Leandro Huryn
Pronomes Anafóricos na Gramática Categorial
Leandro Huryn
Curitiba, setembro de 2012
1
Leandro Huryn
Pronomes Anafóricos na Gramática Categorial
Leandro Huryn
Monografia apresentada ao curso de
Letras da Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Bacharel em
Letras - Português
Orientador: Luiz Arthur Pagani
Curitiba, setembro de 2012
2
Leandro Huryn
Sumário
Resumo................................................................................................................5
Abstract...............................................................................................................6
1.Introdução.......................................................................................................7
2.A Gramática Categorial.................................................................................10
2.1.Tipos lógicos, categorias e o cálculo de Lambek....................................11
2.2.Regras de dedução natural.....................................................................20
3.Os pronomes nas gramáticas categoriais......................................................25
4.O fenômeno anafórico....................................................................................29
5.Polimorfismo e determinantes.......................................................................33
6.Análises pronominais.....................................................................................38
6.1.Pronomes pessoais..................................................................................38
6.2.Pronomes reflexivos................................................................................44
6.3.Tipo lógico dos pronomes.......................................................................47
7.Conclusão......................................................................................................50
8.Referências Bibliográficas.............................................................................52
4
Leandro Huryn
Resumo
Este trabalho tem o objetivo de demonstrar, através de análises
baseadas em Gramáticas Categoriais de Lógica de Tipo, como se vinculam os
termos anafóricos, especificamente pronomes pessoais de terceira pessoa e
pronomes reflexivos, com os respectivos sintagmas nominais a que fariam
referência dentro de sentenças. Para tornar mais clara as questões de vínculo,
as derivações terão ambiente favorecido pelo uso de sentenças relativas,
especialmente no caso dos pronomes pessoais de terceira pessoa.
Serão abordadas algumas das tentativas de retomar anáforas em teorias
afins, bem como a capacidade e as restrições inerentes a cada uma.
Finalmente, serão discutidos os resultados obtidos através da atribuição
da capacidade anafórica como competência sintática, e os pressupostos de
determinar tal função com a introdução de um operador específico para este
fim.
Resumo 5
Leandro Huryn
Abstract
This present study aims to demonstrate, by analysis based on Type-
Logical Grammars, the way of anaphorical binding, specifically third-person and
reflexives pronouns, keeps reference with their nouns. To clarify bindings issues,
relative sentences may use on these derivations, especially in their cases of
personals pronouns.
Some attempts in related theories, as well the reach and the constrains
inherent to each one.
Finally, the results obtained by assigning of the anaphora competence to
syntax will be discussed, likewise the involved assumptions by an introduction
of a specific operator for this purpose.
Abstract 6
Leandro Huryn
1. Introdução
É muito comum, em várias abordagens gramaticais, a definir um
pronome como palavra ou expressão que representa um nome, prévio no
discurso, que estaria sendo retomado dentro das sentenças. Exemplos
extraídos de algumas gramáticas tradicionais trazem por definição: “Pronome é
a palavra que substitui o substantivo ou acompanha o substantivo. Quando
acompanha o substantivo, determina-o no espaço ou no contexto” (FARACO &
MOURA, 2003, p. 283); “Pronome é a palavra que representa um substantivo ou
o acompanha, determinado-lhe a extensão do significado, ou faz referência a
todo um sintagma anterior” (MAIA, 2008, p. 267). A Nomenclatura Gramatical
Brasileira (NGB), antes de apresentar uma definição que tente explicar o
funcionamento dos pronomes dentro da língua, traz uma lista de palavras,
subdivididas em: pronomes pessoais, possessivos, de quantificação indefinida e
relativizadores. Este, contudo, é apenas um dos modos de categorização,
escolhido pela academia brasileira, e não apresenta sequer a unanimidade em
diferentes línguas. Em outras línguas românicas, por exemplo, apenas os
pronomes pessoais seriam definidos assim, cabendo aos outros a categoria de
adjetivos.
Diferentemente de definições por listagem, uma caracterização que leve
em conta aspectos funcionais dos pronomes possui basicamente duas
características: a de determinação das pessoas envolvidas no discurso,
chamada de dêitica ou exofórica, e são atribuídas aos pronomes de primeira e
segunda pessoas; e a de representação de elementos externos e anteriores no
discurso, chamada endofórica, características dos pronomes de terceira pessoa.
Esta última possui características de indexação, e, conforme Ilari & Neves
(2008, p. 519), "eles sempre 'lançam', no ponto do texto em que são utilizados,
um conjunto de indivíduos que foi delimitado (e eventualmente descrito) em
algum outro lugar". Neste trabalho serão estudados pronomes com estas
características, ou seja, endofóricos e de terceira pessoa.
Em se tratando de derivações baseadas em semântica de tipos, tal
atribuição ao pronome, sendo este interpretado sem referência fixada através
1.Introdução 7
Leandro Huryn
do léxico, estaria de acordo com uma hipótese de variabilidade. Mais
especificamente, as análises que tomam um modelo de Gramática Categorial
de Lógica de Tipo, que prevê aplicações lógico-matemáticas para a definição
das categorias lexicais, ainda caracterizam o item pronominal através de um
princípio de indexação, com função específica de retomar termos nominais
através de mecanismos de recuperação anafórica, justamente por meio dessas
variáveis vinculadas.
No desenvolvimento das teorias sobre gramática categoriais durante o
século XX, especificamente a partir dos textos de Adjukiewicz, de Bar-Hilel e de
Lambek, as questões semânticas ganham, além da aproximação com a lógica
filosófica, prevista a partir dos textos de Frege (principalmente em seu “Sobre o
Sentido e a Referência”, de 1892), aspectos reconhecíveis estreitamente com a
lógica matemática. As sentenças seriam compostas de relações entre os
constituintes (levianamente falando: palavras), e comporiam, por meio de
processos de concatenação, relações semelhantes a operações matemáticas;
além de considerar aspectos aritméticos fundamentais provenientes da teoria
de conjuntos na relação entre a propriedade de algumas classes de palavras.
Este trabalho pretende demonstrar, através de análises categoriais por
meio do sistema notacional proposto por Lambek, como se comportam os
pronomes a respeito dessa retomada anafórica.
Serão realizados paralelos entre as soluções encontradas dentro da
literatura sobre o assunto, mais precisamente com a atribuição de caráter
sintático, através do emprego de conectivos para este fim.
Será apresentado um breve histórico dos estudos categoriais, e como
eles foram desenvolvidos durante este período. Na sequência, serão
apresentadas as Categorias e os Tipos Lógicos, e as atribuições do cálculo de
Lambek. Será dedicada uma sessão para as regras de eliminação e de
introdução, a partir dos esquemas da Dedução Natural. Oportunamente, a
escolha deste sistema pretende aproximar o levantamento de hipóteses nas
sentenças às questões anafóricas.
Um ponto fundamental para o desenvolvimento deste trabalho consiste
na apresentação dos conectivos empregados na literatura sobre os pronomes
1.Introdução 8
Leandro Huryn
nas Gramáticas Categoriais e a escolha do viés metodológico empregado nas
derivações, especialmente baseadas no trabalho proposto por Gerhard Jäger,
em seu livro Anaphora and type logical grammar. Finalmente, serão
apresentadas algumas sentenças em que há a ocorrência da indexação
anafórica pelos itens pronominais nas derivações, bem como a análise da
recuperação semântica envolvida neste processo, além da distinção entre
pronomes pessoais e reflexivos.
Com tudo isto há a pretensão de fornecer, através de um
desenvolvimento que se insere nas teorias contemporâneas sobre o assunto,
perspectivas e paradigmas que circundam as teorias lógico-semânticas, bem
como os problemas acarretados para uma teoria estritamente lexicalista, em
exemplos extraídos do português brasileiro.
1.Introdução 9
Leandro Huryn
2. A Gramática Categorial
A Gramática Categorial se define por um método de análise linguística
que relaciona as estruturas de sentenças nas línguas naturais a modelos
lógicos, em uma linguagem abstrata, através da concatenação de palavras em
sentenças. Este modelo matemático de dedução estaria codificado no léxico, e,
desta forma, a organização da sintaxe e da semântica torna-se indissociável. Os
processos de aglutinação de itens ocorrem quando um funtor opera sobre um
argumento obtendo novas construções, novos funtores ou argumentos, através
de construções admitidas nas propriedades inerentes a cada item. Em outras
palavras, cada item lexical carrega em si também as formas de concatenação
com outros itens, e assim todas as informações necessárias para a organização
das sentenças estariam presentes na realização das sentenças propriamente
ditas, não havendo estruturas secundárias ou profundas, nem esquemas que
tomam outras construções além das próprias palavras envolvidas na realização
das sentenças.
O precursor de todo o ideal contido nas gramáticas categoriais foi
Gottlob Frege, através do princípio conhecido como Princípio de Frege. Neste, as
relações entre sintaxe e semântica, no mesmo modo como as relações entre
constituintes, são composicionais. Destarte, a expressão seria sempre
entendida a partir destes pontos de vista sintático e semântico. Em uma análise
fregeana, o significado das palavras é definido como termos do significado das
sentenças em que ocorrem.
A partir da influência de Frege aliada à Teoria de Tipos, proposta por
Bertrand Russel no período entre-guerras, a Gramática Categorial é
desenvolvida por matemáticos poloneses, especialmente na proposta de
Kazimierz Ajdukiewicz, em 1935, pelo texto chamado "Die syntaktische
Konnexität" (a conexidade sintática). Embora se trate de um sistema ainda
muito primitivo, muitas das propostas de Ajdukiewicz, como as categorias
básicas, s (sentença) e n (nome), além dos sucessivos cancelamentos entre
categorias argumentais e funtoras, ainda são princípios para todas as
Gramáticas Categorias.
2.A Gramática Categorial 10
Leandro Huryn
Com o trabalho apresentado pelo lógico israelense Yehoshua Bar-Hillel,
em 1953, intitulado "A quasi-arithmetical notation for syntatic description"
(uma notação quase aritmética para a descrição sintática), houve a introdução
de conectivos bidirecionais, em que a especificidade da posição relativa dos
argumentos seria determinada pela direção de sua barra. Do pioneirismo das
propostas de Bar-Hillel provém a fonte de todo o trabalho desenvolvido nas
Gramáticas Categoriais ao longo dos últimos 30 anos, e de onde, resguardadas
as anacronias e as limitações para a época, residiria toda a base para
sofisticação que existe no que hoje são as conhecidas Gramáticas de Lógica de
Tipo. O próprio sistema denominado A/B faz referência tanto a Ajdukiewicz
quanto a Bar-Hillel, os precursores dos primeiros estudos detalhados sobre
sintaxe e semântica nas línguas naturais sob a perspectiva categorial.
2.1. Tipos lógicos, categorias e o cálculo de Lambek
A linguagem de tipos, originalemente desenvolvida por Russell para
evitar alguns dos paradoxos que desqualificavam a teoria de conjuntos no início
do século XX, e que interpunham barreiras ao desenvolvimento da lógica
àquela época, é um dos fundamentos da lógica semântica moderna. Segundo
esta teoria, toda função proposicional possui um contra-domínio de significação
definido pelo conjunto de objetos a que são aplicadas tais funções. O conjunto
destes objetos são os tipos, distribuídos, conforme seu grau de elementaridade,
como: indivíduos, classes de indivíduos, classes de classes de indivíduos etc.
Observada a característica fundamental de recursividade, é definido o conjunto
dos tipos lógicos:
1. e é um tipo
2. t é um tipo
3. Se α e β são tipos, <α,β> é um tipo
Desta forma, é possível contemplar um conjunto infinito de tipos lógicos,
tendo como associações possíveis: o tipo e, que corresponde aos indivíduos
(um sintagma nominal), o tipo t, que corresponde a um valor de verdade (uma
2.A Gramática Categorial 11
Leandro Huryn
sentença), e demais tipos gerados pela aplicação da regra 3, como <e,e>,
<e,t>, <e,<e,e>>, <t,<<e,<e,t>>,<e,t>>> etc.
Em termos práticos, um indivíduo x pertence ao tipo e, definido por suas
características e propriedades que o fazem único no discurso. Assim, um nome
é definido como:
Kazimierz
e
Da mesma maneira, uma sentença t contém um valor de verdade, e é
definida como:
Kazimierz dorme
t
Através da recursividade da regra, é possível estabelecer que os tipos
compostos, atribuídos a um item como dorme, pertencem ao tipo <e,t>, e
significam um conjunto dos indivíduos. Neste caso, o conjunto dos indivíduos
que dormem em um dado momento i. <e,t> é uma função que toma membros
do tipo e como argumentos e resultam membros de t como valor de verdade.
Kazimierz dorme
e <e,t>
Kazimierz dorme
t
Desta forma, é possível atribuir tipos infinitamente.
Pedro ama Maria
e <e,<e,t>> e
ama Maria
<e,t>
Pedro ama Maria
t
2.A Gramática Categorial 12
Leandro Huryn
Pedro
ama
Maria imensamente
e <e,<e,t>> e <<e,t>,<e,t>>
ama Maria
<e,t>
ama Maria imensamente
<e,t>
Pedro ama Maria imensamente
t
Essencialmente, uma categoria necessita conter duas informações
fundamentais: uma semântica e outra sintática. Utilizando-se dos mesmo
exemplos para tipos lógicos, é possível estabelecer paralelos entre as
categorias.
Kazimierz
np : kazimierz'1
e
Kazimierz, além de pertencer ao tipo e dos indivíduos, também pode ser
entendido sintaticamente como um np (do inglês noum phrase, ou seja, um
sintagma nominal) e semanticamente como kazimierz', a propriedade do
indivíduo que contém os elementos que o fazem único no discurso.
O sistema formal para a sintaxe de uma Gramática Categorial de Tipo
Lógico é composto pelo (que a maioria dos linguistas consideram suficiente)
pequeno conjunto de categorias básicas – s, n, np2 (sentences, names e noum
phrases) – e categorias complexas, que nada mais são do que a composição de
categorias básicas e conectivos, inicialmente / e \.
A definição básica para categoriais consiste em:
1 A maioria dos textos fazem as derivações utilizando-se da contraparte semântica primeiro. Mas esta é mera questão
estilística.
2 Exitem referências à existência da categoria pp, dos sintagmas preposicionados (prepositional phrases). Contudo,
neste trabalho esta questão não será posta em discussão.
2.A Gramática Categorial 13
Leandro Huryn
1. BasCat ⊆ CAT tal que {s, n e np} ⊆ BasCat
2. Se A,B ∈ CAT, então A/B ∈ CAT
3. Se A,B ∈ CAT, então A\B ∈ CAT
4. Nada mais existe em CAT
O Cálculo de Lambek pode ser considerado a evolução do sistema AB,
pois, além de conter as regras de cancelamento de frações, contribui com
outras regras que adequam o tratamento lógico às línguas naturais. Ao todo
são quatro pares de regras, R1, R2, R3 e R4.3
R1
Regra de Aplicação Funcional
X/Y : Ф ⊕ Y : α ⟺ X : (Ф α)
Y : α ⊕ Y\X : Ф ⟺ X : (Ф α)
Esta regra, também conhecida como regra de cancelamento, orienta as
combinações entre dois elementos: a um deles é denotada a característica de
função, e ao outro, argumento. A combinação entre os itens se dá similarmente
como na álgebra, em que há a simplificação entre duas frações quando o
mesmo número ocupa, respectivamente em cada uma das frações, a posição
de numerador e denominador.4 A concatenação semântica ocorre entre o item
funcional, no começo da derivação, e sua contraparte argumental, no fim da
mesma derivação. Isto representa uma padronização aos símbolos do Cálculo
de Predicado de Primeira Ordem, conforme os textos de Frege. Mortari
(MORTARI, 2001, p. 68), sobre a representação lógica das línguas naturais,
aponta para a cientificidade do método:
3 Existe, ainda no cálculo de Lambek, R5 e R6, que são regras de divisão dos funtores principal e subordinado,
respectivamente.
4 Contudo, vale a pena lembrar que, diferentemente dos cálculos com números, em que é possível simplificar o
mesmo número que ocupe ambas posições dentro da mesma fração, esta teoria não permitem tal procedimento.
2.A Gramática Categorial 14
Leandro Huryn
Dessa maneira, para utilizar o CQC5 para formalizar
conhecimento e fazer inferências sobre um domínio de
estudo, um universo, um assunto, ou mesmo para formalizar
um argumento (i.e., traduzi-lo para uma linguagem artificial
da lógica), precisamos primeiro fazer uma “modelagem
matemática” deste: coisas como tempo, imprecisões,
ambiguidades são todas eliminadas. Podemos então usar a
lógica clássica para raciocinar sobre esse modelo resultante.
Note que isso não é uma decisão tão drástica e arbitrária
quanto parece: várias outras ciências fazem a mesma coisa.
Na matemática, falamos de entidades como pontos sem
dimensão, linhas sem largura; na mecânica temos superfícies
sem atrito, e assim por diante. Modelos são sempre
aproximações ou idealizações da realidade, e mesmo assim
(ou talvez justamente por isso) extremamente úteis.
Prosseguindo com os mesmos exemplos utilizados nos tipos lógicos na
noção de categorias, é possível construir as seguintes derivações:
Kazimierzlex
dormelex
np : kazimierz' np\s : dormir'
e <e,t>
Kazimierz dormeR1
s : (dormir' kazimierz')
t
A categoria np\s (dos verbos intransitivos e predicados nas Gramáticas
Tradicionais) nada mais é que uma categoria sintática que pode ser entendida
como um funtor que toma um np argumento à esquerda para resultar em um s.
Diferentemente da categoria dos nomes e das sentenças, que possuem sentido
semântico pleno e valores de verdade, os verbos, assim como todas as
categorias funtoras, não possuem sentido completo, havendo a necessidade de
5 Cálculo Quantificacional Clássico
2.A Gramática Categorial 15
Leandro Huryn
que exista, neste caso, um item nominal à esquerda para sua completude.
Uma paráfrase possível na linguagem do Cálculo de Predicados (que
também será melhor analisado na sequência do trabalho) para s : (dormir'
kazimierz') é a de que se trata de uma sentença e a de que Kazimierz pertence
ao conjunto dos que dormem.
As demais categorias nos exemplos anteriores são representadas da
seguinte forma:
1)
Pedrolex
amalex
Marialex
np : pedro' (np\s)/np : amar' np : maria'
e <e,<e,t>> e
R1np\s : (amar' maria')
<e,t>
R1s : ((amar' maria') pedro')
t
2)
Pedrolex
amalex
Marialex
imensamentelex
np : p (np\s)/np : A np : m (np\s)\(np\s) : I
e <e,<e,t>> e <<e,t>,<e,t>>
R1np\s : (A m)
<e,t>
R1np\s : I (A m)
<e,t>
R1s : (I (A m)) p
t
2.A Gramática Categorial 16
Leandro Huryn
R3
Regra de Associatividade
(X\Y)/Z : Ф ⟺ X\(Y/Z) : λxn.λxm.((Ф xm) xn)
X\(Y/Z) : Ф ⟺ (X\Y)/Z : λxn.λxm.((Ф xm) xn)
Tal axioma apresenta a condição necessária para a derivação no sentido
inverso ao proposto inicialmente a uma categoria funtora de dois argumentos.
Conforme o exemplo:
Pedrolex
amalex
Marialex
np : p (np\s)/np : A np : m
e <e,<e,t>> e
R1np\s : (A m)
<e,t>
R1s : ((A m) p)
t
com a aplicação da regra R3, é possível concatenar primeiro Pedro com ama,
para só então prosseguir com np : Maria.
Para tanto, é necessário antes apresentar a regra de redução-β . Com
ela, é possível simplificar as derivações. O escopo de sua atuação se restringe à
interpretação semântica, e sua regra consiste em substituir todo termo da
aplicação xn, conforme o exemplo λxn.(xn α), por α. Desta forma, o resultado
deste exemplo é simplesmente α.
Na verdade, existem três axiomas para simplificar o cálculo-λ: as
reduções6 α, β e η..
6 Nos exemplos utilizados neste trabalho, contudo, será utilizada apenas a redução β, simplificada nas derivações
como r-β.
2.A Gramática Categorial 17
Leandro Huryn
Redução α
⊢ λxn.τ ⇒ λxm.τ [xn ↦ xm]
Redução β
⊢ (λxn.τ α) ⇒ τ [xn ↦ α]
Redução η
⊢ λxn.(Ф xn) ⇒ Ф
Pedrolex
amalex
Marialex
np : pedro' (np\s)/np : amar' np : maria'
e <e,<e,t>> e
R3np\(s/np) : λx1.λx2.((amar' x2) x1)
<e,<e,t>>
R1s/np : (λx1.λx2.((amar' x2) x1) pedro')
s/np : λx2.((amar' x2) pedro') r-β
<e,t>
R1s : (λx2.((amar' x2) pedro') maria')
s : ((amar' maria') pedro') r-β
t
R4
Regra de Promoção
X : α ⟺ Y/(X\Y) : λxn.(xn α)
X : α ⟺ (Y/X)\Y : λxn.(xn α)
Lambek, com R4, fornece alternativas para interpretação de uma
categoria por sua equivalência com outra. Por exemplo: uma categoria
argumental, um np, pode ser elevada a condição de funtor de seu funtor, como
nesta derivação:
2.A Gramática Categorial 18
Leandro Huryn
Kazimierzlex
dormelex
np : kazimierz' np\s : dormir'
e <e,t>
R4s/(np\s) : λx1.(x1 kazimierz')
<<e,t>,t>
R1s : (λx1.(x1 kazimierz') dormir')
s : (dormir' kazimierz') r-β
t
R2
Regra de Composição
X/Y : Ф ⊕ Y/Z : ψ ⟺ X/Z : λxn.(Ф (ψ xn))
Z\Y : ψ ⊕ Y\X : Ф ⟺ Z\X : λxn.(Ф (ψ xn))
Esta regra se aproxima da álgebra nos casos em que há o cancelamento
das frações, em que um mesmo número ocupa as posições de numerador e de
denominador, respectivamente. As expressões funcionais podem ser
combinadas quando o resultado de uma for o argumento necessário para outra.
No exemplo:
2.A Gramática Categorial 19
Leandro Huryn
Pedrolex
amalex
Marialex
np : pedro' (np\s)/np : amar' np : maria'
e <e,<e,t>> e
R4s/(np\s) : λx1.(x1 pedro')
<<e,t>,t>
R2s/np : λx2.(λx1.(x1 pedro') (amar' x2))
s/np : λx2.((amar' x2) pedro') r-β
<e,t>
R1s : (λx2.((amar' x2) pedro') maria')
s : ((amar' maria') pedro') r-β
Estes quatro pares de regras do cálculo de Lambek podem ser
substituídas por apenas dois pares de regras: a regra de eliminação e de
introdução.
2.2. Regras de dedução natural
Regras de Eliminação
X/Y : Ф Y : αE/
Y : α Y\X : ФE/
X : (Ф α) X : (Ф α)
Conforme apresentado na capítulo anterior, esta regra é equivalente a
R1.
2.A Gramática Categorial 20
Leandro Huryn
Regras de Introdução
⠇ [Y : xn]i [Y : xn]i ⠇
⠇ ⠇ ⠇ ⠇
X : α X : α
I/i I\i
X/Y : λxn.α Y\X : λxn.α
[para uma variável xn nova na derivação]
Em substituição a R2, R3 e R4, é possível utilizar-se tão somente deste
axioma, obtendo uma economia significativa na máquina teórica, uma vez que
é também através desta que se estabelecem as condições necessárias para o
método da Dedução Natural.
A regra de introdução, como o próprio nome sugere, introduz hipóteses
às derivações. Grosso modo, é como se entre as categorias realizadas
existissem categorias hipotéticas. Estas categorias de fato não existem, e
servem apenas como um artifício para a resolução aritmética das operações
que se seguem. Em linhas gerais, elas têm apenas a função de organizar o
sentido das expressões, sendo estratégias lícitas para a obtenção do significado
do todo pelas partes que o compõem. Analogamente, é possível aproximar as
hipóteses introduzidas aqui aos índices utilizados nas operações matemáticas
de somatória: para efetuar uma soma do tipo 28 + 35, é muito comum se
somar as unidades 5 ao 8, resultar o número 3 como a unidade da resposta, e
elevar a dezena resultante, neste caso o número 1, acima das outras dezenas,
2 e 3, para só então obter a dezena da resposta, 1 + 2 + 3 = 6, ou seja, um
resultado final igual a 63. As hipóteses se assemelham a este índice 1, elevado
acima das dezenas: não existe na operação de somatória, mas auxilia na sua
resolução.
Uma ressalva: em uma teoria baseada na Dedução Natural, como esta,
todo x deve ser novo na derivação, não sendo permitida repetição de variáveis.
Representação de R2
2.A Gramática Categorial 21
Leandro Huryn
Antôniolex
amalex 1
Marialex
np : antônio' (np\s)/np : amar' np : x np : maria'
e <e,<e,t>> e e
E/np\s : (amar' x)
<e,t>
E\s : ((amar' x) antônio')
t
I/1
s/np : λx.((amar' x) antônio')
<e,t>
E/s : (λx.((amar' x) antônio') maria')
s : ((amar' maria') antônio') r-β
t
2.A Gramática Categorial 22
Leandro Huryn
Representação de R3
Pedrolex 1
amalex 2
Marialex
np : pedro' np : x1 (np\s)/np : amar' np : x2 np : maria'
e e <e,<e,t>> e e
E/np\s : (amar' x2)
<e,t>
E\s : ((amar' x2) x1)
t
I/2
s/np : λx2.((amar' x2) x1)
<e,t>
I\1
np\(s/np) : λx1.λx2.((amar' x2) x1)
<e,<e,t>>
E\s/np : (λx1.λx2.((amar' x2) x1))
s/np : λx2.((amar' x2) pedro') r-β
<e,t>
E/s : (λx2.((amar' x2) pedro') maria')
s : ((amar' maria') pedro')
t
2.A Gramática Categorial 23
Leandro Huryn
Representação de R4
Kazimierzlex 1
dormelex
np : kazimierz' np\s : x np\s : dormir'
e <e,t> <e,t>
E\s : (x kazimierz')
t
I/1
s/(np\s) : λx.(x kazimierz')
<<e,t>,t>
E/s : (λx.(x kazimierz') dormir')
s : (dormir' kazimierz') r-β
t
2.A Gramática Categorial 24
Leandro Huryn
3. Os pronomes nas gramáticas categoriais
Os pronomes sempre foram um desafio para as teorias composicionais
que pretendem interpretar línguas naturais, sendo que um dos pontos que
demonstram maior complexidade é quanto à representação semântica das
categorias. Premissa fundamental nas derivações através do cálculo de
Lambek, há a restrição de que, para cada operador-λ, exista a ocorrência de
uma, e apenas uma, variável. Esta afirmação é corroborada com o emprego da
versão de Curry-Howard na atribuição dos significados, em que é determinado o
respeito às variáveis livres nas derivações semânticas. Expressões anafóricas
podem ser pensadas como variáveis dentro das sentenças, que por meio de um
mecanismo de resolução se resolvem após o significado da composição ter se
completado. Para que o pronome pessoal ele, por exemplo, seja tratado como
uma variável x dentro da sentença, é necessário que toda a estrutura seja
compatível com uma teoria de variáveis livres.
Há duas razões pelas quais um projeto categorial prevê que apenas
variáveis livres sejam utilizadas, segundo Gerhard Jäger (JÄGER, 2005, p. 58):
Em primeiro lugar, o significado que esta teoria atribui às
expressões linguísticas são objetos mais simples do que os
seus homólogos em uma teoria equivalente de uso de
variáveis. Nesta, os significados são sempre funções de
atribuição em funções de denotações intuitivas, e esta
informação adicional é demasiadamente redundante. Em
segundo lugar, o uso de variáveis significa gerenciar nomes
de variáveis. A forma padrão de fazer isso é aumentar certas
expressões linguísticas com informações adicionais, como
índices referenciais. Isto introduz um aspecto não-
composicional na teoria a partir de entradas linguísticas que
simplesmente não contenham essa informação.
Tendo em vista a preservação destas variáveis, há na literatura recente
3.Os pronomes nas gramáticas categoriais
25
Leandro Huryn
dos estudos categoriais basicamente duas estratégias para desenvolver o
problema: ou as anáforas são observadas nas categorias lexicais através de
recursos semânticos, e a indexação de itens lexicais se dá através da atribuição
de mais de uma variável dentro do mesmo cálculo-λ, o que é lícito; ou elas se
realizam sintaticamente através de estratégias e operadores concebidos
especificamente para este fim. As derivações utilizadas no capítulos seguinte
serão baseadas nesta segunda estratégia. Como afirma Jäger (JÄGER, 2005, p.
74):
Todas as abordagens [sobre as estratégias lexicais de
recuperação anafórica] discutidas até aqui compartilham o
pressuposto de que pronomes são funtores complexos de
ordem superior, cujo escopo se aplica a outros funtores, que
identificam argumentos de duas posições em si. Em outras
palavras, o vínculo é considerado parte do significado do
pronome, enquanto o regime de gerenciamento dos recursos
é sub-linear, ou seja, cada recurso lexical é utilizado apenas
uma única vez. Contudo, como consequência inevitável desta
abordagem, as entradas lexicais se tornam bastante
complexas, e o mecanismo sintático precisa ser enriquecido
com operações altamente poderosas para cada tipo diferente
de derivação. Do contrário, é tentador manter as entradas
lexicais para as anáforas o mais simples possível, e, para
isso, é necessário introduzir um operador de resolução
anafórica, o que significa multiplicar diretamente a máquina
gramatical.
Quando Jäger aponta a necessidade de multiplicar a máquina
gramatical, ele se refere à utilização de um conectivo com a finalidade única de
retomada anafórica. O modelo utilizado, então, foi proposto por Pauline
Jacobson em diversos textos publicados ao longo da década de 1990. O sistema
de Jacobson consiste no acréscimo do terceiro operador categorial,
3.Os pronomes nas gramáticas categoriais
26
Leandro Huryn
representado por “|”, que justamente é utilizado em dependências anafóricas.
Embora Jäger considere que os estudos realizados por Jacobson seja, até então,
os mais bem sucedidos nos estudos categoriais, a utilização de uma Gramática
Categorial Combinatória, não contempla outros problemas essenciais ao
desenvolvimento das propriedades anafóricas. Uma das evidências que
corroboram esta afirmação fica por conta da condição estrutural baseada no c-
comando que é, muitas vezes, insuficiente.
Com o tratamento do fenômeno das anáforas discutido através da
aproximação dos recursos apresentados por Pauline Jacobson com a Gramática
de Lógica de Tipo, é possível levar em consideração, ainda, alguns elementos
fundamentais: os recursos explorados nesta proposta estarão vinculados às
categorias sintáticas; o significado de um pronome precisa aparecer como
função de identidade de indivíduos; a análise precisa, necessariamente, ser
formulada como uma extensão do cálculo de Lambek; e o sistema lógico deve
conter os processos de eliminação, bem como propriedades de sub-fórmula e
de restrição às leituras infinitas. Além disso, a interface deve corresponder ao
sistema de Dedução Natural de Curry-Howard.
Para tanto, é imprescindível a utilização de um sistema de Dedução
Natural, como o de uma Gramática de Lógica de Tipo, conforme o apresentado
anteriormente. As regras de eliminação e de introdução deste novo conectivo
são equivalentes às regras dos outros conectivos.
Regra de Eliminação
[Y : α]i ... ⠇
X|Y : Φ
E|i
X : (Φ α)
Regra de Introdução
3.Os pronomes nas gramáticas categoriais
27
Leandro Huryn
⠇ [Y : xn]i [Y : xn]i ⠇
⠇ ⠇ ⠇ ⠇
X : α X : α
I|i I|i
X|Y : λxn.α Y|X : λxn.α
[para uma variável xn nova na derivação]
28
Leandro Huryn
4. O fenômeno anafórico
Antes de aprofundar a análise dos pronomes pessoais através da teoria
categorial apresentada até aqui, será introduzida uma breve apreensão de
conceitos e de exemplos do que são anáforas, bem como a abordagem de
fenômenos semelhantes em outros domínios linguísticos - nas linguísticas
textuais e na gramática gerativa - apreendendo algumas semelhanças e
contrapontos com os estudos lógicos. Segundo Ilari (ILARI, 2001, p. 56), "na
opinião de muitos estudiosos, a anáfora não é apenas um fenômeno entre
outros que acontecem nos textos: é o fenômeno que constitui os textos,
garantindo sua coesão. Todo texto seria, nesse sentido, uma espécie de grande
'tecido anafórico'”.
Um termo anafórico, grosso modo, é um elemento que retoma outro
dentro de um texto. Um pronome pessoal de terceira pessoa, foco deste
trabalho, é uma anáfora por natureza. Contudo, é possível identificar outras
palavras e estruturas que realizam a tarefa de retomada de elementos prévios
no texto, como anáforas nominais, verbais, circunstanciais, ou mesmo
elípticas.
Dentro das linguísticas textuais, a relação entre os pronomes e as
anáforas pode ser entendida como uma relação de subgrupo, sendo possível
determinar que todos os pronomes pessoais são anáforas, mas nem todas as
anáforas são pronomes pessoais. Existe, dentro destes estudos, uma grande
produção de diversos linguistas. Um tema amplamente difundido nestas teorias
são as relações das anáforas nominais. Segundo Figueiredo (FIGUEIREDO, 2000,
p. 396)
Como toda a anáfora é o lugar de uma escolha do por parte
do locutor-escrevente, assim uma expressão referencial pode
ser quase sempre substituída por uma outra expressão,
desde que esta última identifique, designe, evoque ou
convoque o referente anterior. E é esta capacidade em
4.O fenômeno anafórico 29
Leandro Huryn
designar um ou vários objetos do mundo que vai permitir aos
nomes e as expressões nominais desencadear um processo
de identificação referencial com o nome antecedente e
estabelecer, na maior parte dos casos, uma relação de
correferência. Mesmo que a anáfora não se estabeleça
correferencialmente, como é o caso da anáfora associativa,
há sempre uma ocorrência linguística anterior que faz
postular, ao mesmo tempo, uma representação de sentido
construído pelo texto, baseada em conhecimentos gerais e
supostamente partilhados em memória discursiva.
As anáforas nominais, para citar exemplo deste grupo, seriam palavras e
sintagmas que permitem identificar em um elemento nominal de referência
outro elemento nominal antecedente. Existiriam, assim, dois tipos básicos de
anáforas nominais: por retomada e por associação. Dentro do primeiro grupo
encontram-se as anáforas que retomam o elemento por repetição estrita do
termo, bem como sua determinação. Além deste tipo de repetição, há ainda a
retomada por sinonímia, ou seja, uma expressão referente a outra. Anáforas por
associação realizam vínculo com um referente através da associação de
elementos compartilhados dentro do mesmo campo semântico, ou, ainda, pela
parte retomada pelo todo. A partir desta concepção, a ideia de antecedência
stricto sensu não é válida, uma vez que o termo referente não representa
rigorosamente o mesmo elemento retomado.
Apesar da semelhança entre a retomada de antecedentes por anáforas
nominais, existe uma diferença crucial em relação a retomada pronominal, e
que será melhor observada nos exemplos que seguem os próximos capítulos:
os pronomes pessoais de terceira pessoa não carregam informações
semânticas. Como será discutido na sequência do texto, a semântica de um
pronome como ele é λx.x, ou seja, é um elemento neutro nas derivações.
Além desta aproximação à linguística textual, outro modo de analisar
anáforas e pronomes é através das teorias gerativistas. Nestas, há uma severa
4.O fenômeno anafórico 30
Leandro Huryn
distinção entre os termos anáfora e pronome. Na tipologia proposta, há a
seguinte distribuição dentro da categoria DP, dos sintagmas determinados.
[+anafórico, -pronominal] Recíprocos e reflexivos
[-anafórico, +pronominal] Pronomes pessoais
[-anafórico, -pronominal] Nomes
[+anafórico, +pronominal] (não há)
Conforme a tabela, as palavras do primeiro grupo são designadas como
anáforas. Nelas, apenas os pronomes reflexivos, bem como construções que
indicam reciprocidade, são classificadas como tais. O segundo grupo contém os
pronomes pessoais, e o terceiro as denominadas expressões referenciais
(expressão-R). As características estudadas nesta teoria para cada grupo.
conforme Mioto, Silva & Lopes (MIOTO, SILVA & LOPES, 2007, ps. 228 e 229),
são as seguintes:
Anáfora - deve ter um antecedente, isto é, um elemento com
o mesmo índice; este antecedente deve c-comandar a
anáfora; este antecedente deve estar dentro de um certo
domínio, chamado "domínio de vinculação", que parece
depender da presença de uma sujeito e de mais alguma
coisa para ser corretamente definido.
Pronome - pode ter um antecedente, mas não é necessária a
presença de um; se houver antecedente, ele não pode c-
comandá-lo fora deste domínio; aparentemente este
"domínio de vinculação" é o mesmo que conta para a
anáfora, dada a distribuição complementar que existe entre
pronomes e anáforas.
Expressão-R - não precisa de antecedente, porque tem
autonomia referencial; se houver antecedente, ele não pode
c-comandar a expressão-R em nenhum domínio.
Com base nestas assertivas, é percebida uma relação de
complementaridade entre estes dois tipos de retomadas de antecedentes.
4.O fenômeno anafórico 31
Leandro Huryn
Ambas as teorias possuem em seus domínios métodos de explicação,
cada qual com suas peculiaridades, e não vem ao caso entrar em suas
minúcias. Também não faz parte da estratégia deste trabalho contrapor
quaisquer umas destas visões sobre pronomes e anáforas com as análises
contidas sob a ótica de uma teoria categorial, justamente por ser percebido que
as teorias textuais, gerativas e categoriais não podem ser sobrepostas, pois
partem de princípios distintos de análise e de explicação dos aspectos
linguísticos.
Todavia, é valida a percepção, em relação aos estudos textuais, de que
existem outros fenômenos que envolvem retomadas nominais e pronominais,
pois tais estudos mantém estreito vínculo com estudos semânticos. Com as
gramáticas gerativas, exclusivamente na sintaxe, a distinção entre os pronomes
pessoais e os reflexivos também levanta hipóteses de que hajam, se não
comportamentos tão distintos sob a ótica categorial, pelo menos situações que
denotem que certas propriedades são percebidas em ambos os casos, entre o
modo de vinculação com seus respectivos referentes.
4.O fenômeno anafórico 32
Leandro Huryn
5. Polimorfismo e determinantes
Retomando a teoria categorial, será muito útil antes de adentrar a
sessão em que os pronomes serão de fato discutidos nas derivações, alguns
outros tópicos que visam esclarecer algumas características presentes nos
exemplos escolhidos para as derivações que se seguem. Uma delas consiste na
estrutura de sentenças relativas.
As construções de sentenças relativas possuem ambiência ideal para
localização de antecedência, pois, diferentemente de anáforas tipicamente
textuais, estas possuem ligação intrínseca ao modo sintático como são
construídas.
Uma das premissas fundamentais para o entendimento de palavras
como o que, que introduz as sentenças relativas da próxima sessão, é sua
propriedade polimórfica, o que, grosso modo, pode ser percebido como a
atribuição de índices parciais às categorias.
O exemplo clássico de palavras com esta propriedade é a partícula
conjuntiva e, que possui a forma (x\x)/x. A única informação que possui é a de
que toma duas categorias idênticas, uma antes e outra depois, e resulta em um
terceira igual a estas duas. Assim, a categoria é definida pelo contexto em que
está inserida.
Conforme o exemplo Pedro ama e João odeia Maria, a derivação
proposta é a seguinte:
Pedrolx
amalx
1
elx
Joãolx
odeialx
2
Marialx
np : (np\s)/np : np : (x\x)/x : np : (np\s)/np : np : np :
pedro' amar' x1 joão' odiar' x5 maria'
E/ E/np\s : (amar' x1) np\s : (odiar' x5)
E\ E\s : (amar' x1) pedro' s : (odiar' x5) joão'
I/1 I/2
s/np : λx1.(amar' x1) pedro' s/np : λx5.(odiar' x5) joão'
5.Polimorfismo e determinantes 33
Leandro Huryn
A partir deste ponto, quando em ambos os lados da conjunção existem
categorias idênticas, a conjunção assume sua categoria e dá continuidade à
derivação.
Pedro ama x1D
elx
João odeia x2D
Marialx
s/np : ((s/np)\(s/np))/(s/np) : s/np : np :
λx1.(amar' x1) pedro' λx2.λx3.λx4.((x3 x4)∧(x2 x4)) λx5.(odiar' x5) joão' maria'
E/(s/np)\(s/np) : λx3.λx4.((x3 x4)∧(odiar' x4) joão')
E\s/np : λx4.((amar' x4) pedro' ∧ (odiar' x4) joão')
E/s : ((amar' maria') pedro' ∧ (odiar' maria') joão')
Existem, semelhantemente a este exemplo, outras palavras que
assumem categorias indefinidas, ou mesmo ambíguas, em que é o contexto
que assume quais das ocorrências é a adequada. Categorias com esta
propriedade são definidas através dos construtores propostos por Morrill, “∧” e
“∨” .
Exitem expressões que podem assumir duas leituras possíveis em
diferentes casos, como nos exemplo extraído do texto de Borges (1999, p. 71):
O livro de João é aquele
A pulga pulou de João
A construção de João aparece em ambos os exemplos construído através
de um sintagma preposicional, mas possuem propriedades distintas. No
primeiro caso, de João funciona adjetivamente, e no segundo, como advérbio.
Em teorias semânticas, tal diferença precisa estar contida de algum modo na
estrutura, assim como os modos distintos de derivar cada caso. Como o nome
João possui sentido constante, resta ao item de carregar em sua construção a
ambiguidade necessária para a derivação, a ser descarregada pelo operador
“∧”.
5.Polimorfismo e determinantes 34
Leandro Huryn
Para tanto, sua categoria é definida como (n\n ∧ (np\s)\(np\s))/np. Nas
derivações:
livrolx
delx
Joãolx
n (n\n ∧ (np\s)\(np\s))/np np
E/n\n ∧ (np\s)\(np\s)
∧n\n
E\N
puloulx
delx
Joãolx
np\s (n\n ∧ (np\s)\(np\s))/np np
E/n\n ∧ (np\s)\(np\s)
∧(np\s)\(np\s)
E\np\s
Dito anteriormente, o interesse para a análise dos dados relacionados
aos pronomes se concentra na categoria polimórfica do pronome relativo que.
Conforme exemplos extraídos de Borges (1999, p. 76), é possível prever a
existência de três formas de pronomes: a forma padrão, a relativa cortadora e a
relativa com pronome ressumptivo. Nos exemplos, respectivamente: o livro de
que eu gosto é esse; o livro que eu gosto é esse; o livro que eu gosto dele é
esse. A categoria das três, assumido seu caráter polimórfico, é (n\n)/((s/np) ∨
(np\s) ∨ s), e seu tipo lógico é <<e,t><<e,t>,<e,t>>>.
Outro aspecto que vale a pena ser introduzido antes das análises
pronominais, aborda questões referentes aos determinantes nas gramáticas
categoriais.
Sobre a determinação de nomes comuns, uma breve introdução sobre o
tema está contido em Carpenter (1997, ps. 120 e 121):
5.Polimorfismo e determinantes 35
Leandro Huryn
Nós tratamos os nomes com as propriedades determinada
dos indivíduos. Isto interage apropriadamente com nossa
pressuposição de que “o”7 é tratado semanticamente como
um correspondente ao operador de descrição. Uma
expressão N se refere a um único indivíduo com propriedade
P correspondente a N. Por exemplo: a semântica de “o
menino”, ι(MENINO), refere-se a um único indivíduo tal que
ele possui a propriedade denotada por MENINO.
Similarmente, “o menino alto” se refere a um único indivíduo
que possui a propriedade de ser um menino alto.
Corrobora-se a esta problemática sobre os nomes comuns que são
determinados, outro trecho de Borges (1999, p. 31):
Outro problema com essa tradução convencional — muito
mais sério do que a manutenção da simetria — consiste em
que a denotação dos nomes próprios deve, necessariamente,
ser distinta da denotação de outras expressões da categoria
N,8 embora a combinatória sintática seja exatamente a
mesma. A princípio, não há problemas em considerarmos o
nome próprio como equivalente a uma constante individual.
O problema surge se tentarmos tratar igualmente os N’s
quantificados (que obviamente não equivalem a constantes
individuais) ou casos como o da sentença “Ninguém corre”,
que certamente não admite o tratamento em que “ninguém”
equivale a uma constante individual.
Assim, a propriedade de um np composto por um determinante e um
nome comum denota a propriedade de um conjunto de um conjunto de
indivíduos. Segundo Borges (1999, p. 32):
7 Do original the.
8 Leia-se np.
5.Polimorfismo e determinantes 36
Leandro Huryn
Com essa mudança, um nome próprio como “Pedro” passa a
ser uma função que toma uma expressão de tipo <e,t>
como argumento e resulta numa expressão de tipo t. Do
ponto de vista semântico, o nome próprio passa a denotar
um conjunto de conjuntos de indivíduos (um conjunto de
segunda ordem). Suponhamos que em nosso modelo de
interpretação haja um indivíduo PEDRO. A tradução
convencional associa o nome próprio “Pedro” diretamente a
esse indivíduo. Com a modificação feita no tipo de “Pedro”,
essa expressão passa a ser associada ao conjunto de
predicados que são verdadeiros de PEDRO, ou seja, ao
conjunto dos conjuntos de que PEDRO faz parte.
Se “Pedro” não é mais uma expressão de tipo e, mas uma
função, sua representação em Lλ deverá ser uma expressão
que contém o operador-λ. A tradução que daremos aos N’s
básicos, então, será a de um conjunto de segunda ordem
(um conjunto de conjuntos de indivíduos). Assim, “Pedro” se
traduzirá por “λP[P pedro']”, i.e., o conjunto dos P (onde P
denota um conjunto de indivíduos) a que a denotação de
pedro' pertence. “Maria” se traduzirá por “λP[P maria']”, e
assim por diante.
Partindo para os exemplos, uma análise cuidadosa das relações
envolvidas nos processos de derivação será bastante útil e exemplificará com
clareza as possibilidades de resolução que estarão contidas nos demais
exemplos.
5.Polimorfismo e determinantes 37
Leandro Huryn
6. Análises pronominais
6.1. Pronomes pessoais
Dado o repertório inicial de exemplos, de (1) a (6), é possível prever
ambientes favoráveis à ocorrência dos pronomes pessoais, e onde a aplicação
categorial, com a teoria apresentada até aqui, é capaz de resolver através dos
seus mecanismos de recuperação anafórica.
(1) O menino chutou a bola.
(2) O menino que chutou a bola.
(3) O menino que chutou a bola quebrou o vidro.
(4) Ele chutou a bola.
(5) O menino chutou ela.
(6) O menino que ele chutou a bola.
chutoulx
alx
bolalx
(np\s)/np : np/n : n :
chutar' λx5.ιx4.(x5 x4) λx6.bola' x6
<e,<e,t>> <<e,t>,<<e,t>,t>> <e,t>
E/np : ιx4.(bola' x4)
<<e,t>,t>
E/np\s : (chutar' ιx4.(bola' x4))
<e,t>
Realizada esta etapa,9 pode-se prosseguir com o restante.
9 A derivação foi dividida por mera questão espacial dentro do trabalho.
6.Análises pronominais 38
Leandro Huryn
olx
meninolx
chutou a bolaD
np/n : λx2.ιx1.(x2 x1) n : λx3.menino' x3 np\s : (chutar' ιx4.(bola' x4))
<<e,t>,<<e,t>,t>> <e,t> <e,t>
E/np : ιx1.(menino' x1)
<<e,t>,t>
E\s : (chutar' ιx4.(bola' x4)) ιx1.(menino' x1)
t
Uma das paráfrases aceitáveis para (chutar' ιx4.(bola' x4)) ιx1.(menino'
x1) defini-se como: existe um x4 que está contido no conjunto unitário das bolas
e existe um x1 que está contido no conjunto unitário dos meninos tal que
chutou x4.
O próximo exemplo consiste na introdução de um sujeito relativizado.
6.Análises pronominais 39
Leandro Huryn
quelx
chutou a bolaD
(n\n)/((s/np) ∨ (np\s) ∨ s) : np\s :
λx3.λx2.λx1.(x2 x1)∧(x3 x1) (chutar' ιx4.(bola' x4))
<<e,t>,<<e,t>,<e,t>>> <e,t>
∨(n\n)/(np\s)
E/n\n : λx2.λx1.(x2 x1)∧((chutar' ιx4.(bola' x4)) x1)
<<e,t>,<e,t>>
olx
meninolx
que chutou a bolaD
np/n : n : n\n :
λx2.ιx1.(x2 x1) λx3.menino' x3 λx5.λx4.(x5 x4)∧(chutar' ιx6.(bola' x6) x4)
<<e,t>,<<e,t>,t>> <e,t> <<e,t>,<e,t>>
E\n : λx4.(menino' x4)∧(chutar' ιx6.(bola' x6) x4)
<e,t>
E/np : ιx1.(menino' x1)∧(chutar' ιx6.(bola' x6) x1)
<<e,t>,t>
É possível atribuir a este exemplo a mesma paráfrase do exemplo
anterior, resguardadas suas diferenças sintáticas. Com isto, uma das
alternativas para explicar o que ocorre entre a sentença (1) e os sintagma
nominal (2), é que este tipo de relativização nada mais seja que a simples
nominalização da sentença. Provavelmente por um método de obtenção
correlativo ao obtido com sentenças passivas, como a bola que o menino
chutou.
O exemplo (3) demonstra como uma sentença relativizada funciona
perfeitamente dentro de outra predicação.
6.Análises pronominais 40
Leandro Huryn
o menino que chutou a bolaD
quebrou o vidroD
np : np\s :
ιx1.(menino' x1)∧(chutar' ιx2.(bola' x2) x1) (quebrar' ιx3.(vidro' x3))
<<e,t>,t> <e,t>
E\s : (quebrar' ιx3.(vidro' x3)) ιx1.(menino' x1)∧(chutar' ιx2.(bola' x2) x1)
t
A partir deste ponto, finalmente os pronomes são visto dentro das
derivações. Em (4), é possível estabelecer o vínculo com um np externo e
antecedente à sentença, conforme o apresentado por Gerhard Jäger. Uma vez
que esta indexação é feita com um item ainda desconhecido, é necessário o
levantamento de uma hipótese que precisará ser descarregada ao final da
derivação, por meio do operador I| . Neste primeiro momento, os tipos lógicos
dos pronomes será desconsiderado, restando ser melhor debatido na sequência
destes exemplos.
1ele
lxchutou a bola
D[np : x3] np|np : λx1.x1 np\s : (chutar' ιx2.(bola' x2))
e <e,t>
E|1
np : x3
e
E\s : (chutar' ιx2.(bola' x2)) x3
t
I|1
s|np : λx3.(chutar' ιx2.(bola' x2)) x3
<e,t>
Com o resultado obtido, sintaticamente é possível determiná-lo como
uma sentença em que ainda seja desconhecido um np, e semanticamente ele
pode ser parafraseado como “existe um x2 que está contido no conjunto
unitário das bolas e conjunto dos indivíduos x3 tal que chutou x2”.
6.Análises pronominais 41
Leandro Huryn
Uma vez que seja conhecido o np que se vincula à variável pronominal,
dando sentido completo à sentença, a derivação proposta é a seguinte:
Joãozinho1 ...
ele chutou a bolaD
[np : joãozinho'] s|np : λx3.(chutar' ιx2.(bola' x2)) x3
e <e,t>
E|1
s : ((chutar' ιx2.(bola' x2)) joãozinho')
t
A indexação de um np em posição, do que uma gramática tradicional
definiria como objeto, ocorre da mesma maneira que o np em posição de
sujeito.
1o menino
Dchutou
lxela
lx[np : x3] np : ιx1.(menino' x1) (np\s)/np : chutar' np|np : λx2.x2
e <<e,t>,t> <e,<e,t>>
E|1
np : x3
e
E/np\s : (chutar' x3)
<e,t>
E\s : (chutar' x3) ιx1.(menino' x1)
t
I|1
s|np : λx3.(chutar' x3) ιx1.(menino' x1)
<e,t>
Uma das características presentes em alguns pronomes é sua ocorrência
como item resumptivo em sentenças relativas. Em outras palavras, tais
pronomes indicam uma palavra que é indexada a algum np presente no
discurso muito próximo. Entretanto, há a necessidade da categoria polimórfica
do pronome relativo englobar esta alternativa de derivação à sua sintaxe,
tornando-se, assim, um (n\n)/((s/np) ∨ (np\s) ∨ (s|np)).
6.Análises pronominais 42
Leandro Huryn
Na tentativa de contornar esta situação, e oferecendo, ainda, uma
alternativa para a resolução de sentenças com pronomes relativos, Michael
Moortgat propôs a introdução de um novo operador, de lacuna,10 justamente
para este fim. Representado pelo conectivo "↑", ele traz consigo as mesmas
regras aplicáveis a “\” e “/”. A rigor, uma categoria A↑B pode ser parafraseada
como um A em que falte um B em algum dos lados de sua derivação. Ou seja,
contém as mesmas propriedades das barras à esquerda e à direita, mas sem a
restrição de sentido da operação. Deste modo, um s↑np é uma sentença em
que foi extraído um nome, semelhante a uma categoria polimórfica (s\np ∨ s/np
∨ s|np).
Na derivação que se segue, um exemplo com a utilização deste
operador.
1que
lxele
lxchutou a bola
D[np : x6] (n\n)/(s↑np) np|np : np\s :
e λx3.λx2.λx1.(x2 x1)∧(x3 x1) λx4.(x4) (chutar' ιx5.(bola' x5))
<<e,t>,<<e,t>,<e,t>>> <e,t>
E|1
np : x6
e
E\s : (chutar' ιx5.(bola' x5)) x6
t
I|1
s|np : λx6.(chutar' ιx5.(bola' x5)) x6
<e,t>
E/n\n : λx2.λx1.(x2 x1)∧(chutar' ιx5.(bola' x5)) x1
<<e,t>,<e,t>>
10 Do inglês gap.
6.Análises pronominais 43
Leandro Huryn
olx
meninolx
que ele chutou a bolaD
np/n : n : n\n :
λx2.ιx1.(x2 x1) λx3.menino' x3 λx5.λx4.(x5 x4)∧(chutar' ιx6.(bola' x6)) x4
<<e,t>,<<e,t>,t>> <e,t> <<e,t>,<e,t>>
E\n : λx4.(menino' x4)∧(chutar' ιx6.(bola' x6)) x4
<e,t>
E/np : ιx1.((menino' x1)∧(chutar' ιx6.(bola' x6)) x1)
<<e,t>,t>
6.2. Pronomes reflexivos
Dado os exemplos (7) e (8), é possível perceber algumas das
características da categoria sintática do pronome reflexivo se que se diferem
dos pronomes pessoais.
(7) O menino se adora
(8) O menino adora-se.
Uma delas consiste na eliminação dupla com o elemento anafórico: em
um primeiro momento através da operação “E|”; e, na sequência das
derivações, via “E\”. Esta propriedade mantém os desafios para a determinação
do tipo lógico dos pronomes, pois, igualmente como acontece com os pessoais,
o tipo lógico do reflexivo se ainda precisa ser melhor discutido.
6.Análises pronominais 44
Leandro Huryn
o meninoD
selx
adoralx
np : ((np\s)/((np\s)/np))|np : (np\s)/np) :
ιx1.(menino' x1) λx3.λx2.(x2 x3) adorar'
<<e,t>,t> <e,<e,t>>
E|1
[ιx1.(menino' x1)]1 (np\s)/((np\s)/np) : λx2.(x2 ιx1.(menino' x1))
<<e,t>,t> <<e,t>,t>
E/np\s : (adorar' ιx1.(menino' x1))
<e,t>
E\s : (adorar' ιx1.(menino' x1)) ιx1.(menino' x1)
t
No caso de línguas como o português, em que a ordem do reflexivo pode
ser tanto em posição de ênclise quanto de próclise, um operador polimórfico
como “↑” permite que ambas as derivações sejam possíveis.
o meninoD
adoralx
selx
np : ((np\s)/np) : ((np\s)↑((np\s)/np))|np :
ιx1.(menino' x1) adorar' λx3.λx2.(x2 x3)
<<e,t>,t> <e,<e,t>>
E|1
[ιx1.(menino' x1)]1 (np\s)↑((np\s)/np) : λx2.(x2 ιx1.(menino' x1))
<<e,t>,t> <<e,t>,t>
E↑np\s : (adorar' ιx1.(menino' x1))
<e,t>
E\s : (adorar' ιx1.(menino' x1)) ιx1.(menino' x1)
t
Exemplo (9):
(9) A mãe de Pedro se adora
No texto em que este exemplo foi extraído (MIOTO, SILVA & LOPES,
6.Análises pronominais 45
Leandro Huryn
2007, p. 218), este exemplo possui restrições oriundas da Gramática Gerativa,
que inibem leituras como a mãe de [Pedro]i sei adora. Do mesmo modo, através
dos mecanismos das Gramáticas Categoriais, este fenômeno também é
restringido. É possível determinar que uma das propriedades dos pronomes
reflexivos, para além da dupla eliminação, configura que ambas precisam ser
realizadas exclusivamente com o mesmo elemento. Sendo assim, a única
leitura possível é [a mãe de Pedro]i sei adora, conforme a derivação:
alx
mãelx
de11
lxPedro
lxnp/n : n : (n\n)/np : np :
λx2.ιx1.(x2 x1) λx3.mãe' x3 λx4.λx5.(de' x4) x5 pedro'
<<e,t>,<<e,t>,t>> <e,t> <e,<<e,t>,<e,t>>> e
E/n\n : λx5.(de' pedro') x5
<<e,t>,<e,t>>
E\n : ((de' pedro') mãe')
<e,t>
E/np : ιx1.(((de' pedro') mãe') x1)
<<e,t>,t>
a mãe de Pedro'D
selx
adoralx
np : ((np\s)↑((np\s)/np))|np : (np\s)/np) :
ιx1.(((de' pedro') mãe') x1) λx3.λx2.(x2 x3) adorar'
<<e,t>,t> <e,<e,t>>
E|1
[np : ((np\s)↑((np\s)/np)) :
ιx1.(((de' pedro') mãe') x1)]1 λx2.(x2 ιx1.(((de' pedro') mãe') x1))
<<e,t>,t> <<e,t>,t>
E/np\s : (adorar' ιx1.(((de' pedro') mãe') x1))
<e,t>
E\s : (adorar' ιx1.(((de' pedro') mãe') x1)) ιx1.(((de' pedro') mãe') x1)
t
11 Um exemplo de preposição baseada em BORGES, 1999, p.81.
6.Análises pronominais 46
Leandro Huryn
A propriedade, que distingue pronomes pessoais de pronomes reflexivos
pode ser problematizada através de um exemplo como (10), em que o mesmo
modo de derivação dos pronomes reflexivos é aplicado a um pronome pessoal.
Esta leitura precisa conter restrições, uma vez que é pretendida a exclusão
deste tipo de construção.
(10) João respeita ele.
*
Joãolx
respeitalx
elelx
[np : joão']1 (np\s)/np : respeitar' np|np : λx.x
e <e,<e,t>>
E|1
np : joão'
e
E/np\s : (respeitar' joão')
<e,t>
E\* s : (respeitar' joão') joão'
t
6.3. Tipo lógico dos pronomes
Diante destes exemplos, é possível levantar também algumas hipóteses
sobre os tipos lógicos relacionados aos pronomes: quando há a retomada de
elementos em que se espera possuir o mesmo tipo lógico, como nos exemplos
acima o tipo e e o tipo <<e,t>,t>, a derivação via E| realiza as operações
sintáticas e semânticas, mantendo, todavia, os tipos lógicos inalterados. É
como se houvesse certo caráter de espelhamento, ou, em outras palavras,
sintática e semanticamente onde ocorre a recuperação de informações, os tipos
lógicos não participam destas operações. Ele, no exemplo abaixo, se comporta
6.Análises pronominais 47
Leandro Huryn
como um tipo e pleno no local em que é realizado.
elelx
chutou a bolaD
np|np : λx1.x1 np\s : (chutar' ιx2.(bola' x2))
e <e,t>
1 E|1
[np : x3] np : x3
e e
E\s : (chutar' ιx2.(bola' x2)) x3
t
I|1
s|np : λx3.(chutar' ιx2.(bola' x2)) x3
<e,t>
Igualmente a este exemplo, o pronome reflexivo “se” também mantém
as informações tipológicas, pois é esperado que seu comportamento seja o de
um nome pleno na derivação.
o meninoD
selx
machucoulx
np : ((np\s)/((np\s)/np))|np : (np\s)/np) :
ιx1.(menino' x1) λx3.λx2.(x2 x3) machucar'
<<e,t>,t> <<e,t>,t> <e,<e,t>>
E|1
[ιx1.(menino' x1)]1 (np\s)/((np\s)/np) : λx2.(x2 ιx1.(menino' x1))
<<e,t>,t> <<e,t>,t>
E/np\s : (machucar' ιx1.(menino' x1))
<e,t>
E\s : (machucar' ιx1.(menino' x1)) ιx1.(menino' x1)
t
Diferentemente, quando a recuperação das informações necessita
elementos distintos, neste exemplo a categoria s|np, uma sentença em que
apenas parte de seu conteúdo remete a um item anafórico, os tipos lógicos
participam normalmente das derivações, conforme a repetição do exemplo
6.Análises pronominais 48
Leandro Huryn
abaixo:
Joãozinho ...
ele chutou a bolaD
[np : joãozinho']1 s|np : λx3.(chutar' ιx2.(bola' x2)) x3
e <e,t>
E|1
s : (chutar' ιx2.(bola' x2)) joãozinho'
t
Com o levantamento destes problemas, que envolvem a questão dos
tipo lógicos dos pronomes, é possível supor que o conectivo anafórico proposto
por Gerhard Jäger possua propriedades distintas conforme ambos os casos em
que podem ser empregados.
6.Análises pronominais 49
Leandro Huryn
7. Conclusão
Com base nos diversos textos estudados, especialmente em parte do
trabalho de Gerhard Jäger, é possível perceber que a multiplicação dos
mecanismos sintáticos, em uma teoria de Dedução Natural, oferece uma
alternativa eficiente para a resolução das anáforas em pronomes pessoais e
reflexivos. O conectivo à distância fornece os subsídios necessários para a
recuperação de itens antecedentes, a que os pronomes seriam indexados.
É bastante saliente que o foco nas anáforas não é suficiente sem a
utilização de uma grande variedade de mecanismos, e que estes mecanismos
compõem diferentes funções dentro das derivações. Para tanto, durante todo o
texto foram apresentadas as explicação dos fenômenos conforme maiores
graus de complexidade foram sendo desenvolvidos. Estudos semânticos
baseados em lógica de tipo ampliam, assim, toda a dinâmica para a resolução
do problemas de um modo global. É possível que um maior interesse nos temas
semânticos sob esta perspectiva possa trazer, a longo prazo, uma
sistematização mais completa, em que a integração dos diversos focos de
pesquisa possa contribuir para a unificação do sistema. Outro ponto que foi
omisso durante este trabalho, mas que possui um horizonte de expansão
bastante promissor, consiste na aplicação destas teorias lógicas dentro de
perspectivas computacionais. Tal sistematização, com a união de ambas áreas,
linguística e computacional, pode apresentar resultados significativos na
interpretação e representação do complexo, e ainda inexplicado, sistema
linguístico humano.
Um ponto que pode ser desenvolvido dentro dos estudos sobre anáforas,
consiste na identificação de fenômenos e comportamentos dentro de textos
maiores, que extrapolam o limite de sentenças, ou mesmo entre sentenças que
são relativas entre si. Novamente a citação de Ilari (2001, p. 56), "Na opinião
de muitos estudiosos, a anáfora não é apenas um fenômeno entre outros que
acontecem nos textos: é o fenômeno que constitui os textos, garantindo sua
coesão. Todo texto seria, nesse sentido, uma espécie de grande 'tecido
anafórico'.” É possível perceber um caráter mais dinâmico e abrangente no que
7.Conclusão 50
Leandro Huryn
diz respeito às teorias de vinculação. Com esta expansão, é possível prever que
qualquer sentença, desde as mais simples como
Pedro ama Maria
s : ((amar' maria') pedro')
t
possa ser interpretada como pertencente a um conjunto de anáforas dentro de
discursos. A extrapolação das análises dentro dos limites das sentenças parece
ser necessário para o desenvolvimento da teoria, assim como na composição
de uma grande Gramática Categorial.
Especificamente com relação à ênfase dada neste trabalho para manter
dentro das derivações os tipos lógicos, sendo que na maioria, senão na
totalidade dos textos sobre o assunto, as derivações apresentam apenas as
contrapartes sintático-semânticas, esta escolha visa produzir um formato
diferente, salientando pontos importantes nas concatenações, além de manter
a consistência à toda base da teoria. É possível prever que englobando mais
funções dentro das derivações pode se dar um passo na direção de uma
Gramática Categorial que incorpore também outras categorias, como a
morfologia, traços de concordância, ou, ainda que um sentido à beira do
utópico, grandes funções observadas e estudadas na pragmática.
7.Conclusão 51
Leandro Huryn
8. Referências Bibliográficas
BORGES NETO, J. Introdução às gramáticas categoriais. Curitiba:
Universidade Federal do Paraná, 1999.
BORGES NETO, J; PAGANI, L. A. A interpretação dos prossintagmas.
Campinas: Caderno de estudos linguísticos, 52:255-283, 2010.
CARPENTER, B. Type logical semantics. Cambridge: The MIT Press, 1997.
FARACO, C. E.; MOURA, F. M. Gramática. São Paulo: Ática, 2003.
FIGUEIREDO, O. M. Considerações sobre o emprego da anáfora nominal
em textos e alunos. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/mwg-
internal/de5fs23hu73ds/progress?id=uwxekOxJNY>. Data do acesso
06/08/2012.
ILARI, R. Introdução à semântica. São Paulo: Contexto, 2001.
ILARI, R.; NEVES, M. H. de M. Gramática do português culto falado no
Brasil, Vol II. Campinas: Unicamp, 2008.
JÄGER, G. Anaphora and type logical grammar. Dordrecht: Springer,
2005.
LAMBEK, J. The mathematics of sentence structure. American
Mathematical Monthly, 65:154-169, 1958.
MAIA, J. D. Português: volume único. São Paulo: Ática, 2005.
8.Referências Bibliográficas 52
Leandro Huryn
MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. 3ª ed.
Florianópolis: Insular, 2007.
MOORTGAT, M. Categorial investigations. Dordrecht: Foris, 1988.
MORRILL, G, V. Type logical grammar. Dordrecht: Kluwer Academic
Piblishers, 1994.
MORTARI, C. Introdução à lógica. São Paulo: Unesp, 2001.
OEHRLE, R. T.; BACH, E. W.; WHEELER, D. Categorial Grammars and
natural language structures. Dordrecht: D. Reidel, 1988.
WOOD, M. Mc. Categorial grammars. Londres: Routledge, 1993.
8.Referências Bibliográficas 53