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PROPOSTA MULTIDISCIPLINAR PARA ENFRENTAMENTO DE
PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS LOCAIS: INTERAÇÕES ENTRE UNIVERSIDADE E SOCIEDADE EM AXIXÁ DO TOCANTINS - TO
Oswaldo Gonçalves Junior1 Alessandra Aparecida Viveiro2
RESUMO: Contextualiza e descreve o município de Axixá do Tocantins, o Projeto Rondon e o trabalho desenvolvido pela equipe da Unesp de Araraquara. Apresenta proposta multidisciplinar desenvolvida e voltada para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, entendendo-se que a rede municipal de ensino constitui-se num espaço estratégico para desencadear processos formativos que possam atingir, direta ou indiretamente, o público escolar e população em contato com esta. Focando a Serra do Estrondo, local potencialmente relevante para geração de desenvolvimento municipal a partir de atividades de ecoturismo, a proposta objetiva a articulação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de conteúdos relacionados à temática ambiental para enfrentamento de problemas socioambientais. PALAVRAS-CHAVE: Axixá do Tocantins; Serra do Estrondo; Projeto Rondon; Educação; Problemas socioambientais. INTRODUÇÃO Axixá do Tocantins é um município situado no extremo norte do Estado do
Tocantins, na Microrregião do Bico do Papagaio.
O território do Bico do Papagaio localiza-se na confluência entre os rios
Araguaia e Tocantins, fazendo divisa com os Estados do Pará e do Maranhão. Está
em uma zona de transição entre os biomas Floresta Amazônica e Cerrado, em uma
área com densa vegetação de babaçu3 e outras palmáceas, como o buriti e a
macaúba. O babaçu, em especial, é de grande importância econômica para a região,
uma vez que a planta é totalmente aproveitada: as amêndoas são beneficiadas para
extração de óleo usado na produção de alimentos, produtos de higiene, limpeza e
cosméticos; o mesocarpo é usado na alimentação humana e como aglomerante na
fabricação de briquetes; o epicarpo (camada externa e fibrosa do fruto) é utilizado para
1 Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP, [email protected], Doutor em
Administração Pública e Governo. 2 Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP, [email protected],
Doutora em Educação para a Ciência. 3 O babaçu é uma palmeira da família botânica Arecaceae. Há várias espécies, sendo as mais
conhecidas a Attalea phalerata e a Attalea speciosa.
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confecção de xaxins, vasos, estofados de carros, adubo orgânico e na queima em
fornos domésticos e comerciais; o endocarpo (camada mais resistente do fruto) serve
para queima em substituição à lenha; o caule pode ser utilizado em construções e
para marcenaria rústica; quando a palmeira é jovem, extrai-se também o palmito; as
folhas, que chegam a medir oito metros de comprimento, são usadas na cobertura de
casas, sobretudo nas áreas rurais onde são frequentes casas de pau a pique; a palha
seca trançada serve de matéria prima para produção de artesanato, como cestarias,
chapéus, esteiras; entre outras aplicações. A atividade extrativista é executada
tradicionalmente por mulheres, de modo artesanal. Muitas famílias sobrevivem da
agricultura de subsistência associada à exploração do babaçu (FERREIRA, 2005;
VAINSENCHER, 2008; CARRAZZA; SILVA; ÁVILA, 2012).
Nas décadas de 1960 e 1970, a região era a porta de entrada para a Amazônia
Legal e, durante o regime militar, tornou-se zona de intensos conflitos agrários entre
grileiros e posseiros, vindos em sua maioria dos Estados do Piauí e Maranhão em
busca de terras, e fazendeiros da região centro/sul do país, interessados na ocupação
para criação de gado de corte, motivados pelos incentivos do Governo Federal que
pretendia ocupar e promover o crescimento econômico da região (CARVALHO;
COSTA; PALMEIRA, 2006; SILVA; CUNHA, 2012). A partir da década de 1960, o
acesso aos babaçuais para exploração extrativista, até então livre, passou a ser
dificultado pelas cercas e porteiras das fazendas, gerando intenso conflito entre as
famílias que viviam da extração do babaçu e empregados dessas fazendas, o que
Figura 1: Mapa do Estado do Tocantins com destaque para a Microrregião do Bico do Papagaio.
Figura 2: Mapa do Estado do Tocantins com destaque para o município de Axixá do Tocantins.
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ocasionou inclusive a morte de muitas pessoas (MATOS, 2005). Ainda hoje os
conflitos existem na região, a exemplo da luta de milhares de mulheres quebradeiras
de coco que reivindicam, entre outras demandas, livre acesso aos babaçuais,
concentrados cada vez mais em áreas privadas que têm se tornado inacessíveis ao
trabalho extrativista4 (CARRAZZA; SILVA; ÁVILA, 2012).
A dinâmica socioeconômica da Microrregião, marcada pela exploração de
recursos naturais, dá o tônus à relação sociedade-ambiente. Assim, o Bico do
Papagaio situa-se no chamado “arco do desmatamento”, com a substituição da
vegetação nativa pelo plantio de pastagens e grandes monoculturas exploradas pelo
agronegócio, em um ritmo acelerado, que constitui um grave problema ambiental,
ocasionando a perda de biodiversidade bem como uma ameaça à sobrevivência dos
trabalhadores agroextrativistas e de outros grupos que trabalham com a agricultura
familiar nesses locais (ROCHA, 2011).
O povoado que deu origem ao município de Axixá do Tocantins se constituiu
em 1953 a partir de moradores que se dedicavam à exploração do babaçu e à caça de
animais silvestres. Graças à abundância da caça e à grande incidência de babaçu,
rapidamente a região foi povoada. O termo Axixá faz referência ao nome popular de
uma árvore (Sterculia sp.)5 bastante comum na vegetação nativa da região (IBGE,
2014).
No início da década de 1960, o povoado foi emancipado com a denominação
Axixá de Goiás e, a partir da constituição do Estado do Tocantins, em janeiro de 1989,
passou a ser denominado como Axixá do Tocantins, ocupando uma área de
aproximadamente 150Km2 (IBGE, 2014).
O censo de 2010 indicava uma população de 9.275 habitantes, com
concentração de crianças e jovens dos 5 aos 19 anos. O produto interno produto tem
sua principal contribuição advinda do setor de serviços, com reduzida contribuição da
indústria e do setor agropecuário, ainda que 1/3 da população se dedique a atividades
rurais (IBGE, 2014).
4 Embora, desde 2008, o Tocantins tenha aprovado a Lei do Babaçu Livre, que garante às
comunidades tradicionais e às quebradeiras de coco o acesso a áreas públicas ou devolutas onde existam os babaçuais, o acesso a propriedades particulares está condicionado a acordo com os proprietários. Além da derrubada das palmeiras por muitos fazendeiros, os relatos são de enfrentamento e dificuldade de acesso. 5 O nome popular Axixá é usado em diferentes textos fazendo referência a duas espécies do
mesmo gênero: Sterculia striata (TOCANTINS, 2012) e Sterculia chicha (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, s.d.). Lorenzi (1992) denomina Chichá a Sterculia chicha (A. St-Hil. ex Turpin / Angiospermae - Malvaceae - antiga Sterculiaceae) e Chichá do Cerrado a Sterculia Striata (A. St-Hil & Naudin / Angiospermae - Malvaceae - antiga Sterculiaceae). O autor traz vários nomes populares, incluindo “Xixá”, mas não menciona o nome “Axixá”. Diante da dificuldade de identificar a espécie exata que dá nome ao município, optamos pela indicação Sterculia sp., como fazem também Matoski e Rocha (2006) ao fazer referência à madeira de Axixá.
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Dados relativos ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)
indicam que o município de Axixá do Tocantins está situado na faixa mediana (IDHM
Médio entre 0,6 e 0,699), obtendo em 2010 o índice de 0,627. A dimensão que mais
cresceu entre 2000 e 2010, em termos absolutos, foi Educação (com crescimento de
0,284), seguida por Longevidade e por Renda. Em 2010, 96,23% das crianças de 5 a
6 anos frequentavam a escola e 86,66% de 11 a 13 anos cursavam os anos finais do
fundamental ou possuíam este nível de ensino completo. Entre os jovens, 50,72%
daqueles entre 15 e 17 anos já haviam concluído o Ensino Fundamental e 30,97%
com idade entre 18 e 20 anos possuíam Ensino Médio completo (PNUD, 2013).
Esses dados mostram que houve um avanço significativo em termos de
proporção de acesso e fluxo educacional, embora o perfil econômico do município não
tenha acompanhado essa evolução no mesmo grau. Essa percepção é importante e
serviu de base para as reflexões que suscitaram a elaboração da proposta de
intervenção a ser tratada mais à frente neste trabalho.
Com relação aos aspectos ambientais, o município é representativo da
Microrregião onde está inserido. A paisagem do entorno é bastante modificada,
ocupada por grandes fazendas, assentamentos e agrovilas. Persistem babaçuais em
algumas áreas, mas Rocha (2011) aponta que as pastagens alteraram profundamente
a paisagem no município. Na área urbana, os bairros centrais concentram moradias de
alvenaria, enquanto a periferia exibe grande quantidade de casas de pau-a-pique. Há
pouca arborização em todo o espaço territorial urbano.
Figura 3: Imagem de satélite com visualização da área urbana do município de Axixá do Tocantins.
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PENSANDO A PARTIR DO PROJETO RONDON
Em razão do baixo desenvolvimento socioeconômico, Axixá do Tocantins foi
selecionado para integrar o grupo de municípios alvo das ações do Projeto Rondon na
Operação Portal da Amazônia em janeiro de 2014.
O Rondon é um projeto de integração social no qual alunos universitários, sob
a supervisão e orientação de professores coordenadores, desenvolvem atividades
voluntárias em regiões com diferentes características sociais e culturais do país. Foi
criado em 1967, com intensa atividade até 1989, quando foi extinto. Em 2005, foi
retomado com a coordenação do Ministério da Defesa (BRASIL, s/d).
A Operação “Zero”, projeto piloto realizado em junho de 1967, reuniu 31 alunos
de Engenharia, Medicina, Geociências, Documentação e Comunicação da
Universidade do Estado da Guanabara, Pontifícia Universidade Católica e
Universidade Federal Fluminense que ficaram por 28 dias desenvolvendo atividades
de pesquisa, levantamento e assistência médica em Rondônia. Dessa expedição,
surgiu o Projeto Rondon, sob coordenação do Ministério do Interior, com apoio dos
Ministérios das Instalações, Exército, Marinha e Aeronáutica (PRAVATO, 2011).
Os universitários viajavam no período de férias, desenvolvendo trabalho
voluntário. Com a percepção da necessidade de que o trabalho tivesse continuidade
nos municípios assistidos, foram criados os “Campi Avançados” em regiões pouco
desenvolvidas do país. Os Campi eram instalados e administrados pelas
Universidades que desenvolviam atividades de pesquisa e extensão.
Os objetivos do Projeto, nessa primeira fase, são vistos de forma controversa.
Por um lado, há argumentos de que, apesar de nascido no regime militar, o Projeto
Rondon nunca teve característica assistencialista ou ideológica, buscando o
desenvolvimento de áreas mais afastadas e o conhecimento da realidade por parte
dos universitários. Por outro, a criação do Projeto é associada a uma tentativa de
afastar os jovens das manifestações de oposição, envolvendo uma seleção individual
e excluindo, com isso, estudantes ligados a organizações estudantis, contrários à
ditadura militar. De todo modo, em 1989, sob o argumento de corte de gastos, o
Projeto foi encerrado (Id., 2011).
Em 2004, com vistas ao retorno do Projeto Rondon, foi criado um Grupo
Interministerial para estabelecer as diretrizes e os objetivos do Projeto e, em janeiro de
2005, foi retomado com a Operação Amazonas no município de Tabatinga – AM (Id.,
2011).
Atualmente, o Projeto Rondon objetiva
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contribuir para a formação do universitário como cidadão; integrar o universitário ao processo de desenvolvimento nacional, por meio de ações participativas sobre a realidade do País; consolidar no universitário brasileiro o sentido de responsabilidade social, coletiva, em prol da cidadania, do desenvolvimento e da defesa dos interesses nacionais; estimular no universitário a produção de projetos coletivos locais, em parceria com as comunidades assistidas (BRASIL, s/d).
O trabalho envolve uma articulação entre saberes populares e científicos,
priorizando ações que tenham continuidade no município (PRAVATO, 2011).
A participação das Instituições de Ensino Superior (IES) se dá a partir do
processo de submissão de proposta de trabalho em resposta a editais lançados
semestralmente pelo Ministério da Defesa, órgão responsável pelo Projeto Rondon.
Uma comissão, composta por técnicos de diversos Ministérios, avalia as propostas
com base em critérios como a pertinência e exequibilidade do plano de trabalho, a
excelência e a qualidade da IES, entre outros aspectos (BRASIL, s.d.).
Após a seleção, os professores coordenadores das equipes das IES
participantes visitam os municípios, conhecendo a realidade e estabelecendo contato
com gestores e líderes municipais para ajustar a proposta de acordo com as
demandas e necessidades locais. Nesse momento, é definido ainda o apoio logístico
que a Prefeitura dará aos rondonistas, como transporte para as atividades,
alimentação e alojamento (Id., s.d.).
Foi o que ocorreu em outubro de 2013, quando os professores coordenadores
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) realizaram a
viagem precursora à Axixá do Tocantins, etapa do projeto que evidenciou a existência
de demandas relativas ao descarte de resíduos sólidos, geração de emprego e renda,
administração do orçamento familiar, entre outras. Além disso, a população
necessitava de melhor qualificação profissional nas áreas de Educação, Cidadania,
Saúde, Meio Ambiente, Agricultura e Tecnologia.
Diante desse quadro, a equipe composta por oito estudantes de Graduação
das áreas de Administração Pública, Ciências Econômicas, Ciências Farmacêuticas,
Letras e Pedagogia desenvolveu oficinas, minicursos, palestras e rodas de conversa
relativas a temas como a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
descarte adequado do resíduo clínico hospitalar, associativismo e cooperativismo,
qualidade do atendimento no serviço público, geração de emprego e renda, turismo
como oportunidade para o desenvolvimento local e Educação Ambiental.
De modo geral, embora tivessem um público-alvo, todas as atividades eram
abertas para a comunidade interessada. As ações ocorreram durante duas semanas
em diferentes espaços, com dois dias de atividades concentradas em Assentamentos
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da área rural (Pequizeiro e Buritis) e os demais na área urbana. A escolha pelos
Assentamentos se deu por serem dois territórios localizados em posições opostas do
município e estarem entre os maiores povoados, reunindo, em cada um deles, mais de
quinhentos moradores, além dos pequenos povoados localizados nas imediações.
A título de exemplo, segue breve descrição de algumas das ações
desenvolvidas.
A palestra "Economia Doméstica e Orçamento Familiar” teve três edições. Em
uma delas, reuniu os alunos da Educação de Jovens e Adultos atendidos pelas
escolas municipais, inclusive da área rural, que tiveram suporte da Prefeitura para
deslocamento. Também foi realizada nos dois Assentamentos, com público variado.
Tinha como objetivo discutir conceitos financeiros e formas de alocação de recursos,
de modo a otimizar o uso da renda familiar, respeitando as restrições orçamentárias
existentes.
A palestra "Formas de Organização: associativismo e cooperativismo" ocorreu
nos Assentamentos rurais reunindo tanto membros das associações existentes, como
das quebradeiras de coco de babaçu, quanto interessados em possibilidades de
articulação. A atividade teve como objetivo sensibilizar a comunidade local sobre
dinâmicas econômicas diferenciadas, buscando a integridade produtiva, a união e a
sustentabilidade.
A roda de conversa sobre a "Implementação da Política Nacional de Resíduos
Sólidos” ocorreu na Câmara Municipal, reunindo gestores (secretários e vereadores) e
membros da sociedade civil preocupados com a temática ambiental. Tinha como
objetivo sensibilizar os participantes para a necessidade da adequada gestão dos
resíduos sólidos no município bem como esclarecer e discutir sobre as demandas
urgentes que devem ser atendidas a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
O minicurso “Educação Ambiental” foi desenvolvido junto aos professores dos
anos finais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino. Tinha como objetivo
conhecer as práticas já realizadas, discutir sobre as dificuldades encontradas e
sensibilizar os docentes sobre a importância de desenvolvimento de ações e projetos
envolvendo a Educação Ambiental na escola, bem como fornecer elementos teóricos e
metodológicos que subsidiem essas práticas.
Nos dois Assentamentos e na área urbana, foram desenvolvidas oficinas com
crianças voltadas à percepção ambiental. Nas áreas rurais, tiveram foco na
valorização e necessidade de conservação do patrimônio natural, com ênfase para a
problemática do descarte irregular de resíduos sólidos. As atividades na região central
da cidade exploraram as diversas formas de poluição presentes no espaço urbano.
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O desenvolvimento das atividades junto a públicos diversos, os diálogos com
representantes de diferentes segmentos e a observação cuidadosa da realidade
possibilitou também diagnosticar desafios, o que permitiu fornecer orientações, no
caso de questões menos complexas, e construir propostas apontando caminhos para
que o município encontrasse soluções para problemas em várias áreas. Entre elas,
algumas merecem destaque, pois se relacionam diretamente com a problemática
central desse trabalho.
Durante as atividades e em outros espaços de diálogo estabelecidos com
vereadores e representantes de diferentes Secretarias Municipais, buscou-se orientar
no sentido de busca de parcerias e apoio para o desenvolvimento local. Por exemplo,
no caso da Secretaria Municipal de Educação, chamou a atenção da equipe a
ausência de articulação com as universidades federais que possuem campi na região,
como por exemplo, a Universidade Federal do Maranhão, Campus Imperatriz (a
aproximadamente 43Km), e a Universidade Federal do Tocantins, Campus Araguaína
(a aproximadamente 225Km), que poderiam contribuir em processos formativos junto
aos professores da Educação Básica. Essas possibilidades pareciam não ser
vislumbradas e foram recebidas com muito entusiasmo.
A problemática dos resíduos sólidos foi um dos temas que demandou atenção.
Todos os municípios brasileiros terão que se adequar, até agosto de 2014, à Política
Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010). Isso implica na elaboração e
implementação de um Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos. Entre outros
aspectos relevantes, a Política determina o fim dos lixões, sendo substituídos por
aterros sanitários. A dificuldade enfrentada por pequenos municípios, como Axixá do
Tocantins, recai no alto custo para construção destes locais.
Diante disso, a própria Política preconiza que sejam estabelecidos consórcios
intermunicipais para viabilizar a construção de aterros sanitários compartilhados. O
município de Axixá do Tocantins compõe um desses consórcios, mas houve muita
dificuldade de identificarmos os atores do poder público envolvidos e responsáveis por
esse processo. Parecia haver um desconhecimento da Política e um estranhamento
quanto à complexidade da responsabilidade do município pela questão, para além da
construção e gestão do aterro.
Segundo a determinação da Política, para os aterros sanitários poderão ser
destinados somente rejeitos, ou seja, apenas e tão somente aqueles materiais que
não apresentem possibilidade de reutilização ou reciclagem. Para todos os demais
(plásticos, papéis, metais, vidros, material compostável etc.), o poder público local terá
que implementar programas de coleta seletiva, separação e destinação correta.
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Não por acaso, a Política enfatiza a importância do envolvimento de
associações e cooperativas de catadores, bem como uma perspectiva de valorização
mercadológica dos produtos que possam gerar emprego e renda ao município. Ao
mesmo tempo, o envolvimento da população é peça chave para a concretização da
transformação na forma como se lida com a problemática do lixo. Nesse sentido, uma
mudança de postura através da sensibilização e conscientização de toda a
comunidade atribui à Educação Ambiental papel estratégico. A rede escolar pode e
deve ser envolvida nesse processo, uma vez que crianças, jovens e adultos são tanto
sujeitos a serem transformados quanto multiplicadores nos diferentes espaços em que
estão inseridos (trabalho, família, Igreja etc.).
Para que todo esse processo de mudanças aconteça e se consolide, indicou-se
a necessidade de que o poder público municipal tomasse algumas medidas práticas e
urgentes. Além de aspectos já apontados, a população, seguidas vezes, relatou a falta
de regularidade (intervalos de até quinze dias entre as coletas, horários e dias
indefinidos em muitos bairros e comunidades) e a precariedade (veículos
inapropriados, ausência de equipamentos de segurança para os coletores etc.) com
que é feita a coleta de resíduos por caminhões da Prefeitura Municipal, resultando em
acúmulo de lixo doméstico espalhado por vários pontos da cidade. A regularização da
coleta é essencial para que a mudança de postura da população seja respaldada pelo
poder público, caso contrário, todo o processo educativo pode ser comprometido.
Além do problema dos resíduos domiciliares, Axixá do Tocantins vem
enfrentando um grave problema relativo ao descarte de resíduos hospitalares.
Trabalhou-se informando e sensibilizando os profissionais da Saúde sobre a gestão do
lixo hospitalar. Identificamos que, apesar da boa vontade e do conhecimento técnico
dos servidores, a coleta dos resíduos clínicos hospitalares é feita em desacordo com
as determinações legais. O material perfuro-cortante é queimado de maneira precária
nos fundos do hospital e o restante dos resíduos – curativos, por exemplo – é
descartado junto com o lixo comum, prática que oferece sérios riscos de contaminação
tanto para os profissionais da saúde quanto para a população em geral. A solução
urgente que se apresenta para este problema passa pela instalação de um incinerador
fora da área do hospital para o qual sejam encaminhados, por meio de coleta
específica, todos os resíduos clínicos da área de saúde. Esta coleta pode atender,
inclusive, farmácias, consultórios médicos e odontológicos e unidades básicas de
saúde.
Na área rural, nas atividades com os temas associativismo e cooperativismo,
buscou-se, junto a representantes da Associação das Quebradeiras de Coco,
identificar falhas nos processos de organização e pensar em possíveis caminhos para
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fortalecimento desses grupos. Além disso, procurou-se evidenciar que outros
pequenos produtores podem se fortalecer e aumentar o poder de negociação de seus
produtos a partir da criação de associações, como é o caso dos produtores de leite.
A percepção é de que prevalece, entre os grupos, grande desorganização que
envolve tanto o desconhecimento, por parte dos envolvidos, dos objetivos de uma
associação quanto das potencialidades que justificam a própria existência desta forma
de organização, ou seja, que a união pode proporcionar oportunidades que o
isolamento desfavorece. Isso tem resultado no desperdício dos incentivos
governamentais recebidos como verbas e maquinários e que hoje poucos resultados
trazem, sobretudo pensando-se numa maior autonomia de pessoas dependentes dos
programas de transferência de renda. É imprescindível a busca de apoio técnico
especializado para que essas associações saiam efetivamente do papel e cumpram
seus objetivos.
Por fim, chamou a atenção a natureza exuberante da região de Axixá do
Tocantins, um patrimônio natural e cultural com enorme potencialidade para o
ecoturismo e o turismo rural, modalidades crescentes em nível mundial, ao passo que,
no município, a atividade se desenvolve de forma não organizada, precária e
esporádica, além de não contar com representação na estrutura de governo local.
A atividade do turismo pode estimular o comércio, o setor de serviços (hotéis,
restaurantes, postos de combustíveis), além de criar postos de trabalho em setores
hoje inexistentes, como no caso de guias turísticos. Dessa forma, pode ampliar as
oportunidades de geração de emprego e renda, algo positivo, sobretudo em um
município que tem a sua população altamente dependente de programas de
transferência de renda e dos empregos públicos municipais.
O turismo pode, ainda, dinamizar a economia como um todo e aumentar a
arrecadação de Imposto sobre Serviços, reforçando o caixa da Prefeitura. Mas, para
que isso se viabilize, é necessário um planejamento que busque parceiros que apoiem
um projeto estruturado, caso contrário, um fluxo desordenado de turistas pode, por
exemplo, trazer impactos nocivos à cidade, causando efeito contrário ao esperado.
Nesse sentido, um caminho apontado foi que o poder público local busque
apoio técnico e gratuito em instituições como, por exemplo: o Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que disponibiliza uma unidade em
Araguatins, município próximo, intermediando o contato com a unidade de Palmas que
detém a Carteira de Turismo e Artesanato; a Universidade Federal do Tocantins,
Campus Araguaína, que possui um curso de Gestão e Turismo, Instituição que pode
ter interesse em parcerias para desenvolvimento de projetos e estágios; entidades
organizadas da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Empresas de
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Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA), entre outras. Estas instituições podem
orientar sobre diferentes pontos de vista (apoio para identificação de demandas, de
potenciais, de soluções para problemas específicos da área etc.) e dotar a Prefeitura
de capacidade técnica para captação de recursos junto aos governos estadual e
federal mediante submissão de projetos a editais lançados, por exemplo, pelo
Ministério do Turismo.
Em termos de estrutura administrativa, a Prefeitura pode criar uma Secretaria
do Turismo e Meio Ambiente atribuindo a este órgão a centralização das ações ligadas
ao setor.
Entre os pontos de interesse de Axixá do Tocantins, destacam-se as fazendas
que podem atender ao turismo rural, os chamados “banhos” (pequenos cursos d’água
represados na área rural e destinados ao lazer) e a Serra do Estrondo, principal
referência na paisagem local.
A Serra do Estrondo: um espaço de interesse estratégico
A Serra do Estrondo é constituída por um maciço rochoso de aproximadamente
443 metros de altitude ocupando extensa área do território axixaense. Do alto da Serra
é possível avistar toda a mancha urbana de Axixá do Tocantins e, ao longe, Imperatriz
do Maranhão – MA. No sopé da Serra, observa-se densa floresta de babaçu, exibindo
ainda outras espécies de palmeiras nativas da região. Na encosta voltada para a área
urbana do município, predominam árvores características de cerrado.
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6 Disponível em: <http://www.cidade-brasil.com.br/municipio-axixa-do-tocantins.html>. Acesso
em: 27.mar.2014.
Figura 4 – Vista aérea da área urbana de Axixá do Tocantins, com a Serra do Estrondo ao fundo.
(Fonte: Cidade Brasil, 2009)6
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É ponto de interesse de praticantes de parapente pois as correntes de ar são
comparadas às de Quixadá, cidade do Ceará considerada como um dos melhores
pontos de voo da América do Sul. É considerado o melhor ponto de voo do Tocantins
e um dos melhores do Norte e Nordeste. Grupo de atletas vindos do Tocantins e do
Maranhão utilizam a Serra para saltos (AXIXÁ, 2009; HELEN, 2012). Em razão disso,
a plataforma superior foi desmatada, com abertura de uma grande clareira na posição
que dá vista para a área urbana de Axixá, de onde saem os saltos.
Há indicativos de projetos ligados a associações que reúnem os atletas de voo
livre buscando melhorar o acesso à Serra do Estrondo para transporte de
equipamentos (AXIXÁ, 2009). Atualmente, o acesso é realizado por trilhas que
percorrem as encostas e, na parte mais íngreme, foram construídos vários lances de
escadas de madeira rústica para facilitar o acesso. Segundo relatos dos moradores, as
escadas foram construídas justamente para possibilitar a subida dos equipamentos de
voo. Atualmente, quem precisa subir algum material até o alto da Serra costuma
contratar jovens moradores para efetuar esse transporte.
A nossa percepção é de que dificuldade de acesso foi um dos principais fatores
que permitiu que a Serra do Estrondo mantivesse boa parte da vegetação nativa e
suas características naturais ao longo do tempo.
Ainda assim, a degradação observada deve-se à ação antrópica sobre o
ambiente: desmatamento, sobretudo na plataforma superior, feito por meio de
queimada; lixo deixado pelos visitantes ao longo das trilhas e também no alto da
Serra, sobretudo composto por garrafas plásticas usadas para o transporte de água;
área ocupada por antenas de celulares usada também para depósito do material
sucateado que não é mais utilizado. Em um dos rochedos que se destaca na encosta
da Serra, foi instalada uma grande cruz de madeira com inscrições que permitem
identificar uma homenagem familiar a uma moradora já falecida.
Durante a roda de conversa realizada com a equipe do Rondon que reuniu
gestores, membros da comunidade local e atletas que exploram o local para a prática
de parapente, estes manifestaram o interesse na construção de uma estrada
pavimentada que daria acesso ao alto da Serra para viabilizar o transporte de
equipamentos e atrair mais atletas para o local.
Parece haver uma tentativa de exploração do local por grupos para fins
privados, por um lado e, por outro, a dificuldade do poder público em vislumbrar a
importância do local tanto como patrimônio natural a ser preservado quanto local com
enorme potencial para o ecoturismo. Mesmo o turismo de aventura, que poderia
atender aos interessados em parapente, precisaria ser organizado para evitar a
ocupação irregular e a degradação da Serra. Isso se constitui como um sério risco
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para a região uma vez que, sem um plano estratégico de gestão, a Serra do Estrondo
e seu entorno ficam fragilizados enquanto alvo de interesses que podem não favorecer
um uso público e acelerar a degradação.
Quanto à titularidade do território, identificamos um registro da área no Cartório
local. No entanto, não há nenhum respaldo legal para esse documento privado e, pelo
que investigamos, a Serra se constitui como um patrimônio público que deve, portanto,
ser responsabilidade do poder estatal.
Em conversas com moradores, diagnosticamos a necessidade de um trabalho
de sensibilização para a valorização do patrimônio pela comunidade local. O
parapente, que parece ser alvo das discussões sobre a Serra, é realizado por
moradores de outros municípios. Por ser um esporte caro, não é acessível à maioria
dos jovens que observam curiosos os parapentes coloridos pelo céu de Axixá.
Por sinal, são alguns poucos jovens moradores que mais se aproximam da
Serra do Estrondo, percorrendo as trilhas e acampando no alto da Serra. Alguns
conhecem todos os desvios e caminhos alternativos, constituindo potenciais
excelentes guias do local, embora não haja nenhum tipo de formalização dessa
atividade. Entre os adultos e idosos, alguns recordam saudosos de terem subido a
Serra uma ou duas vezes na juventude, quando ainda nem havia as escadas. Boa
parte dos moradores, no entanto, nunca subiu a Serra, o que também expõem a
ausência de senso de pertencimento no tocante a este patrimônio.
Uma proposta multidisciplinar
No cenário educacional, Axixá do Tocantins conta com uma ampla rede de
escolas, atendendo uma parcela significativa da comunidade.
No Ensino Fundamental, são 25 escolas, sendo 23 municipais e 2 estaduais.
Nesse contexto, atuam 132 docentes de diferentes áreas. Só em escolas municipais
que atendem o Ensino Fundamental, atuam 96 professores. Em 2012, estavam
matriculados 2.556 alunos. O Ensino Médio é atendido por apenas uma escola
estadual, envolvendo 23 docentes. Em 2012, as matrículas indicavam um total de 740
estudantes. A Educação Infantil é ofertada por 23 escolas, das quais uma é privada e
as demais municipais, envolvendo 35 docentes e 436 alunos (dados de 2012). Pelos
dados, nota-se que a educação formal atinge diretamente, entre crianças, jovens e
adultos, aproximadamente 40% da população axixaense (INEP, 2012).
Entende-se que as escolas são, portanto, espaços estratégicos para
desencadear processos formativos que possam atingir, direta ou indiretamente, os
indivíduos do município, estejam estes frequentando a escola ou convivendo com
estudantes que possam multiplicar conhecimentos.
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Nessa perspectiva, o minicurso de Educação Ambiental desenvolvido durante o
Projeto Rondon em Axixá do Tocantins, com duração de oito horas, foi direcionado a
todos os professores dos anos finais do Ensino Fundamental da rede municipal de
ensino, buscando favorecer a formação de dinamizadores ambientais, ou seja,
profissionais capazes de construir o ambiente educativo como um dos nós de uma
rede para debate, reflexão, aprendizagem e difusão de informações, contribuindo para
democratização da sociedade e ampliação do espaço público. A escola, assim, pode
estar inserida, por meio de suas propostas pedagógicas, nas dinâmicas sociais na luta
hegemônica por uma sustentabilidade ambiental (GUIMARÃES, 2004).
A interação com os professores, durante o minicurso, permitiu identificar que o
município dispõe de um quadro qualificado de docentes, receptivo à discussão da
temática ambiental. Averiguou-se, inclusive, que ações pontuais vêm sendo
desenvolvidas nesse campo, embora elas, em geral, se restrinjam a iniciativas
individuais em temas tradicionalmente explorados em práticas de sala de aula
(reciclagem, artesanato confeccionado com embalagens etc.).
Como apontado anteriormente, o lixo apresenta-se de forma emblemática no
município, observado com recorrência pelas ruas da cidade, sejam elas centrais ou
periféricas, evidenciando um elo problemático de uma complexa cadeia que envolve
da produção até o tratamento dos resíduos sólidos.
Assim, uma caminhada no entorno do ambiente escolar, por exemplo, poderia
constituir uma atividade oportuna para desencadear um processo de reflexão a partir
da observação e exploração dos problemas locais (VIVEIRO; DINIZ, 2009).
Desse modo,
apoiados na observação direta da realidade (...), os alunos podem fazer uma releitura crítico-construtiva [da] (...) realidade, identificar seus problemas socioambientais, estabelecer relações entre as informações levantadas, bem como elaborar propostas para a transformação da mesma (SANTOS; COMPIANI, 2005, p. 5).
É nessa perspectiva que entra a proposta relativa à Serra do Estrondo, foco
deste trabalho. A partir de uma visita ao local, realizada pela equipe com a
participação da comunidade para reconhecimento dos potenciais turísticos do
município, algumas reflexões emergiram, com destaque para dois pontos: a
surpreendente riqueza do patrimônio natural e o processo de degradação em curso.
Diante desse cenário, e considerando o papel estratégico que a educação
pública desempenha na formação de cidadãos conscientes, elaborou-se uma proposta
multidisciplinar, que pode avançar para uma proposta interdisciplinar, com o objetivo
de propiciar a articulação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de conteúdos
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relacionados à temática ambiental para enfrentamento de problemas socioambientais
locais. O foco multidisciplinar e interdisciplinar se justificam pela compreensão de que,
por um lado, as preocupações e responsabilidades ambientais perpassam todas as
áreas do conhecimento e, por outro, a busca de soluções exige um olhar abrangente
possibilitando contribuições dos diversos campos do saber. Segundo Leff (2001), o
ensino interdisciplinar no campo ambiental exige a articulação entre as ciências,
possibilitando uma visão integradora da realidade.
Nesse sentido, a proposta envolve o desenvolvimento de atividade que engloba
processos mediados pelos professores de preparação, saída a campo (Serra do
Estrondo) e continuidade em sala de aula a partir das diferentes etapas envolvidas,
tendo como público alvo estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino
Médio.
O Quadro a seguir apresenta parte da proposta com algumas sugestões de
atividades, elaborada e disponibilizada para a rede municipal de ensino de Axixá do
Tocantins.
SUGESTÕES DE ATIVIDADES
Público-alvo: alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Áreas: Artes, Biologia, Ciências, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia,
História, Matemática, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Química, Sociologia.
Temas relacionados: resíduos sólidos, consumo, relação homem-natureza,
percepção ambiental, solo e relevo, evolução geológica, bacia hidrográfica,
paisagem, processo histórico de ocupação, fauna e flora, relações ecológicas,
conservação, participação e cidadania, potenciais turísticos, desenvolvimento local
etc.
Objetivo geral
Propiciar a articulação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de conteúdos
relacionados à temática ambiental por meio de uma atividade de campo.
Antes e depois da atividade de campo
É fundamental que antes e após a atividade de campo o professor desenvolva,
juntamente com seus alunos, conteúdos relacionados à temática ambiental,
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favorecendo uma integração entre teoria e prática. A partir do roteiro fornecido, cabe
a cada área identificar possíveis pontos para que ocorra essa integração.
Exemplos:
A disciplina de Língua Portuguesa, tendo como perspectiva a comunicação pública,
pode estudar mensagens presentes em placas de sinalização, propondo a
elaboração de material destinado tanto à informação de frequentadores da Serra do
Estrondo quanto à sensibilização da população para a conservação deste importante
patrimônio natural. A área de Artes pode contribuir com atividades que resultem na
expressão gráfica desses conteúdos. Além disso, os alunos podem ser estimulados
a realizarem registros fotográficos de diferentes aspectos do local voltados tanto
para estudo (relevo, paisagem, vegetação, fauna, conservação, vestígios da
presença humana etc.) quanto para a divulgação junto à comunidade, considerando
que muitos moradores nunca estiveram na Serra. Para a área de Língua
Estrangeira, uma sugestão é trabalhar com uma estratégia de simulação em que os
estudantes elaborem pequenos roteiros sobre a Serra do Estrondo para visitantes
estrangeiros, bem como façam a tradução do conteúdo das placas de sinalização
trabalhadas nas áreas de Língua Portuguesa e Artes. Para a área de Biologia, uma
ideia é explorar a problemática dos impactos gerados pela presença humana no
local (lixo, queimada, caça, erosão, alterações na vegetação etc.). A área de
Educação Física pode desenvolver conteúdos relacionados tanto ao
condicionamento físico em geral quanto aos aspectos de fisiologia e anatomia
humana relacionados ao esforço necessário à subida e descida da Serra. Nas áreas
de História e Sociologia, seria interessante os alunos realizarem pesquisa junto a
moradores mais antigos investigando aspectos como o significado atribuído à Serra
bem como os possíveis e diferentes usos desse espaço ao longo do tempo. Estas
são apenas algumas possibilidades que não esgotam o potencial de exploração de
uma iniciativa subsidiada por uma atividade de campo. Você, professor, pode, em
parceria com seus alunos, organizar todo esse material para uma exposição aberta à
comunidade, ampliando o raio de ação e os impactos dessa iniciativa. Nesse
sentido, essa ação contribuirá tanto para a educação escolar quanto para uma
educação que extrapole os muros da escola.
Atividade de campo
Materiais Necessários: sacos de lixo, luvas, água potável, lanche, câmera
fotográfica.
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Roteiro:
Recomenda-se que a atividade seja realizada a partir do início da manhã, evitando-
se um desgaste físico maior em razão do forte sol e da alta temperatura da região.
Cuidados como uso de filtro solar, chapéu e vestimentas e calçados adequados são
fundamentais para se evitar problemas com queimaduras e desconforto durante a
atividade. É importante, ainda, que se providencie água em quantidade suficiente
para subida e descida pois, na trilha, não há água potável para consumo.
O grupo deve ser acompanhado por alguém que conheça o trajeto a ser percorrido e
tenha a preocupação de orientar para pontos que exijam maior atenção para garantir
a segurança dos visitantes.
O trabalho pedagógico deve se iniciar na entrada da trilha, quando então se trava
um primeiro contato com o local. Nesse momento deve ser retomado o objetivo da
visita, sensibilizando os alunos para a importância da atividade.
Na sequência, os estudantes são convidados para, durante a trilha, ficarem atentos
para uma adequada percepção do ambiente. Isso envolve ativar todos os sentidos,
estando atentos para os diferentes sons, cores, texturas e aromas ao longo do
trajeto. Para auxiliar nesse processo de percepção, podem ser usados instrumentos
de medida de luminosidade, temperatura e umidade, propiciando comparar a
variação dessas características nos diferentes pontos da trilha (vegetação com
dossel fechado ou aberto, menor ou maior altitude etc.). Instrumentos de medida
como luxímetro e termo-higrômetro podem ser adquiridos em lojas especializadas
por um baixo custo. Paralelamente, podem ser feitos registros fotográficos de pontos
de interesse. Não é necessário que os alunos façam anotações, exceto em caso de
propostas que envolvam a coleta de dados específicos conforme previsto pelo
professor.
Vencida a subida, o alto da Serra propicia um olhar sobre a paisagem: o ambiente
rural e urbano de Axixá, as vias de acesso à cidade, as formações do relevo, as
diferentes manchas de vegetação, a cidade de Imperatriz – MA, possível de ser
avistada do alto. Além disso, é possível explorar as características de ocupação da
própria Serra (os impactos humanos no alto e nas encostas).
Uma roda de conversa permitirá a discussão sobre os pontos observados e
marcantes, com destaque para a problemática da degradação desse ambiente,
visível na alteração da vegetação e pelos resíduos deixados por visitantes (garrafas
PET, embalagens, latas de bebida etc). Nesse momento, organiza-se um mutirão
para recolha desses materiais no alto e na trilha de descida da Serra. Equipes de
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três ou quatro estudantes, munidas de sacos de lixo e luvas, coletarão os resíduos
encontrados no caminho que deverão ser levados para um ponto onde haja coleta
pelos caminhões da Prefeitura.
Considerações Finais
O estudo da realidade local e a proposta voltada para Axixá do Tocantins torna-
se mais relevante na medida em que percebemos que pequenos municípios
representam boa parte dos entes da federação: 54% aproximadamente dos 5.565
municípios brasileiros possuíam menos de 10 mil habitantes, segundo dados do IBGE
relativos ao ano de 2008. Fato é que o porte desses municípios não afasta a
existência de problemas complexos, agravados pela capacidade deficiente e estrutura
limitada do poder público local, bem como pelo desalinhamento entre o capital social
tradicional e as novas condições impostas pela modernidade, que em geral atingem de
forma avassaladora muitas dessas localidades.
Ao mesmo tempo em que se faz essa constatação, é necessário considerar
que não há um determinismo que conduza a um inexorável fracasso, mesmo quando
se considera a diversa condição dos municípios do país, havendo um rol de potenciais
soluções para que os entes federados superarem seus desafios. Há exemplos de
municípios que enfrentam duras condições climáticas, como a do Semiárido, que
revertem situações de desvantagem valendo-se de criatividade e inovação, a partir de
oportunidades presentes na própria localidade. Mas para que isso ocorra, torna-se
necessário formular e implementar soluções que muitas vezes não surgem
espontaneamente, sendo fundamental um processo de indução por meio de atores
sociais detentores de conhecimentos que possibilitem imprimir um olhar inovador
sobre a realidade local (para um aprofundamento sobre essa discussão, ver
GONÇALVES JUNIOR, 2012).
Sem desconsiderar as limitações impostas por uma presença pontual
possibilitada pelo Projeto Rondon, sob uma perspectiva de possibilidades de
transformação, desenvolveu-se a atuação da equipe da Unesp de Araraquara. Como
abordado, essa atuação se valeu de uma visão que privilegiou apontar caminhos,
muito mais que procurar oferecer soluções prontas e acabadas, dado o entendimento
que transformações mais efetivas nessa realidade seriam promovidas a partir de
processos desencadeados, mas, sobretudo, construídos ao longo do tempo, tempo
esse que em muito superaria nossa breve estada naquela localidade.
Nesse sentido se deu a construção da proposta multidisciplinar para
enfrentamento dos problemas socioambientais locais, especialmente pensando-se na
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Serra do Estrondo e em seu potencial gerador de desenvolvimento local.
Considerando-se conjuntamente a essa visão o processo de ocupação desse espaço
em curso, tratou-se, em suma, de se valer de uma perspectiva de transformação de
um “problema em uma solução”.
Como estratégia, levando-se em conta as condições locais, elegeu-se a rede
de ensino municipal como estratégica para implementação de uma proposta desse
tipo. Dessa forma, considerou-se que a abordagem e o conteúdo da proposta
favoreceriam uma integração entre teoria e prática e, muito mais que isso,
possibilitaria extrapolar os limites de sala de aula, constituindo-se numa iniciativa
estratégica para transformação das relações envolvendo ser humano-ambiente,
sensibilização ambiental e percepção do espaço como patrimônio natural com
potencial turístico gerador de emprego e renda. Essa compreensão fundamenta-se no
fato de que se, por um lado, as preocupações e responsabilidades ambientais
perpassam todas as áreas do conhecimento, por outro, a busca de soluções exige um
olhar abrangente possibilitando contribuições dos diversos campos do saber. Assim, o
desenvolvimento dessas atividades proporcionaria um olhar privilegiado sobre a
realidade local, permitindo o estabelecimento de novas dinâmicas no enfrentamento
dos desafios do município, com um maior envolvimento da população e, neste caso
específico, com a ampliação do senso de pertencimento relativo à Serra do Estrondo.
De maneira geral, importante salientar que, ainda que a proposta apresentada
possa caracterizar-se por uma aparente simplicidade, se implementada ela poderia
imprimir significativos avanços por carregar consigo a possibilidade de convidar os
professores a práticas mais integradas. Essa integração apresenta, entre outros, pelo
menos dois pontos importantes: um relativo à possibilidade de superação de
atividades pontuais voltadas à temática ambiental e, ligado a esta, a consideração de
aspectos cotidianos mais relevantes para uma potencial transformação da realidade
local que, como apresentado anteriormente, evidencia um cenário problemático no
tocante a gestão dos resíduos sólidos, que se espalham pelas ruas da cidade,
inclusive no entorno das escolas. Essa integração, portanto, visaria favorecer a
superarão das dicotomias entre teoria e prática; entre disciplinas; entre sala de aula e
entorno; entre atividades pontuais muitas vezes desconectadas da realidade local em
termos de uma significação mais profunda. Em termos concretos, ainda que versando
sobre um tema correlato (resíduos sólidos), como no caso das atividades envolvendo
trabalhos de artesanato com materiais descartados, a proposta visaria possibilitar
resultados mais significativos por se pautar numa intervenção, contemplada por
aprendizados perpassados por reflexões e atuação prática com o envolvimento do
corpo docente e discente.
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Esse caráter integrador poderia abrir possibilidades no tocante a propostas
multidisciplinares, que num processo de maior maturidade poderiam avançar para
atividades interdisciplinares e até transdisciplinares, ainda que uma projeção como
essa seja ambiciosa mesmo para ambientes educativos estruturalmente até mais
favorecidos. Mas, em síntese, utiliza-se dessa projeção apenas para enfatizar que,
como dito, apesar da aparente simplicidade da proposta apresentada, ela se articula
com uma visão mais ampla. Na prática, o pretendido num plano mais imediato foi o de
possibilitar o início de um processo, favorecendo um movimento numa localidade que,
como outras pelo país afora, condensa problemas complexos, ao mesmo tempo em
que possui significativo potencial para transformação de sua realidade enquanto
município pobre.
O desafio permanece no tocante a implementação de propostas como essa
que revertam o curso natural do cotidiano, que tem mostrado que a degradação
ambiental segue seu ritmo, bem como a estagnação econômica para boa parte dos
pequenos municípios brasileiros. Como se procurou chamar a atenção,
desenvolvimento e ambiente podem ser complementares sob uma perspectiva
estratégica de transformação para municípios como Axixá do Tocantins. Isso é algo
importante de ser ressaltado, pois tal proposta se constitui em alternativa a projetos de
desenvolvimento que se apresentam, mas trazem em seu bojo uma perspectiva
conflituosa entre essas duas dimensões.
Tanto pela sua condição intrínseca no tocante ao conhecimento, quanto pelo
que representa em termos de presença do Estado, a rede de ensino municipal
apresenta-se como um espaço possível para viabilização das transformações
ensejadas por uma proposta desse tipo.
Essas percepções, possibilitadas pelo trabalho de campo no município,
fomentaram o desenvolvimento da proposta apresentada. Ainda que caiba ao futuro
mostrar em que grau se deram sua apropriação pela população local e seus impactos
transformadores, o desenvolvimento de uma proposta desse tipo motiva a reflexão e
traz significados outros ao colocar frente a frente conhecimentos acadêmicos e
problemas concretos, docentes, alunos, gestores e população, fatores positivos por si
só por ampliarem e aproximarem práticas e atores sociais distintos, favorecendo um
aprendizado mútuo entre mundos não raro apartados.
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