PROPOSTA DE UM CONTINUUM COMPOSIÇÃO-DERIVAÇÃO PARA O PORTUGUÊS DO BRASIL
Katia Emmerick Andrade
2013
PROPOSTA DE UM CONTINUUM COMPOSIÇÃO-DERIVAÇÃO PARA O PORTUGUÊS DO BRASIL
Katia Emmerick Andrade
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientador: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013
PROPOSTA DE UM CONTINUUM COMPOSIÇÃO-DERIVAÇÃO PARA O PORTUGUÊS DO BRASIL
Katia Emmerick Andrade
Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves (orientador) Universidade Federal do Rio de Janeiro – Letras Vernáculas Professora Doutora Margarida Maria de Paula Basilio (titular) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Professora Doutora Vanda Maria Cardoso de Menezes (titular) Universidade Federal Fluminense Professora Doutora Maria Lucia Leitão de Almeida (titular) Universidade Federal do Rio de Janeiro – Letras Vernáculas Professora Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira (titular) Universidade Federal do Rio de Janeiro – Letras Vernáculas Aprovada em 05/02/2013.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013
Para o meu sempre amor, João Fernando.
AGRADECIMENTOS
À Capes, pela bolsa concedida no período de março de 2010 a fevereiro de 2013. Aos meus familiares, em particular, a minha inesquecível tia Rita (in memorium) e a minha prima Margareth Rose, pela preocupação com o meu bem-estar durante todo o tempo de dedicação “insana” a esta pesquisa. A todos os amigos do NEMP (Núcleo de Estudos Morfossemânticos do Português), sem exceção, pelo estímulo; em especial, ao Aldo Oliveira, pelo carinho e admiração que temos um pelo outro. À Patrícia Affonso, pela revisão do resumo em espanhol. À Claudete, da xerox, pela infinita boa-vontade. À Vanessa Candida, ou melhor, Vanessinha, pelo incondicional apoio nos vários momentos de angústia e de incertezas. Ao José Maurício, pela procura obstinada, nos escritos de Nietzsche, por uma epígrafe coerente à motivação deste trabalho. Obrigada pelo presente! À amiga Neide Higino, pelas reconfortantes conversas e leal amizade. À querida Daniele Berna, não só pelas várias horas no skype conferindo comigo as referências bibliográficas, mas sobretudo pela especial torcida, força e amizade sincera. Ao grande amigo Roberto Rondinini, pelo diálogo entusiasmado, conselhos, ideias e opiniões que contribuíram, e muito, para a realização deste projeto. À professora Lilian Manes, pelo incentivo constante. Às prezadas professoras Margarida Basilio e Maria Lucia Leitão de Almeida, pelas valiosas observações feitas, no exame de qualificação e na defesa, que foram determinantes para o aprimoramento desta tese. Às professoras Vanda Menezes, empatia à primeira vista, e Eliete Silveira, minha incetivadora de sempre, pela leitura atenta e sugestões que tornaram melhor este trabalho. E, especialmente, agradeço ao meu orientador, Carlos Alexandre Gonçalves, o acolhimento, a paciência, a ajuda imensurável, o conhecimento compartilhado, a cobrança incansável pela qualidade, as palavras animadoras nos momentos de quase desistência... Na verdade, sem você, Carlos, eu não chegaria até aqui. Muito obrigada!
“É-nos impossível mudar o ângulo de nossa observação: curiosidade sem esperança de êxito aquela de procurar a saber que outras espécies de intelectos e perspectivas podem existir [...]. Espero entretanto que atualmente estejamos suficientemente afastados dessa ridícula falta de modéstia de querer decretar, do nosso ângulo, que apenas dele se pode ter o direito de ter perspectivas”.
(NIETZSCHE, in A Gaia Ciência, § 374).
RESUMO
PROPOSTA DE UM CONTINUUM COMPOSIÇÃO-DERIVAÇÃO PARA O PORTUGUÊS DO BRASIL
Katia Emmerick Andrade
Orientador: Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
A partir de semelhanças e diferenças entre composição e derivação, propomos, para o português do Brasil, a formatação de uma escala em que figurem os processos de formação de palavras complexas, mais especificamente, a composição (e seus subtipos), o cruzamento vocabular e a derivação, tal como a proposta defendida por Bauer (2005) e Booij (2009). Para estes autores, composição e derivação são operações morfológicas que configuram os polos de um continuum, havendo, em decorrência, casos limítrofes com propriedades que se podem observar nas duas operações, a exemplo da prefixação e das formações de advérbios X-mente e diminutivos X-z(inho).
Como a distinção básica entre composição e derivação está relacionada aos tipos de unidades que participam do item morfologicamente complexo, bem como a posição que estes elementos ocupam no interior de uma palavra, procuramos mostrar que a mudança morfológica, tal como apontam Bauer (2005) e Ralli (2007), entre outros teóricos, constitui um dos principais indicadores de um continuum composição-derivação, já que afixos podem originar-se de palavras ou radicais presos, revelando que, diacronicamente, itens morfológicos nem sempre preservam seu estatuto original. Por exemplo, na prefixação, é bastante complexa a conceituação de elementos como micro-, multi-, hiper-, mega-, difíceis de categorizar, dada a incerteza sobre se seriam prefixos ou radicais.
Paralelamente, destacamos a existência de uma série de processos morfológicos pouco abordados na literatura, como é o caso de formações envolvendo fragmentos vocabulares (do ing. splinters), a exemplo de -nese (ovonese, macarronese, bacalhonese) e -drasta (mãedrasta, sogradrasta, tiadrasta), que corroboram a proposição de um continuum composição-derivação.
A análise tem por base, além de dados dicionarizados, formações recolhidas, ao longo do período de elaboração da pesquisa, de fontes as mais variadas: textos de jornais, revistas e de conversações espontâneas.
Palavras-chave: Formação de Palavras, Composição, Derivação, Cruzamentos Vocabulares, Fragmentos Vocabulares, Continuum.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013
ABSTRACT
PROPOSAL OF A COMPOSITION-DERIVATION CONTINUUM FOR PORTUGUESE OF BRAZIL
Katia Emmerick Andrade
Advisor: Prof. Dr. Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
From similarities and differences between composition and derivation, we propose a range of formatting contained in the processes of formation of complex words, more specifically, the composition (and its subtypes), blending and derivation, in attempting to apply the Portuguese proposal advocated by Bauer (2005) and Booij (2009). For these authors, composition and derivation are morphological operations that form the poles of a continuum, with, as a result, borderline cases with properties that can be observed in the two operations, such as the boundedness, for example, the derived by prefixation, the formation of adverbs X-mente and diminutives X-z(inho).
As the basic distinction between composition and derivation is related to the types of units that participate in the item morphologically complex and to position these elements take up within a word, we demonstrate that the morphological changes such as point Bauer (2005) and Ralli (2007), among other theorists, is a key indicator of a composition-derivation continuum, since affixes may stem from words or radicals trapped, showing that, diachronically, morphological items not always preserve its original status. For example, in prefixation, is quite complex conceptualization of elements such as micro-, multi-, hiper-, mega-, difficult to categorize given the uncertainty about whether would be prefixes or radical.
In parallel, we highlight the existence of a number of morphological processes frequently discussed, as is the case of lexical formations involving splinters, like the portuguese words with -nese (ovonese, macarronese, bacalhonese) e -drasta (mãedrasta, sogradrasta, tiadrasta), which support the proposition of a composition-derivation continuum.
The analysis is based, in addition to data from the dictionaries, collected formations, over the period of completion of this study, from the most varied sources: texts of the newspapers, magazines and spontaneous conversations.
Keywords: Word Formation, Composition, Derivation, Lexical Blending, Splinters, Continuum.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013
RESUMEN
UNA PROPUESTA DE UN CONTINUUM COMPOSICIÓN-DERIVACIÓN PARA EL PORTUGUÉS DE BRASIL
Katia Emmerick Andrade
Asesor: Prof. Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves
Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, Faculdades de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
Partiendo de las similitudes y diferencias entre la composición y la derivación, se propone un continuum en que figuran los procesos de formación de palabras complejas, más específicamente, la composición (y sus subtipos), palabras mezcladas y la derivación, buscando aplicar al portugués, la propuesta defendida por Bauer (2005) y Booij (2009). Para estos autores, composición y derivación son operaciones morfológicas que forman los polos de un continuum, que tienen, como consecuencia, los casos límites con propiedades que se pueden observar en las dos operaciones, tales como la prefijación, las formaciones de los adverbios X-mente y los diminutivos X-z(inho).
Como la distinción básica entre la composición y la derivación se relaciona con los tipos de unidades que participan en el elemento morfológicamente complejo y también en la posición que estos elementos ocupan dentro de una palabra, buscamos demostrar que los cambios morfológicos, apuntados en Bauer (2005) y Ralli (2007), entre otros teóricos, son un indicador clave del continuum composición-derivación, ya que los afijos pueden derivar de palabras o radicales ligados, demostrando que, diacrónicamente, elementos morfológicos no siempre preservan su estatuto original. Por ejemplo, en la prefijación, es bastante compleja la conceptualización de elementos tales como micro-, multi-, hiper-, mega-, difíciles de clasificar, dada la incertidumbre acerca de si son prefijos o radicales.
Paralelamente, se destaca la existencia de una serie de procesos morfológicos poco discutidos en la literatura morfológica, como es el caso de formaciones léxicas que implican fragmentos de palabras (ing. splinters), tales como -nese (ovonese, macarronese, bacalhonese) y -drasta (mãedrasta, sogradrasta, tiadrasta), que apoyan la proposición de un continuum composición-derivación.
El análisis se basa, además de datos en diccionarios, formaciones recogidas, durante el período de realización de este estudio, y de las fuentes más variadas: textos de periódicos, revistas y conversaciones espontáneas. Palabras-claves: Formación de Palabras, Composición, Derivación, Palabras Mezcladas, Fragmentos de Palabras, Continuum.
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 10
2 PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS: VISÃO GERAL 14
2.1 PALAVRA, LEXEMA E MORFEMA 15
2.2 PROCESSOS CONCATENATIVOS E NÃO-CONCATENATIVOS 18
2.3 PROCESSOS CONCATENATIVOS 22
2.3.1 Derivação 22
2.3.2 Composição 30
2.3.3 Composição Neoclássica 41
2.4 PROCESSOS NÃO-CONCATENATIVOS 47
2.4.1 Cruzamento Vocabular 47
2.4.1.1 Cruzamento Vocabular vs. Composição 57
2.4.1.2 Cruzamento Vocabular vs. Recomposição 63
2.4.2 Encurtamento Lexical 65
3 EVIDÊNCIAS DE UM CONTINUUM COMPOSIÇÃO-DERIVAÇÃO 70
3.1 COMPOSIÇÃO vs. DERIVAÇÃO 73
3.2 AFIXOIDES: FORMATIVOS DE CATEGORIZAÇÃO INCERTA 78
4 ANÁLISE DE CASOS 88
4.1 DIFERENÇAS ENTRE RADICAL E AFIXO 88
4.2 A NATUREZA DIFUSA DOS ELEMENTOS MORFOLÓGICOS 97
4.3 FORMAÇÕES DE ADVÉRBIO EM -MENTE 102
4.4 FORMAÇÕES DE DIMINUTIVO EM -Z(INHO) 108
4.5 FORMAÇÕES PREFIXAIS 111
4.6 FORMAÇÕES POR RECOMPOSIÇÃO 121
4.7 FORMAÇÕES COM FRAGMENTOS VOCABULARES 127
4.8 FORMAÇÕES COM XENOCONSTITUINTES 134
4.9 PROPOSTA DE UM CONTINUUM DE FORMATIVOS 136
5 CONCLUSÃO 141
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 146
1 INTRODUÇÃO
A partir de semelhanças e diferenças entre composição e derivação,
propomos a formatação de uma escala em que figurem os processos de formação
de palavras complexas, especificamente, a composição (e seus subtipos), o
cruzamento vocabular e a derivação, e aplicar ao português a proposta defendida
por Bauer (2005), Booij (2005a) e Kastovsky (2009). Para estes autores, composição
e derivação são operações morfológicas que configuram os polos de um continuum,
havendo, em decorrência, casos fronteiriços com propriedades que se podem
observar nas duas operações, a exemplo da prefixação, das formações de advérbios
X-mente e de diminutivos X-z(inho).
Como a distinção básica entre composição e derivação está relacionada aos
tipos de unidades que participam de itens morfologicamente complexos, bem como
a posição que esses elementos ocupam no interior de uma palavra, procuramos
mostrar que a mudança morfológica, tal como apontam Bauer (2005) e Ralli (2007),
entre outros teóricos, constitui um dos principais indicadores de um continuum
composição-derivação, já que afixos podem originar-se de palavras ou radicais
presos, revelando que, diacronicamente, itens morfológicos nem sempre preservam
seu estatuto original. Por exemplo, na prefixação, é bastante complexa a
conceituação de elementos como mini-, micro-, hiper-, mega-, super-, difíceis de
categorizar, dada a incerteza sobre se seriam prefixos ou radicais.
Paralelamente, destacamos a existência de uma série de processos
morfológicos pouco abordados na literatura, como é o caso de formações
envolvendo fragmentos vocabulares (do ing. splinters)1, a exemplo de –nese
1 Recortes de palavras que adquirem algum estatuto morfológico pela força do uso, conforme detalhado na seção 4.7.
11
(ovonese, macarronese, bacalhonese) e -drasta (mãedrasta, sogradrasta, tiadrasta),
que corroboram a proposição do continuum composição-derivação.
Se, por um lado, o estatuto de um formativo determina o tipo de operação
morfológica, por outro, nem sempre é fácil decidir se uma unidade constitui afixo ou
radical2, o que levanta a questão de saber se há limites precisos entre as categorias
morfológicas e, consequentemente, entre os dois principais processos de formação
de palavras: a composição e a derivação.
Seguindo Baker (2000) e Ralli (2007), procuramos demonstrar que as
unidades envolvidas na formação de palavras podem ser dispostas em um
continuum morfológico determinado tanto por propriedades estruturais quanto
semânticas. Para esses autores, afixos e radicais livres ocupam os dois extremos da
escala, enquanto radicais presos localizam-se em posições mais ao centro. Uma
abordagem dessa natureza representa as semelhanças compartilhadas por
diferentes constituintes, como, por exemplo, a propriedade fixidez (boundedness),
característica tanto de afixos quanto de radicais presos.
Tradicionalmente, a categorização diz respeito à organização de entidades
discretas que compartilham o mesmo conjunto de propriedades em compartimentos
estanques. Entretanto, elementos morfológicos, sobretudo os focalizados ao longo
deste trabalho, não se encaixam satisfatoriamente no padrão de sua categoria, uma
vez que não apresentam todos os atributos característicos da classe a que
pertencem, o que vem reforçar a ideia de que uma categorização compartimentada,
2 Utilizamos, neste trabalho, o termo radical como sinônimo de raiz: “forma que sobra quando todos os elementos morfológicos – marcadores de palavras, flexões e derivações – são isolados de uma palavra” (do original, “an element that is left over when all derivational, stem-forming and inflectional elements are stripped away, and which needs morphological material to become a stem, to which further morphological material has to be added for the stem to become a word”) (KASTOVSKY, 2009, p. 9, tradução nossa). Tal constituinte pode ou não necessitar de material morfológico para se realizar como palavra. Embora seja possível distinguir raiz de radical, julgamos os termos sinônimos e optamos pelo último por considerar que o primeiro está comprometido com informações de natureza etimológica.
12
nos moldes aristotélicos, que pressupõe como membros de uma mesma categoria
somente aqueles que possuem propriedades comuns, não dá conta de organizar
todas as palavras complexas que aqui se pretende investigar.
A solução encontrada foi adotar um modelo de classificação com base em
protótipos, no qual os elementos que têm todas as características representativas de
uma categoria são considerados prototípicos (cf. ROSCH, 1978; TAYLOR, 1995;
CUENCA & HILFERTY, 1999, entre outros). Desse modo, pertencer a uma dada
categoria é uma questão de gradiência: membros que somam mais características
de suas categorias são mais prototípicos, ao passo que os menos característicos
são menos prototípicos, ou melhor, mais radiais. A organização categorial baseada
em protótipos consegue, de forma bem natural, abarcar todas as formações de
palavras complexas, ainda que as linhas demarcatórias entre várias delas sejam
tênues e, em alguns casos, até se sobreponham.
Sob essa perspectiva, os formativos e, consequentemente, os processos
morfológicos correlacionados figuram em um grande continuum, em que não há
fronteiras rigidamente delimitadas. Assim, classificações que se restringem às
dicotomias não recebem adesão, pois não atingem expressões que transitam entre
um conceito e outro, por focalizar apenas os representantes prototípicos situados
nos polos extremos desse continuum.
Considerando, então, que as categorias não estão encerradas em
compartimentos estanques, diferenciados com máxima precisão, analisaremos
formações mais recentes do português, com um primeiro propósito de demonstrar
que vários tipos de elementos morfológicos, além de radicais presos, podem ser
dispostos em um continuum radical-afixo, pois igualmente dão mostras da
dificuldade de categorizar como compostas ou derivadas as construções
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morfológicas de que participam.
A análise tem por base, além de dados dicionarizados, exemplos retirados
dos trabalhos de Gonçalves (2003c; 2010; 2011a; 2011b; 2012), Andrade (2008),
Basilio (2000b; 2003; 2005; 2010), Duarte (1999a), Sandmann (1989; 1992), entre
outros. Além dessas fontes, que podem ser chamadas de secundárias, compõem o
corpus deste trabalho formações recolhidas, ao longo do período de elaboração da
pesquisa, de situações de uso linguístico as mais variadas: textos de jornais e
revistas, conversações espontâneas, nomes de produtos comerciais etc.
O trabalho está dividido em seis capítulos para além da Introdução, da
Conclusão e das Referências Bibliográficas. No Capítulo 2, elencamos as
características dos principais processos de formação de palavras complexas,
confrontando as diferenças e semelhanças entre eles. No Capítulo 3, encontra-se
uma breve revisão da literatura mais recente que versa sobre o binônio composição-
derivação. No Capítulo 4, analisamos com mais vagar as formações morfológicas
constituídas de elementos que apresentam propriedades imprecisas.
Cabe, por fim, ressaltar que as traduções das citações em língua estrangeira
para o português são de nossa inteira responsabilidade e os originais encontram-se
em notas de rodapé.
2 PRINCIPAIS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS: VISÃO GERAL
Neste capítulo, resumimos as principais características dos processos de
formação de palavras mais produtivos em português3, separando-os em
concatenativos e não-concatenativos. Antes, porém, esclarecemos a noção de
palavra e de morfema adotadas neste trabalho. O capítulo, então, estrutura-se da
seguinte forma: na seção 2.1, definimos, sucintamente, palavra e morfema; na seção
2.2, apontamos as diferenças entre processos lineares (aglutinativos) e não-lineares
(não-concatenativos); na seção 2.3, abordamos os processos lineares: em
específico, a derivação, a composição e a composição neoclássica; e, por fim, na
seção 2.4, os não-lineares: em particular, o cruzamento vocabular e o encurtamento
lexical.
3 Por envolver conceitos relativos a domínios diferentes de análise (lexical e discursivo), o termo produtividade suscita várias interpretações. A ambiguidade do termo se instaura sobretudo quando estão em foco as noções de disponibilidade (availability) e rentabilidade (profitability) de um processo morfológico (ARONOFF, 1976, p. 211). Corbin (1984) define o conceito de disponibilidade como a possibilidade de um processo ser usado para a produção de novas palavras à medida que estas forem necessárias e, em decorrência, situa-se no âmbito da competência lexical. Em outros termos, disponibilidade, grosso modo, correlaciona-se ao grau de frequência de aplicação de uma dada regra, que é atribuído pelo conjunto de especificidades e restrições que se estabelece com as formas de base sobre as quais a regra opera, denominado por Basilio (1980; 1990) de “condições de produtividade”, isto é, condições estruturais correspondentes às especificidades das regras. Já rentabilidade diz respeito ao emprego de um processo para a formação de uma grande quantidade de novas palavras, refletindo, assim, o seu grau de frequência no uso da língua. A rentabilidade de um processo, portanto, está atrelada a fatores extralinguísticos ‒ discursivos, pragmáticos e socioculturais ‒, ou melhor, às “condições de produção”, fatores que facilitam ou dificultam (até mesmo impedem) a aplicação de uma determinada regra (BASILIO, op. cit.). Desse modo, neste trabalho, utilizamos o termo produtividade tanto para nos referir a um processo responsável pela formação de um grande número de palavras, como também, àquele dotado da capacidade de atualizar/renovar constantemente o inventário lexical (BAUER, 2001).
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2.1 PALAVRA, LEXEMA E MORFEMA
Desde a antiguidade, a noção de palavra é o alvo central das pesquisas
linguísticas, mas encontrar uma definição única para ela não é uma tarefa das mais
fáceis, uma vez que, nos termos de Henriques (2007, p. 7),
“[m]uitas são as terminologias empregadas pelos lingüistas em busca da coerente explanação acerca do que vem a ser palavra [...], Monemas, lexemas, semantemas, morfemas lexicais, formas livres e ainda outros têm sido os nomes dados para delimitar seu campo de atuação” (grifos do autor).
Talvez o maior problema para uma conceituação precisa e definitiva do
termo palavra esteja na possibilidade de se aplicar critérios divergentes em sua
análise, mediante os aspectos peculiares (sintático, morfológico, semântico,
pragmático, gráfico), nem sempre coincidentes, que cercam o léxico, resultando,
muitas vezes, em usos desarmônicos do termo. Os diferentes aspectos envolvidos
no conceito de palavra podem ser detalhadamente contemplados em Lyons (1979),
Bauer (1988), Katamba (1993) e Rosa (2006), dentre vários outros teóricos.
Mattoso Camara Jr. (1999b, p. 187), por exemplo, apresenta, para palavra,
as seguintes definições:
“vocábulos providos de significação externa, concentrada no radical; noutros termos vocábulos providos de semantema4. [...] A palavra é sempre uma forma livre, é pois um lexema na terminologia norte-americana”.
Marchand (1969, p. 1, tradução nossa), também considerando a dimensão
discursiva, define palavra como "a menor, independente e indivisível unidade
significativa da fala, suscetível a transposições nas sentenças em que se insere”5.
4 Semantema, também denominado de raiz, é a parte da palavra em que reside a significação lexical básica. 5 “the smallest independent, indivisible, and meaningful unit of speech, susceptible of transposition in sentences”.
16
Contudo, para o estudo morfológico, é bem possível que um termo menos
ambíguo para palavra seja lexema, definido como uma unidade lexical significativa,
que existe independentemente de quaisquer possíveis terminações flexionais
(CRYSTAL, 1988). Mais precisamente, de acordo com Cruse (1986, p. 49), que
conceitua lexemas como “os itens listados no léxico, ou no 'dicionário ideal', de uma
língua"6, ou ainda, nas palavras do autor,
“lexema é uma família de unidades lexicais; uma unidade lexical é a união de um sentido único com uma forma lexical, uma forma lexical é abstração de um conjunto de formas de palavras (ou, alternativamente, - é uma família de formas de palavras), que diferem apenas em relação a flexões” (CRUSE, 1986, p. 80, tradução nossa)7.
Entretanto, no presente trabalho, a distinção entre lexema e palavra não é
crucial, já que não estão em foco questões peculiares à flexão e à derivação, mas
sim a processos de formação de palavras que acessam tanto elementos morfêmicos
quanto não-morfêmicos. Assim, de modo muito simplificado, mas em conformidade
com nossos objetivos, consideramos “palavra”, na esteira de Basilio (2000b), uma
“unidade lexical”, visto que
“[n]a palavra, entendida como uma unidade lexical, uma sequência fônica se associa de modo relativamente estável a (a) um significado ou conjunto de significados; (b) um conjunto de propriedades sintáticas; (c) um conjunto de propriedades morfológicas; e (d) um conjunto de determinações de uso”. (BASILIO, 2000b, p. 10).
É com esse mesmo enfoque, entendendo unidade lexical como uma
associação interpendente de forma, função e significado, que utilizamos o termo
6 “the items listed in the lexicon, or ‘ideal dictionary’, of a language”. 7 “lexeme is a family of lexical units; a lexical unit is the union of a single sense with a lexical form; a lexical form is an abstraction from a set of word forms (or alternatively – it is a family of word forms) which differ only in respect of inflections”.
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“palavra” para nos referir ao produto final dos processos de formação, sejam eles
baseados em morfema ou não, desde que porte sentidos extra ou intra-linguísticos.
Morfema, outro termo também ambíguo, visto abarcar sentidos diferentes de
autor para autor, tradicionalmente, tem sido definido como uma unidade de forma e
significado, um signo linguístico, portanto. Ainda hoje, reconhecem-se morfemas
como a menor unidade linguística provida de significado (ver, por exemplo,
MARCHAND, 1969; ADAMS, 1973; LYONS, 1979; KATAMBA, 1993; MATTOSO
CAMARA Jr., 1999a).
No entanto, nem todos os linguistas concordam com essa definição. Por
exemplo, como observa Fandrich (2008), Adams (1973) prioriza a capacidade de os
morfemas participarem de novas formações; logo, seu conceito de morfema é muito
mais flexível, pois não se restringe a signos linguísticos plenos. Aronoff (1976)
também se desvia da definição canônica, pois, segundo o autor, embora as palavras
sejam minimamente significativas, podem apresentar características idiossincráticas,
uma vez que nem todos os morfemas portam significado e, portanto, nem sempre
representam um signo linguístico. Desse modo, Aronoff (op. cit.), privilegiando a
forma em detrimento do significado, considera morfema uma sequência fônica que
pode ser conectada a uma entidade linguística para formar novas palavras e,
mesmo que não veicule um significado comum, tem variantes à semelhança de
alomorfes.
Neste trabalho, adotamos o conceito de “morfema” no sentido mais
tradicional, isto é, como uma unidade mínima significativa. Assim, consideramos
morfema todo e qualquer formativo de uma palavra, englobando as unidades
linguísticas dotadas de significação externa e interna. Entretanto, como existem
processos de formação de palavras cujas bases não são morfemas, pelo menos nas
18
acepções aqui apresentadas, a contribuição de unidades menores que morfemas a
esses processos será também levada em conta, tais como a de fragmentos
vocabulares presos, no caso de mesclas lexicais, e a de fragmentos vocabulares
livres, no caso de palavras truncadas.
Por fim, cabe lembrar que, na literatura especializada, é muito comum um
termo polissêmico ser usado indistintamente. Essa ausência de padronização
terminológica talvez se deva ao fato de muitos linguistas, a exemplo de Bauer (1983;
2001), Bybee (1985) e Gonçalves (2005a), não aceitarem a distinção clássica, nos
moldes aristotélicos, entre flexão e derivação (cf. SPENCER, 1991, p. 161),
preferindo analisar tais mecanismos a partir de diferenças e semelhanças entre os
seus elementos constitutivos, com base em um continuum, ou seja, “como uma
única operação morfológica, do tipo gradiente ou escalar” (GONÇALVES, 2005a, p.
11), em que a flexão figura em um polo e a derivação, em outro.
De modo análogo, tal percepção estende-se ao binômio composição-
derivação, uma vez que nem todas as unidades morfológicas envolvidas,
representantes de uma dada categoria têm o mesmo estatuto, umas são mais
prototípicas do que outras, razão pela qual podem mudar de classe com o decorrer
do tempo, pela frequência de uso, o que contribui para a dificuldade de conceituá-las
com precisão, e, consequentemente, delimitar fronteiras rígidas entre os processos
morfológicos em que se manifestam, assunto em pauta nas seções que se seguem.
2.2 PROCESSOS CONCATENATIVOS E NÃO-CONCATENATIVOS
Os recursos gramaticais para formação de novas palavras são muito
variados e praticamente inesgotáveis. Das operações semânticas (como a metáfora
e a metonímia), que atribuem às formas existentes novos conteúdos referenciais, à
19
cristalização de expressões sintáticas, sobra espaço para muita inovação lexical,
possibilitando uma constante renovação da língua. Além das criações vocabulares
por composição e por derivação, não raro, surgem palavras, consideradas “mal-
comportadas” morfologicamente (SPENCER, 1991), que ampliam o léxico de
maneira considerável.
Em português, a grande maioria dos processos de formação lexical se ajusta
ao modelo de análise morfológica aglutinativo ou concatenativo (building-block), uma
vez que podem ser descritos pelo encadeamento de elementos morfológicos, cujas
fronteiras se alinham no produto final, como, por exemplo, a composição (guarda-
chuva)8 e a derivação (guarda-chuvada). A derivação, em geral, envolve o acréscimo
de afixos a uma forma de base; a composição, a combinação linear de duas ou mais
palavras pré-existentes na língua. Ainda que se verifique, nesses mecanismos,
alguma perda de material fônico em seus constituintes, essa perda é justificada por
processos fonológicos regulares.
Contudo, também ocorrem operações morfológicas dignas de atenção que
não se acomodam, perfeitamente, em modelos lineares, formando palavras, seja
pela fusão de bases, como, por exemplo, o processo de cruzamento vocabular:
marginata (fusão de marginal com magnata); ou pelo encurtamento lexical, como o
processo de truncamento vocabular: refri (encurtamento de refrigerante). Tais
processos, situados na fronteira morfologia-fonologia9, representam fenômenos que
8 Ao longo deste trabalho, utilizamos o hífen apenas para sinalizar as fronteiras de elementos morfológicos. Assim, com relação à hifenização, a grafia dos compostos exemplificados nem sempre corresponde à preconizada pelo acordo ortográfico. 9 De acordo com Spencer (1991) e Gonçalves (2004), os processos não-concatenativos são considerados “mal-comportados” por não permitirem ser analisados satisfatoriamente apenas com os expedientes morfológicos, mas a partir da interação entre dois níveis linguísticos – o morfológico e o prosódico –, já que a perda de massa fônica em uma dada palavra pode gerar um novo item lexical. A visão de que as unidades lexicais devem ser depreendidas em morfemas torna-se inócua, cedendo vez à necessidade de acessar constituintes fonológicos (mora, sílaba, pé, palavra prosódica) para analisar os dados de operações morfológicas não-concatenativas.
20
não são abrigados pelo modelo analítico da morfologia linear, devido à dificuldade
de isolar os constituintes envolvidos.
Em processos de formação de palavras pertinentes à morfologia não-
concatenativa, não há condições ideais para o isolamento de formativos, visto não
operarem necessariamente com o encadeamento sequencial de porções
morfológicas, ou melhor, são processos que se caracterizam pela sobreposição ou
pela fragmentação das palavras-base – o que não se verifica em modelos
concatenativos, em que os componentes morfológicos sucedem-se de modo linear e
por esse motivo podem ser facilmente depreendidos.
As operações morfológicas de natureza não-concatenativa, focos de
pesquisas desenvolvidas pelo NEMP10, englobam processos de formação de
palavras, distribuídos por Gonçalves (2004b) em três grandes grupos11,
discriminados a seguir:
(a) processos de afixação não-linear, que, no português, refere-se à
reduplicação morfológica12, como em tio → titio e bolo → bololô; puxa-puxa, em que
a flexão da base verbal é copiada; e, ainda, em situações de interação entre adultos
e crianças (baby talk): cabelo → bebelo e boneca → neneca (VIALLI, 2008);
10 NEMP – Núcleo de Estudos Morfossemânticos do Português, grupo criado em 2003 e coordenado pelos Professores Doutores Carlos Alexandre Gonçalves e Maria Lucia Leitão de Almeida, vinculado ao Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os resultados das pesquisas, concluídas e em andamento, estão disponíveis em www.nemp.com.br. 11 É possível expandir esse conjunto pela adição de um grupo referente à morfologia circunfixional, representado pela derivação parassintética, caso esta seja concebida como um mecanismo de circunfixação ao invés de uma operação de acréscimo simultâneo de um prefixo e um sufixo a uma dada base. Um estudo detalhado acerca de formações parassintéticas é feito por Castro da Silva (2012). 12 Os estudiosos que se interessam pela reduplicação morfológica (McCARTHY & PRINCE, 1988; RAIMY, 2000; ARAÚJO, 2002; GONÇALVES, 2009; BOOIJ, 2009) concebem a reduplicação como um caso especial de morfologia afixional, em que os reduplicantes (que tanto podem funcionar como prefixo ou sufixo, mediante o local da reduplicação, no final ou no início da palavra) são fonologicamente subespecificados, recebendo a expressão fonética por meio de cópia parcial ou total dos segmentos da base.
21
(b) processos de encurtamento lexical ou de morfologia subtrativa, que
reúnem a hipocorização13, a exemplo de Gabriela → Gabi e Maria Lúcia → Malu
(GONÇALVES, 2004a; LIMA, 2008; THAMI DA SILVA, 2008); e o truncamento
vocabular14, como em bijuteria → biju e granfina → granfa (BELCHOR, 2009); e, por
fim,
(c) processos de fusão, que contemplam a siglagem, responsável pela
formação de acrônimos e alfabetismos15, a exemplo de, nesta ordem, BOPE ←
Batalhão de Operações Policiais Especiais e CTI ← Centro de Tratamento
Intensivo; e o cruzamento vocabular, como em ovonese (< ovo + maionese) e
globesidade (< globo + obesidade “epidemia mundial de obesidade mórbida”)
(ANDRADE, 2008).
No que concerne aos mecanismos aglutinativos de formação lexical,
focalizaremos, superficialmente, os dois processos mais produtivos: a composição
(incluindo a composição neoclássica) e a derivação. Quanto aos não-
concatenativos, destacaremos os processos de cruzamento e truncamento
vocabulares, pouco explorados na literatura, mas relevantes para a morfologia, já
que são mecanismos recorrentes de formação de novas palavras, contribuindo para
o enriquecimento do acervo lexical aberto, além de serem fontes incontestáveis de
13 Gonçalves (2004a) considera como hipocorização apenas o mecanismo de encurtamento de antropônimos, utilizados afetivamente, cuja identidade com o nome próprio original (prenome ou sobrenome) é preservada, quer por simples redução (Eduardo → Edu), quer por reduplicação de partes da forma de base (Juliana → Juju). Dessa perspectiva, variações afetivas de prenomes em que as formas de origem não podem ser rastreadas são tão somente apelidos, não hipocorísticos, conforme os vários exemplos de Monteiro (2002, p. 209-212): Tico ← Antônio e Joca ← José. 14 O truncamento vocabular é visto como um processo, simultaneamente, não-concatenativo (de encurtamento) e aglutinativo, devido ao acréscimo sistemático da vogal -a, marca morfológica de truncamentos próprios de palavras trissilábicas, a exemplo de, entre vários outros, japonês → japa e delega → delega (cf. GONÇALVES, 2011c). 15 Por vezes, na literatura, as siglas subdividem-se em (a) acrônimos, se a combinação de letras resulta em uma forma prosódica que pode ser pronunciada como uma palavra da língua, como no caso de IME (Instituto Militar de Engenharia), e (b) alfabetismos, se as letras da sequência formada são soletradas, a exemplo de ABL (Academia Brasileira de Letras).
22
formativos, servindo também para alimentar o inventário lexical fechado.
Para evitar a repetição, sem contudo, prejudicar o entendimento,
incorporamos apenas informações indispensáveis sobre tais processos que, sem
sombra de dúvidas, são os mais produtivos para o surgimento de novas palavras.
Assim, para fundamentar a proposta do continuum composição-derivação, foram
selecionadas as seguintes operações morfológicas: a derivação, a composição (e
seus subtipos), o cruzamento vocabular e o truncamento vocabular. Iniciemos então
pelos processos concatenativos de derivação e de composição.
2.3 PROCESSOS CONCATENATIVOS
2.3.1 Derivação
Tradicionalmente, define-se derivação como um processo caracterizado por
padrões diversos de formação e pelo potencial de promover mudanças nas classes
de suas palavras bases. Com relação aos padrões de formação, a doutrina
gramatical inclui na derivação processos de natureza distinta: derivação afixal
(prefixação, sufixação, parassíntese), a mais recorrente de todas, em que se
acrescem afixos derivacionais à palavra-base; derivação imprópria ou conversão,
em que o vocábulo muda de classe gramatical, sem a intervenção de quaisquer
afixos; e, por fim, derivação regressiva, que consiste na supressão de sequências
tomadas como afixos. Na tabela 1, em (01), a seguir, exemplificamos os processos
derivacionais, de acordo com a conceituação postulada pelos compêndios
gramaticais.
23
(01)
Derivação afixal Derivação imprópria ou
Conversão
Derivação regressiva
Sufixação Prefixação Parassíntese casamento descontrole entardecer burro (subst. → adj.) a luta ← lutar felicidade ilícito desfolhar o amar (verbo →
subst.) a venda ← vender
musical regravar anoitecer maternal (adj. → subst.)
o erro ← errar
Tabela 1 – Tipos de derivação, segundo a tradição gramatical
Como os falantes não necessariamente exploram do mesmo modo todas as
possibilidades oferecidas pelo sistema linguístico, pois nem todas as palavras
possíveis são igualmente formadas e vice-versa, a derivação pode “aparecer para
um dado vocábulo e faltar para um vocábulo congênere” (MATTOSO CAMARA Jr.,
1999a, p. 81). A imprevisibilidade de escolha por uma ou outra base disponível
corrobora a hipótese lexicalista de que as palavras derivadas emergem com uma
estrutura interna definida e, portanto, são processadas no componente lexical, não
se sujeitando às regras sintáticas.
Em geral, considera-se que a função básica dos processos derivacionais é
permitir ao falante gerar novas palavras. Embora seja possível uma mesma palavra
representar diferentes classes gramaticais, mediante o contexto em que se insere,
as palavras são distribuídas em categorias lexicais, necessária e tradicionalmente,
pré-definidas ‒ no português, em dez discutíveis categorias ‒, agrupadas em dois
tipos: classes abertas e fechadas. Na maioria das línguas, os substantivos (S),
adjetivos (A) e verbos (V) formam classes abertas, passíveis de ampliação. A classe
dos advérbios é especial na medida em que tende a não alimentar outros processos
de formação de palavra, ao contrário de palavras das outras três categorias abertas
(S, A, V). Palavras funcionais ou gramaticais, como artigos, conjunções, pronomes,
24
preposições ‒ as formas dependentes de Mattoso Camara Jr. (1989) ‒, formam
conjuntos fechados que, via de regra, não podem ser estendidos por meio de
padrões regulares de formação de palavras.
Com o desenvolvimento da morfologia lexical, o conceito de palavra ou de
radical passou a ser concebido como unidades lexicais reconhecíveis,
intuitivamente, pelo falante nativo. Essas unidades recebem o nome de bases, que
podem ser livres ou presas16. O conceito de base, por sua vez, crucial para a
hipótese lexicalista, ganha força a partir dos modelos de descrição lexical propostos
por Jackendoff (1975) e Aronoff (1976), nos quais somente palavras podem servir de
base para novas formações lexicais.
Aronoff (1976), enfatizando as relações que o falante estabelece entre os
itens lexicais, postula que as Regras de Formação de Palavras (RFP’s)17 só atuam
em bases conhecidas – as palavras da língua –, portadoras de significação familiar
ao falante, não em morfemas, que, sozinhos, não carregam significado. Com esse
raciocínio, Aronoff (op. cit.) inaugura o difundido modelo de morfologia baseada em
palavras (word-based morphology), assentado na ideia de que, embora os produtos
de uma RPF tenham como base uma palavra pré-existente, nem todos teriam
entrada no léxico, apenas as formas não-idiossincráticas, ou melhor, as
semanticamente previstas por regras de formação de palavras18.
16 Adotamos, neste trabalho, a conceituação de base livre e presa apresentada por Rondinini (2004, p. 62-63), que associa critérios formais e semânticos para defini-las e diferenciá-las. Assim, consideramos “presas as bases (a) que não têm livre curso na língua e (b) que participam apenas de construções morfologicamente complexas”; e bases livres “todas as formas (a) consideradas como ponto de partida para formação de outras palavras ou (b) que atuam como formas livres na língua”. 17 Regras produtivas que permitem ao falante criar itens lexicais complexos, como, por exemplo, salvar + mento → salvamento. O sufixo nominalizador -mento, que veicula a noção de não-perfectividade da ação referida pela base verbal, é bastante produtivo em nosso idioma. 18 De outro prisma, Di Sciullo & Williams (1987) postulam que o léxico é um conjunto de listemas, isto é, elementos heterogêneos que não obedecem às leis e regras gramaticais. Com efeito, para os
25
Contudo, Basilio (1980) discorda de Aronoff (1976), no que diz respeito à
morfologia derivacional ser baseada exclusivamente em palavras, uma vez que,
para a autora, a competência lexical do falante nativo envolve não só o
conhecimento de uma lista de entradas lexicais, mas também um conjunto de regras
que o permite criar itens e analisar a estrutura de novos e já existentes itens. E,
como o falante adquire esse conjunto de regras das relações que estabelece entre
os itens pertencentes à lista de entradas lexicais, novas palavras podem ser
construídas a partir de formas livres ou presas. A autora assevera que, embora seja
mais comum as regras operarem sobre radicais livres, já que estes apresentam
condições ideais de isolabilidade, as regras também podem operar sobre formas
presas, se bem que em menor escala, desde que os paradigmas lexicais
correspondentes indiciem condições suficientes de isolabilidade, a exemplo de
biologia/biológico, sociologia/sociológico, que provêm, respectivamente, dos radicais
presos biolog- e sociolog-19.
Retomando a formação de palavras derivadas, segundo Basilio (1998), a
derivação é um processo em que elementos fixos (formas presas), posicional e
semanticamente pré-determinados, são adicionados a radicais presos e livres para a
formação de novas palavras. O conjunto pré-existente de afixos (prefixos e sufixos),
ou, “alternativamente, regras de adição de afixos, projeta a classe das expansões
lexicais possíveis com suas interpretações básicas” (p. 18), modificando de modo
preciso o sentido dos radicais a que se anexa.
autores, o léxico não é peça importante para a gramática, dado esta ter interesse apenas pelas formas derivadas plenamente regulares (fonológica e semanticamente). 19 Os exemplos fornecidos por Basilio corroboram a ideia de que sequências como –(o)logia e –(o)grafia, denominadas formas combinatórias finais (BAUER, 1988), talvez, não sejam constituídas de apenas um, mas de dois morfemas, uma vez que se prestam à análise morfológica adicional, e podem ser divididas em (o)log-ia e (o)graf-ia, respectivamente, como sugerido na comparação de palavras como soci-(o)log-ia / soci-(o)lóg-ico e ginec-(o)log-ia / ginec-(o)log-ista; geo-graf-ia / geo-gráf-ico e tele-graf-ia / tele-graf-ista, entre outras.
26
Os sufixos derivacionais pospõem-se aos radicais, e, em sua grande
maioria, excetuando os sufixos de aumentativo e diminutivo, definem a categoria
lexical das palavras complexas que formam e, portanto, são determinadores de
categoria. Por exemplo, o sufixo –izar atua na expansão lexical da classe dos
verbos. Esse sufixo não se anexa apenas a adjetivos, mas também a substantivos,
derivando sempre verbos: contábil (A) → contabilizar (V), capital (S) → capitalizar
(V).
A capacidade de os sufixos determinarem a categoria das palavras que
geram levou alguns linguistas a estender a noção de cabeça, fundamental em
sintaxe, para o domínio da morfologia. Na sintaxe, os grupos sintáticos consistem
minimamente de uma cabeça, identificada pela configuração hierárquica em que
ocorre; é a categoria sintática da cabeça que determina a categoria do todo. Por
analogia, podemos dizer que os sufixos são os elementos-cabeça das palavras
derivadas, uma vez que determinam a categoria gramatical desse tipo de palavra
complexa20.
Do mesmo modo que os sufixos, os prefixos são formas presas, já que, em
princípio, não podem ser instanciados isoladamente na língua; mas, ao contrário
daqueles, estes antepõem-se a uma palavra e não determinam a categoria lexical da
palavra resultante. Os elementos prefixais têm como função dar um novo matiz ao
sentido da base a que se unem, ao adicionar uma ideia geral ao conteúdo semântico
da palavra primitiva, a exemplo de feliz/infeliz e tomar/retomar. Devido à ideia que
expressam (posição ou movimento no espaço, ausência, negação, oposição,
intensidade, repetição etc.), os prefixos portam um sentido mais ou menos preciso,
20 Segundo proposta de Lieber (1980), a categoria gramatical de uma construção morfológica é herdada por meio do mecanismo de percolação, que filtra as propriedades de um dos membros da construção, geralmente as características da cabeça, expressas no nó mais baixo da estrutura, para o nó dominante da palavra resultante.
27
típico dos advérbios, dos adjetivos ou de preposições originadas do grego ou latim.
De acordo com Alves (2002, p. 91), prefixo é o formativo que “o falante
depreende como um elemento que atribui à base uma idéia acessória e que,
recorrentemente, pode atribuir a mesma idéia a outras bases”, sem, contudo,
acarretar mudanças de classe gramatical à base à qual se agrega, salvo raríssimas
exceções (p. ex. moral (S) → amoral (A); rugas (S) → anti-rugas (A))21. Por isso
mesmo, o elemento prefixal exerce uma função muito mais semântica do que
sintática. Salta aos olhos a repetição de ideias expressas por um prefixo em uma
série de palavras que constitui. Por exemplo, é reincidente a ideia de ‘negação/ação
contrária’ contida no prefixo des-: fazer/desfazer; habitado/desabitado;
salgar/dessalgar; a noção de ‘repetição’, veiculada pelo prefixo re-: abrir/reabrir
contar/recontar; fazer/refazer. Por emprestarem uma ideia geral à base na qual se
fixam, os prefixos exercem a função de especificar-lhe o sentido, e, em decorrência,
permitem a expressão de um número praticamente ilimitado de ideias e conceitos.
(cf. BASILIO, [1987] 2000a, p. 50).
Segundo Sandmann (1992, p. 37-38), a capacidade de o “prefixo expressar
ideias mais gerais”, além de ser a responsável pela sua recorrente aplicabilidade, é
o que, indiscutivelmente, os distingue das bases (livre ou presa), já que estas
veiculam ideias mais específicas, mais particulares. Para o autor (op. cit., p. 40), em
relação às bases, o prefixo é sempre determinante (DT), o adjunto, o elemento
subordinado ou secundário na estrutura da palavra, como se observa em
indiscutível, anti-higiênico, reavaliar, coorientador.
Do ponto de vista sintático, os prefixos assemelham-se aos adjetivos, já que
contribuem para qualificar/caracterizar a base: ultra-humano, minimercado; aos
21 Exemplos de Correia & Lemos (2009, p. 31).
28
advérbios, pois servem para expressar a ‘circunstância’ que atua em torno da
significação da base: disforme, desacelerar, recompor; e às preposições, por
emprestarem à base a ideia de posição ou movimento no espaço: adnominal, além-
mar, endovenoso.
Como qualquer processo derivacional, a formação de palavras envolvendo
prefixos está sujeita a restrições governadas tanto pelo afixo quanto pela base (cf.
PLAG, 1999). De acordo com Basilio (1980), a base de uma forma derivada é, em
geral, uma “forma que isoladamente pode constituir um enunciado”, como os verbos,
substantivos, adjetivos e advérbios, o que a habilita impor restrições ao afixo a ser
anexado.
Em decorrência, os prefixos costumam fixar-se a uma base adjetiva
(insolúvel) ou verbal (reacender) e mais raramente a uma base substantiva
(desatenção). Segundo Oliveira (2004), há ainda elementos prefixais, a exemplo de
neo- e anti-, que não se ligam a verbos, apenas a nomes (substantivos e adjetivos);
outros, como re-, selecionam somente bases verbais (reler; *relivro).
Ao contrário dos sufixos derivacionais, os prefixos, embora sejam
considerados um afixo de categoria neutra, isto é, não mudam a classe gramatical
das bases a que se associam, e, para Alves (1994, p. 23-25), se acrescidos a uma
base substantiva podem atribuir-lhe função adjetiva (“coleira anti-pulgas; atividades
extraclasses”) ou até mesmo adverbial, com valor temporal, como nos exemplos em
(02), citados pela autora.
(02) “O New York Times, de ontem, pré-atentado, contava outra história, ...”; “A canção de protesto brasileiro, pós-anos 60, passa necessariamente pelas favelas cariocas.. Na prefixação, há também restrições de ordem semântica. Oliveira (2004, p.
54 afirma que o prefixo re- (indicando repetição), por exemplo, “subcategoriza
29
apenas verbos que permitam a retomada da ação verbal”, como contar, fazer,
lembrar, escrever etc.; o prefixo anti- só se une a bases nominais que denotam algo
que pode ser evitado ou prevenido, como em antiaderente, anticaspa, antifurto,
antipoluente. O mesmo se dá com o prefixo des-, indicando reversão de um
acontecimento, que só pode ser anexado a verbos que expressam uma ação
possível de ser revertida como abastecer, abotoar, fazer, prender etc. Os prefixos
impõem restrições sintáticas e, sobretudo, semânticas às bases.
A improbabilidade de certas derivações, a exemplo de *reentender,
*desnascer e *antifeliz, decorre da falta de compatibilidade entre o significado do
afixo e da base; portanto, a seleção de um dado prefixo e não outro é motivada pela
significação da base. Booij (2005b, p. 67) denomina esse efeito semântico de
coerção (type coercion): nos casos supracitados, o prefixo força a base a pertencer
a um tipo semântico peculiar, conferindo à forma prefixada leitura quase sempre
composicional.
Em síntese, sufixos e prefixos têm em comum as seguintes características:
são formas presas, isto é, são partes integrantes de palavras; servem para formar
inúmeros vocábulos porque manifestam significados mais gerais; “apresentam
funções sintático-semânticas definidas: essas funções delimitam os possíveis usos e
significados das palavras a serem formadas” (BASILIO, [1987] 2000a, p. 28),
restringindo as bases as quais se podem associar.
De acordo com Sandmann (1989; 1992), os prefixos, em específico, são
caracterizados por posicionarem-se à esquerda de uma base; não modificam a
classe ou subclasse das palavras a que se anexam, isto é, não constituem cabeça
lexical da palavra derivada; são sempre o elemento determinante (DT), o adjunto, da
estrutura vocabular; exercem primordialmente função semântica.
30
Já os sufixos se anexam à direita de uma base, modificam a classe e/ou a
subclasse das palavras a que se unem (com exceção aos sufixos de grau), sendo,
por isso, a cabeça lexical da palavra que formam, o elemento determinado (DM) da
estrutura vocabular; além de exercerem função sintática, desempenham também
importante função semântica, a exemplo da afixação sufixal de –ice à base
substantiva suburbano, derivando o adjetivo suburbanice22, com sentido depreciativo
não necessariamente veiculado pela base.
Como se vê, entre prefixos e sufixos há diferenças bem definidas; por
conseguinte, distinguir sufixação de prefixação é, sem dúvida, mais fácil do que
composição de prefixação e de sufixação, dada a fluidez de conceituação de
determinados formativos. A seção seguinte fará uma breve introdução sobre as
características gerais da composição, a fim de reunir subsídios que fundamentem a
abordagem de casos fronteiriços derivação-composição, tais como a derivação em –
mente e -z(inho) e a prefixação de alguns elementos que são mais ou menos
autônomos.
2.3.2 Composição
O conceito de composição por si só já é controverso, uma vez que, em uma
abordagem estruturalista, define-se composição pela presença de dois ou mais
radicais; em modelos de análise de base gerativa, a composição é compreendida
como a utilização de estruturas sintáticas para fins lexicais (JACKENDOFF, 1975).
Sob o enfoque cognitivista, mais especificamente pela Morfologia Construcional
(BOOIJ, 2009), a composição é vista a partir de esquemas generalizados
(esqueletos desprovidos de informação proposicional), que são preenchidos,
22 Exemplo extraído de Sandmann (1992, p. 39).
31
mediante o conhecimento lexical do falante, com palavras existentes na língua, inter-
relacionadas formal, sintática e semanticamente.
A complexidade em torno da conceituação de uma palavra composta, como
aponta Basilio (2000b), reside na própria indefinição de palavra (conforme seção
2.1). Como já mencionado, delimitar esta unidade com precisão não é uma tarefa
tão simples, em vista dos múltiplos enfoques (sintático, morfológico, semântico,
pragmático, gráfico), que nem sempre se equivalem, passíveis de se admitir em
qualquer tentativa de demarcá-la. Priorizando, então, o aspecto semântico,
entendemos como palavra “não apenas uma unidade morfológica, mas sobretudo
como unidade lexical: o léxico é via de regra definido como o conjunto de palavras
de uma língua. Assim, conceptualizamos compostos como conjuntos de palavras
que funcionam lexicalmente como uma palavra só” (BASILIO, 2000b, p. 11).
Em português, e em muitas outras línguas também, a composição é um dos
processos mais utilizados para formação de novas palavras, que se dá a partir da
junção de duas bases livres ou presas (raramente mais do que isso). Nos casos
mais simples, os de compostos estruturados binariamente, uma das bases nominais,
a cabeça23, é modificada/especificada pela outra, a não-cabeça. Um composto pode
apresentar o componente-cabeça tanto à esquerda, a exemplo de pão-bengala,
trem-bala, camisa-de-força, quanto à direita, como em video-locadora, auto-escola,
hidrófilo, ou, simplesmente, não ter componente-cabeça algum (cf. VILLALVA,
2000), como em guarda-chuva, para-raios. O constituinte-cabeça de um composto
não é apenas relevante pelas suas propriedades formais, mas também pela 23 Utilizamos o termo cabeça para nos referir à ‘cabeça lexical’, pois estamos deixando de lado a tripartida distinção entre cabeças categoriais, morfológicas e semânticas proposta recentemente por Scalise et al. (2009). À cabeça lexical subsumem cabeças categoriais e morfológicas, responsáveis, respectivamente, pela classe gramatical de todo o composto e por características como gênero e número, enquanto a cabeça semântica funciona como um hiperônimo do todo, como nos casos de futebol-de-areia e futebol-de-salão. Estes compostos denotam dois hipônimos de futebol, sua cabeça semântica. Ao contrário, os compostos puxa-saco e criado-mudo não apresentam cabeça semântica, porque nenhum de seus constituintes funciona como um hiperônimo do todo.
32
interpretação semântica do todo, como no caso do composto pão-bengala que
denota um tipo particular de pão, comprido e fino, não um tipo particular de bengala.
Enfim, o componente não-cabeça modifica/especifica/restringe o significado do
componente-cabeça.
A previsibilidade da composição se deve, em grande parte, à versatilidade e
à coerência semântica, nos termos de Aronoff (1976), subjacentes ao processo.
Quando um novo composto é formado, o falante já conhece o significado de seus
constituintes, e a única dificuldade que enfrenta é descobrir a relação semântica
entre eles, visto que o padrão semântico geral de um composto X + Y indica que um
Y está relacionado com X, ou vice-versa. A natureza exata dessa relação recebe
uma expressão não-formal, relacionada à interpretação do falante nativo. E, como
usuário da língua, ele tem de interpretar essa relação levando em conta os
significados de cada componente do composto, com base no seu conhecimento do
mundo e, por vezes, nos contextos disponíveis.
Em português, a palavra composta representa sempre uma ideia única e
autônoma, mas, muitas das vezes, dissociada das noções expressas pelos seus
componentes, como, por exemplo, copo-de-leite (‘nome de uma flor’) e criado-mudo
(‘nome de um móvel’). Portanto, o significado dos compostos não é necessariamente
transparente. Isso acontece quando uma interpretação literal não é possível e outras
habilidades cognitivas (metáfora e metonímia) são ativadas pelo falante para garantir
uma interpretação adequada, conciliando os significados dos componentes e o
significado do todo.
Desse modo, podemos inferir que os compostos de leitura não-
composicional (SANDMANN, 1989), ou seja, o significado do todo não é deduzido
pela soma das partes, aproximam-se bem mais a unidades lexicais, tais como as
33
expressões idiomáticas (“pé na cova”) e itens lexicais monomorfêmicos (“boi”) do
que os semanticamente coerentes, uma vez que compostos transitam entre
expressões lexicais e derivacionais, de acordo com o caminho já apontado, em nota,
por Gonçalves (2005a), nos seguintes termos:
“Nessa operação morfológica, dois itens lexicais independentes podem ser usados para fins de denominação, como ocorre com ‘bolsa-família’ e ‘porta-copos’. Uma vez que as bases que participam da formação de compostos são livres ou potencialmente livres, é possível dizer que equivalem a palavras morfológicas. Compostos combinam palavras morfológicas para gerar um novo lexema (BAT-EL, 1998). Assumindo que o morfema é uma unidade de significação, identificam-se três elementos morfológicos em um composto (SPENCER, 1991). Por exemplo, ‘porta-níquel’ não apenas rotula um objeto (tipo de bolsa), mas também veicula os conteúdos ‘portar’ e ‘níquel’: os dois significados combinam-se para formar um novo conceito unificado. Por conseguinte, os conteúdos das duas palavras morfológicas são veiculados na palavra morfológica complexa, uma vez que contribuem para formá-la. Como os significados em questão aparecem representados lexicalmente em duas palavras diferentes, a composição figura entre as expressões lexical e derivacional” (GONÇALVES, 2005a, p. 127).
Do ponto de vista fonológico, a composição realiza-se por justaposição ou
por aglutinação das palavras combinadas. Na justaposição, as palavras-base
conservam autonomia fonética, isto é, o acento e os segmentos que as constituem,
permanecendo, na forma composta, a delimitação vocabular entre as bases, como
em girassol, passatempo, porta-joia e copo-de-leite. Já na aglutinação, as bases
envolvidas perdem a limitação vocabular entre elas, devido à supressão ou alteração
de algum segmento, por sândi interno, como se verifica, por exemplo, em planalto
(< plano + alto), por elisão, e em aguardente (< água + ardente), por crase, da vogal
final com a inicial seguinte, sujeitando-se a um único acento lexical.
Em síntese, na justaposição, são preservadas a estrutura e a pauta acentual
das bases combinadas, o que resulta duas palavras prosódicas e uma morfológica;
na aglutinação, as palavras-base perdem material fônico e, consequentemente, os
34
seus acentos lexicais, prevalecendo isomorfia entre a palavra prosódica e a
morfológica. Embora tais processos fonológicos sejam apresentados como aspectos
peculiares da composição, podem ser também verificados, com frequência, na
derivação.
Nesse contorno, Villalva (2000) atenta para o fato de que as gramáticas
tradicionais confundem o conceito de composição com o de lexicalização, e, por
isso, não se dão conta de que justaposição e aglutinação não são processos
distintos, mas sim dois estados ou graus em que as palavras compostas se
encontram dentro de um mesmo processo: o de lexicalização. Nas palavras da
autora,
“[o] que, na verdade, se constata é que os compostos por justaposição sofrem apenas uma lexicalização semântica, enquanto que, nos compostos por aglutinação, a lexicalização não é só semântica, mas também formal, ou seja, a estrutura morfológica do composto é perdida” (VILLALVA, 2000, p. 347).
Assim, formas inicialmente compostas, uma vez lexicalizadas, ao atingirem o
final de sua trajetória de lexicalização, dão origem a uma palavra com pauta
acentual única. Como tal processo está comprometido com a mudança do sistema
linguístico, essas unidades morfológicas raramente surgem em uma dada sincronia,
sendo, portanto, improdutivas. Sinalizando que ainda estão em processo de
lexicalização, tais formas costumam admitir duas grafias, como é o caso de
hidroelétrica ou hidrelétrica; radioatividade ou radiatividade; hidroavião ou hidravião.
A composição, em português, gera sobretudo substantivos, construídos com
diferentes componentes lexicais, ou seja, com duas bases livres (bolsa-família, vale-
transporte e sofá-cama), uma presa e uma livre e vice-versa (auto-escola, eco-taxa,
claustrofobia) ou, ainda, com duas bases presas (hemopatia, pedofilia e logopedia),
relacionadas de acordo com suas características semânticas e gramaticais,
35
funcionando como uma única unidade de significação no léxico mental.
Sendo produtos de um processo de natureza morfo-sintático-semântica,
atribuem-se aos compostos diversificadas classificações e hipóteses. Pesquisas,
como, por exemplo, as de Sandmann (1989), Moreno (1997), Lee (1997), Rio-Torto
(1998), Villalva (2000), e, mais recentemente, as de Santos (2009), Rio-Torto &
Ribeiro (2011), entre várias outras, confirmam não só a complexidade do assunto,
como também dão mostras dos diferentes aportes teóricos utilizados na descrição
do fenômeno.
Grosso modo, essas pesquisas apontam alguns fatores que dificultam uma
definição precisa dos compostos, tais como (a) não-isomorfia entre palavra
prosódica e morfológica (porta-níquel; auxílio-desemprego); (b) possibilidade de
flexão e derivação nos constituintes internos (peixes-espada; peixINHO-espada); (c)
possibilidade de flexão de plural em todos os componentes (bolsas-escolas)24.
De uma perspectiva morfossintática, não há consenso entre os linguistas
acerca do processo de composição. Monteiro (2002, p. 186), por exemplo, classifica
de composto “o vocábulo que admitir a pluralização apenas do último componente”,
bem como a forma em que “o acréscimo de algum sufixo derivacional afeta o
composto como um todo”. Nessa perspectiva, não são compostos, mas locuções ou
grupos sintáticos, as seguintes formações, dentre várias outras tradicionalmente
classificadas como tal: salário-família, cabra-cega, pé- de-moleque (exemplos do
autor), uma vez que admitem flexão de plural e acréscimo do sufixo -(z)inho entre os
seus componentes.
Lee (1995; 1997), com base nos pressupostos da Morfologia Lexical, quadro
que rejeita a hipótese de que os compostos sejam derivados de sentenças, defende
24 Nos exemplos, as sílabas tônicas aparecem sublinhadas; os sufixos derivacionais, em maiúsculo; e as marcas flexionais, em negrito.
36
a existência de dois tipos de compostos no português do Brasil: compostos lexicais
(“compostos verdadeiros”, correspondentes a objetos morfológicos) e compostos
pós-lexicais (“pseudo-compostos”, correspondentes a palavras sintáticas
reanalisadas). Segundo o autor, os compostos lexicais formam-se no léxico e são
sintaticamente opacos, ou melhor, comportam-se como uma palavra simples em
relação aos processos morfossintáticos, pois não permitem flexão, derivação, nem
concordância entre os constituintes (cine-clube, luso-brasileira); os compostos pós-
lexicais são formados no componente sintático, e, por isso mesmo, são sintática e
morfologicamente transparentes, visto admitirem flexão, derivação e concordância
entre os seus constituintes, que funcionam como unidade independente nas
operações morfológicas (fim-de-semana; salário-mínimo). Só a partir de um dado
momento, compostos pós-lexicais ingressam no léxico (LEE, 1995).
De outra perspectiva, Rio-Torto & Ribeiro (2011), fundamentadas no modelo
proposto por Bisetto & Scalise (2005)25, classificam os compostos do português
europeu contemporâneo, dividindo-os em três classes, determinadas pelo tipo de
relações gramaticais entre os seus constituintes: compostos coordenados
(apositivos e copulativos), compostos subordinados e compostos atributivos. Em
compostos coordenados, os constituintes pertencem obrigatoriamente à mesma
categoria lexical e são ligados por um operador aditivo, explícito (leva-e-traz; vai-e-
vem) ou implícito (surdo-mudo, ítalo-brasileiro). Os compostos subordinados são
constituídos de dois elementos unidos por uma relação predicador-argumento, ou
seja, uma relação subordinativa, a exemplo de porta-lápis, cancerígeno, casa- de-
abelha (‘espécie de ponto de costura’). Por fim, em compostos atributivos, os
25 Grosso modo, a classificação de Bisetto & Scalise (2005) consiste em dois níveis de análise com base na (a) relação gramatical entre os constituintes do composto, e (b) possibilidade de o composto apresentar ou não um constituinte cabeça (categorial, morfológica e semântica): endocentricidade vs. exocentricidade. Estes dois níveis de análise levam a três tipos de compostos (subordinados, coordenados e atributivos), sendo cada tipo subdividido em endocêntrico e exocêntrico.
37
componentes associam-se por uma relação modificado-modificador, como nos
casos de sofá-cama e palavra-chave.
Quanto à presença versus ausência de um constituinte-cabeça
(headedness), que define, nesta ordem, a noção de endocentricidade e
exocentricidade, Rio-Torto & Ribeiro (2011) organizam os compostos em três
grupos: (a) com uma cabeça (pé-de-galinha e ciclovia); (b) com dupla cabeça, em
geral os coordenados, (surdo-mudo e ítalo-brasileiro); e (c) compostos com não-
cabeça (para-raios, guarda-roupa, vai-e-vem)26.
Entretanto, as autoras esclarecem que existem muitos compostos que são
categorial e morfologicamente endocêntricos, mas semanticamente exocêntricos, a
exemplo de pé-de-galinha (‘ruga no canto dos olhos’). Esse composto apresenta
uma cabeça categorial e morfológica, pé, que não funciona como cabeça semântica,
já que o composto como um todo não é hipônimo de nenhum de seus constituintes.
Há também casos de compostos que são morfológica e semanticamente
exocêntricos, mas categorialmente endocêntricos, como, por exemplo, cabeça-chata
“indivíduo que nasceu do Nordeste do Brasil, esp. no Estado do Ceará” (HOUAISS,
2009), mão-aberta (‘esbanjador’) e unha-de-fome (‘sovina’) (este, exemplificado
pelas autoras). Essas formas compostas não apresentam cabeça morfológica, uma
vez que nenhum constituinte transmite ao todo características morfológicas, como
número ou gênero, nem tampouco cabeça semântica, mas a classe gramatical do
todo é determinada pela categoria lexical dos constituintes que funcionam como
cabeça categorial, ou seja, respectivamente, pelos substantivos cabeça, mão e
unha.
Contudo, são as relações gramaticais (coordenativas, subordinativas,
26 Nos exemplos, os elementos-cabeça estão sublinhados.
38
atributivas e temáticas) estabelecidas entre os constituintes dos compostos que,
provavelmente, trazem maior dificuldade para distinguir com precisão compostos de
grupos sintáticos, sejam estes eventuais ou permanentes, nos termos de Sandmann
(1989), uma vez que determinados padrões de compostos (p. ex. S+prep+S: pé-de-
meia, cartão-de-visita) apresentam configuração semelhante às estruturas sintáticas.
Ademais, a estrutura prosódica dos compostos, em português, não contribui
para sua categorização separada de outras unidades, visto a posição do acento não
ser um critério confiável para distinguir, por exemplo, um composto do tipo S+A,
A+S, S+S ou S+prep+S de grupo sintático. Diferentemente, em inglês, a partir da
posição do acento, é possível diferenciar compostos de frases, já que o acento, no
composto, incide sobre o constituinte não-cabeça, que, nesta língua, sempre figura à
esquerda (blackbird ‘melro’) e o acento frasal ocorre na cabeça, posicionada à
direita, do sintagma nominal (black bird ‘pássaro preto’). Este critério não é aplicável
em nosso idioma, porque, segundo Vigário (2002), o acento primário do composto
sempre recai em sua última palavra prosódica.
Ainda do ponto de vista prosódico, uma situação que perturba a
classificação uniforme dos compostos é o fato de algumas formas, mais
especificamente, os compostos neoclássicos, apresentarem apenas uma palavra
prosódica (carnívoro; antropófago); enquanto outros, duas (agronegócio; telepatia)
(nos exemplos, as sílabas com tonicidade estão sublinhadas).
Em trabalhos realizados com o propósito de discutir a linha difusa entre
composição e estruturas sintáticas, normalmente a ênfase é dada a determinados
tipos de compostos, em detrimento de outros. Por exemplo, a análise proposta por
Basilio ([1987] 2000a) contempla apenas o padrão V+S (guarda-chuva, mata-
mosquito), visto que esse padrão, além de ter uma das posições preenchida por um
39
verbo, elemento sintático nuclear, apresenta as características fundamentais de um
composto. Um outro tipo analisado pela autora é o S+A, exemplificado com uma
única expressão, óculos escuros, que, segundo Basilio (op. cit.), por concorrer com a
variante óculos pretos, não constitui um composto. No entanto, “esse argumento
invalidaria o exemplo 'guarda-roupa', utilizado pela autora na formação V+S, uma
vez que este também apresenta uma variante: ‘guarda-vestido’. Na verdade, isso
apenas ratifica a complexidade do assunto e a fragilidade das proposições” (SILVA,
2011, p. 56).
Sandmann (1989; 1992), baseado em critérios fonológicos, morfológicos,
sintáticos e semânticos, tenta separar os compostos de outras unidades
semelhantes, mas admite que “nem todos os compostos se distinguem em igual
medida dos grupos sintáticos” (SANDMANN, 1992, p. 33), uma vez que, muitas das
vezes, é apenas o critério semântico que contribui para diferenciá-los. Desse modo,
podemos dizer que a maior parte dos compostos se distingue dos grupos sintáticos
correspondentes, por meio de associações metafóricas ou metonímicas projetadas
na construção/interpretação do seu significado. Por exemplo, o composto louva-a-
deus, que nomeia um tipo de inseto, difere da frase Louva a Deus, devido à
transferência de sentido metafórica, já que o inseto, em repouso, assemelha-se a
uma pessoa orando.
Outro aspecto relevante, mas não definitivo, para a distinção em pauta, diz
respeito às funções discursivas exercidas pelas formas compostas e grupos
sintáticos. Sandmann (1989), ao comparar os compostos, denominados, por ele, de
atípicos, (a) tomara-que-caia e (b) maria-vai-com-as-outras com as contrapartes
frasais (a1) Tomara que caia! e (b1) Maria vai com as outras, esclarece que o
composto, em (a), denota ‘um tipo de blusa’ e, em (b), ‘uma pessoa sem vontade
40
própria’, enquanto a frase, em (a1), de aspecto volitivo, exprime um desejo e, em
(b1), de aspecto assertivo, realiza uma declaração. O autor (op. cit.) observa ainda
que a função denotativa, característica essencial da composição, não é suficiente
para diferenciar formas compostas de grupos sintáticos, dada a existência de grupos
sintáticos permanentes a serviço da denotação, a exemplo de ‘toda vida’, ‘Nossa
Senhora’, ‘pintar o sete’, ‘tomar pé’, ‘tomar conta’, ‘abrir mão de’ (citados pelo autor),
de onde se conclui que formas compostas com estrutura sintática, em sua trajetória
de entrada no léxico, sofrem alguma delimitação semântica, já que perdem as
funções expressas pelos sintagmas correspondentes.
Em contrapartida, quando se analisam, especificamente, compostos do tipo
S+prep+S, a (im)possibilidade de inserção lexical (lua-de-mel → lua *linda-de-mel ou
lua-de-*muito mel); as condições de (in)determinação (cabeça-de-chave ≠ cabeça-
da-chave); e o escopo alcançado pela adjetivação, que não atinge os componentes
internos do composto (pé- de-moleque caseiro → pé *caseiro-de-moleque ou pé-de-
*caseiro moleque), são critérios usualmente aplicáveis para determinar a
composicionalidade de uma dada forma, devido aos efeitos referenciais que
produzem e à opacidade do todo que revelam. Dessa forma, se, em unidades
S+prep+S, qualquer mudança interna é permitida, não se trata de compostos, mas
de expressões sintáticas substantivas ou de expressões idiomáticas (cf. RIO-
TORTO & RIBEIRO, 2011).
A flexibilidade que se observa nos critérios disponíveis para definição da
classe dos compostos corrobora a concepção de que a linguagem não se estrutura
em módulos estanques, fato que torna custosa a tarefa de demarcar fronteiras
lexicais nítidas. Como a composição em português constitui uma categoria
heterogênea e fronteiriça, ainda mais quando se tem em mente diferenças e
41
semelhanças entre compostos e grupos sintáticos, evidencia-se, mais uma vez, que
um dos problemas para a classificação de palavras complexas é a tentativa de
encaixá-las em categorias precisas, o que fortalece a hipótese de distribui-las em um
macro continuum em que, nas extremidades opostas, situam-se as expressões
idiomáticas e as palavras derivadas, tendo como referência as formações
prototípicas de cada operação morfológica que acessa duas palavras como base27.
No entanto, as dimensões deste trabalho, obviamente, não permitem que se
alcance tão ambiciosa meta; assim, no continuum que se pretende elaborar aqui,
figuram apenas a composição regular de um lado e a derivação, de outro.
Embora sejam relativamente claras as diferenças entre palavras formadas
por derivação e por composição, há construções que, ao contrário, evidenciam a
possibilidade de transitar entre suas fronteiras. Exemplo disso diz respeito ao tema
da próxima seção, a composição neoclássica, cujas formas-base apresentam
características fonológicas, morfológicas e semânticas peculiares que não se
enquadram perfeitamente nem como afixos nem como radicais.
2.3.3 Composição neoclássica
O dilema de identificar um caso de derivação ou de composição torna-se
mais proeminente quando se focalizam os chamados “compostos neoclássicos”, isto
é, o conjunto de palavras morfologicamente complexas, construídas a partir de
bases presas de origem latina ou grega, como em, dentre tantas outras, nictofobia,
pedofilia e hipódromo. Essas bases presas tanto podem aparecer como um
constituinte à esquerda quanto à direita na formação, a exemplo de fone em telefone
e fonologia e de pede em velocípede e pedicure que devido a essa oscilação 27 Uma proposta de demarcação morfológica entre compostos e construções sintáticas, a partir de construções com o item lexical ‘pé’, sob a perspectiva da Linguística Cognitiva, pode ser contemplada em Silva (2011).
42
posicional são denominadas de confixos por Martinet (1976). No entanto, o que
caracteriza um elemento para ser considerado neoclássico?
Como esclarece Lüdeling (2006, p. 580, tradução nossa),
“uma palavra ou elemento neoclássico não é simplesmente qualquer elemento etimologicamente latino ou grego. Como o Latim (e, em parte, o Grego) foi uma língua franca europeia e o idioma oficial em muitos países por muitos séculos, não é de admirar que muitos elementos latinos e gregos foram incorporados em diferentes línguas.”28
Vários elementos, tomados por empréstimo desde cedo, muitas das vezes,
foram fonológica e morfologicamente assimilados pela língua tomadora e não
apresentam diferenças estruturais em relação aos itens nativos. Em português, por
exemplo, a palavra mercado, do latim mercatus, sofreu a atuação de processos
fonológicos regulares até atingir a forma que tem, e, na formação de palavras,
comporta-se como uma palavra nativa. Portanto, a etimologia do elemento não é
suficiente para caracterizá-lo como neoclássico. Desse modo, a composição do tipo
neoclássica, de acordo com Lüdeling (op. cit.), refere-se a um mecanismo de
formação lexical que concatena, segundo propriedades das estruturas morfológicas
de uma língua, elementos greco-latinos que não foram totalmente absorvidos como
formas usuais da língua tomadora. Grosso modo, a maioria dos compostos
neoclássicos estrutura-se com partes de formas importadas das línguas clássicas
(grego e latim), que não têm autonomia na língua tomadora, cujo conteúdo
significativo é aprendido ou inferido pelo falante, por meio da comparação com
palavras complexas já existentes, que, em seguida, são combinadas com bases
livres ou outras bases presas.
28 A neoclassical word or element is not simply any element that is etymologically Latin or Greek. Because Latin (and partly Greek) was the European lingua franca and the official language in many countries for many centuries, it is no wonder that many Latin and Greek elements found their way into the European languages.
43
Contudo, o mecanismo de composição que envolve elementos neoclássicos
não é tão simples quanto parece. Como aponta Gonçalves (2011b), uma das
dificuldades para a sua descrição reflete-se na terminologia heterogênea utilizada
em suas diferentes análises. Os elementos neoclássicos, além de compreendidos
como um tipo de afixoide29 por alguns teóricos, uma vez que igualmente são
nomeados de pseudoafixos (KATAMBA, 1993), semiafixos (SCHMIDT, 1987),
confixos (MARTINET, 1976), afixoides (MARCHAND, 1969), recebem várias outras
denominações: arqueoconstituintes (CORBIN, 2004), raízes de fronteira (ten
HACKEN, 1994), formas combinatórias neoclássicas iniciais/finais (BAUER, 1988;
LÜDELING et alii, 2001), raízes neoclássicas (SCALISE, 1984) e afixos (BAUER,
1979). Essa profusão terminológica reafirma a dificuldade que se tem para
categorizar tais elementos combinatórios, e, talvez, seja mais coerente considerá-los
funcionalmente transitórios entre radical e afixo.
Ao investigar os compostos neoclássicos no âmbito do francês, Amiot & Dal
(2007) resumem quatro propriedades inerentes aos constituintes greco-latinos,
pontuando os seguintes aspectos:
(a) a lexematicidade nas línguas de origem: em latim ou grego, a maioria era empregada como formas livres e podiam ser declinadas, como se observa na palavra latina ludus, utilizada por São Tomás de Aquino, em "Ludus est necessarium vitae humanae ad conversationem" (exemplo das autoras); (b) a ausência de realização sintática na língua-alvo: em várias línguas (português, francês, inglês, alemão etc.), as formas neoclássicas funcionam como constituintes presos, e, por isso mesmo, não ocupam o núcleo de um sintagma, já que não são formas de livre-curso. Assim, causam entranheza enunciados como “Ele está com o rino inflamado” ou “Apostou na corrida de hipos”, entre vários outros.
29 Na literatura, o termo afixoide tem duas acepções; refere-se a (a) elementos encurtados que remetem, metonimicamente, ao significado da palavra complexa de origem e não concorrem com nenhuma palavra pré-existente (DUARTE, 1999; 2009); ou (b) elementos ressemantizados, nem sempre formas recortadas, que, necessariamente, coexistem com uma palavra da língua (SANDMANN, 1989; 1992). Neste trabalho, não fazemos distinção entre uma acepção e outra.
44
(c) o tipo de vocabulário que servem para formar: geralmente, as palavras complexas em que aparecem pertencem ao vocabulário utilizado em campos científico ou tecnológico, como a medicina (‘laparoscopia’), a biologia (‘bacteriologia’), a física (‘astronomia'), entre inúmeros outros termos. (d) a presença de uma vogal de ligação (o ou i) entre os dois componentes em fronteira morfológica / ... Cf+Ci ... /, em que Cf representa a consoante em posição final do primeiro constituinte e Ci, a consoante em posição inicial do segundo componente: assim como em francês, em português, a vogal -o- é mais recorrente do que a vogal -i-. Esta aparece em combinações em que pelo menos um dos componentes origina-se do latim, a exemplo de ‘herbicida’ e ‘uníssono’; ao passo que a vogal -o- integra a maioria das palavras formadas a partir de um ou ambos constituintes de origem grega30: ‘quilograma’ (grego + grego), ‘agronomia’ (latim + grego). Embora esse conjunto de propriedades pareça estabelecer uma classe bem
definida de elementos, não se aplica uniformemente em diferentes línguas que
apresentam o subtipo de composição denominado neoclássico. Por exemplo, nem
todos os elementos neoclássicos têm as mesmas restrições de posição: alguns
podem aparecer em posição inicial ou final (antropo, em antropófago “canibal” e
filantropo “altruísta”; gloto(a) em poliglota e glotologia “estudo científico de uma
língua”), outros, somente em posição inicial, como acontece com os prefixos (micro-
em microscópio ou micrófilo “que tem folhas pequenas”); e, ainda, há outros, à
semelhança dos sufixos, que apenas se posicionam no final da formação (-fobia em
hidrofobia ou xenofobia). Essa indeterminação posicional evidencia a passagem
gradual da composição para a derivação, como defende Bauer (1998).
O critério de independência discursiva (ser livre ou preso) também parece
ser discutível para definição de um elemento neoclássico. Ainda que boa parte deles
funcione como base presa, há formas encurtadas que passam a ser instanciadas
isoladamente, como nos casos de hexa (‘seis vezes campeão’) e homo
30 Como os elementos gregos são bem mais numerosos em português e a maior parte deles assume na composição uma forma terminada em -o-, esta vogal aparece em um maior número de palavras (GONÇALVES, 2011b).
45
(‘homossexual’), exemplificados em (03):
(03) “Brasil, rumo ao hexa!” “Meus melhores amigos são homos”
Mesmo sendo um processo usual em português, as gramáticas tradicionais,
a exemplo de Rocha Lima (1972), Cunha & Cintra (1985) e Bechara (1999), não
oferecem à composição neoclássica um tratamento particular, à parte da
composição vernácula. Limitam-se a apresentar um elenco de radicais eruditos que,
além de variar de gramática para gramática, abriga, nas palavras de Gonçalves
(2011b, p. 15), “elementos de natureza diferente e com variados graus de
incorporação ao sistema morfológico do português”.
Gonçalves (2011b) desenvolve um estudo detalhado acerca dos radicais
neoclássicos e observa que entre essas formas há aquelas que (a) são
reconhecidas por alguns autores (SANDMANN, 1989; MONTEIRO, 2002) como
prefixos, a exemplo de bi-, mini-, mega- etc.; (b) representam raízes doublets31,
como nos casos de pisci- (pisciano, psicultura); herbi (herbívoro, herbicida); (c)
fazem parte, ao mesmo tempo, da lista de radicais gregos e latinos, apresentando,
em geral, alguma alteração segmental, mas mesmo conteúdo semântico, como agro
(do grego) em agrônomo e agrotóxico, semelhante a agri (do latim) em agricultura e
agrícola; (d) são formas raramente empregadas (muitas vezes em somente uma
palavra), ou são muito opacas, ou, ainda, aparecem apenas em “palavras de
utilização restrita na língua ou pouco usuais” (GONÇALVES, 2011b, p. 16), como
nos exemplos citados pelo autor, aristo (aristocracia); meso (Mesopotâmia,
31 Denominam-se raízes doublets as bases de nomes derivados que preservam a forma de origem, isto é, formas que não experimentaram alterações fonéticas ao longo da evolução da língua (metaplasmos). Não raro, tais bases substituem, na derivação, a base vernácula correspondente, como se pode observar nos pares água / aquático; cabelo / capilar; magro / macérrimo; vida / vital, em que as palavras derivadas apresentam a alternante forma doublet (cf. JOSEPH, 1998; GONÇALVES, 2005a).
46
mesóclise); pari (paridade, paritário). Além disso, muitos dos elementos incluídos
nessas listas heterogêneas não participam da construção de palavras compostas,
estão tão somente a serviço da derivação. Esse é o caso, dentre muitos outros
constituintes elencados por Gonçalves (loc. cit.), de aritmo → aritmética; popul(o) →
populoso, populismo. Portanto, a presença de um radical clássico em uma dada
formação nem sempre indica que esta é produto de composição neoclássica.
Outra dificuldade encontrada para uma classificação discreta dos compostos
neoclássicos diz respeito a sua estrutura sintática. Tais compostos têm,
invariavelmente, a mesma estrutura das palavras derivadas, isto é, DT-DM
(determinante-determinado), pois, na formação, o primeiro membro funciona como
adjunto e o segundo, por desempenhar a função sintática de mudar a classe da
palavra, é o núcleo, como pode ser observado nos exemplos da tabela 2, em (04)32,
a seguir:
(04)
Compostos Neoclássicos
Derivação
DT-DM Prefixação Sufixação DT-DM DT-DM hemo-filia re-ler ama-nte clepto-mania co-autor cria-dor inseti-cida in-capaz pastel-aria hidro-massagem des-prender jornal-eiro
Tabela 2- Padrão estrutural DT-DM em português
Como se pode observar, os elementos neoclássicos ora constituem o
determinado, o núcleo da construção, ora, o determinante, o adjunto. Com efeito,
podemos inferir que a névoa que sobrevoa derivação-composição sustenta-se na
indefinição dos formativos alçados por esses processos, que, por um lado, são tidos 32 De acordo com Gonçalves (2005a), sufixação e prefixação igualmente apresentam o padrão estrutural DT-DM, sendo que, na sufixação, ao contrário do que ocorre na prefixação, a base constitui a cabeça lexical da construçao morfológica complexa.
47
como elementos de derivação (-mente e -z(inho)); por outro lado, participam da
composição (e seus subtipos), tais como alguns elementos neoclássicos (as bases
presas).
Por tudo isso, concordamos com Caetano (2010, p. 139), ao afirmar que
“o processo de formação de palavras em que participam elementos neoclássicos se situa ‘A meio caminho entre a derivação e a composição’. Ou seja, não é (exclusivamente) nem uma coisa nem outra. Por isso, tendo em conta a sua especificidade, será desejável que, para além dos já considerados, se pondere a existência de um outro processo, que consiste na formação de palavras por elementos neoclássicos”.
Afora esses formativos utilizados em grande escala, vislumbramos ainda
alguns fragmentos vocabulares (detalhados na seção 4.7), elementos recorrentes
em cruzamentos vocabulares, que podem ser compreendidos como quase-sufixo.
Na realidade, todos esses formativos contribuem para uma delimitação não-
exemplar entre derivação e composição, tornando obscuras suas fronteiras.
Antes mesmo de nos ocuparmos do estatuto morfológico desses
constituintes também difíceis de categorizar, nas seções que se seguem,
apresentamos as características de dois relevantes processos não-concatenativos
de formação lexical ‒ Cruzamento Vocabular e Encurtamento Lexical (do ing.
Clipping) ‒ que estão diretamente relacionados com o surgimento de elementos
disponíveis para a composição e derivação.
2.4 PROCESSOS NÃO-CONCATENATIVOS
2.4.1 Cruzamento Vocabular
Denomina-se de cruzamento vocabular (doravante CV) uma palavra
morfológica, resultante da fusão de duas outras pré-existentes, que, ao mesmo
tempo, reproduz e cria significados a partir das palavras que lhe serviram de fonte,
48
como, por exemplo, baianeiro (< baiano + mineiro), breganejo (< brega + sertanejo),
chafé (< chá + café), marginata (< marginal + magnata), entre tantas outras.
O primeiro ponto a ser destacado com relação ao processo de CV é que há
um debate acerca da posição ocupada por ele nas teorias de formação de palavras,
no que diz respeito à produtividade morfológica, discussão que afeta as definições e
classificações das mesclas lexicais, e também ajuda a lançar luz sobre as razões da
lacuna na literatura sobre o processo de CV33.
Não há consenso geral sobre o lugar que o CV deve ocupar na morfologia
lexical: se no âmbito da produtividade ou da criatividade morfológica. Alguns
estudiosos (BAUER, 1983; CANNON, 1986) consideram o CV um processo
produtivo, uma vez que, de acordo com Bauer (2001), um processo produtivo não é
necessariamente aquele responsável pela formação de um grande número de
palavras, mas também é produtivo pela capacidade de atualizar/renovar
constantemente o vocabulário dos falantes de uma determinada comunidade
linguística; outros entendem-no como relacionado à criatividade morfológica
(ARONOFF, 1976), enquanto outros o excluem de ambas as esferas (van MARLE,
1985).
Os linguistas têm opiniões diferentes “se processos tais como derivação
regressiva, conversão (derivação zero), cruzamento vocabular, truncamento, etc.,
devem ser incluídos na teoria de formação de palavras, e, se assim for, qual é o seu
status em relação aos principais processos de formação de palavras” (ŠTEKAUER,
1998, p. 1, tradução nossa)34. Por exemplo, Marchand (1969) sustenta que mesclas
33 O mesmo debate ocorre com relação aos processos de truncamento vocabular, acronomia, e, às vezes, composição neoclássica e formações com fonestemas. 34 “…whether such processes as back-formation, conversion (zero-derivation), blending, clipping etc., are to be included within the theory of word-formation, and if so – what their status is with regard to the ‘main’ word-formation processes”.
49
lexicais são monemas, uma vez que não são analisáveis em termos de morfemas
constituintes. Bauer (1983) chama os processos de formação de palavras
constituídas de pelo menos um elemento submorfêmico de "imprevisíveis", dentre
eles, o CV, e Aronoff (1976) os rotula de "esquisitices". Diante da polêmica, Štekauer
(1998) decide pela exclusão das expressões lexicais regulares (collocations)35 e das
formações não-baseadas em morfemas das abordagens de formação de palavras.
Danks (2003) menciona que Aronoff (1976), mesmo colocando o CV à parte
da morfologia lexical, discute elementos como cran, boysen e huckle (< cranberry,
boysenberry e huckleberry) em sua teoria morfológica, e, sobre eles, afirma:
“Nenhum desses elementos ocorre de forma independente ou em quaisquer outras palavras. Não há, portanto, modo algum de atribuir significados não-circulares para esses morfemas. Seus significados estão intrinsicamente ligados aos das palavras individuais em que aparecem”. (ARONOFF, 1976, p. 10, tradução nossa)36
Aronoff (op. cit.) denomina esses itens de morfemas “cranberry”, mas não
lhes oferece uma descrição detalhada nem tampouco uma explanação sobre o
escopo das formas que permitem tal rótulo. Entretanto, se Aronoff incorporou tais
morfemas em sua teoria, é possível que fragmentos vocabulares e,
consequentemente, os CVs, sejam considerados constituintes morfológicos, embora
35 Em língua inglesa, o termo collocations refere-se à combinação “ideal” de duas ou mais palavras, ou seja, à melhor combinação semântica de uma palavra com outras, exigida pelo contexto. Por exemplo, todo falante nativo de inglês sabe que para dizer chá forte, usa-se a expressão strong tea, e não *powerfull tea, mas, para qualificar um computador como forte, diz-se powerfull computer em vez de *strong computer. Levando-se em conta o principio clássico da composicionalidade, para o qual o significado das expressões complexas é a soma dos significados de suas partes, combinações lexicais regulares não devem ser confundidas com expressões idiomáticas, porque, embora semelhantes, na medida em que, para veicular o significado esperado, ambas dependem em certo grau da presença de um determinado item lexical. Diferentemente do que ocorre com as combinações lexicais regulares, na construção do significado das expressões idiomáticas nem sempre são acionados os significados prototípicos de seus componentes. (cf. CROFT & CRUSE, 2009, p. 236). 36 “None of these items occur independently or in any other words. There is thus no noncircular way of assigning meanings to the morphemes. Their meanings are intimately connected with those of the individual words in which they occur”.
50
muito ainda precise ser pesquisado nessa área. Danks (2003) rejeita a posição de
Aronoff de que cran deve ser analisado como um morfema, pois considera este
elemento um fragmento vocabular de cranberry e, portanto, o CV, um processo
pertencente à morfologia lexical.
As mesclas lexicais revelam criatividade no uso da língua materna e sua
força expressiva resulta da síntese de significados e do inesperado que se consegue
com a combinação. Quase sempre com finalidade expressiva particular e
circunstancial, os CVs não somente são encontrados na linguagem coloquial,
humorística e publicitária, mas também na linguagem literária, exprimindo um certo
tom de lirismo, a exemplo de deleitura (< deleite + leitura) e falavra (< fala + palavra).
Basta lembrar que um dos primeiros escritores a teorizar sobre as mesclas lexicais
foi Lewis Carroll, que o fez através da famosa personagem Humpty-Dumpty:
“Bem, ‘lubriciosos’ significa lúbricos37 que é o mesmo que escorregadios, e operosos, ágeis. Entende, é uma palavra-valise... há dois sentidos embalados numa palavra só” (CARROLL, Lewis, 1872, grifos nossos).
O fenômeno recebe variadas denominações: Cruzamento Vocabular
(SANDMANN, 1989; 1992; 1993; HENRIQUES, 2007; BASILIO, 2003), Blend
(GONÇALVES, 2003a), Palavra-Valise (ALVES, 1994), Mistura (SÂNDALO, 2005),
Amálgama (AZEREDO, 2000; MONTEIRO, 2002); Fusão vocabular (BASILIO, 2005;
2010) e Portmanteau38 (PIÑEROS, 2002; ARAÚJO, 2000). Curiosamente,
Wentworth (1933, p. 78-79) lista, em seu artigo “Twenty-nine synonyms for
37 Tradução do inglês sligthy, cruzamento de slimy “liso” e lithe “ágil, ativo”. 38 Termo utilizado por Piñeros (2002) e Araújo (2000) para batizar o processo de formação de palavras que não se identifica nem com a composição propriamente dita, nem com a derivação. Originalmente, o termo portmanteau (do francês ‘cabide’) foi introduzido por Hockett (1963, apud CABRAL, 1974, p. 115) para denominar um morfe que corresponde a dois ou mais morfemas. Esses morfemas apresentam os mesmos traços gramaticais de outros que vêm em sequência em certos contextos. É o caso da crase em português. Daí chamarem de portmanteaux os vocábulos cruzados que têm segmentos ambimorfêmicos às bases.
51
Portmanteau Word (‘Vinte e nove sinônimos para a Palavra Portmanteau’)”, trinta
termos diferentes para o fenômeno. Entretanto, nas últimas três décadas, a maioria
dos linguistas utiliza o termo ‘lexical blending’ para denominar o processo, aqui
referido por CV.
Seja como for denominado, tem-se uma mescla lexical quando duas
palavras, pertencentes ou não a mesma classe gramatical, se fundem em um todo
fonético, portando apenas um único acento, à semelhança de um composto formado
por aglutinação39, mas sem, contudo, perder as propriedades semânticas das formas
que lhes deram origem.
Embora se trate de um processo de aparência arbitrária, em que as bases
se combinam aleatoriamente, em oposição ao que prega a maior parte da literatura
sobre o assunto, entendemos o CV como um processo regular e passível de
sistematização, visto estar subordinado a condições prosódicas, sendo “regido,
sobretudo, pela semelhança fônica entre as bases” (GONÇALVES, 2003c, p. 19).
A nosso ver, uma mescla lexical é o resultado da combinação de duas
bases, com perda ou compartilhamento de elementos em um ponto de fusão/quebra.
Assim, uma forma combinada que não tenha compartilhado ou perdido qualquer
elemento de origem no ponto de fusão (ainda que tenha perdido elementos de
origem em outros lugares) não resultaria em uma forma mesclada.
Pelo processo de CV, novas palavras são cunhadas por meio de três
diferentes tipos de operação, a saber: tipo 1 – por interposição (ou entranhamento
ou impregnação lexical); tipo 2 – por combinação truncada; e tipo 3 – por
39 Segundo Rio-Torto (1998), Villalva (2000) e Gonçalves (2003c; 2005a; 2005b), os compostos aglutinados, cujo resultado é uma só palavra prosódica, não são produtivos em português.
52
substituição sublexical (ou reanálise ou analogia)40.
O primeiro mecanismo de cruzamento, por interposição lexical, é
responsável pela maioria das mesclas lexicais. Os CVs desse tipo resultam da
interposição de duas bases que compartilham material fonológico, sejam sílabas,
rimas41 ou até mesmo porções fônicas sem estatuto próprio, as quais se fundem de
tal modo que estabelecem, no nível da forma cruzada, relações de correspondência
de um-para-muitos entre os constituintes das formas de base e da forma resultante.
A maior ou menor quantidade de material compartilhado está diretamente
relacionada ao grau de semelhança fônica entre as palavras-fonte (cf.
GONÇALVES, 2003a).
Tomando-se como exemplo o consagrado CV namorido, formado pelo
entranhamento das palavras-base namorado e marido, observa-se a
ambimorfemia42 recorrente nesse padrão de formação, isto é, o compartilhamento de
um ou mais elementos entre as formas-base e a forma cruzada, conforme a
representação a seguir, em (05), na qual linhas sólidas indicam segmentos
ambimorfêmicos:
(05) N A M O R A D O + M A R I D O
N A M O R I D O 40 Alguns estudiosos, entre eles Gonçalves (2003c; 2004b) e Basilio (2003), distinguem analogia de cruzamento vocabular. 41 Na hierarquia prosódica, rimas são unidades da estrutura silábica. Por exemplo, a única sílaba do advérbio bem é formada pelo constituinte (b-), denominado onset ou ataque ou aclive, por ocupar a posição inicial da sílaba; o constituinte intermediário (-e-), núcleo da sílaba, elemento silábico essencial; e, por fim, o constituinte (-m), que ocupa a posição pós-nuclear e recebe o nome de coda ou declive. Os dois últimos, núcleo + coda, formam a rima, unidade prosódica responsável pela sonoridade da sílaba. Uma rima pode ser simples, quando constituída apenas de núcleo, ou ramificada, quando, além do núcleo, apresenta coda. 42 Termo cunhado por Piñeros (2002), cujo conceito foi aplicado à morfologia por Gonçalves (2003c), que se refere ao compartilhamento de unidades fonológicas (sons, sílabas, sequências) comuns a mais de um morfema em decorrência da sobreposição das palavras-base.
53
Nos CVs do tipo 1, formas sobrepõem-se por compartilharem porções
fonológicas (segmentos, traços, sílabas) entre as bases e a palavra resultante, para
que fique assegurada, dentro do possível, menos opacidade do produto gerado em
função das bases. Assim, fazem parte desse grupo de CV, por interposição lexical
(tipo 1), as formações em que as bases se sobrepõem, a exemplo de burrocracia (<
burro + burocracia), paitrocínio (< pai + patrocínio), aborrescente (< aborrecer +
adolescente), entre inúmeras outras.
O CV do tipo 2, por combinação truncada, caracteriza-se pela não-
coincidência de segmentos entre as suas palavras-base e responde por formações
mais isoladas na língua. “Esse processo, que se assemelha, bem mais que o
primeiro, à composição, não necessariamente envolve o compartilhamento de
material fonológico” (GONÇALVES & ALMEIDA, 2007, p. 3), mas, certamente,
envolve alguma perda de massa fônica e uma sobreposição clara no ponto de fusão.
Nesse padrão, verifica-se o seguinte: (a) se as formas de base são do mesmo
tamanho, ocorre encurtamento em ambas: chocotone (< chocolate + panetone); (b)
caso contrário, a base mais extensa é recortada e a menor, sem perder massa
fônica, concatena-se inteiramente à maior: macuncrente (< macumbeiro + crente) e
forrogode (forró + pagode)43. Em ambos os casos, (a) e (b), a estrutura silábica e/ou
os segmentos constituintes do pé métrico da base maior é/são preservado(s).
Gonçalves (2003c ; 2004b) defende que, no português do Brasil, assim
como Piñeros (2002) para o espanhol, existem apenas dois padrões de CV: (1) para
os casos de impregnação lexical, em que as palavras-base apresentam algum tipo
de semelhança fônica estrutural (os portmanteaux), e (2) para os casos
dessemelhantes estruturalmente, em que as bases são totalmente diferentes do
43 Nos exemplos em (a) e (b), as sequências resmanescentes aparecem sublinhadas.
54
ponto de vista segmental, formados por truncamento lexical (os telescopes).
Segundo o autor, a “(des)semelhança fônica determinará o ponto de quebra”
(GONÇALVES, 2003c, p. 19) das palavras-fonte, esclarecendo que essa
semelhança fônica não deve ser vista como mera presença de um segmento comum
às bases, mas como uma semelhança posicional na estrutura silábica.
Gonçalves (op. cit.) exemplifica isso com a fusão de show + comício →
showmício, cujas bases apresentam uma vogal média posterior em comum (/o/); no
entanto, essa identidade não é estrutural, uma vez que as rimas silábicas são
diferentes: na primeira palavra, a rima é ramificada (/ow/), enquanto, na segunda, a
rima é constituída apenas da vogal média (/o/). Dessa forma, entre show e comício
não há ambimorfemia, pois consideramos ambimorfêmicos os segmentos que
ocupam a mesma posição na estrutura silábica e cuja circunvizinhança fônica é total
ou parcialmente idêntica.
Por último, temos o CV do tipo 3, denominado de substituição sublexical (ou
analogia ou reanálise), doravante SSL, que emerge de um mecanismo no qual uma
sequência não-morfêmica de uma dada palavra é reinterpretada como unidade
significativa e substituída por outra (GONÇALVES, 2003c; GONÇALVES, ANDRADE
& ALMEIDA, 2010). Esse tipo de formação nem sempre é considerado um CV,
porque, nas palavras de Gonçalves (2003a, p. 152), cruzamentos “constituem
produtos da junção de dois vocábulos em ‘planos alternativos’, ao contrário das
formações analógicas, cujas bases operam em ‘planos competitivos’”.
Trocando em miúdos, nas SSLs, uma porção não-morfêmica da base é
promovida à condição de morfema, a exemplo da formação bruxadrasta, em que a
primeira parte da palavra-alvo madrasta, ma-, é reinterpretada como um constituinte
adjetival, má, e, em seguida, oposta ao substantivo adjetivado bruxa. Tem-se então,
55
como resultado, a formação analógica bruxadrasta para designar, expressivamente,
“uma madrastra muito má”. Ao criar/interpretar esse novo vocábulo, o falante/ouvinte
acessa o significado das duas formas “concorrentes” (má e bruxa) para alcançar o
objetivo comunicativo pretendido: qualificar/avaliar o referente-alvo (madrasta).
Embora sejam mais raros os CVs desse tipo, trata-se de um mecanismo que tem
levado à produção, em série, de novas entradas lexicais, tais como boadrasta,
santadrasta, putadrasta, piranhadrasta, vacadrasta, entre várias outras, só para citar
formações a partir da palavra-alvo madastra.
Mesmo sendo criadas por motivações distintas dos outros dois tipos de CV
(1 e 2), SSLs e cruzamentos vocabulares apresentam o mesmo padrão morfológico,
conforme proposta de unificação de Andrade (2008), que, à luz da Teoria da
Otimalidade44, analisa as SSLs, sob o ponto de vista estrutural, como um subtipo de
CV. Para tanto, subentende-se que as formações por SSL se processam em duas
etapas: a primeira, em que parte da única palavra-base é reanalisada e promovida a
radical, e, por analogia, substituída por uma unidade significativa, que, na etapa
subquente da operação, passa a funcionar como base; a segunda, em que ocorre o
cruzamento, por interposição (tipo 1) ou por combinação truncada (tipo 2), dessa
nova base com a base-alvo.
Seja de que tipo forem, os CVs são produtos de uma operação não-
concatenativa, cuja sucessão de bases pode ser, e muitas vezes o é, rompida por
sobreposições, dando origem a palavras que condensam o significado de seus
constituintes. Portanto, os CVs são construídos por um mecanismo que não opera
necessariamente com o encadeamento de porções morfológicas e, por isso mesmo,
necessita de informações fonológicas, tais como a posição do acento nas palavras- 44 A estrutura dos CVs, quando analisada com os aportes da teoria da Otimalidade, na sua versão de Correspondência, por meio de um ranking de restrições violáveis, demonstra ser totalmente regular e gramaticalmente previsível.
56
base, o grau de semelhança fônica e a natureza estrutural da sequência
compartilhada entre elas, para que as estruturas prosódica e segmental das bases
sejam preservadas.
Além de exercer, nos termos de Basilio ([1987] 2000a), função sobretudo
discursiva, o processo de mesclagem desempenha ainda função semântica, ao
engendrar unidades lexicais, que, embora, na maioria das vezes, não sobrevivam no
código linguístico de uma comunidade, “limitando-se, via de regra, como uma
criação artística, carregada de jocosidade, ironia ou desapreço, ao momento ou
contexto para o qual ou no qual foram criadas” (SANDMANN, 1992, p. 60), renova o
inventário lexical com neologismos institucionalizados, que, muitas vezes, passam a
ser registrados nos dicionários, como é o caso de futevôlei, sacolé e portunhol.
Portanto, o CV cumpre o papel de denominar e/ou caracterizar seres, ações ou
estados – função básica do léxico –, permitindo categorizações cada vez mais
particulares.
As mesclas lexicais podem ser reconhecidas como criações autorizadas
pelas informações que se tem na memória acerca das entidades envolvidas. Ao
mesmo tempo em que traduzem uma maneira criativa de se referir às entidades,
objetos, eventos, ações do mundo extralinguístico, funcionam também como uma
espécie de avaliação (positiva ou negativa) do falante, com base nos elementos
pertinentes à circunstância de interação. O conhecimento da situação e dos
episódios do dia a dia são mais significativamente mobilizados na criação e/ou
interpretação dos CVs.
Por se tratar de um fenômeno linguístico bastante recorrente entre os
falantes da língua materna, sobretudo em situações comunicativas mais informais,
diferente talvez do que ocorra em situações de maior formalidade, o CV merece
57
mais atenção por parte dos estudiosos, com a finalidade de se fornecer indicação,
se não exata, pelo menos rigorosa, dos mecanismos que governam a associação
inédita das palavras implicadas no processo.
A seção a seguir aponta as diferenças entre o CV e os processos de
composição e recomposição (espécie de composição) que têm em comum o fato de
combinarem pelo menos duas bases. A discussão de o CV ser um processo
especial de formação de palavras, distinto da composição ou, ao contrário, tratar-se
de um tipo especial de composição reflete diretamente na configuração do
continuum composição-derivação por nós idealizado. Constam, na literatura
especializada, argumentos tanto a favor da primeira hipótese quanto da segunda.
2.4.1.1 Cruzamento vocabular vs. Composição
Podemos entender que, morfologicamente, um CV assemelha-se a um
composto, já que, em relação a processos morfossintáticos, comporta-se também
como uma palavra comum, ao permitir flexão exclusiva do último componente e
derivação relacionada à palavra resultante como um todo. Nesse sentido, um CV
seria como um composto regular, na medida em que também é opaco a operações
sintáticas. No que se refere à presença de elementos-cabeça, os CVs, assim como
os compostos regulares, podem apresentar uma sequência que representa a cabeça
lexical em constuções DT-DM: boilarina (< boi + bailarina); capestrocínio (< capes +
patrocínio); franlitos (< frango + palitos); showneral (< show + funeral), bem como
em padrões estruturais DM-DT: caligrafeia (< caligrafia + feia); estrogobofe (<
estrogonofe + bofe); Ronalducho (< Ronaldo + gorducho); ou dupla cabeça: abreijos
(< abraços + beijos); cariúcho (< carioca + gaúcho); portunhol (< português +
espanhol). Com relação à cabeça semântica, de um modo geral, os CVs são
58
endocêntricos, pois, graças a fusão eminente de suas bases, impõem uma
leitura/interpretação composicional, já que expressam, predominantemente, uma
atitude avaliativa do falante em relação ao referente: mãedrasta (< mãe + madrasta),
marginata (< marginal + magnata), chocolícia (< chocolate + delícia), entre muitos
outros.
Grosso modo, as diferenças entre os compostos e mesclas lexicais podem
ser assim resumidas:
– do ponto de vista semântico, os compostos regulares, por justaposição, ao
contrário dos CVs, podem dissociar-se, total ou parcialmente, dos
significados de seus componentes, como ocorre em pé-de-moleque
(exocêntrico) e guarda-noturno (endocêntrico), respectivamente;
– do ponto de vista fonológico, os compostos justapostos podem carregar
dois acentos, enquanto a palavra resultante da mesclagem lexical porta
apenas um;
– do ponto de vista morfossintático, os compostos pós-lexicais, nos termos
de Lee (1997), caracterizam-se pela peculiaridade de admitir processos
morfológicos no primeiro componente, como se verifica em tatuS-bola
(flexão de plural) e tatuZINHO-bola (derivação por acréscimo de sufixo),
enquanto os vocábulos cruzados, bem como os compostos lexicais, não os
permitem.
Como se pode observar, os limites entre composição e cruzamento são
tênues, ainda mais se tivermos em mente a justaposição e a aglutinação. Por isso
mesmo, assume-se com Gonçalves (2003c) que os compostos aglutinados são
improdutivos e, portanto, estão descartados desse confronto. Desse modo,
59
consideram-se composição e CV processos distintos, porque, semanticamente, a
palavra resultante do CV está sempre associada aos significados de suas bases, o
que nem sempre acontece aos compostos. Além disso, a composição regular dá
origem a palavras prosódicas complexas, isto é, com dois acentos lexicais; o CV,
pelo contrário, gera uma única palavra prosódica, com apenas um acento.
Gonçalves (2003c) defende ser essa a “diferença crucial” entre os dois processos.
Entretanto, para Basilio (2003, p. 1),
“o cruzamento vocabular pode ser considerado como um tipo de composição, na medida em que sua formação envolve duas palavras, e o processo correspondente envolve o mecanismo de formar uma nova palavra cujo significado e forma final decorrem diretamente da combinação de duas palavras”.
Embora defenda que exemplos análogos aos utilizados em seu texto como
enxadachim (< enxada + espadachim), presidengue (< presidente + dengue) e
pitboy (< pitbull + boy) também admitem outras classificações (trocadilhos,
composições e formações analógicas), Basilio (op. cit.) aponta a necessidade de se
considerar a mesclagem lexical como um fenômeno distinto das composições em
geral, dado que a palavra resultante do cruzamento é sobredeterminada pelas
propriedades fonológica e semântica dos dois elementos que são tomados como
base. De acordo com a autora, somente a análise de cruzamentos vocabulares
como reestruturações morfológicas e integrações conceptuais é capaz de captar os
elementos simultaneamente necessários para alcançar o efeito expressivo desejado,
admitindo que o padrão estrutural da composição exerce importante função nessas
construções.
Basilio (idem) levanta a hipótese de os CVs serem baseados numa
construção morfológica bem sucedida que conduz a uma quebra simultânea de
expectativas, “na medida em que a reestruturação morfológica força uma
60
reestruturação conceptual” (p. 2). Assim, as melhores formas de CV são aquelas em
que “a projeção conceitual a ser reestruturada vai por um caminho não apenas
inesperado mas insólito, embora inexorável” (p. 2).
Quanto à distinção entre cruzamento e composição, a autora prefere
assumir a posição de que “a separação ou não dos fenômenos é de caráter
terminológico e pode depender dos objetivos da descrição, para a qual a relevância
maior estará nos pontos de semelhança ou nos pontos de diferença” (BASILIO, loc.
cit.) e ocupa-se, sobretudo, da descrição de padrões apresentados pelos diferentes
tipos de cruzamento.
Do ponto de vista fonológico, a linguista concorda com a argumentação
quanto à relevância de o processo de CV ser não-concatenativo. Contudo, sob o
prisma morfológico lexical, defende que, se o compararmos com a derivação e a
composição, em relação à possibilidade de emergência de significado, a composição
e o CV ficarão de um lado e a derivação de outro, graças ao teor semântico pré-
determinado característico das formações derivadas, ao contrário das compostas.
Para Basilio (op. cit.), as diferenças entre cruzamentos e composições ficam
reduzidas pelo fato de a grande maioria dos CVs reestruturar morfologicamente
apenas uma das bases, aproveitando a configuração geral da outra, e de
apresentar, na maior parte das vezes, o elemento predicador na primeira parte da
palavra resultante, e, na segunda, o elemento qualificado, a exemplo de boilarina (<
boi + bailarina) e mãedrasta (mãe + madastra), à semelhança aos compostos de
base presa45 (p. ex. agrotóxico, lipoaspiração, eco-sistema etc.).
A esse processo morfológico, em que a combinação de duas bases – a
interferente e a hospedeira – resulta da incorporação integral do significante, sempre
45 Formas linguísticas tradicionalmente chamadas de radicais gregos e latinos ou de bases eruditas: eco-; hidro-; hipo-; demo-; -log(ia) -latr(ia) etc.
61
de caráter predicador, da interferente na hospedeira, que, mesmo sofrendo
encurtamento, mantém a sua integridade denotativa, a autora denomina de
recomposição. Assim, em tristemunho, triste- qualifica testemunho, e -munho
representa testemunho na recomposição. O mesmo ocorre em apertamento,
lixeratura, chafé, aborrescente, burrocracia etc.
No entanto, Basilio (2005, p. 4) ressalta a existência de um grupo de
palavras problemático quanto à estruturação mórfica, de função mais descritiva que
avaliativa, que parece ser formado pela combinação de partes de duas bases,
seguindo a definição de Bauer (1988). Incluem-se, nesse grupo, palavras do tipo
lambaeróbica (< lamba(da) + aeróbica) e portunhol (< portu(guês) + (espa)nhol),
cujas bases são abreviadas em pontos considerados, por ela, imprevisíveis.
Desse modo, a autora postula que existem dois mecanismos distintos de
cruzamento vocabular: um, por incorporação predicativa, e outro, por combinação de
partes de palavras. O primeiro mecanismo, que Basilio prefere denominar de fusão
vocabular, e, em trabalho posterior (2010), o batizou de fuve (fusão vocabular
expressiva), refere-se às formações em que se verifica
“interposição de uma forma sobre a outra, na qual uma alteração fonológica mínima permite ativar ambas, a hospedeira e a predicativa simultaneamente, daí resultando uma força expressiva maior na predicação”. (BASILIO, 2005, p. 5).
Com relação às fuves, em específico, Basilio (2010) refuta as definições de
Bauer (1988) e de Kemmer (2003), que consideram o cruzamento vocabular,
diferentemente da composição, uma combinação de partes de palavras, mas, nessa
combinação, só predominam as propriedades fonológicas em detrimento da
estrutura morfológica. Para estes autores, o traço caracterizador comum de uma
fusão vocabular é a perda da expressão fonológica de pelo menos um de seus
62
elementos formadores.
De uma perspectiva cognitivista, em que o léxico é compreendido como um
conjunto de construções morfológicas representadas por esquemas ou padrões
regulares, Basilio (2010) empreende uma análise diferenciada para as fuves, e
sustenta, com argumentos concludentes, que
“(a) fusões vocabulares expressivas são feitas de lexemas integrais, e não de partes de lexemas; portanto, não devem ser confundidas com cruzamentos vocabulares em geral; (b) o esquema que se abstrai das fuves é produtivo tanto em português quanto em inglês; e (c) o aspecto mais relevante das fusões vocabulares expressivas é a criatividade”. (BASILIO, 2010, p. 208).
O segundo mecanismo de cruzamento referido por Basilio (2003) diz
respeito à junção de partes de duas ou mais palavras (BAUER, 1988), resultando
uma outra palavra, cujo conteúdo referencial surge da combinação dos significados
das partes selecionadas, à semelhança de uma composição truncada.
Embora o cruzamento vocabular apresente, dois padrões, em essência,
distintos, a autora admite que ambos devem ser investigados como processos
morfológicos, tais como a sufixação, a composição, a prefixação, já que também são
mecanismos disponíveis na língua para formar novas palavras, cujo valor expressivo
resulta da integração fonológica que espelha e reforça a integração conceptual entre
as palavras pré-existentes envolvidas.
Pelo exposto, constata-se, que do ponto de vista morfológico, há uma
gradação entre a composição e os tipos de cruzamento vocabular: os CVs por
combinação truncada (tipo 2) aproximam-se bem mais da composição regular do
que os do tipo 1, por interposição lexical. Portanto, cogitar uma classificação,
considerando apenas os representantes prototípicos de cada operação, parece não
ser o mais adequado à realidade lexical, que experimenta mutações constantes.
63
Cenário bastante propício à criatividade inerente às formações por CV, processo que
vem conquistando relevância entre os mecanismos morfológicos de ampliação
lexical, não só por sua produtividade vocabular, mas também pelo número de
fragmentos vocabulares gerados e reutilizados, com frequência, em novas
formações, e, por isso mesmo, deve ocupar, ao lado da composição e da derivação,
uma posição de destaque.
2.4.1.2 Cruzamento Vocabular vs. Recomposição
A recomposição46, segundo Monteiro (2002, p. 191), é “uma espécie de
composição, com uma diferença bastante específica”. A diferença entre os dois
processos consiste na alteração de significado que uma das bases envolvidas na
recomposição experimenta. Certas formações compostas de bases presas, que
combinam radicais gregos e latinos, têm parte delas reduzida devido ao fenômeno
conhecido como compactação (do ingl. secretion), isto é, ao mecanismo pelo qual
uma palavra sofre redução de massa fônica, dando origem a uma forma abreviada
que passa a valer metonimicamente por toda palavra de que antes era elemento
constituinte. Por exemplo, os vocábulos compostos fotografia e fotofobia têm em sua
constituição o elemento foto (do grego fhõto), cujo sentido original é luz. O primeiro,
fotografia, todavia, pelo princípio de economia da linguagem devido ao uso
frequente, foi abreviado para foto. Essa forma reduzida tornou-se independente e
passou a ser empregada com o valor semântico de todo o composto, no caso em
questão, com o sentido de imagem obtida por um sistema óptico, em uma série de
novos compostos (recomposições): fotocópia, fotonovela, fotogravura, fotojornalismo
etc.
46 A seção 4.6 aborda o processo de recomposição mais detalhadamente.
64
Formações que combinam elementos como foto-, denominados de
pseudoprefixos por Cunha & Cintra (1985), e uma palavra pré-existente na língua
podem suscitar dúvidas entre classificá-las de recomposição ou de CV. No entanto,
trata-se de uma recomposição quando a palavra resultante apresenta as duas
formas (a base presa e a livre) integralmente, como se verifica em aerolula (< aero +
Lula “avião presidencial”); de um CV, quando a outra base sofre alteração ou perda
de material fônico, a exemplo do que ocorre nas seguintes formações: aerobu (<
aero + urubu “urubu responsável por acidentes aéreos”), monocelha (< mono +
sobrancelha “sobrancelha contínua, em bloco”), autotrocínio (< auto + patrocínio
“patrocínio próprio, sem recorrer a outrem”, por analogia a paitrocínio “patrocínio do
pai”).
O envolvimento de um afixoide aproxima os dois processos, pois, do ponto
de vista morfossintático, uma das bases (no caso, a presa, representada pelo
pseudoprefixo), por ser sempre determinante, impõe que a cabeça lexical figure à
direita. Desse modo, o que define se uma nova palavra que tem um pseudoprefixo
como constituinte se constrói por recomposição ou por CV é a preservação ou não
da estrutura morfológica das bases-fonte.
No entanto, um afixoide, expressão formal de um recorte de determinada
palavra complexa, além de não assumir uma posição fixa no produto que forma
(basta observar os compostos chamados de neoclássicos, referidos na seção 2.3.3),
nem sempre carrega o significado etimológico, já que sofre especialização
semântica, isto é, expressa, metonimicamente, o conteúdo semântico de todo o
composto do qual fazia parte (p. ex. eco- < ecologia), e, por isso, passa a ser
recrutada pelo processo de recomposição.
Com relação ao surgimento de afixoides, faz-se necessária uma abordagem,
65
ainda que superficial, acerca do processo diretamente envolvido em sua produção, o
encurtamento lexical (do ing. clipping), visto este ser responsável por recortes de
palavras que podem adquirir estatuto morfológico e, em decorrência, servirem de
bases presas ou livres para outros processos de formação de palavras complexas.
2.4.2 Encurtamento lexical
Consideramos o processo de truncamento vocabular47, em português, um
subprocesso de um mecanismo mais amplo de encurtamento de palavras: o
clipping. Isso porque recortes de palavras podem trilhar dois diferentes caminhos até
completarem a sua trajetória de morfologização: exercerem, por um lado, a função
de formas presas, como nos casos de fragmentos vocabulares (detalhados na seção
4.7) e de alguns afixoides; ou, por outro lado, de formas livres. Recortes que têm
autonomia discursiva, estruturados morfêmica ou não-morfemicamente, são
compreendidos, igualmente, como produtos do processo de truncamento vocabular.
Com efeito, podemos definir o truncamento como um processo não-
concatenativo de formação lexical, em que uma palavra-matriz é encurtada, e a
parte remanescente pode ou não constituir um morfema. Diferentemente das
palavras formadas por derivação, palavras truncadas não se estruturam a partir de
acréscimo de afixos, mas da supressão de material segmental da palavra-base, que
é regida por informações prosódicas, como sílaba, pé métrico48 e palavra fonológica
(GONÇALVES, 2004b; BELCHOR, 2009). A título de ilustração, dentre várias outras,
47 O fenômeno recebe variadas denominações: Braquissemia (MONTEIRO, 2002), Redução Vocabular (SANDMANN, 1992), Truncação (ALVES, 1990) e Truncamento (GONÇALVES, 2004b; 2005b). 48 Na hierarquia prosódica, o pé métrico, unidade imediatamente superior à sílaba, é constituído por duas sílabas leves ou uma sílaba pesada, entre as quais há uma relação de dominância em função de sua proeminência (sílaba forte e sílaba fraca). Para maiores esclarecimentos acerca de hierarquia prosódica, queira ver Nespor & Vogel (1986).
66
temos as seguintes formas truncadas: flagra ← flagrante; maraca ← Maracanã;
neura ← neurose; odonto ← odontologia.
Em linhas bem gerais, o processo de truncamento vocabular que caracteriza
formações como portuga, japa, salafra e cerva (a) não forma necessariamente
palavras prosódicas mínimas (constituídas de pé bimoraico ou dissilábico), (b) não
leva em conta o acento lexical da palavra-matriz, (c) dá origem, na maioria das
vezes, a uma paroxítona, com pé binário da esquerda para direita (um troqueu), e
(d) tolera a presença de ataques complexos (cf. GONÇALVES, 2004b; 2005b;
BELCHOR, 2009).
O truncamento vocabular relaciona-se com a substantivação e, como
qualquer substantivo, as palavras truncadas podem submeter-se à flexão, à
formação de derivados e à composição. Mediante as características (prosódicas,
morfológicas e semânticas) em comum que apresentam, as palavras truncadas são
distribuídas em quatro grupos ‒ A, B, C, D.
Integram o grupo A sequências morfêmicas como gastro, odonto, pós, pré,
ex, cardio, micro, que valem por uma palavra prosódica e carregam consigo o
sentido global da palavra complexa da qual provêm, reconhecidas também por
prefixoides e prefixos. O grupo B abriga palavras como delega ← delegado; salafra
← salafrário; vestiba ← vestibular; cerva ← cerveja, granfa ← granfina, cujas
características serão detalhadas adiante. O grupo C engloba fragmentos não-
morfêmicos de palavras sempre atemáticas, formados pela supressão de uma
sequência que não veicula informação morfológica, já que aproveitam as duas
primeiras sílabas da derivante, constituindo com elas um pé iâmbico (cabeça à
direita), como nos casos de refri ← refrigerante; preju ← prejuízo; biju ← bijuteria;
expô ← exposição; facul ← faculdade etc. Quanto às palavras do grupo D, o que se
67
verifica é uma redução drástica das palavras-fonte, a partir do corte em uma
consoante, que se realizam com epêntese: trab[i] ← trabalho; Band[i] ←
Bandeirantes; ou sem epêntese: níver ← aniversário; Fortal ← Fortaleza; churras ←
churrasco.
Formas truncadas do tipo B, muito frequentes na língua, desempenham
importante função discursiva, pois sempre expressam algum juízo de valor, seja
afetivo ou pejorativo. Nesse padrão, os segmentos descartados da palavra-matriz
podem ser ou não um morfema, ou seja, a sequência suprimida contém ou não
informação morfológica. O produto de truncamentos de padrão B constitui-se de um
morfema fonologicamente subespecificado, que recebe expressão fonética a partir
de cópia parcial dos segmentos da base mais a vogal -a, sua marca morfológica.
Daí, a forma truncada desse tipo ser vista como resultado de um processo,
simultaneamente, não-concatenativo e aglutinativo, devido ao acréscimo sistemático
da vogal -a no final do produto (cf. GONÇALVES, 2011c).
No âmbito do discurso, o truncamento vocabular exerce sobretudo função
indexical, proposta em Gonçalves (2003b), que está relacionada com a possibilidade
das construções morfológicas veicularem informações socioculturais do falante ou
de grupos de falantes, ou seja, para o autor, por meio de determinados processos
morfológicos, a exemplo de formações por truncamento ou de derivação a partir de
certos sufixos (-íssimo, -érrimo e -ésimo), é possível identificar traços socioculturais
do falante. Portanto, a ocorrência de palavras formadas pelo processo de
truncamento (cerveja → cerva; faculdade → facul; granfina → granfa) permite a
caracterização do falante como indivíduo jovem ou pertencente a grupos que
utilizam um registro linguístico menos formal.
O processo de truncamento vocabular compartilha um certo grau de
68
arbitrariedade com o CV, já que também desconsidera as estruturas silábica e
morfêmica das palavras-base. Todavia, ao contrário do que ocorre em CV, as
sequências provenientes de truncamento são, nos termos de Fandrich (2008),
fragmentos vocabulares livres (free splinters)”49, isto é, elementos que adquirem,
com o truncamento vocabular, estatuto de palavra morfológica, tornando-se
independentes e, como formas livres, podem contribuir para numerosas novas
formações.
Em suma, o mecanismo amplo de encurtamento lexical é um importante
provedor de formas livres e presas, visto alimentar, consubstancialmente, os
processos de truncamento vocabular propriamente dito, de recomposição, de
composição neoclássica e de cruzamento vocabular, como ilustrado a seguir, na
figura 1, em (06), na qual as formas em questão aparecem sublinhadas.
(06)
Encurtamento lexical (Clipping)
Formas Presas Formas Livres (fragmentos vocabulares presos) (fragmentos vocabulares livres) não-morfêmicas morfêmicas não-morfêmicas morfêmicas
Cruzamento Composição Recomposição Truncamento Recomposição Truncamento
Vocabular Neoclássica Vocabular Vocabular
caipi-fruta auto-retrato auto-escola maraca homo-afetivo foto sexta-neja aero-foto tele-sexo refri foto-jornalismo cardio sogra-drasta clepto-mania tele-jornal expô odonto
Figura 1 - Distribuição das formas encurtadas entre os processos de formação lexical
49 Por analogia a morfema livre e preso, Fandrich (2008) cunhou os termos ‘free splinter’ e ‘bound splinter’, traduzidos e adotados neste trabalho como, respectivamente, ‘fragmento vocabular livre’ e ‘fragmento vocabular preso’. Lehrer (1998, p. 4 et passim) observa que fragmentos vocabulares, sejam eles livres ou presos, tornam-se novos elementos de formação de palavras, passam a ‘formas combinatórias’, e, até eventualmente, a morfemas.
69
Após essa breve discussão acerca dos principais mecanismos de formação
de palavras que estão, direta ou indiretamente, correlacionados, reunimos, no
próximo capítulo, alguns fatos linguísticos que, ao nosso ver, corroboram a
necessidade de pensarmos em um modelo descritivo a partir de graus de
semelhanças e diferenças observáveis entre a composição e a derivação
prototípicas.
3 EVIDÊNCIAS DE UM CONTINUUM COMPOSIÇÃO-DERIVAÇÃO
Neste capítulo, sintetizamos alguns fatos linguísticos que fundamentam
nossa hipótese acerca da formação de palavras em português com base em um
continuum, no qual a composição regular figura em um polo e a derivação, em outro,
uma vez que muitos formativos transitam na fronteira desses dois mecanismos.
Vimos que a composição consiste na combinação de pelo menos duas
bases e que a derivação, diferentemente, se caracteriza pela adição de um afixo a
uma base. Os afixos, que nos exemplos citados a seguir aparecem sublinhados, têm
uma posição fixa no interior da palavra (recepção e importar) e não podem
combinar-se entre si (*des+eiro, *in+ada, *re+ção). Ao contrário, na composição, a
combinação é mais flexível, mesmo quando os constituintes são bases presas. Via
de regra, as bases presas (também sublinhadas) são elementos neoclássicos
iniciais (hidroterapia), finais (poliglota), ou podem ocorrer em ambas as posições
(filantropia/cinéfilo), se bem que em menor número. Algumas bases livres também
têm posição flexível dentro dos compostos, como, por exemplo, escola-piloto/navio-
escola.
Contudo, composição e derivação interagem estreitamente (BAUER, 2005;
BOOIJ, 2005a; ŠTEKAUER, 2005; RALLI, 2007, 2008, 2010) e, portanto, definir com
clareza as fronteiras entre esses dois tipos de processo de formação de palavras
complexas não parece ser uma tarefa tão simples. Compartilhando dessa visão, Rio-
Torto (2006) afirma que os advérbios em -mente e as palavras derivadas com os
chamados sufixos z-avaliativos (de diminutivo e de aumentativo) são casos de
fronteira, uma vez que apresentam as mesmas características de palavras
compostas e derivadas. Por exemplo, palavras formadas com sufixos z-avaliativos
não só admitem pluralização externa, típica de palavras derivadas (florzinha →
71
florzinhas), mas também pluralização interna (flor → flores → florezinhas; pão →
pães → pãezinhos)50, típica dos compostos (pão de queijo → pães de queijo). Nessa
mesma linha de raciocínio, Gonçalves (2011a), Gonçalves & Andrade (2012) e
Rondinini & Andrade (no prelo) consideram que alguns formativos de segunda
posição (-grafo, -logo, -metro, -dromo, -latra, -drasta) estão em pleno processo de
gramaticalização e especialização semântica, comportando-se como quase-sufixo:
-grafo “instrumento, especialista em”; -logo “especialista em”; -metro “unidade de
medida”; -dromo “local destinado para X”; -latra “viciado(a) em X”, -drasta “parente
não-consaguíneo”. Pode-se ainda acrescentar a esse gupo -trocínio “patrocinado
por”.
Com base no quadro teórico da Morfologia Construcional, Booij (2009, p.
122, tradução nossa) assevera que “a semelhança estrutural entre composição e
derivação afixal pode ser expressa por meio de esquemas de formação de palavras
que expressam generalizações sobre conjuntos de palavras existentes”51, e também
podem ser alçados para formar novas palavras. Por exemplo, em português,
palavras complexas são formadas, muito frequentemente, por meio de composição,
sufixação e prefixação. Esses padrões morfológicos podem ser ilustrados pelos
seguintes esquemas, em (07), que Gonçalves & Almeida (2012) adaptaram para o
português:
(07) a. composição: [[X]x][Y]y]N
b. sufixação: [[X]x Y]y c. prefixação: [X [Y]y]y
50 Nessas formações, o -s de plural da base funde-se com a consoante inicial de -zinho, conforme o Princípio do Contorno Obrigatório (LEBEN, 1973), que não licencia segmentos fonéticos com idêntica especificação de traços em fronteira silábica. 51 “The structural similarity between compounding and affixal derivation can be expressed by means of word formation schemas that express generalizations about sets of existing words, and can also be used to make new words”.
72
Nos esquemas em (07), as variáveis X e Y representam sequências
fonológicas e as variáveis x e y, subscritas, as categorias lexicais. O esquema dos
compostos (07-a), como apontam Gonçalves & Almeida (2012), expressa a
generalização de que a composição, em português, independentemente da posição,
ou mesmo da presença, do componente-cabeça, sempre gera nomes (substantivos
ou adjetivos). O esquema de prefixação (07-c) especifica que os prefixos são
elementos de categoria neutra, já que a categoria lexical das palavras prefixadas é
idêntica a de suas bases. Confrontando-se os esquemas (07a e 07b), “a diferença
entre composição e derivação é que na derivação um dos constituintes não tem um
rótulo lexical, uma vez que não corresponde a um lexema”52 (BOOIJ, 2005b, p. 13,
tradução nossa). Contudo, na sufixação, a forma presa, por constituir, em geral, a
cabeça categorial e morfológica, transmite a sua categorial lexical e as noções
gramaticais de gênero para o todo (cf. GONÇALVES & ALMEIDA, 2012). Esses
esquemas fazem parte do léxico mental do falante nativo e representam o
pareamento da estrutura formal com a semântica das palavras complexas, pois
como afirma Booij (2005a, p. 130, tradução nossa),
“[a] forte semelhança entre derivação e composição pode ser responsável pela adoção de um modelo de descrição baseado na teoria da Morfologia Construcional. Padrões derivacionais e sub-padrões de composição são construções idiomáticas, esquemas intermediários entre as palavras complexas individuais no léxico e esquemas de formação de palavras mais abstratos”.53
52 “The difference between compounding and derivation is that in derivation one of the constituents does not have a lexical label since it does not correspond to a lexeme”. 53 “The strong similarity between derivation and compounding can be insightfully accounted for in the theory of Construction Morphology. Derivational patterns and sub-patterns of compounding are constructional idioms, schemas that are intermediate between the individual complex words in the lexicon and more abstract schemas of word formation”.
73
Dessa perspectiva, Booij (op. cit.) adverte que não se deve estabelecer dois
padrões formais completamente diferentes para os dois tipos mais usuais de
formação de palavras (composição e derivação), já que afixos derivacionais e
constituintes de compostos são igualmente peças da estrutura morfológica, fato que
nos induz a acreditar que, em relação à acessibilidade das regras gramaticais, a
composição e a afixação derivacional se comportam de modo similar (tanto em
relevância quanto em função).
Portanto, admitimos com Bauer (2005) que a grande dificuldade de
estabelecer limites ao binômio composição-derivação reside na falta de precisão
conceitual entre os constituintes morfológicos, visto que uns são mais prototípicos
do que outros, e, por isso mesmo, podem mudar de categoria gramatical com o
decorrer do tempo, devido à frequência de uso, funcionando ora como radical ora
como afixo. Com isso em mente, na próxima seção, abordaremos as principais
diferenças entre composição e derivação, enfatizando determinados elementos (em
especial, os afixoides) que apresentam uma certa diversidade funcional.
3.1 COMPOSIÇÃO vs. DERIVAÇÃO
Como vimos, a composição consiste na combinação de palavras ou radicais
pré-existentes para formar uma nova palavra complexa, ao passo que a maioria das
palavras derivadas implica a presença de um afixo, com exceção, é claro, das
formadas por conversão (também consideradas por derivação zero, cf. MARCHAND,
1969), ou por modificação interna do radical.
A distinção básica entre composição e derivação diz respeito aos tipos de
unidades constituintes de um item morfologicamente complexo, bem como a posição
74
que estes elementos ocupam no interior de uma palavra54. Assume-se que, em
geral, a composição envolve formas livres (FABB, 2001), via de regra, duas,
posicionadas à esquerda ou à direita da palavra resultante. Ao contrário, os afixos
(prefixos e sufixos) que participam da derivação são formas presas e obedecem a
rigorosas restrições posicionais: prefixos precedem a base, enquanto os sufixos a
sucedem. Nas palavras derivadas, tem-se pelo menos um afixo anexado a uma
base. Aos afixos, cabe expressar uma ideia geral e às bases, uma ideia particular ou
menos geral.
Tradicionalmente, a composição e a derivação são compreendidas como
processos morfológicos, mas há também propostas, como a apresentada por
Anderson (1992), que consideram a composição um mecanismo totalmente diferente
da derivação, uma vez que a maioria dos compostos apresenta uma estrutura
interna acessível pela sintaxe e, portanto, não deveriam figurar no âmbito da
morfologia.
Ralli (2010), ao pesquisar a demarcação de fronteiras entre itens derivados e
compostos empregados nas modalidades padrão e dialetal do grego moderno,
advoga que esses itens são instâncias de formação de palavras e, como tais, devem
ser tratados pela morfologia. Para defender seu ponto de vista, a autora apresenta o
seguinte argumento: tendência ao não-aparecimento de sufixos derivacionais no
interior dos compostos, mais especificamente no primeiro componente, que,
segundo Ralli (idem), não resulta de uma ordem pré-determinada de aplicação de
um e outro processo de formação dos itens envolvidos.
No que se refere a essa ordem, Kiparsky (1982), ao examinar os compostos
do Inglês a partir do quadro teórico da Morfologia Lexical ‒ que concebe um léxico
54 Uma visão geral dos diferentes critérios para determinar as diferenças semânticas entre derivação e composição pode ser contemplada em ten Hacken (2000, p. 352-353).
75
estratificado e pressupõe a segregação entre morfologia e sintaxe ‒, postula que a
maioria dos processos derivacionais acontece antes da composição, e o nível de
derivação precede o da composição.
Ralli (op. cit.) assevera que embora seja possível prever a ocorrência de
itens derivados55 como constituintes de palavras compostas, essa previsão confirma-
se na medida em que se focaliza o segundo constituinte do composto, visto este
componente ser, bem mais que o primeiro, um item derivado. Por exemplo, video-
conferência; tragi-cômico; espaço-temporal; socio-econômico, infanto-juvenil; entre
vários outros, manifestam-se com o elemento à direita sufixado.
Para a autora, a não-emergência do primeiro componente de um composto
com segmentos sufixais deve-se, exclusivamente, à restrição morfológica de que
apenas radicais desprovidos de marcadores de flexões e derivações constituam as
bases de uma palavra composta (bare-stem constraint). Essa exigência decorre da
estrutura geral dos compostos, cuja posição à esquerda, na grande maioria das
vezes, é preenchida por um radical privado de marcas derivacionais, para que se
estabeleça um vínculo o mais estreito possível entre os dois componentes.
Logo, podemos afirmar que a operação morfológica de composição não só
alimenta a derivação, já que, embora raramente, encontramos, em português,
compostos atuando como base na derivação (p. ex. radio-táxi → radio-taxista;
guarda-chuva → guarda-chuvada), mas também, além de ter acesso à estrutura
interna dos itens derivados que lhe podem servir de base, afeta, sobretudo, as
estruturas produzidas pela derivação, por desencadear a exclusão de material
55 Com relação à derivação, Ralli (loc. cit.) focaliza apenas a sufixação, já que, em Grego, do mesmo modo que em Português, o estatuto de vários prefixos derivacionais não é um caso claro de distinção, e em muitos aspectos, os elementos prefixais comportam-se como os radicais à esquerda de compostos.
76
derivacional, que pode estar presente no primeiro componente do composto, o que
constitui evidência da estreita interação entre os dois processos.
Já Fabb (2001) considera irrelevante a discussão de os compostos
inserirem-se ou não no domínio da morfologia e aponta duas razões para isso. A
primeira é que compostos tendem a ter significados fixos e são maximamente
opacos à variação lexical interna56. Por exemplo, o composto beija-flor (‘tipo de
pássaro’) não pode ser morfologicamente modificado para *beija-planta, assim como
também não pode ser modificado sintaticamente para *beija-a-flor. A segunda razão
evoca os compostos que apresentam no seu interior elementos gramaticais ou
funcionais (preposição, conjunção, artigos), cuja construção final não se submete a
regras sintáticas, a exemplo dos compostos denominados de atípicos ou exóticos
(SANDMANN, 1992, p. 42), que são formados de segmentos de frases ou de frases
inteiras: faz-de-conta; bumba-meu-boi; tomara-que-caia. Fabb (op. cit.) sugere duas
maneiras de tratar esses compostos: (a) como resultantes da lexicalização de
expressões sintáticas, que, na evolução da língua, se cristalizaram e se
estabeleceram como compostos (LEECH, 1974), ou, quem sabe, (b) admitir que a
coordenação de elementos presentes em expressões fixas que passam a gerar uma
especificação semântica não tem implicações sintáticas.
A primeira posição parece-nos mais atraente, uma vez que, em português, a
maioria dos compostos é formada pela combinação de dois vocábulos prontos, que
começam a ser empregados pelo falante como uma expressão habitual; essa
expressão, pela força do uso, passa a ser analisada semanticamente como um todo 56 De acordo com Rio-Torto & Ribeiro (2011), mudanças nas condições de determinação também são bloqueadas em compostos, pois podem modificar o sentido e a referência, principalmente nos de tipo S+prep+S. Por exemplo, o composto cabeça de camarão refere-se a uma pessoa que só pensa e diz asneiras. Caso a determinação definitiva seja ativada, cabeça do camarão passa a fazer referência à parte superior do crustáceo, localizado (con)textualmente. Assim, quando uma locução prepositiva é constituinte de um composto, nenhuma mudança interna de determinação é permitida. Qualquer alteração nas condições de determinação modifica o significado de toda a estrutura e tem influência direta sobre seu estatuto lexical.
77
e desse modo é lexicalizada. Como esses vocábulos se ligavam por uma relação
sintática, é natural que a expressão que se tornou um composto mantenha as
relações sintáticas (subordinação e coordenação) de origem.
Aliás, é exatamente essa preservação sintática que dificulta a delimitação
precisa entre o que já é vocábulo composto e o que ainda é uma estrutura sintática,
implicando propostas heterogêneas para os padrões categoriais dos compostos em
português, como as apresentadas, por exemplo, em Basilio (1980; [1987] 2000a;
2000b), Villalva (2000; 2003), Rio-Torto (1998) e Rio-Torto & Ribeiro (2011).
Na literatura contemporânea, a premissa de que a composição e a derivação
apresentam fronteiras relativamente definidas, sem qualquer possibilidade de
superposição, vem sendo questionada. A reação mais forte contra esse ponto de
vista é a de Singh (1997), que afirma não haver diferenças entre derivação e
composição, pois, uma vez sendo instâncias de formação de palavras, ambos os
processos devem ser descritos pelo mesmo padrão57. Outros autores, a exemplo de
ten Hacken (2000), Booij (2009, 2005a, 2005b), Kastovsky (2009) e Gonçalves
(2011a), têm opinião mais moderada, pois defendem que, embora diferentes,
derivação e composição não são processos claramente distintos, visto a fronteira
entre eles ser transponível em ambos os sentidos.
Sob esse enfoque, os principais argumentos apresentados baseiam-se na
existência de certos constituintes morfológicos de categoria incerta, que ora podem
ser classificados de afixos, ora de radicais, já que compartilham propriedades,
assunto abordado na próxima seção.
57 Um tratamento unificado da composição e derivação dentro do mesmo domínio gramatical é implicitamente assumido por Lieber (1980), ao afirmar que afixos e radicais pertencem ao léxico permanente; por Kiparsky (1982), que atribui composição e derivação a diferentes níveis de um léxico estratificado; e também por Basilio (2004), que entende o léxico interno como uma lista concomitante de formas já feitas e de padrões que determinam a estrutura e a função tanto de formas existentes quanto de formas a serem construídas.
78
3.2 AFIXOIDES: FORMATIVOS DE CATEGORIZAÇÃO INCERTA
Na literatura morfológica, vários elementos foram incluídos em uma classe
particular, situada entre radicais e afixos. Esses formativos recebem diferentes
nomes, sendo reconhecidos por afixoides, pseudoafixos (SCHMIDT, 1987),
semiafixos (MARCHAND, 1969), ou semi-palavras (SCALISE, 1984). Por exemplo,
contra- em contradizer e -mania em jazzmania poderiam ser classificados de
afixoides, mais especificamente, o primeiro de prefixoide e o segundo de sufixoide,
uma vez que, de acordo com Sandmann (1989, p. 108-115), são usados como
primeiros ou segundos membros em itens morfologicamente complexos, mesmo
sendo reconhecidos como palavras independentes.
Embora alguns autores, como Rocha (1998), empreguem o sufixo -oide para
batizar todo constituinte hápax legómenon ‒ formativos que ocorrem uma única
vez ‒, denominando-os de basoide (p. ex. dissidente, impedir, inédito, epitáfio),
prefixoide (p. ex. obter, supor, resguardar, mandar), sufixoide (p. ex. casebre,
pelanca, urinol, marujo), é muito raro, a nosso ver, o aparecimento de sufixoides em
português.
De acordo com Sandmann (1989, p. 114), -mania, único exemplo comentado
na literatura58, é um sufixoide “por se prestar a formações de palavras em série e
seu significado como palavra livre não ser bem o mesmo que mania nas palavras
complexas”, visto que, na função de sufixoide, -mania não evoca negatividade,
significa apenas “entusiamo por, ocupação intensiva, inclinação por”. Em sendo
assim, é possível acrescentar na lista de sufixoides -terapia e -fobia, presentes em,
por exemplo, cromoterapia, fitoterapia, beijoterapia; homofobia, magrofobia,
cocafobia (“aversão à coca-cola”), respectivamente, em que terapia deixa de 58 Alguns autores, entre eles, Duarte (1998), consideram mente um sufixoide, mas não concordamos com essa classificação, uma vez que a acepção original de “espírito, mente” já se perdeu há muito quando -mente participa da formação de advérbios.
79
significar “tratamento de uma doença pela medicina tradicional” e passa a designar
“tratamento alternativo por meio de X”; e fobia assume sentido mais atenuado de um
certo preconceito contra X, não mais denotando, de um ponto de vista patológico,
“temor ou aversão exagerada ante situações, objetos, animais ou lugares”. Nessas
construções, terapia e fobia, por sofrerem ressemantização, funcionam como
sufixoides. Assim, para Sandmann (1989), afixoides são elementos mórficos
semelhantes aos afixos, mas diferem deles por terem uma forma livre59
correspondente.
Os afixoides representam um caso típico de gramaticalização: palavras de
conteúdo tornam-se constituintes morfológicos. Em itens gramaticalizados, a
mudança semântica precede a mudança formal e, no caso dos afixoides, a mudança
semântica já aconteceu, mas não há ainda nenhuma mudança de aspecto formal:
eles são exatamente como eram nas construções de origem, não ocorre
enfraquecimento fonológico, típico de gramaticalização (cf. LEHMANN, 1985).
Observam-se, também, os estágios característicos de tal processo: ao lado do uso
limitado desses elementos como afixoide, sua utilização como palavras
independentes, com uma maior gama de significados, ainda é possível.
Dentre os afixoides, há um grupo de elementos provenientes do “emprego
de parte de um vocábulo pelo vocábulo inteiro” (MONTEIRO, 2002, p. 192), que
sempre ocupam a margem esquerda em novas formações, e por si sós projetam
uma palavra fonológica, denominados, por Cunha & Cintra (1985) e Rocha (1998),
de pseudoprefixos, e, por Sandmann (1989), de prefixoides.
Nesse grupo eclético, figuram os elementos neoclássicos, como, por
59 O conceito de forma livre (free form), proposto por Bloomfield (1933), aplica-se à forma que pode aparecer isolada no discurso e por si só constituir um enunciado, em oposição ao conceito de forma presa (bound form), que não dispõe de autonomia, ou seja, só aparece no enunciado agregada a uma outra forma.
80
exemplo, hidro, mini, neuro, foto, dentre vários outros. Todos, por certo, projetam
suas próprias palavras prosódicas e, de acordo com Moreno (1997, p. 104),
alguns, inclusive, deixam pouco a pouco de ser formas presas: a máxi, meu micro, as múlti (por maxidesvalorização, microcomputador, multinacionais). Outras admitem a formação de derivados, o que é uma evidência de que, no Português, podem ser formados vocábulos a partir de formas presas, dentro da linguagem científica : hídrico, gráfico, hípico (grifos do autor).
As observações de Moreno (op. cit.) corroboram a imprecisão de limites
entre os processos de formação de palavras complexas: onde integrar entradas
lexicais formadas de pseudoprefixo, na derivação ou na composição? Para
responder a esta difícil pergunta, é necessário, antes de tudo, tentar estabelecer,
minimamente, as características que aproximam/afastam um pseudoprefixo de um
radical, bem como as que o aproximam/afastam de um prefixo.
A semelhança mais banal entre pseudoprefixos e prefixos reside no fato de
que ambos se antepõem à base, e a diferença entre uns e outros diz respeito à
pauta acentual. Em decorrência do nítido acento que os pseudoprefixos portam,
formações nominais constituídas por estes elementos, ao contrário de palavras
derivadas de verdadeiros prefixos, podem ter suas bases subtraídas, quando
coordenadas, como se observa nos exemplos elencados em (08). Essa redução de
natureza contextual das formações com pseudoprefixos assemelha-se à das
formações em mente: principal e certamente (< principalmente e certamente).
(08) a) a macrovalorização e a micro; b) o mini e o supermercado; c) a maxi e a minidesvalorização; Iordan & Manoliu (1980) apontam outras diferenças entre esses elementos
morfológicos, a saber: (i) os pseudoprefixos são também provenientes de adjetivos,
não apenas de advérbios e preposições, como os prefixos; (ii) os pseudoprefixos se
81
distinguem dos prefixos pela origem clássica (grega ou latina); foram introduzidos
mais recentemente nas línguas românicas e são usados para cunhar termos
técnicos e científicos; (iii) os pseudoprefixos, em geral, não exibem o mesmo
rendimento dos prefixos; e, por fim, (iv) os pseudoprefixos veiculam sentido menos
estável que os prefixos.
No entanto, com toda a razão, Duarte (1999a) considera esses critérios
distintivos questionáveis, salvo o relacionado em (iv). Por exemplo, o critério em (iii),
balizado na produtividade quantitativa, é facilmente descartado, uma vez que alguns
elementos, como auto-, micro- e tele-, participam, com bastante frequência, da
formação de inúmeras novas palavras.
Duarte (op. cit.), então, ancorado em critérios interligados, tais como (a)
incidência de um acento secundário no elemento truncado, aproximando o
pseudoprefixo de uma palavra (condição básica); (b) possibilidade de braquissemia,
nos termos de Monteiro (2002); (c) mobilidade distribucional do elemento no interior
da palavra; e (d) capacidade de o elemento gerar derivados; chega a conclusões
interessantes, mas não contundentes, sobre o conceito de pseudoprefixo.
Para o autor, elementos como tele ← televisão ou telefone; foto ←
fotografia; e auto ← automóvel não são pseudoprefixos, mas sim radicais, já que,
eventualmente, podem servir de base para formação de novos itens lexicais,
configurando um tipo de composição, ou seja, a recomposição, de acordo com as
propostas de Bessa (1978) e de Monteiro (2002). Este é o caso das seguintes
palavras, classificadas por Duarte, de recompostas: telecurso; tele-amizade;
fotonovela; auto-estrada. Segundo Duarte (op. cit.), elementos como odonto, eletro
e hidro também não constituem pseudoprefixos, visto aludirem, no contexto frasal, a
suas palavras de origem: odontologia, eletrocardiograma e hidromassagem, isto é,
82
podem funcionar como uma forma de livre-curso. Ademais, odonto gera derivados e
experimenta mobilidade distribucional: odontite; periodontia; eletro e hidro admitem
derivações sufixais: elétrico, eletrificar; hídrico, anidro, respectivamente. Já micro,
segundo o autor, é de fato um pseudoprefixo, uma vez que os derivados supermicro
e micreiro se relacionam com a forma encurtada, que, por sua vez, remete à forma
plena microcomputador.
Os afixoides, portanto, são formas recortadas, que projetam a sua própria
palavra prosódica, e, em termos semânticos, exibem maior densidade que os afixos
verdadeiros, e, por isso, podem funcionar como base livre (radical) ou presa (afixos)
em quaisquer processos de formação de palavras complexas estruturados nos
moldes DT-DM, tais como a recomposição, a composição neoclássica, a prefixação
e a derivação. Essa diversidade de aplicação dos afixoides reflete, ao mesmo
tempo, a complexidade e a riqueza que cercam a formação lexical em português.
Independentemente de os afixoides agruparem-se em uma classe à parte,
Booij (2005b, p. 117) observa que a descrição desses formativos é conveniente pelo
simples fato de ora assumirem função de radical, ora de afixo, envolvendo, assim,
os processos de composição e de derivação, o que vem mais uma vez demonstrar
a inexistência de uma fronteira rígida entre esses dois tipos de formação de
palavras60. Essa evidência levou-o a propor um mesmo tratamento morfológico para
ambos os mecanismos por meio de subsídios teóricos da Morfologia Construcional.
A noção tradicional de construção e sua importância para as teorias voltadas
à descrição das estruturas linguísticas têm sido alvo de atenção renovada no quadro
teórico da Gramática Construcional, em que os padrões sintáticos e os padrões de
formação de palavras são vistos como construções, pois, nessa perspectiva,
60 Entre os estudos linguísticos recentes que tratam do assunto, encontram-se, por exemplo, Amiot (2005), Fradin (2005), Štekauer (2005).
83
“...a gramática representa um inventário de unidades complexas com forma-significado-função, em que as palavras são distintas das construções gramaticais apenas no que diz respeito à sua complexidade interna. O inventário de construções não é desestruturado; mais se parece com um mapa do que com uma lista de compras. Elementos desse inventário estão relacionados por meio de herança hierárquica e apresentam padrões mais ou menos gerais” (MICHAELIS & LAMBRECHT, 1996, p. 216, tradução nossa)61.
Para Booij (2005b), em um léxico hierarquizado, que permite níveis de
generalizações, existem esquemas intermediários entre as palavras individuais e
esquemas mais abstratos de formação de palavras, que apresentam características
gerais dos subconjuntos de palavras complexas de um certo tipo. Essas
generalizações intermediárias podem levar ao uso prefixal dos primeiros
constituintes de compostos e ao uso sufixal dos últimos constituintes de compostos,
já que palavras compostas e derivadas são analogicamente criadas de acordo com
determinados esquemas básicos62, comprovando a tênue fronteira existente entre
derivação e composição.
Bauer (2005) aborda a questão de outro ângulo e entende que não é a
distinção entre os dois processos que está em jogo, mas sim o fato de alguns afixos
originarem-se de palavras ou de radicais presos, revelando que, diacronicamente,
itens morfológicos nem sempre conservam seu estatuto original.
Para exemplificar essa mudança, Bauer (op. cit., p. 101) faz referência ao
sufixo da língua inglesa -ism, que, para o autor, é forte o suficiente para atuar como
61 “…the grammar represents an inventory of form-meaning-function complexes, in which words are distinguished from grammatical constructions only with regard to their internal complexity. The inventory of constructions is not unstructured; it is more like a map than a shopping list. Elements in this inventory are related through inheritance hierarchies, containing more or less general patterns.” 62 Em processos fundamentados em analogias, forma e significado são igualmente relevantes, pois o que motiva uma dada construção morfológica ser usada em vez de outra são as semelhanças existentes entre a forma e o significado. No entanto, analogias podem ser concretas ou abstratas, ou seja, tanto podem ser baseadas em expressões formais como em esquemas construcionais (BOOIJ, 2009).
84
radical livre (palavra) em determinadas circunstâncias. O -ism (geralmente no plural),
na condição de forma livre, é usado para resumir uma série de palavras que
terminam em -ism ou em conjunto com -ology para indicar doutrinas (política,
filosófica ou sociológica). O mesmo ocorre em português: o sufixo ismo “também
pode ser empregado como palavra independente” (SANDMANN, 1989, p. 42), como
bem atesta o seguinte excerto, em (09):
(09) “Comunismo, epicurismo, estoicismo, cristianismo, historicismo, capitalismo, socialismo, imperialismo, funcionalismo, marxismo, cientificismo etc. são alguns dos inúmeros ‘ismos’ das ciências sociais. O que vem a ser um ‘ismo’?”
http://www.culturabrasil.org/ismos.htm Na prática, -ismo (não só -ismo, outros sufixos também: -eiro, -ada, -ista
etc.) passa por um estágio em que é usado de maneira incomum como forma de
livre-curso, talvez somente resumindo enumerações e, muitas das vezes, com
conotação depreciativa, mas as palavras constituídas por -ismo ainda são vistas
como derivadas.
Bauer (loc. cit.) continua sua exposição afirmando que com os prefixos a
situação é bastante diferente. Alguns deles tornam-se independentes por meio de
encurtamento lexical, como nos casos das seguintes formas truncadas do
português: homo ← homossexual; super ← super-homem, supermercado; hidro ←
hidromassagem, hidroginástica; mini ← minissaia, minibar; foto ← fotografia,
fotonovela; e, em decorrência, podem servir de base para formação de novos itens
lexicais. Embora muitas palavras construídas com esses elementos recém-
autônomos sejam compreendidas como compostas ou recompostas, isso é difícil de
ser atestado de modo contudente, uma vez que, nem sempre, o critério de
independência discursiva pode ser aplicado a todos os elementos que advêm de
encurtamentos: alguns preservam todo o significado do composto de origem,
85
enquanto outros não existem como palavra autônoma, com significação
independente, como, por exemplo, agro-, aero-, auto-, antropo-, eco-, filo-, tele-,
tecno- etc., elementos tradicionalmente denominados de radicais gregos e latinos
ou eruditos.
Para Bauer (2005), tais elementos não revelam uma mudança categórica de
radical para afixo e, por isso mesmo, os produtos gerados a partir de sua adjunção
são percebidos como compostos (ou subtipos de compostos) e não como uma
instância de prefixação, pois são elementos que derivam de palavras e, portanto,
poderíamos questionar em que proporção se comportam como verdadeiros
prefixos.
Com base na sobreposição funcional que se verifica entre os constituintes
morfológicos, Bauer (2005, p. 97) instaura o seguinte questionamento: a derivação e
a composição são dois processos distintos ou prototípicos situados em cada
extremidade de uma única escala? Ainda que não forneça uma resposta explícita a
essa questão, sua posição parece ser na direção de que composição e derivação
não devem ser tratadas em domínios gramaticais diferentes.
Como se sabe, o tipo de constituinte envolvido na formação de palavras é
tacitamente apontado como a principal diferença entre composição e derivação
(KATAMBA, 1993, SPENCER, 1991, SANDMANN, 1992), já que o primeiro
processo opera com base em radicais/palavras e o último faz uso de afixos.
Entretanto, muitos constituintes morfológicos compartilham propriedades, levando a
definições imprecisas acerca do mecanismo de formação das palavras complexas
que as constitui. Esse é o caso da falta de consenso entre os morfólogos sobre a
prefixação instanciar um padrão de derivação ou de composição.
Assim, a categorização das unidades morfológicas passou a ser tema de
86
grande debate na literatura recente, como demonstrado, por exemplo, em Baker
(2000), Ralli (2007) e Kastovsky (2009). Se, por um lado, o estatuto de um formativo
determina o tipo de operação morfológica, por outro, nem sempre é fácil decidir se
uma unidade constitui um afixo ou um radical, o que levanta a questão de saber se
há limites precisos entre as categorias morfológicas e, em decorrência, entre os dois
principais processos de formação de palavras: a composição e a derivação.
Para Sandmann (1992, p. 36), excluir do inventário de afixos os “formativos
que apresentam qualquer grau de mobilidade” (BASILIO, 1990, p. 6) não parece um
caminho apropriado, porque acaba envolvendo outras unidades morfológicas, cujo
caráter afixal é indiscutível, ou seja, só fazem sentido juntamente com a base, mas
que também, a depender do contexto de uso, apresentam certa isolabilidade, a
exemplo do prefixo ex- (“o que era/foi”) e do sufixo -ista (“especialista em”), entre
outros, empregados em frases como as listadas em (10), que, em nenhum
momento, nos soam como agramaticais:
(10) “O que acha das pessoas que ficam com as /os exs dos amigos? ”
http://ask.fm/MylennaHaner/answer/30000065729941
“[...] chega de administradores ‘istas’. Precisamos de gestores”. https://blogdoleunam.wordpress.com/2012/04/18/monlevade-mais-tores-e-menos-istas/
Enfim, a propriedade fixidez caracteriza tanto afixos quanto radicais presos.
Não por acaso, cogitamos mostrar que as unidades envolvidas na formação de
palavras podem figurar em um continuum morfológico determinado por propriedades
estruturais e semânticas, na esteira de Baker (2000) e Ralli (2007). Para esse
autores, afixos e radicais livres (palavras) posicionam-se em cada extremo da
escala, ao passo que afixoides (radicais neoclássicos) e radicais presos localizam-se
mais ao centro. Uma abordagem nesses moldes espelha as semelhanças e as
87
diferenças entre constituintes díspares.
Com base em formações mais recentes do português (sobretudo em sua
variante brasileira), pretendemos demonstrar que vários tipos de elementos
morfológicos, além dos radicais presos, podem ser dispostos no continuum radical-
afixo, pois igualmente dão mostras da dificuldade de categorizar como compostas ou
derivadas as construções morfológicas de que participam. Tal é o caso dos
seguintes constituintes exemplificados, em (11), a seguir:
(11) afixoides: petro-, bio-, eco-, tecno-, tele-, homo-;
fragmentos vocabulares: -nejo, -nese, -drasta, -trocínio, caipi-, lamba-; lé; eletro-, homo-, choco-, info-, euro-; xenoconstituintes63: cyber-, -gate, pit-, e-, -burguer (do ing. burger). No próximo capítulo, discutimos o estatuto morfológico dos elementos em
(11), observando em que medida se comportam como radicais e em que aspectos
equivalem a afixos, justificando, assim, a proposta de continuum defendida por
Baker (2000) e Ralli (2007).
63 O termo xenoconstituinte refere-se às formas encurtadas que representam quaisquer unidades lexicais importadas, principalmente, do inglês (GONÇALVES & ALMEIDA, 2012).
4 ANÁLISE DE CASOS
Neste capítulo, ampliamos a ideia de continuum entre as categorias
morfológicas originalmente formulada em Baker (2000) e Ralli (2007). Incorporamos
a essa proposta os fragmentos vocabulares propriamente ditos, os xenoconstituintes
e os afixoides, como destacamos no final do capítulo anterior. Também revisamos
Kastovsky (2009), que propõe um continuum entre os processos de formação de
palavras, misturando, no nosso entendimento, operações morfológicas e formativos.
O capítulo se estrutura da seguinte maneira: em primeiro lugar, listamos as
principais diferenças entre afixos e radicais para, em seguida, refletir sobre o
estatuto de formativos como homo- (‘homo-afetivo’), -drasta (‘sogra-drasta’), cyber-
(‘cyber-café’) e e- (‘e-professor’). Com base no mapeamento, na descrição e na
análise de constituintes morfológicos difíceis de classificar, apresentamos recentes
enfoques sobre o binômio composição-derivação e concluímos o capítulo mostrando
que uma categorização baseada em protótipos é mais condizente com a
heterogeneidade tipológica do sistema de formação de palavras do português.
4.1 DIFERENÇAS ENTRE RADICAL E AFIXO
O estabelecimento de critérios empíricos pode ser útil na tentativa de se
reconhecerem as principais características de afixos e radicais mais prototípicos. No
entanto, a operacionalização desses parâmetros tende a ser difícil na prática, uma
vez que os agrupamentos podem ser contraditórios, o que acaba (1) relativizando a
categorização do formativo e, consequentemente, (2) colocando em xeque (a) a
eficácia do critério e (b) a existência de fronteiras rígidas entre composição e
derivação. A seguir, apresentamos os principais atributos dessas duas unidades de
análise morfológica. Começamos com os afixos, que, em linhas gerais,
89
caracterizam-se pelas seguintes propriedades:
(a) são regidos por fortes restrições posicionais64, aparecendo numa
posição pré-determinada na estrutura das palavras, vindo daí a distinção entre os
vários tipos de afixos encontrados nas línguas do mundo: prefixo, sufixo, infixo,
circunfixo, suprafixo, interfixo, confixo etc.65;
(b) ainda que ocupem diferentes lugares na cadeia sintagmática, não se
combinam entre si (*des-ção; *re-udo; *in-eiro);
(c) constituem formas presas, isto é, são partes integrantes de palavras,
não funcionando sozinhas como comunicação suficiente, nos termos de Bloomfield
(1933), por só se manifestarem quando combinadas a outras formas, presas (‘sapat-
eiro’) ou livres (‘mes-ário’);
(d) por serem presos, não formam palavras prosódicas independentes.
Dito de outra maneira, são elementos que, em geral, não projetam, sozinhos,
vocábulos fonológicos próprios, realizando-se, com a forma a que se agregam, sob
um único acento;
(e) são elementos mais estáveis, com função sintática e semântica pré-
determinada. De acordo com Basilio ([1987] 2000a, p. 28), “essas funções delimitam 64 Booij (2005b) fornece uma explicação diacrônica para as rígidas restrições posicionais que são impostas aos afixos, argumentando que os sufixos podem ter surgido do segundo elemento de compostos com cabeça à direita, que, por sua vez, podem ter sido desenvolvidos a partir de sintagmas com a cabeça à direita, em línguas cuja sintaxe é de cabeça à direita. O autor exemplifica isso com o sufixo -dom, presente em kingdom, que tem origem na palavra do Inglês Antigo dom (fate ‘destino’). Assim, os sufixos começaram a funcionar como cabeças morfológicas. Por outro lado, os prefixos derivaram de advérbios, de preposições, ou de palavras em que a sequência se posicionava à esquerda, um constituinte não-cabeça de compostos. Esse é o caso do prefixo inglês over (como em overdo ‘exagerar’), que advém historicamente da palavra over, e também do prefixo latino ab- (como em abducere ‘abduzir’), da preposição ab. Por originarem-se de palavras em que assumiam a posição não-cabeça (morfológica ou sintática), não funcionam como cabeças. 65 Os termos são autoexplicativos, definindo-se pela própria constituição morfológica da palavra. Desse modo, o elemento recorrente, fixo, corresponde ao radical, núcleo básico de significação da palavra, e o tipo de afixo é determinado pelo formativo que figura à esquerda. Assim, prefixo é a forma que aparece antes da base e sufixo, o elemento adjungido após esse constituinte. Infixo, por sua vez, aparece no interior da base, tornando-a descontínua. Circunfixo, ao contrário, é um elemento descontínuo e, por isso mesmo, aparece em diferentes lugares da cadeia sintagmática. O suprafixo é um afixo de natureza suprassegmental e o interfixo, um elemento relacional que aparece entre radicais. Por fim, confixo designa um formativo caracterizado por oscilação posicional.
90
os possíveis usos e significados das palavras a serem formadas pelos diferentes
processos de derivação”, correspondentes aos vários afixos. Assim, continua a
autora, “a própria disponibilidade de um afixo ou do correspondente processo de
adição define a função correspondente como sendo uma função comum dentro da
estrutura derivacional da língua” (BASILIO, loc. cit.);
(f) servem para criar séries de palavras, apresentando grande potencial
de aplicabilidade na formação de novas unidades lexicais;
(g) atualizam significados mais largos, passíveis de combinação com um
número maior de formas da língua;
(h) recorrentemente, atribuem a mesma ideia a todas as formas a que se
vinculam. Com efeito, os itens lexicais resultantes tendem a ser interpretados pelo
princípio da composicionalidade, isto é, pela soma dos significados das partes que
os constituem;
(i) constituem um elenco fixo – e não muito numeroso – de unidades
linguísticas, caracterizando, portanto, um inventário fechado;
(j) impõem restrições semânticas e sintáticas sobre o constituinte a que se
agregam. Em outras palavras, selecionam a categoria lexical (substantivo, adjetivo,
verbo) e a classe semântica (por exemplo, abstrato/concreto; animado/inanimado;
contável/ não-contável) do constituinte com que se combinam;
(k) não são sensíveis às regras de redução de coordenação (Coordination
Reduction – CR), quer para trás (BCR), quer para frente (FCR) (cf. KENESEI, 2007,
p. 10); isto é, na coordenação de palavras derivadas de afixos idênticos e bases
diferentes ou vice-versa, nem afixos nem bases podem ser apagados.
À exceção dos critérios (a) e (b), todos os demais podem ser questionados,
o que nos leva a concluir que as propriedades acima mapeadas realmente se
91
aplicam aos representantes mais prototípicos dessa classe de elementos
morfológicos. Sendo assim, discutiremos a seguir as caractéristicas arroladas,
apontando o comportamento não-canônico de determinados elementos morfológicos
categorizados como afixos.
O parâmero (c) diz repeito à fixidez, isto é, à imposição de um afixo ser uma
forma presa, mas, como já assinalado, a depender do contexto de uso, encontramos
sufixos (-ismo e -logia) e prefixos (ex-, contra-) que ocorrem como formas livres.
Já o parâmetro (d) faz referência à relação entre categorias morfológicas e
prosódicas, pois pressupõe isomorfismo entre palavra morfológica (MWd) e palavra
prosódica (PrWd), previsão compatível com a maior parte das derivações do
português, como se vê nas representações a seguir, em (13), nas quais colchetes
sinalizam PrWds e chaves, MWds:
(13) MWd≈PrWd desleal > {[des Af leal Rad ] PrWd } MWd lealdade > {[leal Rad dade Af ] PrWd } MWd inapto > {[in Af apt Rad o ] PrWd } MWd aptidão > {[apt Rad idão Af ] PrWd } MWd
No entanto, o critério (d) falha na análise de prefixos como pré- e pós-,
indubitavelmente, realizados numa palavra prosódica independente, como
demonstrado em (14a), a seguir. Dito de outra forma, a derivação gera palavras
constituídas de apenas uma palavra fonológica, com um único acento lexical. A não-
conformidade dos formativos pré- e pós- ao parâmetro (d) não invalida considerá-los
unidades morfológicas afixais, uma vez que há elementos incluídos na categoria de
sufixos, a exemplo de -mente e -zinho, que constituem palavras prosódicas por si
sós, sem, contudo, impedirem a projeção da palavra fonológica da base, gerando,
92
dessa maneira, uma pauta acentual que se assemelha à dos compostos66.
Cabe ressaltar que Booij (2002), ao adotar como critério a possibilidade de
os afixos projetarem ou não palavra fonológica, classifica-os de coerentes (cohering)
e não-coerentes (no cohering). Os coerentes (prototípicos) são aqueles
integralmente incorporados à palavra prosódica resultante de sua anexação a uma
base; os afixos não-coerentes (não-prototípicos), por projetarem palavras prosódicas
independentes, não promovem mudanças fonológicas na base, que se mantém
intacta segmentalmente. Desse modo, é possível considerar -mente e -zinho sufixos
não-coerentes, já que projetam palavras prosódicas próprias, impedindo, por
exemplo, que a regra de neutralização das pretônicas se aplique, confome ílustrado
em (14b):
(14) a. {[pré Af ] PrWd [test Rad e ] PrWd } MWd {[pós Af ] PrWd [pag Rad o ] PrWd ] MWd
b. {[bƐl Rad a] PrWd [mente Af ] PrWd } MWd (*b[e]lamente) {[dɔlar Rad ] PrWd [zinho Af ] PrWd } MWd (*d[o]larzinho)
Também não é inteiramente verdadeira a alegação, feita em (e) e (f), de que
afixos necessariamente criam séries de palavras e atualizam conteúdos mais gerais.
Como mostra Bybee (1985), o significado do elemento morfológico determina em
que medida será ou não aplicável em larga escala: quanto mais geral a semântica
do formativo, mais aplicável o esquema de formação que instancia.
Basilio ([1987] 2000a, p. 29) ressalta que há, em português, afixos com
diferentes graus de generalidade e “o teor de produtividade está provavelmente
ligado a esse grau de generalidade”. A título de exemplificação, comparemos dois
sufixos: -ite e -mente. O primeiro, por expressar inflamação (‘labirintite’, ‘laringite’, 66 Quanto à tonicidade, a pauta acentual dos compostos apresenta duas sílabas proeminentes: uma com acento primário e outra com acento secundário, evidenciando a existência de duas palavras fonológicas.
93
‘otite’) ou algum tipo de anomalia comportamental (‘paixonite’, ‘preguicite’,
frescurite’), com certeza é menos geral que o segundo, que forma advérbios a partir
de adjetivos (‘sabiamente’, ‘lealmente’, ‘lentamente’). O conteúdo de -mente é de
grande generalidade e, por esse motivo, quase não há restrições a sua
aplicabilidade (GONÇALVES, 2005a). Como os sufixos -ite e -mente diferem em
generalidade, podemos afirmar, utilizando as palavras de Basilio (op. cit.), que “a
diferença no teor de produtividade não é acidental”.
Nesse contorno, Katamba (1993) também defende a produtividade como
uma questão de grau, além de destacar a dimensão temporal imanente ao conceito,
já que um novo processo pode ser muito geral durante uma determinada época e
menos geral em uma época subsequente. De modo inverso, um novo processo pode
inicialmente acessar poucas bases e depois adquirir maior aplicabilidade.
O critério (k) é igualmente discutível, porque não se aplica de modo uniforme
a todos os itens classificados como afixos em português. A maioria impossibilita, de
fato, a supressão de constituintes em coordenação (conjuntiva ou disjuntiva), como
ilustrado pelos exemplos em (15):
(15) i-moral e/ou i-legal ≠ i-moral e/ou legal i-moral e/ou a-moral => *in e/ou a-moral
livr-eiro e/ou livr-aria => *livreiro e/ou aria menin-ice e/ou crianc-ice ≠ menino e/ou criancice
A impossibilidade de coordenação nos exemplos em (15) se deve ao fato de
os afixos carregarem significados por demais generalizados, o que os impede de
apresentar livre curso na língua. Entretanto, outros afixos admitem exclusão, sem
restrição de direcionalidade, na coordenação binária e/ou n-ária de termos
derivados, prefixados ou sufixados, a exemplo dos listados em (16), em que os
elementos apagados desempenham função sintática e semântica idênticas aos
94
remanescentes, condição necessária à coordenação:
(16) pré-concurso e/ou pós-concurso => pré e/ou pós-concurso cordialmente e/ou amavelmente => cordial e/ou amavelmente
Infelizmente, nenhuma das propriedades acima elencadas é exclusiva de
afixos ou, pelo menos, caracteriza todo e qualquer formativo considerado como tal.
Antes de mostrar em que medida as características apresentadas podem nivelar as
duas categorias em análise (radical e afixo), procuremos, em primeiro lugar, uma
definição apropriada para radical.
Em linhas gerais, radicais são definidos como os elementos morfológicos
que podem, “por si sós, constituir a base de uma palavra” (BASILIO, 1987, p. 11).
Frequentemente, radicais se atualizam como palavras a partir do acréscimo das
flexões ou dos marcadores de vocábulos (BOOIJ, 2002) e, desse modo, são
descritos como “uma palavra despojada de todos os seus elementos flexionais” (loc.
cit., p. 56, tradução nossa)67.
Pelas definições apresentadas, não há a menor dificuldade de considerar
radicais formas como ‘mar’, ‘café’, ‘papel’, ‘encontr’ e ‘grat’, apesar de as duas
últimas serem diferentes das demais. Obviamente, estamos diante de dois tipos de
radicais: os três primeiros são livres, enquanto os dois últimos são presos,
necessitando, portanto, de terminação apropriada para funcionar como palavras.
Apesar disso, todos os elementos morfológicos em exame são vistos como radicais,
pois são constituintes que “atualizam o significado lexical básico das palavras”
(CRYSTAL, 1988, p. 212).
Como detalhado na seção 2.3.3, os radicais neoclássicos, chamados de
arqueoconstituintes por Corbin & Paul (2000), entretanto, não se ajustam bem às
definições apresentadas, pois, além de serem unidades presas, não
67 “a word stripped of all its elements inflectional”.
95
necessariamente se realizam como palavras mediante o acréscimo de elementos
flexionais ou temáticos, como os demais radicais presos, o que justifica o
estranhamento das sentenças em (17):
(17) As fofoqueiras deveriam tomar conta das suas próprias bios. Os novos biblios do Paulo Coelho já venderam um milhão de exemplares. Minhas tecas de selos antigos e de CDs estão quase completas.
De fato, formas como bio, biblio e teca, entre tantas outras, não se
enquadram perfeitamente na classe dos radicais – pelo menos a partir das
definições apresentadas. Assim como os afixos, os radicais neoclássicos podem ser
caracterizados por severas restrições posicionais, aparecendo numa borda
específica da palavra. Tal é o caso, por exemplo, de tele-, sistematicamente
encontrado na margem esquerda, e -cida, categoricamente vinculado à borda direita,
como se verifica nas formações listadas em (18):
(18) tele-novela inseti-cida tele-pizza rati-cida tele-sexo espermi-cida tele-namoro germi-cida
Elementos como tele- e -cida são radicais ou afixos? A resposta a essa
instigante questão certamente dependerá da característica que se quer focalizar. Se
considerarmos a primeira – mais básica – e a segunda propriedades dos afixos,
apresentadas nos critérios (a) e (b), tele- e -cida têm de ser considerados, nessa
ordem, um prefixo e um sufixo, pois, além de serem presos, ocupam posição fixa na
estrutura das palavras. Por outro lado, tele- e -cida não se comportam da mesma
maneira quanto à formação de domínios prosódicos, já que somente o primeiro
projeta uma palavra prosódica própria, como na representação em (19). Observe-se
a realização da média anterior nos dois casos.
(19) {[(tƐle)]PrWd[(pizza)]PrWd}MWd não {[(tele)]PrWd[(pizza)]PrWd}MWd {[(germi)(cida)]PrWd}MWd não {[(gƐrmi)(ci.da)]PrWd}MWd
96
Além disso, mediante o critério (i), o inventário de radicais neoclássicos não
é tão aberto quanto o dos demais radicais, o que, mais uma vez, os aproxima dos
afixos. Ressalte-se, ainda, que vários elementos neoclássicos apresentam função
sintática e semântica pré-determinadas, como preconiza o critério (e) para afixos.
Desse modo, se os usos e os significados das palavras derivadas correspondem às
funções dos afixos, não hesitaríamos em considerar -teca um sufixo formador de
substantivos a partir de substantivos, já que esse formativo cria séries de palavras,
sempre contribuindo com o mesmo significado nas formas a que se vincula:
“coleção”. Nos exemplos, em (20), a seguir, todas as construções X-teca são
interpretadas composicionalmente, isto é, pela soma dos significados das partes, em
conformidade com o que estabelece o critério (h):
(20) biblio-teca foto-teca brinquedo-teca video-teca cede-teca cinema-teca xeroco-teca marido-teca vituo-teca porno-teca teatro-teca disco-teca
Por outro lado, os significados que os radicais neoclássicos atualizam são
mais lexicais ou, nas palavras de Préié (2008, p. 9), “têm maior densidade
semântica”68. Ralli (2008, p. 156), ao comparar radicais (incluindo os neoclássicos)
com afixos, afirma que estes, por desempenharem um papel mais funcional
(categorial ou relacional), veiculam um significado mais abstrato, enquanto os
radicais veiculam um significado concreto. Se assim consideramos, os radicais
neoclássicos posicionam-se, no continuum sugerido por Baker (2000), entre os
radicais presos, que não podem ser usados como uma palavra autônoma sem a
adequada terminação flexional, e os afixos, como representado na figura 2, em (21),
a seguir:
68 “…have a high semantic density”.
97
(21)
afixo neoclássico preso livre
radical
Figura 2 – Continuum afixo-radical proposto por Baker (2000)
Como sinalizado na introdução deste capítulo, pretendemos expandir o
continuum formalizado na figura 2, em (21), uma vez que a língua portuguesa
apresenta vários constituintes morfológicos que poderiam ser alocados nessa
escala, por compartilhar propriedades de radicais e afixos. Na próxima seção,
mapeamos e analisamos cada tipo de formativo referenciado no final do capítulo 3:
afixoide, fragmento vocabular e xenoconstituinte.
4.2 A NATUREZA DIFUSA DOS ELEMENTOS MORFOLÓGICOS
Ao lado da prefixação, da sufixação e da composição – processos de
formação de palavras que têm sido investigados razoavelmente bem e cujo estatuto
morfológico dos constituintes é relativamente claro –, o português também apresenta
inúmeras formações, como as listadas a seguir, cuja inclusão numa classe ou
noutra, pelo tipo de formativo utilizado, nem sempre é de todo aceita:
(22) eco-renovação, homo-afetivo, tele-pizza, aero-modelismo, auto-peças, agro-
negócio, moto-escola; petro-química; (23) sogra-drasta, mãe-trocínio, whisky-lé, fran-búrguer, caipi-fruta, lamba-funk,
sorve-tone, secreta-ranha, ovo-nese, sexta-neja; (24) info-excluídos, euro-copa, choco-mania; (25) cyber-avó, wiki-pedia; pt-leaks, pit-bicha; bobs-burguer, lula-gate;
98
(26) e-business, e-formação, e-professor, e-futebol, e-pipoca, i-namoro, i-amigo.
Decerto, o estatuto dessas construções lexicais – e de seus constituintes,
consequentemente – é menos óbvio. As formas em questão se estruturam a partir
do que se convencionou chamar de formas combinatórias (WARREN, 1990;
BAUER, 1998; LEHRER, 1998). De acordo com Kastovsky (2009, p. 2), o rótulo
forma combinatória, amplamente utilizado na literatura morfológica das últimas
décadas do século passado, parece ter vindo do Oxford English Dicionary. Segundo
o autor, “o termo foi adotado para nomear parte de empréstimos do grego e do latim
ou formações do inglês que não se utilizam propriamente de palavras nem são
identificáveis facilmente com afixos” (tradução nossa)69.
Os exemplos em (22) constituem-se de elementos neoclássicos advindos de
palavras importadas diretamente do latim e do grego que aparecem em um número
relativamente grande de neologismos utilizados na terminologia técnica e científica,
onde são abundantes. Tendo em vista o aumento na frequência de tais formações, é
surpreendente que até agora esses elementos não tenham sido investigados de
forma sistemática, como aponta Préié (2008, p. 2, tradução nossa):
a teoria morfológica contemporânea ainda não elaborou uma maneira fundamentada e consistente de distinguir afixos de formas combinatórias em geral, e sufixos de formas combinatórias finais, mais particularmente. [...] Esse estado incerto teve implicações adversas não apenas para a teoria geral de formação de palavras [...], mas também para a metodologia e a prática lexicográficas, bem como para o ensino de línguas.70
69 “There the term was used to label parts of loans from Greek or Latin, or English formations using constituents which were neither words proper nor easily identifiable as affixes”. 70 “…modern morphological theory has still not worked out a principled and consistent way of distinguishing between affixes and combining forms in general, and between suffixes and final combining forms in particular. […] This unsettled state of affairs has had adverse implications not only for the overall theory of word formation in English, but also for lexicographic methodology and practice as well as for language teaching”.
99
As formações em (22), no entanto, envolvem especialização semântica do
consituinte à esquerda, cujo significado de modo algum se relaciona ao etimológico.
Por exemplo, eco-renovação faz refererência à “renovação ecológica” e homo-
afetivo, à “relação afetiva entre homossexuais” (OLIVEIRA & GONÇALVES, 2011).
Para alguns autores, entre eles Cunha & Cintra (1985), Duarte (1999a) e Monteiro
(2002), as construções em (22) exemplificam o fenômeno da recomposição, pois o
constituinte à esquerda, “numa relação de metonímia formal, adquire o significado
do composto original e atualiza esse conteúdo especializado, já bastante
diferenciado do etimológico, na combinação com palavras” (GONÇALVES, 2011b, p.
16) pré-existentes na língua.
As construções em (23) se estruturam por meio de pedaços de palavras
combinados com palavras inteiras. Em sua totalidade, as partículas utilizadas
provêm de fenômenos de fusão vocabular: casos de cruzamento ou de substituição
sublexical (GONÇALVES & ALMEIDA, 2004; BASILIO, 2005; ANDRADE, 2008),
como os já discutidos no capítulo 2. Por exemplo, a sequência -trocínio, que não
corresponde a nenhum constituinte morfológico em patrocínio, foi isolada a partir do
cruzamento vocabular paitrocínio (“patrocínio do pai”), que favoreceu a criação de
palavras em série por meio da substituição, à esquerda, do agente financiador: mãe-
trocínio, avô-trocínio, tio-trocínio, auto-trocínio (GONÇALVES, ANDRADE &
ALMEIDA, 2010).
Os dados em (24) também se valem de encurtamentos combinados com
palavras inteiras. A diferença entre (23) e (24) reside no fato de, em (24), os
elementos recorrentes se originarem do processo de encurtamento lexical (conforme
seção 2.4.2), que, nesse caso, envolve o mapeamento de um pé binário à esquerda
da palavra-base, independentemente do estatuto morfológico da forma escaneada.
100
Em todos os casos, formam-se dissílabos paroxítonos com sílaba final leve, o que
explica o não-aproveitamento da coda em informática: info-peças, info-professor,
info-comércio.
As formações em (25) se assemelham às de (24), mas, nesse caso, o
encurtamento vem pronto da língua de origem (no caso, o inglês). Isso, no entanto,
não impede que o formativo emprestado, aqui chamado de xenoconstituinte
(GONÇALVES & ALMEIDA, 2012), combine-se com bases nativas, a exemplo de
cyber-avó (“avó moderna, antenada com os recursos tecnológicos”) e wiki-aves
(“enciclopédia eletrônica sobre aves”). Muitas vezes, a base etimológica comum
deixa dúvidas sobre o estatuto não-vernáculo de tais formativos, que acabam sendo
vinculados a palavras também encontradas em português, como é o caso de
cibernética. Como tal processo está comprometido com o grau de nativização do
empréstimo, algumas dessas unidades morfológicas costumam admitir duas grafias,
como é o caso de cyber-café e ciber-café.
Por fim, as formas em (26), chamadas de e-termos (ANTUNES et alii, 2008),
originaram-se da abreviação inglesa ‘e-mail’ (eletronic mail). Entende-se por e-termo
“cada uma das unidades que apresenta na sua estrutura a partícula e com o
significado de electronic/electrónico” (ANTUNES et alii, 2008, p. 122).
Outra partícula passível de ser inserida no grupo dos e-termos é i-,
constituinte de ‘i-Pod’, aparelho áudio-digital, projetado e vendido pela Apple Inc. O
nome iPod foi cunhado a partir de “POD”, sigla de “Portable On Demand”, precedida
da vogal i-, que se lê “ai” e significa “eu” em inglês, veiculando um sentido pessoal.
Esse mesmo i- aparece em i-Tunes, i-store, i-Phone, i-cloud, i-message, i-Mac, i-
Tablet, i-Book, i-Pad e i-Modess (“capa para iPad”), entre outras palavras do inglês
amplamente utilizadas em português.
101
Do mesmo modo que as formas em (25), os e-termos podem ser
combinados com palavras da língua, a exemplo de ‘e-babá’ (referência às atividades
da internet que entretêm crianças); ‘e-pipoca’ (um site sobre cinema); ‘i-namoro’ (site
de namoro on-line), dentre outros.
O termo forma combinatória, portanto, é usualmente adotado (LEHRER,
1998; DANKS, 2003, FANDRYCH, 2008) para descrever elementos de natureza
variada: (1) radicais neoclássicos, com ou sem alteração no significado etimológico,
como, nesta ordem, ‘aero-lula’ (“avião do ex-presidente Lula”) e ‘geo-ciências’
(“ciências da terra”); (2) porções fonológicas oriundas de encurtamentos lexicais,
nativos ou não, como choco- (‘choco-mania’) e cyber- (‘cyber-ataque’),
respectivamente; (3) itens morfológicos resultantes de CVs, a exemplo de -nejo
(‘pago-nejo’, ‘forró-nejo’, ‘sexta-neja’ ← sertanejo), -nese (‘ovo-nese’, ‘macarro-
nese’, ‘camaro-nese’ ← maionese) e -tone (‘sorve-tone’, ‘choco-tone’, ‘bombo-tone’
← panetone); e (4) abreviações em que um dos constituintes utilizados se
assemelha a uma sigla (os chamados e-termos).
De acordo com Kastovsky (2009, p. 12, tradução nossa), o “termo ‘forma
combinatória’ é algo como um arenque vermelho em lexicologia, porque cria mais
problemas do que resolve, e deve ser descartado”71. Os seguintes argumentos
podem ser utilizados em favor do abandono dessa classe tão heterogênea:
(a) primeiramente porque parece uma descrição apropriada para a falta de
limites precisos entre derivação e composição e para a manutenção de uma
diferença discreta entre esses dois mecanismos de ampliação lexical;
(b) em segundo lugar, não há critérios efetivos que diferenciem formas
combinatórias de categorias como radical, afixo, afixoide, palavra truncada e
71 “Therefore, the notion ‘combining form’ is something like a red herring in lexicology, because it creates more problems than it solves and should therefore be given up”.
102
fragmento vocabular (partes de cruzamentos vocabulares e de substituições
sublexcais que passam a formar uma série de novas palavras);
(c) o terceiro, e o mais importante argumento, evoca os processos
morfológicos, tradicionalmente considerados marginais, como o truncamento, o
cruzamento vocabular e a substituição sublexical, que não são arbitrários, como
preconiza a maior parte da literatura na área (LEHRER, 1998; CHUNG, 2009).
Esses processos, que operam regularmente na formação de novas palavras, são
fontes indiscutíveis de formativos ainda indefinidos categorialmente e, por isso
mesmo, ao lado da composição e da derivação, devem delinear uma escala
referente a categorias morfológicas cada vez menos independentes, indo de
radicais a afixos.
Para sustentar o continuum de formativos aqui proposto, abordaremos,
ainda que sucintamente, as construções morfológicas que se assemelham entre si
por se estruturarem a partir de formativos difícieis de nomear, em especial, a
formação de advérbios em -mente, a formação de diminutivos em -z(inho), a
prefixação, a recomposição, por meio de elementos neoclássicos reanalisados
(afixoides), e a formação por fragmentos vocabulares e por xenoconstituintes,
incluindo os e-termos. Comecemos, então, com as formações de advérbios em -
mente.
4.3 FORMAÇÕES DE ADVÉRBIO EM -MENTE
Em latim, mente era considerada uma forma independente, ablativo do
substantivo feminino mens (‘espírito’, ‘mente’), que, ao lado de adjetivos também no
ablativo, constituía expressões fronteiriças entre composição e sintagma, como, por
exemplo, bona mente (cf. MATTOSO CAMARA Jr., 1976). Hoje, -mente atua como
103
formativo de advérbios nominais a partir de adjetivos, como em casualmente e
decididamente. A partícula mente segue uma trajetória de gramaticalização, uma
vez que co-ocorre com a sua forma proveniente mente, sem abandonar a função de
substantivo, ao assumir, na passagem do tempo, um novo estatuto morfológico:
sufixo formador de advérbios72, transitando, portanto, da sintaxe para a morfologia.
Contudo, não é consensual a caracterização das formas X-mente como
derivadas. Autores, como Moreno (1997), Basilio (1998), Cagliari (2002), Duarte
(2009), entre outros, admitem que a sequência -mente, por instanciar sozinha uma
palavra prosódica, impede a atuação de processos fonológicos no nível lexical à
base a que se une, tais como a neutralização das vogais pretônicas e a alteração
posicional do acento, recorrentes nas formações sufixais do português.
Em formas X-mente, bases com vogais tônicas abertas, por exemplo,
br[ɛ]ve, c[ɛ]rta e religi[ᴐ]sa preservam a abertura vocálica, embora essas vogais
passem à posição pretônica na palavra resultante: br[ɛ]vemente, c[ɛ]rtamente,
religi[ᴐ]samente, ao contrário do que acontece em formações derivadas com outro
sufixo: br[e]vidade, c[e]rteza, religi[o]sidade, em que as vogais, antes de articulação
aberta, neutralizam-se em posição pretônica, realizando-se como fechadas, [e e [o,
pronúncias consideradas default na fala carioca (CRISTÓFARO SILVA, 1999).
Ainda de um viés fonológico, é sistemática a mudança de tonicidade da base
para a palavra derivada, como se verifica nos seguintes pares (a sílaba tônica
aparece sublinhada): hábito/habitual/habitualidade; imenso/imensidão; louco/loucura;
rico/riqueza. Mediante o acréscimo da partícula –mente, as bases mantêm o seu
acento e, por conseguinte, as palavras resultantes assumem claramente uma pauta
acentual dupla, típica de compostos, isto é, com dois picos acentuais, um acento 72 No estado atual da língua, os advérbios em –mente admitem diversas subcategorizações, já que podem denotar temporalidade (primeiramente, posteriormente); modalidade, ao expressar a opinião do falante face a seu enunciado (certamente, felizmente), etc.
104
secundário (`) na base e um primário (ˊ) no elemento anexado: hàbitualménte ou
habìtualménte; ìmensaménte ou imènsaménte73; lòucaménte; rìcaménte.
Do ponto de vista morfológico, o fato de a formação de advérbios em –mente
ser apenas operada sobre adjetivos no feminino, quando existentes, “fere
frontalmente a regra geral de que formas flexionadas não podem ser derivantes”
(BASILIO, 1998, p. 18), visto que afixos derivacionais tendem a aparecer adjacentes
à raiz, ou melhor, se uma mesma raiz recebe, concomitantemente, um sufixo
derivacional e um flexional, é sempre o derivacional que se adjunge primeiro à raiz,
preparando, assim, o radical para acolher o sufixo flexional; e, no caso dos
advérbios em -mente, a flexão interna de gênero é impositiva e bastante específica.
Com efeito, Basilio (1998) refuta a hipótese de que o sufixo seria -amente, e
não -mente, argumentando que em formações, cuja base é um adjetivo uniforme,
como, por exemplo, brevemente e prudentemente, não há inserção de -a. Uma outra
hipótese, correlacionada a essa e igualmente rejeitada pela autora, seria a de que
-amente fosse um alomorfe de -mente. Para comprovar que, de fato, a vogal -a que
precede -mente é uma desinência de gênero (VILLALVA, 2000), Basilio (op. cit.)
torna a mencionar a alternância entre a vogal média baixa/alta da base na relação
masculino/feminino: religi[o]so → religi[ᴐ]sa → religi[ᴐ]samente. No entanto, “é difícil
explicar como o determinante adjetival tem seu gênero escolhido por um constituinte
73 A possibilidade de realização dessas variantes é uma das evidências que sustentam a hipótese de composição defendida por Moreno (1977), Lee (1997) e Collischon (1994). Para esses autores, a composição é um processo pós-lexical, em que não há perda de acento, visto cada componente trazer consigo o acento do léxico. Nesse enfoque, o acento é determinado por uma regra que confere proeminência ao acento do segundo membro, ou seja, à grade acentual do todo é acrescida, nos termos da fonologia métrica (NESPOR & VOGEL, 1986), uma terceira linha, e, sobre essa linha, atribui-se uma marca de principal ao acento primário do segundo membro do composto. Assim, pode-se, por exemplo, ter imènsaménte, em que o acento primário de imenso é convertido em secundário, já que o acento de mente passa a ser o proeminente na composição, ou ìmensaménte, em que o acento secundário recai na sílaba inicial, por força da regra de atribuição do acento de insistência latino, sempre na primeira sílaba (RONDININI, 2009).
105
periférico, mente no caso, cuja classe gramatical seria ignorada” (DUARTE, 2009, p.
11).
Assim, é provável que, ao contrário dos demais sufixos, o elemento mente
teria gênero e, em decorrência disso, corresponderia a um elemento morfológico que
funciona como unidade independente nas operações morfológicas pela sintaxe, o
que nos faz considerá-lo um constituinte fronteiriço.
Por fim, de uma perspectiva sintática, em coordenação de termos, os
advérbios em -mente são sensíveis às regras de apagamento, ou melhor, é possível
coordenar vários adjetivos e acrescentar -mente apenas no último: “Ele fala tranquila
e pausadamente”. O adjetivo feminino tranquila não concorda com o sujeito sintático
ele, mas com -mente, ao qual está associado de modo descontínuo. Alguns prefixos
que constituem uma palavra prosódica também admitem apagamentos de suas
bases (pré e pós-pagamento); contudo, somente as formações em -mente admitem
intercalação de vocábulos entre um adjetivo e outro: “Ele fala pausada, aliás, muito
pausadamente”.
Esse fenômeno, referido por Moreno (1997) e Cintra (1983) como fatoração,
por Kenesei (2007) como redução de coordenação, recebe por parte de Vigário
(2003) uma análise acurada. Ao investigar o apagamento de termos em estruturas
coordenadas parcialmente idênticas, Vigário (op. cit.) esclarece que nem sempre é
possível excluir um constitituinte dessas estruturas sintáticas. O apagamento
depende sobretudo de condições fonológicas e só se concretiza quando “não só a
unidade que é apagada mas também a unidade que permanece na estrutura
coordenada correspondem a palavras prosódicas autônomas” (VIGÁRIO, 2003, p.
416), como podemos observar nos exemplos oferecidos pela autora (loc. cit.),
listados a seguir, em (27), em que ω indica palavra prosódica.
106
(27) a. (pré)
ω (tônicas)
ω e (pós)
ω (tônicas)
ω > (pré)
ω e (pós)
ω (tónicas)
ω
(alegre)ω
(mente)ω
e (triste)ω
(mente)ω
> (alegre)ω
e (triste)ω
(mente)ω
b. (acampamento)
ω e (acantonamento)
ω > *(acampa)
ω e (acantonamento)
ω
(des(fez)ω
)ω
e (re(fez)ω
)ω
> *(des)ω
e (refez)ω
Contudo, condições semânticas também estão em jogo no fenômeno. O
apagamento, para ser bem sucedido, depende ainda do escopo alcançado pelo
elemento remanescente, que tem de incidir por igual sobre todos os termos
coordenados; caso contrário, a construção decorrente torna-se esdrúxula, quiçá
agramatical. Por exemplo, observa-se equivalência semântica entre “lenta e
tranquilamente” e “lentamente e tranquilamente”, mas não entre “pré-escola e pré-
adolêscencia” e “pré-escola e adolescência”, como também não entre “salinha e
quartinho” e “sala e quartinho”, em que o sufixo -inho atua somente na palavra que
constitui. Acreditamos que o apagamento de -mente em advérbios coordenados não
se deva apenas às suas propriedades fonológicas, uma vez que há sufixos, como
-z(inho), que também projetam sua própria palavra prosódica e nem por isso
submetem-se ao apagamento quando coordenados. Talvez, a possibilidade de
omissão da partícula -mente, sem comprometimento do significado global do que
pretendemos transmitir, decorra sobretudo da sua não-especialização semântica, já
que veicula sentidos muito amplos, permitindo-nos agregá-la a bases adjetivais com
valores diversos.
Em síntese, -mente tem características peculiares. Por um lado, as
construções X-mente (a) permitem apagamento sintático, (b) engendram pauta
acentual típica de compostos, pois a formação apresenta dois vocábulos fonológicos
e dois vocábulos morfológicos,(c) têm a base adjetiva, se não uniforme,
obrigatoriamente, no feminino, ou seja, -mente assemelha-se a uma forma livre. De
107
outro lado, o formativo -mente (a) não tem significado lexical e (b) muda as palavras
de classe, no caso, de adjetivo para advérbio, comportando-se como uma forma
presa. Como, então, classificar as formações em -mente? Trata-se de derivação, de
composição?
Basilio ([1987] 2000a, p. 33), ao tratar de compostos de estrutura
parcialmente fixa, afirma que a regularidade de preenchimento com verbos
específicos (guarda-, porta-, para-), em estruturas do tipo V+S, aproxima o processo
de composição ao de derivação, uma vez que um dos membros do composto é uma
forma invariável. De modo análogo, essa regularidade se observa em alguns afixos
que se “originam de cristalizações de formas de composição tais como o sufixo –
mente”. Já para Mattoso Camara Jr. (1971, p. 38), é a possibilidade de justaposição,
“um vocábulo formal constituído de dois vocábulos fonológicos”, que responde pelos
pontos de contacto entre as locuções, os compostos e “os advérbios formados de
um adjetivo com o elemento -mente, sufixado”.
A complexidade das formações X-mente não só demonstra imprecisão
relativa à categorização da classe de advérbios, mas também reflete a indecisão que
subjaz a classificação das unidades morfológicas; no caso específico, -mente, que,
pela sua caracterização híbrida, aproxima-se tanto do processo de composição
quanto de derivação, ou melhor, como afirma Basilio (1989, p. 49), “as formações
em –mente nos deixam com uma escolha entre uma derivação esdrúxula e um caso
estranho de composição com finalidades de mudança categorial”.
Em suma, -mente não é um sufixo prototípico pelos seguintes motivos: (a) é
sensível às regras de apagamento na coordenação (critério k); (b) projeta, sozinho,
uma palavra fonológica, impedindo que a regra de neutralização das pretônicas se
aplique (critério d); e por fim, (c) impõe flexão de gênero à base a que se anexa,
108
uma das características mais básicas da composição, apontada em Gonçalves
(2011a). Desse modo, pressupondo-se uma escala gradual entre composição e
derivação, as formações em -mente deslocam-se em direção à composição.
4.4 FORMAÇÕES DE DIMINUTIVO EM -Z(INHO)
Em português, o expediente mais recorrente para formar diminutivo consiste
em adjungir -inho ou -zinho a uma base nominal (BISOL, 2010). Apesar de tratados
pelos compêndios gramaticais como elementos derivacionais, tais sufixos, assim
como -mente (abordado na seção anterior), apresentam peculiaridades fonológicas e
morfológicas que os distanciam de um sufixo prototípico. Uma das características
mais marcantes dos sufixos de diminutivo, assim como a dos prefixos, é a
incapacidade de alterar a categoria gramatical da base a que se anexam, pois, como
vimos, os sufixos unem-se invariavelmente a radicais, e, constituem o componente-
cabeça das palavras que derivam, determinam a sua categoria, informando,
também, sobre o seu gênero gramatical.
Outra característica que afasta a formação de dimunitivos da derivação
refere-se, em particular, ao sufixo -zinho, que, à semelhança do -mente, combina-se
com um vocábulo pronto, e não apenas com radicais, impondo às bases a que se
une as eventuais alterações morfofonêmicas desencadeadas pela formação do
plural, resultando, assim, numa estrutura que coincide com a de um composto (cf.
MORENO, 1997, p. 180), que mantém relação de concordância interna entre os
constituintes, mas, ao contrário das formações X-mente, não admite fatoração.
No entanto, não há um opinião consolidada na literatura quanto à
interpretação dos elementos -zinho e -inho, ainda que o idêntico valor semântico que
veiculam e a semelhança de sua configuração fonética apontem para a hipótese de
109
duas variantes de um mesmo elemento morfológico; há teóricos que os consideram
formas diferentes, duas variáveis. Apesar das semelhanças entre eles, análises
alternativas (MORENO, 1977 e LEE, 1995) consideram -inho um sufixo, isto é, um
elemento que participa do processo derivacional, e -zinho, um elemento que faz
parte do processo de composição.
Para Mattoso Camara Jr. (1976, p. 224-225), em português, os sufixos
básicos de diminutivo são -inho e -ito. O uso da variante -zinho é obrigatório
somente após vogal tônica; nos demais casos, pode-se optar livremente entre as
duas formas: livro → livrinho, livrozinho. O autor, apoiado no fato de que os
mecanismos de aglutinação e justaposição podem ocorrer tanto na composição
quanto na derivação, considera a formação do diminutivo com -zinho um caso de
derivação por justaposição. Tal mecanismo gera uma locução (uma forma livre
associada a uma forma presa), cujo vocábulo fonológico correspondente incorpora o
termo primitivo e o sufixo em causa, cada qual com sua flexão de gênero, e
exemplifica com lobazinha, lobozinho.
Moreno (1977), por exemplo, considera -inho e -zinho duas formas
diferentes, mas, em trabalho posterior (1997), revê seu posicionamento, admitindo
que há, de fato, um padrão fonológico razoalmente definido para a distribuição das
duas variantes, cujas peculiaridades que lhes são apontadas decorrem do
cruzamento dos planos morfológico e fonológico em que a palavra-base está
envolvida.
A autonomia do elemento -zinho é confirmada por meio de evidências
fonológicas, tais como a permanência do acento, do timbre aberto da vogal
pretônica, velarização da líquida final da base; e também morfológicas, como flexão
de plural pré-definida e cópia do gênero indicado pelo artigo, a exemplo de a foto →
110
a fotozinha; o/a artista → o/a artistazinho(a), ou seja, -zinho tem características
gramaticais semelhantes às de um adjetivo e, nesse aspecto, comporta-se como
uma forma livre.
Já a variante -inho, para o referido autor, só difere de -zinho em razão de
seu seletivo caráter distributivo: enquanto -zinho se agrega a qualquer vocábulo de
qualquer classe gramatical, -inho é visto como a forma alternativa para os radicais
consonânticos (aliás, predominantes na língua), o que implica a ressilabificação do
item lexical derivado. Cabe registrar que -inho, ao contrário de -zinho, não repete a
flexão de gênero, porque se anexa ao radical e não à palavra pronta, como nos
casos de a foto → a fotinho; a moto → a motinho; a tribo → a tribinho; o/a artista →
o/a artistinha. Como foto e moto são, respectivamente, formas encurtadas das
palavras complexas, de gênero feminino, fotografia e motocicleta, muitas vezes o
uso das formas diminutivas, no masculino, fotinho e motinho, causa certa
estranheza.
Várias abordagens sobre a formação de diminutivos em português chegam à
conclusão de que -zinho, ao lado de -mente, são exceções entre os sufixos (LEE,
1995; MORENO, 1977; 1997). O mesmo se verifica em Mira Mateus et alii (2003) e
em Rio-Torto (2006), para o português europeu, que, além disso, isolam do grupo
das unidades sufixais os sufixos avaliativos (diminutivos e aumentativos),
denominando-os de z-avaliativos.
Lee (1999), adotando os instrumentos da Fonologia Lexical Prosódica,
apresenta uma nova proposta de análise para os diminutivos no português e
argumenta que a formação dessas palavras deve receber um tratamento diverso do
que é dado à derivação/composição e à flexão. O autor, ao considerar dois níveis
lexicais na formação de palavras, alfa (α) e beta (β), os quais representariam raiz e
111
palavra, respectivamente, explica que -inho e -zinho entram no nível α, onde
recebem acento, mas o processo de formação do diminutivo, com uma ou com outra
forma, de fato, acontece no nível β, onde se aplica a flexão. Como os processos de
derivação e de composição lexicais acontecem no nível α, a formação de diminutivo
tem caraterísticas diferentes da derivação, da flexão e do composto lexical,
distinguindo-se ainda da formação de compostos pós-lexicais, que ocorre no nível
pós-lexical. Portanto, para Lee (1999), as formações de diminutivo se organizam de
modo autônomo na gramática.
Enfim, a formação de diminutivos em -z(inho) está longe de uma visão
consensual, já que os formativos envolvidos não recebem uma definição
homogênea, por apresentarem características não-prototípicas de um sufixo, tais
como, constituírem o elemento DT na estrutura da derivação e projetarem suas
próprias palavras fonológicas (critério d), demonstrando que uma descrição nos
moldes de um continuum seria mais adequada também para itens derivados em
-z(inho), visto que essas formações, mediante as propriedades de seus
constituintes, afastam-se do polo derivação.
4.5 FORMAÇÕES PREFIXAIS
Em diversas línguas, a semelhança entre prefixação e sufixação é posta em
causa. Por exemplo, ao descrever a língua inglesa, Marchand (1969) trata a
composição e a prefixação como casos de expansão e a sufixação como um caso
especial de transposição. A alternativa de separar sufixação de prefixação recebe
apoio de vários estudiosos, a exemplo de Di Sciullo & Williams (1987),
fundamentados em teorias que, em geral, não licenciam os prefixos funcionarem
como cabeça lexical. No entanto, esses pontos de vista não parecem ter qualquer
112
efeito, pois, por um lado, prefixação (como um tipo de composição) e sufixação são
tratadas em separado, e, por outro lado, tratadas unificadamente, sob o rótulo de
derivação.
Talvez a imprecisão entre composição e derivação seja reflexo da descrição
gramatical das línguas clássicas, a exemplo do Latim, em que, como assinalado por
Ralli (2010), há uma tendência de se agrupar a prefixação e a composição, em
oposição à sufixação, considerada como pertencente à derivação. Segundo Duarte
(1998, p. 38), essa doutrina clássica mantivera-se nas gramáticas historicistas do
português, até que Said Ali (1966), como um marco, lançou dúvida neste legado.
Hoje, nas gramáticas do português, como, por exemplo, nas de Cunha &
Cintra (1985) e Bechara (1999), é comum unir prefixação e sufixação no âmbito da
derivação, persistindo, assim, à moda da remota tradição, uma descrição linguística
de “caráter esquemático e classificatório, pois apontam-se simplesmente os dois
processos principais: a derivação e a composição” (DUARTE, 1998, p. 40), como se
os constituintes morfológicos tivessem propriedades intransponíveis, engessadas
em categorias modelares.
O fato de os prefixos, em muitos aspectos, se comportarem diferentemente
de sufixos (cf. detalhado na seção 2.3.1) não parece justificar a união da prefixação
e sufixação como subtipos de derivação afixal, visto que prefixos, como já
mencionamos, são uma categoria neutra, pois não determinam a classe da palavra
que formam, ao passo que sufixos podem mudar a categoria da base. No entanto,
essa propriedade particular dos prefixos é também compartilhada com os
componentes situados à esquerda de compostos estruturados com cabeça à direita,
o que serve de forte argumento para incorporar a prefixação na composição, dando
113
mostras de que a fronteira entre os dois processos é questionável, ou melhor, de
que há uma forte interação entre eles.
Como o “sistema por prefixação em português assenta em três grupos de
partículas: A) as que funcionam como preposição; B) as que são variantes (em
forma erudita) de preposições; C) as que são exclusivamente prefixos” (MATTOSO
CAMARA Jr., 1976, p. 228), não é difícil deduzir as causas da falta de nitidez
categorial dos elementos prefixais e, por conseguinte, do processo em que atuam.
Said Ali (1966) já chamava a atenção para a falta de limites precisos entre a
composição e a derivação. Para o autor, o fato de os prefixos, em sua maioria,
serem preposições e advérbios combináveis com outras palavras equivaleria afirmar
que “não está bem demarcada a fronteira entre a derivação prefixal e a composição”
(idem, p. 229).
Em um primeiro momento, seguindo a tradição gramatical, Said Ali (op. cit.)
mostra-se inclinado a descartar a prefixação do âmbito da derivação, ao conjecturar
que os prefixos são, em sua maioria, preposições ou advérbios e, portanto, nem
sempre se caracterizam como formas presas. No entanto, o autor reconsidera o seu
ponto de vista, já que há, na lista de prefixos, elementos que se qualificam, de fato,
como formas presas. Desse modo, a tese baseada na independência discursiva do
prefixo não se sustenta por completo, e excluir a prefixação da esfera da derivação
não parece ser uma solução plausível; ademais, como observa Oliveira (2004, p.
44),
“os prefixos não se comportam mais como preposições e estão longe de se igualarem a radicais quanto à sua carga semântica. Para Said Ali, portanto, o critério da independência vocabular para separar a derivação da composição não se justifica”.
114
Mesmo admitindo a falta de nitidez entre esses dois mecanismos
morfológicos, Said Ali (1966) decide-se por uma divisão adversa da clássica, e,
agrupa a prefixação, ao lado da sufixação, no processo de derivação, influenciando
muitos gramáticos e linguistas a fazer a mesma opção. Para o citado autor, dissociar
a prefixação da derivação, com base no argumento de que alguns prefixos se
originam de preposições e advérbios, motivaria a eliminação do conceito de
sufixação, uma vez que também existem sufixos provenientes de advérbios, como,
por exemplo, -mente, fato que induziria ao desaparecimento total da derivação como
um processo de formação de palavras (cf. GONÇALVES et al., no prelo).
Por sua vez, o critério da relativa autonomia do prefixo também não auxilia
na distinção entre composição e prefixação, pois há formações em que os
elementos prefixais são formas presas típicas, já que só funcionam agregados a
outras formas, tais como in- (incontável; impróprio; irracional) e des- (desumano;
desconforto; dessintonia); e outras constituídas por elementos que, pela
possibilidade de funcionarem como palavra independente (forma livre), os
gramáticos hesitam entre classificá-los de prefixos, prefixoides ou, simplesmente,
elementos de composição, a exemplo de contra- (contracapa; contra-ataque); entre-
(entrepausa; entrebater); extra- (extraconjugal; extracurricular); não- (não-contável;
não-esteroides), dentre outros.
Mattoso Camara Jr. (1971, p. 38), ao considerar que por “falta de uma
definição adequada para vocábulo e da confusão, a seu respeito, entre plano
mórfico e plano fonológico, há na nossa tradição gramatical uma teoria dos
vocábulos compostos, que é inteiramente falsa”, entende a prefixação como um
caso de composição, argumentando que muitos prefixos são “elementos
vocabulares com valor significativo de preposições, embora vários dêles não se
115
usem como preposições” (MATTOSO CAMARA Jr., 1971, p. 39), adicionam um novo
sentido à palavra que formam, ao emprestar ao todo uma ideia subsidiária. Além do
mais, diferentemtente dos sufixos, formas presas sem valor significativo específico e
com função essencialmente morfológica, “os prefixos têm mais força significativa,
podem aparecer como formas livres (isto é, ter existência independente na língua)”
(BECHARA, 1999, p. 338). “Por isso, a prefixação pode resultar num só vocábulo
fonológico ou numa justaposição” (MATTOSO CAMARA Jr., loc. cit.).
Monteiro (2002, p. 139-142), seguindo os passos de Said Ali (1966),
considera a prefixação um tipo de derivação. Todavia, sua análise focaliza apenas
os prefixos que não contribuem para a formação de vocábulos compostos, por
constituírem, sem sombra de dúvidas, formas presas, a exemplo de a-, des-, in-, re-,
trans- etc. Para o autor, a inclusão, no inventário dos prefixos, de elementos que
atualmente são verdadeiras bases livres, como extra e contra, é o que dificulta a
demarcação dos limites entre derivação e composição. Tais elementos, usados
frequentemente como formas livres, entram na construção, segundo Monteiro (op.
cit.), de palavras compostas.
O autor sugere ainda que produtividade e autonomia morfológica são fatores
que se deveriam levar em conta para se distinguir uma forma livre de um autêntico
prefixo. Por conseguinte, se, em um dado contexto frasal ou situação comunicativa,
a unidade investigada veicular sozinha algum significado, não constituirá forma
presa. Com maior razão ainda, não será classificada de prefixo, caso admita receber
sufixos derivando palavras, como, por exemplo, contra. A partir de contra, podem
formar-se contrariar, contrário, contrariedade, além de uma série de compostos, tais
como contradizer, contrapartida, contracheque, contrabaixo, contra-argumento etc.
(exemplos do autor, p. 141). Nessa ótica, contra não seria uma forma presa.
116
Enfim, ainda que considere a prefixação um tipo de derivação, Monteiro (op.
cit.) preconiza que certos elementos, em geral, os categorizados como prefixos, são,
em última instância, verdadeiros radicais, “já que potencialmente funcionam como
formas livres ou dependentes. Nesse sentido, os constituintes que subsistem como
preposições nocionais ou advérbios produzem vocábulos compostos (menosprezar,
sobrevoar, sobrecarregar, maldizer)” (p. 141, grifos do autor) e podem, portanto,
ser considerados formas livres e não prefixos; já outros, “que não são advérbios nem
preposições, servem ao mecanismo da derivação” (p. 142), como re- e des-, em
refazer e desmentir, são prefixos de fato. Em sendo assim, tem-se como possíveis
formas livres, contra e menos, que poderiam ser categorizadas de advérbios e
constituiriam palavras compostas, a exemplo de contraproduzir e menosprezar; ou
como formas dependentes, preposições tais como entre e sobre que também
formariam compostos, como em entredizer e sobreviver. Ao final, a controvérsia,
como sempre, paira sobre a falta de nitidez entre radical e prefixo.
Enfim, a dificuldade aumenta quando se trata de elementos que transitam
entre a sintaxe e a morfologia, cujo caráter de formativo é determinado pelo escopo
sobre o qual incide e, por isso mesmo, nem sempre recebem, por parte dos
estudiosos, uma categorização unânime. Esse é o caso dos advérbios e
preposições, que continuam suscetíveis ao movimento de
deslexicalização/gramaticalização, e passam a comportar-se como um prefixo, a
exemplo, respectivamente, de não (não-adesivo; não-fumante) e sem (sem-terra;
sem-teto). Embora esses elementos não sejam reconhecidos com valor derivacional
pelas gramáticas da língua portuguesa (p. ex. Cunha & Cintra, 1985), alguns autores
os consideram verdadeiros prefixos (BUENO, 1968; ALVES, 1994), já que, uma vez
antepostos “a uma palavra-base, atribuem-lhe uma idéia acessória e manifestam-se
117
de maneira recorrente, em formações em série” (ALVES, 1994, p. 15). Sandmann
(1989, 105-115) prefere denominá-los prefixoides, visto que têm uma forma
“correspondente que ocorre livremente na frase” (preposição e advérbio), mas, na
formação, apresentam aspecto distribucional e significados mais restritos do que sua
contraparte. Palavras formadas com esses elementos, o autor classifica de
semiderivações.
A falta de unanimidade quanto à natureza prefixal de não, sobretudo em
“contexto pré-substantival e pré-adjetival” (DUARTE, 1999b, p. 67), suscita várias
abordagens, dentre as quais as de Duarte (op. cit.), Basilio (2000b), Pante &
Menezes (2003), Pereira (2006) e Jacob (2011), que discutem o estatuto do
elemento não como constituinte de palavras e oferecem diferentes propostas de
análise acerca das formações das quais participa, revelando diversos
posicionamentos, devidamente indicados por Jacob (2011, p. 59):
“A) não-x forma nova palavra e, neste caso, os estudiosos se segmentam entre A.1) os que majoritariamente defendem que não- atua como prefixo; e A.2) a corrente minoritária que entende o não- como elemento de composição; B) a visão da gramática tradicional que trata o não simplesmente como advérbio, descartando qualquer possibilidade lexical; e, por fim, C) os que consideram que nem sempre não- forma novo item léxico, na medida em que haveria a existência de aspectos morfológicos, bem como sintáticos nesse tipo de construção”.
Contudo, não nos convém defender um ou outro ponto de vista, pois, assim
como Nunes (2011), consideramos a prefixação um processo de indiscutível caráter
heterogêneo que transita entre a composição e a derivação, mediante as
características inerentes a cada elemento prefixal envolvido na palavra complexa em
questão, e, por isso mesmo, concordamos com a autora, ao afirmar que
“os prefixos, sobretudo os que coincidem formalmente com preposições, não devem ser analisados de igual forma. Entendemos que os elementos prefixais devem ser posicionados numa escala, em função do seu grau de
118
prefixização, dependentes de um processo contínuo de (des)gramaticalização e lexicalização (in)acabada”. (NUNES, 2011, p. 294).
De uma perspectiva morfofonológica, Schwindt (2001) focaliza o
comportamento diversificado dos itens lexicais catalogados, em português, como
prefixo, cuja classificação será a adotada no presente estudo. Fundamentado no
modelo teórico da Fonologia Prosódica e da Fonologia Lexical, o autor analisa o
estatuto prosódico e lexical dos elementos prefixais, dividindo-os em dois grupos:
PCs, prefixos composicionais, como pós-, pré-, ex- e sub-; e PLs, prefixos legítimos,
como in-, des- e re-. PCs funcionam fonologicamente como palavras autônomas, isto
é, portam acento próprio. Já os PLs configuram sílabas inacentuadas que não
podem ser isoladas de suas respectivas bases, característica típica de formas
presas.
Os PCs são exemplares típicos de formações por truncamento vocabular do
tipo A, pois são formas encurtadas que projetam palavras prosódicas próprias e,
como resultado, adquirem licenciamento para atuar como palavra morfológica. Em
decorrência desse novo estatuto, a depender do contexto de uso, podem ser
empregados isoladamente, conforme os exemplos a seguir, em (28), em que o
prefixo composicional carrega toda a significação da palavra complexa da qual
provém:
(28) “Logo assim que terminar a pós, vou tirar férias”. “Mulher emagrece após ver ex com uma garota magrinha”. http://yahoo.com.br Com relação ao estatuto lexical, a prefixação com PLs pode transcorrer no
nível 1 ou no nível 2, uma vez que um PL tanto pode afixar-se (a) à raiz na condição
de sílaba pretônica, ou seja, durante a formação da palavra (nível 1), quanto (b)
119
depois da palavra pronta (nível 2). Os PCs, por sua vez, subsistem como “palavras
fonológicas independentes até o nível pós-lexical, de onde são alçados, a fim de
sofrer prefixação no nível 2” (SCHWINDT, 2001, p. 1).
Entretanto, partindo da observação de Basilio (2000b, p. 12) acerca dos
prefixos que apresentam constituição segmental similar, mas pauta acentual distinta,
a exemplo de pre/pré, em preposição e pré-pago; e pos/pós, em posposição e pós-
pago, a divisão sugerida por Schwindt (op. cit.) não se sustenta, pois, como apontam
Gonçalves et al. (no prelo), esses elementos portam, ao mesmo tempo,
características de prefixos legítimos e composicionais.
A presença ou ausência de tonicidade confere a esses formativos
comportamentos diferentes: as formas acentuadas “permitem a coordenação com
omissão da base na primeira forma (pré- e pós-fixado), o que as desqualifica como
formas presas, embora, certamente, não as defina como formas livres” (BASILIO,
loc. cit.), enquanto as inacentuadas atuam sempre como formas presas, partícipes
de formações, estruturalmente,
“bem mais opacas, podendo ser vistas, algumas delas, como verdadeiros casos de lexicalização – ‘pretexto’, por exemplo, designa algo como “motivo alegado para se fazer, deixar de fazer ou explicar algo; alegação; desculpa”. Desse modo, não apresenta qualquer relação com ‘texto’ nem manifesta a noção de anterioridade”. (GONÇALVES et al., p. 15, no prelo).
Assim, em uma análise por continuum, os prefixos composicionais
aproximam-se bem mais do polo da composição do que da derivação, por
conservarem a tonicidade (critério d) e permitirem apagamento das bases quando
coordenados (critério k), propriedades inerentes aos radicais, ao passo que os
prefixos legítimos não se desviam muito do polo derivação.
Do ponto de vista semântico, parece ser mais simples estabelecer
diferenças entre prefixação e composição, uma vez que, de acordo com Basilio
120
(1989), quando o falante recorre à prefixação, pretende formar outra palavra
semanticamente relacionada com a palavra tomada por base. Por exemplo, os
prefixos legítimos in- (im-, i-), que indica “negação” (incoerente, impossível, ilegal) e
re, a noção de “repetição” (refazer, reconstruir), atribuem, invariavelmente, as
mesmas ideias a todas as bases a que se unem.
Ainda que esse tipo de relação também se verifique em formas compostas
com posição pré-estabelecida (V+S) (guarda-roupa, guarda-sol; porta-bandeira,
porta-níquel; paraquedas, para-raios etc.), bem como em derivações adverbiais X-
mente (seguramente, amavelmente), a diferença mais proeminente entre
composição e prefixação reside no aspecto semântico. Isso porque o significado das
palavras prefixadas é, sistematicamente, composicional, ou melhor, inferido pela
soma dos significados do prefixo mais a base, ao contrário do que acontece com a
maioria das palavras compostas, cujo significado se constrói, com mais frequência
do que as derivadas, por projeções metafóricas (palavra-chave, viúva-negra “um tipo
de aranha”, trem-bala) ou metonímicas (salário-mínimo, boia-fria, dedo-duro) (cf.
SANDMANN, 1989, p. 43).
Todavia, como sentidos não são estruturáveis com tanta facilidade, uma
distinção precisa entre prefixação e composição continua a desafiar a análise
morfológica das línguas naturais. A gênese dessa imprecisão, a nosso ver, reside na
definição não-consensual dos tipos de formativos envolvidos nos processos de
formação de palavras, o que, mais uma vez, vem atestar que uma classificação com
base na ideia de um continuum seria mais condizente à heterogeneidade das
operações morfológicas em português.
121
4.6 FORMAÇÕES POR RECOMPOSIÇÃO
Monteiro (2002, p. 191) considera a recomposição um tipo específico de
composição; alerta, no entanto, para uma característica fundamental dessa
operação morfológica: “trata-se de um mecanismo formador de novas palavras em
que apenas uma parte do composto passa a valer pelo todo e depois se liga a outra
base, produzindo uma nova composição”. Comparem-se as formas listadas em (29),
todas com o formativo auto- na primeira posição74:
(29) auto-didata auto-peças auto-estima auto-escola auto-imagem auto-esporte auto-atendimento auto-estrada auto-ajuda auto-rádio auto-avaliação auto-seguro auto-exame auto-shopping
Na primeira coluna de (29), o formativo auto-, oriundo do substantivo grego
autós, atualiza os significados “(de, pelo) próprio” e “(de, por) si mesmo” (CUNHA &
CINTRA, 1985, p. 113). A forma auto-móvel, apesar de mais opaca, enquadra-se
nesse grupo, pois foi criada para designar um veículo que se movimenta com motor
próprio, em oposição aos carros antigos, todos com tração animal. Na segunda
coluna, aparecem formas recompostas, já que auto- perde o significado etimológico
e passa a ser usado em referência a alguma característica relevada no domínio
“carro” (BELCHOR, 2011, p. 161). Desse modo, auto-escola é uma “escola para
condutores (de automóveis)” e auto-rádio, “um rádio para carros”.
Monteiro (2002) também faz referência ao formativo tele-, que, assim como
auto-, impulsiona o processo de recomposição. Segundo o autor, tele-fone, tele-
visão e tele-guiar não são itens recompostos, uma vez que cada componente vale
por si, mas em ‘telenovela’, “tele – significa ‘televisão’, o que já é bastante diferente” 74 Com exceção da formação “robauto” que designa um tipo de feira livre em que se comercializam, ilegalmente, peças de automóvel roubadas e/ou contrabandeadas.
122
(MONTEIRO, 2002, p. 192). O autor conclui que auto- (automóvel), tele- (televisão) e
foto- (fotografia) são os elementos morfológicos que configuram a recomposição em
português, pois carregam o significado de todo o composto do qual faziam parte.
Cabe aqui abrir um parêntese para um breve comentário acerca do
elemento tele, utilizado com muita frequência na formação de novas palavras. O
formativo tele- vem adquirindo significados cada vez mais especializados, uma vez
que pode, metonimicamente, referir-se a: (a) televisão (tele-curso; tele-conferência),
(b) telefone (tele-ajuda; tele-mensagem), e, ainda, (c) empresas de
telecomunicação75 (Telebrás; Telemar). Interessante observar que, com essa última
acepção (c), diferentemente do que acontece com as duas primeiras, o formativo
alcança estatuto de palavra e manifesta-se sempre pluralizado por meio das
seguintes expressões genéricas: as teles/teles, já que não se refere “a uma
entidade particular, mas a todos os membros de uma classe” (MOURA NEVES,
2006, p. 128).
Uma explicação plausível para o funcionamento diferenciado de teles talvez
esteja em sua suposta base, tele, que não tem livre curso na língua seja qual for o
seu conteúdo semântico. Invariavelmente flexionado em número, o substantivo
comum teles assemelha-se a nomes no plural que não apresentam “um singular
mórfico correspondente” (MATTOSO CAMARA Jr., 1999a, p. 92), como nos casos
de pêsames, núpcias, exéquias, parabéns e óculos. Em (30), listamos alguns
exemplos, encontrados na internet após uma rápida busca por meio do google, nos
quais a forma teles (em negrito) “se reporta a um conceito indecomponível, embora
fora da língua se possa entender como uma série de partes componentes”
(MATTOSO CAMARA Jr., loc. cit.), visto fazer referência muito específica a um 75 O termo telecomunicação refere-se, genericamente, a qualquer tipo de comunicação “a longa distância que abrange a transmissão, emissão ou recepção de sinais, sons ou mensagens por fio, rádio, eletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético” (HOUAISS, 2009).
123
conjunto de empresas prestadoras de serviços de telecomunicação subsidiado pelo
governo federal.
(30) “Teles serão impedidas de cobrar nova chamada telefônica quando linha cair” http://economia.estadao.com.br/noticias/economia “Teles devem estrear iPhone 5 no Brasil em 15 de dezembro” http://info.abril.com.br/noticias/blogs/trending-blog/apple “Fiscalização sobre as teles não deve gerar novas punições” http://www1.folha.uol.com.br/mercado “Lei das antenas no Rio de Janeiro estabelece prazo para as teles” http://www.institutotelecom.com.br/
Contudo, mesmo sendo empregado de modo autônomo na língua, ainda
parece prematuro considerar teles um autêntico elemento constitutivo de palavras
complexas, uma vez que aparece como tal em apenas uma expressão por nós
conhecida: teles-governo, termo utilizado pela imprensa escrita, geralmente, em
destaque, para noticiar os (des)acordos entre a ANATEL (Agência Nacional de
Telecomunicação) e as empresas gerenciadas por ela, como ilustrado, em (31), a
seguir (os grifos são nossos).
(31) “Teles-Governo: TVs pagas terão que reduzir reclamações em 35%, diz Anatel” http://www.jornalacidade.com.br/editorias/economia
“Teles-Governo: TIM está descumprindo ordem para suspender promoção, diz Anatel” http://www.ovale.com.br
“Teles-Governo: Compra da Unicel pela Nextel será decidida nesta semana pela Anatel” http://www.ovale.com.br
“Banda larga provoca guerra teles-governo” http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2510200913.htm
De volta à recomposição, para Gonçalves (2011b), nas formações
recompostas, subjaz o que pode ser denominado de compactação (zipagem), termo
124
que corresponde, em inglês, a secretion (JESPERSEN, 1925; WARREN, 1990)76:
um arqueoconstituinte, aqui entendido como um radical neoclássico, adquire, numa
relação de metonímia formal, o significado do composto de que era constituinte e
atualiza esse conteúdo especializado na combinação com novas palavras. É o que
acontece, por exemplo, como foto-, de foto-grafia, em formações como foto-
montagem e foto-novela. Nessas construções, utiliza-se foto- em referência a
fotografia, não atualizando a acepção primeira de “luz”, “radiação magnética”. Casos
mais recentes de recomposição no português contemporâneo envolvem os
formativos eco-, de ‘ecologia/ecológico’, homo-, de ‘homossexual’, e aero-, de
‘aeronave’, conforme os dados, em (32) a seguir, em que o elemento à
esquerdaveicula os significados “ecologia/ecológico”, “gay” e “avião”,
respectivamente:
(32) eco-turismo homo-fóbico aero-lula eco-casa homo-agressor aero-porto eco-via homo-estimulante aero-modelismo eco-atitude homo-violência aero-moça
Outros elementos neoclássicos que passam pelo processo de recomposição
no português contemporâneo são petro- (petro-química, petro-polo, petro-dólar),
agro- (agro-negócio, agro-indústria) e bio- (bio-combustível, bio-degradável), que
estão adquirindo, nessa ordem, os conteúdos “petróleo”, “agricultura” e “biológico”.
Cano (1998) observa que termos técnico-científicos podem migrar da
linguagem de especialidade para a língua geral, principalmente através dos meios
de comunicação em massa, o que pode resultar em mudança ou extensão de
sentido, ocorrendo o que denomina de “vulgarização lexical”. Para a autora, quando 76 Em inglês, o termo secretion remete ao ato ou ao processo de separação, elaboração e envio de substância que preencha adequadamente alguma função, motivo pelo qual traduzimos secretion por compactação.
125
o termo passa para a língua geral, pode adquirir vários outros significados que se
juntam ao significado original ou o substituem. Segundo ela, foi exatamente isso que
ocorreu com elementos eruditos como auto-, eletro- e tele-, entre tantos outros. Com
base na análise do formativo tele-, Cano (op. cit., p. 10) observa que esse elemento
passa a funcionar como pseudoprefixo, já que “não exerce a função de preposição
nem de advérbio próprias do prefixo e também não se enquadra entre os radicais
em razão da deriva semântica e da alta produtividade”.
Cano (1998, p. 10) destaca que “uma das dificuldades de adotar o conceito
de ‘pseudoprefixos’ consiste em decidir onde integrar unidades como
‘teledependência’: se na derivação ou na composição”. Acrescenta, por fim, que tais
elementos ficam à margem de qualquer classificação.
Resumindo, a recomposição é um processo morfológico que faz uso de
afixoides – elementos neoclássicos caracterizados pela compactação do significado
de um composto de que eram constituintes. No nosso entendimento, afixoides
compartilham propriedades de afixos e radicais, justificando a proposta de
continuum aqui defendida. Por exemplo, em relação ao critério posição, afixoides de
fato se assemelham a afixos, aparecendo num lugar pré-determinado na estrutura
da palavra, mais especificamente na borda esquerda, categorizando-se como
prefixoides. Até onde podemos observar, elementos neoclássicos de segunda
posição não se caracterizam, em português, pela zipagem de uma forma composta,
pois preservam, em maior ou menor proporção, o significado etimológico, a exemplo
de -metro, -dromo, -logo, -latra e -grafo, amplamente analisados em Gonçalves
(2011b).
Em relação ao parâmetro fixidez, a classe dos afixoides também não se
mostra homogênea, pois alguns são formas presas e, por isso mesmo, não
126
funcionam, isoladamente, como palavras, nem mesmo a partir do processo de
encurtamento lexical (ver seção 2.4.2). Em (33a), a seguir, listam-se os afixoides
que aparecem apenas no interior de palavras morfologicamente complexas; em
(33b), relacionam-se os afixoides que, em função do truncamento, têm estatuto
nominal, podendo ser utilizados sozinhos como comunicação suficiente, nos termos
de Bloomfield (1933). Observe-se que o volume de formas presas – que, nesse
aspecto, portanto, comportam-se como afixos – é bem maior que o de formas
potencialmente livres, que mais se assemelham a radicais:
(33) a. eco- (< ecologia, ecológico), auto- (< automóvel), tele- (< telefone,
televisão), bio- (< biologia), agro- (< agrícola), aero- (< aeronave), petro- (< petróleo), tecno- (< tecnologia, tecnológico); b. foto- (< fotografia), homo- (< homossexual), moto- (< motocicleta).
Formas morfologicamente relacionadas por recomposição são
extremamente aplicáveis em português, o que, mais uma vez, as faz parecer
afixos77. Se assumirmos que a produção em série caracteriza a derivação, mas não
necessariamente a composição (ten HACKEN, 1994; PRÉIÉ, 2008; KASTOVSKY,
2009), certamente deslocaremos os afixoides do lado direito do continuum – o dos
radicais mais prototípicos. No entanto, os constituintes de um recomposto
claramente se realizam em palavras prosódicas diferentes, a exemplo de
{[tecno]PrWd[macumba]PrWd}MWd, termo utilizado em referência ao gênero musical em
que contos de umbanda ganham versão eletrônica. Além disso, a paridade entre
forma truncada e forma plena indicia o processo de composição (GONÇALVES,
2011a), já que petro- e homo-, por exemplo, evocam “petróleo” e “homossexual”,
77 Ferreira (2011) chegou a recolher o surpreendente montante de quase 450 construções tele-X. Embora o número de formas com auto- e moto- seja menor, também chama a atenção a quantidade de recompostos com essas formas que Belchor (2011) conseguiu reunir cerca de 100 exemplares. Em Oliveira & Gonçalves (2011), foram analisadas cerca de 100 formações em eco- e 80 em homo-. Como se vê, os poucos trabalhos sobre o fenômeno mostram a alta aplicabilidade das formas examinadas.
127
nessa ordem. Por fim, afixoides são sensíveis à regra de redução de coordenação
para frente (FCR) (KENESEI, 2007). Observem-se os dados em (34): quando duas
formas são postas em paralelo, a cabeça lexical da primeira pode não se realizar.
(34) auto- e aero-modelismo tele- e auto-atendimento agro- e eco-negociação auto- e moto-montagem homo- e heterossexual auto- e moto-escola
Podemos afirmar, com base nessa descrição geral, que afixoides realmente
ostentam propriedades de radical e afixo, não se nivelando, no entanto, com
nenhuma dessas categorias, já que apresentam características próprias, que
legitimam o reconhecimento de uma classe distinta de formativos. Passemos, na
sequência, à análise das formações com fragmentos vocabulares, outro tipo de
formativo encontrado na fronteira afixo-radical.
4 FORMAÇÕES COM FRAGMENTOS VOCABULARES
De acordo com Lehrer (1998), Bauer (2005) e Chung (2009), entre outros
autores, as línguas naturais vêm formando novas unidades lexicais a partir de
fragmentos vocabulares (splinters). Em linhas gerais, fragmentos vocabulares são
partes não-morfêmicas resultantes de processos não-concatenativos de formação
de palavras, como o truncamento e o CV, utilizados com alguma recorrência na
criação de formas linguísticas. Bauer (2005) define assim esse tipo de partícula:
“...um fragmento de uma palavra usado repetidamente na formação de novas palavras. Fragmentos vocabulares surgem do processo de cruzamento vocabular [...]. Assim, -nomics em Thatchernomics é um fragmento vocabular, recorrente em Reaganomics, Rogernomics, Nixonomics, etc. Fragmentos vocabulares podem ter qualquer um destes três destinos possíveis. Podem desaparecer. Suspeito [Bauer] que isso foi o que aconteceu com -teria (um fragmento de cafeteria que teve um breve florescimento em palavras como washeteria mas agora parece ter-se tornado indisponível). Podem tornar-se afixos produtivos. Isso parece ser o que aconteceu com -nomics, referido acima, embora seja de produtividade muito
128
baixa. E, ainda, podem tornar-se palavras independentes. Isso foi o que aconteceu a burger, originalmente uma reanálise de hamburger, que aparece em beefburger e cheeseburger”. (BAUER, 2005, p. 104-105, tradução nossa)78.
À guisa de exemplificação, observe-se o CV macarronese, que denomina
“uma salada de maionese com muito macarrão”. Essa unidade lexical se forma pela
fusão das bases macarrão e maionese e apresenta a sequência -nese, que não
corresponde a nenhum constituinte morfológico em maionese, mas reaparece em
uma série de CVs que toma maionese por uma das bases, como as palavras
listadas em (35a). O mesmo ocorre com o fragmento vocabular -trocínio (<
patrocínio), com o significado geral de “patrocínio de X”, nas formas ilustradas em
(35b), a seguir.
(35) a. camaronese, ovonese, batatonese, bacalhonese etc. b. paitrocínio, mãetronício, maridotrocínio, capestrocíneo, autotrocínio etc.
No entanto, Tomaszewicz (2008) não está convencida de que séries como
as ilustradas em (35) sejam provas irrefutáveis da existência de formativos “zipados
ou compactados”. Para a autora, a compactação (do ingl. secretion), procedimento
pelo qual se cria um constituinte e com ele se constrói uma nova palavra, é um
processo anti-econômico e contra-intuitivo. Tomaszewicz (op. cit.) assevera que
econômico é, pois, mesclar palavras e considera os exemplos anteriormente listados
palavras oriundas de CV, uma vez que, como observado pela primeira vez por
Piñeros (2000, p. 17), as mesclas preservam a estrutura segmental e prosódica de
suas fontes e, provavelmente, essa propriedade faz com que surjam cada vez mais
78 “…fragment of a word used repetitively in the formation of new words. Splinters arise through the process of blending […]. Thus -nomics in Thatchernomics is a splinter, recurring in Reaganomics, Rogernomics, Nixonomics, etc. Splinters may have any one of three possible fates. They may disappear. I suspect that this is what has happened to -teria (a splinter from cafeteria which had a brief flourishing in words like washeteria but now seems to have become unavailable). They may become productive affixes. This appears to be what has happened with -nomics, cited above, although it is of very low productivity.They may become independent words. This is what has happened to burger, originally a reanalysis from hamburger which shows up in beefburger and cheeseburger”.
129
formações desse tipo nas línguas. CVs recentemente criados a partir de certas
palavras recorrentes, como os exemplificadas em (35), “sustentam o prévio
mecanismo de associação de palavras como um gatilho para a fusão morfológica.
Provas suficientes têm sido apresentadas e impulsionam a reivindicação de que CVs
geram CVs, em vez de ‘fragmentos vocabulares’ ou morfemas zipados”79
(TOMASZEWICZ, 2008, p. 378, grifos da autora), indo de encontro ao que muitos
teóricos postulam.
Opinião um tanto diferente é expressa por Adams (1973), que utiliza o termo
fragmento vocabular (splinter) para rotular pedaços de palavra remanescentes de
CVs e os descreve da seguinte forma:
“[n]ormalmente os fragmentos vocabulares são formas irregulares, isto é, partes de morfemas, mesmo em alguns casos em que não se observa nenhuma irregularidade formal; entretanto há uma relação especial de significado entre os fragmentos vocabulares e algumas palavras ‘regulares’ em que ocorrem”. (ADAMS, 1973, p. 142, grifo da autora, tradução nossa)80.
A definição da autora é valiosa no que se refere à relação entre um
fragmento vocabular e sua palavra de origem. No entanto, assim como Bauer
(2005), Adams (op. cit.) não aborda o modo como uma palavra é reduzida a
fragmento vocabular ou mais especificamente como se deve diferenciar um
fragmento vocabular de outros constituintes morfológicos, tais como as palavras
truncadas (detalhadas na seção 2.4.2), afixoides e afixos.
Do ponto de vista formal, os fragmentos vocabulares no interior dos CVs
assemelham-se a palavras truncadas, uma vez que estas são versões encurtadas
79 “…support word associativity operating as a trigger in word blending. Enough evidence has been presented to put forward a claim that blends generate blends rather than ‘splinters’or secreted morphemes”. 80 “Usually splinters are irregular in form, that is, they are parts of morphs, though in some cases there is no formal irregularity, but a special relationship of meaning between the splinter and some 'regular' word in which it occurs”.
130
de formas livres, como biju ← bijuteria e cerva ← cerveja, e aqueles também são
recortes de palavras autônomas. Contudo, formas truncadas e fragmentos
vocabulares não cumprem o mesmo papel na formação de palavras, mesmo sendo
operados por mecanismo idêntico, ou seja, por um recorte da palavra de origem.
Fragmentos vocabulares precisam combinar-se com um outro elemento a fim de
formar uma palavra, já as formas truncadas resultam de um processo “em que uma
palavra é criada pela extração de uma porção arbitrária de uma palavra mais longa e
preservação do seu significado [...]. Note-se, a propósito, que tais formações são
verdadeiras palavras e não ‘abreviaturas’”81. (TRASK, 1994, p. 21-22, grifos do
autor, tradução nossa).
O ponto a ser destacado na definição de Trask (op. cit.) é que o produto final
do processo de truncamento é “uma palavra”, e essa parece ser a diferença crucial
entre as formas truncadas e os fragmentos vocabulares propriamente ditos.
Acrescente-se o fato de que a “forma truncada e a palavra-matriz devem ser
semântica e pragmaticamente intercambiáveis, ou seja, uma forma pode ser
substituída pela outra sem que haja perda de sentido” (ARAÚJO, 2002, p. 67).
Ainda que se tenha notícias de casos controversos, como o de
pseudotruncamentos, nos termos de Araújo (op. cit.), a exemplo de info ←
informação, informática; deprê ← deprimida(o), depressão; cujas palavras-fonte só
podem ser rastreadas a partir do contexto em que estão inseridas; de um modo
geral, truncamentos são autônomos, formas livres; fragmentos vocabulares são
formas presas, pois só podem ser usados quando conectados a uma outra forma
(presa ou livre).
Parte da confusão em torno da distinção entre formas truncadas e 81 “...the process of CLIPPING [is one] in which a word is created by extracting an arbitrary portion of a longer word of identical meaning... Note, by the way, that such formations are true words; they are not ‘abbreviations’.
131
fragmentos vocabulares pode ter origem no fato de os linguistas costumarem usar
os termos como sinônimos (cf. ALGEO, 1977, p. 50; BAUER, 1998, p. 408). Isso
porque ambos os elementos são gerados a partir de um mecanismo, “...pelo qual um
lexema (simples ou complexo) é encurtado, mantendo o mesmo significado e
permanecendo na mesma classe”82 (BAUER, 1983, p. 233, tradução nossa).
Ademais, nem formas truncadas nem fragmentos vocabulares têm de ser
foneticamente idênticos às suas partes correspondentes na palavra de origem, mas
podem ter uma aproximação fônica, como, por exemplo, fax ← telefac-símile.
Diferentemente das palavras truncadas, o recorte dos fragmentos
vocabulares ocorre de modo regular: o pé métrico nuclear da palavra-alvo é
rastreado e isolado, e, uma vez sendo uma sequência fonológica sem concorrente
na língua, passará a ser expressão formal do fragmento vocabular, caso contrário,
tal sequência é descartada e o fragmento vocabular tomará a forma do pé
secundário, a exemplo de caipi- (< caipirinha) e lamba- (< lambada). Um fragmento
vocabular identifica-se, portanto, com a estrutura silábica e com os segmentos
constituintes do pé métrico (o nuclear, mais raramente, o secundário) da base-alvo.
Em suma, via de regra, os fragmentos vocabulares admitem escansão de pés
binários com cabeça à esquerda, ou seja, troqueus silábicos: -drasta, -nese, -neja,
-burguer, -ranha, choco-, tele-, tecno-, caipi-, lamba-, à exceção do monossilábico -lé
(< picolé) .
Embora palavras truncadas e fragmentos vocabulares tenham estruturas e
funções diferentes, Danks (2003, p. 29, tradução nossa) defende que “fragmentos
vocabulares podem tornar-se truncamentos”, mas também sugere que isso “só
82 “...the process whereby a lexeme (simplex or complex) is shortened, while still retaining the same meaning and still being a member of the same form class”.
132
ocorre depois de se tornarem afixos produtivos”83. Segundo a autora, um fragmento
vocabular, por aparecer em variadas formas novas, uma vez que é parte de palavras
muito utilizadas ou, mais frequentemente, devido à combinação desses dois fatores,
pode ser reclassificado como afixo e, mais tarde, devido à frequência de uso, como
forma truncada.
Danks (op. cit, p. 57) exemplifica isso com a sequência burger, que,
inicialmente, era um fragmento vocabular de hamburger, mas pelo uso frequente de
formas como beefburger, chickenburger e cheeseburger, ao longo do tempo, passou
a ser empregado de modo autônomo, à semelhança de uma forma truncada, o que
de maneira alguma o isenta de ser ligado a outras formas. Consequentemente, as
palavras beefburger e cheeseburger, que antes eram CVs, no momento da
formação, passaram a ser classificadas sincronicamente como compostos, já que
combinam duas formas livres.
De modo análogo, quando essa mudança de uso acontece aos fragmentos
vocabulares que se tornam afixos, as palavras que antes eram categorizadas como
CVs, porque continham um fragmento vocabular, são reclassificadas como
derivações. Portanto,
“os CVs desempenham um importante papel no desenvolvimento de novos afixos. Um fragmento vocabular, percebido ou não como parte de uma palavra mesclada, se reinterpretado pelos ouvintes/leitores como um afixo, pode estar em vias de se tornar um novo e produtivo afixo. O principal processo que deu origem a vários morfemas, entre eles, -burger, -cade, -mat, -rama, -tel, -teria, -(a)thon, bem como ao morfema livre burger, foi o CV”. (CANNON, 1986, p. 734, tradução nossa)84.
83 “…that splinters can become clips, but it is also suggested that this happens only after they have become productive affixes first”. 84 “...blends have a role in developing new affixes. Whether or not one perceives one's creation as a blend, if a splinter of that creation is not already an affix and if hearers/readers reinterpret the splinter as an affix, it may be on the way toward becoming a new affix, which might become productive. Blending was the original, principal process in developing -burger, -cade, -mat, -rama, -tel, -teria, -(a)thon, and other morphemes, as well as burger as a free morpheme”.
133
Seguindo essa mesma linha, Quinion (1996) declara que o processo de CV
pode dar origem a novos prefixos e sufixos, o que afeta sobremaneira a
classificação de criações posteriores, e adiciona muitos outros elementos à lista de
afixos da língua inglesa, a exemplo de info- e -gate.
Admitindo-se, então, que fragmentos vocabulares podem tornar-se afixos,
fragmentos vocabulares como -drasta(o), -trocínio, -nese, por exemplo, podem estar
em plena fase de transição, uma vez que se assemelham a sufixos, pelo fato de não
terem autonomia discursiva, realizarem palavras morfológicas complexas sob um
único acento e fixarem-se na borda direita da palavra formada. Por tudo isso, quem
sabe, seja possível incluí-los no inventário fechado dos morfemas derivacionais.
Como se pode observar em (36), são mais comuns, em português, fragmentos
vocabulares finais:
(36) fragmentos vocabulares iniciais: caipi- (< caipirinha), fran- (< frango), choco- (< chocolate), euro- (< Europa; europeu), info- (< informática; informação), lamba- (< lambada); fragmentos vocabulares finais: -nese (< maionese), -trocínio (< patrocínio), -drasta (< madrasta), -lé (< picolé), -tone (< panetone), -ranha (< piranha), -neja (< (música) sertaneja), -lândia (< Disneylândia), -asta (< cineasta). Bauer (2005, p. 105) assim se posiciona em relação aos fragmentos
vocabulares: “uma vez que fragmentos vocabulares podem transformar-se em afixos
ou palavras, parece que temos uma situação em que não está claro se as novas
formas serão derivadas ou compostas”85 (tradução nossa). De fato, as formações
com fragmentos vocabulares não podem ser consideradas composições
prototípicas, dadas as características acima mencionadas. No entanto, a vinculação
a palavras, por evocação às formas de onde partiram, nos cruzamentos vocabulares
(sogradrasta “madrasta do cônjuge”) ou nos encurtamentos lexicais (info-peças
85 “…since splinters may turn into affixes or words, we appear to have a situation where it is not clear whether new forms using the splinter will be derivatives or compounds”.
134
“peças de informática”), a baixa aplicabilidade e, sobretudo, a capacidade de esses
fragmentos se co-anexarem afastam a possibilidade de analisá-los como afixos,
conforme os exemplos em (37):
(37) caipi-lé (“picolé de caipirinha”) choco-tone (“panetone de chocolate”) choco-lândia (“lugar de venda de chocolates”) euro-trocínio (“patrocínio dos países europeus”)
Tem-se, com os fragmentos vocabulares, mais uma evidência de que a
distinção afixo-radical não é discreta. Antes de passarmos à próxima categoria
selecionada para análise, os chamados xenoconstituintes, cabe enfatizar a diferença
entre fragmentos vocabulares e afixoides, de modo a detalhar o termo genérico
forma combinatória, amplamente utilizado em referência a esses dois tipos de
constituintes: afixoides são elementos morfológicos que experimentam novos usos,
diferindo, portanto, de fragmentos vocabulares, cujo estatuto morfológico sem dúvida
alguma é mais questionável, já que são porções não-significativas reinterpretadas
como formativos em função da recorrência. Além disso, como mostra Gonçalves
(2011a), formas morfologicamente relacionadas por recomposição são bem mais
numerosas na língua que palavras envolvendo fragmentos vocabulares.
4.8 FORMAÇÕES COM XENOCONSTITUINTES
O termo xenoconstituinte, cunhado por Gonçalves & Almeida (2012), rotula
partes de palavras que não correspondem a radicais neoclássicos, como homo- e
eco-, nem a partes de palavras combinadas entre si (choco-tone) ou com outras
palavras (tia-drasta; mãe-trocínio). Para os autores, xenoconstituinte é um fragmento
vocabular sem correspondente com arqueoconstituinte (radical neoclássico) ou
fragmento vocabular vernáculos. Tomemos como exemplo a palavra inglesa pit-bul,
135
que designa uma espécie canina. Como essa raça protagonizou vários ataques a
pessoas ou a outros cães, associou-se, por metonímia, a “agressividade, violência,
ferocidade”. De acordo com Gonçalves & Almeida (2012, p. 112), “essa fonte, com
seu contexto, serviu de modelo para a construção de palavras que começaram a
circular na língua, como ‘pit-boy’ (rapaz normalmente fortinho, que gera briga em
boates)”.
Em relação a pit- e a outros elementos emprestados do inglês nas últimas
décadas, um fato interessante é a combinação com itens nativos, na formação de
inúmeras palavras novas em português. No caso de pit-, o elemento passou a
designar, nas construções morfológicas em que se fixou à esquerda (em
conformidade com o modelo, pit-bull), “agressivo, violento, feroz”, como pode ser
visto nos exemplos em (38), a seguir:
(38) pit-babá pit-pai pit-bicha pit-bebê pit-sogra pit-namorado
Nesses mesmos moldes, um formativo do inglês bem difundido em
português é -gate, cujo comportamento assemelha-se ao de -burger, ou seja, uma
reinterpretação do segundo constituinte de um provável composto, convertido em
semi-palavra ou fragmento vocabular final. Assim como burger se tornou um item
lexical, o mesmo pode estar acontecendo com gate, no sentido de “escândalo
político”, como atestam os seguintes exemplos, em (39), extraídos de Gonçalves
(2011a):
(39)
a. Banheiro gate: escândalo vergonhoso para os aldeenses. A presidência da Câmara Municipal resolveu quebrar a parede de vários gabinetes para juntá-los, diminuindo o número de 15 para 10 unidades, dotar esses gabinetes de um banheiro privativo com chuveiro para os vereadores.
136
b. Foram vários, mas o caso mais vergonhoso foi o Piquet-gate. A fórmula 1 infelizmente é marcada por corrupção. c. O escândalo, apelidado de “Panetone Gate”, caiu na graça de blogueiros, redes sociais e sites de protestos. Também pudera: maconha em panetone [...].
d. A Justiça os considera envolvidos no “escândalo da maleta“, também ironicamente chamado de Maleta-gate.
Os e-termos, como e-professor (“professor virtual”) e e-pipoca (“cinema pela
internet”), são também xenoconstituintes empregados nas estruturas morfológicas
do português. As formas com e- por vários motivos se aproximam dos prefixos: (a)
atuam como formas presas, (b) antepõem-se às bases, sem alterar a classe
gramatical do produto e (c) são elementos secundários, subordinados ao núcleo na
estrutura DT-DM (determinante – determinado).
Assim, do ponto de vista formal, o xenoconstituinte e- associa-se ao padrão
de prefixação em português, pois é categorialmente neutro, formando palavras
complexas cuja classe gramatical é idêntica à da forma à direita, a cabeça lexical.
Entretanto, manifesta um conteúdo menos gramatical e caracteriza-se por menor
grau de previsibilidade semântica, já que podem ser focalizados diferentes aspectos
da informação veiculada em meio eletrônico (GONÇALVES & ALMEIDA, 2012, p.
121). Essas diferenças e semelhanças justificam a presença desses formativos em
um continuum afixo-radical.
4.9 PROPOSTA DE UM CONTINUUM DE FORMATIVOS
Os processos de formação de palavras não se valem tão somente de afixos
e radicais (sejam estes neoclássicos, presos ou livres), mas também de outros
elementos morfológicos (fragmentos vocabulares, xenoconstituintes e afixoides), os
quais devem ser incluídos no continuum proposto em (21), figura 2, redimensionado
137
em (40), figura 3, a seguir, uma vez que (a) possuem comportamento específico e
não podem ser categorizados, sem ressalvas, nem como afixos nem como radicais e
(b) portam conteúdo que varia em densidade semântica.
Cabe ressaltar, lembrando Bauer (2005), que elementos que já foram afixos
podem assumir, ainda que raramente, estatuto de palavra. Em contrapartida, partes
de palavras, desprovidas de estatuto morfológico, podem ser promovidas, com
relativa frequência, a afixos (DANKS, 2003; FANDRYCH, 2008). Portanto, a
mudança morfológica constitui evidência empírica em favor de um continuum de
formativos, como na figura 3, em que as fronteiras são mais permeáveis:
(40)
afixos formas combinatórias preso livre
radicais
Figura 3 – Continuum afixo-radical ampliado
O esquema a seguir, em (41), é uma tentativa de delinear, da melhor forma
possível, os constituintes passíveis de figurar entre os pontos salientes do continuum
proposto (figura 3), uma vez que, como argumentado ao longo de todo este trabalho,
grande parte desses elementos, denominados, de modo genérico, de afixos, formas
combinatórias e radicais, oferece problemas para uma demarcação nítida e definitiva
de fronteiras entre os processos de formação de palavras morfologicamente
complexas em que atua.
138
(41)
Sufixo coerente Sufixos
Sufixo não-coerente Afixos
Prefixo legítimo Prefixos
Prefixo composicional Fragmento Vocabular Final
Fragmentos Vocabulares
Fragmento Vocabular Inicial
Formas Combinatórias Xenoconstituintes
Sufixoide Afixoides Prefixoide
Radicais neoclássicos
Radical Preso - Radicais Radical Livre
Acreditamos que, ao lado da configuração do continuum afixo-radical (figura
3), seja possível projetar uma trajetória de lexicalização, ou melhor, um movimento
contínuo intralexical, do léxico para o léxico, de itens complexos cujos processos de
formação ocupam uma posição relativa, como representado a seguir, em (42), figura
4, visto que a indicação exata da operação morfológica pela qual uma dada palavra
complexa se estrutura está condicionada sobretudo ao caráter de fixidez (ser livre ou
preso) que o constituinte envolvido no processo pode assumir. Em função disso,
argumentamos que, nessa trajetória de lexicalização das palavras morfologicamente
complexas, a questão da maleabilidade fronteiriça entre composição e derivação,
139
englobando outros mecanismos de formação lexical intermédios, gira tão-somente
em torno dos constituintes morfológicos aos quais é difícil ou impossível atribuir uma
categorização precisa. Portanto, nas palavras de Bauer (2005, p. 107, tradução
nossa),
“não é a distinção entre derivação e composição ‒ definidas em termos de palavras versus afixos obrigatoriamente presos que está em jogo. É o fato de que os itens, na evolução da língua, podem não manter o seu status de independente (ou de dependente). Há prefixos e segundos elementos de compostos que estão se tornando afixos, bem como alguns morfemas únicos (palavras monomorfêmicas), em processo de perda de independência [...]; fragmentos vocabulares e afixos que estão ascendendo à categoria de palavra podem estar em processo de conquista de independência. Nada disso ameaça a distinção entre derivação e composição: a possibilidade de independência dos itens que é preeminente”86.
(42)
Lexicalização L É X Derivação Cruzamento Vocabular Composição I Prototípica Composição Neoclássica Prototípica C Recomposição O
Figura 4 – Continuun de formação de palavras morfologicamente complexas
Neste capítulo, abordamos a difusa categorização de novos constituintes
morfológicos, que, em nossa opinião, desafiam, sobremaneira, a interpretação
tradicional do fenômeno da criação lexical. Contra algumas propostas anteriores,
que inserem os fragmentos vocabulares e os afixoides em um grupo genérico
denominado de formas combinatórias, propomos, seguindo Kastovsky (2009), uma
86 “…is not the distinction between derivation and compounding – as defined in terms of words versus obligatorily bound affixes that is fine. It is the fact that items may fail to maintain an independent (or a lack of independent) status historically. Prefixes and second-elements of compounds that are becoming affixes as well as some unique morphs are in the process of losing independence […]; splinters and affixes up-grading to words may be in the process of gaining independence. None of this threatens the distinction between derivation and compounding: it is the declaration of independence which is vital”.
140
separação desses elementos, tendo em vista que, além de diferentes em vários
aspectos, exibem mais/menos características de radicais ou afixos, localizando-se
em diferentes pontos do continuum proposto. Tais formativos não são, portanto,
marginais, embora apresentem diferentes graus de aplicabilidade, sendo afixoides e
xenoconstituintes bem mais produtivos que outros tipos de fragmentos vocabulares.
Ao detalharmos o rótulo genérico forma combinatória, subdividindo-o em
fragmentos vocabulares (incluindo os xenoconstituintes) e afixoides, atingimos uma
melhor compreensão sobre esses elementos morfológicos, que, como
demonstramos, têm características próprias e diferenças consideráveis em relação
aos vários critérios empíricos utilizados para distinguir afixos de radicais. Em nossa
proposta, esses neoconstituintes apresentam características semânticas e formais
peculiares, refletindo, consequentemente, o processo pelo qual novas palavras são
formadas.
Por fim, temos observado que o surgimento de fragmentos vocabulares
propriamente ditos e de e-termos, na maior parte das vezes, está correlacionado à
criação de palavras relativas, nesta ordem, à culinária e à internet, domínios
conceptuais frequentemente atualizados com noções evocadas pelo cotidiano do
falante, o que mais uma vez vem provar que a necessidade de designar novos
referentes impulsiona não só a criação de palavras mas também a de itens
gramaticais. Contudo, essa é uma questão que ultrapassa os limites deste estudo e
pretendemos abordá-la em pesquisas futuras.
5 CONCLUSÃO
O objetivo central desta pesquisa foi o de ampliar o continuum afixo-radical
proposto por Ralli (2007) e Baker (2000), bem como o de adaptá-lo à língua
portuguesa. Para tanto, lançamos mão de critérios distintivos que nos auxiliassem a
comprovar o caráter difuso de formativos envolvidos em processos de formação de
itens morfologicamente complexos, como nos casos da derivação em -mente e
-z(inho), da prefixação e da composição com elementos que funcionam tanto como
forma presa quanto livre.
Dada a dificuldade que tem sido definir a noção de palavra, não é
surpreendente que haja dificuldade em estabelecer limites precisos entre a
composição e a derivação. Elementos que não se ajustam perfeitamente na
categoria de palavra nem de afixo, consequentemente, de igual modo, não se
encaixam bem na categoria de possível elemento composicional nem derivacional,
sustentando a nossa hipótese de que a descrição de tais processos nos moldes de
um continuum seria mais adequada à riqueza morfológica da língua portuguesa.
Como ressalta Bauer (2005), a oscilação categorial inerente a determinados
formativos decorre do fato de que, por um lado, muitos radicais, antes exemplares
de formas presas, e, mais raramente, de afixos, adquirem estatuto de palavra, sendo
possível empregá-los como formas de livre curso; por outro lado, de acordo com
Danks (2003) e Fandrych (2008), fragmentos vocabulares, desprovidos de estatuto
morfológico, são promovidos, com relativa frequência, a afixos. O comportamento
desses elementos revela que são alvos constantes de processos graduais de
mudança linguística, pois nem sempre conservam seu estatuto original, devido às
variações de uso observadas em sucessivas sincronias, o que altera, sobremaneira,
o arranjo das unidades constitutivas disponíveis para a formação de novas palavras.
142
No curso evolutivo das línguas, verifica-se a atuação de diferentes
fenômenos relacionados à variação e à mudança linguísticas, tais como a
gramaticalização e a lexicalização, em que “os elementos envolvidos sofrem fusão
fonética, perda de sentido e de composicionalidade” (MARTELOTTA, 2011, p. 91).
Talvez seja esse o caso de itens morfológicos que deixam de pertencer unicamente
a uma categoria gramatical, ao desempenharem outras funções mais gramaticais,
dando mostras do mecanismo de gramaticalização que experimentam, a exemplo
dos radicais neoclássicos dromo, logo, grafo, metro e latra, que passam a funcionar
como sufixos (GONÇALVES, no prelo).
O uso de um afixo como palavra também fornece evidências da mudança
linguística. Como vimos, vários exemplos são encontrados em português, dentre
eles, as nominalizações de prefixos (ex-, contra-, pró-) e sufixos (-ista, -ismo), que
podem funcionar como um substantivo, demonstrando que alguns elementos, antes
categorizados como afixos, podem transformar-se em lexemas independentes
(BOOIJ, 2002). A possibilidade de emprego de formas presas, em particular,
daquelas que projetam uma palavra prosódica, em formas livres torna ainda mais
nebulosa a fronteira entre a composição e a derivação.
Como a maioria dos prefixos se originou de advérbios e preposições,
verificamos a continuada tendência da língua de empregá-los como elementos
prefixais, a exemplo de não e sem, fato que ratifica a falta de precisão em classificar
como compostas ou derivacionais as palavras constituídas por esses formativos.
Discutimos também a condição de formativo dos fragmentos vocabulares
que, afora sua atuação como parte integrante de CVs motivados por analogia, pela
força do uso e recorrência de significado, podem ser alçados à condição de
constituinte morfológico e, sem restrições, serem reconhecidos como neoafixos no
143
português do Brasil. Quem sabe, em futuro próximo, novas análises não possam
constatar o uso sistemático, já por nós identificado seminalmente, de fragmentos
vocabulares como forma de livre curso, a exemplo do que ocorreu, em inglês, com
burger, encerrando, assim, uma trajetória de lexicalização daquilo que faz bem
pouco tempo representava apenas uma sequência sonora desprovida de significado
próprio. (RONDININI & ANDRADE, no prelo).
Os processos de mudança, pelos quais os formativos passam, corroboram,
indiscutivelmente, a nossa tese de que composição e derivação não devem ser
vistas como dois mecanismos morfológicos completamente diferentes, em oposição
ao que defende Anderson (1992), mas dispostos em uma escala gradual em cujas
extremidades situam-se os representantes prototípicos de cada operação.
Por tudo isso, uma classificação nos moldes aristotélicos, feita com base no
tudo-ou-nada, não consegue acolher uma gama variada de formativos envolvidos na
criação de palavras em português, uma vez que pressupõe que as categorias (a)
são definidas por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, (b) têm
fronteiras claramente definíveis e (c) são constituídas por membros com idêntico
estatuto.
Em contrapartida, uma abordagem por protótipos, como a defendida aqui,
assume que (a) as categorias não têm fronteiras claramente demarcadas e, por isso
mesmo, podem mudar com o decorrer do tempo e (b) nem todos os representantes
de uma dada classe têm idêntico estatuto: alguns são mais centrais e outros, mais
radiais. Portanto, a categorização com base em protótipos e por meio de continuum
se mostra mais condizente com a heterogeneidade tipológica do sistema de
formação de palavras do português, uma vez que as fronteiras entre os vários tipos
de formativos não são tão nítidas e alguns elementos se encaixam numa categoria
144
com mais precisão que outros, reforçando, sobremaneira, um tratamento voltado à
perspectivização dos fenômenos morfológicos ora estudados.
A título de conclusão, numa tentativa de resumir os nossos propósitos com
toda a discussão elaborada ao longo deste trabalho, transcrevemos, a seguir, um
singelo texto, que nos foi apresentado pelo professor Carlos Alexandre Gonçalves,
em suas frutíferas aulas de Morfologia:
Apólogo dos dois escudos Conhecem o apólogo do escudo de ouro e de prata? Eu lho conto. No tempo da cavalaria andante, dois cavaleiros armados de ponto em branco (= com cuidado, com esmero, completamente), tendo vindo de partes opostas, encontraram-se numa encruzilhada em cujo vértice se via erecta uma estátua da Vitória, a qual empunhava numa das mãos uma lança, enquanto a outra segurava um escudo. Como tivessem estacado, cada um de seu lado, exclamaram ao mesmo tempo: - Que rico escudo de ouro! - Que rico escudo de prata! - Como de prata? Não vê que é de ouro'? - Como de ouro? Não vê que é de prata? - O cavaleiro é cego. - O cavaleiro é que nâo tem olhos. Palavra puxa palavra, ei-los que arremetem um contra o outro, em combate singular, até caírem gravemente feridos. Nisto passa um dervis, que depois de os pensar com toda a caridade, inquire deles o motivo da contenda. - É que o cavaleiro afirma que aquele escudo é de ouro. - É que o cavaleiro afirma que aquele escudo é de prata. - Pois, meus irmãos, observou o daroês, ambos tendes razão e nenhum a tendes. Todo esse sangue se teria poupado, se cada um de vós se tivesse dado ao incômodo de passar um momento ao lado oposto. De ora em diante nunca mais entreis em pendência sem haverdes considerado todas as faces da questão.
José Júlio da Silva Ramos (apud FIORIN, 1997, p. 15)
145
Portanto, que tomemos sempre a posição de dervis em nossas
investigações linguísticas!
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