a análise das formas de organização do arranjo produtivo coureiro-
calçadista demonstra que, apesar de estarem funcionalmente atrelados aos fabricantes de calçados,
os diferentes segmentos de atores que integram o arranjo tendem a apresentar graus diversos de
autonomia e formas de articulação em relação às empresas calçadistas. Ainda que todos segmentos
de empresas do arranjo tenham sofrido com maior ou menor intensidade os impactos decorrentes da
crise na indústria calçadista desde o final da década de 80, cada um deles tem buscado desenvolver
mecanismos e estratégias próprias. Da mesma forma, verifica-se que a articulação entre as empresas
calçadistas e os demais segmentos que integram o arranjo representa um espaço onde a mediação de
conflitos – potenc iais ou concretos – sempre esteve presente. Em particular, nos segmentos de
curtumes e fabricantes de máquinas e equipamentos a divergência de interesses com relação às
empresas calçadistas tem se mostrado mais intensa no decorrer da trajetória de evolução do arranjo.
O segmento de curtumes é um dos que agrega o maior número de empresas no arranjo. Além
de constituir-se no segmento responsável pelo fornecimento da principal matéria-prima para
fabricação de calçados, as atividades relacionadas ao curtimento de couro são anteriores ao
surgimento do núcleo de empresas calçadistas na região. Neste sentido, a produção e exportação de
couros (particularmente o “wet-blue” de maior qualidade) foi, durante os primeiros estágios de
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crescimento do arranjo, uma atividade que competia diretamente com o desempenho da indústria
calçadista. Com a consolidação do arranjo calçadista na região e com o crescimento acelerado das
exportações de calçados no decorrer da década de 70, foram criadas diversas restrições às
exportações de couro que ocasionaram uma redução drástica no poder de barganha dos curtumes
junto às empresas calçadistas do arranjo que passaram a contar com um núcleo cativo de
fornecedores da sua principal matéria-prima. Este fato resultou num declínio considerável no ritmo
de modernização do segmento de curtumes e ainda hoje tem repercussão nas suas relações com o
segmento das empresas calçadistas.
No caso dos fabricantes de máquinas e equipamentos, a origem das primeiras empresas
esteve ligada às oficinas de manutenção de equipamentos na região ainda na década de 40. Na
medida em que estas empresas lograram adquirir a competência necessária para fabricação das
máquinas para a indústria calçadista na década de 60 e 70, passaram a desfrutar de proteção contra a
competição de fabricantes externos incorporando assim um grupo cativo de consumidores no
arranjo. O declínio do segmento – e a intensificação dos conflitos com as empresas calçadistas –
ocorre especialmente a partir da década de 90 com a crescente liberalização das importações que
levou a uma intensificação da importação de máquinas (particularmente da Itália) por parte dos
calçadistas locais69.
O segmento de prestadores de serviços congrega um universo bastante heterogêneo de atores
no interior do arranjo calçadista. Além dos ateliês ou bancas que empregam mão-de-obra local e
desempenham algumas tarefas para as empresas calçadistas, existem empresas calçadistas que
contratam esses serviços diretamente com seus trabalhadores, e intermediários que operam na
distribuição de serviços junto a domicílios na região. Assim, na maioria dos casos, essas atividades
de prestação de serviços envolvem a utilização de mão-de-obra familiar e assumem o caráter de
complementação de renda. Da mesma forma, a expansão deste segmento de atores no decorrer da
década de 90 pode ser explicada pela busca de flexibilidade produtiva por parte das empresas
calçadistas que resultou no aumento da subcontratação em algumas atividades como costura, corte e
modelagem.
69 Neste caso, o acirramento dos conflitos com as empresas calçadistas, esteve em grande parte vinculado ao fato de que muitas das grandes empresas passaram a contornar a chamada ‘lei do similar nacional’ que restringia e sobretaxava a importação de equipamentos que contassem com equivalente nacional. Para maiores detalhes ver Costa (1993) ou Schmitz (1999).
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No segmento dos fabricantes de componentes, o maior número de empresas concentra-se na
fabricação de Solados e Formas70. Existe um esforço crescente dos fabricantes de componentes no
sentido de diversificar produtos e buscar novos nichos de mercado como forma de diminuir os
impactos decorrentes da dependência do segmento em relação às empresas calçadistas. Atualmente,
este grau de dependência varia consideravelmente de acordo com o tipo de componente. No caso
dos fabricantes de Solados e Formas, 99% da produção ainda está direcionada ao setor calçadista
enquanto que no setor de embalagens esse percentual é de aproximadamente 50%.
3.4.2 Aglomerações produtivas com foco em mercados locais e nacionais : o
complexo agro-industrial vitivinícola e o pólo moveleiro na Serra Gaúcha
Conforme foi destacado anteriormente, a análise dos padrões de concorrência internacional
na indústria de móveis e de vinhos demonstra uma tendência crescente à organização de produtores
em torno de cadeias globais de compra (no caso da indústria de móveis) e à internacionalização de
empresas (no caso da indústria vinícola). Entretanto, apesar do crescimento significativo que tem
sido verificado nas exportações dos arranjos moveleiro e vitivinícola da Serra Gaúcha nos últimos
anos, o estudo dos principais canais de comercialização destes arranjos ainda demonstra a
importância do mercado doméstico (regional e nacional) no seu desempenho competitivo.
Em termos da densidade de sua estrutura produtiva, o arranjo vitivinícola engloba segmentos
de empresas que atuam em diferentes estágios desta cadeia agro- industrial. Além das atividades
ligadas à produção vitícola e ao beneficiamento de vinhos finos e comuns, o arranjo conta também
com um importante núcleo de fornecedores de equipamentos e de grande parte dos demais insumos
utilizados pela indústria vinícola local.
A forma de organização da estrutura produtiva local reflete a diversidade em termos dos
diferentes segmentos de vinícolas presentes no arranjo que atuam em nichos de mercado
diferenciados. Da mesma forma, a relação entre os estágios de produção agrícola e processamento
industrial da uva apresenta uma natureza totalmente diversa daquela presente no arranjo fumageiro,
tendo em vista a existência de um número elevado de cooperativas de pequenos produtores rurais
que também operam na produção de vinhos comuns.
70 Da mesma forma, de acordo com dados recentes da Assintecal, a maior concentração de empresas ainda permanece na região Sul, com 52,86% das empresas, seguida pela Região Sudeste, com 31,12%, Centro-Oeste com 13,50%, Nordeste com 2,44% e Norte, com 0,08%.
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Atualmente, é possível identificar três segmentos distintos de empresas vinícolas no arranjo.
Em primeiro lugar, destaca-se o segmento das vinícolas com capacidade de processamento superior
a seis milhões de litros/ano e que atuam principalmente na produção de vinhos finos e espumantes.
Neste segmento encontram-se tanto empresas de capital nacional, como a Cooperativa Vinícola
Aurora que é a maior no setor, como divisões de grupos transnacionais como a Vinícola De Lantier,
ligada ao Grupo Bacardi-Martini, que é a segunda maior vinícola em termos de comercialização no
país. Dentre as principais empresas transnacionais que atuam no arranjo vitivinícola da Serra
Gaúcha atualmente encontram-se: Domeck do Brasil (Espanha); Chandon do Brasil (França) e a
Seagram do Brasil (Canadá). Apesar de representarem menos de 2% do universo de empresas
vinícolas, as empresas deste segmento respondem por quase um terço do total da produção de
vinhos no arranjo 71.
Em segundo lugar, situado no extremo oposto, encontra-se o segmento de pequenas
vinícolas e cooperativas que produzem menos de três milhões de litros/ano, mas respondem por
mais de 50% da produção total de vinho na região. Em geral, a maior parte das vinícolas deste
segmento dedica-se à produção de vinhos comuns. Entretanto, no decorrer da década de 90, um
terceiro e importante segmento de vinícolas composto de pequenas cantinas familiares tem se
destacado na produção de vinhos finos e conquistado um importante nicho de mercado
anteriormente ocupado apenas pelas maiores vinícolas do arranjo.
A produção de vinhos finos demanda um elevado nível de capacitação por parte das
vinícolas que se reflete não somente no nível tecnológico dos equipamentos utilizados, mas também
no conhecimento técnico das melhores práticas enológicas. Neste aspecto, esse grupo de pequenas
cantinas rurais familiares dedicadas à produção de vinhos finos representa um elo importante no
movimento de reestruturação e modernização do arranjo vitivinícola na Serra Gaúcha no decorrer
da década de 90. Originalmente, a inserção deste segmento de empresas familiares no arranjo se
refletia através do seu papel de abastecedoras primárias de uva ou de vinho a granel para o
segmento das grandes empresas. Gradativamente, entretanto, uma parcela destas cantinas logrou
atingir um elevado padrão de qualidade na produção de vinhos finos através da modernização de
equipamentos e da qualificação técnica dos filhos dos proprietários enviados para cursos de
formação superior em enologia em países como Argentina e França.
71 Esta informação foi obtida a partir dos dados disponibilizados pela União Brasileira do Vinho (UVIBRA) para o
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A importância associada atualmente ao segmento das pequenas cantinas familiares se deve,
em grande parte, ao acúmulo de premiações e à sua inserção qualificada na comercialização de
vinhos finos no mercado regional e nacional. Segundo dados da União Brasileira do Vinho
(UVIBRA), estima-se que entre as quase 200 pequenas cantinas localizadas na Serra Gaúcha, não
chega a 15 o número das que estão conquistando novos mercados com uma produção de qualidade.
Os parreirais são cultivados em áreas pequenas, quando comparadas com as centenas de hectares de
onde provêm as uvas para a industrialização nas grandes vinícolas. Apesar de operarem com uma
escala de produção reduzida, estas cantinas respondem hoje por mais de 90% da oferta de vinhos
finos no mercado nacional.
Situado no mesmo entorno geográfico, o arranjo produtivo de móveis na Serra Gaúcha conta
hoje com cerca de 350 empresas que atuam na produção e comercialização de móveis,
particularmente no segmento de móveis residenciais de madeira. Apesar da clara predominância de
micro e pequenas empresas entre os produtores de móveis na região, o arranjo abriga também
algumas das maiores e mais modernas empresas produtoras de móveis do país. Dentre as principais
empresas que estão instaladas nesta região destacam-se: Todeschini, Carraro, Pozza, Madem,
Dellano, Florense e Madesa. A presença deste conjunto de empresas de médio e grande porte, com
forte inserção no mercado nacional e internacional contribui para a consolidação de um elevado
nível de atualização tecnológica entre as principais empresas que integram o arranjo.
Entretanto, apesar de representarem menos de 5% do universo de produtores que atuam no
Estado, o núcleo de grandes e médias empresas do arranjo moveleiro na região da Serra Gaúcha é
responsável por cerca de um terço do faturamento da indústria moveleira no Estado. Da mesma
forma, este conjunto de empresas desempenha um papel fundamental na organização dos fluxos de
produção no arranjo através da formação de redes de subcontratação que integram grande parte do
segmento de MPEs que atuam na região.
O elevado grau de articulação entre as grandes e médias empresas e o segmento de MPEs no
arranjo moveleiro da Serra Gaúcha contribuiu para o fato deste pólo ser um dos que apresenta o
menor grau de verticalização da produção quando comparado com os demais pólos moveleiros no
Brasil. Cerca de 52% das empresas que atuam na produção de móveis na região de Bento Gonçalves
transferem para terceiros alguma etapa do seu processo produtivo. Neste aspecto, a presença de um
início da década de 90.
ccxvii
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número elevado de pequenas e médias empresas neste arranjo costuma ser apontada como uma das
principais razões para a existência de um grau menor de verticalização na produção de móveis
desta região.
O espaço para subcontratação ou terceirização de atividades ocorre na compra de
componentes e acessórios ou montagem de partes, como gavetas por exemplo, que por demandarem
muita mão-de-obra, são repassadas para terceiros. Entretanto, essas relações de subcontratação não
apresentam, em geral, uma natureza estável e duradoura e tampouco refletem relações de
cooperação e aprendizado importantes. Em geral, essas atividades não envolvem exclusividade no
fornecimento, contratos formais, cessão de equipamentos ou formas de capacitação específicas entre
as empresas e seus fornecedores locais. Em alguns casos a inexistência de relações estáveis
envolvendo exclusividade reflete uma precaução das empresas em não configurar vínculos
permanentes de trabalho com as pequenas oficinas artesanais com as quais operam.
Um exemplo bastante ilustrativo sobre o formato que assumem as relações de subcontratação
no arranjo moveleiro da Serra Gaúcha refere-se à compra dos acessórios utilizados na montagem
dos móveis. Este sistema de fornecimento é utilizado tanto pelas grandes empresas como por
algumas empresas de médio e pequeno porte e envolve um grande contigente de pequenas oficinas
que fornecem os kits de acessórios de acordo com a especificação em embalagens plásticas.
Com relação aos demais segmentos de empresas que integram a cadeia produtiva local,
verifica-se que apesar da região de Bento Gonçalves contar com um núcleo de fornecedores de
insumos e equipamentos para as empresas locais, a maior parte dos insumos são provenientes de
outros Estados ou do exterior, enquanto que os equipamentos costumam ser importados da Itália e
Alemanha. No caso de matérias-primas como chapas aglomeradas e MDF, os principais
fornecedores, como Eucatex, Cetipel e Placas do Paraná, encontram-se em São Paulo ou no Paraná.
O mesmo ocorre com os principais fornecedores de acessórios plásticos e metais, como puxadores e
corrediças. Neste sentido, a localização das empresas na região não pode ser explicada pela
proximidade de fornecedores de insumos. O mesmo se aplica com relação ao principal mercado
consumidor para as empresas da região, na medida em que a comercialização da produção também
ocorre em outros Estados e no exterior conforme demonstra a tabela abaixo:
TABELA 3.8 - Comercialização da produção de móveis do RS, segundo a participação percentual de cada mercado
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Destino/canal de comercialização 1998 1999 2000 Para outros Estados 75 70 70 Comercializados no RS 16 16 13 Destinados à exportação 9 14 17
Fonte: Movergs (2001)
Assim, a justificativa para a lo calização e permanência das empresas na região não parece
residir em fatores tradicionais relacionados à proximidade de fornecedores e consumidores.
O gráfico abaixo, baseado nos resultados da pesquisa de campo, confirma a reduzida
importância relacionada à proximidade de fornecedores e clientes enquanto fator determinante da
localização das empresas na região. Por outro lado, verifica-se também a importância de outras
formas de externalidades relacionadas com a disponibilidade e com o perfil de qualificação da
mão-de-obra local, bem como com a proximidade com centros de pesquisa e universidades. Na
realidade, este tipo de externalidade relacionada à disponibilidade e ao padrão de qualificação da
mão-de-obra representa uma vantagem presente nos demais arranjos (Vargas, Santos e Alievi, 1999;
Vargas e Alievi, 2002).
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GRÁFICO 3.1 - Arranjo Moveleiro: Vantagens Relacionadas à Localização da Empresa na Região
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Infra-esturutra diposnível
Disponibilidade de mão-de-obra
Qualidade de mão-de-obra
Custo da mão-de-obra
Existência de proramas governamentais
Proximidade com Univ./ Cent. Pesq.
Proximidade com fornecedores de insumos
Proximidades com clientes/consumidores
Sem importância Pouco importante Importante Muito Importante
3.5. Conclusões
A análise da trajetória recente de desenvolvimento dos arranjos produtivos reflete tanto os
efeitos que emergem de mudanças no ambiente de concorrência em âmbito mundial, como as
implicações decorrentes das reformas estruturais no decorrer da década de 90. Esse conjunto de
mudanças teve um impacto profundo sobre as estratégias produtivas e inovativas adotadas em todos
os arranjos, ainda que tenha se manifestado de forma mais intensa naquelas aglomerações com
maior inserção externa como as de fumo e de calçados.
No arranjo fumageiro, um dos impactos mais claros do processo de reformas estruturais no
decorrer da década de 90, esteve ligado à intensificação na concentração da propriedade do capital
das subsidiárias de empresas transnacionais que operam no arranjo, motivada pelas sucessivas
operações de fusões, incorporações e associações entre os grandes conglomerados que operam na
região. Se na década de 70 a constituição deste arranjo se deu através de um processo de
desnacionalização das empresas locais, a partir das décadas de 80 e 90 a nova dinâmica do mercado
internacional de tabaco significou uma redução significativa no número de empresas que passam a
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atuar na região. Adicionalmente, a observação da evolução do emprego no setor desde a década de
70 mostra que o nível de ocupação da mão-de-obra nessa indústria atingiu o seu limite no início da
década de 80, passando a declinar continuamente no decorrer da década de 90 (Vargas et al, 1998).
As transformações recentes no arranjo fumageiro contrastam, em grande parte, com a
experiência de reestruturação que vem sendo enfrentada pelo arranjo vitivinícola da Serra Gaúcha.
No primeiro caso, o impacto das reformas estruturais no arranjo fumageiro esteve relacionado
principalmente ao acirramento dos laços de subordinação dos atores locais às necessidades dos
grandes conglomerados da indústria de fumo em nível mundial. No segundo caso, o processo de
abertura comercial aliado a crescente integração econômica com os países do Mercosul representou
um enorme desafio para o arranjo vitivinícola que passou a buscar novas formas de capacitação
produtiva e inovativa para enfrentar a concorrência externa e buscar novos mercados. Neste aspecto,
a trajetória recente de evolução do arranjo vitivinícola demonstra algumas mudanças importantes
relacionadas ao papel que vem sendo desempenhado pelo segmento de pequenas cantinas familiares
produtoras de vinhos finos. Conforme enfatizado anteriormente, apesar de constituírem um grupo
reduzido, essas cantinas encontram-se hoje no centro do processo de reestruturação produtiva do
arranjo vitivinícola. Da mesma forma, é preciso considerar que antes do surgimento deste pequeno
segmento qualificado no arranjo, a produção de vinhos finos constituía-se num espaço em grande
parte restrito às grandes empresas vinícolas tendo em vista o nível requerido de investimentos e
qualificação técnica. Até os anos 60, mesmo a produção da principal vinícola do arranjo, a Aurora,
esteve restrita à produção de vinhos comuns72.
No decorrer da década de 70, o segmento mais dinâmico do arranjo vitivinícola foi o das
vinícolas transnacionais de origem européia e norte-americana aliadas a grandes vinícolas de
propriedade nacional, particularmente a Cooperativa Vinícola Aurora. Entretanto, a partir de
meados da década de 80, certos fatores como o excedente de produção, entrada de vinhos
importados, queda de preços e falta de estímulo ao produtor, ocasionaram uma forte crise no
segmento vinícola e o endividamento das principais cooperativas. A retomada do crescimento do
setor, que ocorre a partir de um novo ciclo de modernização na década de 90, abriu espaço para o
novo segmento de cantinas familiares que passaram a investir na qualificação de sua produção,
72 A produção de vinhos finos da Aurora só começaria em 1962 com a marca Bernard Taillan e mediante a orientação técnica de um enólogo estrangeiro (Guy Gérard de Cara) trazido através da Bernard Taillan com quem a Aurora mantinha uma parceria no engarrafamento de vinhos de viníferas
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mudando o papel desempenhado anteriormente enquanto abastecedoras primárias de uva para as
grandes vinícolas e cooperativas.
Da mesma forma, no arranjo coureiro-calçadista, o processo de reformas estruturais também
representou um importante ponto de inflexão nas estratégias adotadas pelas principais empresas do
arranjo. A partir do início da década de 90, o aumento da concorrência internacional decorrente da
competição com os países exportadores asiáticos, aliado à grande instabilidade no ambiente
macroeconômico brasileiro, trouxe uma crise sem precedentes para a maior parte das empresas do
arranjo calçadista no Vale do Sinos. O processo de ajuste competitivo do arranjo nesta fase implicou
em algumas mudanças drásticas na forma de organização dos processos produtivos intra e inter
firmas.
Com a entrada da China no mercado mundial de calçados ainda no final da década de 80, o
Brasil verificou uma redução em sua participação nas vendas de calçados femininos de couro de
baixo preço no mercado americano, seu principal nicho de comercialização. Ainda que algumas
empresas do arranjo tenham logrado redirecionar sua produção para novos nichos de mercado
associados com calçados de maior qualidade e preço, as mudanças no ambiente de mercado e no
ambiente macroeconômico brasileiro contribuíram para agravar ainda mais a crise no setor. No
mercado calçadista mundial, a busca de reduções no custo de inventário por parte dos compradores
internacionais levou a uma redução considerável tanto no intervalo entre os pedidos como
principalmente no volume dos pedidos individuais (Schmitz, 1999). No ambiente macroeconômico,
durante a década de 80 e início da década de 90, o país enfrentou um período de grande
instabilidade associado com a aceleração inflacionária, acompanhado de um quadro de recessão
econômica. Com a adoção do Plano Real a partir de 1994, o processo de apreciação cambial que
elevou o valor da moeda brasileira em relação ao dólar levou a uma perda substancial da
competitividade dos calçados brasileiros e a uma forte retração das vendas no mercado externo.
O desempenho do arranjo no final da década de 90 sugere um processo de retomada do
crescimento do setor que vendo sendo sustentado tanto pela melhora no cenário internacional como
também por uma recuperação no mercado doméstico73. Entretanto, percebe-se que a forma de
73 Em 1993, a participação do consumo interno na produção era de cerca de 66% enquanto que em 1999 esse percentual aumentou para cerca de 73% (Assintecal, 2000). Da mesma forma, ao mesmo tempo em que o setor coureiro -calçadista trava uma batalha pela desoneração de impostos nas exportações, o volume exportado tem apresentado um crescimento significativo nos últimos dois anos e percebe-se também uma tendência de maior participação do mercado interno na
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inserção das empresas no mercado externo ainda se encontra baseada sobremaneira na articulação
com compradores internacionais ligados a cadeias globais de produção. As implicações associadas a
este tipo de inserção externa são detalhadas no próximo capítulo que aborda as formas de
coordenação presentes em cada arranjo.
Finalmente, no caso do arranjo moveleiro, o processo de reformas estruturais na economia
brasileira na década de 90 trouxe alguns efeitos positivos na medida em que acarretou uma redução
significativa nos custos de importação de bens de capital e incentivou a gradativa substituição da
produção doméstica de máquinas e equipamentos. O barateamento de equipamentos e insumos
importados foi um fator determinante no processo de modernização tecnológica das principais
empresas do arranjo que passaram a investir fortemente na renovação do parque de máquinas,
principalmente em equipamentos importados provenientes, em sua maior parte, da Itália e da
Alemanha.
O processo de reestruturação produtiva e modernização da indústria de móveis no Brasil no
decorrer da década de 90 reflete, em grande medida, as transformações no arranjo moveleiro da
Serra Gaúcha. Em primeiro lugar, esse processo de modernização não abarcou todas as empresas do
setor, na medida em que esteve ligado a um circuito relativamente restrito das empresas de grande e
médio porte, com forte vinculação ao mercado externo. A maior parte das pequenas e micro
empresas do setor permaneceram tecnologicamente desatualizadas, com níveis reduzidos de
produtividade. Tais limitações contribuíram, também, para a manutenção de um elevado grau de
verticalização da produção. Ao contrário do que ocorre em outros países como a Itália, as maiores
empresas deste setor no Brasil ainda possuem grandes plantas verticalizadas, onde convivem
inúmeros processos tecnológicos. Em muitos casos, numa mesma planta industrial são reunidas
etapas de secagem, processamento secundário, usinagem, acabamento, pintura e embalagem. Na
fabricação de móveis de madeira maciça como pínus, por exemplo, é comum que as empresas
mantenham divisões específicas dedicadas ao plantio e beneficiamento da madeira utilizada na
produção. Neste aspecto em particular, o arranjo moveleiro da Serra Gaúcha logrou manter um grau
reduzido de verticalização da produção em função da existência de uma forte articulação entre as
grandes empresas e o segmento de MPEs no arranjo.
realização da produção brasileira de calçados.
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Em segundo lugar, apesar do processo de modernização, o setor continuou a apresentar um
elevado grau de fragmentação. Em outras palavras, verificou-se uma incidência muito pequena de
operações envolvendo fusões e outras formas de associações entre empresas, que consiste numa
característica geral do processo de desenvolvimento industrial na década de 90. Essa fragmentação,
mais do que uma característica da cultura existente neste setor industrial, reflete as marcantes
peculiaridades que emergem a partir dos diferentes pólos regionais (Santos et al., 1999). Em terceiro
lugar, ainda que o processo de modernização tenha sido fundamental para a capacitação produtiva,
tanto em termos dos níveis de atualização tecnoló gica dos equipamentos como na adoção de
modernas técnicas de gestão da produção nas empresas, a indústria não logrou o desenvolvimento
de capacitações em áreas como design e marketing. Neste aspecto, ainda que o arranjo moveleiro da
Serra Gaúcha represente um dos pólos mais atuantes no esforço em qualificação em design, a maior
parte das empresas ainda carece de espaço para operar no mercado externo com design e marcas
próprias já que, em geral, os projetos são determinados pelos importadores e as empresas brasileiras
são apenas subcontratadas para executar a produção dos mesmos.
Em síntese, a análise dos estudos de caso permite destacar algumas especificidades associadas
a um novo padrão de organização de atividades produtivas e inovativas nos arranjos, ao mesmo
tempo em que aponta para as limitações comuns que passam a ser enfrentadas por atores locais na
busca de um novo padrão de inserção competitiva baseada na dinâmica inovativa. Tais limitações
não somente condicionam a forma de inserção dos arranjos no mercado externo, como afetam as
condições de concorrência no mercado doméstico.
Da mesma forma, as reformas estruturais (principalmente a liberalização comercial) acarretou
um processo intenso de ajustamento nos arranjos que, em linhas gerais, se refletiu num aumento
considerável da exposição à concorrência externa e na modernização produtiva com maior enfoque
em mudanças organizacionais, entre outros fatores comuns.
Entretanto, o estudo das especificidades que marcam a dinâmica competitiva e inovativa
destes arranjos se insere num contexto mais amplo e deve ser complementado pela análise dos
desenhos institucionais e estruturas de governança, que servem de base para organização de
diferentes segmentos de atores em âmbito local. Neste aspecto, o próximo capítulo analisa a
influência das estruturas de governança sobre as formas de organização e articulação entre atores
locais e com instâncias externas aos arranjos.
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4 – FORMAS DE COORDENAÇÃO E DESENHOS INSTITUCIONAIS
4.1 – Introdução
Com base nos argumentos presentes no referencial teórico, este capítulo analisa as estruturas
de governança e desenhos institucionais presentes nos arranjos produtivos estudados. A importância
associada ao papel das instituições na organização de atividades produtivas e inovativas se apoia na
concepção evolucionária sobre sistemas de inovação, a qual assume que os formatos institucionais
contribuem para estabelecer um plano comum para regras cognitivas e padrões de comportamento
associados a contextos territoriais específicos.
Da mesma forma, a questão da governança, na medida em que reflete o poder que
determinados atores detêm no sentido de influenciar o desenvolvimento de aglomerações
produtivas, representa um elemento fundamental na discussão dos estudos de caso74. Neste aspecto,
o principal objetivo do capítulo consiste em analisar a influência de atores locais e externos na
coordenação dos sistemas de produção e na própria trajetória de desenvolvimento e capacitação
produtiva e inovativa das empresas nos arranjos estudados.
A fim de explorar as principais implicações das diferentes formas de coordenação e
desenhos institucionais presentes nos arranjos, o capítulo contempla três níveis de análise. O
primeiro, busca identificar aqueles agentes econômicos, locais ou externos, que exercem maior
influência na organização e desenvolvimento dos sistemas de produção. Tal análise complementa e
amplia a caracterização apresentada no capítulo precedente sobre a organização da estrutura
produtiva dos arranjos. O segundo, discute o papel dos desenhos institucionais no sentido de mediar
as relações de poder entre diferentes segmentos de atores locais, ou mesmo entre atores locais e
externos aos arranjos. A caracterização dos desenhos institucionais parte de uma concepção ampla
que abarca tanto o papel de organizações formais (tais como associações de classe), como o
conjunto de regras, práticas e rotinas que estão fundadas no próprio contexto cultural e histórico
regional ou local. Um terceiro nível de análise contempla a importância e papel da infra-estrutura
educacional e tecnológica presente nas aglomerações no sentido de organizar e coordenar os fluxos
74 A noção de estruturas de governança refere -se aos diferentes modos de coordenação que envolvem atividades interdependentes associadas tanto à organização de fluxos de produção como ao processo de geração, disseminação e uso de conhecimentos. Para uma discussão sobre os diferentes significados e usos do termo ver Williamson (1979); (Jessop, 1998); Schmitz e Humphrey (2000).
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de informação e conhecimento relevantes para o processo de capacitação produtiva e inovativa de
atores locais. Da mesma forma, a avaliação sobre o papel e importância da infra-estrutura
educacional e tecnológica dos arranjos baseia-se em dois aspectos principais. O primeiro considera
a existência de universidades, centros de pesquisa, escolas técnicas, entre outras organizações
ligadas ao processo de geração de conhecimento e disseminação de informações nos arranjos. O
segundo procura avaliar em que medida tais organizações participam efetivamente na capacitação
de atores locais.
Adicionalmente, a fim de destacar o impacto da interação entre ins tâncias locais e globais de
governança, procura-se contrapor a experiência de dois grupos distintos de arranjos de acordo com a
natureza da sua inserção no mercado externo. No primeiro grupo estão os arranjos de fumo e
calçados, cujos sistemas de produção encontram-se de alguma forma integrados a cadeias globais de
valor. No segundo grupo, situam-se os arranjos de vinho e móveis onde a coordenação e
organização dos sistemas de produção ainda estão associadas ao escopo de ação de atores locais.
Na medida em que se busca estabelecer um referencial analítico que incorpora a influência
das estruturas de governança em diferentes formatos de arranjos produtivos, torna-se ilustrativa a
caracterização de dois pólos extremos em termos do grau de simetria nas relações entre atores nos
arranjos. Num primeiro pólo, estão arranjos onde as formas de coordenação e desenhos
institucionais refletem um considerável grau de simetria nas relações de poder entre diferentes
atores no segmento produtivo e onde os principais estágios da cadeia produtiva local encontram-se
integrados e/ou são controlados por atores locais. Num outro pólo, estão arranjos onde estas formas
de coordenação e desenhos institucionais apresentam uma natureza claramente hierárquica com
elevado grau de assimetria nas relações de poder entre diferentes segmentos de atores e onde os
principais estágios da cadeia de valor são, em grande parte, controlados por atores externos.
Conforme será visto a seguir, os arranjos analisados representam casos intermediários situados entre
estes dois pólos que representam, portanto, um intervalo contínuo de situações possíveis.
O capítulo encontra-se estruturado em torno de três seções além desta introdução. Na
segunda seção apresenta-se o perfil das estruturas de governança e desenhos institucionais presentes
nos arranjos de fumo e calçados, que apresentam elevado grau de articulação com instâncias globais
na coordenação. Na terceira seção, discute-se o caso dos arranjos vitivinícola e moveleiro que ainda
apresentam um perfil de governança marcado pela importância de atores locais. A quarta seção
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conclui o capítulo com uma sistematização sobre os principais aspectos relacionados às estruturas
de governança nos diferentes formatos de arranjos.
4.2 – Arranjos produtivos articulados com instâncias globais de coordenação
Não obstante a existência de diferenças significativas no tipo de propriedade do capital das
empresas ou na densidade da cadeia produtiva local, um importante elemento comum no perfil dos
arranjos calçadista e fumageiro reside nas assimetrias nas relações de poder que emergem da
articulação de produtores locais com mercados globais. Em ambos arranjos, a inserção de
produtores locais no mercado externo envolve uma complexa interação entre instâncias locais e
globais na organização e coordenação de atividades produtivas e tecnológicas.
As assimetrias presentes nas relações entre produtores locais e instâncias globais de
coordenação se refletem de forma diversa em cada caso. No arranjo coureiro-calçadista, o acesso de
produtores locais ao mercado externo, na maior parte dos casos, é condicionado à inserção em
cadeias globais de produção controladas por grandes redes de compra internacionais. No arranjo
fumageiro, o reduzido escopo de ação de atores locais na organização do sistema de produção e a
assimetria nas relações de poder no arranjo apresentam uma relação direta com a influência das
subsidiárias das multinacionais de tabaco na organização dos diferentes estágios da cadeia produtiva
em nível local e mundial. Neste aspecto, o impacto da interação entre formas locais e globais de
coordenação apresenta um caráter mais complexo no arranjo coureiro-calçadista na medida em que
os produtores locais detêm o poder sobre a organização das atividades produtivas em nível local,
porém apresentam um escopo reduzido de influência em determinados estágios da cadeia como nas
atividades de design e marketing.
No arranjo fumageiro, a organização da produção de fumo em folha na região do Vale do
Rio Pardo apresenta, conforme foi visto, uma dimensão territorial considerável na medida em que
depende de importantes especificidades locais. No entanto, muitas das etapas referentes à
distribuição e comercialização de fumo e de cigarros são organizadas e coordenadas de fora da
Região do Vale do Rio Pardo, em âmbito mundial. Assim, a articulação entre estas instâncias
globais e locais na organização do sistema de produção fumageiro resultou no estabelecimento de
relações hierárquicas entre os conglomerados multinacionais e os demais atores locais. Em
particular, as condições de competição enfrentadas pelos grandes conglomerados no mercado
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internacional condicionam o papel desempenhado pelo arranjo local fumageiro na divisão
internacional de trabalho deste setor, bem como na organização e formas de interação entre atores.
Neste aspecto, a fim de compreender as relações de poder e o papel dos desenhos institucionais que
moldam a organização do sistema produtivo do arranjo fumageiro, é necessário explorar a natureza
das interações entre atores durante as fases de cultivo e processamento do fumo no arranjo.
As relações entre os pequenos produtores rurais e as principais empresas fumageiras que
atuam no arranjo são coordenadas através do chamado sistema integrado de produção. Neste
sistema, as empresas fornecem as sementes, a assistência técnica e determinam o uso de insumos e
defensivos agrícolas ao mesmo tempo em que garantem a compra do fumo em folha produzido
pelos seus produtores integrados75. As principais características do sistema integrado de produção
no arranjo fumageiro são explicadas no quadro 4.1, abaixo:
75 De acordo com Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA, 1998), cerca de 160 mil famílias de pequenos proprietários rurais estão envolvidas com o plantio de tabaco no Brasil. Atualmente, mais de 45% destes pequenos produtores estão localizados na região do Vale do Rio Pardo. O trabalho de orientação aos produtores é feito através de equipes de assistência técnica que difundem e fiscalizam a utilização de novas tecnologias relacionadas às técnicas de plantio e uso de novas variedades de sementes (cultivares) desenvolvidas nos centros de pesquisa das empresas.
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QUADRO 4.1 - Principais características do Sistema Integrado de Produção no arranjo
fumageiro
O sistema integrado de produção envolve o estabelecimento de obrigações contratuais entre os produtores de fumo em folha e as empresas que operam na compra e beneficiamento de fumo. Uma vez inseridos neste tipo de acordo, os produtores de fumo se comprometem a fornecer toda a sua produção e a seguir as orientações técnicas e esquemas de classificação de preços estabelecidos pelas empresas. Assim, por um lado, as empresas se responsabilizam pelo fornecimento de sementes, pela intermediação da compra dos principais insumos utilizados na cultura do fumo (como fertilizantes, defensivos e implementos), pelo fornecimento de assistência técnica através de suas equipes de supervisores de campo, pela intermediação de financiamentos junto a bancos oficiais, pelo transporte da safra e pela compra da produção destes pequenos produtores rurais integrados (Afubra, 1998). Por outro lado, os produtores de fumo em folha integrados devem se comprometer com o volume de produção, padrões de qualidade e custos definidos pelas empresas. Dessa forma, através do estabelecimento destes vínculos com seus produtores de fumo em fo lha, as empresas logram obter um controle bastante eficiente sobre os custos, qualidade volume e variedades produzidas de fumo em folha na região. Esse controle constitui-se num diferencial importante para as empresas atingirem os padrões de competição que são definidos no mercado internacional de tabaco.
Ainda que o sistema integrado de produção tenha sido adotado no arranjo a partir da instalação da Souza Cruz na região (na década de 20), foi somente a partir da década de 70 que este sistema tornou-se fundamental no processo de reorganização e modernização do arranjo fumageiro. Antes da consolidação do sistema integrado na década de 70, a produção agrícola do fumo era baseada principalmente no uso de fertilizantes orgânicos, a quantidade produzida era estipulada pelos próprios produtores que tampouco estavam condicionados pela assistência técnica das empresas fumageiras. Porém, na medida em que as grandes companhias multinacionais passaram a estabelecer suas subsidiárias no arranjo, esta autonomia dos produtores de fumo foi sendo gradativamente abolida através do estabelecimento de novas práticas de cultivo. (Vogt, 1994).
A manutenção deste modelo impõe uma série de custos para as empresas relacionados à
manutenção de departamentos ligados a compra de insumos ou intermediação de crédito agrícola
junto às instituições financeiras oficiais e, principalmente, na formação de quadros de técnicos
agrícolas e agrônomos para acompanhamento da safra. Entretanto, as empresas que atuam na
compra e beneficiamento de fumo não somente passam a manter um controle total sobre a qualidade
e custo de seu principal insumo como também tendem a condicionar o volume de produção através
da sinalização da sua estimativa de compra para os produtores.
Além da importância que assume o sistema integrado de produção na determinação das
relações entre atores no arranjo fumageiro, um outro fator importante que caracteriza os desenhos
institucionais e organizacionais no arranjo reside no predomínio de associações de classe e outras
organizações voltadas para coordenação das relações de trabalho e mediação entre pequenos
produtores agrícolas de fumo em folha e as empresas que operam na compra e beneficiamento.
As principais instituições voltadas para coordenação das relações entre os atores do arranjo
são a Associação dos Fumicultores do Brasil, o Sindicato das Indústrias de Fumo, A Associação
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Brasileira de Fumo e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Cada uma destas associações responde
pelos interesses específicos de determinados segmentos de atores presentes no arranjo e regula as
relações de trabalho, a formação dos preços pagos aos produtores de fumo em folha e sinalizam os
volumes e variedades a serem produzidos a cada safra, conforme ilustra o quadro abaixo.
QUADRO 4.2 - Principais organizações voltadas à coordenação das relações inter empresariais no arranjo fumageiro
Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA): A Afubra foi criada em 1955 e conta hoje com cerca de 150 mil produtores associados nos três Estados do Sul. O surgimento da Afubra esteve ligado justamente à necessidade de intermediação na definição dos preços pagos pela indústria aos produtores através da consolidação do sistema de produção integrada
Sindicato das Industrias do Fumo (Sindifumo): O Sindifumo foi criado em 1942, ainda que sua base de representação tenha ganho maior importância somente a partir de 1980 quando o setor teve um crescimento substancial. O Sindifumo conta, atualmente, com cerca de 20 associados que correspondem à totalidade das empresas ligadas a compra, processamento e comercialização de fumo na região
Associação Brasileira de Fumo (Abifumo): A Abifumo conta com 26 empresas associadas em todo o Brasil, mas representa os interesses específicos das grandes empresas do setor, especialmente nas questões relacionadas a legislação tributária.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR’s): O Sindicato dos Trabalhos Rurais possui uma participação ativa no processo de negociação relativo aos custos de produção e preços pagos aos agricultores pelo fumo em folha. Apesar do processo de negociação dos preços pagos aos produtores rurais contar com a participação conjunta da Afubra, Sindifumo e STR’s, historicamente ele sempre envolveu um poder de barganha assimétrico pesando a favor das empresas.
Assim, as assimetrias nas relações de poder entre atores locais e globais no arranjo
fumageiro se originam no controle direto do sistema produtivo local pelas subsidiárias de empresas
transnacionais e são reforçadas, em grande medida, pelos desenhos institucionais presentes no
arranjo.
Em termos da infra-estrutura educacional e tecnológica, a região do Vale do Rio Pardo conta
com duas Universidades - uma das quais abriga um dos Pólos de Modernização Tecnológica
existentes no Estado - Centros Tecnológicos da Embrapa, Emater, além de uma escola técnica do
Senai que oferece cursos em diferentes áreas de formação. Entretanto, apesar da existência deste
conjunto não desprezível de recursos humanos e materiais, com forte potencial para
desenvolvimento de pesquisas na área agrícola, verifica-se a existência de vínculos muito fracos de
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interação entre as principais empresas ligadas ao plantio e processamento de fumo e demais atores
ligados à infra-estrutura educacional e tecnológica na região. Neste aspecto, as formas de interação
entre a indústria fumageira e as universidades e centros tecnológicos na região encontram-se, na
maioria dos casos, restritas a análises laboratoriais e de certificação. No caso das organizações
governamentais ligadas a pesquisa agrícola como Emater e Embrapa, ao contrário do que ocorre na
região da Serra Gaúcha com o arranjo vitivinícola, as atividades de pesquisa e extensão rural não
apresentam nenhum foco específico no fumo que representa a principal cultura agrícola da região. O
principal foco de atuação destas instituições encontra-se voltado para difusão de programas de
diversificação da produção em nível de propriedade rural.
A Universidade de Santa Cruz do Sul é a principal instituição de pesquisa e formação de
recursos humanos da região. Esta universidade sedia o Pólo de Modernização Tecnológica do Vale
do Rio Pardo que foi constituído na década de 90. Originalmente, a criação deste pólo tecnológico
esteve articulada com um programa coordenado pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado
numa iniciativa que visava a descentralização das ações em C&T no Rio Grande do Sul, através da
constituição de infra-estrutura física e humana voltada para a pesquisa em diferentes regiões do
Estado. Atualmente, o Pólo de Modernização Tecnológica do Vale do Rio Pardo atua nas áreas de
meio-ambiente, alimentos e materiais através da prestação de serviços técnicos de análise e
certificação ou através do desenvolvimento conjunto de produtos e processos com empresas da
região. Apesar da sua infra-estrutura física e humana estar vinculada a Universidade de Santa Cruz
do Sul, a gestão das suas atividades também se encontra subordinada às demandas estabelecidas
pelo Conselho Regional de Desenvolvimento do Vale do Rio Pardo (COREDES) que constitui hoje
uma instância intermediária entre o poder público municipal e o governo do Estado, mas que ainda
possui pouca autonomia na gestão de políticas públicas regionais76.
Outra instituição que apresenta grande importância para o Vale do Rio Pardo, ainda que não
pertença ao entorno político administrativo desta região, é a Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). A importância desta instituição se reflete também na sua forma de interação com as
empresas da região, seja na formação de pessoal como na realização de testes e certificação de
produtos para empresas fumageiras do arranjo. Neste aspecto, a criação de leis cada vez mais
rigorosas com relação a questões ambientais nos países desenvolvidos e o próprio fato dos
76 Uma análise detalhada sobre a origem e funcionalidade dos Coredes e do Programa de Pólos no RS encontra-se no trabalho desenvolvido na primeira etapa desta pesquisa Vargas, Santos e Alievi (1998).
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principais compradores internacionais já estarem realizando testes de resíduos de agrotóxicos no
fumo, resultou na criação de um importante nicho para a interação entre a UFSM e as empresas de
fumo do arranjo. Tal interação resultou, no final da década de 90, no estabelecimento de um
convênio com a UFSM para o repasse de US$ 250 mil para construção de um laboratório especial
para a elaboração de testes e análises visando detectar resíduos de agrotóxicos do fumo. O principal
objetivo das empresas a partir deste convênio foi o de garantir a exportação do fumo brasileiro com
um selo de qualidade ambiental certificado por uma instituição oficial de pesquisa.
No campo da capacitação de recursos humanos, ambas as universidades cumprem um papel
importante na região ainda que não exista nenhuma demanda concreta das empresas do setor
fumageiro com referência a formação de quadros técnicos de nível superior. Neste aspecto, o Centro
de Treinamento do Senai, instituição federal de formação técnica, localizado no município de Santa
Cruz do Sul, mantinha até a década de 90, alguns cursos fechados para as empresas fumageiras na
área de manutenção de máquinas e instalações industriais, segurança em operação de caldeiras,
entre outros.
Em contraste com o arranjo fumageiro, o arranjo coureiro-calçadista apresenta, além de um
extenso conjunto de atores que atuam em diferentes estágios da cadeia produtiva, um complexo
arcabouço institucional voltado tanto para coordenação de relações inter-empresariais como para a
capacitação tecnológica das empresas do arranjo.
Da mesma forma, conforme mencionado anteriormente, no arranjo coureiro-calçadista, as
assimetrias de poder na coordenação do sistema de produção, não residem no controle direto do
sistema de produção pelas empresas transnacionais, mas encontram-se focalizadas nas relações
entre produtores locais de calçados e compradores internacionais. Tais assimetrias se refletem no
controle de estágios específicos da cadeia produtiva - como as atividades relacionadas ao desenho,
comercialização e distribuição - por parte dos grandes compradores internacionais. Neste aspecto, a
crescente inserção do arranjo coureiro-calçadista no mercado externo, a partir da década de 70,
acarretou uma mudança gradual mas significativa no escopo de ação de produtores locais com
relação ao controle de seus principais canais de comercialização e, por consequência, no papel e
importância de diferentes segmentos de atores locais na coordenação do arranjo.
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A predominância de uma cultura associativa na região do Vale dos Sinos consistiu um
elemento importante para consolidação de um expressivo arcabouço institucional no arranjo que, no
decorrer da década de 70, desempenhou um papel relevante na criação de novos canais de
comercialização no mercado externo para as empresas locais. Um dos exemplos mais emblemáticos
da importância desse aparato institucional na coordenação e articulação de atores locais se refletiu
na criação da FENAC (Feira Nacional do Calçado). Juntamente com a Associação Comercial e
Industrial de Novo Hamburgo(ACI-NH), a FENAC, criada da década de 70, foi crucial para a
integração inicial entre produtores locais e compradores internacionais num momento crítico para a
inserção das empresas do arranjo no mercado externo.
Entretanto, na medida em que estes canais de comercialização foram abertos para as
principais empresas do arranjo, as relações de cooperação entre atores locais foram se tornando cada
vez mais tênues, enfraquecendo o papel de organizações locais na coordenação de iniciativas
conjuntas. Por um lado, a existência de empresas que atuam em diferentes estágio s da cadeia
produtiva no arranjo contribuiu para a criação de diversas associações ligadas aos interesses e
necessidades específicas a cada um desses segmentos. Por outro lado, com a crescente inserção das
principais empresas do arranjo no mercado externo, aumentou consideravelmente a importância
associada ao papel desempenhado pelos agentes de exportação no arranjo coureiro-calçadista, que
atuam na intermediação de contratos entre produtores locais e as grandes redes de compra
internacionais, em especial no mercado norte-americano77.
Atualmente, a existência dessa considerável infra-estrutura institucional não constituiu uma
garantia para a existência de esquemas efetivos de interação e cooperação entre os diferentes atores
e/ou segmentos presentes no arranjo. A maior parte das associações empresariais no arranjo foram
estabelecidas no final da década de 80 e no decorrer da década 90, mais como instâncias de
representação dos interesses específicos de cada segmento do que de representação dos interesses
do arranjo produtivo como um todo. Dessa forma, a análise da natureza dos vínculos existentes
entre os atores locais indica que os desenhos institucionais apresentam um alcance limitado no
sentido de engajar atores locais em esquemas de cooperação mútua voltados para a capacitação
produtiva ou em processos de aprendizado interativo.
77 Essa questão também é enfatizada por Schmitz (1999) em sua análise sobre as dificuldades enfrentadas pelas empresas calçadistas do Vale dos Sinos no decorrer da década de 90.
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As principais organizações que atuam na coordenação das relações inter-empresariais no
arranjo coureiro-calçadista são apresentadas no quadro 4.3 abaixo:
QUADRO 4.3 – Organizações de Representação instaladas no Vale dos Sinos Organização Segmento Representado Ano de
Fundação Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo - ACI
Todo o Arranjo Produtivo Calçadista 1920
Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – ABICALÇADOS
Empresas calçadistas 1983
Associação Brasileira dos Exportadores de Calçados e Afins – ABAEX
Basicamente empresas calçadistas exportadoras
1986
Associação das Indústrias de Curtumes do Rio Grande do Sul – AICSUL
Empresas de curtimento e acabamento
1978/9
Sindicato Interestadual da Indústria de Máquinas – SINDIMAQ (atualmente seus membros estão associados a ABRAMEQ)
Empresas fabricantes de máquinas e equipamentos para o complexo
coureiro-calçadista
1978/9 Associação das Indústrias de Componentes para Calçados – ASSINTECAL
Empresas fabricantes de componentes para a Indústria de
calçados
1983 Associação Brasileira de Técnicos em Calçados – ABTC
Representação trabalhista 1985
Associação Brasileira dos Estilistas de Calçados e Afins – ABECA
Representação trabalhista 1990
Fonte: Pesquisa de Campo
Se no decorrer dos anos 70 a cooperação horizontal e multilateral promovida por
organizações locais de apoio ao setor foi crucial para a abertura de novos canais de comercialização
no mercado externo, a partir dos anos 80 foram os agentes exportadores que passaram a assumir
uma importância fundamental na organização das atividades produtivas e inovativas do arranjo.
Desta forma, os esquemas de cooperação entre atores no interior do arranjo tiveram um decréscimo
constante na medida em que as maiores empresas de calçados passaram a buscar uma maior
interação com compradores externos em detrimento das relações de cooperação com seus pares
locais78. Mesmo a Feira Nacional do Calçado (FENAC) que desempenhou um papel histórico
importante na integração dos produtores locais com compradores externos, perdeu gradualmente seu
poder de coesão dos diferentes segmentos do arranjo 79.
78 Schmitz (1999: 1642), enfatiza o impacto decorrente desta diminuição gradual, ainda que contínua, das relações de cooperação entre os diferentes segmentos no arranjo durante os anos 80: “With the rise in shoe exports conflicts of interest became unavoidable: for example, shoe manufacturers wanted easier access to inputs and equipment from abroad while local suppliers fought against it; the needs of large shoe exporters differed from those producing from internal market”. 79 Não obstante esse fato, em sua edição mais recente - a Fenac 2000 - a Feira Internacional do Calçado passou a incorporar uma parceria como a Couromoda e logrou resgatar a participação de algumas das grandes empresas calçadistas do arranjo, como a Azaléia que há 3 anos não participava da feira. Tal fato reflete uma nova estratégia da
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Além deste complexo desenho institucional em termos de organizações vo ltadas para
relações inter-empresariais, o arranjo coureiro-calçadista também apresenta uma invejável infra-
estrutura em termos de organizações ligadas a atividades de pesquisa, desenvolvimento e
treinamento de recursos humanos. No âmbito do treinamento e formação técnica de mão-de-obra, a
região do Vale dos Sinos conta com diversas escolas de calçados e curtimento vinculadas ao
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial-SENAI que preparam a mão-de-obra técnica para
atuar nas áreas da produção de calçados (como modelagem, corte, costura ou supervisão de linha de
produção) e de curtumes (no curtimento do couro propriamente dito).
Entre tais estabelecimentos de ensino e treinamento encontram-se a Escola do Calçado
Ildefonso Simões Lopes, localizada em Novo Hamburgo, e a Escola de Curtimento Senai no
município de Estância Velha80. Adicionalmente, essas escolas prestam serviços tecnológicos às
empresas, mediante a realização de análises químicas em materiais e testes físico-mecânicos para
couro e calçados81. Nesse âmbito de ensino técnico, a Fundação Escola Técnica Liberato Salzano
Vieira da Cunha, em Novo Hamburgo, forma profissionais dirigidos às áreas de química e
mecânica. Além das escolas de formação técnica, a região conta também com duas universidades. A
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) que está localizada em São Leopoldo e a
Fundação de Estabelecimentos de Ensino Superior (FEEVALE) em Novo Hamburgo.
Uma das instituições pioneiras que integra a infra-estrutura tecnológica do arranjo é o Centro
Tecnológico do Couro, Calçados e Afins – CTCCA, fundado em 1972, que se constitui numa
entidade civil sem fins lucrativos, cuja manutenção é feita por um conjunto de empresas associadas,
das áreas de calçados e artefatos, curtumes, máquinas e equipamentos, serviços e componentes. O
CTCCA edita uma das principais publicações técnicas dirigida ao complexo coureiro-calçadista, a
Tecnicouro82, presta assessoria técnica aos associados, treina recursos humanos, realiza análises e
testes, emite laudos técnicos e, em anos recentes, tem auxiliado as empresas com serviços de CAD
(Costa,1993)
feira no sentido de avaliar as mudanças necessárias para ampliar a importância do evento e promover a participação das entidades ligadas ao arranjo (Gazeta Mercantil, 04 de junho de 2000).
80 Existe também outra escola de calçado do SENAI em Franca no estado de São Paulo.
81 O Centro Tecnológico do Calçado - SENAI é credenciado pelo INMETRO (Instituto nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial). A escola já tem disponível equipamento de CAD (Computer Aided Design) em 2 e 3 dimensões, capacitando-a a prestar serviços nessa área. 82 Existem outras publicações dirigidas ao setor como, por exemplo, a revista Lançamentos do Grupo Editorial Sinos.
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O escopo e importância das atividades de pesquisa desenvolvidas através do CTCCA no
arranjo calçadista podem ser ilustradas através de diferentes exemplos. Com relação à solução de
problemas técnicos, recentemente o centro desenvolveu uma nova técnica de colagem de solados
com água num projeto que envolveu a parceria com uma empresa fabricante de máquinas no
arranjo. Essa nova técnica implica na implantação de um novo tipo de equipamento para secagem
acelerada de calçados, já que a colagem aquosa necessita de um maior tempo para secagem. O
equipamento, que já está sendo produzido por um dos fabricantes de máquinas no arranjo, tem
capacidade para 2.000 pares/dia sendo possível acoplar mais módulos e duplicar a capacidade
(Gazeta mercantil, 29/06/2000). Outro exemplo das atividades do CTCCA refere-se a realização de
levantamento de informações sobre tendências de uso de matérias-primas e componentes no
mercado europeu. Essas informações são repassadas à Associação das Indústrias de Componentes
para Calçados (Assintecal), com vistas a auxiliar a antecipação de tendências de mercado.
Entretanto, apesar da importância que assumem as atividades desenvolvidas através da infra-
estrutura tecnológica existente no arranjo, conforme será destacado no próximo capítulo, verifica-se
que ainda existe um reduzido nível de interação entre os atores do segmento produtivo e os centros
de pesquisa e formação de recursos humanos na região. Tal situação reflete, em grande parte, a crise
que tem assolado a indústria calçadista gaúcha desde a década de 90, e se traduz, por exemplo, na
difícil situação financeira do CTCCA nos últimos anos. O centro apresenta um elevado grau de
endividamento com bancos oficiais e enfrenta atualmente o risco de encerrar suas atividades na
medida em o governo e as empresas associadas não logrem definir um projeto para reestruturação
do Centro.
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4.3 – arranjos produtivos articulados com instâncias locais de coordenação
A análise das estruturas de governança dos arranjos produtivos vitivinícola e moveleiro na
Serra Gaúcha oferece um contraponto importante para discussão sobre o impacto da interação entre
instâncias globais e locais de coordenação na dinâmica competitiva e inovativa de aglomerações nos
países em desenvolvimento. Além de atuarem predominantemente no mercado doméstico (regional
e nacional), ambos arranjos apresentam uma elevada autonomia na organização e controle das suas
atividades produtivas e inovativas, o que os diferencia tanto do arranjo coureiro-calçadista como do
arranjo fumageiro.
As estruturas de governança local se manifestam de forma diferenciada em cada um dos
arranjos. No arranjo moveleiro, apesar do predomínio de micro e pequenas empresas na região,
verifica-se que a principal instância de coordenação do arranjo reside num núcleo reduzido de
grandes e médias empresas que congrega alguns dos principais fabricantes de móveis no país. Tais
empresas desempenham um papel fundamental na organização de redes de subcontratação
envolvendo o segmento de MPEs na região e são responsáveis por mais de 90% das exportações de
móveis do arranjo. Neste aspecto, é importante observar que apesar de existirem alguns produtores
locais articulados com redes internacionais de compra, a grande maioria das grandes e médias
empresas de móveis do arranjo apresenta uma inserção qualificada no mercado externo que envolve
a comercialização de móveis com desenhos e marcas próprias.
Em termos de desenhos institucionais, o arranjo moveleiro conta com associações de classe
que têm uma participação ativa na promoção de iniciativas conjuntas e programas de apoio ao
desenvolvimento de empresas locais. Duas associações de classe, respondem pelas principais ações
de coordenação das relações inter-empresasariais no arranjo. A Associação das Indústrias de
Móveis do Estado do Rio Grande do Sul – MOVERGS, foi fundada em 1987 no município de
Bento Gonçalves e agrega cerca de 230 empresas associadas que atuam em 51 municípios da Serra
Gaúcha. Criada com o objetivo de desenvolver e representar o setor moveleiro da região, esta
associação tem uma expressiva representatividade na promoção de diversas iniciativas conjuntas no
arranjo e na participação em diferentes fóruns para discussão de políticas para o setor moveleiro.
Além de representar o arranjo em diferentes comissões e programas (SEBRAE/Export,
Programa Brasileiro de Design, Programa Gaúcho de Design e junto a Secretaria Estadual de
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Desenvolvimento e Assuntos Internacionais através da Câmara Setorial Moveleira), a MOVERGS é
também a entidade promotora da Feira Internacional de Máquinas Matérias-primas e Acessórios
para a Indústria Moveleira –FIMMA Brasil, que é realizada a cada dois anos e que se encontra na
sua quinta edição. De acordo com as informações da própria associação, atualmente, esta feira é
considerada o maior evento do gênero na América Latina e um dos maiores do mundo, agregando
mais de 700 expositores, nacionais e internacionais, entre fabricantes de móveis locais, fabricantes
de máquinas e equipamentos e diversos segmentos de fornecedores especializados e prestadores de
serviço para a indústria moveleira.
Juntamente com a MOVERGS, o Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves
- Sindimóveis, fundado em 1977, também apresenta uma participação ativa na coordenação das
relações inter-empresariais e na interface entre atores do arranjo e instâncias externas. O
Sindimóveis conta com cerca de 130 empresas associadas e tem cumprido um papel importante no
estabelecimento de contatos e convênios com organizações e entidades de vários países como
Estados Unidos, Alemanha, Itália, França e México no sentido de abrir novos canais de
comercialização para as empresas do arranjo. Da mesma forma, o sindicato também é responsável
pela organização da MOVELSUL, uma Feira de Móveis –que tem o objetivo de incentivar a criação
de novos canais de comercialização para produtores locais.
Cabe ressaltar que a importância destas duas entidades na organização da maior parte das
iniciativas conjuntas no ar ranjo reflete o fato de que a aglomeração industrial de móveis na Serra
Gaúcha apresenta ainda uma densidade baixa em termos da presença na região dos diferentes
segmentos de empresas que integram a cadeia produtiva de móveis. Assim, a predominância que
assume o segmento de fabricantes de móveis no arranjo facilita o estabelecimento de ações
conjuntas entre atores locais tendo em vista a convergência de interesses. Tal situação difere, por
exemplo, daquela verificada no arranjo coureiro-calçadista, onde a existência de interesses
conflitantes entre os diferentes segmentos de empresas no arranjo (como por exemplo entre
calçadistas e curtumes) tornou-se, na década de 90, uma barreira quase intransponível para
promoção de ações cooperativas envolvendo os diferentes segmentos de atores no arranjo.
Do ponto de vista da infra-estrutura educacional e tecnológica, a existência de um núcleo de
instituições específicas de apoio tecnológico e formação de recursos humanos, também constitui-se
numa das principais externalidades do arranjo moveleiro da Serra Gaúcha. Neste aspecto, a região
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conta com um dos principais centros destinados à formação de mão-de-obra e capacitação
tecnológica da indústria moveleira no Brasil, o CETEMO – Centro Tecnológico do Mobiliário,
também vinculado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). O CETEMO foi
criado em 1983, a partir de uma iniciativa que envolveu uma ampla articulação entre as empresas
moveleiras na região, com o objetivo de fornecer cursos de aprendizado e treinamento para
qualificação da mão-de-obra local, além de servir como núcleo de informações tecnológicas para o
setor. Atualmente, o CETEMO é considerado um Centro Nacional de Tecnologia que serve de
referência para toda a indústria de móveis no país 83.
Na área de educação tecnológica, o CETEMO atende a cerca de 2000 alunos/ano que
participam de cursos de qualificação, aprendizagem e treinamento na área de mobiliário e madeira.
Em 1994, um convênio com a Universidade de Caxias de Sul e com o Sindicato das Indústrias da
Construção e do Mobiliário (Sindimóveis) possibilitou a criação de um curso superior de Tecnólogo
em Móveis.
Desde 1997, o CETEMO conta com o Núcleo de Apoio ao Design – NAD, com o objetivo
de fortalecer a capacitação das empresas no desenvolvimento de novos produtos através da
formação de um banco de designers e da realização de treinamentos e ações envolvendo o uso do
design no desenvolvimento de produtos. Esta iniciativa resultou de uma articulação com o
Ministério de Ciência e Tecnologia no âmbito de um programa mais amplo - denominado Programa
Brasileiro de Design - voltado para o desenvolvimento de capacitação em design em setores
estratégicos da indústria brasileira.
Além disso, o processo de reestruturação que vem sendo promovido pelo CETEMO desde
1998, permitiu também a expansão das atividades relacionadas à prestação de serviços de
assistência técnica e tecnológica. Esse processo envolveu a alocação de recursos para ampliação de
laboratórios de ensaios e outros departamentos ligados a produção de protótipos de móveis de
madeira e móveis tubulares. A realização destes investimentos foi viabilizada através da articulação
de um conjunto de instituições ligadas ao setor como sindicatos e demais entidades de classe. O
processo de qualificação do centro envolve também um projeto de cooperação técnica com o
83 Além do CETEMO, destacam-se também outros dois centros tecnológicos ligados ao setor moveleiro no Brasil atualmente: A Fundação de Ensino, Tecnologia e Pesquisa (Fetep), de São Bento do Sul (Santa Catarina) e o Centro Tecnológico da Madeira e do Mobiliário (Cetmam), de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba (Paraná), ambos ligados ao SENAI.
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Canadá, onde diversos técnicos do CETEMO são enviados para treinamento. Periodicamente, o
centro recebe técnicos canadenses para desenvolvimento de ações conjuntas de apoio tecnológico às
industrias do setor. Atualmente, o corpo técnico do centro atua numa ampla gama de áreas de apoio
às empresas tais como: Engenharia Florestal, Secagem de Madeira, Desenvolvimento de Produto,
Pré-Corte e Usinagem de Madeira, Preparação e Colagem de Lâminas, Pinturas, Lay-Out Industrial
e Melhoramento de Processos de Produção, entre outras.
Uma terceira linha de atuação do CETEMO envolve a criação do núcleo de informação
tecnológica em mobiliário e madeira – NIT/MM, que tem como função divulgar informações
tecnológicas, normas técnicas, patentes industriais, além de produzir publicações tais como manuais
técnicos e boletins de divulgação sobre o setor. Este núcleo integra a Rede Nacional de Informação
Tecnológica e conta atualmente com mais de 10 mil informações sobre equipamentos, máquinas e
produtos para a área moveleira.
O Centro mantém ainda convênios com empresas para o desenvolvimento conjunto de
produtos, envolvendo pesquisa aplicada em novos materiais, com o objetivo de utilizar madeiras
alternativas e reflorestáveis na produção de móveis, como, por exemplo, o eucalipto, o cinamomo, a
grevilha e a uva-japão. Cabe destacar os convênios com a empresa chilena Masisa na utilização do
MDF e com a Flosul, do Grupo Renner, na utilização de eucalipto, este último envolvendo o
desenvolvimento de secagem da madeira, colagem dos painéis, usinagem e acabamento dos móveis.
Desse projeto participaram 10 empresas moveleiras do Rio Grande do Sul, entre as quais a
Artesano, a Politorno, a Tremorim, a Luneli, entre outras. Há ainda convênios internacionais com o
Canadá (há nove anos), que possui um grande centro tecnológico de processamento da madeira, e
com a Espanha (em perspectiva) (Santos, 1998).
Finalmente, a Universidade de Caxias do Sul- UCS também desempenha um papel
importante no processo de capacitação de atores locais através do Campus localizado no município
de Bento Gonçalves que conta com o Centro de Tecnologia em Produção Moveleira. O Centro
possui cerca de 35 profissionais entre técnicos, mestres e doutores que atuam na formação de
recurso humanos, pesquisa básica, assistência técnica e análise de materiais e produtos. O Campus
Universitário oferece curso de graduação em Tecnologia Moveleira e Curso de Pós-graduação em
Design Industrial. Os cursos foram elaborados em parceria com as demais instituições do arranjo
com o objetivo de obter uma formação adequada às necessidades do setor moveleiro. A demanda
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pelos cursos provém principalmente dos principais pólos moveleiros do Brasil como Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e São Paulo.
A estrutura de governança no arranjo vitivinícola, por sua vez, apresenta um caráter mais
difuso na medida em que não está atrelada somente ao papel das grandes vinícolas que atuam no
arranjo. Neste aspecto, apesar de compartilhar algumas características estruturais em comum com o
arranjo fumageiro, tais como a presença de vinícola transnacionais e a própria natureza agro-
industrial das sua atividades produtivas, o arranjo vitivinícola apresenta formas de coordenação de
desenhos institucionais diferenciados.
Em primeiro lugar, as relações entre produtores rurais e as vinícolas da região da Serra
apresentam um perfil consideravelmente distinto daquele presente no complexo agro- industrial
fumageiro onde predominam vínculos de dependência e subordinação através do sistemas
integrados de produção. Tais diferenças são explicadas inicialmente pelo elevado grau de
associativismo nas relações entre produtores rurais e a indústria vinícola na região. Atualmente, este
arranjo conta com cerca de 23 cooperativas vinícolas que respondem por aproximadamente 35% de
toda a produção brasileira de vinho. Da mesma forma, essa integração de produtores através de
cooperativas vinícolas apresenta formas de coordenação diversas daquelas verificadas no arranjo
fumageiro, onde um número reduzido de grandes empresas domina os canais de comercialização do
fumo processado no mercado internacional. Adicionalmente, cerca da metade de toda a produção de
uvas no arranjo vitivinícola ainda é oriunda de vinhedos próprios mantidos pelas principais
empresas do arranjo ou pelas cantinas familiares que se dedicam à produção de vinhos finos.
Em segundo lugar, no âmbito das relações entre as empresas vinícolas, a existência de
segmentos diferenciados operando em canais de comercialização diversos contribuiu para a
constituição de um arcabouço institucional bastante rico e que se reflete no conjunto de associações
empresariais presentes no arranjo. Não obstante o fato destas associações atuarem na representação
dos interesses específicos dos diferentes segmentos, percebe-se um elevado grau de articulação
entre elas na promoção de ações conjuntas ligadas, em particular, ao projeto de reconversão
produtiva do setor vitícola na região e iniciativas voltadas à abertura de novos nichos de mercado.
Da mesma forma, essas instituições , descritas no quadro abaixo, desempenham um papel
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importante na disseminação de informações e no processo de capacitação inovativa de atores locais,
conforme será visto mais adiante nesta tese84.
QUADRO 4.4 - Principais organizações de coordenação das relações inter empresariais no arranjo vitivinícola
- União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), fundada em 1967: conta com cerca de 150 associados em nível nacional além de concentrar a maioria das empresas que atuam na produção de vinhos finos na região.
- Associação Gaúcha de Vinicultores (AGAVI): representa os interesses de cerca de 60 pequenos e médios produtores dedicados a produção de vinhos comuns no Rio Grande do Sul.
- Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (APROVALE): criada em 1997, congrega 11 adegas de vinho finos que possuem vinhedos próprios e constituem o seleto grupo de pequenas cantinas familiares agrupadas em torno do objetivo comum de viabilizar a criação de um selo de origem controlada no Brasil.
- Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul e Federação das Cooperativas Vinícolas (OCERGS/FECOVINHO): fundada em 1952, representa hoje cerca de 22 cooperativas vinícolas.
- Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN), criado no início da década de 90 com o intuito de coordenar o processo de reconversão do setor vitivinícola brasileiro através do Fundo de Apoio ao Setor Vitivinícola – Fundovitis, criado pelo governo do Estado.
A constituição do Instituto Brasileiro do Vinho – IBRAVIN no decorrer da década de 90,
constitui-se no exemplo mais expressivo do esforço conjunto empreendido pelos diferentes
segmentos de vinícolas locais na reestruturação produtiva do arranjo. O IBRAVIN foi criado
originalmente com a proposta de gerir e executar uma série de projetos aprovados através do
chamado Fundo de Apoio ao Setor Vitivinícola (Fundovitis) constituído com recursos oriundos da
renúncia fiscal do governo do Estado. Inicialmente, o instituto logrou aglutinar o interesse das
principais associações do setor em torno de um amplo esforço de reconversão de toda a cadeia
produtiva vitivinícola. Esse processo seria alavancado pelo desenvolvimento de projetos que
abarcavam aspectos como o estudo do mercado brasileiro de vinho, a realização de um cadastro
vitivinícola na região, o zoneamento agroclimático, uma nova proposta de legislação para o setor,
entre outros. O Instituto passou a ser visto como uma instância potencial para regulação e controle
do setor emulando, em parte, um modelo que foi aplicado com sucesso no processo de reconversão
do setor vitivinícola no vizinho Uruguai no decorrer da década de 80 85. Da mesma forma, a sua
84 A participação das associações empresariais no processo de desenvolvimento do arranjo vitivinícola ocorre através de diferentes formas, tais como: promoção de contatos e troca de experiências entre as empresas na região, organização de viagens de estudos ao exterior ou organização das empresas para participação em feiras e concursos internacionais. 85 Para uma discussão detalhada sobre o processo de reconversão do arranjo vitivinícola uruguaio ver Snoeck (1999).
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estrutura refletia o interesse crescente em aproximar as demandas da cadeia produtiva do esforço de
pesquisa desenvolvido nos centros de pesquisa e universidades da região86.
Os grandes desafios que se colocam para o arranjo vitivinícola da Serra Gaúcha, atualmente,
encontram-se justamente nos dois extremos da cadeia produtiva. Em primeiro lugar, o arranjo ainda
tem um longo caminho a trilhar em termos da qualificação da etapa de produção agrícola, em
termos do aumento do percentual de produção de variedades nobres destinadas a produção de
vinhos, na maior seleção das variedades plantadas pelos produtores ou na melhoria dos sistemas de
produção com vistas ao aumento da produtividade 87. Um segundo grande desafio que se coloca
para o arranjo vitivinícola, intimamente ligado ao primeiro, reside na ampliação do mercado para a
indústria vinícola brasileira. A participação do arranjo vitivinícola da Serra gaúcha, que representa
grande parte da indústria vinícola brasileira ainda é reduzida tanto no mercado internacional como
no mercado interno que apresenta um grande potencial consumidor88. Esta discussão será detalhada
na análise apresentada no próximo capítulo.
Finalmente, em termos da infra-estrutura educacional e tecnológica, o Centro Nacional de
Pesquisa de Uva e Vinho da EMBRAPA - CNPUV e a Escola Agrotécnica Federal Juscelino
Kubitschek, ambos localizados no município de Bento Gonçalves, constituem-se nos principais
centros de pesquisa e de formação de recursos humanos do arranjo vitivinícola na região da Serra
Gaúcha. Neste aspecto, cabe ressaltar que apesar dos arranjos vitivinícola e moveleiro
compartilharem de um mesmo entorno territorial, ambos apresentam tanto um arcabouço
institucional próprio que opera na coordenação das relações entre atores no arranjo, como também
uma infra-estrutura educacional e tecnológica específica e bastante completa.
O CNPUV da Embrapa, é um centro de referência nacional para pesquisa vitivinícola. O
centro foi criado em 1975, durante o ciclo de modernização do setor vitivinícola na região, e tem
como função principal o desenvolvimento de tecnologias de produto e de processo relacionadas ao
86 O exemplo mais claro desse objetivo se traduziu na escolha de um pesquisador da Embrapa ligado ao Centro Nacional de Pesquisa da Uva e do Vinho – CNPVU para a presidência do instituto. 87 O Uruguai consiste na melhor e mais próxima referência em termos deste tipo de mudança. Num período de menos de 20 anos, o complexo vitivinícola uruguaio logrou empreender um processo de reconversão produtiva que levou a uma mudança radical no perfil da sua produção vitícola, aumentando a competitividade do setor em nível internacional. 88 O consumo per capita de vinho no Brasil encontra-se hoje em torno de 2 litros/ano enquanto que é de 48 litros/ano na Argentina e 33 litros/ano no Uruguai. Adicionalmente, cerca de 20% do consumo brasileiro ainda corresponde a importações de países como Argentina, Chile, Alemanha e França.
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complexo agro-industrial vitivinícola. A Escola Agrotécnica Federal Juscelino Kubitschek, por sua
vez, foi constituída ainda em 1959 sendo a única instituição de ensino do Brasil que oferece a
habilitação de técnico em Enologia em nível de segundo grau e técnico. Desde 1995 a escola
agrotécnica passou a oferecer também um curso superior de tecnologia em Vitivinicultura e
Enologia. Neste sentido, a escola constitui-se num importante núcleo de formação de recursos
humanos em nível local e regional que, no decorrer das ultimas décadas, já formou cerca de 1500
técnicos. O curso superior em vitivinicultura e enologia conta atualmente com 44 alunos, a grande
maioria dos quais oriundos da própria região. A fim de viabilizar a criação deste curso, a escola
contou com a participação da ENFA – (Escola Nacional de Formação Agronômica) de Toulouse na
França e com o apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Da mesma forma, a
escola mantém convênios de cooperação com diversas organizações ligadas ao setor no Brasil e no
Exterior
4.4 – Conclusões
A variedade em termos de formas de coordenação e desenhos institucionais nos diferentes
formatos de arranjos produtivos estudados constitui-se num aporte analítico importante para avaliar
o escopo de ação de atores locais nas estratégias de capacitação produtiva e inovativa dessas
aglomerações. Por um lado, na medida em que se focaliza a interação entre instâncias locais e
globais de coordenação, verifica-se as limitações e assimetrias nas relações de poder que resultam
da inserção no mercado externo através de cadeias globais de valor, sejam estas controladas por
compradores ou por produtores. Por outro lado, o predomínio de estruturas locais de governança
demonstra que estratégias de capacitação produtiva e inovativas em âmbito local podem estar
associadas à diferentes formas de governança pública e privada que implicam em graus variados de
simetria nas relações de poder entre atores locais.
O quadro abaixo, procura sistematizar as características das estruturas de governança e
desenhos institucionais presentes em cada um dos arranjos estudados. Conforme destacado
inicialmente, tal sistematização tem como ponto de partida a diferenciação dos arranjos de acordo
com o seu grau de articulação com instâncias globais ou locais. Com base nesta diferenciação
busca-se identificar as principais instâncias de coordenação dos arranjos, locais ou externas; o papel
dos desenhos institucionais; e a importância associada à infra-estrutura educacional e tecnológica no
processo de capacitação de atores locais.
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QUADRO 4.5 - Estruturas de governança e desenhos institucionais nos arranjos
Arranjos \ fatores Principal instância de coordenação
Papel dos desenhos institucionais
Papel da infra-estrutura educacional e tecnológica
Arranjos articulados com instâncias globais de coordenação
Fumo Externa: baseada no controle direto das subsidiárias de EMNs na propriedade do capital de empresas ligadas à compra e beneficiamento de fumo em folha
Inexistente : limitado a reforçar relações de subordinação entre produtores locais e grandes conglomerados internacionais
limitado a realização de análises laboratoriais e certificação
Calçados Local: na organização do sistema de produção pelos grandes fabricantes de calçados Externa: nas atividades de desenho, distribuição e comercialização através da relação entre empresas calçadistas e compradores internacionais
Restrito : Conflitos de interesses entre diferentes segmentos do arranjo dificultam a promoção de ações cooperativas
Abarcam principalmente atividades de formação de recursos humanos; realização de testes e análises, com poucas atividades de desenvolvimento conjunto especialmente nas atividades de design:
Arranjos articulados com instâncias locais de coordenação Vinho Local: Não existe uma
estrutura de governança definida. O arranjo abarca vinícolas que atuam com diferentes canais de comercialização no segmento de vinhos comuns e vinhos finos
Ativo : cumprem papel importante tanto na representação de diferentes segmentos de vinícolas como na organização de ações conjuntas
Maior importância e inserção no estágio de produção vitícola e na formação de recursos humanos (enólogos)
Móveis Local: Elevada influência das grandes e médias empresas na organização do sistema de produção através das redes de subcontratação envolvendo o segmento de MPEs
Ativo : particularmente em ações cooperativas horizontais ligadas ao adensamento da cadeia produtiva local e abertura de novos nichos de mercado
Maior participação em atividades de formação de recursos humanos.
Conforme é ilustrado pelo quadro, nos arranjos articulados com instâncias globais de
coordenação (fumageiro e coureiro-calçadista) o papel dos desenhos institucionais, no sentido de
promover ações cooperativas voltadas à capacitação de atores locais, se mostra restrito ou mesmo
inexistente.
Além disso, conforme destacado anteriormente, a reduzida influência de atores locais na
dinâmica de desenvolvimento do arranjo se manifesta de forma diversa. No arranjo fumageiro, a
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assimetria nas relações entre atores locais e instâncias externas de coordenação se deve ao controle
direto do capital das principais empresas que operam na compra e beneficiamento de fumo em folha
por parte de subsidiárias de empresas transnacionais. Esse núcleo reduzido de grandes empresas
exerce a governança privada do arranjo através da coordenação do sistema local de produção e do
controle direto dos principais canais de comercialização no mercado externo. Neste aspecto, os
desenhos institucionais do arranjo se limitam a reforçar as relações de subordinação entre um
extenso contingente de produtores rurais concentrados na região e as empresas que atuam na
compra e beneficiamento do fumo em folha.
No arranjo coureiro-calçadista, a coordenação externa se reflete em particular através da
inserção de algumas das principais empresas calçadistas da região em cadeias globais dominadas
por compradores. Esse núcleo de empresas exerce elevada influência nas estratégias de
desenvolvimento do arranjo, porém, na medida em que encontra-se subordinado a cadeias de
produção coordenadas por compradores internacionais, seu escopo de ação encontra-se, em grande
parte, limitado à esfera da produção.
Assim, por um lado, a articulação com compradores internacionais contribui para o processo
de capacitação das empresas em atividades relacionadas ao processo produtivo, tais como o
atendimento de especificações em termos de qualidade, custos e prazos. Por outro, tal articulação
também dificulta ou mesmo impede a capacitação das empresas em atividades de ma ior valor
agregado como desenho e comercialização, na medida em que essas atividades se sobrepõe ao
domínio de competências dos compradores internacionais que exercem o controle sobre a cadeia
produtiva.
Cabe ressaltar, entretanto, que apesar da clara influência exercida pelos compradores
internacionais nas estruturas de governança do arranjo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos,
verifica-se também a existência de um importante segmento de empresas calçadistas no arranjo que
tem adotado formas alternativas de inserção no mercado externo e doméstico. Na medida em que
não se encontram subordinadas a cadeias internacionais de compra, tais empresas apresentam maior
capacidade de coordenação sobre estágios avançados da cadeia produtiva de calçados, atuam com
marcas próprias e apresentam maior capacitação em atividades de desenho, comercialização e
distribuição.
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No caso dos arranjos moveleiro e vitivinícola na Serra Gaúcha, a predominância de
instâncias locais de coordenação do sistema de produção se traduz em termos de diferentes formas
de governança pública e privada. Em ambos os casos, tais estruturas estão associadas ao papel ativo
dos desenhos institucionais em âmbito local no sentido de promover ações coletiva voltadas para a
reestruturação produtiva e a capacitação inovativa das empresas.
No arranjo vitivinícola, as associações empresariais ligadas aos diferentes segmentos de
vinícolas da região desempenham um papel fundamental na governança privada do arranjo, através
da organização de iniciativas conjuntas voltadas para qualificação da produção vitícola, e na
abertura de novos canais de comercialização. Tais iniciativas envolvem também formas públicas de
governança, seja através de programas estaduais de apoio ao desenvolvimento do setor vitivinícola,
como o Fundovitis, ou através da participação de instituições públicas de pesquisa como o CNPUV-
Embrapa. Da mesma forma, é interessante observar que os diferentes segmentos de vinícolas
exercem uma governança difusa na organização do sistema de produção do arranjo. Por um lado,
conforme destacado no capítulo anterior, as grandes vinícolas representam menos de 2% do
universo de empresas, mas respondem por mais de 30% da produção do arranjo. Tais empresas
apresentam alguma importância na organização do sistema de produção, mas não respondem pela
liderança em termos de inovações ou na abertura de novos canais de comercialização. Por outro
lado, o segmento de pequenas cantinas familiares produtoras de vinhos finos apresenta reduzida
influência na organização do sistema de produção do arranjo, mas detém atualmente o maior
dinamismo inovativo no arranjo.
Tal situação contrasta, em parte, com a do arranjo moveleiro onde, além do papel
desempenhado pelas associações empresariais locais na promoção de iniciativas conjuntas, percebe-
se também a importância que assume o núcleo de grandes e médias empresas na governança local
do sistema de produção. Da mesma forma, ao contrário do que ocorre no arranjo coureiro-
calçadista, esse núcleo de grandes e médios fabricantes de móveis não se encontra atrelado com
cadeias globais de produção e apresenta uma inserção qualificada no mercado doméstico e externo
através de marcas e canais próprios de distribuição. Da mesma forma, conforme enfatizado
anteriormente, estas empresas desempenha m um papel importante na governança do arranjo através
da organização de redes de subcontratação envolvendo PMEs locais, na qualificação da mão-de-
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obra e no estabelecimento de padrões de inovação que são incorporados pelas demais empresas do
arranjo.
Finalmente, a análise sobre o papel da infra-estrutura educacional e tecnológica local, aponta
para limitações importantes em todos os arranjos. No arranjo fumageiro, as organizações ligadas à
infra-estrutura educacional e tecnológica na região não apresentam nenhuma relevância na
organização e coordenação dos fluxos de conhecimento e informação que servem de base para
capacitação de atores locais. Neste aspecto, dentre as aglomerações estudadas, apenas a de fumo no
Vale do Rio Pardo não conta com uma infra-estrutura educacional e tecnológica voltada
exclusivamente para as necessidades de P&D do arranjo. Nos arranjos moveleiro e coureiro-
calçadista, verifica-se, por um lado, uma densidade considerável de centros de pesquisa, escolas
técnicas e outras organizações que atuam na pesquisa tecnológica aplicada e na formação de
recursos humanos ligados a área específica de atuação das empresas do arranjo. Por outro lado,
essas organizações ainda enfrentam dificuldades no sentido de estabelecer canais de comunicação
sistemáticos e eficientes voltados para troca de informações e conhecimentos.
A exceção, neste caso fica por conta do arranjo vitivinícola onde a análise da infra-estrutura
educacional e tecnológica revela que, além da existência de um conjunto de organizações que atuam
na geração e disseminação de informações e conhecimentos no arranjo, existe também um grau de
interação maior desta infra-estrutura com atores do segmento produtivo.
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5 - MECANISMOS DE APRENDIZADO E ESTRATÉGIAS INOVATIVAS
5.1 - Introdução
A análise desenvolvida neste capítulo considera a relação entre o processo de capacitação
produtiva e inovativa dos arranjos estudados e a existência de mecanismos formais e informais de
aprendizado envolvendo empresas e demais segmentos de atores locais e/ou externos aos arranjos.
Em particular, busca-se identificar em que medida as estratégias inovativas de empresas que
integram o segmento produtivo principal dos arranjos são baseadas em vínculos de cooperação com
atores locais ou estão subordinadas ao papel de atores externos aos arranjos.
Conforme destacado anteriormente, os sistemas de conhecimento que servem de base para a
capacitação produtiva e inovativa de empresas que integram arranjos locais não se limitam,
necessariamente, ao uso de fontes locais de conhecimento e informação. Entretanto, a natureza da
articulação entre fontes locais e externas de conhecimento e informação assume uma importância
decisiva na dinâmica competitiva e inovativa dos arranjos.
Assim, os mecanismos de aprendizado e estratégias inovativas adotadas nos diferentes
formatos de arranjos são discutidos a partir de três aspectos principais. O primeiro envolve as
características gerais do processo de capacitação produtiva e inovativa em cada um dos arranjos. O
segundo refere-se à natureza dos vínculos de interação e cooperação envolvendo empresas e
diferentes segmentos de atores em âmbito local. O terceiro está relacionado à origem das principais
fontes de informação e conhecimento usadas para a adoção de inovações nas empresas e investiga
em que medida tais fluxos têm origem predominantemente local ou estão baseados, total ou
parcialmente, em fontes externas.
O desenvolvimento desta análise envolve algumas opções metodológicas. Em primeiro
lugar, a discussão encontra-se focalizada principalmente no conjunto de empresas que integra o
segmento produtivo principal da cadeia produtiva a qual cada arranjo está associado. Tal abordagem
apresenta limitações no caso de arranjos como o coureiro-calçadista, onde a elevada densidade da
cadeia-produtiva local implica na existência de padrões de incorporação de inovações bastante
diversos entre os diferentes segmentos de atores locais. Essa limitação é parcialmente contornada na
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medida em que se destaca, quando possível, as especificidades associadas aos mecanismos de
aprendizado e estratégias inovativas de segmentos diferenciados de atores nos arranjos.
Em segundo lugar, como foi salientado anteriormente, considera-se que o processo de
mudanças no ambiente econômico e institucional da economia brasileira no decorrer da década de
90 teve um impacto profundo sobre as formas de organização de atividades produtivas e inovativas
em todos os arranjos analisados. Neste aspecto, o estudo das transformações nos mecanismos de
aprendizado e estratégias inovativas dos arranjos é feito a luz do impacto das reformas estruturais na
economia brasileira a partir da segunda metade da década de 90.
O capítulo inicia com uma caracterização geral do processo de capacitação tecnológica nos
diferentes arranjos. Tal análise baseia-se nas informações obtidas através da pesquisa de campo e
reflete as principais modificações em produtos e processos produtivos adotadas pelas empresas no
segmento produtivo principal dos arranjos, no decorrer da segunda metade da década de 90. Com
base nesta caracterização inicial, a terceira seção discute a natureza dos mecanismos de aprendizado
presentes nos arranjos a partir de elementos que abarcam: a origem das principais fontes de
informação e conhecimento que servem de base para adoção de inovações; e a natureza e
intensidade das formas de interação e cooperação entre atores locais. Tal análise baseia-se no
mesmo tipo de recorte utilizado nos capítulos anteriores e distingue os arranjos de acordo com seus
principais canais de comercialização e formas de articulação com instâncias globais ou locais de
coordenação. Finalmente, a quarta seção apresenta uma sistematização sobre os mecanismos de
aprendizado e discute a natureza das estratégias inovativas adotadas em cada arranjo.
5.2. Características gerais do processo de capacitação produtiva e inovativa
A observação das evidências empíricas sobre as formas de capacitação produtiva e inovativa
nos arranjos permite destacar a natureza das atividades que levam à incorporação de novos produtos
e processos nas empresas que integram o segmento produtivo principal dos arranjos. Cabe destacar
que todos os arranjos produtivos apresentam um elevado grau de heterogeneidade em termos do
nível de capacitação produtiva e inovativa nos diferentes segmentos de empresas que participam da
cadeia produtiva local. Tal heterogeneidade se mostra ainda mais evidente nos arranjos de calçados
e móveis onde o grau de atualização tecnológica das maiores empresas contrasta sobremaneira com
a reduzida dinâmica inovativa do segmento de micro e pequenas empresas.
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Adicionalmente, na medida em que se analisa o perfil das atividades relacionadas à
incorporação de novos produtos e processos nos diferentes segmentos de empresas dos arranjos,
percebe-se um elevado dinamismo inovativo que se contrapõe à visão geralmente difundida sobre
os chamados “setores tradicionais”. Por um lado, verifica-se nos diferentes arranjos a existência um
fluxo considerável de inovações em produtos e processos que se originam a partir de relações com
fabricantes de equipamentos e de insumos especializados. Este é o caso, por exemplo, do arranjo
fumageiro onde grande parte das inovações incorporadas no estágio de beneficiamento industrial
está relacionada com relações do tipo usuário -produtor estabelecidas com fabricantes de
equipamentos. Por outro lado, verifica-se também que em arranjos como os de móveis e calçados,
inovações relacionadas com atividades como design e marketing, entre outras, têm assumido uma
importância crescente no processo de capacitação inovativa e competitiva das empresas. Além,
disso, mesmo nos arranjos agro- industriais vitivinícola e fumageiro, é possível apontar um conjunto
não desprezível de inovações de produto e processo que emergem a partir de bases de conhecimento
extremamente comp lexas relacionadas a avanços científicos oriundos de campos como
biotecnologia e bioquímica.
Tais evidências remetem a duas questões relevantes para o escopo da análise sobre os
mecanismos de aprendizado e estratégias inovativas nos arranjos produtivos, apresentados neste
capítulo. A primeira refere-se às limitações inerentes ao estudo de aglomerações produtivas a partir
de um recorte unicamente setorial. Conforme destacado no segundo capítulo, tal visão tende a
negligenciar o caráter cada vez mais mutável das fronteiras entre diferentes bases de conhecimento
que podem ser associadas a determinados setores industriais. A segunda questão remete à noção de
inovação discutida no referencial teórico desta tese. Neste sentido, a inovação é considerada como o
resultado de processos de aprendizado que são interativos e localizados na medida em que emergem
de trajetórias cumulativas e construídas historicamente, de acordo com especificidades
institucionais e padrões de especialização associados a um determinado cont exto territorial.
No escopo de análise deste capítulo, considera-se uma noção mais ampla de inovação como
um processo no qual “as empresas dominam e implementam o desenvolvimento e a produção de
bens e serviços que sejam novos para elas, independentemente do fato de serem novos para seus
concorrentes – domésticos ou internacionais” (Ernst, Mytelka e Ganiatsos, 1998:12-13 apud
Cassiolato, 2000).
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A discussão sobre os padrões de incorporação de inovações nos diversos arranjos baseia-se,
portanto, nessa noção mais ampla sobre o processo de inovação, ao mesmo tempo em que procura
identificar pontos em comum associados ao perfil de capacitação entre os estudos de casos. Em
particular, no caso dos arranjos fumageiro e vitivinícola, destaca-se a distinção entre o conjunto de
inovações relacionadas, alternativamente, ao estágio de produção agrícola e aos estágios de
processamento industrial. Já nos arranjos moveleiro e coureiro-calçadista, a discussão sobre o perfil
de capacitação do arranjo enfatiza a existência de padrões diferenciados de incorporação de
inovações associados ao porte das empresas.
A análise sobre o perfil dos mecanismos de aprendizado nos arranjos fumageiro e
vitivinícola permite ressaltar a importância da incorporação de inovações no estágio de produção
agrícola. Evidentemente, também é possível estabelecer a importância dessas ligações para trás nos
demais arranjos analisados. No arranjo moveleiro, tais ligações remetem ao manejo de florestas e ao
beneficiamento da madeira. No arranjo coureiro-calçadista, tais ligações abarcam desde as
atividades pecuárias até o processo de curtimento do couro. Entretanto, verifica-se que no caso do
arranjo fumageiro e vitivinícola a incorporação de inovações no estágio de produção agrícola não
somente constitui um fator crítico para competitividade como ocupa um espaço central na
organização do sistema de produção e conhecimento de ambos os arranjos.
No arranjo fumageiro, a incorporação de inovações no estágio de produção agrícola envolve
o desenvolvimento de novas variedades e a melhoria permanente nas técnicas de produção em nível
de propriedade rural. Estas ocorrem a partir da utilização de bases de conhecimento que abarcam
desde a adaptação de novos cultivares híbridos às condições climáticas locais, até as atividades de
P&D associadas a experimentos com variedades transgênicas de fumo. Aliado ao esforço nas
atividades de P&D dos laboratórios das grandes empresas fumageiras voltadas à melhoria das
variedades produzidas, percebe-se uma preocupação igualmente importante no sentido de introduzir
mudanças nas técnicas de cultivo e no sistema de produção, voltadas para a ampliação dos ganhos
de produtividade na produção agrícola do fumo. A substituição do plantio de mudas em canteiros
pelo sistema de float (onde as mudas são cultivadas em bandejas), o plantio direto, as colheitas
zoneadas, o escalonamento do plantio e a adoção de estufas mais baixas e automatizadas para
secagem do fumo são alguns exemplos das modificações que vêm sendo adotadas nos últimos anos
para melhoria do sistema de produção.
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Neste aspecto, o estágio de produção agrícola do fumo reflete um elevado dinamismo
tecnológico associado principalmente ao perfil das atividades de pesquisa e desenvolvimento em
áreas como biotecnologia e química. Por um lado, uma parte importante do esforço de P&D das
empresas fumageiras no estágio de produção agrícola tem sido direcionado para a geração de
variedades transgênicas de fumo com maior resistência e capacidade de adaptação em diferentes
condições climáticas. Por outro, a necessidade de lidar com uma legislação ambiental cada vez mais
rígida também tem levado as empresas a buscar alternativas no manejo da cultura do fumo,
mediante o desenvolvimento de novos fungicidas que permitem uma redução significativa na
quantidade de agrotóxicos utilizados.
A tabela 5.1 descreve o impacto das principais inovações adotadas no decorrer da segunda
metade da década de 90, pelas empresas pesquisadas no arranjo fumageiro:
TABELA 5.1 - Inovações de produto e processo adotadas no arranjo fumageiro
Impacto da inovação Tamanho da empresa
Inovação adotada Tipo de Inovação AC
P RC RNE RE MQ
Mudanças no lay-out da fábrica Processo X X “A” Grande Novo sistema de armazenamento do fumo
in natura Processo X X
Introdução de novos cultivares de fumo Produto X X “B” Grande Mudanças no sistema de produção de
mudas Produto
Não informou Produto X X X “C” Grande Não informou Processo X X
Introdução de melhoria nas variedades de fumo
Produto X X
Introdução de melhoria nas técnicas de produção
Processo X X X
“D” Grande
Alterações nos equipamentos industriais Processo X X X X Modificações nos separadores de fumo Processo X Modificações nos secadores de fumo Processo X
“E” Média
Melhorias nas prensas Processo X Aquisição de novos equipamentos X X X Informatização de rotinas X X
“F” Média
Controle da matéria-prima X X X Modificações no sistema de Assistência Técnica
Processo X X X X “G” Pequena
Modificações no sistema de recebimento do fumo
Processo X X X X
LEGENDA: ACP= aumento na capacidade de produção; RC= redução de custos; RNE= redução no número de empregados; RE= redução nos estoques de matéria-prima; MQ= melhoria na qualidade do produto Fonte: Pesquisa de Campo; n= 7
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A amostra de empresas considerada na tabela abarca tanto o segmento de subsidiárias de
empresas transnacionais que operam com a compra e beneficiamento de fumo em folha, como o
segmento de pequenas empresas nacionais que atuam apenas na intermediação da compra e venda
de fumo em folha. Conforme é verificado na tabela, as principais inovações adotadas na segunda
metade da década de 90 estiveram associadas tanto a melhorias na etapa de produção agrícola do
fumo como à etapa de processamento industrial.
A etapa de beneficiamento industrial do fumo apresenta um ritmo de desenvolvimento
tecnológico estável no decorrer das últimas décadas, com uma série de inovações incrementais ao
longo do processo produtivo. O processo de beneficiamento do fumo em folha envolve,
basicamente, processos de umidificação, corte, secagem e prensagem. O início deste processo tem
lugar quando o fumo em folha, após passar por uma classificação prévia, é selecionado para
composição dos blends (mistura de diferentes variedades de fumo) e colocado na linha de
processamento primário onde um tratamento a base de vapor restitui a umidade da folha. As etapas
subseqüentes envolvem o corte e separação de elementos como folha, talo e resíduos; a secagem
destes elementos em estufas; a prensagem; e o acondicionamento do fumo processado. No decorrer
de todo este processo, que é contínuo, o fumo é transportado de uma etapa a outra através de
esteiras e o monitoramento do processo é feito tanto através de sensores eletrônicos (como na etapa
de secagem) como por controle manual (como em parte da etapa de separação). Entretanto, observa-
se que apesar de operar com uma tecnologia de processo madura, bastante difundida e com baixas
condições de apropriabilidade, o setor apresenta um elevado grau de concentração industrial na
medida em que opera com economias de escala elevadas tanto na etapa de produção como de
distribuição e comercialização.
Assim, na etapa de beneficiamento industrial do fumo em folha, a maior parte das inovações
de produto e processo estão associadas à incorporação de novos equipamentos nas linhas de
processamento primário e secundário e de melhorias incrementais em determinadas fases do
processo produtivo como a secagem, prensagem e seleção. Dentre as principais inovações adotadas
no estágio de processamento industrial no arranjo fumageiro, encontram-se a introdução de
alterações no lay-out das plantas, geralmente relacionadas à utilização de linhas de processamento
compactas que ocupam um espaço físico menor, além de melhorias nos equipamentos utilizados nas
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etapas de separação, secagem e prensagem do fumo processado. O impacto dessas inovações, além
da melhoria na qualidade do produto citada por todas as empresas da amostra, se reflete também na
redução no número de empregados – através da informatização e automatização de algumas rotinas
e etapas produtivas – e na redução dos custos de produção. Da mesma forma, desde o início da
década de 90, a maioria das empresas do arranjo, particularmente as de grande porte, vem adotando
diversas formas de inovação organizacional (como Total Quality Control, Just- in-time, Grupos de
Melhoria, etc.) (Vargas et al., 1998).
A análise dos investimentos voltados para capacitação tecnológica nas empresas do arranjo
fumageiro demonstra que cerca de 70% das empresas analisadas investem um percentual do seu
faturamento em atividades de pesquisa e desenvolvimento. Tais investimentos representam em
média, 0,60% do faturamento bruto sendo que este percentual não sofreu variações significativas na
segunda metade da década de 90.
As empresas mantêm nos seus quadros funcionários dedicados às atividades de P&D e
assistência técnica aos produtores integrados. Em média, cerca de 3,6% do total de funcionários nas
empresas encontram-se envolvidos com atividades de P&D que abarcam tanto o desenvolvimento
de novos cultivares e produção de mudas, como o controle de qualidade no decorrer do processo de
beneficiamento industrial do fumo. Entretanto, conforme demonstra a tabela 5.2, a maior parte do
pessoal com qualificação técnica e nível superior empregado nas empresas fumageiras encontra-se
vinculada aos departamentos de assistência técnica a produtores. Esses departamentos comportam,
em média, cerca de 40% do total de funcionários efetivos nas empresas e desempenham um papel
fundamental na organização do sistema integrado de produção. O perfil dos investimentos em P&D
por parte das empresas do arranjo é apresentado na tabela 5.2 abaixo:
TABELA 5.2: Investimento em P&D e pessoal vinculado às atividades de Assistência Técnica
% pessoal vinculado às atividades de P&D e assistência técnica (∗)
Empresa % P&D sobre faturamento
P&D A.T Empresa A n.i 1% -x- Empresa B n.i 2% 50% Empresa C 0,25% 2% 30% Empresa D 1,0% 4% 34% Empresa E 0,1% 1,5% 38% Empresa F 0,55% 5% 53% Emp resa G 1% 10% 37%
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Fonte: Pesquisa de campo OBS: (∗ ) Em relação ao total de funcionários em cada empresa
Apesar da proximidade relacionada aos tipos de competências e bases de conhecimento
associadas ao processo de capacitação do arranjo fumageiro e vitivinícola na etapa de produção
agrícola, existem diferenças significativas entre os dois arranjos, relacionadas ao conjunto de atores
relevantes e ao perfil dos mecanismos de aprendizado que servem de base para a incorporação de
inovações. Em particular, percebe-se que no arranjo vitivinícola, o processo de capacitação
tecnológica no estágio de produção agrícola envolve um esforço de ação coletiva que abrange não
somente as vinícolas do arranjo, mas os diferentes segmentos de atores que integram a infra-
estrutura educacional e tecnológica do arranjo.
Dessa forma, no caso dos principais centros de pesquisa ligados ao arranjo vitivinícola,
como o CNPUV da Embrapa, o esforço de capacitação da produção agrícola envolve ações como a
distribuição de porta-enxertos, desenvolvimento de novos cultivares de uva destinados à
vinificação, zoneamento vitícola e a difusão de orientação técnica no manejo da cultura e no
controle de doenças. No caso das empresas vinícolas esse esforço tem se refletido num aumento
substancial da importação de mudas de espécies vitiviníferas destinadas à ampliação da produção de
vinhos finos.
Grande parte das atividades de P&D relacionadas ao melhoramento genético de cultivares e
sistemas agrícolas são desenvolvidas através do CNPUV da Embrapa. O próprio perfil do arranjo,
onde predominam pequenas vinícolas familiares, contribui para a ausência de atividades de P&D
organizadas em torno de departamentos ou setores específicos como ocorre no caso do arranjo
fumageiro. Essas atividades, quando existem, assumem um caráter experimental e estão
relacionadas às atividades de controle de processos e aprimoramento dos processos de vinificação.
Contudo, a produção vitícola na Serra Gaúcha ainda enfrenta diversas limitações associadas
ao volume e à qualidade da produção de uvas vitiviníferas na região. Apesar dos saltos de qualidade
verificados na produção vitícola no Estado na década de 90, ainda predomina na região da Serra
Gaúcha a produção de variedades comuns de uva.
De acordo com dados fornecidos pela AGAVI e UVIBRA para o Estado do Rio Grande do
Sul, em 1989 do total de 380 mil toneladas produzidas por 16 mil famílias de pequenos agricultores,
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26% correspondiam a variedades nobres e 74% a variedades comuns, híbridas ou americanas,
utilizadas somente para produção de vinhos comuns e sucos. Na safra de 1999, por outro lado, das
430 mil toneladas produzidas, apenas 13,5% corresponderam a uvas nobres. Neste aspecto, a
preocupação com relação à melhora no perfil da produção vitícola constitui um consenso entre os
diferentes atores do arranjo e tem levado muitas vinícolas a ampliarem seus investimentos em áreas
próprias e a importarem uma maior quantidade de mudas dos principais países produtores.
A reconversão dos vinhedos e o aumento na produção de variedades vitiviníferas representa,
conforme enfatizado anteriormente, um dos maiores desafios em termos da capacitação produtiva e
inovativa das vinícolas do arranjo e um fator fundamental para ampliar a inserção competitiva do
arranjo no mercado de vinhos finos. Além da ampliação da produção de novas variedades de uvas
viníferas utilizadas na produção de vinhos finos, a incorporação de inovações no estágio de
produção agrícola do arranjo vitivinícola envolve diversas ações voltadas à melhoria nos sistemas
de produção da uva, tais como o controle de doenças da videira, uso de material isento de vírus ou
uso de porta-enxertos adequados.
Da mesma forma, não obstante as limitações enfrentadas na qualificação da sua produção
vitícola, verifica-se que as vinícolas apresentam um elevado dinamismo com relação a introdução
de inovações associadas aos processos de vinificação. A tabela abaixo relaciona as principais
inovações adotadas pelas empresas vinícolas da amostra na segunda metade da década de 90, bem
como o impacto de tais inovações de acordo com a percepção das próprias empresas.
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TABELA 5.3 - Inovações de produto e processo adotadas no arranjo vitivinícola
Impacto da inovação Inovação adotada Tipo de
Inovação ACP RC RNE RE MQ Mudanças no design de rótulos e garrafas Produto X Modernização de equipamentos Processo X X X X X
Bacardi
Programas de treinamento Processo Cordelier Aquisição de novos equipamentos Produto X
Lançamento de um novo produto Produto X Aurora Mudanças no design de rótulos e garrafas produto X X Terceirização Processo X X X X Rossini Automatização de processos Processo X X X X
Livramento Lançamento de novo produto Produto X Monte Lemos
Linha de engarrafamento processo X
Manosso Alterações na organização do processo produtivo X X X X Sandi Alterações na organização do processo produtivo processo X X X X X
Mioranza Novo sistema de recebimento de matéria prima processo X X X Lançamento de novo produto Produto X X Muraro Aquisição de novos equipamentos processo X X
Moranza Lançamento de um novo produto processo X Novo lay out da cantina processo X Panizon Lançamento de um novo produto (destilados) produto Mudanças no design de rótulos e garrafas Produto X Fante Aquis ição de novos equipamentos Processo X X Novos tratamentos enzimáticos Processo X X Vani Dal B Tratamento para maturação mais curta processo X X
LEGENDA: ACP= aumento na capacidade de produção; RC= redução de custos; RNE= redução no número de empregados; RE= redução nos estoques de matéria-prima; MQ= melhoria na qualidade do produto. Fonte: Pesquisa de Campo; n= 14
Desde o primeiro grande ciclo de modernização do arranjo vitivinícola na década de 70, as
principais vinícolas da região da Serra Gaúcha passaram a introduzir importantes inovações no
processo produtivo que resultaram tanto na realização de investimentos em equipamentos como
também em novas técnicas de controle do processo de vinificação. Atualmente, a utilização de
tanques de aço inoxidável para armazenamento do vinho constitui uma prática amplamente
difundida no arranjo mesmo entre as empresas de menor porte. Do mesmo modo, esse tipo de
equipamento conta hoje com um importante núcleo de fornecedores locais. Outros tipos de
equipamentos como filtros especiais a vácuo ou equipamentos de frio encontram-se restritos a um
número menor de cantinas. Os equipamentos de frio, por exemplo, são utilizados no controle do
processo de fermentação, clarificação e estocagem de vinhos e mostos e são indispensáveis para a
produção de vinhos finos. Esses equipamentos mais complexos, bem como alguns dos principais
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insumos como cortiça e barris de carvalho ainda são importados de países como Itália, Argentina e
Espanha.
Além do investimento em novos equipamentos, importantes avanços têm sido feitos na parte
de controle dos processos de vinificação mediante o uso crescente de enzimas coadjuvantes na
maceração, maceração pelicular, e novas técnicas que variam o período de maceração. Na
fermentação alcoólica estão sendo usadas leveduras biotecnologicamente melhoradas, praticando-se
também a fermentação malolática em todos os tintos e técnicas de remontagens diferenciadas. A
utilização de barricas de carvalho no amadurecimento dos vinhos tintos tem aumentado
consideravelmente entre os produtores locais.
Dentre os principais aspectos que aproximam o padrão de incorporação de inovações nos
arranjos moveleiro e calçadista, destaca-se a natureza fragmentada da sua produção e a elevada
heterogeneidade tecnológica entre diferentes segmentos de empresas. Neste caso, a própria
existência de nichos de mercado com elevado grau de diferenciação juntamente com a ausência de
economias de escala significativas na produção justificam, em grande parte, a manutenção de um
elevado grau de heterogeneidade tecnológica89. Assim, dentre os principais fatores que influenciam
tais características estruturais dos arranjos pode-se destacar:
• O predomínio de empresas de pequeno e médio porte operando em diferentes nichos de
mercado;
• O nível reduzido de barreiras à entrada devido a mínima proteção de patentes e
ausência de elevadas economias de escala na produção; e
• O fato de que estes arranjos ainda integram indústrias intensivas em mão-de-obra,
apesar da crescente automatização da produção em alguns segmentos específicos de
produção.
Ambos os arranjos podem ser caracterizados pelo uso intensivo de mão-de-obra e por uma
tecnologia de produção que ainda guarda acentuado conteúdo artesanal. No caso do arranjo
89 Na indústria moveleira, a existência destes nichos diferenciados garante um espaço de comercialização tanto para um tipo de produção mais exclusiva de salas de jantar em madeiras nobres até a produção de cadeiras plásticas em larga escala. Já no caso da indústria calçadista, essa diferenciação abarca desde a produção de calçados em couro com refinado design até a produção de calçados esportivos com elevado conteúdo tecnológico, ou mesmo sandálias plásticas
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coureiro-calçadista, as etapas da organização do trabalho são compostas basicamente por
modelagem, corte, costura, montagem e acabamento. Na produção de calçados femininos de couro,
principal produto do Vale dos Sinos, as operações básicas para sua fabricação não sofreram
praticamente nenhuma modificação, na medida em que são operações simples e independentes que
não requerem muita qualificação da mão-de-obra (Costa, 1993). Apesar da incorporação de
inovações tecnológicas nas fases de desenho e corte, as limitações associadas à automação nas fases
de costura têm implicado, particularmente nos países industrializados, na adoção de formas flexíveis
de organização da produção (Ferraz et ali, 1996).
Neste sentido, a introdução de tecnologias de base microeletrônica nos equipamentos desta
indústria permitiram uma redução significativa no tempo de criação de novos modelos, maior
flexibilidade nas alterações de feitios e reduções de custo de produção em diferentes estágios do
processo de produção. Em particular, o uso de ferramentas do tipo CAD/CAM na modelagem de
calçados teve uma rápida difusão entre as empresas de maior porte permitindo aumento da
capacitação no desenvolvimento do produto e maior versatilidade de ajustes no design. Entretanto, a
complexidade das fases de costura e montagem, que concentram cerca de 80% da mão-de-obra,
ainda limitam as possibilidades de automação na produção de calçados (Costa, 1993)90.
Já na indústria de móveis, a elevada segmentação em termos de mercados e produtos se
reflete tanto no uso de diferentes matérias-primas (madeira, metal, plástico, etc), como no tipo de
uso aos quais os produtos são destinados (móveis de escritório, móveis para residência, etc). No
caso do arranjo moveleiro da Serra Gaúcha, verifica-se uma especialização das empresas em alguns
segmentos tais como produção de móveis retilíneos, móveis de pinus e móveis tubulares de metal
(com elevada participação da produção de dormitórios e móveis de cozinha). No segmento de
móveis de madeira retilíneos, um dos principais do arranjo, o processo produtivo apresenta um
maior grau de especialização e envolve um número menor de etapas como o corte de painéis,
usinagem e embalagem. Em alguns casos, os painéis de madeira aglomerada podem ser adquiridos
com acabamento, enquanto que a montagem final do móvel é repassada aos representantes ou
de baixo custo. 90 Da mesma forma, o autor enfatiza que: “A reestruturação produtiva empreendida pelas empresas para o aumento da produtividade e da qualidade, reduções de custos e na maior agilidade em atender um mercado cambiante não se restringe apenas à introdução de tecnologia de base microeletrônica. As transformações ocorridas no ambiente produtivo têm estabelecido uma nova cultura de produção” (Costa, 1993: 29).
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varejistas. Entretanto, apesar do maior grau de especialização produtiva associada a este segmento,
verifica-se ainda um nível elevado de verticalização entre empresas do setor.
Tanto no caso do arranjo moveleiro como no caso do arranjo coureiro-calçadista, o
dinamismo tecnológico das empresas costuma ser relacionado ao papel de fornecedores
especializados de equipamentos ou outros insumos-chave. Na indústria moveleira, por exemplo,
destaca-se em particular a crescente utilização do MDF e de novos componentes metálicos e
plásticos como uma importante forma de inovação na fabricação de móveis. Ao mesmo tempo,
verifica-se a importância crescente que tem assumido aquelas atividades ligadas ao desenho,
comercialização e distribuição no contexto de capacitação inovativa e no desempenho competitivo
de empresas em ambos os arranjos.
Em termos do processo de difusão de inovações, no arranjo moveleiro da Serra Gaúcha o
núcleo de grandes e médias empresas desempenha um papel fundamental no processo de difusão de
inovações no arranjo através de diferentes mecanismos que abarcam:
• a organização de redes de subcontratação que incorporam o segmento de MPEs da
região;
• a participação na qualificação da mão-de-obra local e na transmissão de uma cultura
empresarial; e
• o estabelecimento de padrões de inovação em design que são incorporados pelas
demais empresas do arranjo.
No segmento das grandes e médias empresas do arranjo, o nível de atualização tecnológica
de produtos e processos é similar ao padrão tecnológico internacional com elevado grau de
automatização nas linhas de móveis seriados. No segmento de micro e pequenas empresas os
processos de produção ainda são intensivos em mão-de-obra e apresentam uma dinâmica inovativa
menor, seja em termos da modernização de práticas administrativas ou da atualização tecnológica
dos equipamentos. Assim, ao contemplar a distinção existente nos padrões de incorporação de
inovações nestes dois segmentos de empresas no arranjo moveleiro, busca-se avaliar o impacto da
diversidade associada ao processo de capacitação tecnológica do arranjo sobre diferentes tipos de
estratégias inovativas.
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A tabela e o gráfico abaixo ilustram as principais diferenças associadas ao padrão de
incorporação de inovações nas maiores empresas e no segmento de MPEs do arranjo moveleiro.
Com relação às grandes e médias empresas, percebe-se a elevada importância que assumem fatores
como a incorporação de novos equipamentos, alterações de desenho e estilo, alterações técnicas nos
produtos e novas configurações das plantas industriais, enquanto principais formas de inovação
adotadas pelas empresas. No segmento de micro e pequenas empresas, as formas de inovação
consideradas muito importantes pelas empresas também estão associadas com o lançamento de
novos produtos, incorporação de equipamentos e alterações de características técnicas de produtos,
porém com uma incidência significativamente menor.
A incorporação de novos equipamentos, por exemplo, foi considerada como um fator muito
importante de inovação por cerca de 91% das grandes e médias empresas e por cerca de 63% das
micro e pequenas empresas. Neste aspecto, é importante destacar que a incorporação de
equipamentos enquanto fator de inovação assume características diversas em cada um destes
segmentos de empresas. No caso das grandes e médias empresas de móveis a incorporação de
equipamentos refere-se à aquisição de máquinas novas, com elevada complexidade tecnológica e
oriundas, em geral, de fornecedores internacionais. Já no segmento de micro e pequenas empresas a
inovação através da incorporação de equipamentos envolve geralmente a compra de máquinas
usadas fornecidas em nível local ou nacional.
Outra diferença significativa no padrão de incorporação de inovações nos dois segmentos de
empresas remete à importância atribuída às alterações no desenho e estilo. Enquanto este tipo de
inovação representa um fator muito importante para cerca de 73% das grandes e médias empresas,
no segmento de micro e pequenas esse percentual é de menos de 38%.
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TABELA 5.4 - Arranjo Moveleiro: Importância associada às inovações de produto e processo de acordo com o porte da empresa - 1995-1999
Inovações Sem importância Pouco importante Importante Muito importante
Segmento de empresas Grandes e médias
Pequenas e micro
Grandes e médias
Pequenas e micro
Grandes e médias
Pequenas e micro
Grandes e médias
Pequenas e micro
Alterações no desenho/estilo 9,09 50 9,09 0 9,09 12,5 72,73 37,5 Alterações de características
técnicas 9,09 50 18,2 0 9,09 0 63,6 50
Novo produt o 27,27 25 0 0 18,18 12,5 54,55 62,5 Incorporação de novos
equipamentos 9,09 25 0 0 0 12,5 90,91 62,5
Nova configuração da planta industrial
9,09 37,5 9,09 0 18,18 25 63,64 37,5
Construção de nova planta 54,55 75 9,09 0 18,18 12,5 18,18 12,5 Introdução de novas técnicas
organizacionais 27,27 50 9,09 0 36,37 12,5 27,27 37,5
Introdução de novas matérias-primas
18,18 50 9,09 0 36,36 12,5 36,37 37,5
Fonte: pesquisa de campo. N=19
A introdução de novas técnicas organizacionais (tais como just- in-time, células de produção,
etc) foram apontadas como inovações muito importantes adotadas no período por 27% das grandes
e médias empresas e por 37,5% das micro e pequenas empresas. No decorrer das entrevistas foi
possível verificar que, apesar da adoção deste tipo de inovação ter sido particularmente importante
para as grandes e médias empresas no contexto de reestruturação competitiva da primeira metade da
década de 90, ela representa também uma forma de inovação importante no segmento de micro e
pequenas empresas do arranjo. O gráfico 5.1 ilustra as diferenças na importância associada às
inovações adotadas em ambos os segmentos de empresas. Cada linha do gráfico reflete o percentual
de empresas em cada segmento que considera muito importante as inovações descritas nos eixos.
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GRÁFICO 5.1 - Importância associada aos diferentes tipos de inovações adotadas pelas
empresas do arranjo moveleiro - 1995-1999
01 02 03 04 05 06 07 08 09 0
1 0 0D e s e n h o / e s t i l o
Carac te r ís t i cas técn icas
N o v o P r o d u t o
N o v o s e q u i p a m e n t o s
N o v a c o n f i g u r a ç ã o d a p l a n t a
Nova p lan ta
N o v a s t é c n i c a s o r g .
N o v a s m a t é r i a s - p r i m a s
G r a n d e s e m é d i a s Pequenas e M ic ro
Fonte: Pesquisa de campo
Com relação ao perfil de qualificação da mão-de-obra das empresas no arranjo moveleiro,
conforme demonstra a tabela 5.5, na grande maioria das empresas da amostra, os funcionários
possuem somente o 1º grau completo. Das quinze empresas que responderam a questão, oito delas
apresentam um perfil de mão-de-obra acima de 80% formada com escolaridade até o primeiro grau.
Da mesma forma, o percentual de pessoal com cursos de pós-graduação é muito baixo. Apenas sete
das empresas possuem funcionários com pós-graduação.
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TABELA 5.5 - Perfil de qualificação da mão-de-obra (%)
Até 1° grau 2° grau Nível superior Pós-Graduados Empresa A 76 15 9 0 Empresa B 98,38 1,08 0,54 0 Empresa C 62,61 22 15 0,39 Empresa D 98,32 1,68 0 0 Empresa F 98,22 1,78 0 0 Empresa G 77,66 14,72 5,08 2,54 Empresa J 88 10 2 0 Empresa L 94 4 2 0 Empresa M 90 5 5 0 Empresa N 77 12 9 2 Empresa O 74 16 9 1 Empresa P 60 10 30 0 Empresa Q 85 5 5 5 Empresa R 79 18 2 1 Empresa S 80 14,98 4,62 0,4
Fonte: Pesquisa de campo, n=15
Da mesma forma que no arranjo moveleiro, a análise do processo de incorporação de
inovações no arranjo coureiro-calçadista revela a importância associada a fatores como a adoção de
novas técnicas organizacionais, no caso das pequenas e médias empresas do arranjo e da compra de
novos equipamentos, no caso das grandes empresas. De uma maneira geral, com exceção da
construção de novas plantas, todas as demais formas de inovação foram consideradas importantes
ou muito importantes pelas empresas da amostra. No caso das grandes empresas calçadistas, o
lançamento de novos produtos é considerado como uma importante forma de incorporação de
inovações por 50% das empresas, enquanto a introdução de alterações técnicas em produtos foi
considerada como uma forma de inovação muito importante por cerca de 38% da amostra. No
segmento das pequenas e médias empresas, é interessante observar que a incorporação de novos
equipamentos foi considerada como um fator muito importante por cerca de 33% das empresas,
refletindo um grau de importância muito semelhante ao atribuído pelo segmento de grandes
empresas a este mesmo fator.
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TABELA 5.6 - Arranjo coureiro-calçadista: Importância associada às inovações de produto e
processo de acordo com o porte da empresa - 1995-1999
Sem importância Pouco importante Importante Muito importante Não responderam Segmento de empresas Grandes PMEs Grandes PMEs Grandes PMEs Grandes PMEs Grandes PMEs
Alterações no desenho/estilo 0 0 25 16,67 50 50 12,5 33,33 12,5 0 Alterações de características
Técnicas 0 0 25 0 25 83,33 37,5 16,67 12,5 0
Novo Produto 12,5 0 12,5 33,33 12,5 50 50 0 12,5 16,67 Incorporação de novos
equipamentos 0 0 12,5 33,34 37,5 33,33 37,5 33,33 12,5 0
Nova configuração da planta industrial
0 0 25 16,67 50 66,66 12,5 16,66 12,5 0
Construção de nova planta 0 33,33 37,5 16,67 37,5 33,33 12,5 0 12,5 16,66 Intr. de novas técnicas.
Organizacionais 0 0 12,5 0 37,5 66,67 37,54 33,33 12,5 0
Introdução de novas matérias primas e ou componentes
0 0 25 16,67 50 50 12,5 33,33 12,5 0
Fonte: Pesquisa de campo.
Número de empresas que responderam o questionário: 8 grandes; 6 pequenas e médias
A avaliação das empresas calçadistas quanto ao perfil de qualificação da mão-de-obra local é
apresentada no gráfico 5.2 a seguir. O conhecimento prático e/ou técnico na produção, grau de
escolaridade formal em nível superior ou técnico e a capacidade de aprendizagem são considerados
pelas empresas do arranjo como as principais vantagens que diferenciam a mão-de-obra local. Neste
aspecto, ao mesmo tempo em que a infra-estrutura física, educacional e tecnológica presente no
arranjo representa um importante conjunto de externalidades estáticas da região, fatores intangíveis
como o perfil de qualificação da mão-de-obra local e a própria cultura calçadista da região
representam externalidades dinâmicas, na medida em que são reforçadas pela permanência das
empresas no arranjo local.
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GRÁFICO 5.2 - Arranjo coureiro-calçadista: Vantagens associadas ao perfil da mão-de-obra
no Vale dos Sinos
Fonte: Pesquisa de campo.
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Escolaridade 1º e 2º Graus
Escolaridade em nível superior e técnico
Conhecimento prático e/ou técnico na prod.
Disciplina
Iniciativa na resolução de problemas
Capacidade p/ aprender novas qualificações
Concentração
Sem importância Pouco importante Importante Muito importante
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5.3. Fontes de informação e formas de cooperação
A análise desenvolvida nesta seção procura avaliar a natureza dos mecanismos de
aprendizado presentes nos arranjos a partir de elementos que abarcam tanto a origem das principais
fontes de informação e conhecimento utilizadas pelas empresas para incorporação de novos
produtos e processos, como os vínculos de cooperação entre diferentes segmentos de atores locais
Em particular, procura-se distinguir o tipo de estratégia inovativa adotada por empresas nos
arranjos que apresentam um elevado grau de articulação com instâncias globais de coordenação,
vis-à-vis o perfil destas estratégias nos arranjos cuja principal instância de coordenação é local.
Inicialmente, discute-se a importância das diferentes fontes de informação e conhecimento na
adoção de inovações em cada arranjo. A seguir, discute-se a influência dos diferentes contextos
institucionais e das formas de coordenação sobre a natureza e intensidade dos vínculos de interação
e cooperação estabelecidos entre os diferentes segmentos de atores locais e externos aos arranjos.
Finalmente, discute-se o reflexo destes fatores sobre as estratégias inovativas que emergem nos
diferentes arranjos.
5.3.1. Arranjos produtivos articulados com instâncias globais de coordenação: a experiência
dos arranjos fumageiro e coureiro-calçadista
A análise das principais fontes de informação e conhecimento utilizadas pelas empresas do
arranjo fumageiro para a adoção de inovações apresentada na tabela 5.7, reforça a percepção sobre o
circuito restrito de atores que participam do processo de capacitação produtiva e inovativa no
arranjo. As informações oriundas dos departamentos de P&D das maiores empresas localizadas na
região são consideradas como uma fonte de elevada importância para 70% da amostra, enquanto
que o fluxo de informações oriundo de departamentos de P&D situados em outras regiões
representam uma fonte importante para cerca de 62% da amostra. Esse percentual é ainda maior
(75%) para o fluxo de informações que se origina a partir dos clientes, na sua maior parte composto
de compradores internacionais, que possuem um papel importante no estabelecimento das
especificações em termos de blends e dos parâmetros de qualidade do fumo exportado pelas
empresas fumageiras do arranjo.
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TABELA 5.7 - Arranjo fumageiro: Principais fontes de informação para adoção de inovações
Grau de Importância (%) Ranking Fontes de informação
alta média Nenhuma Departamentos de P&D da empresa na região 71 29 0 1 Departamentos de P&D da empresa situados em outras regiões
62,5 25 12,5 3
Consultorias especializadas contratadas localmente 0 62,5 37,5 7 Universidades e Centros Tecnológicos na região 11 66 23 7 Universidades e Centros Tecnológicos de outras regiões
12,5 25 50
Aquisição de novos equipamentos fornecidos localmente
25 25 50 6
Aquisição de novos equipamentos oriundos de fornecedores externos
50 0 50 4
Clientes 75 12,5 12,5 2 Publicações especializadas 34 45 21 5 Troca de informações com outras empresas do setor na região
22 78 0 6
Fonte: Pesquisa de campo; n= 7
Universidades e centros de pesquisa localizados na região do Vale do Rio Pardo apresentam
um grau elevado de importância apenas para 11% das empresas da amostra, enquanto as demais
atribuem apenas uma importância média ao papel destes atores no fornecimento de informações e
conhecimentos tecnológicos.
Ainda que todas as empresas entrevistadas afirmem manter algum tipo de vínculo com
instituições de pesquisa na região, a análise sobre a natureza e intensidade desses vínculos
demonstra um nível reduzido de interação entre esses atores no arranjo. Em geral, essas interações
não transcendem a mera contratação de serviços técnicos relacionados à detecção de fungos em
partidas de fumo destinadas ao mercado externo, análises de solo e outros serviços de certificação
envolvendo a utilização dos laboratórios de universidades como a UNISC e UFSM. Apesar das
formas de interação entre as empresas e instituições de pesquisa na região apontarem para escassos
vínculos que possam levar ao desenvolvimento de processos de aprendizagem tecnológica conjunta,
as empresas da amostra enfatizaram que existe uma tendência de aumento na freqüência de
interações relacionadas à utilização da infra-estrutura tecnológica local para realização de testes e
certificação.
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A importância associada pelas empresas ao papel dos fornecedores de máquinas e
equipamentos enquanto fonte de informação para adoção de inovações reflete, por sua vez, as
inovações incrementais incorporadas no estágio de processamento industrial do fumo, através de
relações do tipo usuário-produtor. Neste aspecto, de acordo com as empresas, uma vez consolidado
o investimento numa planta de processamento, reduz-se a necessidade de troca de informações e
busca de conhecimentos junto aos fabricantes dos equipamentos. Assim, as empresas passam a
manter contatos esporádicos com seus fornecedores de equipamentos, seja através do envio de
funcionários para treinamento ou da troca de informações técnicas. A incorporação de inovações
tecnológicas no processamento industrial ocorre, principalmente, através de melhorias incrementais
em determinadas fases do processo produtivo como a secagem e prensagem do fumo beneficiado. A
adoção de linhas de processamento compactas também foi apontada como uma inovação importante
na medida em que permite uma redução substancial na área destinada ao processamento.
Apesar da maior parte dos equipamentos utilizados no processamento industrial do fumo
contar com fornecedores na região e no país, todos os produtores nacionais operam com tecnologias
licenciadas no exterior. Este é o caso, por exemplo, de empresas como a Thor, em Santa Maria,
licenciada da Evans (EUA), ou da Bernanuer licenciada da Mac Tavish (EUA) e da JG Engenharia
licenciada da Cardwell (EUA), ambas de Santa Cruz do Sul. Entretanto, as subsidiárias de empresas
multinacionais também importam equipamentos diretamente de fornecedores externos, sendo
Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra os países onde se encontram os principais produtores de
equipamentos para processamento industrial de tabaco. Alguns componentes contam com
fornecedores especializados, como no caso dos painéis eletrônicos de controle produzidos pela
Siemens. Apesar da relativa facilidade existente para compra de equipamentos nacionais ou
importados, as empresas do arranjo fumageiro reconhecem existir uma diferença significativa com
relação ao nível tecnológico de plantas de processamento em relação a países como os Estados
Unidos, que se encontram num patamar avançado de utilização de tecnologia robótica na automação
do processo produtivo.
No estágio de produção agrícola, o desenvolvimento de novos cultivares, mais adaptados às
condições climáticas locais, e a produção de sementes híbridas encontra-se restrito aos laboratórios
de P&D de empresas como a Universal Leaf, Dimon e Souza Cruz e, mais recentemente, a um
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fornecedor especializado, a Profigen, que opera na produção de sementes híbridas e vem investido
no desenvolvimento de variedades transgênicas de fumo91.
A presença deste fornecedor especializado no arranjo chama inicialmente a atenção pela sua
atuação num nicho que ainda é considerado estratégico por algumas das principais empresas do
arranjo. Ainda assim, a Profigen tem ampliado sua participação no fornecimento de sementes
híbridas para as empresas fumageiras na região e, desde 1998, também opera com uma pequena
planta para peletização de sementes de fumo 92.
A Profigen iniciou suas atividades em meados de 1995, constituída por técnicos oriundos da
área de pesquisa e desenvolvimento de uma das maiores empresas do arranjo, a Universal Lea f, e
tornou-se a principal fornecedora de sementes para a quase totalidade das empresas da região.
Porém, o processo de capacitação tecnológica desta empresa não resultou de um spillover gerado a
partir de processos de aprendizagem desenvolvidos originalmente na Universal Leaf. Na realidade,
esta empresa constitui-se num ramo do grupo americano Profigen Inc93 sendo que a filial instalada
em Santa Cruz do Sul opera através de licenciamento de tecnologia no exterior, ao mesmo tempo
em que o desenvolvimento de novos cultivares feitos pela filial brasileira são registrados fora do
país 94.
De acordo com as informações obtidas através de entrevistas, a empresa já se encontra
registrada junto à CTN Bio (Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia) e possui condições
técnicas para obter a autorização para produção de sementes transgênicas de fumo no país, apesar
das restrições que ainda são impostas pela legislação atual. Atualmente a produção deste tipo de
variedade de fumo é aceita apenas na China e na Argentina. Entretanto, apesar da resistência no
91 O desenvolvimento de variedades transgênicas envolve a criação de plantas modificadas geneticamente de modo a aumentar a sua resistência ao ataque de pragas e sua capacidade de adaptação a diferentes condições climáticas. 92 No processo de peletização a semente é envolvida em uma camada de material inerte e aumenta o seu tamanho em cerca de 20 vezes. Atualmente, este procedimento implica no envio da semente in natura para a Holanda, onde o processo de peletização é feito pela Incotec. Entretanto, o transporte em containers envolve problemas relacionados à possibilidade de variações bruscas de temperatura que afetam a capacidade de germinação das sementes. No Brasil, o processo de peletização é feito pela TopSeed sementes Ltda., cuja matriz está localizada em Itaipava no Estado do Rio de Janeiro, que opera através do licenciamento de tecnologia do exterior. De acordo com informações fornecidas pela empresa, o Brasil consome anualmente cerca de 2000 quilos de sementes de fumo, sendo que cerca de 60% desse volume corresponde a sementes que passam por um processo de peletização a fim de otimizar o plantio. No caso da Profigen, a iniciativa para constituição de infra -estrutura própria para peletização de sementes origina-se mais da necessidade de ampliar o seu controle sobre a qualidade das sementes que fornece do que do interesse na diversificação de suas atividades. 93 Este grupo, por sua vez, encontra-se ligado ao conglomerado da U.S. Tobacco, nos Estados Unidos. 94 Informação obtida em entrevista realizada com o Sr. Sérgio Brem, Diretor da Profigem, em agosto de 1998.
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mercado mundial para adoção do fumo transgênico, a empresa mantém uma plataforma de pesquisa
tendo em vista a possibilidade de abertura e consolidação do mercado para este tipo de variedade
nos próximos anos, período no qual espera concluir o desenvolvimento de uma variedade padrão de
fumo transgênico que tenha condições de adaptação em qualquer condição climática. Da mesma
forma, é interessante observar que, apesar de as empresas fumageiras manterem a sua infra-estrutura
própria voltada para a produção de sementes em termos de laboratórios e técnicos, o
desenvolvimento de experimentos ainda se limita às variedades híbridas, não tendo sido apontado
nenhum experimento com variedades transgênicas
O quadro 5.1 apresenta uma tentativa de sistematização das fontes de informação e
conhecimento adotadas por diferentes segmentos de atores que integram o sistema produtivo no
arranjo fumageiro.
QUADRO 5.1 - Arranjo fumageiro: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção
de inovações
Ator/segmento Fontes locais de informação e
conhecimento Fontes externas de informação e
conhecimento Pequenos produtores rurais
Conhecimento tácito no manuseio da cultura do fumo Equipes de assistência técnica das empresas fumageiras
-X-
Estágio de produção agrícola: -Laboratórios próprios de P&D -Infra -estrutura local de P&D - testes e certificação
-Fornecedor especializado
Estágio de produção agrícola: -Laboratórios de P&D das matrizes no exterior
EMNs (*) ligadas a produção, beneficiamento e exportação de fumo Estágio de processamento industrial:
-fornecedores locais de máquinas e equipamentos
Estágio de processamento industrial: -fornecedores internacionais de máquinas e equipamentos
PMEs que atuam na intermediação da compra de fumo em folha
-Formação de quadros próprios de agrônomos -Fornecedor local de sementes -Clientes (subsidiárias de EMNs)
-X-
Fornecedor especializado de sementes
- Infra-estrutura própria de P&D -Licenciamento tecnológico (cultivares) (USA)
Fabricantes de máquinas e equipamentos
- Fornecedores especializados no país (componentes eletrônicos)
-Licenciamento tecnológico com empresas no exterior (EUA, Reino Unido, Alemanha)
Fonte: Pesquisa de campo (*) Empresas Multinacionais
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Em síntese, a análise do padrão de incorporação de inovações no arranjo fumageiro revela
mecanismos de aprendizado desenvolvidos através de um circuito restrito de atores, com reduzido
grau de participação da infra-estrutura educacional e tecnológica local e forte influência de
instâncias externas de coordenação através do papel desempenhado pelas subsidiárias de
multinacionais.
Conforme destacado anteriormente, a análise das estruturas de governança no arranjo
fumageiro demonstra que um núcleo restrito de subsidiárias de empresas transnacionais
desempenha um papel central na coordenação do arranjo, tanto através do controle sobre o capital
das empresas que atuam no beneficiamento primário do fumo, como também na organização de
uma extensa rede de produtores rurais. Apesar do arranjo envolver diferentes segmentos de atores
articulados em torno do sistema de produção em âmbito local, as fases de maior agregação de valor
na cadeia produtiva, como as atividades de P&D, marketing e comercialização, são organizadas fora
da região em nível internacional. Desta forma, as condições de concorrência enfrentadas pelas
grandes empresas de fumo no mercado mundial determinam o papel desempenhado pelos
produtores locais na divisão internacional do trabalho.
Em decorrência desta forma de organização dos sistemas de produção e conhecimento do
arranjo, a incorporação de inovações, tanto na etapa de produção agrícola como na etapa de
processamento industrial, ocorre eminentemente através de um padrão tecnológico imposto pelas
subsidiárias de empresas transnacionais que operam na região. Não existe nesta etapa um maior
envolvimento, seja dos produtores rurais - que seguem a risca a orientação fornecida pelos
departamentos de assistência técnica das empresas - ou das organizações ligadas a infra-estrutura
educacional e tecnológica na região do Vale do Rio Pardo, que desempenham um papel marginal na
geração e difusão de informações e conhecimentos.
A comparação entre as evidências que emergem a partir da experiência do arranjo fumageiro
e coureiro-calçadista demonstra que a articulação entre instâncias locais e globais de coordenação se
reflete através de diferentes níveis de subordinação, com conseqüências distintas sobre o
desenvolvimento de mecanismos de aprendizado em âmbito local.
Conforme destacado no terceiro capítulo desta tese, apesar da abertura de novos canais de
comercialização no mercado externo não haver implicado na desnacionalização de empresas
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calçadistas, tal inserção trouxe mudanças significativas nos mecanismos de aprendizado interativo
no arranjo. Em particular, as mudanças tiveram um reflexo negativo sobre as formas de interação e
cooperação entre atores locais e acentuaram a subordinação dos grandes fabricantes locais de
calçados aos grandes compradores internacionais. Assim, ainda que no decorrer dos anos 70 e 80
este modelo de inserção no mercado externo tenha contribuído para o processo de capacitação
produtiva das empresas calçadistas, ele também demonstrou suas limitações no sentido de capacitar
estas empresas em estágios mais nobres da cadeia de valor.
Os reflexos dessa articulação sobre os mecanismos de aprendizado no arranjo são
percebidos, inicialmente, através da análise sobre as principais fontes de informação e
conhecimento utilizadas pelas empresas locais para adoção de inovações. A fim de explicitar a
influência da heterogeneidade tecnológica existente no arranjo sobre os padrões de incorporação de
inovações, apresenta-se uma análise diferenciada da amostra de acordo com o porte das empresas.
A análise da tabela 5.8, aponta, em primeiro lugar, para a importância que assume o fluxo de
informações provenientes de clientes externos para as grandes empresas do arranjo. No caso das
PMEs, a importância associada aos fluxos de informações oriundos de clientes nacionais reflete, em
grande parte, relações de subcontratação que este segmento de empresas mantém com as grandes
empresas exportadoras do arranjo.
TABELA 5.8 - Arranjo coureiro-calçadista: Principais fontes de informação utilizadas pelas empresas calçadistas para promover inovações de produto ou processo, de acordo com o porte das empresas
Sem importância
Pouco importante
Importante Muito importante
Não responderam
Grandes PMEs Grandes PMEs Grandes PMEs Grandes PMEs Grandes PMEs
Troca de informações com clientes no exterior
0 50 0 33,33 50 0 37,5 16,67 12,5 0
Troca de informações com clientes nacionais
12,5 0 37,5 0 0 33,33 37,5 50 12,5 16,67
Publicações especializadas 0 0 75 16,67 0 66,66 0 0 25 16,66
Congressos e feiras do setor realizadas no país
0 0 0 33,33 75 50 12,5 16,67 12,5 0
Congressos e feiras do setor no exterior 0 33,33 0 66,67 50 0 37,5 0 12,5 0
Fabricantes locais de equipamentos 0 0 25 50 E 50 0 0 12,5 0
Fabricantes internacionais de equipamentos
12,5 50 25 33,33 37,5 16,67 12,5 0 12,5 0
Consultoria especializada contratada localmente
25 16,67 50 16,66 12,5 50 0 0 12,5 16,66
Universidades e Centros Tecnológicos locais
12,5 16,67 12,5 33,33 62,5 33,33 0 0 12,5 16,66
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Universidades e Centros Tecnológicos no exterior
62,5 50 25 16,67 0 0 0 0 12,5 33,33
Troca de informações com fornecedores de matérias-primas ou componentes
0 0 0 0 50 83,33 37,5 0 12,5 16,67
Troca de informações com concorrentes locais
0 0 50 66,67 25 33,33 12,5 0 12,5 0
Troca de informações com empresas calçadistas localizadas fora da região
0 16,67 62,5 66,66 25 16,66 0 0 12,5 0
Departamento de P&D da empresa 0 33,33 50 16,67 37,5 50 0 0 12,5 0
Fonte: Pesquisa de campo.
N= 8 grandes e 6 micro, pequenas e médias.
Os fornecedores de componentes e matérias-primas também são considerados como uma
fonte de informação importante ou muito importante por mais de 87% das grandes empresas, e por
mais de 83% das PMEs da amostra. Já os fabricantes locais de equipamentos representam uma fonte
importante de informação para a adoção de inovações para cerca de 60% das grandes empresas e
por 50% das PMEs.
A participação em congressos e feiras comerciais no exterior representa uma fonte de
informação importante ou muito importante para cerca de 88% das grandes empresas, ao mesmo
tempo em que é considerada pouco importante por 67% das pequenas e médias empresas do arranjo.
Já a participação em feiras nacionais é considerada igualmente importante para ambos os segmentos
de empresas e remete em particular ao papel desempenhado pela Fenac, a principal feira do setor
coureiro-calçadista em nível nacional.
A reduzida importância atribuída ao papel das Universidades e Centros Tecnológicos locais
por empresas calçadistas de diferentes portes chama a atenção em função da dimensão da infra-
estrutura educacional e tecnológica existente no arranjo coureiro-calçadista. No segmento de
pequenas e médias empresas, 50% da amostra atribuiu pouca ou nenhuma importância ao papel
destes atores no arranjo enquanto fonte relevante de informação tecnológica. No segmento das
grandes empresas cerca de 62% da amostra considera as universidades e centros tecnológicos locais
como uma fonte de informação importante para a adoção de inovações, enquanto cerca de 25% das
empresas atribui uma importância reduzida ou nula a este segmento de atores no arranjo.
A importância associada a diferentes fontes de informação no processo de capacitação
inovativa das empresas calçadistas reflete, em grande parte, o perfil das relações de cooperação
entre atores locais. Neste aspecto, a evolução das relações de cooperação entre os diferentes atores
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no arranjo calçadista no decorrer dos últimos cinco anos, permite destacar duas situações distintas.
Por um lado, verificou-se um aumento significativo nas relações de cooperação vertical entre as
empresas ca lçadistas e os demais atores ao longo da cadeia produtiva em nível local. Por outro lado,
no que diz respeito à evolução das relações de cooperação horizontal, ou seja, aquelas que se
desenvolvem entre empresas de um mesmo segmento, não se verificou nenhum progresso
considerável no decorrer dos últimos cinco anos. De acordo com os resultados do estudo, o aumento
na cooperação das empresas calçadistas com os demais atores do arranjo foi mais intenso nas
relações estabelecidas com clientes, fornecedores de insumos e fornecedores de equipamentos,
conforme ilustrado pelo gráfico abaixo:
GRÁFICO 5.3 - Empresas Calçadistas: mudanças nas relações de cooperação com os demais atores do arranjo 1995-1999
Fonte: Pesquisa de campo.
Essa intensificação nas relações de cooperação entre as empresas calçadistas e um conjunto
específico de atores - clientes e fornecedores – se justifica, em parte, pela própria natureza do
processo de reestruturação produtiva promovido pelas empresas do setor no decorrer da década de
90. Diante da crescente perda de competitividade no mercado externo, as empresas calçadistas
buscaram o estreitamento dos vínculos com seus subcontratados, fornecedores e clientes com vistas
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Clientes
Concorrentes
Fornecedores de insumos
Fornecedores de equipamentos
centros tecnológicos
Universidades
Sindicatos e Associações
Órgãos públicos
Forte dimuniuição Diminuição Estável Aumento Forte aumento
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a promover um aumento da eficiência produtiva, através de melhorias incrementais em
equipamentos e mudanças na organização de processos produtivos.
O aumento nas formas de interação das empresas com seus fornecedores de insumos e
equipamentos esteve ligado principalmente a: troca de informações, assistência técnica no processo
produtivo e ações conjuntas em desenho e estilo. Todas as empresas calçadistas entrevistadas
apontaram para um aumento ou forte aumento nessas formas de interação. Em particular, nas
relações de subcontratação, verifica-se que cerca de 73% das empresas calçadistas pesquisadas
operam com alguma forma de subcontratação na região. Destas, 50% trabalham através de contratos
formais, enquanto a outra metade utiliza mecanismos informais para a subcontratação de serviços
no arranjo. Nenhuma das empresas da amostra oferece exclusividade para os seus subcontratados e
a maioria (87,5%) considera que o nível de capacitação de seus subcontratados é inferior ao da
própria empresa. Da mesma forma, todas as empresas operam com a cessão de equipamentos para
os seus subcontratados.
Ainda que os desafios competitivos enfrentados pelo arranjo tenham induzido as empresas
calçadistas a uma aproximação crescente com clientes, fornecedores e subcontratados, o mesmo não
ocorreu em relação aos demais atores presentes no arranjo como as universidades, centros de
pesquisa, órgãos públicos e associações de classe. Conforme pode ser observado no gráfico 5.4,
cerca de 67% das empresas considera que as relações de cooperação com centros tecnológicos na
região permaneceram estáveis ou diminuíram. Esse percentual é ainda maior para as relações com
sindicatos e associações (78%), universidades (87,5%) e órgãos públicos (89%). A interação das
empresas com centros de pesquisa e universidades, quando ocorreu, foi mais intensa na realização
de testes e certificação e na realização de treinamento de pessoal.
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GRÁFICO 5.4 – Empresas calçadistas: mudanças nas relações de cooperação horizontal – 1995-1999 Fonte: Pesquisa de campo.
A evolução das relações de cooperação horizontal entre empresas do segmento calçadista é
mostrada no gráfico 5.4. Na maior parte dos casos as relações de cooperação com concorrentes se
manteve estável no decorrer dos últimos cinco anos. Durante o processo de entrevistas, entretanto,
ficou claro que essa estabilidade reflete, na realidade, a ausência de relações de cooperação
perceptíveis entre estes atores. Apenas 22% das empresas sinalizaram um aumento na troca de
informações com seus concorrentes. Cerca de 44% delas sinalizaram um aumento nos ensaios
cooperativos para desenvolvimento e melhoria de produtos e nas ações conjuntas para capacitação
de recursos humanos. Também é interessante observar que, enquanto 33% das empresas apontaram
para um aumento nas ações conjuntas em desenho e estilo, um mesmo percentual de empresas
apontou para a diminuição neste tipo de iniciativa no decorrer dos últimos anos.
Assim, em linhas gerais, a análise do conjunto de informações sobre o processo de
capacitação do arranjo coureiro-calçadista, aponta para um elevado grau de competência das
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Troca de informações
Ensaios p/ desenv. E melhoriade produtos
Ações conjuntas p/capacitação de RH
Ações conjuntas de marketing
Ações conjuntas em desenhoestilo
Forte diminuição Diminuição Estável Aumento Forte Aumento
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empresas calçadistas nas atividades associadas a esfera da produção. Porém, verifica-se também que
um contingente considerável de empresas no arranjo ainda enfrenta dificuldades no sentido de
ampliar o escopo desta capacitação em direção a estágios estratégicos da cadeia produtiva, em
particular, aqueles ligados às atividades de comercialização e design.
Além das evidências que apontam para as especificidades associadas à importância de
diferentes fontes de informação e formas de cooperação, a análise dos mecanismos de aprendizado
presentes neste arranjo permite diferenciar dois grupos de empresas calçadistas, de acordo com a
natureza de suas estratégias inovativas e competitivas. Tal dicotomia encontra-se diretamente ligada
aos canais de comercialização nos quais cada grupo de empresas opera.
Desta forma, num extremo, percebe-se a existência de um grupo considerável de empresas
calçadistas, que apresentam reduzida capacitação inovativa e baixa propensão ao desenvolvimento
de processos de aprendizagem interativa com os demais atores do arranjo em nível local – seja ao
longo da cadeia produtiva ou com outras organizações de apoio que integram o arcabouço
institucional do arranjo. Este grupo de empresas concorre no mercado internacional através de
nichos assoc iados a calçados de baixo preço, com uma estratégia baseada na redução de custos e no
uso intensivo da subcontratação de serviços. Na medida em que se encontram fortemente atreladas
aos agentes de exportação presentes no arranjo, as empresas deste grupo acabam por reproduzir o
mesmo tipo de estratégia de desenvolvimento que permitiu consolidar o arranjo no decorrer da
década de 70, mas que atualmente se encontra comprometida diante de um novo contexto de
competição internacional.
Num outro extremo, percebe-se a existência de um conjunto pequeno mas crescente de
empresas calçadistas que vêm buscando integrar sua participação em nichos de mercado mais
nobres através de uma estratégia que visa ampliar sua capacitação produtiva sem deixar de lado
investimentos em design e na busca de novos canais de comercialização. A dinâmica inovativa
dessas empresas é maior e encontra-se relacionada ao estabelecimento de mecanismos de
aprendizagem que envolvem tanto fontes de informação e conhecimento internas ao arranjo como
externas ao mesmo, conforme será discutido a seguir. Esse segundo grupo de empresas tem logrado
obter uma inserção mais qualificada no mercado externo através da comercialização direta de
calçados com marcas próprias e design. Esse fenômeno não se restringe unicamente ao segmento
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das grandes empresas, mas envolve também uma parcela de empresas de pequeno e médio portes e
reflete uma nova concepção sobre a própria trajetória de desenvolvimento do arranjo.
O quadro 5.2 abaixo procura sistematizar as principais fontes de informação e conhecimento
adotadas por diferentes segmentos de atores que integram o arranjo coureiro-calçadista:
QUADRO 5.2 – Arranjo coureiro-calçadista: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção de inovações
Ator/segmento Fontes locais de informação e conhecimento
Fontes externas de informação e conhecimento
Empresas calçadistas operando em nichos
de mercado com maior qualidade e
preço
Capacitação própria em desenho e comercialização, fabricantes locais de máquinas e componentes, feiras
comerciais no país
Concorrentes internacionais, fabricantes de máquinas no exterior e feiras comerciais internacionais
Empresas calçadistas operando em
mercados de baixo preço
Grandes empresas calçadistas do arranjo
Agentes de exportação e clie ntes internacionais
Fornecedores de máquinas e
equipamentos
Institutos de P&D e treinamento locais, feiras comerciais no país
Concorrentes internacionais, feiras de equipamentos internacionais
Curtumes
Institutos de P&D e de treinamento locais
Joint ventures com concorrentes internacionais
Fonte: Pesquisa de campo
Ações conjuntas envolvendo as associações de fabricantes de componentes e máquinas do
arranjo têm buscado ampliar a inserção externa das empresas através da criação de uma marca
brasileira. No âmbito dos fabricantes de componentes, a preocupação de aumentar as vendas no
mercado externo se reflete num projeto recente da Assintecal, voltado para promoção de consórcios
de exportação. O projeto pretende agrupar empresas que atuam nos setores de matrizaria e
componentes para calçados de segurança, voltados para os mercados mexicano, latino-americano e
asiático.
No segmento dos fabricantes de máquinas e equipamentos para o setor coureiro-calçadista,
que sofreu o maior impacto com a retração das vendas no mercado americano, muitas empresas
passaram a buscar parcerias com empresas estrangeiras do mesmo setor visando a fabricação de
máquinas com tecnologia importada no Brasil. Da mesma forma, ocorreu um aumento significativo
na subcontratação em algumas etapas do processo produtivo, particularmente nas atividades de
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usinagem e nos painéis de comando eletrônico onde a subcontratação já atinge cerca de 50% das
empresas.
O estabelecimento de parcerias com empresas no exterior constitui-se numa estratégia de
atualização tecnológica que vem sendo utilizada desde o início da década de 90 por algumas
empresas no segmento de máquinas e equipamentos para couro e calçados. Uma das empresas da
amostra firmou recentemente uma parceria com uma empresa italiana, afim de incluir em sua linha
de produção a máquina automática de aplicar botões de pressão, utilizados em calçados e
confecções gerais de tecidos. Esta mesma empresa também vende e distribui sistema de cad-cam
produzido por uma firma estrangeira do exterior, utilizado para criação e modelagem de calçados.
Esse tipo de estratégia é ilustrado por diversos outros exemplos como a parceria entre a
Master Equipamentos Industriais Ltda, de Novo Hamburgo e a Eurocomat, da Itália, que envolve o
licenciamento da tecnologia e a produção e venda de máquinas pela empresa gaúcha. Já a Indústria
Metal de Máquinas Ltda é uma representante da empresa portuguesa, Zipor S.ª, para a venda no
Brasil de máquinas para corte de cabedais à jato d’água.
Com a queda na produção da indústria calçadista no início da década de 90, o segmento de
curtimento de couro também buscou ampliar sua inserção no mercado externo como estratégia de
sobrevivência à crise enfrentada pelo arranjo. Entretanto, conforme destacado anteriormente, a
orientação crescente do segmento das empresas de curtimento para o mercado externo ainda
enfrenta uma oposição acirrada das empresas calçadistas que apontam para a escassez de sua
principal matéria-prima como um dos principais gargalos para o desenvolvimento do arranjo
coureiro-calçadista na região.
A transformação gradativa nas estratégias de aprendizado e capacitação das empresas do
Vale dos Sinos é exemplificada, em particular, pela mudança no perfil e papel dos agentes de
exportação com relação à promoção de mecanismos de aprendizado no arranjo. A importância deste
conjunto de atores – que foi crucial para a inserção inicial das empresas no mercado externo nas
décadas de 70 e 80 – foi reduzida na medida em que algumas empresas calçadistas passaram a
adotar novas estratégias de inserção no mercado externo. Um fenômeno relativamente recente no
arranjo está relacionado à existência de agentes de exportação que operam exclusivamente como
escritórios de compra de grandes cadeias globais de mercadorias, como a Wal-Mart e Pay-Less.
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Esses escritórios respondem atualmente pela colocação dos pedidos de maior volume individual no
arranjo – em média de 100 mil pares – e refletem uma tendência com relação ao predomínio das
grandes redes de distribuição no cenário internacional.
5.3.2. Arranjos produtivos articulados com instâncias locais de coordenação: a
experiência do arranjo moveleiro e vitivinícola
Conforme enfatizado anteriormente, uma das principais características dos mecanismos de
aprendizado presentes no arranjo vitivinícola refere-se à participação expressiva de diferentes
segmentos de atores locais no processo de capacitação do arranjo, tanto no estágio de produção
vitícola como no estágio de vinificação. Neste sentido, o processo de geração e difusão de novos
conhecimentos neste arranjo envolve tanto a participação dos diferentes segmentos de empresas
vinícolas da região – das grandes vinícolas até as pequenas cantinas familiares- como também os
centros de pesquisa e de transferência tecnológica ligados a: Embrapa, Emater, Universidades locais
e as principais associações que atuam na coordenação das relações entre empresas tais como
Uvibra, Agavi e Aprovale.
A tabela 5.9 apresenta a importância associada às diferentes fontes de informação e
conhecimento utilizadas pelas vinícolas da amostra para adoção de inovações. A análise da tabela
aponta, em particular, ao elevado grau de importância associado pelas vinícolas ao papel dos
clientes (80%), à troca de informações com outras empresas vinícolas na região (66,7%), às
publicações especializadas (53%) e à participação em congressos e feiras do setor (40%).
Universidades e centros tecnológicos associados à infra-estrutura tecnológica local foram
consideradas como uma fonte de informação com importância média ou elevada para cerca de 60%
das empresas da amostra., um percentual elevado em comparação com aquele verificado nos
arranjos fumageiro e coureiro-calçadista. Fontes de informação e conhecimento externas ao arranjo
tais como universidades e centros tecnológicos situados fora da região, foram consideradas como
uma fonte de pouca ou nenhuma relevância para 53% das empresas da amostra.
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TABELA 5.9 – Arranjo Vitivinícola: Principais fontes de informação para adoção de inovações
Grau de Importância (%) Não respondeu
Fontes de informação
Alta média nenhuma Departamentos de P&D da empresa na região 26,7 40 20 13,3 Departamentos de P&D da empresa situados em outras regiões
6,7 40 40 13,3
Consultorias especializadas contratadas localmente
20 40 26,7 13,3
Universidades e Centros Tecnológicos na região 13,3 46,7 26,7 13,3 Universidades e Centros de Tecnológicos de outras regiões
6,7 20 53,3 20
Aquisição de novos equipamentos fornecidos localmente
26,7 46,7 20 6,7
Aquisição de novos equipamentos oriundos de fornecedores ext ernos
33.3 40 20 6,7
Clientes 80 13,3 0 6,7 Publicações especializadas 53,3 33,3 6,7 6,7 Troca de informações com outras empresas do setor na região
66,7 20 6,7 6,7
Congressos e feiras do setor 40 13,3 46,7 Fonte: Pesquisa de campo; n= 19
Com relação ao papel da infra-estrutura educacional e tecnológica no arranjo vitivinícola,
cabe enfatizar que, pelo menos 30% das empresas analisadas, apontou para a existência de
intercâmbio com instituições de pesquisa na região visando não somente a elaboração de análises
químicas e testes, mas também melhorias no processo e desenvolvimento de novos produtos, o que
revela algum grau de colaboração tecnológica entre esses atores em âmbito local. Da mesma forma,
a análise das principais inovações adotadas pelas empresas vinícolas nos últimos anos revela que a
maior parte das inovações estiveram vinculadas às melhorias na etapa de vinificação onde a gestão
de centros de pesquisa como a Embrapa tem sido menor. Outro fator relevante remete ao papel
importante das instituições locais, como a Escola Agrotécnica e a Universidade de Caxias dos Sul,
na formação de pessoal qualificado para o arranjo, que tende a passar desapercebida pelas empresas
que assumem a qualidade da mão-de-obra local como uma externalidade estática da região.
A adoção de inovações tanto na etapa de produção vitícola como na etapa de vinificação
reflete a capacitação do arranjo em termos da qualificação dos técnicos e enólogos que atuam nas
cantinas. Além do papel desempenhado pela Escola de Enologia e pela Universidade de Caxias do
Sul na região, existe um esforço de empresas e organizações de apoio no sentido de ampliar o
intercâmbio com os principais países produtores como França, Itália e Argentina. Entre as principais
vinícolas do arranjo esse fluxo de conhecimento ocorre de forma sistemática através da contratação
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da assessoria de enólogos estrangeiros para acompanhamento e melhoria nos processos. No caso das
pequenas cantinas familiares que se especializaram na produção de vinhos finos, a capacitação de
recursos humanos ocorre fundamentalmente através da formação técnica dos filhos dos
proprietários nas melhores escolas de enologia de países como França e Argentina. Além disso, a
participação em feiras internacionais e a organização de viagens de estudo aos principais países
produtores, promovidas através da parceiras entre associações como Uvibra, Agavi e o Sebrae têm
contribuído para a disseminação de novas práticas entre empresas dos diversos segmentos do
arranjo.
O processo de busca de qualidade na produção vitícola com vistas ao aumento da produção
de vinhos finos reflete, em particular, as estratégias inovativas de dois segmentos distintos de
vinícolas no arranjo: de um lado, abarca um extrato de vinícolas com maior tamanho relativo e
capacidade de processamento acima de 1 milhão de litros ao ano; e, de outro, o extrato de pequenas
cantinas familiares ligadas à produção de vinhos finos. No decorrer dos últimos anos, as maiores
vinícolas do arranjo como Aurora, Chandon, Salton ou Bacardi ampliaram significativamente seus
investimentos em importação de mudas de variedades vitiviníferas como Chardonay, Pinot Noir,
Cabernet Sauvignon e Merlot, de países como França, Itália, África do Sul e Austrália95.
A análise das especificidades que marcam o processo de capacitação inovativa dos
diferentes segmentos de empresas vinícolas do arranjo demonstra que o esforço de reconversão na
produção vitícola tem se mostrado particularmente importante para a crescente inserção das
pequenas cantinas familiares no mercado de vinhos finos. Conforme destacado anteriormente, este
segmento de pequenas vinícolas representa um fenômeno relativamente recente no arranjo, na
medida em que agrega um seleto contigente de pequenos produtores de uvas finas que atuavam
inicialmente como fornecedores das grandes vinícolas e cooperativas da região. Gradativamente,
estes pequenos produtores passaram a adaptar suas cantinas para a produção de vinhos finos e a
conquistar um nicho próprio de mercado.
A vinícola Miolo, que conta com 14 anos de existência, foi uma das pioneiras neste
segmento de pequenas cantinas familiares a se estabelecer com uma marca própria de vinhos finos.
Atualmente, esta vinícola produz cerca de quatro milhões de garrafas e possui uma marca conhecida
nacionalmente. A manutenção e o manejo de vinhedos próprios constitui o maior diferencial destas
95 Em 1998, por exemplo, a Chandon, importou 100 mil mudas, das quais cerca de 60%, foram distribuídas para seus produtores conveniados.
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pequenas cantinas que optaram pela comercialização de vinhos finos com um valor de mercado até
dez vezes superior ao do vinho comum.
Uma sistematização sobre a origem das principais fontes de informação adotadas pelos
diferentes segmentos de vinícolas é apresentada no quadro 5.3:
QUADRO 5.3 – Arranjo vitivinícola: Fontes de informação e conhecimento usadas para
adoção de inovações
Ator/segmento Fontes locais de informação e conhecimento
Fontes externas de informação e conhecimento
Grandes Vinícolas (capacidade de
processamento acima de 1 milhão de litros)
- Quadros técnicos próprios (agrônomos, enólogos, bioquímicos, etc)
- Fabricantes locais de equipamentos - Infra -estrutura educacional e
tecnológica local (UCS, CNPVU-Embrapa, Escola de Enologia)
-
- Consultorias internacionais de enólogos
- Clientes - Fornecedores de equipamentos
nacionais e internacionais - Joint ventures
Pequenas cantinas
familiares produtoras de vinhos finos
- Quadros técnicos próprios (agrônomos, enólogos, bioquímicos, etc)
- Troca de informações com concorrentes locais
- - Infra-estrutura educacional e tecnológica local (UCS, CNPVU-Embrapa, Escola de Enologia)
- Fabricantes locais de equipamentos
- Clientes - Visitação a cantinas no exterior - Participação em concursos
internacionais - Consultorias internacionais de
enólogos - Intercâmbios com escolas de
enologia no exterior
Cooperativas vinícolas produtoras de vinhos
comuns
- Infra -estrutura educacional e tecnológica local (UCS, CNPVU-Embrapa, Escola de Enologia)
- Troca de informações com concorrentes locais
- Fabricantes locais de equipamentos
- Clientes - Visitação a cantinas no exterior
Fonte: Pesquisa de campo.
O relativo grau de autonomia existente entre os diferentes segmentos de vinícolas na Serra
Gaúcha contrasta com as relações de interdependência existentes entre as grandes e médias e o
segmento das empresas de menor porte do arranjo moveleiro. No caso do arranjo vitivinícola, as
estratégias de capacitação inovativa adotadas pelo segmento de pequenas cantinas familiares
levaram a um gradativo rompimento da sua articulação com as grandes vinícolas da região enquanto
fornecedoras de uva. Já no arranjo moveleiro, as formas de articulação entre as empresas líderes, de
grande e médio porte e o segmento de MPEs no arranjo moveleiro exerce uma influência marcante
sobre os mecanismos de aprendizado adotados no arranjo.
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As principais fontes de informações para a adoção de inovações nas grandes e médias
empresas do arranjo movele iro são apresentadas no gráfico 5.5. Como fontes de informações
consideradas muito importantes destacam-se os clientes e a aquisição de novos equipamentos
oriundos de fornecedores externos, ambos com 63% das indicações. A seguir, com 57% ressalta-se
a participação em congressos e feiras comerciais e industriais realizadas no exterior. Outras fontes
de informações consideradas importantes são a troca de informações com empresas do setor na
região, com 47% das indicações e os congressos e feiras comerciais e industriais realizadas no país,
com 44%.
As Universidades e centros tecnológicos na região, associados com a infra-estrutura
educacional e tecnológica local foram consideradas como um fator importante por cerca de 36% da
amostra e muito importante para cerca de 9% das empresas. Entretanto, cerca de 55% desta amostra
também atribuiu pouca ou nenhuma importância ao papel deste segmento de atores no arranjo
enquanto fonte de informações e conhecimento para a adoção de inovações. Este fato demonstra um
padrão de avaliação semelhante ao verificado nos demais arranjos e reflete a baixa importância que
é geralmente associada pelas empresas ao papel desempenhado pelas instituições de pesquisa.
Assim, de uma maneira geral, as grandes e médias empresas do arranjo associam um maior
grau de importância a determinadas fontes de informação e conhecimento que têm origem externa
ao arranjo, em particular, decorrentes da interação com clientes nacionais e internacionais, da
aquisição de equipamentos importados e da participação em feiras e eventos internacionais do setor.
Tais fontes permitem o contato com tendências recentes em design que passam a ser incorporadas
nas linhas de produtos deste segmento de empresas.
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GRÁFICO 5.5 - Arranjo moveleiro: Fontes de informação para adoção de inovações nas
grandes e médias empresas
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Departamentos de P&D da empresa na região
Consultorias especializadas contratadas localmente
Universidades e Centros Tecnológicos na região
Universidades e Centros Tecnológicos de outras regiões
Aquisição de novos equipamentos fornecidos localmente
Aquisição de novos equipamentos oriundos de fornecedores externos
Clientes
Publicações especializadas
Troca de informações com empresas do setor na região
Troca de informações com empresas do setor localizadas fora da região
Congressos e feiras comerciais e industriais do setor realizadas no país
Congressos e feiras comerciais e industriais do setor realizadas no exterior
Sem importância Pouco importante Importante Muito importante
Fonte: Pesquisa de campo
No segmento das MPEs do arranjo moveleiro, verifica-se que também os clientes são
considerados como uma fonte importante de informação com 87% das indicações da amostra.
Congressos e feiras realizados no país representam um segundo fator importante ou muito
importante para cerca de 87% da amostra, enquanto a participação em feiras no exterior é
considerada como um fator igualmente importante para cerca de 62% das empresas. Outras fontes
consideradas importantes neste segmento são a troca de informações com empresas do setor na
região (com 48% das indicações), e a aquisição de novos equipamentos de produtores nacionais
(com 46% das indicações). Finalmente, universidades, centros tecnológicos e consultorias
especializadas localizados no exterior ou em outras regiões, bem como departamentos de P&D
foram considerados como fontes sem importância pela maior parte da amostra.
Todos os segmentos (grandes, médias e micro empresas) atribuem uma importância
fundamental aos clientes enquanto fonte de informação para a adoção de inovações. A diferença,
neste caso, reside no fato de que, para o segmento das MPEs, os principais clientes encontram-se
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entre as grandes e médias empresas da região que subcontratam serviços de montagem ou
fabricação das empresas menores.
GRÁFICO 5.6 - Arranjo moveleiro: Principais Fontes de Informação para adoção de
inovações nas Pequenas Empresas
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Departamentos de P&D da empresa na região
Consultorias especializadas contratadas localmente
Consultorias especializadas localizadas fora da região
Universidades e Centros Tecnológicos na região
Universidades e Centros Tecnológicos de outras regiões
Aquisição de novos equipamentos fornecidos localmente
Aquisição de novos equipamentos de produtores nacionais
Aquisição de novos equipamentos oriundos de fornecedores externos
Clientes
Publicações especializadas
Troca de informações com empresas do setor na região
Troca de informações com empresas do setor localizadas no exterior
Feiras comerciais e industriais do setor realizadas no país
Feiras comerciais e industriais do setor realizadas no exterior
Sem importância Pouco importante Importante Muito importante
Fonte: pesquisa de campo
A articulação entre grandes e médias empresas e o segmento de MPEs contribui para
manutenção de padrões diferenciados de incorporação de inovações tecnológicas, onde as grandes e
médias empresas exercem uma influência significativa no processo de capacitação do segmento de
MPEs. No decorrer da década de 90, o segmento constituído pelas maiores empresas do arranjo
adotou uma estratégia de modernização que envolveu, em linhas gerais, a intensificação no fluxo de
investimentos através da aquisição de equipamentos mais sofisticados e da adoção de mudanças
organizacionais e novas técnicas de organização da produção. No caso das pequenas empresas, a
estratégia de atualização tecnológica foi fomentada pela cópia de modelos lançados pelas empresas
maiores, através de um mecanismo que combina a elevada participação da mão-de-obra no processo
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produtivo com uma alta flexibilidade e rápida capacidade de introdução de modificações nas linhas
de produtos.
Neste aspecto, a influência das empresas moveleiras de grande e médio sobre os processos
de aprendizado e estratégias inovativas das MPEs do arranjo se reflete em: i) organização de redes
de subcontratação; ii) qualificação da mão-de-obra local; iii) estabelecimento de inovações em
termos de design que passam a ser incorporadas pelas demais empresas do arranjo; e iv) transmissão
de atitudes empresariais através do estabelecimento de novas firmas por trabalhadores qualificados
oriundos dos quadros funcionais dessas empresas.
QUADRO 5.4: Arranjo moveleiro: Fontes de informação e conhecimento usadas para adoção
de inovações
Ator/segmento Fontes locais de informação e conhecimento
Fontes externas de informação e conhecimento
Empresas líderes (fabricantes de grande e
médio porte)
Capacitações próprias em marketing e design
Troca de informações com concorrentes locais
Feiras comerciais no país
Clientes nacionais e internacionais Importação de equipamentos Concorrentes internacionais Feiras comerciais no exterior
MPEs moveleiras
Clientes locais: subcontratação dos grandes fabricantes do arranjo
Fabricantes locais de máquinas e equipamentos
Troca de informações com concorrentes locais
Infra-estrutura educacional e tecnológica local
Feiras comerciais no exterior (via associações)
Publicações especializadas Consultorias fora da região
Fabricantes nacionais de equipamentos
Fonte: Pesquisa de campo
5.4.- Conclusão
A análise sobre fontes e modalidades de incorporação de informações e conhecimentos nos
arranjos evidencia diferenças significativas relativas à forma de organização dos sistemas de
conhecimento, que servem de base para a capacitação produtiva e inovativa das firmas em âmbito
local. Tais diferenças se refletem, em particular, na importância relativa de fontes locais ou externas
de informação e conhecimento; no papel de empresas e demais segmentos de atores locais na
aquisição e difusão de inovações; e nos vínculos de interação e cooperação entre segmentos de
atores locais.
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A discussão sobre a importância relativa de fontes locais ou externas de informação e
conhecimentos no processo de capacitação dos arranjos não pode estar dissociada da análise sobre a
natureza e intensidade dos canais de comunicação utilizados. Por um lado, o uso de informações e
conhecimentos através de fontes externas tanto pode estar relacionado à existência de canais
limitados e informais de comunicação, como pode resultar do estabelecimento de mecanismos
formais de transmissão de conhecimentos organizados e coordenados através de atores locais. O uso
de fontes locais de informação e conhecimento, por sua vez, tanto pode estar associado a processos
de aprendizado interativo envolvendo diferentes segmentos de atores locais, como pode envolver
um conjunto restrito de atores e níveis reduzidos de interação e cooperação.
Neste aspecto, a natureza e intensidade dos canais de comunicação que sustentam a
incorporação de inovações no arranjo, seja a partir de fontes locais ou de fontes externas, permite
evidenciar importantes especificidades relativas ao caráter ativo ou passivo das estratégias
inovativas adotadas nos diferentes arranjos.
O quadro 5.5 procura sistematizar as principais características dos sistemas de conhecimento
nos arranjos e seu reflexo sobre as estratégias inovativas adotadas por atores locais. A ocorrência de
estratégias inovativas passivas pressupõe a existência de canais limitados e informais para aquisição
e difusão de conhecimentos entre atores locais. Tais limitações podem estar associadas à ausência
de esquemas de cooperação vertical ou horizontal entre atores locais, à elevada dependência de
fontes de informação e conhecimento externas ao arranjo ou à reduzida capacidade de geração de
novos conhecimentos a partir de fontes locais. Por outro lado, o caráter ativo das estratégias
inovativas pressupõe um esforço deliberado de atores locais no sentido de consolidar tanto canais
informais de comunicação como fluxos sistemáticos de troca de informações e conhecimentos entre
atores locais. Da mesma forma, estratégias ativas de inovação geralmente estão associadas à
existência de esquemas efetivos de cooperação vertical e horizontal entre atores locais; à menor
dependência de fontes externas de informação e conhecimento; e à elevada capacidade endógena de
geração e aquisição de novos conhecimentos.
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QUADRO 5.5 - Características associadas aos sistemas de conhecimento e estratégias inovativas nos arranjos produtivos Arranjo Fumageiro Coureiro-
calçadista Vitivinícola Moveleiro
Papel da infra -estrutura educacional e tecnológica local
Inexistente ou pouco relevante
Limitado: condicionado pela
demanda local
Ativo especialmente no estágio agrícola
Limitado: condicionado pela
demanda local Origem das principais fontes de informação e conhecimento
Predomínio de fontes externas
Predomínio de fontes externas
Uso extensivo de fontes locais e
externas
Uso extensivo de fontes locais e
externas Níveis de cooperação vertical Elevados nas
relações com fornecedores de equipamentos
Elevados ao longo de toda cadeia
produtiva
Elevados ao longo de toda cadeia
produtiva
Elevados ao longo de toda cadeia
produtiva
Níveis de cooperação horizontal Reduzido Reduzido Alto Médio Estratégia inovativa Passiva e
condicionada pelos grandes
conglomerados transnacionais de
fumo
Passiva: subordinada à interação com compradores internacionais
Ativa e envolve diferentes
segmentos de atores locais
Ativa e coordenada pelas empresas líderes e associações locais
Fonte: Pesquisa de campo
Inicialmente, a existência de fontes internas ou locais de informação e conhecimento refere-
se tanto ao papel da infra-estrutura educacional e tecnológica existente em âmbito local, como à
importância dos demais atores e instituições locais (empresas, fornecedores especializados,
associações de classe), na difusão de conhecimentos ou na geração ou aquisição de conhecimentos
novos para as empresas do arranjo.
Com relação ao papel da infra-estrutura educacional e tecnológica, ainda que todos os
arranjos contem com um conjunto considerável de organizações voltadas para qualificação de
recursos humanos e atividades de P&D, a participação destas organizações no processo de
capacitação produtiva e inovativa de atores locais apresenta um alcance limitado na maior parte dos
casos.
No arranjo fumageiro, universidades, centros tecnológicos e demais organizações voltadas
para a capacitação e desenvolvimento tecnológico na região do Vale do Rio Pardo, desempenham
um papel marginal no processo de capacitação inovativa de empresas locais. As principais
inovações incorporadas tanto no estágio de produção agrícola como no de processamento industrial
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têm sua origem ligada ao esforço interno de P&D das subsidiárias locais dos grandes
conglomerados de tabaco ou, alternativamente, à fontes externas de informação e conhecimento.
O arranjo coureiro-calçadista é o que apresenta a maior densidade em termos de
organizações voltadas para treinamento e desenvolvimento tecnológico da cadeia produtiva local.
Entretanto, verifica-se o alcance limitado do papel deste conjunto de atores no processo de
capacitação produtiva e inovativa das empresas do arranjo. Tais organizações participam mais
ativamente na qualificação da mão-de-obra local do que no desenvolvimento conjunto de novos
produtos e processos com empresas calçadistas locais.
Da mesma forma, no arranjo moveleiro, a infra-estrutura educacional e tecnológica local
também apresenta uma inserção limitada no processo de capacitação dos fabricantes locais de
móveis, ainda que desempenhe um papel mais ativo na geração de novos conhecimentos ligados às
atividades de design e uso de novos materiais. No arranjo vitivinícola, a participação da infra-
estrutura tecnológica e educacional em âmbito local se mostra mais ativa na incorporação de
inovações associadas ao estágio de produção vitícola e na qualificação de recursos humanos no
estágio de vinificação.
Entretanto, as limitações relativas ao papel da infra-estrutura educacional e tecnológica no
processo de capacitação dos arranjos não se deve à inexistência de organizações voltadas para
qualificação e desenvolvimento tecnológico, mas à ausência de canais estáveis e eficientes de
comunicação entre tais organizações e as empresas locais.
A análise sobre a origem das principais fontes de informação e conhecimento utilizadas para
a adoção de inovações também revela que todos os arranjos contam com fluxos sistemáticos de
informações e conhecimentos ligados a fontes externas (cuja origem encontra-se fora do escopo
territorial do arranjo). Assim, no caso do arranjo fumageiro, esses fluxos de origem externa estão
associados especialmente ao esforço de P&D das matrizes dos grandes conglomerados de tabaco,
fornecedores de equipamentos e às especificações de clientes internacionais. No arranjo coureiro-
calçadista, destaca-se a importância de especificações técnicas e design fornecidos por compradores
internacionais na produção voltada para o mercado externo. Da mesma forma, no arranjo moveleiro
importantes inovações incorporadas pelos grandes fabricantes de móveis na região em termos de
design e aquisição de novos equipamentos se originam a partir de fontes externas ao arranjo, seja
ccxcii
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através da participação em feiras internacionais ou através do acompanhamento das tendências
estabelecidas por concorrentes internacionais. Finalmente, no arranjo vitivinícola as principais
fontes externas de informação e conhecimento estão relacionadas à participação em feiras e
concursos internacionais, consultorias especializadas de enólogos de países como França e Chile,
intercâmbios com escolas de enologia no exterior ou à importação de mudas de vitiviníferas.
O papel limitado da infra-estrutura educacional e tecnológica e a importância associada a
fontes externas de informação e conhecimento representam, portanto, pontos em comum na
organização dos sistemas de conhecimento nos diferentes arranjos. Entretanto, os canais de
comunicação que sustentam os fluxos de informação e conhecimento oriundos de fontes externas
aos arranjos, bem como o papel de atores locais no processo de aquisição e difusão de inovações,
demonstram diferenças significativas nas estratégias inovativas adotadas nos arranjos.
No arranjo fumageiro, inovações são incorporadas através de processos passivos de
aprendizado que envolve um reduzido nível de interação e cooperação e um circuito restrito de
atores ligados à geração de novos conhecimentos em âmbito local. Da mesma forma, no arranjo
coureiro-calçadista uma parte considerável das alterações técnicas e de design nos calçados
destinados à exportação envolve estratégias passivas de aprendizado, já que as especificações são
fornecidas pelos clientes internacionais. Adicionalmente, apesar do arranjo contar com um núcleo
de empresas calçadistas que apresenta uma considerável dinâmica inovativa baseada em
capacitações próprias, verifica-se que a ausência de vínculos efetivos de cooperação no arranjo
dificulta a difusão eficiente de inovações para as demais empresas e, em particular, para o segmento
de PMEs.
Em contraposição, as estratégias inovativas presentes nos arranjos moveleiro e vitivinícola,
demonstram a importância de atores locais na organização dos sistemas de conhecimento do
arranjo. No caso do arranjo moveleiro, as grandes empresas locais desempenham um papel
fundamental tanto na geração de novos conhecimentos a partir de capacitações próprias, como na
difusão de inovações entre os demais fabricantes de móveis no arranjo. Ao papel desempenhado
pelas empresas na difusão de inovações no arranjo, somam-se as ações conjuntas coordenadas
através do núcleo de associações locais. Neste aspecto, tanto as grandes e médias empresas como as
associações de classe implementam ações deliberadas que visam tanto ampliar a capacidade de
geração e difusão de novos conhecimentos a partir de fontes locais, como adquirir novos
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conhecimentos a partir de fontes externas ao arranjo. Da mesma forma, no arranjo vitivinícola, a
incorporação de inovações na produção vitícola e no processo de vinificação também reflete um
esforço deliberado que envolve diferentes segmentos de atores locais.
Dessa forma, em ambos os arranjos, a existência de estratégias inovativas ativas reflete tanto
a geração de novos conhecimentos a partir de fontes locais como uma elevada capacidade de
articulação com fontes externas de informação e conhecimentos. Por um lado, no arranjo
vitivinícola, a participação de vinícolas locais em feiras e concursos internacionais representa uma
forma importante de incorporação de conhecimentos que envolve formas ativas de aprendizado
interativo. Por outro lado, no caso do arranjo moveleiro, a articulação com fontes externas de
conhecimento envolve em geral formas passivas de aprendizado, na medida em que se limitam a
cópia de projetos e desenhos de concorrentes internacionais ou a aquisição de equipamentos de
fornecedores internacionais.
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Capítulo 6 – Conclusão
Esta tese teve como principal objetivo contribuir para o estudo sobre a dimensão localizada e
interativa do processo de capacitação produtiva e inovativa em aglomerações nos países em
desenvolvimento. A análise esteve fundada no conceito de arranjo ou sistema produtivo local que
refere-se genericamente aos diversos tipos de aglomerações produtivas que apresentam fortes
vínculos envolvendo empresas e demais atores institucionais localizados num mesmo território.
Da mesma forma, esta análise envolveu a proposição de um referencial capaz de explorar as
características e funcionalidade de diferentes formatos de arranjos produtivos a partir de três
dimensões complementares. A primeira, centrada nas principais características da estrutura
produtiva e padrões de territorialização dos arranjos. A segunda, relativa às estruturas de
governança e desenhos institucionais que moldam as relações entre diferentes segmentos de atores
locais e afetam tanto a organização da estrutura produtiva como os processo de aprendizado
inovativo em âmbito local. A terceira dimensão, relacionada com a forma de organização dos
sistemas de conhecimento, mecanismos de aprendizado e estratégias inovativas adotadas. Esta
conclusão retoma a discussão sobre o impacto destas dimensões-chave sobre a dinâmica
competitiva e inovativa das aglomerações estudadas a fim de analisar alguns dos desdobramentos
possíveis em termos da proposição de políticas industriais e tecnológicas para empresas articuladas
em arranjos e sistemas produtivos.
Com base nos argumentos utilizados nas diferentes abordagens teóricas, a seleção de
critérios para elaboração do referencial procurou estruturar-se em torno de dois eixos principais de
análise: i) a dimensão localizada e interativa do processo de inovação e; ii) as especificidades que
assume este processo no contexto de aglomerações nos países em desenvolvimento.
Assim, partindo da questão referente à dimensão localizada e interativa do processo
inovativo, alguns aspectos merecem destaque. Em primeiro lugar, o conceito de arranjo produtivo
local, na medida em que se baseia numa concepção ampla de sistema de inovação, permite destacar
a importância da proximidade e da interação entre empresas e demais atores institucionais em
âmbito local, no sentido de potencializar a criação, difusão e uso de novos conhecimentos, em
especial do tipo tácito. Em segundo lugar, os processos de aprendizado que emergem a partir de tais
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interações são sustentados por arcabouços institucionais específicos que contribuem para
estabelecer um plano comum para regras cognitivas e padrões de comportamento. Neste sentido, a
existência de capacitações localizadas reflete o conhecimento incorporado nas bases de
conhecimento das empresas e na própria estrutura institucional presente nos arranjos produtivos
locais. Em terceiro lugar, diante de um quadro que coloca o processo de aprendizado inovativo
como principal fonte de vantagem competitiva, a própria questão da competitividade dos arranjos
estudados, passa ser compreendida a partir de um referencial sistêmico que contempla não somente
a firma individual, mas também as interações entre conjuntos articulados de empresas e demais
atores institucionais que integram tais aglomerações.
Com relação às especificidades que assumem os processos de aprendizado nos países em
desenvolvimento, duas questões principais devem ser destacadas. A primeira refere-se às limitações
enfrentadas pela maior parte dos enfoques conceituais analisados, no sentido de lidar com aspectos
ligados à instabilidade institucional e macroeconômica características dos países em
desenvolvimento. Neste caso, a análise desenvolvida ao longo da tese teve como pano de fundo o
impacto do processo de reformas estruturais no Brasil, no decorrer da década de 90, sobre as
estratégias inovativas e competitivas do conjunto de arranjos analisados. Uma segunda questão, de
cunho ainda mais geral, refere-se à crescente dificuldade enfrentada pelos países em
desenvolvimento no sentido de ampliar seu nível de capacitação frente aos demais, tendo em vista
as deficiências no desenvolvimento de processos de aprendizado formais e informais. Assim, mais
importante do que a exclusão digital (digital divide) que corresponde ao hiato entre países em
termos da infra-estrutura física de informação e comunicação, verifica-se um hiato crescente entre
países relacionado à capacidade de aprendizado que os habilita na busca de novos conhecimentos.
A comparação entre os estudos de caso logrou evidenciar pontos importantes relativos à
influência do ambiente local na dinâmica competitiva e inovativa de arranjos produtivos. Em
particular, as evidências empíricas sugerem que a importância do ambiente local para o
desenvolvimento de processos interativos de aprendizado sofre elevada influência de aspectos
relacionados aos canais de comercialização, grau de territorialização das atividades produtivas e
estruturas de governança e desenhos institucionais presentes nos diferentes formatos de arranjos.
Um ponto central da análise reside, precisamente, no impacto das estruturas de governança e
desenhos institucionais sobre as formas de organização das atividades produtivas e inovativas nos
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arranjos. As evidências dos quatro estudos de caso ilustram as assimetrias que resultam da interação
entre instâncias locais e globais de coordenação a partir de dois pólos.
Num primeiro pólo, encontram-se os arranjos fumageiro e coureiro-calçadista onde as
estruturas de governança são hierárquicas, as relações de poder são assimétricas ao longo da cadeia
produtiva e os principais estágios da cadeia de valor das quais os arranjos participam são
controladas por atores externos. Essas assimetrias nas relações entre atores locais e instâncias
externas de coordenação se manifestam tanto através do controle direto do arranjo por subsidiárias
de empresas transnacionais (como é caso do arranjo fumageiro), como pela inserção das empresas
com sede local em cadeias globais de produção (como no caso do arranjo coureiro-calçadista). Em
ambos os casos, o mercado externo consiste no principal canal de comercialização.
As evidências sobre a natureza dos mecanismos de aprendizado e estratégias inovativas
presentes neste grupo de arranjos, demonstra o papel restrito ou virtualmente inexistente dos
desenhos institucionais e organizacionais no sentido de apoiar o desenvolvimento de processos
interativos de aprendizado voltados para a inovação em âmbito local. Além disso, verifica-se a
elevada importância que assumem fontes externas de informação e conhecimento na incorporação
de inovações em produtos e processos.
Geralmente, tais inovações são incorporadas pelas empresas nos arranjos através de
estratégias passivas de aprendizado que envolvem circuitos restritos e apresentam reduzida
participação de atores locais. Assim, no arranjo coureiro-calçadista uma parte considerável das
alterações técnicas e de design nos calçados destinados à exportação são estabelecidas por
compradores internacionais. No arranjo fumageiro, este papel de organização dos sistemas locais de
conhecimento é desempenhado pelas subsidiárias de empresas transnacionais que operam no
arranjo.
Situados num pólo oposto, estão os arranjos de móveis e vinho onde as estruturas de
governança apresentam formato de redes, existe um grau maior de simetria nas relações de poder ao
longo da cadeia produtiva e os principais estágios da cadeia de valor encontram-se integrados e/ou
são controlados no âmbito do arranjo por atores locais. Neste caso, as evidências apontam duas
formas distintas de governança local. No arranjo vitivinícola, por exemplo, a coordenação do
sistema de produção e do sistema de conhecimento envolve uma rede composta por diferentes
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segmentos de atores locais, com formas de liderança difusas. Já no arranjo moveleiro, as grandes
empresas com sede local desempenham papel de principal instância de coordenação através da
organização de redes de subcontratação e da promoção de spillovers tecnológicos. Ainda que
apresentem forte inserção em mercados regionais e no mercado nacional, estes arranjos contam com
canais diversificados de comercialização no mercado externo.
A análise deste grupo de arranjos demonstra o elevado escopo de ação local nas atividades
relacionadas à incorporação de inovações em produtos e processos. Esses processos inovativos
envolvem estratégias ativas de aprendizado baseadas no uso de fontes locais e externas de
informação e conhecimento. Da mesma forma, em ambos arranjos, os desenhos institucionais
desempenham um papel importante no sentido de promover esquemas de cooperação e processos de
aprendizado interativo envolvendo diferentes segmentos de atores locais.
O quadro abaixo ilustra essa relação entre canais de comercialização e estratégias de
capacitação, tendo em vista a dicotomia existente entre a busca de nichos próprios de
comercialização vis-a-vis a inserção em cadeias globais. Tal dicotomia reflete respectivamente, o
tipo de estratégia predominante no arranjo moveleiro e coureiro-calçadista.
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QUADRO 6.1 – Canais de comercialização e estratégias de capacitação: Inserção em cadeias globais x atuação em nichos próprios
Inserção em cadeias globais (arranjo calçadista)
Venda direta (nichos próprios)
Arranjo moveleiro Principal instância de
capacitação Capacidade de manufatura
(eficiência produtiva) Eficiência produtiva com
dinâmica inovativa
Fator de competitividade Baixos custos de produção Qualidade e diferenciação em design
Estratégia de aprendizado
tecnológico Passiva e limitada à esfera da
produção Ativa e associada às esferas de
design e marketing
Formas de coordenação da cadeia produtiva
Geralmente assimétricas e baseadas no poder de barganha
dos importadores
Geralmente simétricas e com maior espaço para ação de
atores em nível local
Desenhos, amostras ou projetos pré-definidos pelos
importadores
Desenvolvimento próprio de desenhos e projetos
Por um lado, a análise das estratégias de capacitação produtiva e inovativa presentes nos
arranjos com elevado grau de articulação com instâncias globais de coordenação corrobora, em
grande parte, os argumentos oriundos da literatura sobre clusters industriais nos países em
desenvolvimento que enfatizam as limitações da integração de produtores locais às cadeias globais
de produção. Estas limitações ficam particularmente evidentes no caso do arranjo coureiro-
calçadista onde os principais exportadores de calçados enfrentam dificuldades na busca de
capacitações que transcendam a esfera da produção, como as atividades relacionadas ao design de
calçados ou a busca de nichos próprios de comercialização.
Por outro lado, apesar de pouco considerada na literatura sobre aglomerações industriais nos
países em desenvolvimento, a análise de arranjos produtivos onde predominam estruturas de
governança locais revela o elevado dinamismo nas estratégias de capacitação produtiva e inovativa
de atores locais. Tais estratégias envolvem tanto a geração de novos conhecimentos a partir de
fontes locais, como uma elevada capacidade de articulação com fontes externas de informação e
conhecimentos.
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Ainda que transcenda o escopo de análise desta tese, considera-se que a diversidade relativa
aos formatos, estruturas de governança e estratégias inovativas nos arranjos estudados apresenta
desdobramentos importantes do ponto de vista normativo.
Em primeiro lugar, percebe-se que o escopo para a adoção de políticas industriais e
tecnológicas direcionadas para estimular o processo de capacitação produtiva e inovativa de atores
locais, tende a variar consideravelmente de acordo com as características estruturais e tipo de
governança dos arranjos.
No caso dos arranjos que apresentam alguma forma de inserção em cadeias globais, sejam
estas controladas por compradores ou por produtores, a própria literatura sobre aglomerações
industriais nos países em desenvolvimento reconhece o escopo reduzido para adoção de políticas
públicas destinadas a ampliar a inserção competitiva de produtores locais. Conforme destacado
anteriormente, o processo de upgrading de aglomerações produtivas articuladas com cadeias globais
pode ocorrer através de três possibilidades: a) na busca de maior eficiência no desempenho de suas
atividades produtivas tradicionais (upgrading de processo); b) na busca de novos nichos de
produção (upgrading de produto); e c) no desempenho de atividades em estágios superiores da
cadeia produtiva, como design e marketing (upgrading funcional). Porém, este reposicionamento de
aglomerações em cadeias produtivas globais geralmente encontra limites que são dados pela
sobreposição com competências que são dominadas pelos atores que controlam essas cadeias.
Tendo em vista estes limites, na ausência de esforços deliberados de cooperação entre atores locais,
a adoção de políticas industriais e tecnológicas para arranjos articulados com cadeias globais acaba
por se restringir ao fortalecimento de instituições de apoio e à modernização da infra-estrutura
produtiva local.
Entretanto, a análise da experiência de arranjos articulados com instâncias locais de
coordenação revela que o dinamismo competitivo e inovativo de aglomerações produtivas nos
países em desenvolvimento não se encontra, necessariamente, vinculado à inserção no mercado
externo através de cadeias globais. Neste aspecto, a existência de estruturas de governança local em
arranjos produtivos possibilita a adoção de um amplo leque de políticas de apoio à capacitação
produtiva e inovativa de atores locais. Assim, além das políticas tradicionais voltadas ao
adensamento da cadeia-produtiva local e ao fortalecimento de instituições locais de apoio, existe um
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espaço potencial para adoção de políticas que visem o fortalecimento dos vínculos de cooperação
entre atores locais, particularmente daqueles que envolvem processos de aprendizado interativo.
A experiência dos arranjos moveleiro e vitivinícola demonstra a importância relacionada à
formação de redes locais e regionais envolvendo atores que integram as estruturas de governança
local, pública e privada, no desenvolvimento de capacitações locais. Tais redes podem estar
associadas, por exemplo, à criação de consórcios de compra e exportação e à realização pesquisa de
novos nichos de mercado, entre outras iniciativas. Num plano geral, destaca-se o papel das políticas
industriais e tecnológicas em diferentes âmbitos no sentido de criar condições favoráveis no
ambiente inovativo, local ou regional, de modo a consolidar competências tecnológicas.
Finalmente, cabe observar que as limitações enfrentadas por arranjos articulados com
instância globais de coordenação demonstram limites para inserção dos países em desenvolvimento
na divisão internacional do trabalho que, em última análise, têm sido identificados e discutidos pela
literatura cepalina desde a década de 50.
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ANEXOS
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Anexo A
QUADRO 1 - Organização dos sistemas de produção, formas de governança e estratégias
inovativas: principais evidências dos arranjos estudados
Arranjo Fumageiro Coureiro-
calçadista Vitivinícola Moveleiro
Densidade da estrutura produtiva local
Baixa Alta Média Baixa mas crescente
Principais canais de comercialização
Mercado externos
Mercado externo
Mercado regional e nacional
Mercado nacional e
externo Grau de territorialização do arranjo
Médio: baseada em
externalidades estáticas
Elevado: baseado tanto
em externalidades estáticas como
em capacitações locais
Elevado: Baseado tanto
em externalidades estáticas como
em capacitações locais
Médio:
Estruturas de governança Hierárquicas Hierárquicas Em redes Em redes Papel da infra-estrutura educacional e tecnológica local
Inexistente ou pouco relevante
Limitado: condicionado pela demanda
local
Ativo: especialmente no estágio agrícola
Limitado: condicionado pela demanda
local Papel das associações de classe, sindicatos e outras organizações de relações inter-empresariais
Limitado a reforçar relações de subordinação entre produtores locais e EMNs
Limitado: conflitos de interesses
restringem a promoção de
ações conjuntas
Importante na organização de ações conjuntas para abertura de novos nichos de
mercado
Importante nas ações conjuntas
para adensamento da cadeia produtiva local e abertura de novos nichos
de mercado Fontes de informação e conhecimento
Predomínio de fontes externas
Predomínio de fontes externas
Uso extensivo de fontes locais e
externas
Uso extensivo de fontes locais e
externas Estratégia inovativa Passiva:
condicionada pelos grandes
conglomerados transnacionais de
fumo
Passiva: subordinada à interação com compradores internacionais
Ativa: com elevada
participação de atores locais
Ativa: coordenada pelas empresas líderes
e associações locais
Fonte: Vargas (2002).
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Anexo B
Metodologia da pesquisa
Aspectos Gerais
O processo de coleta dos dados que serviram de base para realização dos estudos empíricos envolveu além da
aplicação de questionários e entrevistas com diferentes segmentos de atores que integram os arranjos locais estudados, a
utilização de uma ampla gama de informações oriundas de fontes secundárias.
O questionário utilizado (anexo C) incluiu, além de perguntas relacionadas às características
gerais das empresas (como número de funcionários, propriedade do capital, faturamento, principais
mercados, etc.); questões referentes à natureza e intensidade dos vínculos entre os atores do arranjo,
as principais fontes de informação para a inovação e sua origem, e o impacto decorrente do
processo de reformas estruturais sobre as trajetórias de aprendizado das empresas, entre outras. A
relevância destes e outros fatores em cada um dos arranjos foi avaliada a partir da utilização de uma
escala ordinal de importância. Além da aplicação de questionários e da realização de entrevistas
junto às empresas no segmento produtivo principal dos arranjos, foram utilizados roteiros de
questões endereçadas, respectivamente, às principais associações de classe/sindicatos e centros de
pesquisa/universidades que integram os arranjos.
Relação da amostra de empresas pesquisadas nos arranjos
1. Arranjo Fumageiro
A pesquisa de campo no arranjo fumageiro foi realizada entre os meses de outubro de 1997 e
julho de 1998, envolveu a realização de entrevistas e a aplicação de questionários junto a uma
amostra selecionada de empresas, associações de classe e institutos de pesquisa vinculados ao
arranjo produtivo. De um universo de 16 empresas que atuam diretamente na produção e
beneficiamento de fumo na região do Vale do Rio Pardo, a pesquisa de campo abarcou uma amostra
de 10 segmentada por extratos de acordo com tamanho e propriedade do capital. Do conjunto de
empresas contempladas na amostra, seis constituem braços de grandes conglomerados
transnacionais e respondem por quase 90% de todo o mercado de fumo beneficiado na região sul.
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As quatro restantes correspondem ao segmento de micro e pequenas empresas (até 99 empregados)
de capital nacional e que atuam apenas na produção de fumo em folha fornecendo a quase totalidade
da sua produção para as grandes usinas que operam com a exportação do fumo beneficiado. Este
tipo de segmentação da amostra possibilitou que fossem ressaltadas importantes diferenças no que
se refere ao formato, estruturas de competências, formas de interação e características dos mercados
onde cada segmento atua.
TABELA 1- Perfil da amostra de empresas analisadas no arranjo fumageiro
No. empregados Produtores integrados
Capacidade de processamento
Empresa
Ano de Fundação
Origem do capital
Principal produto
Efetivos Sazonais
E
mpresa
A
1973 Americano Cigarros 4.600 não se aplica 42 bilhões
Empresa B 1903 Anglo-americano
Fumo beneficiado 1.916 1.800 55.000 220 mil ton.
Empresa C 1993 Americano Fumo beneficiado 850 4.200 35.000 91,15 mil ton Empresa D 1996 Americano Fumo beneficiado 680 3.500 6.825 124 mil ton Empresa E 1974 Americano (3) Fumo beneficiado 216 1.100 7.800 25 mil ton Empresa F 1994 Americano Fumo beneficiado 185 1.430 33.500 30 mil ton Empresa G 1953 Nacional Fumo beneficiado 96 - - 25.3 mil ton Empresa H 1987 Nacional Fumo in natura 32 10 920 1.300 ton Empresa I 1967 Nacional Fumo in natura 18 10 700 3.000 ton Empresa J 1995 Nacional Fumo in natura 16 - 900 2.400 ton TOTAL: 8.609 12.200 144.609 522015 ton
Fonte: pesquisa de campo 2. Arranjo Coureiro-calçadista
A pesquisa de campo no arranjo coureiro-calçadista foi realizada entre Junho e Julho de
2000. Inicialmente, foram aplicados questionários junto aos diferentes segmentos de empresas que
integram a cadeia produtiva coureiro-calçadista em nível local e junto às diversas organizações que
integram o arcabouço institucional do arranjo tais como sindicatos, associações de classe,
universidades, instituições de pesquisa, etc. Além disso, também foram utilizadas diversas outras
fontes de informações tais como jornais, diretórios e relatórios setoriais e demais publicações
especializadas.
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A amostra de empresas foi selecionada a partir de listagens obtidas junto a Associação
Comercial e Industrial de Novo Hamburgo (ACI-NH) e a Associação Brasileira de Empresas
Produtoras de Calçados (ABICALÇADOS). Ao todo, a amostra abarcou um conjunto de 14
empresas calçadistas (segmentadas por porte de acordo com o número de funcionários), 4 curtumes,
2 empresas fabricantes de equipamentos, 1 fornecedores de componentes e dois agentes de
exportação. A aplicação dos questionários foi seguida pela realização de entrevistas com dirigentes
e/ou técnicos das empresas com vistas a incrementar a qualidade das informações coletadas através
dos questionários. A realização de entrevistas abrangeu também algumas das principais associações
de classe e centros de pesquisa vinculados ao arranjo na região tais como Assintecal, Abicalçados,
CTCCA, entre outras.
TABELA 2 - Perfil da amostra de empresas analisadas no arranjo coureiro-calçadista
Porte da empres a
Ano de Fundação
Localização Principal produto Nº Empregados Capacidade Instalada
Grande 1962 Dois Irmãos Calçados femininos 2.400 462.500 pares/mês Grande 1962 Rolante Calçados femininos 1.123 200.000 pares/mês Grande 1989 Sapiranga Calçados femininos 1.195 11.500 Grande 1976 Nova Petrópolis Calçados femininos 602 - Grande 1948 Dois Irmãos Calçados femininos 542 52.800 Grande 1968 Sapiranga Calçados femininos 540 90.000 pares/mês Grande 1965 Teutônia Calçados 1.100 180.000 pares/mês Média - Novo Hamburgo Calçados femininos 270 40.000 pares/mês Média 1987 Ivoti Calçados masculinos 210 2.500 - 1949 Parobé Calçados infantis - 5 milhões/pares Média 1969 Três Coroas Calçados 223 - Pequena 1997 Novo Hamburgo Calçados 15 7.500 pares/mês Pequena 1991 Igrejinha Calçados 10 7.400 pares/mês Pequena 1993 Dois Irmãos Calçados 95 -
Fonte: Pesquisa de Campo Obs: “-“ indica que a informação não foi fornecida pela empresa 3. Arranjo vitivinícola
No arranjo vitivinícola, foram selecionadas 18 empresas de um universo de cerca de 400
estabelecimentos entre vinícolas industriais, cantinas rurais e cooperativas, concentradas
geograficamente na região da Serra Gaúcha em torno de municípios como Bento Gonçalves, Caxias
do Sul e Garibaldi. A amostra foi extratificada de acordo com a capacidade de processamento das
empresas. Assim, das 18 empresas analisadas, sete pertencem ao extrato de menor tamanho relativo
e apresentam capacidade de processamento inferior a três milhões de litros, cinco empresas
apresentam uma capacidade de produção entre três e seis milhões de litros e as seis empresas de
maior porte apresentam uma capacidade de produção superior a seis milhões de litros. Todas as
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vinícolas analisadas são de propriedade de capital nacional e a grande maioria da amostra (16
empresas) e constituída por empresas familiares de pequeno porte, com menos de 50 empregados.
Com relação à representatividade da amostra, é importante ressaltar que apesar de constituírem
menos de 5% do universo do arranjo em termos do número de estabelecimentos, essas empresas
representavam, em 1997, cerca de um terço da produção brasileira de vinhos e derivados96.
TABELA 3 - Perfil da amostra de empresas analisadas no arranjo vitivinícola
Empresa Fundação Origem
do capital Principal produto Empregados Engenheiros
/técnicos Capacidade de produção (lt)
Faturamento (R$ milhões)
Empresa D* 1931 Nacional Vinho fino 336 24 36.000.000 58.706.510,00 Empresa O* 1953 Nacional Bebidas alcólicas 22 2 n.i 7.475.994,00 Empresa E 1965 Nacional Vinho comum 50 4 6.523.000 6.961.896,00 Empresa M* 1960 Nacional Vinhos comuns 55 3 7.330.000 4.938.000,00 Empresa N* - Nacional Bebidas alcólicas 26 1 n.i 4.655.859,19 Empresa F - Nacional Vinho comum 17 4 7.688.300 4.019.722,63 Empresa H 1951 Nacional Vinagres e sidras 31 4 n.i 2.520.000,00 Empresa B 1987 Nacional Vinho fino 24 1 n.i 2.504.393,00 Empresa L* 1964 Nacional Vinhos comuns 12 1 3.950.000 2.477.000,00 Empresa A 1973 Nacional Vinho fino 29 8 3.700.000 2.200.000,00 Empresa C 1974 Nacional Vinho comum 9 4 4.225.000 1.891.959,50 Empresa P* 1966 Nacional Vinhos comuns 02 1 2.300.000 1.000.000,00 Empresa J 1974 Nacional Vinhos finos 9 8 105.000 790.327,28 Empresa I 1983 Nacional Vinhos finos 41 02 350.000 650.000,00 Empresa Q* 1988 Nacional Vinhos comuns 11 - 628.968 400.000,00 Empresa R* 1968 Nacional Vinhos comuns 04 1 802.500 322.806,00 Empresa S* 1963 Nacional Vinhos comuns 03 3 310.000 90.000,00 Empresa G 1959 Nacional Vinho fino 6 13 150.000
Fonte: pesquisa de campo
96 Considerando-se o volume total da producao brasileira de vinhos e derivados de 267 milhoes de litros, em 1997, e a capacidade de producao das empresas da amostra que totalizava 73.892 mil litros no mesmo período.
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4. Arranjo Moveleiro
Na amostra de 19 empresas analisadas no arranjo moveleiro, quatro correspondem a empresas de grande porte
que possuem entre 500 e 800 empregados. Estas empresas atuam, principalmente, na produção de móveis de cozinha,
móveis de aço e móveis em geral. Sete delas correspondem a empresas de médio porte que empregam, em média, entre
100 a 499 empregados e atuam principalmente na produção de móveis para cozinha, estofados e estantes. As oito
empresas restantes pertencem ao segmento de micro e pequenas do arranjo que atuam em ramos diversos como móveis
para escritório, estofados, móveis para cozinhas, móveis escolares, cadeiras, estantes e móveis em geral. Além disso,
cabe ressaltar que todas as empresas da amostra são formadas por capital nacional e, de uma maneira geral,
desenvolvem suas atividades no arranjo desde a década de 50. Das 19 empresas, apenas 01 foi criada na década de 30.
A maioria delas, 06, foram instaladas na década de 60. Pode-se observar, que 13 empresas iniciaram suas atividades
entre a década de 30 e 70.
TABELA 4 - Perfil da amostra de empresas analisadas no arranjo moveleiro
Porte da empresa
Ano de Fundação
Localização Principal Produto Nº Empregados Capacidade Instalada
Grande 1953 Flores da Cunha Cozinha 793 n.r Grande 1961 Bento Gonçalves Móveis em geral 525 24.411,20 m² Grande 1950 Flores da Cunha Móveis em geral 520 1.000 m³ móv. mês Grande 1969 Bento Gonçalves Móveis de aço 516 2500 ton. móv. mad. Média 1939 Bento Gonçalves Cozinhas 300 125.000 móv./mês Média 1963 Bento Gonçalves Móveis em geral 246 n.r Média 1960 Gramado Móveis Country 200 6000 m² Média 1964 Bento Gonçalves Cozinhas 197 3.500 volume/dia Média 1976 Bento Gonçalves Cozinhas 169 15.000 m² Média 1980 Antônio Prado Móveis em geral 119 n.r Média 1978 São Marcos Estantes 115 32.099 m²
Pequena 1979 Flores da Cunha Móveis em geral 55 1.200 m²/ mês Pequena 1990 Bento Gonçalves Estofados, estantes e
cozinha 50 20.000 peças/mês
Pequena 1985 Bento Gonçalves Roupeiros 45 10.000 peças/mês Pequena 1988 Bento Go nçalves Cadeiras e estofados 36 1670 unid./mês Pequena 1975 Antônio Prado Estantes 32 2.500 m² Pequena 1961 Garibaldi Móveis de escritório 30 n.r Pequena - Caxias do Sul Estofados 22 2.000 m² Pequena 1995 Bento Gonçalves Móveis escolares 20 2.000 m²
Total 3.990 Fonte: Pesquisa de Campo
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Anexo C Modelo geral de questionário usado na pesquisa de campo
Este anexo apresenta um modelo do questionário aplicado junto as empresas nos arranjos.
Este modelo geral de questionário serviu como referência para coleta de informações, tanto nas
empresas que constituem o núcleo produtivo do arranjo local, como nos seus fornecedores
especializados.
QUESTIONÁRIO PARA EMPRESAS DO ARRANJO LOCAL:__________________________________ DATA: QUESTIONÁRIO N0:
I) Identificação Razão Social Sigla
CGC Data Constituição N.Reg.Junta Comercial Foro da Empresa Endereço (Rua, Av. Praça, etc) Complemento
Bairro Município UF CEP Caixa Postal
Telefones FAX URL Natureza Jurídica (Receita Federal) Atividade Econômica Predominante (IBGE)
CONTATO 1. Nome Cargo Departamento Função
Telefones FAX E-mail
Dirigente da Empresa Cargo Representantes Legais Cargo CIC
FILIAIS Endereço (Rua, Av. Praça, etc) Nº Complemento
Bairro Município UF CEP Caixa Postal
Telefones FAX URL
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ORIGEM DO CAPITAL SOCIAL: ( )% Nacional ( )% Externo II) Características dos Produtos e Processos produtivos: 1. Plantas industriais denominação capacidade instalada N. empregados principal produto ano localização 1 2 3 4 2. Evolução da capacidade de produção da empresa ano capacidade instalada n.de empregados forma de ampliação (1) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 (1) a -novo equipamento b- reforma de equipamento c - nova planta d- aquisição de planta ja existente 3. Evolução do volume de produção e do faturamento bruto ano volume de produção Faturamento % impostos s/ Faturamento 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 4. Grau de verticalização do processo produtivo da empresa % produção: INT = integrada; SUB = subcontratada Localização do subcontratado: LOC = local; NAC = nacional; EXT = exterior Etapas do processo % da produção Localização do terceirizado (%) INT SUB Total LOC NAC EXT Total Matéria-prima: 2 100 100 3 100 100 Processo produtivo: 1 100 100 3 100 100 Outros. Especificar
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5. Características das relações de sub-contratação Características Tipo de contrato ( ) informal ( ) escrito Prazo do contrato ( ) por tempo indeterminado ( ) por operação/lote produtos Exclusividade do subcontratado ( ) atende apenas a firma ( ) atende outras firmas Capacitação tecnológica do subcontratado
( ) igual ou superior à firma ( ) inferior à firma
Treinamento de pessoal pela firma ( ) realiza teinamento dos subcontrados
( ) não realiza
Cessão de equipamentos para o subcontratado
( ) há cessão ( ) não há cessão
6. Origem dos principais equipamentos utilizados no processo de produção: 1)da própria região onde a empresa está localizada; 2)de outros Estados do país; 3)do exterior. Equipamentos Origem * 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 7. Origem dos principais insumos/matérias-primas utilizados no processo de produção: 1)da própria região onde a empresa está localizada; 2)de outros Estados do país; 3)do exterior. Matérias-primas/ Insumos Origem * 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 1-( )% 2-( )% 3-( )% 8. Para as matérias-primas/insumos cuja principal origem é o local do aranjo, identifique as vantagens da empresa neste procedimento: 1- sem importância 2- pouco importante 3 - importante 4- muito importante
Vantagens 1 2 3 4 Rapidez na entrega Custos de transportes Assistência técnica oferecida Condições de financiamento Vantagens de preço Atributos de qualidade outras (especifique)
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9. Para os equipamentos cuja principal origem é o local do aranjo, identifique as vantagens da empresa neste procedimento: 1- sem importância 2- pouco importante 3 - importante 4- muito imp ortante
Vantagens 1 2 3 4 Garantia de prazo de entrega Informação sobre os equipamentos disponíveis Assistência técnica oferecida Condições de financiamento Vantagens de preço Atributos de qualidade outras (especifique) 10. Quais são as principais vantagens que podem ser associadas a localização da empresa na região? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante Externalidades Importância 1 2 3 4 Infra-estrutura disponível Disponibilidade de mão-de-obra Qualidade da mão-de -obra Custo da mão-de-obra Existência de programas governamentais Proximidade com universidades e centros de pesquisa Proximidade com os fornecedores de insumos Proximidade com os clientes/consumidores Outros; especificar: 11.Quais são as principais vantagens/desvantagens relacionadas ao perfil de qualificação da mão-de-obra existente na região? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante Vantagens/desvantagens Importância 1 2 3 4 escolaridade formal de 1o. e 2o. graus escolaridade em nível superior e técnico conhecimento prático e/ou técnico na produção disciplina iniciativa na resolução de problemas capacidade para aprender novas qualificações concentração outros, especificar: 12. Como a empresa avalia a provisão de infra-estrutura física e serviços públicos na região com relação aos seguintes fatores: 1)insuficiente; 2)satisfatória; 3)excepcional 1 2 3 área para instalação de empreendimentos industriais energia elétrica estradas telecomunicações outros:
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13. Identifique a perspectiva dos investimentos da empresa para os próximos cinco anos: a) forma de investimento sim/não aquisição de plantas já existentes implantação de nova fábrica modernização da planta já existentes outras : especificar b) objetivo do investimento melhoria na qualidade do produto para o mercado interno adequação às exigências do mercado internacional diversificação da produção ampliação da produção controle ambiental outros : especificar 14. Identifique por ordem de importância as principais fontes de financiamento: 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante Fonte 1 2 3 4 recursos próprios bancos oficiais bancos privados recursos externos outros: especificar 15. Identifique os produtos (ou linhas de produto) com maior participação no faturamento Produto/linha de prod. % no faturamento principal característica que identifica o
produto/linha de produto 16. Identifique para os principais produtos/linhas de produtos: Característica Produto/linha de produto a b c d
Tecnologia de produção estável e difundida passando por grandes alterações
Situação da demanda començando a crescer cresce a uma taxa significativa está estabilizada
Estratégia da empresa Pioneira(fez o primeiro lançamento no mercado) seguiu seus concorrentes nacionais seguiu seus concorrentes internacionais
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17. Quais fatores são determinantes para manter a capacidade competitiva na principal linha de produto? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante 1 2 3 4 Qualidade da matéria -prima Qualidade da mão-de -obra Custo da mão-de-obra Nível tecnológico dos equipamentos Inovações de desenho e estilo nos produtos Novas estratégias d e comercialização Capacidade de atendimento (volume e prazo) Outros: especificar III - Introdução de Inovações e esforço de capacitação tecnológica 1.No decorrer da década de 90, quais foram as principais inovações adotadas pela emp resa em seus produtos e/ou processo produtivo: 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante Inovações adotadas importância
Inovações de Produto 1 2 3 4 Alterações no desenho/estilo Alterações de características técnicas Novo produto
Inovações no processo produtivo 1 2 3 4 Incorporação de novos equipamentos na planta industrial
Nova configuração da planta industrial Construção de uma nova planta Introdução de novas técnicas organizacionais - Células de produção - Just-in-time externo - CAD/CAM - outras (especificar): Introdução de novas matérias-primas Outros (especificar): 2. Quais são as principais fontes de informação que a empresa utiliza para promover inovações de produto ou de processo? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante Fonte 1 2 3 4 Departamentos de P&D da empresa na região Departamentos de P&D da empresa situados em outras regiões Departamento de P&D da empresa localizada fora do país Consultorias especializadas contratadas localmente Consultorias especializadas localizadas fora da região Consultorias especializadas localizada no exterior Universidades e Centros Tecnológicos na região Universidades e Centros Tecnológicos de outras regiões Universidades e Centros Tecnológicos localizados no exterior Aquisição de novos equipamentos fornecidos localmente Aquisição de novos equipamentos de produtores nacionais
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Aquisição de novos equipamentos oriundos de fornecedores externos Clientes Publicações especializadas Troca de informações com empresas do setor na região Troca de informações com empresas do setor localizadas fora da região Troca de informações com empresas do setor localizadas no exterior Congressos e feiras comerciais e industriais do setor realizadas no país Congressos e feiras comerciais e industriais do setor realizadas no exterior Outros: especificar 3.Como se dá o desenvolvimento ou incorporação de novas tecnologias? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante Forma de incorporação de inovações tecnológicas 1 2 3 4 Aquisição de máquinas compradas no mercado nacional Aquisição de máquinas compradas no mercado internacional Em cooperação com fornecedores de equipamentos Nas unidades de produção da empresa Em laboratórios de P&D da empresa Em cooperação com outras empresas concorrentes Em cooperação com outras organizações (de ensino e pesquisa, entidades de apoio setoriais, etc.)
Via licenciamento Em cooperação com fornecedores de insumos Outros. especificar: 4. Indique os gastos atuais em P&D, sua evolução e perspectivas futuras. situação a) % do gasto em P&D em relação ao faturamento em 1999 b) variação do gasto em P&D em relação a 1990 - aumentou significativamente - houve um pequeno aumento - não aumentou c) Perspectivas para gastos em P&D nos próximos cinco anos - permanecer nos níveis atuais - ampliar moderadamente - ampliar significativamente 5. Indique o grau de qualificação da mão de obra:
Níveis de formação % de empregados primeiro grau incompleto primeiro grau completo segundo grau completo superior completo superior incompleto pós-graduados total 100 6. Indique o grau de qualificação e origem do pessoal técnico (lotados em laboratórios, departamento de P&D, equipes de desenvolvimento de produtos e processos, etc)
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Para o local da formação considere: (1) local (2) nacional (3) exterior
Níveis de formação local da formação número de empregados Técnicos de Nível Médio Nível superior pós-graduados total 7. Avalie a qualificação da mão de obra e indique as perspectivas para os próximos cinco anos e local de treinamento já utilizados avaliação e perspectivas sim/não a) a qualificação atual é: - adequada - parcialmente adequada b) pretende-se: sim/não - manter o nível de qualificação atual - intensificar a qualificação nos seguintes setores (especificar)
c) principais locais de treinamento indique os já utilizados em ordem crescente de importância
- na empresa - em instituições do local - em instituições nacionais - em instituições localizadas no exterior d) % de empregados atualmente frequentando cursos de treinamento
IV) Vendas 1. Quais são os principais canais de comercialização adotados pela empresa ? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante
Forma de comercialização importância 1 2 3 4 Sob encomenda Lojas Próprias Grandes Varejistas Escritórios de Exportação Outros (especificar):
2. Evolução do faturamento e destino das vendas ano Faturamento % mercado interno % exportações 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
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1999 3. Destino das exportações país % das exportações 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Total 100 100 100 100 100 100 100 100 1001 100 V) Formas de cooperação e interação entre os atores do arranjo 1.Nos últimos cinco anos, como evoluíram as relações de cooperação da empresa com os demais atores do arranjo produtivo? 1) forte diminuição; 2)diminuição; 3)estável; 4)aumento; 5)forte aumento Empresas e instituições Locais Externos ao arranjo 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 Clientes Concorrentes Fornecedores de insumos Fornecedores de equipamentos Centros tecnológicos Universidades Sindicatos e Associações Órgãos públicos Outros (especificar): 2.Nos últimos cinco anos, como evoluíram as relações de cooperação com as demais empresas do segmento na região com relação às seguintes atividades? 1) forte diminuição; 2)diminuição; 3)estável; 4)aumento; 5)forte aumento Atividades cooperativas Tendência 1 2 3 4 5 Troca de informações Ensaios para desenvolvimento e melhoria de produtos Ações conjuntas para capacitação de RH Ações conjuntas de marketing Ações conjuntas em desenho e estilo Outras: especificar 3.Nos últimos cinco anos, como evoluíram as relações de cooperação com seus fornecedores em nível local em relação às seguintes atividades:
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1) forte diminuição; 2)diminuição; 3)estável; 4)aumento; 5)forte aumento Atividades cooperativas Tendência 1 2 3 4 5 Troca de informações Ensaios para desenvolvimento e melhoria de produtos Assistência Técnica no processo produtivo Ações conjuntas para capacitação de RH Ações conjuntas em desenho e estilo Outras (especificar) 4.Quais as formas de intercâmbio que a empresa costuma manter com Centros de Pesquisa, Universidades e instituições afins: Origem: a) local; b)no país; c)no exterior Freqüência: 1)inexistente; 2)rara; 3)anual; 4)mensal Forma de Interação Instituição (sigla) origem freqüência a b c 1 2 3 4 Desenvolvimento de novos produtos Desenvolvimento de novos processos Testes e Certificação Treinamento de Pessoal Aproveitamento de resíduos industriais Caracterização e seleção de matérias -primas Outros (especificar)
5.Caso a empresa não mantenha nenhuma forma de interação com universidades e centros de pesquisa, em nível local ou regional, quais os motivos? 1)sem importância; 2)pouco importante; 3)importante; 4),muito importante motivos importância as instituições locais não possuem a infra-estrutura e qualificação necessárias para atender as necessidades de P&D da e mpresa.
a empresa possui uma infra -estrutura própria voltada para as atividades de P&D.
a empresa conta com fornecimento externo de informações tecnológicas:
através da matriz e/ou outras unidades do mesmo grupo. através dos fornecedores de insumos e equipamentos através de outras consultorias tecnológicas no país através de outras consultorias tecnológicas fora do país 6. Quais as formas de interação que a empresa mantém com associações de classe, sindicatos e outros tipos de organizações de representação coletiva na região: Para importância: (1) sem importância; (2) pouco importante (3) importante; (4) muito importante
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Para freqüência: IN= inexistente; RA= rara; AN = anual; ME = mensal Forma de interação Importância Freqüência Associação 1 2 3 4 IN RA AN ME Realização de eventos/feiras Cursos e seminários Negociações coletivas Apoio na aquisição de insumos Contatos e troca de informações Outros: especificar VI) Políticas Públicas e Impacto das mudanças estruturais na década de 90 1. A empresa participa ou participou de algum tipo de programa específico para o segmento, promovido por diferentes âmbitos de governo? ( ) sim ( ) não Em caso afirmativo, especifique quais: _______________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ 2. Quais políticas governamentais poderiam contribuir para o aumento da eficiência competitiva das empresas do arranjo? Para importância: (1) sem importância; (2) pouco importante (3) importante; (4) muito importante Para âmbito de governo: L) local; E) estadual; F) federal Ações de Política importância âmbito 1 2 3 4 L E F Programas de capacitação profissional e treinamento técnico
Melhorias na educação básica Programas de apoio a consultoria técnica Linhas de crédito Incentivos fiscais maior estabilidade macroeconômica Outras (especifique): 3. Qual a sua avaliação sobre o papel do governo federal, estadual e municipal no processo de promoção de inovações? Governo Positiva Negativa Por que? Federal
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Estadual Municipal 4. Como a empresa se adequou ao processo de abertura de mercado nos anos 90?
(Numerar por ordem de importância, onde o n.º 1 é o mais importante).
( ) promoveu importantes melhorias nos equipamentos e processos produtivos ( ) promoveu apenas mudança organizacional ( ) introduziu inovação de produto ( ) introduziu inovação de processo ( ) fez arranjos cooperativos com empresas e instituições de pesquisa ( ) capacitou internamente os recursos humanos ( ) empenhou-se no aprendizado tecnológico ( ) buscou outras formas de financiamento ( )outros
5. Como a empresa tem reagido aos novos fluxos de investimento direto externo que tem entrado no país?
(Numerar por ordem de importância, onde o n.º 1 é o mais importante).
( ) fez associações com empresas nacionais ( ) fez associações com empresas multinacionais ( ) concentrou investimentos em áreas de maior competência produtiva ( ) buscou estruturas de fomento (financiamento, incentivos) à indústria ( ) realizou projetos voltados a alianças tecnológicas com outras empresas ( ) outras
6. Em que medida a formação do MERCOSUL vem influenciando a estratégia da empresa?
(Numerar por ordem de importância, onde o n.º 1 é o mais importante).
( ) levou à formação de alianças cooperativas com empresas dos países do MERCOSUL, voltadas para melhorias na produção
( ) conduziu a um maior acirramento concorrencial com empresas dos países do MERCOSUL ( ) levou a empresa a realizar investimentos nos países do MERCOSUL ( ) levou a empresa a maior integração com empresas locais na busca de maior especialização produtiva ( ) levou a empresa a realizar esforços junto a governos em favor de tratamento mais eqüitativo
às empresas locais
( ) levou a empresa a ampliar sua estrutura de vendas para os países do MERCOSUL ( ) outros impactos. Citar
7. Indique os principais obstáculos que impedem maior integração entre a sua empresa e as empresas dos países do MERCOSUL. Assinale em ordem de importância: 1 - sem importância; 2 - pouco importante; 3 - importante 4 - muito importante.
Itens 1 2 3 4 Ausência de interesses comuns de negócios Dimensão limitada do mercado Dificuldades de acesso as informações de negócios Dificuldade de maior aproximação com empresários de outros países Desarmonia entre as políticas macroeconômicas dos países Entraves fiscais Dificuldade na realização de acordos cooperativos com empresas de outros países Outras. Especifique
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8. Que políticas governamentais poderiam contribuir para o aumento da eficiência e inovação da empresa? (Numerar por ordem de importância, onde o n.º 1 é o mais importante).
( ) estabelecimento de mais e melhores atividades de treinamento técnico ( ) melhorias em educação básica ( ) programas de apoio a consultoria técnica ( )linhas de crédito; em caso afirmativo especifique______________________ ( ) incentivos; em caso afirmativo especifique ( ) maior estabilidade macroeconômica ( )outras. Especifique: ( ) não devem haver políticas governamentais para estímulo à inovação.