Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 8. Marxismos latino-americanos 103
GT 8. Marxismos latino-americanos
Problematizando intelectuais a partir de Antônio Gramsci: Sílvio Frondizi (1907-1974) e Milcíades Peña (1933-1965)
Jeú Daitch de Castilho*
Resumo: O presente artigo tem como objetivo problematizar as trajetórias militantes de Sílvio Frondizi e Milcíades Peña, tendo como sustentação teórica o conceito de intelectual orgânico desenvolvido pelo teórico italiano Antônio Gramsci. Enquanto representantes da classe trabalhadora, tais intelectuais participaram de diversos movimentos de cunho político e social na Argentina das décadas de 1950 e 1960. Diante de um contexto de constantes lutas pela hegemonia econômica, política e cultural do país, Frondizi e Peña emergiram como dois aguçados intelectuais organicamente vinculados ao movimento operário argentino. O intelectual que Gramsci descreve e que aplicaremos a ambos não é um elemento desvinculado da classe, ou que paira sobre ela. Pelo contrário, o mesmo mantém laços de dependência para como ela e vice-versa, ou seja, a relação é recíproca. Pensar e problematizar a força social do pensamento de ambos intelectuais a partir dessa perspectiva é o objetivo central do trabalho. Palavras-chave: Intelectual orgânico, Sílvio Frondizi, Milcíades Peña.
A Argentina em 1943 estava em polvorosa. Inúmeros movimentos pipocavam em
Buenos Aires como forma de protesto frente aos últimos governos. Não sem razão, já que,
como muitos historiadores assim a chamam, a “década infame”1 foi marcada pelo avanço do
imperialismo inglês, principalmente após a assinatura do Pacto Roca-Runciman, quando o
país se viu obrigado a produzir e exportar carne ao país europeu recebendo em troca uma
maior entrada de capitais ingleses no país. Nas palavras de Kaplan:
*Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Mestrando em História. Linha de pesquisa: Esatdo e
Poder. E-mail: [email protected] 1 É conhecido como a "Década Infame" na Argentina, o período iniciado em 6 de setembro de 1930 com o golpe
civil-militar que derrubou o presidente Hipólito Yrigoyen por José Félix Uriburu e terminou em 4 de
junho de 1943 com o golpe militar que derrubou o presidente Ramón Castillo. O nome foi dado
pelo historiador José Luis Torres.
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[...] firma-se entre Londres e Buenos Aires o tratado de Roca-
Ruciman de 1933, do qual procede um tratamento preferencial às empresas
de capital britânico (livre importação, cambio abundante em termos
privilegiados, garantias para o pagamento de amortizações e juros das
inversões britânicas, entrega do transporte urbano em Buenos Aires, compra
de empresas britânicas em dificuldades). Acentua-se a influência britânica
sobre a economia e a política argentina. O governo argentino restringe o
acesso ao mercado interno ao interesses norte-americanos e desdobra uma
ação diplomática destinada a defender as posições britânicas na América
Latina contra a crescente ingerência dos Estados Unidos. (KAPLAN, 1986,
p.35)
Os governos que se seguiram, respectivamente ao golpe; José Uriburu (1930-1932),
Augustin Pedro Justo (1932-1938), Roberto Ortiz (1938-1940) e Ramón Castillo (1940-1943)
foram marcados pela corrupção administrativa e tentativas inócuas de solucionar os
problemas que o capitalismo havia desenvolvido no país. A burguesia nacional, débil desde
origem, percebendo que, diante das pressões exercidas pelo crescente proletariado urbano
haveria de perder definitivamente o controle do país, num gesto desesperado, viu-se obrigada
a abrir mão de seu poder político, em detrimento de seu poder econômico. Com o palco
armado e utilizando-se de uma retórica nacionalista entrou em cena o mais novo títere do país.
Tratava-se do coronel Juan Domingo Perón, o novo mantenedor da hegemonia de uma das
frações burguesa (nesse caso a industrial, já que a política peronista se caracterizou
principalmente por tentativas de desenvolver industrialmente o país), agora transvestida como
uma nova capa e com um novo componente no discurso: o “povo”. De 1945 em diante a
Argentina passou por transformações significativas, num contexto em que as potências
europeias se recuperavam do golpe que foi a Segunda Guerra Mundial. O peronismo se
caracterizou nesse primeiro momento por tentativas de melhor redistribuir a renda, bem como
pelo processo de substituição de importações, quando investiu no mercado interno e na
indústria leve. A atitude de varrer a pobreza para debaixo do tapete resultou como
consequência da época de ouro do capitalismo bem como a um projeto que a burguesia
desenvolveu no país para manter sua hegemonia. Como se sabe, o “desenvolvimentismo”
peronista teve limites, e as consequências do mesmo ainda são sentidas no país.
O Estado argentino, durante o primeiro ciclo do governo Perón, pode ser pensado
através da noção de Estado ampliado, proposta por Antônio Gramsci. Em constante debate,
principalmente com representantes do stalinismo, e num contexto de repressão levado a cabo
pelo fascismo de Mussolini, o teórico sardo criticou diversas interpretações a respeito do
Estado: tanto a que dinamizava ao máximo a atuação do mesmo, colocando-o como senhor e
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principal sujeito da história, como a que o via apenas como mero objeto de classe. Debatendo
e criticando o estado sujeito, cujos criadores foram os jusnaturalistas, Sônia Mendonça
aponta:
Por fim, e talvez seja esta a mais grave herança que nos foi legada pela
matriz jusnaturalista de concepção de Estado, tem-se que o Estado é um
estado sujeito, ou seja, entidade ativa, que “paira” acima da sociedade e dos
homens, dotada de vontade própria, de iniciativa própria, como se não
correspondesse a grupos sociais distintos e, por isso mesmo, com total poder
de (co) mando sobre a sociedade. Refletindo um pouco mais detidamente
sobre o assunto, vemos que a visão de Estado ainda em vigor, guarda essa
característica, o que torna a sociedade naturalmente impotente e totalmente
submissa aos desígnios do Estado. (MENDONÇA. In. MATTOS, 1998,
p.17).
A fim de não amortizar a ação da sociedade civil, bem como seu lugar social- palco
também da luta de classes- Gramsci problematizou o Estado enquanto uma relação social,
cujas forças, em especial presentes na sociedade civil e na política estão em constante
interação. Assim, para o militante italiano o Estado não é nem sujeito, como já detalhamos,
nem objeto, como propunham alguns marxistas economicistas, mas sim uma condensação das
relações sociais presentes numa dada sociedade. Sendo atravessado por essas relações o
Estado incorpora os conflitos de classe que perpassam uma dada formação social. Dessa
forma, transformações levadas a cabo por dada classe ou fração de classe na sociedade civil
tendem a implicar mudanças na sociedade política. Qualquer modificação na correlação de
forças na sociedade civil tem como consequência mudanças na sociedade política.
Ainda na pista de Gramsci, Mendonça resume a teoria de estado do pensador italiano:
Para melhor compreender o Estado enquanto uma relação é necessário
operar com uma visão triádica existindo para Gramsci, três níveis de
percepção da sociedade e do Estado: a) infra-estrutura- que tal como para
Marx, consiste no espaço das relações de produção e de trabalho, na
economia simplificadamente falando; b) a sociedade civil- conjunto dos
indivíduos organizados nos chamados aparelhos privados de hegemonia e
cerne da ação/pressão política consciente, dirigida a obter certos objetivos e,
finalmente, c) a sociedade política- ou “Estado em sentido restrito”,
identificado ao que mais comumente designamos como Estado, isto é, o
conjunto de aparelhos e agências do poder público propriamente dito. O
peculiar na visão de Estado ampliado de Gramsci é que ele, enquanto relação
social engloba tanto a sociedade civil quanto a sociedade política, numa
interação permanente. (MENDONÇA. In: MATTOS, p.20)
O estado peronista, tal como conhecemos, deve ser pensado não como um ente que
existe per si, mas sim como um aglutinador de diferentes frações de classe que refletem, nesse
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caso, uma complexa relação de forças. As constantes lutas entre classes que perpassaram a
sociedade civil argentina, em meados do século XX, foram as que ditaram o caminho para o
estabelecimento de Perón no governo. Alguns dos elementos importantes e centrais nesse
processo foram apontados acima. Quando destacamos a existência de um peronismo de
“direita” e outro de “esquerda” pensamos ser impossível falar em peronismo, mas sim em
peronismos.
Naturalmente que o espaço é curto para problematizarmos a política peronista, no
entanto, destacamos que entre os anos 1945-1955, o país experimentou mudanças
substanciáveis e duráveis. Perón tratou de centrar em torno do Estado todas suas atividades.
Aproximou os sindicatos, em especial a CGT (Confederação Geral do Trabalho), do Estado e
calou a oposição. Os sindicatos rebeldes também foram controlados e muitos dirigentes foram
perseguidos. As universidades foram literalmente “peronizadas” e muitos professores
perderam seus cargos, entre eles Sílvio Frondizi, então professor na Universidade de
Tucumán.
Diante da situação e principalmente depois de tomar contato com obras como a de
Marx, Lênin, Trotsky e outros, Frondizi se instalou na capital do país onde, a partir do folheto
La crisis de la democracia tomou uma postura publicamente socialista. Segundo ele: “El
pretexto de un conflito me llevó al medio de la calle a vivir personalmente la crisis”
(FRONDIZI, ap. TARCUS, p. 78).
Toda a trajetória de vida de Sílvio Frondizi, entre os anos 1948 até a sua morte em
19742, foi demarcada por constantes lutas em prol da classe trabalhadora. Ao assomar a cena-
conturbada por sinal- dos partidos de esquerda do país, o então professor tomou contato com
as muitas disputas que se acirravam, principalmente entre o Partido Comunista Argentino
(PCA) e alguns grupos trotskistas. Essas disputas, na maioria das vezes giravam em torno da
natureza do novo fenômeno então em cena: o peronismo. Distanciando-se de ambos, o
militante fundou seu próprio grupo, o Movimiento de Izquierda Revolucionario Práxis (MIR-
Práxis), que contava, já nas décadas de 1960 com uma centena de colaboradores. Com a ajuda
do grupo ele publicou seu principal livro, La realidad Argentina dividida em dois tomos.
2 Frondizi foi covardemente assassinado pela Triple A (Alianza Anticomunista Argentina) juntamente com seu
genro. Enquanto defensor de presos políticos, o militante representava um grande perigo para o governo
autoritário e truculento que se erigia no país.
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Além desse, publicou muitas obras3 em que abordou diversos assuntos, desde a Revolução
Cubana até a realidade do ensino no país. A maioria das publicações, contudo, evidenciavam
a principal preocupação do militante: entender e levantar propostas para transformar seu a
realidade que enfrentava.
A trajetória política de Sílvio Frondizi e Milcíades Peña foi demarcada por inúmeros
contornos, sendo que em determinados momentos de suas vidas ambos se cruzaram, Peña
enquanto colaborador e amigo de Frondizi, mas logo romperam a relação que no plano teórico
mostrou-se frutífera4.
A itinerário de vida de M. Peña pode ser caracterizada, sem dúvida alguma, pela
tragédia. Nascido na cidade de La Plata, província de Buenos Aires, foi criado pelos tios, já
que sua mãe apresentava inúmeros problemas psíquicos. Em uma ampla casa da capital
provinciana e rodeado por uma vasta biblioteca (o tio era bibliotecário e a tia professora) o
menino começou a ter contato com os clássicos do pensamento universal e da história
argentina. Horácio Tarcus, que dedicou bastante esforço em levantar documentação sobre
Peña, destacou que aos oito anos de idade o menino descobriu sua verdadeira identidade e
chocou-se ao saber que possuía quatro irmãos mais velhos. Como consequência, o garoto
Peña rechaçou os valores tradicionais e religiosos no qual foi zelosamente educado. Aos doze
anos tomou contato com inúmeras obras socialistas e começou a participar de atividades da
Juventude Socialista de La Plata. Foi nesse ambiente social que começou, ainda cedo, a
formar seu ciclo de amigos. José Speroni foi um deles. Speroni percebendo a inteligência de
Peña não tardou a apresenta-lo ao líder de um dos mais importantes grupos trotskistas do país:
Nahuel Moreno, que era então o principal nome do Grupo Obrero Marxista (GOM).
M. Peña começou a desenvolver sua militância no GOM a partir de 1948, com apenas
quinze anos de idade, num momento histórico em que o grupo estava em dinâmica expansão,
recebendo inúmeros intelectuais de diversas correntes políticas. Além disso, os anos de 1945-
1950 foram anos em que a corrente morenista rivalizou com o GCI (Grupo Cuarta
Internacional) de J. Posadas pelo reconhecimento como sessão argentina da IV ª
3 Sem citar folhetos e artigos, os livros escritos por Frondizi são: “Introducción al pensamiento político de John
Locke” (1943); “El Estado moderno. Ensayo de crítica constructiva” (1945); “La realidad argentina. Ensayo de
interpretación sociológica; volume I: El sistema capitalista; volume II: La revolución socialista” (1955-1956);
“Doce años de política argentina” (1958); “Teorías políticas contemporáneas” (1965); “La revokución cubana”
(1960) e por fim “Argentina: la autodeterminación de su pueblo” (1973). 4 Peña contribuiu com muitos escritos no livro La realidad Argentina tendo escrito um capítulo do mesmo.
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Internacional. Abandonando os estudos tradicionais, o jovem passou a estudar ao lado do líder
temas de história e economia latino-americana. Durante os primeiros anos da década de 1950,
destacou-se como um precioso colaborador. Sob o pseudônimo de Hermes Rádio, começam a
aparecer desde 1951 inúmeros artigos na revista Frente Proletário, sob o comando de Moreno.
Com dezesseis anos foi escolhido para ser um dos vinte e um delegados que participariam do
Congresso em que o GOM decidiu-se transformar em POR (Partido Obrero Revolucionário).
Mas as transformações pelas quais o GOM passaria haveriam de influenciar a própria
trajetória de Peña. Tarcus aponta:
Se comienza a fortalecer un grupo de direción timoneado por Moreno, quien
no deja de exercer un control sumamente centralizado y severo sobre el
conjunto de la vida del partido. Se forja por entonces un modelo de militante
que debe llevar una vida disciplinada, casi ascética, de entrega casi absoluta
a la causa política, de austeridad en su vida personal y aún de renuncia a
calesquiera expectativa de desarrollo individual, en aras del crecimiento
partidario. (TARCUS, 1996, p.112)
Com tal proposta, Moreno desejava “limpar” o partido de qualquer influência
pequeno-burguesa, bem como trabalhar para “proletarizar” o movimento que já contava com
mais de uma centena de colaboradores. Em um momento histórico em que o grupo estava em
busca de sua identidade política e recebia influência de diversos novos membros que surgiam
de variados grupos políticos e ao mesmo tempo tentava zelar pela disciplina e centralização
não havia lugar para M. Peña nem para a teoria revolucionária tal como ele entendia e vinha
desenvolvendo. Em relação ao peronismo inicialmente entendiam-no como uma forma de
governo reacionário de direita, composto pelos mais diversos setores sociais e servente do
imperialismo inglês. O operariado do país estava “castrado” e “sem ímpeto”, “narcotizado”
pelas políticas clientelistas do Estado. Defendiam também a destruição da CGT e colocavam-
se a disposição para receber novos membros do PCA e PS. Durante o inicio dos anos 1950-
1960 o grupo aderiu a pratica do “entrismo” que consistia basicamente em infiltrar-se no
peronismo para ganhar a classe trabalhadora, prática que Peña criticou severamente.
Entre os anos 1950-1955, Peña passou por vários partidos e também colaborou com
Frondizi, mas a relação entre ambos se frustrou ainda cedo devido a uma série de
desencontros políticos e pessoais, até que em inúmeros artigos passaram a se agredir,
motivados por questões de cunho teórico. Anos mais tarde voltou a participar do grupo
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organizado por Moreno, colaborando com o mesmo e publicando na revista Palabra Obrera.
Suicidou-se por razões desconhecidas no ano de 1965.
Mas o legado de Peña foi certamente muito rico, principalmente com sua História del
pueblo argentino. No livro o militante pretendia, como ele mesmo apontou nas primeiras
páginas, “desmitificar a história argentina” e para tanto faz uma aguçada análise desde os
primeiros anos da colonização espanhola no país até o peronismo. A complexa obra, que por
muitos anos foi deixada de lado, vem recebendo releituras e Peña que por um longo tempo
não foi reconhecido por nenhuma “corrente” das esquerdas do país tem sido repensado por
muitos partidos de esquerda da atualidade, tal a importância da sua análise sobre a realidade
do país e a natureza dos diversos fenômenos que agitaram a Argentina da metade do século
XX.
Apesar disso, Sílvio Frondizi e Milcíades Peña têm muito em comum, talvez até mais
que as próprias diferenças que os separaram enquanto em vida. Ambos viveram em um
período conturbado, em que estar fora das “assas protetoras” de partidos como o PCA, o PS,
por exemplo, representava inúmeras dificuldades, tanto para publicação como para
reconhecimento e prestígio. Independente disso esforçaram-se para participar ativamente,
cada qual a seu modo, dos movimentos organizados pelos trabalhadores e que pipocavam no
país. A cena política argentina durante o período peronista pode ser vista como um “campo de
disputa” (NEIBURG, 1997) entre peronistas e anti-peronistas. Nessa intensa batalha se
encontram o intelectual nacional e popular, o peronista marxista, o sociólogo científico, o
militante anti-peronista que lutam pela construção da identidade do peronismo de acordo com
os interesses do grupo que representam. O peronismo há meio século vem sendo objeto de
polêmica, sendo que os intelectuais marxistas- tidos como “radicais” pela esquerda
“conservadora” não estiveram à margem da produção dessa identidade.
Esquecidos por um bom tempo é importante repensar os trabalhos desenvolvidos por
S.Frondizi e M. Peña e a força social que o pensamento de ambos foram capazes de
desenvolver. A diferença crucial entre o ideário dessa esquerda comunista e o de Frondizi e
Peña reside principalmente na concepção de peronismo. Na visão do Partido Comunista
Argentino, o peronismo era uma forma de manifestação fascista, ou seja, um movimento
político de conteúdo social- conservador, disfarçado sob uma máscara “modernizadora”,
sendo também anti-democrático, anti-socialista e anti-proletariado. Atuava dessa forma
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através de uma extensa propaganda, do controle efetivo dos veículos midiáticos, da repressão
a qualquer forma de oposição por meio de um forte policiamento. Essa ideia do peronismo
enquanto fascismo levou o líder comunista Vittorio Codovilla, em um discurso no ano de
1945, a bradar: “O lema deve ser: nenhum mandato para os peronistas. Desse modo evitar-se-
ia a introdução de um cavalo de Tróia fascista no parlamento” (CODOVILLA, ap LÖWY,
p.173).
Rompendo com essa concepção e espelhados no XVIII Brumário de Luis Bonaparte-
escrito por Karl Marx- Frondizi e Peña acreditaram ser o peronismo uma manifestação de tipo
bonapartista, caracterizada principalmente por: ser uma forma intermediária de poder,
tendendo a conciliar as classes; aventureirismo de Perón semelhante ao de Bonaparte;
aproveitamento da luta extrema entre as classes em beneficio de apenas uma: a burguesia
(vinculada ao imperialismo); estatização e burocratização da massa trabalhadora; pelo seu
caráter de ditadura policial, ao invés de ditadura de classe, entre outros. A diferença
fundamental para eles consistia no fato de que a política peronista estava caminhando para
uma forma de poder fascista, mas não o era ainda. As leituras que ambos os autores fizeram
do bonapartismo são ricas e fecundas fontes de estudos historiográficos na medida em que
representam uma inovação na interpretação de um dos fenômenos políticos mais debatidos na
Argentina nos últimos anos cuja ação repercute na política do país ainda hoje.
Assim, pensa-los enquanto intelectuais orgânicos, nos termos gramscinianos, talvez
seja imprescindível para entender como se deu a relação de ambos com a classe que os gerou:
a classe trabalhadora.
Qual a função do intelectual? Como surgem os intelectuais? No inicio do Caderno 12,
do segundo volume de seu livro Cadernos do Cárcere, Gramsci levanta uma problemática: os
intelectuais são independentes ou podem ser representantes de um determinado grupo social?
Para responder essa questão, o autor destacou que existem duas formas de intelectuais. A
primeira forma seria aquela criada no bojo de um dado grupo social, ou seja, são criados de
um modo orgânico e tem o dever de defender a concepção desse grupo social, além de
homogeneizá-los despertando a consciência da sua própria função no mundo da produção e da
luta de classes. Esse grupo de intelectuais atua em várias áreas:
Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial
no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo,
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organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão
homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo
econômico, mas também no social e no político: o empresário capitalista cria
consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o
organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc. (GRAMSCI,
2011, p. 15)
A segunda forma é descrita por Gramsci da seguinte maneira:
Todo grupo social “essencial”, contudo, emergindo na história a partir da
estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento dessa
estrutura, encontrou [...] categorias intelectuais preexistentes, as quais
apareciam, aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não
foi interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais
modificações das formas sociais e políticas. (GRAMSCI, p. 16)
Quais exemplos podemos tomar dessas duas categorias de intelectuais? Como
exemplo do primeiro grupo intelectual citado pode-se destacar o intelectual gerado pela classe
trabalhadora, ou seja, os intelectuais organicamente criados em um dado momento histórico
por uma classe. Já para exemplificar o segundo grupo, por exemplo, Gramsci cita os
eclesiásticos que monopolizaram durante muito tempo a ideologia religiosa. Essa categoria de
intelectuais é classificada também por ele como intelectuais tradicionais.
A respeito dessa categoria de intelectuais é importante a observação feita pelo
professor Eurelino Coelho. Ele destaca que mesmo os intelectuais tradicionais possuem
vínculos com a luta de classes, mas tal vinculo fica “mascarado pela aparência de autonomia”
(COELHO, 2005, p.332), diferentemente do intelectual orgânico cuja relação com a luta é
muito mais transparente: “[...]Estes são executores do mesmo tipo de função, mas seu vinculo
com a classe é muito mais direto[...].” (COELHO, p.332). É o que o teórico italiano afirma:
“(...) dado que as várias categorias de intelectuais tradicionais sentem com “espírito de grupo”
sua ininterrupta continuidade histórica e sua “qualificação”, eles se põem a si mesmos como
autônomos e independentes do grupo dominante” (GRAMSCI, p. 17).
Gramsci aprofundou ainda mais a discussão em torno de quem é intelectual e afirma:
“[...] todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens tem na sociedade a função
de intelectuais[...]” (GRAMSCI, p.18). Como justificar essa afirmação de Gramsci? Para ele
todo homem é intelectual na medida em que possui gostos, possui uma concepção própria de
mundo, uma linha consciente de conduta moral e dessa forma promove novas formas de
pensar, de criticar, de propor soluções, mas nem todos tem consciência de sua
intelectualidade, nem todos estão inseridos num contexto de luta, ou seja, nem todos são
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representantes de uma dada classe, por isso sua intelectualidade encontra-se estagnada
(GRAMSCI, p.53).
Depois dessa definição proposta pelo teórico italiano é possível destacar que tanto o
grupo social dominante, como os demais grupos sociais, entre os quais podemos citar os
trabalhadores, possuem seus intelectuais orgânicos. Cada intelectual procura dessa forma
representar sua classe. Portanto, podemos pensar que o intelectual orgânico é criado pela
classe no seu processo de firmação e desenvolvimento, enquanto os intelectuais tradicionais
formam uma camada possuidora de “relativa autonomia” e continuidade histórica, como é o
caso dos eclesiásticos, que sendo tradicionais permanecem até hoje, ou seja, são intelectuais
que não sofreram um processo de queda, mesmo com as grandes mudanças econômicas,
sociais e políticas. Diante da luta imposta pela hegemonia cultural e política cada classe deve
criar seus próprios intelectuais ligados a ela por laços orgânicos e assim combater as possíveis
assimilações progressistas dos intelectuais opostos.
Sendo essa função da classe para com o intelectual qual a função do intelectual para
com a classe que representa? Além de homogeneizar a classe é dever do intelectual também
elevar essa classe a consciência de sua função histórica, ou seja, contribuir teoricamente
(através de escritos principalmente) e politicamente para o sucesso da classe por ele
representada. A luta pela construção da hegemonia por uma dada classe ou fração de classe,
perpassa inevitavelmente os intelectuais. Os representantes orgânicos das classes dominantes,
por exemplo, tem como função a construção, em um primeiro momento do consenso e em
seguida a legitimação da coerção. Gramsci destaca que esse consenso “nasce ‘historicamente’
do prestígio (e, portanto, da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa de sua posição
e de sua função no mundo da produção” (GRAMSCI, p. 21). E quando o consenso
desaparece, principalmente após manifestações das classes subalternas que colocam em xeque
a política dominante tais intelectuais recorrem a legalização da coerção, como forma de
assegurar o domínio e manter a hegemonia sob os grupos que não “consentem” nem ativa
nem passivamente. Geralmente a legalização da coerção ocorre em momentos de crise de
hegemonia.
Aqui é importante destacar que os intelectuais das classes subalternas, diferentemente
dos representantes das classes dominantes (entenda-se burguesia), são organizados a partir da
racionalidade dominante e se fazem contra essa corrente. Nas palavras de Edmundo F. Dias
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eles devem ser criados objetivando a destruição do projeto hegemônico dominante ao mesmo
tempo em que devem ser os organizadores de uma “nova forma de civilização”. Os partidos
aparecem como o local de treinamento e preparo dos intelectuais, até mesmo os intelectuais
das classes dominantes já que para todos os grupos o partido desempenha na sociedade civil a
mesma função do Estado, ou seja, “proporciona a soldagem entre intelectuais orgânicos de
um dado grupo, o dominante, e intelectuais tradicionais” (GRAMSCI, p. 24). O partido
político desempenha, portanto, sua função muito mais completa e orgânica do que o proprio
Estado. É nesse sentido que um intelectual que passa a fazer parte de um partido confunde-se
com os intelectuais do próprio grupo social que o partido representa algo que, segundo o
teórico sardo ocorre na vida estatal de maneira medíocre, ou quase nunca ocorre. Diante disso,
todo e qualquer membro de um partido desempenha função de intelectual, pois enquanto
representante de tal grupo possui funções pedagógicas: direção,organização, educativa, ou
seja, intelectual.
Corroborando Gramsci e abordando a realidade dos intelectuais das classes
trabalhadoras Dias afirma:
Da perspectiva das classes trabalhadoras, é preciso romper com o
preconceito mitificador do intelectual. Todo aquele que exerça funções
organizativas, no campo da produção como no campo administrativo-
político, é um intelectual, embora nem todos atuem como intelectuais
profissionais (DIAS, 1996, p.22).
Além disso, todo movimento político que tenha como interesse a construção de uma
hegemonia deve, nas palavras de Dias, “criar, necessariamente, uma leitura da história com a
qual e pela qual possa se apresentar como projeto” (DIAS, p.17). Naturalmente que a criação
desse novo projeto histórico passa pela crítica e destruição do projeto anterior. Não apenas
criticar, mas é preciso “destruir suas condições de existência” (DIAS, p.17). Destruir aqui
significa a práxis tal como se caracteriza, ou seja, o novo projeto apresenta-se não apenas no
plano teórico, mas também como instrumento de ação prática. Aí reside a função do
intelectual organicamente ligado a classe trabalhadora, em relação com o partido: lutar pela
construção de uma hegemonia- construção de uma nova civilização- do grupo a que pertence:
Não é uma mera destruição do anterior. O trabalho é duplo: a desconstrução
do discurso antigo e a construção do novo. Quando falamos em discurso,
estamos pensando no conjunto das práticas que ele viabiliza ou impossibilita
e não apenas na sua forma teórica. Discurso que deverá enfrentar o conjunto
das questões colocadas pela velha ordem e pelos seus discursos. Isso se
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traduz, no plano da individualidade, por uma ruptura com o processo de
socialização anterior e pela construção de uma nova socialização que tende a
pôr em questão, desigual e contraditoriamente o conjunto da personalidade
(DIAS, p. 18).
Uma questão colocada acima é de fundamental importância para compreendermos a
ação dos intelectuais argentinos que nos dispusemos a estudar. Os discursos transformadores
não existem por si, ou seja, eles não são inventados “da noite para o dia”, pelo contrário, eles
são históricos e, portanto, são construídos na articulação e na luta com outros discursos. Nesse
constante combate fazem-se amigos e inimigos. Sob esse prisma torna-se mais fácil a
compreensão das relações entre Peña e Frondizi, bem como a de ambos com os diversos
partidos com os quais tiveram contato.
Depois dessa rápida conceituação percebe-se que é possível relacionar o intelectual
desenvolvido por Gramsci com as pessoas de Sílvio Frondizi e Milcíades Peña. Eles podem
ser considerados o exemplo clássico de intelectuais orgânicos. Passaram a maior parte de suas
vidas defendendo os interesses da classe proletária na América Latina. Como intelectuais, eles
não apenas representaram os trabalhadores argentinos em seus folhetins e livros, mas também
batalharam por eles. Por intermédio de seus escritos procuraram despertar nos trabalhadores a
consciência de classe e através disso levá-los a homogeneidade, visando destruir de uma vez
por todas, por meio da revolução socialista, a hegemonia burguesa.
Mas eles podem ser considerados intelectuais não apenas pelas atividades que
desenvolveram. Tais atividades não teriam sentido se estivessem alheias às relações sociais.
Dessa forma é certo que foi na disputa com outro intelectuais, das mais variadas categorias e
classes que o pensamento de ambos construiu-se e ganhou força. É impossível pensá-los
distantes desse paradigma. Gramsci ao questionar-se sobre a possibilidade de encontrar um
critério unitário e geral na caracterização e na diferenciação das variadas atividades
intelectuais em relação com outros agrupamentos sociais afirma:
O erro metodológico mais difundido, ao que me parece, é ter buscado este
critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais, em vez de
buscá-lo no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e,
portanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto geral das
relações sociais. (GRAMSCI, p. 18)
Vale destacar ainda que Antônio Gramsci acreditava fortemente na teoria vinculada
diretamente com a prática. Ele apontou que a instauração do socialismo deve ser calcada de
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estratégias e práticas revolucionárias. As transformações do capitalismo não culminariam
necessariamente na sua derrocada e na implantação do socialismo. Se assim fosse os homens
poderiam esperar inertes pelo grande dia da derrocada do sistema do capital. Gramsci afirma
categoricamente que os homens são seres ativos e, portanto, possuem as rédeas da história.
Eles têm a capacidade de criar seu próprio destino. Levando em consideração essa atividade e
a não-passividade dos homens é que o comunista italiano influiu coerência ao seu pensamento
quando vinculou a determinação de diferentes estratégias para se chegar ao poder com a
necessidade da classe operaria ser hegemônica. O capitalismo, afirma Gramsci só será
destronado pelos trabalhadores e não pela inevitabilidade histórica. Essa foi a luta dos
militantes argentinos.
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