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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC
CURSO DE LETRAS
ROSNGELA PEDRALLI
PROJETO DE PESQUISA
USOS SOCIAIS DA ESCRITA EMPREENDIDOS POR ADULTOS
ALFABETIZANDOS EM PROGRAMA EDUCACIONAL INSTITUCIONALIZADO:
DIMENSES EXTRAESCOLAR E ESCOLAR
Florianpolis, maro de 2011
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ROSNGELA PEDRALLI
PROJETO DE PESQUISA
USOS SOCIAIS DA ESCRITA EMPREENDIDOS POR ADULTOS
ALFABETIZANDOS EM PROGRAMA EDUCACIONAL INSTITUCIONALIZADO:
DIMENSES EXTRAESCOLAR E ESCOLAR
Projeto de dissertao de Mestrado apresentado
ao Curso de Ps-graduao em Lingustica da
Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito parcial para obteno do ttulo de
Mestre em Lingustica, sob a orientao da Prof.
Dr. Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti.
Florianpolis, maro de 2011
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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................................................................... 4
1 OBJETO ....................................................................................................................................................... 7
1.1 REA TEMTICA 7
1.2 DELIMITAO DO TEMA 7
1.3 PROBLEMA 7
1.3.1 Primeira questo de pesquisa: foco em prticas e eventos de letramento ...................................................... 8
1.3.2 Segunda questo de pesquisa: foco nas expectativas dos alfabetizandos em relao ao processo de ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita ...................................................................................................................... 10
1.3.3 Terceira questo de pesquisa: foco no processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita para esses
jovens e adultos ..................................................................................................................................................... 12
1.4 OBJETIVOS 15
1.4.1 Objetivo geral ............................................................................................................................................... 15
1.4.2 Objetivos especficos .................................................................................................................................... 16
2 JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................................... 17
3 A(NA)LFABETISMO ADULTO: ASPECTOS HISTRICOS, INDICADORES E PROGRAMAS ...... 22
3.1 BREVE HISTRICO DOS PROGRAMAS DE ALFABETIZAO DE ADULTOS NO BRASIL 23
3.2 INDICADORES DE ALFABETISMO EM NVEL NACIONAL E EM SANTA CATARINA 32
3.3 O PROGRAMA BRASIL SANTA CATARINA ALFABETIZADO: FUNDAMENTOS INSTITUCIONAIS E BASES TERICAS
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4 LETRAMENTO: ESPECIFICIDADES CONCEITUAIS E RELAES COM A ALFABETIZAO ..... 38
4.1 Construo conceitual do letramento: uma discusso inicial ..................................................................... 39
4.2 Letramentos: pluralizao inerente aos usos sociais da escrita ................................................................... 43
4.3 Modelos de letramento e suas implicaes na construo de programas de educao ............................... 47
4.4 Prticas e eventos de letramento: vivncias dos alfabetizandos em foco no fazer pedaggico ................. 50
4.5 Alfabetizao e letramento: em busca de especificidades e distines....................................................... 54
5 ALFABETIZAO E IMPLICAES NO QUE RESPEITA A ACESSIBILIDADE SOCIAL,
IDENTIDADE E EMPODERAMENTO .............................................................................................................. 60
5.1 Alfabetizao: uma discusso conceitual inicial ......................................................................................... 60
5.2 Acessibilidade alfabetizao, mobilidade e ascenso social: uma discusso conflituosa ......................... 65
5.3 Implicaes identitrias do processo de alfabetizao................................................................................. 75
6 ALFABETIZAO: UMA DISCUSSO SOBRE MTODOS E SOBRE A NATUREZA DAS AES
PEDAGGICAS ENDEREADAS A ALFABETIZANDOS ADULTOS ......................................................... 79
6.1 Concepes metodolgicas sobre alfabetizao: em busca de uma compreenso historicizada ................. 80
6.2 Aes metodolgicas contemporneas: indissociabilidade entre prticas sociais de uso da lngua e
conhecimento sistmico da modalidade escrita. .................................................................................................... 90
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6.3 Singularidades da alfabetizao de adultos: especificidades da oferta/procura dessa/por essa modalidade
de educao e consideraes sobre o fazer pedaggico ........................................................................................ 95
6.4 Especificidades do processo de alfabetizao de adultos luz do pensamento freiriano ......................... 104
7 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ............................................................................................. 114
7.1 TIPIFICAO DA PESQUISA 115
7.2 O CAMPO E OS PARTICIPANTES DE PESQUISA 118
7.3 DIRETRIZES PARA A GERAO E ANLISE DE DADOS 122
7.4 INSTRUMENTOS DE GERAO DE DADOS 124
7.4.1 OBSERVAO 125
7.4.2 Dirio de campo ......................................................................................................................................... 128
7.4.3 Entrevista.................................................................................................................................................... 129
7.4.4 Anlise/pesquisa documental ..................................................................................................................... 131
8 CRONOGRAMA ..................................................................................................................................... 132
REFERNCIAS .................................................................................................................................................. 133
ANEXO NICO ................................................................................................................................................. 140
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INTRODUO
Estamos inseridos em um contexto crescentemente mais grafocntrico (FISCHER,
2006), e essa realidade acaba por cercear, por um lado, e alargar, por outro, nossas
aes, a depender do domnio que temos da leitura e da escrita em usos de natureza
diversificada. Assim, mesmo em se tratando dessa nova configurao em que a
modalidade escrita da lngua ganha especial espao, existe ainda um grande nmero de
pessoas no Brasil que fica margem do processo de produo e usufruto dos bens
sociais por no fazer uso, de modo efetivo e em seu prprio benefcio, de muitas dentre
as prticas de leitura e escrita. A marginalizao dessa parcela da populao constitui,
para as principais agncias de letramento escola e universidade , em determinados
contextos socioeconmicos e culturais, uma agenda desafiadora (OLIVEIRA;
KLEIMAN, 2008).
Embora no haja compartilhamento de um conjunto expressivo de eventos de
letramento (HEATH, 1982) por parte dessas pessoas, as dificuldades impostas por
sociedades grafocntricas no devem significar que adultos analfabetos ou pouco
escolarizados no possam desenvolver estratgias que lhes permitam sobreviver e se
mover nesses meios urbanos, ainda que evidentemente no advoguemos em favor de
vivncias de algum modo circunscritas, quer pelo no domnio da escrita, quer por
questes de natureza socioeconmica mais ampla ou, inequivocamente, pela associao
de ambos os fatores.
Pensar essa realidade contextual grafocntrica e as estratgias desenvolvidas por
essas pessoas adultas analfabetas ou pouco escolarizadas acaba por englobar questes
como as relaes de excluso e incluso s quais so submetidos os alfabetizandos,
tanto quanto a natureza dos programas de alfabetizao e suas bases tericas, o que
remete s diferentes concepes que norteiam a alfabetizao de adultos, bem como s
intervenincias da alfabetizao em questes de acessibilidade social, empregabilidade,
construo identitria etc.. Implica, tambm, a compreenso da escolarizao como uma
dentre as estratgias para a ampliao da mobilidade dessas pessoas nesses espaos, mas
seguramente no a nica.
Nessa discusso importa considerar que a realidade das sociedades urbano-
industriais impe aos governos a necessidade de desenvolvimento de polticas pblicas,
no campo educacional, atentas a essa populao. Trata-se de iniciativas a serem
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empreendidas em todos os pases, independentemente de seu nvel de desenvolvimento
industrial (KLEIMAM, 2001b), tendo presente que o desencadeamento de programas
educacionais sensveis a essas populaes parece enriquecer-se quando contempla duas
frentes: as pesquisas quantitativas e as pesquisas qualitativas. Por meio das grandes
pesquisas quantitativas, possvel delinear de modo mais preciso como agir, em nvel
global, no mbito macrocultural. J os estudos acadmicos qualitativos, especialmente
os de tipo etnogrfico, permitem conhecer as perspectivas dos usurios e os contextos
de uso e apropriao da escrita, o que, por sua vez, favorece a avaliao do impacto das
intervenes e, em alguma medida, faculta o traado de tendncias gerais capazes de
subsidiar as polticas de implementao desses programas (KLEIMAN, 2001b).
O estudo desses possveis impactos tem relevncia para a rea de Educao de
Jovens e Adultos, uma vez que o estabelecimento de uma zona de contato e de
relacionamento entre as formas dominantes, de prestgio, com as formas subalternas,
no legitimadas, do letramento, poderia levar a programas de Educao Bsica de
Jovens e Adultos mais consequentes (KLEIMAN, 2001b). Nesse sentido, interessa [...]
compreender a complexidade inerente formao de produtores de texto e formao
de leitores numa sociedade em que o acesso a esses bens culturais se encontra
desigualmente distribudo, envolto em relaes de poder e de luta hegemnica
(VVIO; DE GRANDE, 2010, p. 53).
com posicionamento poltico anlogo que erigimos esta proposta de estudo,
visando responder s seguintes questes: Como se caracterizam os usos sociais da
escrita nos contextos extraescolar e escolar dos alfabetizandos adultos,
participantes desta pesquisa, inseridos em uma sociedade grafocntrica? O que
motiva tais homens e mulheres a recorrerem a uma instituio escolar a fim de
participarem de um programa de alfabetizao? Em que medida o programa de
alfabetizao do qual os alfabetizandos adultos participantes deste estudo tomam
parte tem lhes facultado e/ou favorecido a construo de novas prticas de
letramento e, por via de consequncia, sua insero em novos eventos de
letramentos?
Para tal abordagem, delineamos, inicialmente nosso objeto de pesquisa, seguido
do aporte terico que contempla quatro enfoques, a saber: (1) a(na)lfabetismo adulto e
seus aspectos histricos, indicadores e programas; (2) letramento e suas especificidades
conceituais e relaes com a alfabetizao; (3) alfabetizao e implicaes no que
respeita a acessibilidade social, identidade e empoderamento; e, (4) alfabetizao em
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uma discusso sobre mtodos e sobre a natureza das aes pedaggicas endereadas a
alfabetizandos adultos. Finalmente, descrevemos os procedimentos de pesquisa e
inserimos o cronograma e o anexo nico.
Com essa abordagem, nosso objetivo contribuir para os estudos da rea, em
convergncia com nosso compromisso poltico, sobretudo, no que respeita inteno
de, na Lingustica Aplicada, construir inteligibilidades que favoream o delineamento
de aes mais consequentes em se tratando dos estratos sociais fragilizados, os quais,
em nossa concepo, demandam das universidades pblicas comprometimento
redobrado.
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1 OBJETO
O objeto desta pesquisa a modalidade escrita da lngua no cotidiano extraescolar
e escolar de adultos alfabetizandos, moradores de Florianpolis SC, inseridos no
mercado de trabalho e participantes do Programa Brasil Santa Catarina Alfabetizado.
Tal recorte nos parece especialmente relevante por concebermos esses sujeitos na
condio de integrantes de uma sociedade crescentemente mais centrada na escrita e por
isso terem suas interaes perpassadas por essa mesma modalidade da lngua (ROJO,
2009a).
1.1 rea temtica
Cultura escrita alfabetizao e letramento.
1.2 Delimitao do tema
O foco desta pesquisa est delimitado ao estudo da modalidade escrita da lngua
no cotidiano extraescolar1 e escolar
2 de homens e mulheres inseridos em um contexto
social de grafocentrismo3 e participantes de um programa pblico institucional de
alfabetizao de adultos o Programa Brasil Santa Catarina Alfabetizado.
1.3 Problema
Muito se tem falado, em diferentes esferas da sociedade, sobre a importncia da
educao de jovens e adultos no Brasil e no mundo desde a quinta edio da
Conferncia Internacional de Educao de Jovens e Adultos Confintea4, realizada em
julho do ano de 1997. Na ocasio, 1.500 representantes de 170 pases comprometeram-
1 Para as finalidades desta pesquisa, entendemos cotidiano extraescolar como a microcultura
(ERICKSON, 1989) em que vivem esses homens e mulheres, constituda pelas diferentes esferas de
atividade nas quais esto inseridos, cada qual com suas exigncias, expectativas e objetivos especficos
(TINOCO, 2008, p. 64). 2 J, por cotidiano escolar, entendemos a esfera escolar no sentido estrito e suas demandas especficas de
uso da linguagem. 3 Por contexto social de grafocentrismo, entendemos uma cultura/sociedade perpassada por valores,
normas e verdades cientficas, produtos da escrita (TFOUNI, 2006b, p. 133). 4 As conferncias Internacionais de Educao de Adultos so convocadas pela UNESCO periodicamente,
a cada dez ou doze anos.
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se com o direito dos cidados de todo o planeta aprendizagem ao longo da vida,
concebida para alm da escolarizao e/ou da educao formal, incluindo as situaes
informais de aprendizagem presentes nas sociedades contemporneas, marcadas pela
forte presena da escrita, dos meios de informao e comunicao5.
Essa preocupao em imprimir ao processo de ensino e aprendizagem um carter
social6 mostrava-se pontual na dcada de 1950, poca que [...] testemunhou uma
tendncia crescente em se distinguir entre uma pessoa alfabetizada e uma pessoa
funcionalmente alfabetizada [...] (GRAFF, 1994, p. 76). O advento do Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional Inaf7 segue essa tendncia; ou seja, antes o
enfoque dos indicadores e programas educacionais governamentais era a alfabetizao
dos indivduos no sentido restrito do termo domnio ou no do cdigo alfabtico em
estruturas destitudas de contextualizao social efetiva , passando a se ocupar, como
se d com o Inaf, em focalizar os usos sociais da escrita, a despeito da artificialidade
inerente a coletas massivas8 de modo geral.
A alfabetizao de jovens e adultos constitui preocupao institucional, move
indicadores quantitativos e representa tema pulsante, robustecido a partir da segunda
metade do sculo XX. Neste enfoque de pesquisa, nosso propsito particularizar esse
tema em trs recortes distintos, a seguir especificados.
1.3.1 Primeira questo de pesquisa: foco em prticas e eventos de letramento
Os nmeros acerca do alfabetismo/analfabetismo tm relevncia por vivermos em
uma sociedade em grande medida grafocntrica e, portanto, nossa existncia e o nosso
modo de vida tendem a ser perpassados crescentemente pela escrita. Nesse contexto, as
5 Por educao para adultos, entendemos o conjunto de processos de aprendizagem, formal ou no,
graas ao qual pessoas consideradas adultas pela sociedade a que pertencem desenvolvem suas
capacidades, enriquecem os seus conhecimentos e melhoram as suas qualificaes tcnicas e
profissionais, ou as reorientam de modo a satisfazerem as suas prprias necessidades e as da sociedade. A
educao de adultos compreende a educao formal e a educao permanente, a educao no formal e
toda gama de oportunidades de educao informal e ocasional existente numa sociedade educativa
multicultural, em que so reconhecidas as abordagens tericas e baseadas na prtica (Art. 3 da
Declarao de Hamburgo sobre Educao de Adultos, verso portuguesa). 6 Carter social entendido, neste estudo, como implementaes para tornar a escola um ambiente em
que se produzem e se legitimam aes de cidadania. 7 Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf) criado pelo Instituto Paulo Montenegro/Ibope,
em parceria com a organizao no-governamental Ao Educativa, em 2001. 8 O Inaf utiliza na pesquisa para fins de coleta de dados uma revista criada para tal, o que constitui, em
grande medida, uma artificializao do suporte, mas avana em relao s formas de cmputo e
caracterizao dessas populaes realizadas no passado (RIBEIRO, 2004).
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prticas de letramento esto vinculadas a diferentes domnios de atividade (casa, escola,
lugar de trabalho, igreja etc.), constituem-se a partir de uma rede de elementos e so
situadas em eventos de letramento (HEATH, 1982; BARTON, 1994; STREET, 2003;
OLIVEIRA, 2008).
As prticas de letramento podem ser entendidas como conceitos, modelos sociais
respectivos natureza que o evento possa ter, que o fazem funcionar e que lhe do
significado (STREET, 1988; 2000; 2003), ou como formas culturalmente aceitas de usar
a leitura e a escrita que, por sua vez, so realizadas em eventos de letramento
(BAYNHAM, 1995). Os eventos de letramento, ento, envolvem no apenas o que as
pessoas fazem a ponta do iceberg de que trata Hamilton (2000) , mas o que elas
pensam sobre o que fazem e os valores e ideologias que esto subjacentes s aes com
a escrita, isto , implicam fatores ideolgicos fortemente marcados ou seja, as prticas
de letramento, a base do iceberg segundo Hamilton (2000). Para Kleiman (2001
[19959], p. 21), [...] as prticas de letramento, no plural, so social e culturalmente
determinadas e, como tal, os significados especficos que a escrita assume para um
grupo social dependem dos contextos e instituies em que ela foi adquirida. Essas
prticas so, ainda, [...] an the general cultural ways of utilizing literacy which people
draw upon in a literacy event.10 (BARTON, 1994, p. 37).
Eventos de letramento, por sua vez, so quaisquer ocasies em que parte da
escrita est integrada natureza das interaes e de seus processos interpretativos
(HEATH, 1982), correspondem [...] a qualquer sequncia de ao, envolvendo uma ou
mais pessoas, na qual a produo e a compreenso da escrita exercem um papel
(OLIVEIRA, 2008, p. 102). So as aes visveis, fotografveis dos participantes
envolvendo ferramentas materiais (textos, por exemplo) (HAMILTON, 2000).
Considerando, ento, a centralidade da escrita em nossa sociedade, instituda por
esses eventos de letramento ancorados em prticas de letramento, cunhamos a primeira
questo-problema: Como se caracterizam os usos sociais da escrita nos contextos
extraescolar e escolar dos alfabetizandos adultos, participantes desta pesquisa,
9 Na referenciao desta obra de Angela Kleiman, assim como na referenciao da obra Letramento: um
tema em trs gneros, de Magda Soares, ainda que as datas da edio que usamos e da primeira edio sejam muito prximas, manteremos a distino porque entendemos que, na segunda metade da dcada de
1990, essas obras foram seminais no redirecionamento dos estudos sobre a modalidade escrita da lngua
no Brasil; a manuteno das duas datas tem, pois, razes de marcao histrica. 10
[...] as maneiras gerais com que cada cultura utiliza o letramento, modos nos quais as pessoas se baseiam num evento de letramento. (BARTON, 1994, p. 37).
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inseridos em uma sociedade grafocntrica? Essa questo desdobra-se em outras
questes: De quais eventos de letramento tais alfabetizandos adultos participam em
seu dia-a-dia? De que eventos de letramento, recorrentes e significativos no
cotidiano extraescolar, esses homens e mulheres informam no tomar parte pelo
no domnio da escrita? Que implicaes pessoais e sociais, segundo eles, essa
eventual excluso traz consigo?
1.3.2 Segunda questo de pesquisa: foco nas expectativas dos alfabetizandos em relao
ao processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
Mesmo inserida em uma sociedade grafocntrica reiteramos aluso feita na
introduo deste projeto segundo Oliveira e Kleiman (2008, p. 8), [...] existe ainda
uma grande parcela da populao brasileira que fica margem do processo de produo
e usufruto dos bens sociais por no usar, de modo efetivo e em seu prprio benefcio, as
prticas de leitura e escrita. Tal situao representa s agncias de letramento, como a
escola e a universidade, um desafio.
Graff (1994, p. 27) entende que [...] os lugares da alfabetizao e da
escolarizao no so nem sacrossantos nem muito bem compreendidos, ou seja,
fundamental o questionamento mesmo que sem respostas que esgotem as
possibilidades sobre qual o lugar da alfabetizao, sobre sua relevncia e sobre seu
efetivo papel no contexto social. Ainda de acordo com Graff (1994), esses
questionamentos acerca da alfabetizao encontram relativa dificuldade de trnsito
pelas esferas escolar, acadmica e em outros espaos sociais em funo da
supervalorizao vigente tanto da alfabetizao quanto da escolarizao tomadas em si
mesmas, muitas vezes entendidas como socialmente redentoras na imanncia dos
processos a que correspondem.
central nos ditos de Graff (1994) que a alfabetizao, assim como outras
tecnologias, no corresponde, por si s, a um agente de mudana. As mudanas
atreladas alfabetizao so, antes, mudanas dependentes dos indivduos inseridos em
determinadas conjunturas sociais, isto , h questes socioeconmicas, culturais e
histricas implicadas nessas mudanas e que precisam ser consideradas.
Paralelamente questo das mudanas relacionadas alfabetizao, est o
empreendimento poltico em criar consensos sobre a valorao social da alfabetizao,
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possivelmente na busca de manuteno de um entendimento histrico de que o domnio
dos processos de escrita, por si s, representaria o acesso das diferentes populaes a
melhores condies de vida. Graff (1994, p. 50) polemiza a importncia das funes
integradoras e criadoras de hegemonia da alfabetizao as quais seriam institudas por
meio da escolarizao formal. Nessas concepes criticadas pelo autor, parece implcita
a considerao da escolarizao e da alfabetizao como veculos para a promoo de
valores, atitudes e hbitos considerados essenciais para a manuteno da ordem social.
Compartilhamos com Graff (1994) a compreenso de que, se entendidas sob essa
perspectiva, escolarizao e alfabetizao assumem uma dimenso, sob vrios
aspectos, adestradora. J quando concebidas como redentoras das mazelas sociais,
ganham uma face mitificadora pouco consistente.
Entendemos ser inequvoco o papel da escolarizao na ampliao dos saberes das
diferentes populaes, o que, no entanto, no constitui sinnimo da redeno dessas
populaes, redeno essa concebida luz de um iderio prototpico de sociedade, cuja
ancoragem tende a ser o tipo de vida das elites escolarizadas; ou seja, alfabetizar em
massa os sujeitos inseridos em entornos de analfabetismo seguramente no constitui,
por si s, garantia de qualificao de vida desses mesmos sujeitos, at porque a
concepo de qualificao no pode ser delineada sob um vis universalizante e
abstrato.
Com relao a programas institucionais massivos de alfabetizao, Street (2003)
entende que o objetivo no deveria ser simplesmente aumentar o nmero de alunos
aprovados em testes de alfabetizao, mas expandir as prticas comunitrias na rea do
letramento. O autor entende, ainda, como axial s campanhas de alfabetizao
considerar as prticas de letramento existentes e de que maneira essas prticas podem
ser relacionadas s prticas de letramento introduzidas por aqueles que desenvolvem as
campanhas.
Outra questo interessante, abordada por Street (2003), o carter ideolgico
dos programas institucionais. De acordo com o autor, [...] at mesmo a aquisio
inicial do letramento [escolar], que se d [...] atravs de programas especficos, sempre
ideolgica, ao mesmo tempo em que envolve habilidades tcnicas e conhecimento. E
isso tem implicaes para o desenho e para a oferta de programas de letramento para
adultos [...] (STREET, 2003, p. 9). Por outro lado, ainda segundo o autor, os prprios
adultos que frequentam cursos de alfabetizao mostram-se resistentes possibilidade
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de que lhes seja negado acesso linguagem e ao letramento do poder. Escreve Street
(2003, p. 4):
Sempre que surgem campanhas de alfabetizao para levarem
letramento para os analfabetos luz para a escurido, como freqentemente se caracteriza comeo a imaginar em primeiro lugar quais prticas locais de letramento poderiam existir, e como se
poderiam relacionar s prticas de letramento introduzidas por aqueles
que desenvolvem as campanhas. Em muitos casos, as formas
exgenas de letramento terminam por no pegar poucas pessoas frequentam as aulas, e os que aparecem terminam desistindo,
precisamente por serem prticas de um grupo de fora e com
freqncia estranho [...] Ainda que, a longo prazo, muitas pessoas do
local desejem efetivamente modificar as suas prticas de letramento,
adotando algumas outras, associadas sociedade ocidental ou urbana,
a imposio crua dessas ltimas, que marginalizam e negam a
experincia local, provavelmente terminar por afastar at mesmo
aqueles que inicialmente estivessem motivados.
Ainda em relao aos propsitos dos programas institucionais massivos de
alfabetizao, duas questes, levantadas por Graff (1994), merecem especial ateno no
contexto desta pesquisa: primeiro, esses indivduos, em situao de no domnio dessa
tecnologia, so menos teis e tm performance inferior nas esferas em que circulam?
E, uma segunda questo implicada na anterior: a alfabetizao efetivamente
significativa, ou melhor, central para a performance desses adultos nas esferas
ocupacional, econmica e social? Subjacentemente a essas questes parece grassar um
iderio histrico de vinculao biunvoca entre domnio do sistema alfabtico e
desenvolvimento socioeconmico. Graff (1994) questiona essas relaes de causa e
efeito e os propsitos sobre os quais se sustenta, o que discutiremos frente.
A partir dessas consideraes e dos questionamentos propostos por Graff (1994),
enunciamos uma segunda questo de pesquisa: O que motiva os homens e as
mulheres envolvidos neste estudo a recorrerem a uma instituio escolar a fim de
participarem de um programa de alfabetizao? Essa questo desdobra-se em: Que
demandas profissionais e familiares so depreensveis nessa motivao? Quais so
as expectativas desses homens e mulheres acerca do processo de alfabetizao no
qual buscaram se inserir?
1.3.3 Terceira questo de pesquisa: foco no processo de ensino e aprendizagem da
leitura e da escrita para esses jovens e adultos
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Graff (1994, p. 29) argumenta que o problema primeiro da alfabetizao em
programas institucionais e via escolarizao o conceito de alfabetizao tomado por si
s. Segundo ele, debates e discusses dificilmente consideram o que quer dizer
alfabetizao. Isso faz com que esses debates e discusses e, a nosso turno, muitos
dentre os programas de alfabetizao que surgem a partir de tais debates e discusses,
sejam invalidados desde o princpio e que os indicadores no revelem efetivamente
muito sobre habilidades alfabticas (habilidades bsicas de ler e escrever) por no haver
compreenses efetivamente consensuais sobre o que seja alfabetizao.
Segundo Ferreiro (2003), axial na alfabetizao que esse processo seja
compreendido no como um estado, mas como um percurso que tem incio em fases
iniciais da histria dos sujeitos. Para a autora, porm, o modelo vigente de alfabetizao
desconsidera que, embora os sujeitos tenham como agncia de alfabetizao oficial a
escola, tanto adultos quanto crianas, ao ingressarem no processo de alfabetizao
formal, j contam com um arsenal cultural que deve ser considerado na escolarizao.
Ainda, segundo Ferreiro (2003) no que respeita a essa questo e permeia a
crtica que a autora faz aos processos associacionistas , os defensores do mtodo fnico
no levam em conta um dado que se mostra fundamental, que o nvel de
conscientizao do indivduo sobre a escrita. O paradigma fnico parece estar em franco
retorno hoje, sustentando-se em descobertas neurocientficas (DEHAENE, 2007;
SCLIAR-CABRAL, 2009), e, ao comparar aprendizes de agora com aprendizes de
outras pocas segundo esse discurso, quando se ensinava pelo mtodo fnico, as
crianas de alfabetizavam , parece no focalizar a forma como as vivncias sociais
contemporneas sobretudo quando mediadas pelas tecnologias requerem dos
sujeitos a experimentao da lngua escrita no cotidiano, a despeito de no dominarem o
sistema alfabtico; essa uma em um conjunto de caractersticas que distinguem o ser
humano de hoje daquele de algumas dcadas atrs. Logo, ao que parece, o discurso de
retomada de posturas de eficincia que, em tese, teriam sido abandonadas com o
advento do pensamento construtivista, no contempla em boa medida a historicidade
dos aprendizes. Voltaremos a essa discusso no aporte terico deste projeto.
Considerando as diferentes acepes de alfabetizao, Tfouni (2006a) prope
duas formas distintas de compreenso e significao do termo. Na primeira delas, a
alfabetizao vista como um processo de aquisio individual de habilidades
requeridas para a leitura e escrita; na segunda, como um processo de representao de
objetos diversos, de naturezas diferentes.
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A primeira das concepes trata a alfabetizao, ao contrrio do que sugere
Ferreiro (2003), como um processo para aquisio de habilidades vinculadas ao
domnio do cdigo alfabtico. Essa concepo corroborada, tambm, via objetivos
institucionais e desconsidera, por exemplo, que as habilidades necessrias para ler um
jornal tm implicaes diferentes das habilidades requeridas para ler um manual tcnico
para instalao de eletrodomsticos, por exemplo, ainda que comunguem o necessrio
domnio do cdigo alfabtico. Muitas vezes se descreve o processo de alfabetizao
como se ele fosse idntico aos objetivos que a escola se prope enquanto lugar que
alfabetiza (TFOUNI, 2006a, p. 15).
importante pontuar, ainda, que alfabetizao, sob esse iderio, prope-se neutra,
ou seja, apresentada como destituda de sua funo ideolgica. O ato de alfabetizar
ocorre somente como parte das prticas escolares, consequentemente ignoram-se
sistematicamente as prticas sociais mais amplas nas quais a leitura e a escritura so
necessrias, e nas quais sero efetivamente colocadas em uso (TFOUNI, 2006a, p. 16).
A outra concepo de alfabetizao o chamado processo de representao.
Nessa concepo,
[...] no o cdigo, tomado na acepo simplista da representao
grfica dos sons da fala, que o sujeito precisa dominar ao ser
alfabetizado. , antes, todo um sistema complexo, scio-histrico e
cultural, em que as prticas discursivas letradas circulam, alm de
levar em considerao o funcionamento da escrita e as finalidades
para as quais ela dirigida nas interaes sociais (TFOUNI, 2006a, p.
19).
Quando da alfabetizao via educao formal tomada de acordo com essa segunda
concepo, a reconstruo crtica da histria, da cultura e das prticas de letramento da
comunidade a que pertencem os alunos seria uma alternativa de construo conjunta de
uma aprendizagem significativa, que lhes permitiria chegar [...] aos conhecimentos
valorizados pelas classes dominantes sem a doutrinao decorrente das abordagens
tradicionais, com o olhar crtico e a disposio necessria para converter o
conhecimento em ao cidad (TINOCO, 2008, p. 72).
Tendo presente as diferentes formas de conceber o encaminhamento dos
processos de alfabetizao, tecemos uma terceira questo de pesquisa: Em que medida
o programa de alfabetizao do qual os alfabetizandos adultos participantes deste
estudo tomam parte tem lhes facultado e/ou favorecido a construo de novas
prticas de letramento e, por via de consequncia, sua insero em novos eventos de
-
15
letramento? Essa questo desdobra-se em: Como se configura o ncleo de
escolarizao em questo para atender s expectativas desses homens e mulheres
em relao ao processo de alfabetizao? Esse ncleo de escolarizao assume
como papel atender a expectativas desses alfabetizandos e/ou prope-se a
ressignificar essas expectativas? Em que medida e de que forma?
A partir dessas questes, buscamos essencialmente entender, na atual
configurao das classes de alfabetizao de jovens e adultos, qual o papel do ncleo de
escolarizao dessa natureza e por quais vias a co-construo do conhecimento pode se
dar nesses contextos socioeconmicos e culturais, considerando as especificidades
dessas populaes no que respeita a sua insero microcultural11
(ERICKSON, 1989).
1.4 Objetivos
A presente pesquisa toma como objeto eventos e prticas de letramento nos
quais se inserem alfabetizandos adultos, em contextos grafocntricos, participantes de
programa de alfabetizao institucional. Com base nas questes traadas no problema,
delineamos a seguir os objetivos deste estudo.
1.4.1 Objetivo geral
Compreender como se caracterizam os usos sociais da escrita nos contextos
extraescolar e escolar dos alfabetizandos adultos participantes desta pesquisa,
inseridos em uma sociedade grafocntrica, bem como identificar quais as motivaes
de tais homens e mulheres ao recorrerem a uma instituio escolar a fim de
participarem de um programa de alfabetizao, descrevendo analiticamente em que
medida e/ou de que forma o programa de alfabetizao do qual os alfabetizandos
adultos participantes deste estudo tomam parte tem lhes facultado e/ou favorecido a
construo de novas prticas de letramento e, por implicao, sua insero em novos
eventos de letramentos.
11 Por microcultura, para as finalidades deste estudo, entendemos, luz de Erickson (1989), o entorno
social em que se do as vivncias cotidianas dos sujeitos, implicando casa, vizinhana, escola, igrejas e
espaos afins.
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16
1.4.2 Objetivos especficos
Caracterizar analiticamente eventos de letramento de que tais alfabetizandos
adultos participam em seu dia-a-dia.
Identificar de quais eventos de letramento, recorrentes e significativos no
cotidiano extraescolar, esses homens e mulheres informam no tomar parte pelo
no domnio da escrita.
Depreender que implicaes pessoais e sociais, segundo eles, essa eventual
excluso traz consigo.
Descrever analiticamente que demandas profissionais e familiares so
depreensveis em se tratando da motivao para a insero em esfera escolar
institucionalizada desses adultos.
Identificar quais so as expectativas desses homens e mulheres acerca do
processo de alfabetizao no qual buscaram se inserir.
Descrever analiticamente a configurao do ncleo de escolarizao em questo
para atender s expectativas desses homens e mulheres em relao ao processo
de alfabetizao.
Depreender se tal ncleo de escolarizao assume como papel atender a
expectativas desses alfabetizandos e/ou prope-se a ressignific-las e em que
medida e de que forma isso feito.
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17
2 JUSTIFICATIVA
So bastante recorrentes, na mdia12
, inseres sobre o compromisso
governamental com a diminuio dos nmeros de analfabetos e de analfabetos
funcionais. Em contrapartida, autores, como Graff (1994), veem as medidas que visam
amenizar o problema como puramente polticas na maioria das vezes.
Dados do IBGE do ano de 200013
revelam, em se tratando de nvel educacional,
nmeros que do conta de 85.464.452 adultos com mais de vinte e cinco anos no pas.
Desse nmero, 12.464.760 declararam, por ocasio da pesquisa, no terem tido, ainda,
nenhuma insero na esfera escolar formal. Do total de maiores de 25 anos, 158.450
adultos estiveram ou esto inseridos em classes de alfabetizao de adultos. Com
relao aos que tiveram educao, como formalmente concebido esse processo,
15.250.782 cursaram, mas no concluram, o Ensino Fundamental de primeiro ciclo. O
restante dos adultos informaram ter cursado o Ensino Fundamental incompleto da 4 a
7 srie, ou t-lo feito integralmente; nesse grupo, h quem tenha cursado o Ensino
Mdio completo ou concludo o nvel superior de ensino graduao, mestrado e
doutorado.
Os dados acerca da incompletude do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, da
insero em classes de alfabetizao de adultos e do nvel zero de escolarizao nos
parecem especialmente significativos por compreenderem, juntos, um nmero
expressivamente maior do que o contingente que concluiu o Ensino Fundamental
10.974.667 adultos.
imprescindvel considerar, ainda, os nmeros de indicadores como o Inaf14
, por
exemplo, que tomam os indivduos no a partir da escolarizao, mas dos usos que
fazem efetivamente da escrita. Esses nmeros informam um contingente populacional
de analfabetos15
da ordem de 7% na ltima edio do indicador (2009), de 21% de
alfabetizados no nvel rudimentar, de 47% no nvel bsico e de 25% no nvel pleno.
Desde a primeira edio (2001/2002) at a ltima (2009), o Inaf tem apresentado
12 A exemplo: LOURENO, Jlia A. O recuperador de sonhos. Dirio Catarinense, DC na sala de aula,
Florianpolis, p.12, ago./2009.
A cidadania ameaada pelo analfabetismo. Correio do Povo, Opinio, Porto Alegre, p.4, out./2009. 13
Disponvel em www.ibge.gov.br/servidor_arquivos_est/, acesso em 16/09/2010. 14
Disponvel em www.ipm.org.br/.../inaf_brasil2009_relatorio_divulgacao_final.pdf, acesso em
23/04/2010. 15
As especificaes de cada nvel sero apresentadas na primeira seo terica deste projeto, intitulada
A(na)lfabetismo adulto: histrico, indicadores e programas.
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18
alteraes positivas nos nmeros de analfabetismo funcional (de 12% para 7%), de
alfabetismo rudimentar (de 27% para 21%) e de alfabetismo bsico (de 34% para 47%).
Os nmeros do alfabetismo pleno, no entanto, tem se mantido entre 25 e 28%.
importante pontuar que, diferentemente dos dados apresentados pelo IBGE, a
pesquisa do Inaf tem como informantes brasileiros entre 15 e 64 anos. So
considerados, nessa abordagem, analfabetos funcionais os sujeitos que se encontram
nos dois primeiros nveis, ou seja, os analfabetos e os alfabetizados rudimentarmente, o
que compreendia, por ocasio do levantamento realizado no incio desta dcada, a 39%
da populao participante.
Analisando, ento, os dados do IBGE e do Inaf, por inferncia, podemos
considerar que nem todos os integrantes de cursos de educao de adultos ou que nem
todos os participantes que declararam ao IBGE terem cursado, embora no concludo, o
Ensino Fundamental de primeiro ciclo (1 a 4 srie) so considerados alfabetizados pelo
Inaf. Mais radicalmente, podemos inferir que grande parte est na linha considerada
analfabeta funcionalmente. Importa, portanto, compreender em que medida esses cursos
de alfabetizao, quer sejam os regulares ou os de educao de adultos, tm facultado a
seus alunos o uso efetivo da escrita em sua microcultura e, paralelamente, a ampliao
do trnsito desses sujeitos por esferas da atividade humana distintas das suas.
Interessados nessa questo, estudiosos brasileiros apontam para a necessidade de
estudos de cunho etnogrfico sobre o impacto da alfabetizao de adultos via programas
institucionais, a exemplo Kleiman (2001b, p. 270)
Para o pesquisador, h muito pouca documentao sobre os potenciais
impactos das prticas culturais dos grupos de aprendizes adultos nos
programas e nas pesquisas desenvolvidos nas agncias religiosas, nos
rgos federais estaduais e municipais, nas ONGs (podemos imaginar
que talvez seja porque essas repercusses, desafortunadamente, no
existam).
Ainda segundo Kleiman (2001b, p. 272), iniciativas internacionais tm
focalizado essa necessidade de estudos que considerem as realidades locais. Segundo a
autora, necessrio
[...] se desenvolver pesquisa aplicada para a produo de acervo de
conhecimento localmente produzido. Esses acervos serviriam,
subsequentemente, como fonte e instrumento para a elaborao de
modelos e programas locais e para a formao e educao continuada
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19
de alfabetizadores de adultos, que tanto poderiam dissemin-los como
construir conhecimentos com base neles.
Cerutti-Rizzatti (2009, p. 6), por sua vez, corrobora esse postulado:
Uma descrio analtica dos usos que analfabetos [estendemos a
afirmao para alfabetizandos] fazem da escrita em seu cotidiano
nessas [...] sociedades seguramente foco de interesse de quem se
ocupa de entender o que as pessoas fazem com a escrita em sua vida
cotidiana e a que se presta essa modalidade em se tratando de ao
humana.
Considerando os objetivos/desafios das iniciativas educacionais institucionais no
que tange alfabetizao, Henriques e Ireland (2005, p. 357) afirmam que
Os desafios centrais do MEC/Secad, hoje, esto em saldar a enorme
dvida histrica do pas no tocante educao, comprometendo-se com
a democratizao dos sistemas de ensino e a criao de instrumentos
que garantam a educao para todos como direito humano fundamental.
No se trata apenas de oferecer alfabetizao ou escolarizao por um
curto tempo, mas fazer valer os sentidos da EJA [que entendem] a
educao como chave para o sculo XXI e consideram a humanizao
dos sujeitos como uma resultante de aprendizagens que se do ao longo
de toda a vida.
Experincias de implicaes etnogrficas que temos vivenciado em salas de aula
de cursos de alfabetizao de jovens e adultos, porm, sugerem haver aparente paradoxo
entre o que proposto pelos modelos de educao de jovens e adultos, que, em tese,
teriam a funo de co-construir um alargamento dos usos sociais da escrita em se
tratando dessas populaes, e as necessidades que levam esses adultos s salas de aula
muitos anos depois do momento e do tempo tidos como adequados do ponto de vista da
idade escolar (FREIRE; MACEDO, 2006 [1990]).
Parece-nos evidente que em nada contribui para esse alargamento quer seja no
mbito profissional, social, familiar etc. trabalhar em processos de alfabetizao com
modelos universalizantes, construdos a priori a despeito dos letramentos locais
(STREET, 2003), modelos caracterizados por enfoques gramaticais asspticos, por
textos descolados dos usos sociais da modalidade escrita, por textos extrados de seus
suportes originais e pela prevalncia de textos cannicos, isso em detrimento de
trabalhar em contextos de sentidos, privilegiando gneros do discurso (BAKHTIN,
2003 [1952/53]) que, em alguma medida, tenham relevncia social para os envolvidos
nesses processos educacionais.
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20
Com relao aos programas de alfabetizao, ainda, Freire e Macedo (2006
[1990]) afirmam que necessrio instituir campanhas de alfabetizao que transcendam
o atual debate a respeito da crise da alfabetizao, o que significa dizer que preciso
pensar para alm da ideia de que alfabetizao um processo mecnico simplesmente e
que se trata da aquisio tcnica de habilidades de leitura e de escrita. Temos, no
entanto, presenciado, nos contextos em que nos dado vivenciar experincias
educacionais nessa rea, uma incompatibilidade entre o que propem os documentos
parametrizadores ao afirmarem que, para ler e escrever, necessrio construir
significados e produzir sentidos16
, entre as necessidades dos alunos, entre o propsito
dos cursos e o que tem sido operacionalizado em salas de aula com cujos professores e
alunos temos convivido.
Interessa-nos, pois, para as finalidades deste projeto, analisar se as instituies,
objeto do estudo de caso que nos propomos empreender, por meio dos modelos que
adotam para a alfabetizao de jovens e adultos17
, facultam a implementao dos usos
sociais da escrita a que procedem os alfabetizandos com que trabalham, j que
entendemos a escola como principal agncia de letramento (KLEIMAN, 2001 [1995])
nesses casos, isto , detentora de papel fundamental na diversificao dos eventos de
letramento de que esses homens e mulheres participam. Mais especificamente em
relao a esse estudo, em que medida a insero na esfera escolar, portanto
institucionalizada, faculta o acesso desses homens e mulheres a mltiplos eventos de
letramento, objetivando o trnsito em diferentes esferas sociais de atividade e
considerando as prticas nas quais j esto inseridos em seus entornos sociais.
Considerando o fato de vivermos em uma sociedade grafocntrica e, com isso,
nossas prticas serem necessariamente interpeladas pela escrita, independentemente de
domnio formal do cdigo, ou seja, mesmo indivduos no alfabetizados podem ser
considerados letrados nesta perspectiva (SOARES, 2003 [1998]), a relevncia da
pesquisa ancora-se em compreender o que efetivamente essa insero em classe de
alfabetizao institucionalizada significa para esses homens e mulheres, tomados em
suas singularidades sociais, culturais, polticas e econmicas, tanto quanto em seu
tempo histrico.
16 Santa Catarina, Secretaria de Estado da Educao, Cincia e Tecnologia. Proposta Curricular de Santa
Catarina: Estudos Temticos. Florianpolis: IOESC, 2005. 17
No caso especfico da pesquisa, o Programa Brasil Santa Catarina Alfabetizado.
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21
Entendemos, ainda, que traar a reconstruo crtica da histria, da cultura e das
prticas de letramento, da microcultura desses sujeitos ponto de partida para co-
construo de uma aprendizagem significativa, que permita a sntese dialtica entre
prticas de letramento globais e locais (OLIVEIRA; KLEIMAN, 2008; STREET,
2003). Nesse sentido, julgamos que nossa pesquisa, dada sua filiao etnogrfica,
poder facultar a compreenso de implicaes socioculturais e poltico-econmicas
relevantes nesses contextos.
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22
3 A(NA)LFABETISMO ADULTO: ASPECTOS HISTRICOS,
INDICADORES E PROGRAMAS18
Tematizar educao de jovens e adultos implica um esforo em mapear uma ao
educativa rica em especificidades e complexidades. Num primeiro momento, ento,
necessrio assumir o que seguramente constitui uma obviedade: a impossibilidade de
dar conta do todo desse complexo campo. Na discusso do tema, esto implicadas
questes de natureza social, histrica e cultural que extrapolam o contexto escolar da
mesma forma que extrapolam a educao como formalmente concebida no mbito das
instituies educacionais. Acerca da complexidade desse campo, Haddad e Di Pierro
(2000, p. 108) entendem que [...] a educao de jovens e adultos sempre compreendeu
um conjunto muito diverso de processos e prticas formais e informais relacionadas
aquisio ou ampliao de conhecimentos bsicos, de competncias tcnicas e
profissionais ou de habilidades socioculturais.
Iniciativas no campo da educao de jovens e adultos implicam processos que se
desenvolvem em ambientes escolares processos esses derivados, na maioria das vezes,
de programas institucionais governamentais ou fora desses mesmos ambientes em
espaos de ensino e aprendizagem mantidos pela sociedade civil de modo relativamente
sistematizado, perpassando as diferentes esferas nas quais esses mesmos jovens ou
adultos se encontram inseridos, tais como esferas familiar, profissional, religiosa etc.
Em se tratando desses ltimos processos, que ocorrem fora da esfera escolar, existem
iniciativas no mbito da qualificao profissional, de telecomunicao, da educao
sociocultural e poltica entre outros entornos afins, as quais tm implicaes no que
vimos discutindo no universo da educao popular (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.
108). No mbito do estudo cuja realizao este projeto prope, no entanto,
circunscrevemos nosso enfoque histrico aos processos institucionalizados voltados
educao de jovens e adultos, os quais tm lugar nas esferas escolares; assim, as
iniciativas que envolvem a sociedade civil no sero tematizadas na historicizao que
segue.
18 Optamos, neste aporte terico, pela diviso em mais de uma seo de primeira entrada, separando-as
em pginas distintas, dada a extenso do contedo de cada uma delas. Estamos conscientes de que, em
projetos de pesquisa, o aporte terico constitui uma nica seo de primeira entrada, mas entendemos
possvel agir diferentemente aqui em nome da organizao lgica do texto. Assim, o aporte terico deste
projeto estende-se das sees de 3 a 6.
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23
3.1 Breve histrico dos programas de alfabetizao de adultos no Brasil
Embora a maior ateno educao de jovens e adultos tenha se
consubstanciado a partir da segunda metade do sculo XX, a preocupao com essa
demanda no nova no Brasil. Ainda no perodo colonial, os jesutas voltaram sua
ateno a ndios e escravos negros a maior parte deles adultos , tanto com o objetivo
de evangelizar como com o objetivo de transmitir normas comportamentais e de ensinar
ofcios necessrios economia colonial. Foram esses religiosos tambm que se
encarregaram da criao de escolas para os filhos dos colonizadores (HADDAD; DI
PIERRO, 2000). Na verdade, segundo documento do Conselho Poltico de Pernambuco,
o foco da ao educativa deveriam ser os meninos e no os ndios adultos (GALVO;
DI PIERRO, 2007), j que os adultos eram considerados pouco interessados em
questes religiosas, o que constitua o real objeto de ensino na poca. Essa preocupao
religiosa confirmada pelo fato de gramtica e catecismo, ou a cartilha e o catecismo,
aparecem frequentemente compilados (GALVO; SOARES, 2010).
Depois da expulso dos jesutas em 1759, as iniciativas para educao de adultos
voltaram a aparecer somente no Imprio, com a criao da primeira Constituio em
1824. Essa Constituio assegurava [...] instruo primria e gratuita para todos os
cidados [...], mas pouco se viu realizado em relao ao educativa voltada aos
adultos no perodo imperial, ficando apenas [...] a inspirao iluminista que se tornou
semente e enraizou-se definitivamente na cultura jurdica, manifestando-se nas
Constituies brasileiras posteriores (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 109).
A Constituio de 1891 contemplou uma concepo de governo em que a
responsabilidade pblica pelo ensino bsico foi descentralizada nas Provncias e nos
Municpios. A cargo da Unio ficou o papel de motivar essas atividades, dado estar
incumbida da responsabilidade maior com a educao secundria e com a superior
(HADDAD; DI PIERRO, 2000), o que, entre outras questes, sugere zelo pela educao
das elites socioeconmicas em detrimento da educao elementar da populao em
geral. Eram basilares ao ensino, naquele perodo, a Constituio do Imprio, algumas
leis e o Cdigo Criminal (GALVO; DI PIERRO, 2007), alm de ser pontual a
preocupao com a manuteno da ordem social.
A despeito do desprestgio em relao ao ensino elementar, esse foi um perodo
marcado por vrias reformas educacionais com vistas normatizao e voltadas para
minimizar a precariedade do ensino bsico (HADDAD; DI PIERRO, 2000). Afora essas
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24
reformas educacionais, a educao de adultos tinha um carter filantrpico naquele
momento histrico. O professor nada recebia pelas aulas ministradas aos adultos. Tal
atividade tinha, portanto, status de misso, contribuindo para a regenerao do povo
(GALVO; DI PIERRO, 2007). Os enfoques, que nortearam tais reformas, trouxeram
poucos resultados efetivos em se tratando da implementao da educao primria e foi
isso que evidenciou o censo de 1920. O recenseamento em questo, realizado trinta anos
aps o estabelecimento da Repblica no pas, apontou um ndice de 72% de analfabetos.
Segundo Haddad e Di Pierro (2000, p. 110), [...] a Revoluo de 1930 foi um
marco na reformulao do papel do Estado no Brasil [...], o que parece possvel inferir
no texto da Constituio de 1934 ao propor um Plano Nacional de Educao. O Plano
em questo foi fixado, coordenado e fiscalizado pelo governo federal e delimitou de
maneira clara as esferas de competncia da Unio, dos estados e municpios em se
tratando de educao. Nesse plano, a Unio deveria incluir dentre a normatizao [...] o
ensino primrio integral gratuito e de frequncia obrigatria (HADDAD; DI PIERRO,
2000, p. 110), o que, pela primeira vez, inclua a educao de jovens e adultos de
maneira particularizada.
Em 1938, com a criao do Inep Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos
foi regulamentada a preocupao com a reduo sistemtica do analfabetismo no Brasil.
Aes internacionais corroboraram e ampliaram os esforos empregados nessa tentativa
de reduo do analfabetismo. Exemplo disso foi o fato de a Unesco, em 1945, ter
denunciado desigualdades entre pases e ter apontado para a centralidade da educao
no processo de desenvolvimento das naes (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
De acordo com Haddad e Di Pierro (2000), o Estado brasileiro aumentou suas
atribuies e responsabilidades em relao educao de jovens e adultos a partir de
1940, depois de uma atuao pouco significativa nesse campo durante todo o perodo
colonial, o Imprio e a Primeira Repblica. Os esforos subsequentes, nas dcadas de
1940 e 1950, resultaram na diminuio do percentual anteriormente mencionado de
72% para 46,7% nos ndices de analfabetismo na populao brasileira.
Seguindo essa tendncia de aes internacionais com enfoque voltado ao
educativa com vistas ao desenvolvimento das naes, surgiu, em 1949, a primeira
edio da Conferncia Internacional de Educao de Adultos (Confintea). Em Elsinore,
na Dinamarca, num contexto de ps-guerra e de tomadas de decises em busca pela paz,
reuniram-se 106 delegados de 21 organizaes internacionais e 27 pases, sendo eles:
Austrlia, ustria, Blgica, Canad, China, Dinamarca, Egito, Finlndia, Frana,
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25
Alemanha, Gr-Bretanha, Ir, Irlanda, Itlia, Lbano, Holanda, Nicargua, Noruega,
Paquisto, Sucia, Sua, Sria, Tailndia, Turquia, Estados Unidos. O Brasil no
participou dessa primeira edio da conferncia, mesmo tendo participado da Campanha
em Beirute em 1948 e mesmo tendo sediado o Seminrio Interamericano em 194919
.
Nesse evento, quatro comisses de delegados recomendaram que os contedos
da educao de adultos estivessem de acordo com as suas especificidades e
funcionalidades; que fosse uma educao aberta, sem pr-requisitos; que os problemas
das instituies e das organizaes com relao oferta fossem debatidos; que a
educao de adultos fosse desenvolvida com base no esprito de tolerncia, devendo ser
trabalhada de modo a aproximar os povos, no s os governos; que se levassem em
conta as condies de vidas das populaes de modo a criar situaes de paz e
entendimento, entre outros aspectos afins20
.
Em 1958, quando foi realizado o II Congresso Nacional de Educao de Adultos
no Rio de Janeiro, essa preocupao com as especificidades da ao educativa dessas
populaes ganhou fora. A tentativa de renovao pedaggica que se desenhava no
mbito do trabalho com jovens e adultos, porm, deve ser considerada dentro das
condies de turbulncia tpicas do perodo que antecedeu o golpe militar. Nessa
conjuntura, vrios programas e campanhas no campo da educao de adultos surgiram e
junto deles a tomada de conscincia de que, paralelamente ao acesso aos conhecimentos
universais por parte dessa demanda, a ao educativa representou tambm um veculo
de ao poltica junto a esses atores sociais (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
Dois anos depois, em 1960, aconteceu a segunda edio da Confintea, em
Montreal, no Canad. Essa edio da conferncia teve como enfoque central o fato de o
mundo estar em um processo de mudanas, de acelerado crescimento econmico e de
intensa discusso sobre o papel dos Estados frente educao de adultos. Na ocasio,
reuniram-se 47 Estados-membros da Unesco, dois Estados como observadores, dois
Estados Associados e 46 ONGs. Cada um dos pases-membros elaborou um relatrio
nacional contemplando os seguintes tpicos: natureza, objetivo e contedos da
19 Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010). 20
Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010).
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educao de adultos; lazer e atividades culturais, museus e bibliotecas;
responsabilidade para com a educao de adultos, entre outros itens afins21
.
O principal resultado dessa segunda conferncia foi a consolidao da
Declarao da Conferncia Mundial de Educao de Adultos, que contemplava um
debate sobre o contexto do aumento populacional, de novas tecnologias, da
industrializao, dos desafios das novas geraes e a aprendizagem como tarefa
mundial.
Conforme Haddad e Di Pierro (2000, p. 113), o perodo militar de 1964
compreendeu uma [...] ruptura poltica em funo da qual os movimentos de educao
e cultura populares foram reprimidos, seus dirigentes, perseguidos, seus ideais,
censurados. A represso, nesse contexto, atuou sobre programas educacionais cuja
natureza poltica contrariava os propsitos do perodo militar. J os programas de
natureza conservadora eram consentidos ou estimulados, como o caso da ABC Ao
Bsica Crist que acabou por ser um substituto dos programas excludos.
A manuteno do enfoque na educao de jovens e adultos, no entendimento
desses autores, em alguma medida precisava acontecer com vistas a perpetuar a
ideologia do aparelho do Estado e em razo da ateno nacional e internacional que
essas medidas instigavam, pela necessidade de apresentar respostas a um direito
assegurado constitucionalmente.
Naquele momento histrico (incio dos anos 1960), Paulo Freire criticava as
bases sob as quais se construam as campanhas de alfabetizao propostas pelo governo
federal e sugeria que as aulas para adultos deveriam basear-se na prpria realidade dos
alunos. Alm disso, o educador indicava que o trabalho educativo deveria ser feito com
o homem e no para o homem (GALVO; DI PIERRO, 2007). O adulto no
alfabetizado, segundo esse iderio, no poderia ser visto como algum ignorante e, sim,
como um produtor de cultura e de saberes. Por essa razo, [...] um dos pressupostos em
que se baseava a sua [de Paulo Freire] proposta de alfabetizao era o de que a leitura
do mundo precedia a leitura da palavra (GALVO; DI PIERRO, 2007, p. 45).
Retomaremos o iderio de Paulo Freire frente, neste projeto.
Nesse contexto e tendo em vista a importncia assegurada no mbito das aes
educativas aos adultos, surgiu o Mobral Movimento Brasileiro de Alfabetizao em
21 Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010).
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1967. Criado pela Lei n 5.379, como Fundao Mobral, a partir de um trabalho
interministerial que visava substituir a Cruzada ABC, a qual naquele momento passou a
ser objeto de crtica efetiva (HADDAD; DI PIERRO, 2000). Tal campanha de
alfabetizao tinha como slogan para convocao de professores uma msica que
impingia alfabetizao de adultos a pecha da filantropia, j pontuada como
caracterstica desse tipo de iniciativa na histria do Brasil. Eis o slogan: Voc tambm
responsvel, ento me ensine a escrever, eu tenho a minha mo domvel, eu sinto a
sede do saber. (GALVO; DI PIERRO, 2007).
Ainda em 1969, o Mobral passou a se distanciar da proposta inicial cunhada a
partir de objetivos pedaggicos que consistiam, basicamente, em acabar com o
analfabetismo. Passou, ento, a contemplar dois aspectos: configurar-se como uma
resposta aos marginalizados do sistema escolar e como um [...] instrumento de
segurana interna [...] (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 115), servindo, sob essa
perspectiva e no entendimento desses autores, aos objetivos polticos do governo
militar.
Em meio a alianas polticas, conquistadas boa parte delas com vistas
doutrinao poltica, o Mobral foi implantado com trs caractersticas: o paralelismo em
relao aos demais programas educacionais, a descentralizao operacional por meio de
Comisses Municipais espalhadas por quase todos os municpios do pas e a
centralizao do processo educativo por meio da Gerncia Pedaggica do Mobral
Central, responsvel por toda organizao, programao, execuo e avaliao do
processo educativo, alm do treinamento de profissionais para todas as fases de
desenvolvimento do programa (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
Num primeiro momento, a atuao do Mobral foi subdividida em dois
programas: o Programa de Alfabetizao (1970) e o PEI Programa de Educao
Integrada , uma verso compactada da 1 a 4 sries do antigo primrio que seguiria ao
processo de alfabetizao. A partir desses dois programas, o Mobral propunha, em dez
anos, acabar com a vergonha nacional (HADDAD; DI PIERRO, 2000), o
analfabetismo. Em funo da sua imposio e da pouca, ou nula, participao de
educadores e de grande parte da sociedade, houve um crescimento intenso apenas
durante os primeiro anos de sua implantao.
Com a autonomizao do Mobral em relao s Secretarias da Educao, porm,
o programa fugiu ao controle dos organismos pblicos e passou a receber crticas.
Como tentativa de superao dessas crticas, tal programa compreendeu processos de
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permanente metamorfose com vistas a tentar sanar a lacuna entre os objetivos primeiros
de superao do analfabetismo e os frustrados resultados alcanados (HADDAD; DI
PIERRO, 2000).
Conforme Haddad e Di Pierro (2000, p. 116), ainda, [...] uma parcela
significativa do projeto educacional do regime militar foi consolidada juridicamente na
Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de nmero 5.692 de 11 de agosto de
1971. O IV captulo dessa LDB regulamentava o Ensino Supletivo que propunha
construir uma nova concepo de escola baseada na escolarizao no formal. O Ensino
Supletivo, em linhas gerais, objetivava a recuperao do atraso escolar implicado no
que se concebia como atraso social por meio desse novo modelo de escola.
Nessa mesma poca, no ano de 1972, aconteceu, na cidade de Tquio, no Japo,
a terceira edio da Confintea, reunindo 82 Estados-membros, trs Estados na categoria
de observador (incluso Cuba), trs organizaes pertencentes s Naes Unidas, 37
organizaes internacionais. O enfoque dessa edio foram as temticas de Educao de
Adultos e Alfabetizao, Mdia e Cultura, apostando nas premissas de que a educao
de adultos teria como elemento essencial a aprendizagem ao longo da vida e que seria
importante realizar esforos para fortalecer a democracia e preparar o enfrentamento
mundial em se tratando da no diminuio das taxas de analfabetismo22
.
A principal constatao da terceira edio da Confintea foi que a instituio
escolar, por si s, no dava conta de garantir a educao integral e, por isso, adotou-se a
ampliao do conceito de sistemas de educao, que passaram a abarcar as categorias
de ensino escolar e extraescolar, envolvendo estudantes de todas as idades. Nessa
edio, ainda, afirmava-se ser recente a preocupao com a educao como elemento
central nos projetos de desenvolvimento e, portanto, como um investimento rentvel23
.
Essa edio da Confintea aconteceu durante o perodo militar no Brasil, poca
em que o discurso e os documentos legais procuravam atrelar questes de
democratizao de oportunidades educacionais manuteno do sistema educacional a
servio do modelo de desenvolvimento, em uma notria evidncia de tentar manter a
ordem por meio da coero. Exemplo dessa coero governamental foi a represso aos
22 Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010). 23
Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010).
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movimentos culturais populares e s atividades educativas que se davam a partir deles,
sob pretexto de poderem desestabilizar o regime. O Mobral e o Ensino Supletivo foram
meios de reconstruir a mediao governamental em setores populares na rea da
educao (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
Ainda de acordo com Haddad e Di Pierro (2000, p. 119), [...] os anos
posteriores retomada do governo nacional pelos civis em 1985 representaram um
perodo de democratizao das relaes sociais e das instituies polticas brasileiras ao
qual correspondeu um alargamento do campo dos direitos sociais. Com a promulgao
da Constituio Federal de 1988 e seus desdobramentos nas constituies dos estados e
nas leis orgnicas dos municpios, reconheceram-se efetivamente os direitos de jovens e
adultos educao fundamental e a responsabilidade do Estado em relao oferta
pblica, gratuita e universal desse direito. O reconhecimento desse direito no plano
jurdico, porm, no significou polticas pblicas concretas nesse sentido (HADDAD;
DI PIERRO, 2000). Na verdade, a educao de jovens e adultos no perodo de
redemocratizao constituiu um paradoxo entre o universo jurdico e a vida prtica.
Nesse perodo, ainda, segundo Galvo e Soares (2010, p. 47),
Uma pluralidade de prticas e metodologias de ensino passaram a ser
utilizadas, algumas das quais influenciadas pelas descobertas recentes
da Psicologia, da Lingustica e da Educao que, com os estudos de
Emlia Ferreiro e com os trabalhos sobre letramento, forneceram
subsdios para a compreenso de como se processa a construo das
hipteses acerca da leitura e da escrita pelos sujeitos no
alfabetizados.
Paralelamente ao perodo ps-regime militar no Brasil, aconteceu a quarta
edio da Confintea realizada em Paris, na Frana, em 1985. A centralidade dessa
conferncia foi a temtica Aprender a chave do mundo e contou com 841
participantes de 112 Estados-membros, Agncias das Naes Unidas e ONGs. Essa
edio da conferncia enfatizou a importncia do reconhecimento do direito de aprender
com o maior desafio para a humanidade. Direito a aprender entendido como aprender a
ler e escrever, questionar e analisar, imaginar e criar, ler o prprio mundo e escrever a
histria, ter acesso aos recursos educacionais e desenvolver habilidades individuais e
coletivas. A conferncia incidiu sobre as lacunas das aes governamentais quanto ao
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30
cumprimento do direito de milhares de cidados terem suas passagens pelos bancos
escolares com propostas didtico-pedaggicas adequadas e com qualidade de ensino24
.
O primeiro governo ps-regime militar marcou, no entanto, uma ruptura com a
educao de jovens e adultos (doravante EJA) proposta at aquele momento. Essa
ruptura foi marcada, especialmente, pela extino do Mobral, programa que, por sua
vez, ficou profundamente associado ao regime militar. Ainda em 1985, foi substitudo
pela Fundao Nacional para Educao de Jovens e Adultos Educar. A Educar
manteve funcionrios, estruturas burocrticas, concepes e prticas poltico-
pedaggicas, porm procurou incorporar as inovaes sugeridas pela Comisso que em
1986 formulou suas diretrizes poltico-pedaggicas (HADDAD; DI PIERRO, 2000).
Outra quebra em relao ao Mobral foi a subordinao da Educar Secretaria de
ensino de 1 e 2 Graus do MEC. A Educar assumiu o papel de gerir, em conjunto, o
subsistema de ensino supletivo responsvel pela EJA nacionalmente, atendendo a sries
iniciais do ensino de 1 grau, com o objetivo de formar e aperfeioar educadores dessas
demandas, produzir material didtico, alm de supervisionar e avaliar as atividades
desenvolvidas. A Fundao, ento, constitua um rgo de fomento e apoio tcnico
nesse nvel educacional. O objetivo do governo era que as atividades desenvolvidas pela
Fundao fossem paulatinamente sendo absorvidas pelos municpios e estados.
Outra grande quebra, segundo Haddad e Di Pierro (2000), em relao
educao do perodo marcado pelo Mobral, foi a passagem da clandestinidade do
regime militar para a visibilidade e influncia que a educao popular passou a ter,
porm o grande feito no campo educacional de jovens e adultos do perodo foi o artigo
208 da Constituio de 1988, que apregoava o direito universal ao ensino fundamental
pblico e gratuito, independentemente da idade. Alm disso, a Carta Magna estabeleceu
um perodo de dez anos para a erradicao do analfabetismo e para a universalizao do
ensino fundamental, [...] objetivos aos quais deveriam ser dedicados 50% dos recursos
vinculados educao dos trs nveis de governo (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.
120). Essa meta, no entanto, acabou por no ser alcanada.
Anos mais tarde, em 1997, em Hamburgo, na Alemanha, foi realizada a quinta
edio da Confintea. Sob o tema da aprendizagem de adultos como ferramenta, direito,
24 Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010).
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prazer e responsabilidade; o evento contou com a participao de mais de 170 estados
membros, quinhentas ONGs e cerca de 1300 participantes. Foi uma conferncia em que
a mobilizao atravessou fronteiras temticas e de ao. Nela, os participantes
reiteraram o direito dos cidados de todo o planeta aprendizagem ao longo da vida,
comprometendo-se com esse direito e concebendo aprendizagem para alm da
escolarizao e/ou da educao formal, de modo a incluir as situaes informais de
aprendizagem presentes nas sociedades contemporneas, marcadas pela forte presena
da escrita, dos meios de informao e comunicao25
.
Neste incio de terceiro milnio, o Brasil apresenta ainda elevados ndices que
apontam para o no domnio da leitura, da escrita e das operaes matemticas bsicas
por cerca de vinte milhes de pessoas consideradas analfabetas absolutas e trinta
milhes consideradas analfabetas funcionais (GALVO; SOARES, 2010). Neste
milnio, em 2003, os Estados-membros da Unesco foram convocados a reexaminar os
compromissos com a EJA firmados na Conferncia de 1997. A reunio para o Balano
Intermedirio da V Confintea aconteceu em Bangcoc, influenciada pelo clima do Frum
Social Mundial26
. Esse encontro foi uma chamada responsabilizao dos estados-
membros com a finalidade de implementar a Agenda de Hamburgo, mencionada no
pargrafo anterior, e como uma prvia da VI Confintea27
.
A sexta edio da conferncia foi realizada em Belm do Par no Brasil, em
dezembro de 2009, e contou com cerca de 1.500 participantes de 156 pases-membros.
Essa edio da Confintea determinou como crucial impulsionar o reconhecimento da
educao e da aprendizagem de adultos como elemento importante e fator que contribui
com a aprendizagem ao longo da vida, da qual a alfabetizao constitui alicerce; e o
cumprimento, com urgncia e em ritmo acelerado, por parte dos governos, de levarem
25 Informaes disponibilizadas no site governamental
http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010. 26
O Frum Social Mundial um espao de debate democrtico de ideias, aprofundamento da reflexo,
formulao de propostas, troca de experincias e articulao de movimentos sociais, redes, ONGs e outras
organizaes da sociedade civil. O primeiro encontro mundial, realizado em 2001, configurou-se como
um processo mundial permanente. O Frum Social Mundial no uma entidade nem uma organizao,
tem um carter no confessional, no governamental e no partidrio. Ele se prope a facilitar a
articulao, de forma descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em aes
concretas, do nvel local ao internacional, pela construo de um outro mundo, mas no pretende ser uma
instncia representativa da sociedade civil mundial. Disponvel em:
http://www.forumsocialmundial.org.br/main.php?id_menu=19&cd_language=1, acesso em 03/11/2010). 27
Informaes disponibilizadas no site governamental
http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010.
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adiante a agenda de educao e aprendizagem de adultos, alm de redobrarem os
esforos para cumprir as metas de alfabetizao determinadas em Dakar (2000)28
.
Alm disso, na ocasio, houve um apelo para que se redobrassem os esforos a
fim de reduzir o analfabetismo em 50% em relao aos nveis de 2000 at 2015.
Fez-se, tambm, um apelo pelo aumento de recursos financeiros e humanos
especializados, da oferta de currculos relevantes, de mecanismos de garantia de
qualidade e de uma reduo na disparidade de gnero antropolgico29
na
alfabetizao30
.
Atualmente parece haver no Brasil uma preocupao bastante evidente com a
educao de jovens e adultos e, como consequncia, com a reduo do analfabetismo.
Exemplo dessa preocupao o Programa Brasil Alfabetizado que procura atender a
esse demanda em nvel nacional. O Brasil tem tido saldo bastante positivo nessa
caminhada contra o analfabetismo, mas est longe de conseguir enfim sua erradicao31
.
3.2 Indicadores de alfabetismo em nvel nacional e em Santa Catarina
O IBGE apresentou, no ano de 200032
, dados que revelam, em se tratando de
nvel educacional, nmeros que do conta de 85.464.452 adultos com mais de 25 anos
no pas. Desse nmero, 12.464.760 declararam, por ocasio da pesquisa, no terem tido,
ainda, nenhuma insero na esfera escolar formal. Do total de maiores de 25 anos,
158.450 adultos estiveram ou esto inseridos em classes de alfabetizao de adultos.
Com relao aos que tiveram acesso educao como formalmente concebida,
15.250.782 cursaram, mas no concluram, o ensino fundamental de primeiro ciclo. O
restante dos adultos informaram: ter cursado, mas no concludo, o ensino fundamental
28 Frum Mundial de Educao realizado em Dakar no Senegal em abril de 2000, evento que deu origem
ao Marco de Ao de Dakar documento de compromissos assumidos pelos pases-membros da Unesco. Tais compromissos davam conta do comprometimento desses pases-membros em alcanar os objetivos e
as metas de Educao para Todos (EPT) para cada cidado e cada sociedade. Disponvel em
http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf, acesso em 03/11/2010. 29
Disparidade de gnero antropolgico aqui entendida como disparidade de acesso e permanncia /em
processos institucionalizados de alfabetizao por homens e mulheres. 30
Informaes disponibilizadas no site governamental
(http://www.observatoriodaeducacao.org.br/index.php?view=article&id=386%3Ahistorico-da-
confinteas&option=com_content&Itemid=103, acesso em 14/03/2010). 31
Quando tematizarmos os estudos do letramento discutiremos as implicaes de sentido do termo
erradicao. Dados do IBGE do ano de 2000 do conta de mais de 24 milhes de pessoas que declaram
ser analfabetas. 32
Por ocasio da dissertao, contaremos com os dados do ltimo censo do IBGE realizado em 2010,
ainda no disponveis no momento de redao desta seo.
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33
incompleto da 4 a 7 srie; ou ter cursado o ensino fundamental completo; ou ter
cursado o ensino mdio completo; ou ter cursado o nvel superior graduao e
mestrado e doutorado33
. importante pontuar que a metodologia utilizada pelo IBGE
consiste no levantamento do nvel de escolarizao do informante.
Os dados acerca da incompletude do primeiro ciclo do ensino fundamental, da
insero em classes de alfabetizao de adultos e do nvel zero de escolarizao nos
parecem especialmente significativos por compreenderem, juntos, um nmero
expressivamente maior do que os do contingente que concluiu o ensino fundamental
10.974.667 adultos.
imprescindvel considerar, ainda, os nmeros de indicadores como o Inaf34
,
por exemplo indicador ao qual j nos referimos em sesso anterior neste projeto ,
que tomam os indivduos no a partir da escolarizao, mas dos usos que fazem
efetivamente da escrita. O Inaf, realizado desde 2001, tem como metodologia
entrevistas e testes cognitivos aplicados em amostras nacionais de duas mil pessoas
representativas de brasileiros e brasileiras entre quinze e 64 anos de idade, residentes em
zonas urbanas e rurais de todas as regies do pas (INAF, 2009).
objetivo do Inaf, com o levantamento, reunir informaes sobre a existncia,
ou no, de correspondncias entre o desenvolvimento do domnio e usos da escrita e as
demandas sociais de leitura e escrita; o indicador tenciona avaliar a capacidade de
acessar e processar informaes escritas como ferramenta para enfrentar as demandas
cotidianas35
.
Considerando essas capacidades requeridas nas aes cotidianas, o Inaf define
quatro nveis de categorizao de domnios e usos da escrita: analfabetismo,
alfabetismo de nvel rudimentar, alfabetismo de nvel bsico e alfabetismo de nvel
pleno. considerada no nvel de analfabetismo a pessoa que, mesmo sabendo ler e
escrever, no tem as habilidades de leitura, de escrita e de clculo necessrias para
viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional (INAF, 2009).
33 Por ora, no discutiremos indicadores particularizados desses nveis de escolarizao porque no
constituem foco deste estudo. Por ocasio do texto final da pesquisa, contaremos com dados do censo do
IBGE de 2010, o que favorecer essa discusso em percentuais atualizados. 34
Disponvel em www.ipm.org.br/.../inaf_brasil2009_relatorio_divulgacao_final.pdf, acesso em
23/04/2010. 35
De acordo com descrio do indicador no site do Instituto Paulo Montenegro
(http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.00.00.00&ver=por, acesso em 28/03/2010).
-
34
Quanto ao alfabetismo de nvel rudimentar, corresponde capacidade de
localizar uma informao explcita em textos curtos e familiares (como um anncio ou
pequena carta), ler e escrever nmeros usuais e realizar operaes simples, como
manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou proceder a medidas de
comprimento usando a fita mtrica (INAF, 2009).
J com relao ao alfabetismo de nvel bsico, as pessoas nesse nvel so
consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois j leem e compreendem textos de
mdia extenso, localizam informaes mesmo que seja necessrio realizar pequenas
inferncias, leem nmeros na casa dos milhes, resolvem problemas envolvendo uma
sequncia simples de operaes e tm noo de proporcionalidade. Mostram, no
entanto, limitaes quando as operaes requeridas envolvem maior nmero de
elementos, etapas ou relaes (INAF, 2009).
Por fim, so consideradas no nvel de alfabetismo pleno as pessoas cujas
habilidades no mais impem restries para compreender e interpretar textos em
situaes usuais: leem textos mais longos, analisando e relacionando suas partes,
comparam e avaliam informaes, distinguem fato de opinio, realizam inferncias e
snteses. Quanto matemtica, resolvem problemas que exigem maior planejamento e
controle, envolvendo percentuais, propores e clculo de rea, alm de interpretar
tabelas de dupla entrada, mapas e grficos (INAF, 2009).
Na prtica, so considerados, pelo indicador, analfabetos funcionais os sujeitos
que se encontram nos dois primeiros nveis, ou seja, os analfabetos e os alfabetizados
rudimentarmente, o que compreendia, em 2001/2002, a 39% da populao participante
e compreendeu, em 2009, a um decrscimo desse nmero para 28% (7% de analfabetos
absolutos e 21% de alfabetizados no nvel rudimentar).
Os dados do Inaf (2009) do margem para a compreenso de que, como de se
esperar, a escolarizao constitui, como j mencionamos, o principal fator de promoo
das habilidades de alfabetismo da populao. Isso implica dizer que a escola a
principal agncia de letramento (KLEIMAN, 2001 [1995]) sobretudo em se tratando
dos estratos sociais desprivilegiados socioeconomicamente , condio que confere
escola a responsabilidade por conhecer e valorizar os eventos de letramento dos quais o
alunado participa cotidianamente. Outra implicao, logicamente esperada, parece ser as
relaes entre maiores nveis de escolaridade e maiores chances de atingir bons nveis
de alfabetismo, entretanto os resultados mostram tambm que nem sempre o nvel de
escolaridade garante o nvel de habilidades em leitura e escrita que seria esperado para
-
35
cada qual dos graus de ensino; essa uma questo complexa qual retornaremos em
sesso frente.
O Inaf registra, ainda, um aumento significativo em se tratando dessas
habilidades desde o incio das edies desse indicador. Seguindo uma corrente que
relaciona a isso o enfoque governamental dado a essa modalidade, observamos que
[...] em programas de alfabetizao de jovens e adultos, no s os
alfabetizandos esperam ser alfabetizados segundo o modelo escolar
de alfabetizao inadequado, porque se destina a crianas , como os prprios programas e alfabetizadores tendem a replicar esse
modelo (SOARES, 2003 [1998], p. 94).
Focalizando a dimenso estadual, Santa Catarina apresenta dados bastante
favorveis em se tratando da populao alfabetizada. Os nmeros apresentados pelo
IBGE, em 2000, sobre o estado, do conta de um total 4.882.338 pessoas. Desse
nmero, 4.477.802 declaram-se alfabetizadas, e 404.536, analfabetas.
Comparativamente a outros estados do pas36
, esse nmero, como j registramos neste
projeto, animador.
O Estado de Santa Catarina, segundo informaes da Secretaria de Estado da
Educao, tem nmeros que facultam comemorao no que se refere aos indicadores de
alfabetizao. o terceiro estado com menor taxa de analfabetismo37
; tem, alm disso, o
municpio brasileiro com menor taxa de analfabetismo segundo dados do IBGE de
200038
e possui municpios que receberam selo do MEC como livres do analfabetismo,
dentre outros nmeros39
.
Grande parte do comemorado xito educacional de Santa Catarina se deve, ao
que parece, a iniciativas de educao massiva, como o Programa Brasil Santa Catarina
Alfabetizado40
. Esse programa desenvolvido em parceria com o Governo Federal e
consiste em uma tentativa de cumprir, entre outros objetivos, com as metas
36 Como, por exemplo, Acre (total da populao com mais de cinco anos de 481.081; desse nmero,
347.943 declararam ser alfabetizadas, e 133.138, no alfabetizadas); Cear (total da populao com mais
de cinco anos de 6.628.263; desse nmero, 4.819.697 declararam ser alfabetizadas, e 1.808.565, no
alfabetizadas) ; e Paraba (total da populao com mais de cinco anos de 3.106.341; desse nmero,
2.197.862 declararam ser alfabetizadas, e 908.480, no alfabetizadas). Nos trs exemplos, o nmero de
declarantes como no alfabetizados de cerca de 30%, enquanto o estado de Santa Catarina apresenta,
nmeros que do conta de menos de 10% da populao declarante na condio de no alfabetizada. 37
Sem fonte referida pelo site da Secretaria do Estado da Educao do Governo de Santa Catarina. 38
Municpio de So Joo do Oeste com taxa de analfabetismo de 0,91%. 39
Disponvel em www.sed.sc.gov.br/secretaria/. Acesso em 21/05/2010.
40 Disponvel em: http://www.sed.sc.gov.br/educadores/coordenadorias/497-coordenadoria-
alfabetizacao-e-ampliacao-e-escolaridade. Acesso em 04/03/2010.
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36
estabelecidas em encontros mundiais como o Confintea por exemplo, que firmam
como escopo a erradicao do analfabetismo como motor do desenvolvimento de pases
subdesenvolvidos, o que remete ao mito do alfabetismo de que trata Graff (1994), a que