Download - PRIMAVERA DE CORES
Copyright © 2014 by Adriana Brazil
COORDENAÇÃO EDITORIAL DIAGRAMAÇÃO
CAPAREVISÃO
VERSÕES EM ITALIANO
Silvia SegóviaVanúcia Santos (asedicoes.com)Adriana BrazilAlline Salles (asedicoes.com) Bárbara Herdy
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da LínguaPortuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil
Brazil, AdrianaPrimavera de cores / Adriana Brazil. -- Barueri, SP: Novo Século Editora,
2014. -- (Série foi assim que te amei)
1. Romance brasileiro I. Título. II. Série.
14-04297 CDD-869.93
Índices para catálogo sistemático:1. Romance : Literatura brasileira 869.93
2014IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.
Alameda Araguaia, 2190 – Conj. 1111CEP 06455-000 – Barueri – SP
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Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre teu braço,
porque o amor é forte como a morte.
— Cantares de salomão
Prefácio
Já li muitos livros que toCaram meu coração, mas Primavera de Cores
o conquistou por completo.
Passei por muitos Invernos de Cinzas na minha vida, onde, assim
como os personagens da série, questionei todas as minhas escolhas até
então. E, nesse período, a pergunta que sempre me atormentava era:
Quando isso tudo terá fim? A resposta poderia ter vindo de várias for-
mas simples, mas é infinitamente emocionante poder dizer que só a
obtive depois de ler o terceiro livro da série Foi assim que te amei. Sim.
Metáfora que me fez refletir, tornando-se uma verdade que carregarei
para sempre comigo. Agora eu sei que o inverno termina com a chega-
da da primavera. E esta é uma das poucas certezas que temos na vida.
Assim como o dia vem raiando depois de uma noite escura... Assim
como o sol volta a brilhar com todo seu esplendor depois de uma tem-
pestade, o inverno finda quando chega a primavera.
De forma poética e principalmente salientando todo o romantismo
que flui, até mesmo do cenário, Florianópolis, Adriana Brazil conduz a
trama envolta na mesma energia dos volumes anteriores. É impossível
ler a continuação da série sem se lembrar daquela emoção de como
tudo começou. A essência continua a mesma.
Em Primavera de Cores o leitor acompanhará o amadurecimento das
personagens, cujas personalidades, a autora, com maestria, manteve in-
tactas; bem-humoradas, fortes, decididas, dispostas a lutar pela amizade
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e o amor que as une. O que posso adiantar é que muitas surpresas espe-
ram pelos fãs da série, muitos momentos marcantes que acrescentaram
à trama aquela sensação louca de que tudo o que estamos lendo é real.
Não se trata apenas de uma história envolvente. Trata-se, também,
de uma importante lição de vida e a certeza de que o verdadeiro amor
transpõe TODAS as barreiras.
Neiva Meriele
Autora de A hora da Verdade
Prelúdio
tenho aprendido tanto Com o amor... A certeza de que ele tem me
ensinado a ser alguém melhor. Ele gera, dentro de mim, sentimentos
excelentes, que ninguém mais poderia ou saberia como me ensinar.
A primavera foi intensa em suas cores, em seu perfume, na beleza
encontrada nas ruas, pelas praças, ao meu redor. Não era necessário
muito esforço, pois ela estava fluindo de mim e apenas uma inspiração
era possível sentir... Era possível sonhar e viajar para um lugar mais
desejável. Ela trazia um misto de saudade e alegria, de um tempo mar-
cado pelo cessar da chuva.
Olhar nas flores e perceber que o inverno havia passado fazia jor-
rar de dentro de mim uma correnteza de agradecimentos.
As flores brotavam, os pássaros incansavelmente davam voz a elas,
pois, silenciosamente, exalavam um doce aroma, um suave perfume...
Helen Castilho
introdução
era um Jardim e eu estava no meio dele, maravilhoso jardim, repleto
de aromas e cores. Olhei para frente, parecia não ter fim, virei-me para
trás e não me lembrei de ter entrado nele. Estava com uma sandália baixa
e suas tiras atravessavam meus pés até a canela. Usava um vestido azul-
claro, com flores pequenas cor-de-rosa, a cintura era demarcada por uma
fita de cetim branca que se estendia com o vento que passava de forma
mansa pelo meu corpo. Achei engraçado, eu sabia que ele ia passar,
parecia algo costumeiro. Puxei os cabelos para frente e deixei escapar um
sorriso diante da trança feita delicadamente, enfeitada por flores.
Adiante, vi o jardim repleto de flores de diversos formatos. A gran-
deza delimitava meu campo de visão. Do meu lado esquerdo havia
muitas árvores, eram alinhadas, limitando a vastidão de cores das plan-
tas que se entrelaçavam umas às outras. Nelas, haviam frutos dos mais
variados tamanhos, pareciam ter sabores diversos e agradáveis ao pala-
dar. Dei dois passos, maravilhada. O vento apareceu de novo, fazendo
meus cabelos voarem e me entregando uma sensação de liberdade tão
real que eu podia tocá-la.
Bem no meio desse jardim existia um lugar especial. Sabia exata-
mente para onde estava indo, um caminho com rochas lapidadas em
formato oval e um espaço de aproximadamente seis metros de circun-
ferência. Não sei o motivo, mas era meu lugar preferido. Existia uma
rocha larga onde gostava de me sentar. Podia ouvir o som dos pássaros,
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eles voavam ao meu redor e pareciam celebrar aquele lugar secreto. Al-
gumas borboletas batiam as asas diante dos meus olhos. Estendi a mão
e uma delas, completamente branca, pousou em meu dedo indicador.
Logo, apareceram alguns passarinhos. Percebi que estavam me
conduzindo para uma grande árvore, suas folhas eram de plátano,
como as de outono. Cheguei diante do seu tronco e ergui a cabeça, sua
copa deixava passar alguns raios de sol. Era bom estar perto dela.
Sentei-me no chão, repousando minhas costas no tronco. Olhei
para o alto e percebi o céu azul no qual resplandecia nuvens brancas
como algodão. De repente, o vento alterou seu ritmo, tornando-se
forte e temeroso. O céu começou a ficar escuro, as nuvens mudaram
de cor e se juntaram trazendo muita chuva. Os pássaros levantaram
voo e sumiram. Reconheci que tudo havia mudado ao meu redor. As
flores que antes coloriam o jardim se esconderam, as árvores torna-
ram-se secas como nunca. As nuvens negras se juntaram e, ao longe,
no horizonte, vi a chuva caindo. Os ventos que antes me trouxeram
algo brando, agora me assustavam. Com medo, me escondi atrás da
árvore. Desesperei-me quando vi que os galhos começaram a ficar va-
zios, o forte vento arrancava suas folhas sem qualquer piedade. Senti
as lágrimas caindo do meu rosto, misturando-se com a chuva que
fisgava e arranhava minha pele.
Tudo era semelhante a um furacão, forte, imponente, completa-
mente destruidor. Levantei a cabeça e vi que o vento levou tudo da
grande árvore, parecia apagá-la bem na minha frente. Meu desespero
me colocou entre ela e a tempestade, tentava impedir que a força dos
ventos a diluíssem com as gotas de chuva, mas a tempestade era mais
forte do que eu. Ao longe, avistei algo escuro e negro que me encheu
de mais pavor, parecia um homem com um capuz preto e sem face, ele
comandava a tempestade, passei a sentir um desespero sem igual. Ele
não se aproximava, mas orquestrava todo o ataque.
O vento, então, cessou e não avistei mais a figura assustadora. Ajoe-
lhei-me no chão quando vi que as folhas da árvore tinham sido levadas.
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Comecei a chorar, desconsolada e desesperada. Na minha frente tudo
mudou, tudo foi devastado.
Deparei-me com um vazio.
Chorei pelo que não vi, pelo sonho que não nasceu, o final que não
aconteceu. Na minha frente estava a árvore de outono, apenas o tronco.
Estava certa de que ela nunca mais iria florescer ou enfeitar o jardim,
ela havia morrido. Minha dor se intensificou, senti que minhas forças
estavam deixando meu corpo, concluí que a árvore era uma parte de
mim. Não existia mais vigor. Caí de joelhos e logo fiquei estagnada no
chão. Minhas forças estavam indo embora... Antes que eu ficasse sem
movimentos, decidi voltar para o meio do jardim.
Com dificuldade, arrastei-me até a rocha e me apoiei tentando me
erguer, mas não consegui. Meu corpo caiu para o lado e comecei a ou-
vir meu coração batendo lentamente, minha respiração ficou ofegante
e espaçada, comecei a ficar inerte. Olhei para o céu e vi os passari-
nhos procurando a árvore, mas ela não estava mais ali. Meu corpo
encolheu-se no chão e eu percebi que minha vida dependia de um dos
passarinhos voltar e me jogar alguma semente. E foi exatamente o que
um deles fez. Estiquei o braço e a escondi na mão. A semente tornou-
-se um líquido vermelho que escorreu pelo meu punho, entrando em
minhas artérias, me fazendo respirar novamente.
Eu me ergui puxando todo o fôlego de uma só vez.
E, assim, acordei. Suava frio, o coração batia agitado dentro do
peito. Sequei o suor da testa. Ao meu redor tudo parecia calmo demais,
tão diferente do sonho em que estava.
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Lembranças do inverno
a primavera daquele ano trouxe, além de suas cores, a alegria que nos
irradiou. Andrew voltaria para a UFSC1 dando sentido a cada cor da
primavera. Depois que tudo passou, era fácil olhar para trás e lembrar
aquele inverno; consigo compreender tantos motivos, muitos deles não
merecem explicações, outros se explicam por si próprios, como o fato de
ter aceitado Andrew novamente em minha vida. Por mais que nosso amor
fosse minha existência, quase fui vencida por minhas próprias convicções,
era bom ter a certeza de que o perdão sempre é o começo de algo novo.
Muitas vezes acreditei que aquela tempestade me levaria. Os dias
de solidão somados à tristeza escolheram morar em mim, levaram-me
para uma profunda depressão. Diante daquela adversidade, eu acredi-
tei que apenas o amor é capaz de perdoar, de dar uma nova chance. E
não importam as razões, todos possuem o direito de recomeçar.
Depois da chuva é fácil compreender. Parece que somos colocados
em um lugar que amplia a visão e foi assim que compreendi o motivo de
Andrew ter ido embora, ele precisava passar por aquela estação solitária
e fria. Se ele não tivesse ido, talvez nunca teria tido um encontro com a fé.
Amadureci como pessoa, partindo de uma menina meiga e carinho-
sa para uma ressentida, vingativa e orgulhosa. No mar da minha vida
encontrei a bonança, concluindo que não sou perfeita, apenas uma mu-
lher como qualquer outra, procurando o abrigo da chuva para ser feliz.
1 universidade Federal de Santa Catarina.
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Toda vida passa pelas estações, caminha pela chuva, outra por fo-
lhas secas, mas é um fato irrevogável. A nossa existência permanece
inalterada, viva, esperando sempre pela primavera ou pelo calor do ve-
rão. Aprendi a esperar e acreditar que, por mais que demore, o mundo
continua a girar, trazendo o tempo certo, o tempo propício de chorar,
de viver, de sonhar e até mesmo de recordar o tempo que passou.
Aquele inverno deixou marcas profundas na minha vida, contu-
do, tornei-me alguém melhor, capaz de reconhecer as feridas deixadas,
independentemente do tamanho que elas tenham, e perdoar. Sempre
haverá uma escolha. Aceitei que a vida é feita dessa forma, nossas deci-
sões é que a tornam melhor.
Era segunda-feira, um dia de rotina, término da primeira aula de
Fonética, uma matéria que não atraía tanto meus elogios. Caminhava
com Sarah em direção à lanchonete. O tempo estava fresco, o sol fraco
e um vento típico de primavera. Olhei para o lado e ela continuava
com os olhos semicerrados, achei engraçado. Sarah tinha o poder de
me fazer rir sem dizer nada, isso fazia tanto sentido nos meus dias.
– Esqueceu de me contar mais alguma coisa? – disse e colocou a
mão no meu ombro.
– Te contei tudo, Sarinha. – Olhei adiante e o vento fez com que
algumas mechas dos meus cabelos batessem contra o rosto. – Só estou
tentando entender. A primeira parte eu achei normal, a segunda esqui-
sita, mas, em um todo, é assustador!
– Devia seguir o conselho do tio Paulo e contar para a esposa
do pastor.
– Vou fazer isso, sim, amiga.
Vimos Álex, ele apenas acenou de longe sem muita vontade de
expressar o cumprimento. Anna estava pendurada em seu ombro, se-
ria bom se fosse verdade. Ele permanecia indiferente comigo, sabia
que envolvia o retorno do meu bem mais precioso. Diante dos últimos
acontecimentos, nossa amizade tornou-se uma incógnita. Não compre-
endi seu olhar e muito menos aceitei o fato de estarmos tão distantes
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um do outro. Andrew não falava sobre Álex, a última conversa que
tivemos sobre o assunto foi no dia da nossa reconciliação. Ele sabia
que éramos amigos e que o fato ocorrido, quando esteve longe, mesmo
que não significasse mais nada no meu presente ainda era o motivo
para Andrew achar que tudo estava no lugar certo – entrelinhas, Álex
distante de mim.
Não muito distante de nós, Richard e Alan apareceram, estavam
andando em direção à mesma lanchonete que iríamos. Sarah, quando
os avistou, deu uma corridinha e abraçou Alan por trás; ele se virou
rápido, pegando-a no colo. Com sua voz aguda – ela parecia uma ga-
rotinha falando –, deu um gritinho estridente. Richard sorriu ao olhar
para mim.
Abraçamo-nos e eu beijei seu rosto. Alan, como sempre, apertou
meu nariz. Na maioria das vezes chegava a causar incômodo, como
quando ele não o soltava rápido. Belisquei sua mão e ele estreitou os
olhos fazendo uma discreta careta.
– Nossa, como você está gato de boné! Acaba comigo, gatinho!
– exclamou Sarah, ao virar o boné vermelho de Alan para trás e se
pendurar em seu pescoço de novo.
– Sou o cara mais bonito do mundo, confessa?! – ele falou e Sarah
logo disse vários “sim”. Ele me olhou, esperando que eu concordasse
com ela.
– Convencido. – Mostrei a língua. – Mas, cadê meu amor?! – per-
guntei assim que entrelacei meu braço no de Richard.
– Acabei de ligar para ele – respondeu com um sorriso gracioso. –
Estava saindo de Jurerê Internacional e indo para o Centro. Não deixei
ele falar muito, Andrew e sua mania de dirigir e falar ao telefone... – A
frase soou com tom de ironia, logo lembrei por que ele estava falando
daquela forma.
– Realmente é perigoso usar o celular e dirigir!
Richard riu e apertou os olhos, concluí que ele estava tirando toda
minha razão de tentar me defender. Deve ter se lembrado da última vez
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que liguei para ele, procurando desesperadamente por Andrew no ca-
minho para o aeroporto. Eu ri também e, mesmo que não fizesse muito
efeito, tentei me defender.
– Ah, amigo, aquela vez foi uma emergência!
– Ok. – Ele passou a mão em seus cabelos lisos e os penteou para
trás. – E você, já lanchou?
– Ainda não. Vamos?
– Isso, irmão, aproveita e paga para todo mundo! – Alan apertou o
ombro de Richard.
– Tira a mão do bolso e faz uma presença.
– Minha mãe sempre me ensinou que meus irmãos mais velhos
precisam cuidar de mim. – Sarah soltou uma risada.
– Minha mãe sempre me ensinou que meu irmão mais velho podia
me bater quando eu estivesse errado.
– Para de falar e paga logo! – Alan abraçou Sarah.
Antes de entrarmos na lanchonete, um grupo de três meninas pas-
sou e elas acenaram para Richard e Alan. O cumprimento pareceu
mais com uma paquera silenciosa da parte delas. Olhei para Sarah, ela
já encarava as meninas com antipatia, Alan olhava para o lado oposto.
Richard, como sempre, educado, fez um maneio de cabeça. Rebecca
não estava ali, mas resolvi fazer uma expressão antipática. No mesmo
instante, elas pararam de olhar.
Quando se afastaram, não consegui prender o riso. Alan, como
sempre, achou graça da cena. Sarah continuava com o rosto sério e
murmurou dizendo que, se fosse Andrew, eu não estaria rindo, apertei
sua bochecha e concordei.
Paramos no balcão e tirei algumas notas de dinheiro do bolso da
calça jeans, não mais que dez reais. Richard interrompeu meu gesto
de contar as notas e colocou o cotovelo no balcão, olhando para Alan.
– Hoje você vai pagar para todos – disse Richard, convicto.
– Que história é essa?! – Esquivou-se Alan, com um sorriso de
lado. – Vamos, gatinha, Richard paga! – Ele colocou o braço nos om-
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bros de Sarah saindo de perto do balcão. – Quero o mesmo de sempre,
brother! – Alan sentou-se à mesa e Richard ficou com o rosto surpreso
mostrando sua indignação, como também esperando que ele voltasse
de onde saiu.
– Já que todos estão pedindo, quero biscoitos e uma vitamina de
morango com leite! – Mordi o lábio para que o riso não escapasse.
– Quer mais alguma coisa, Helen? – perguntou debochando. Ergui
os ombros e ri. – Vou colocar na conta de vocês!
– Não temos conta na cantina – falei caminhando para a mesa.
A atendente do balcão mostrava alegria, parecia assistir a uma peça
de comédia. Como sempre, Alan era o protagonista dos nossos risos.
Por alguns instantes vimos Richard conversando com a balconista,
ficamos curiosos. Ele veio contendo um sorriso e sentou-se ao lado de
Alan. Os dois se olharam, Alan já mostrava o sorriso travesso e não
conteve o comentário.
– Não te vi pagar a conta.
Franzi a testa e me atentei a Richard. Era verdade, nosso amigo não
pagara a conta.
– Claro que não paguei – respondeu despreocupado e com um
sorriso satisfeito.
– Por que não?! – perguntou, Alan, curioso.
– Acabei de abrir uma conta aqui no seu nome.
Sarah foi a primeira a soltar uma gargalhada, que logo se tornou
uníssona. Alan cruzou os braços e expressou chateação para Richard.
Não conseguimos segurar os risos, o rosto de Alan mostrava total indi-
ferença à nossa alegria.
Eu gostava do clima primaveril que fazia em Florianópolis, onde
podíamos usar roupas mais claras e leves, sandálias com os dedos
de fora e até mesmo perfumes florais. Quando, porém, o assunto
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era roupas, o clima não ajudava muito e eu sempre ficava indecisa.
Um jantar fazia da minha cama um verdadeiro balcão de butique em
liquidação. Pegava as peças do guarda-roupa e as descartava, depois de
me dar conta de que não surpreenderia Andrew.
Ah, Andrew... Ele, sim, era a única certeza que eu tinha. Meu vo-
cabulário havia se tornado pequeno diante daquele sonho esperado.
Era uma alegria que sobrepujava, expandia meu interior, tornando-me
completa, feliz. Ele era a felicidade que tanto desejei.
Verifiquei a hora no meu relógio e me apressei em escolher as pe-
ças de roupa no meio da bagunça que fiz. Vesti uma calça jeans e uma
blusa regata de cor verde-água, coloquei um casaquinho branco de
malha por cima e passei meu perfume. Penteei os cabelos e deixei-os
molhados. Passei lápis nos olhos e um brilho discreto nos lábios.
Andei até o quarto de Sarah e ela ainda estava tomando banho
cantarolando suas músicas de maneira desafinada. Evelyn estava se ma-
quiando, ia sair com Diego. Sentei na beira da cama e elogiei o quanto
estava bonita, com os cabelos presos no alto, caindo pelos ombros com
seus cachos dourados. Ela havia feito algumas luzes mais claras, um
loiro acinzentado, o que realçou ainda mais seu rosto anguloso. A ma-
quiagem estava carregada, sempre lhe caía bem. Ela me deu um beijo
no rosto e saiu feliz, de calça jeans escura, uma blusa de renda branca,
com laços de fita na frente. Olhei a roupa que Sarah usaria: uma calça
com estampa floral clara e uma blusa cor-de-rosa. Resolvi descer. An-
tes, passei no meu quarto, peguei o celular e procurei pelos fones de
ouvido em cima da escrivaninha.
Deitei no sofá e escolhi um dos álbuns de Kari Jobe, avancei para
a música “You are for Me”. Adorava aquela canção. Foi como viajar
para outra dimensão, mais precisamente para o jardim do meu sonho,
repleto de flores que chegavam a arrepiar com tanta ternura. Imaginei
meus passos marcados por uma dança que celebrava o final do inver-
no. Meus pensamentos eram a letra de uma música que somente eu
podia ouvir.
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Voltei à minha sala quando ouvi o barulho das chaves chacoalhan-
do na porta, era meu pai. Como sempre fazia, apertava minha bochecha
de forma carinhosa.
– Oi, pai! Chegou tarde! – Ele deu um longo suspiro, parecia cansado.
– Ou a senhorita que chegou cedo demais? – Jogou sua pasta sobre
o sofá e me olhou de lado.
– Ah, pai, saí às 17hs, é meu horário. – Pisquei os olhos para ele.
– Cadê sua mãe?
– Está se arrumando. Vai logo tomar banho, senhor Paulo Castilho!
Andrew deve estar chegando!
Levantei-me do sofá e empurrei meu pai até a escada para que ele
se apressasse. Enquanto ele subia, a campainha tocou. Ajeitei minha
roupa, enchi o peito de ar no mesmo instante que o friozinho passou
pela minha barriga. Abri a porta com meu melhor sorriso, mas logo re-
laxei os ombros quando vi que não era Andrew e, sim, Alan, que sorriu
e me deu um rápido abraço. Olhei por cima do seu ombro. Ao longe, vi
Andrew manobrando a picape de Richard para estacionar na vaga que
restara entre o carro do meu pai e a saída da garagem da casa vizinha.
– Ué, cadê Richard?!
– Foi buscar Rebecca no carro de Andrew! – Ele passou por mim
em direção às escadas.
– Aonde vai, enxerido?! – Ele já estava subindo os degraus.
– Atrás da minha gata!
– Não pode ir subindo assim! Nem sabe se Evelyn está aí!
– Sei que não, encontramos com ela perto do cruzamento com seu
carro. – Ele fez careta e subiu.
Adiante de mim meus olhos terminaram a procura. Andrew tinha
acabado de descer da picape. Mais lindo do que a última vez que me
recordava. Inspirei toda a emoção que estava no ar e andei até a va-
randa. Ele vestia calça jeans com lavagem nas coxas, um blusão xadrez
escuro e o cabelo arrepiado. Quando me viu, mostrou um sorriso para-
lisante. Perfeito. Mais que perfeito.
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Ordenei que minhas pernas me levassem a ele.
Quando faltavam alguns passos para alcançá-lo, ele atrasou os dele,
coçou a nuca, um verdadeiro charme; mordi o lábio. Como ele conse-
guia ser tão encantador?!
Não falei nada, segurei seu pescoço e o puxei para um beijo saudoso.
Ele apertou-me ainda mais contra seu corpo, minhas pernas bambearam,
o cheiro dele arruinava minha sanidade. Ele era totalmente desejável.
– Oi... – falei, como se enfeitiçada.
– Oi, linda. Que recepção! – Ele estreitou os olhos ao me olhar por
inteiro.
– O beijo ou minha roupa?
– Tudo. Adoro ver você chegando.
– E você, Andy?! Está mais lindo do que nunca! E seu cheiro... –
Cheirei seu pescoço.
– Não faz isso, Helen... – ameaçou.
– Não posso mais te cheirar?! – Eu ri.
– Claro, quando quiser.
Novamente nos beijamos e parecia que o chão tinha sumido, ele
me elevava ao céu. Sua mão entrelaçou na minha e me puxou de volta,
cheirando atrás da minha orelha e sussurrando o quanto estava linda.
Seus carinhos sempre somavam um tanto de afeição em mim.
Sentamos no sofá da sala e Andrew perguntou o que estava ouvin-
do. Coloquei um dos fones em seu ouvido, antes sussurrei o quanto eu
o amava. Seus olhos atravessavam meu peito como se fosse uma espa-
da, gerando algo incomparável, e sempre me deixavam com a sensação
de que deveria durar por mais tempo.
Nossos lábios se tocaram, como se fosse nosso destino para sempre.
Sentia-me até mesmo culpada por não ter fôlego suficiente para prolon-
gar nossos beijos. Ele afastou-se e soprou brandamente em meus olhos
e novamente me beijou. Nunca mais duvidaria, eu nasci para ser dele.
Finalmente ele ouviu um trecho da música que ainda saía por um
dos fones. Comentou sobre a letra e a melodia, elogiando a harmonia.
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Acomodei-me em seus braços e ouvi-o contar sobre seu dia. Fechei
os olhos, tentando sugar aquele momento para dentro de mim, cada
instante ao lado de Andrew merecia ser experimentado como algo sa-
boroso e, infelizmente, pouco.
Meus pais apareceram na escada. Minha mãe estava bonita, des-
filou seu vestido estampado com predominância verde, um ótimo
caimento em seus ombros erguidos e a cintura fina. Eles cumprimenta-
ram Andrew e nos chamaram para ir.
– Andrew, Alan subiu atrás de Sarah e até agora não desceu – sus-
surrei no ouvido dele.
– Esperto é ele. – Belisquei seu braço.
– Irei chamar Sarah, mãe, podem ir! – disfarcei. – Vou com Andrew.
– Não demorem – falou minha mãe.
Eles saíram e Andrew me puxou pelo punho, me parando na subida
da escada. Entreguei-me ao beijo dele, novamente, e seria sempre assim.
Seu hálito fresco e os lábios macios me tiravam todo o ar. Recompus-me e
inspirei para tentar acalmar o coração, mesmo sabendo que nunca funcio-
nava. Subi apressada e acabei tropeçando, ele me deixava atrapalhada.
Bati na porta e apressei Sarah. Espiei pela fenda da porta e vi Alan
esparramado em sua cama vendo-a se arrumar. Semicerrei os olhos e
desaprovei, mas Sarah não se importou e sorriu de forma arteira.
– Já estou indo, miguxa. Vai! – me apressou para que eu descesse e
encostou a porta. Sussurrei que o mandasse descer, seu riso foi a prova
de que não seguiria meu conselho.
O som da picape foi um dos hip hop que Alan adorava ouvir.
Mesmo sentada na frente com Andrew, ele tomou posse do controle
remoto, desisti de disputar com ele. Chegando lá, encontramo-nos com
Richard e Rebecca na porta do local. Rebecca usava um vestido longo
e branco com algumas flores na barra e no busto. Richard vestia uma
calça jeans e um blusão com três cores degradê, estava muito bonito.
– É tão bom vê-los juntos. Sabia que isso iria acontecer! – falou
Rebecca animada.
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– Oi! – Beijei seu rosto. – Às vezes parece que ainda estou sonhan-
do, Bec!
– Que bom que tudo está como devia!
– Boa noite, amiga. – Richard me deu um beijo no rosto. – E aí?
Quer beijinho também? – Ele aproximou-se para beijar o rosto de An-
drew, eles riram e Andrew empurrou o rosto do amigo.
Falamos sobre família, faculdade e planos futuros. Durante a con-
versa, Richard anunciou que Andrew havia voltado a escrever a peça O
Príncipe e a Plebeia. Houve tanta alegria pela notícia que precisei repetir
a frase olhando bem nos olhos de Andrew. Alan pediu que o garçom
trouxesse champanhe para brindar o novo tempo de conquistas em nos-
sas vidas. Richard anunciou mais um motivo para comemorarmos, ia
trocar de carro, mantinha a picape por causa da cadeira de rodas que
Andrew usava. Um passado que nunca mais seria presente e isso deve-
ria ser comemorado todas as vezes que nos reuníssemos.
Os rapazes contaram os planos de vender a mansão de Jurerê In-
ternacional e mudar para o Centro da Cidade. Era contagiante ouvi-los,
transmitiam a animação de um verdadeiro recomeço. Richard disse
que queriam gerar novas lembranças, principalmente retomarem a his-
tória que foi interrompida pelo acidente. Meu pai seria a ponte para a
venda e a compra. Isso os levariam de volta ao ponto de partida, uma
fase importante de suas vidas que foi brutalmente adiada. Podia ecoar
como pouco, mas somente eles sabiam o quão importante foi o tempo
de terem renunciado tantas coisas por amor ao amigo-irmão. Não ha-
via arrependimento, apenas alegria de saber que tudo seria novo.
Caiu a tarde e me apressei para chegar em casa. Era um dia muito
especial na vida de Andrew, depois de tanto tempo ele reencontraria
seu pai. Um encontro que poderia mudar duas histórias para sempre.
Pelo menos era o que todos nós desejávamos.
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Rapidamente tomei banho e troquei de roupa. Avisei minha mãe
que estava de saída.
Andrew me ligou, percebi toda a ansiedade em sua voz pausada.
Encerrei a chamada e liguei o carro. O destino não era apenas Jurerê
Internacional, mas o encontro pessoal com a esperança de que o confli-
to de tantos anos entre os dois chegasse ao fim.
Naqueles últimos dias, meu pedido mais insistente para Deus era
que Andrew e o pai fizessem as pazes. Era um desejo contido, assim
como de seus amigos. Havia, porém, um silêncio incompreensível no
olhar de Andrew naqueles dias, ninguém podia prever o que acontece-
ria naquela noite, somente Deus.
Passei pelo jardim e, ao tocar a campainha, ouvi o latido de Prince.
A brisa fresca encheu meus pulmões, logo meus olhos descansariam
quando o encontrasse. E assim foi... Andrew abriu a porta, lindo como
uma miragem. Devia existir uma explicação científica para as reações
do corpo humano diante do seu maior desejo, todavia se existia, eu des-
conhecia. Enquanto nos abraçávamos, Prince pulou em cima de nós.
Andrew me olhou por algum tempo, para mim sempre era um
momento eterno. Aquele olhar me fazia encontrar meu jardim secreto.
Beijamo-nos, era como se fosse a primeira vez, o primeiro beijo, o pri-
meiro encontro.
Agachei e abracei Prince apertado, estava grande e fofo. Andrew
abaixou-se do meu lado e, embora sua mão acariciasse Prince, seus
olhos estavam distantes dali.
– Como está seu coração, Andy? – Ele me olhou e inspirou fundo.
– Estou muito nervoso. Faz tempo que não o vejo.
– Vai dar tudo certo. É o caminho. – Beijei seu rosto.
– Vem, entre. – Ele estendeu a mão, me ajudando a levantar. –
Quer comer alguma coisa?
– Estava com fome, mas agora estou ansiosa. Deixa pra depois.
Andrew segurou minha mão e me puxou para a cozinha. Vivian e
Rubens conversavam, enquanto ela preparava o jantar. Foi a primeira
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vez que entrei na cozinha. Era grande e bem decorada, os eletrodomés-
ticos eram de inox, uma das paredes tinha móveis de madeira embutida
e pratos de porcelanas com formas arredondadas. O balcão e a pia
eram pretos e as cadeiras que ficavam em volta eram altas e tinham
assento verde-musgo. Cumprimentei-os com alegria.
– Agora está mais tranquila – comentou Vivian. – Estava tão ner-
vosa naquele dia!
– Nem me lembre, Vivian. – Eu ri. – Achei que encontraria meu
amor aqui. – Olhei para Andrew e ele piscou o olho.
– Por pouco não fui à sua casa – falou carinhoso. – Mas estava tão
decidida que não me achei no direito de forçar alguma coisa.
– Esquece, Andy. O importante é que estamos juntos. – Prendi ain-
da mais nossas mãos unidas.
Vivian perguntou se Alberto ficaria para o jantar, Andrew respon-
deu que não sabia, parecia mais que falava consigo mesmo. Interrompi
e disse que seu pai ficaria sim.
Saímos da cozinha e, ao passar pela sala de jantar, encontramos
Mel, que estava arrumando a mesa com os talheres e pratos. Veio com
seu belo sorriso e me abraçou apertado. Novamente afirmou o quanto
estava feliz de me ver ali.
Perto da escada, avistamos Alan, que descia rapidamente os de-
graus. Estava perfumado e muito bem-arrumado, com calça jeans e
um casaco azul-escuro com detalhes em branco. Seus cabelos estavam
espetados para cima.
– Andrew, boa sorte com seu pai. – Ele abraçou o amigo.
– Valeu, mano. – Se afastaram e fizeram o aperto de mão exclusivo
deles.
– Tem certeza de que não preciso ficar?
– Não, irmão, vou ficar bem.
Prince passou por nós e foi para a sala, fizemos o mesmo. Enquanto
nos sentávamos no sofá, observei Prince se ajeitando em cima de algu-
mas almofadas no canto da sala.
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Reparei que Andrew havia olhado o relógio por duas vezes em
menos de um minuto.
– Há quanto tempo não conversa com seu pai?
– Muito tempo. – Ele mordeu o lábio e suspirou. – Muito tempo.
Deitei minha cabeça em seu ombro sem dizer nada. Apenas ouvia
sua respiração profunda. Foi um período de silêncio, preparação, tal-
vez. Em pensamento, pedia a Deus que nos ajudasse naquele momento.
Depois de quase dez minutos, a campainha tocou, fazendo meu
estômago gelar.
– Deve ser ele – foi um sussurro de Andrew.
Vimos Mel passar e atender a porta. Acariciei a cabeça dele quan-
do senti o suor na palma de sua mão. Beijei seu rosto e lancei algumas
palavras de que tudo daria certo.
Alberto surgiu na porta da sala e parou ao nos avistar, estávamos
de pé em frente ao sofá. Ele vestia um blazer grafite com uma camisa
branca por baixo, estava com a calça da mesma tonalidade. Seu rosto
feliz fazia lembrar Andrew, era um senhor muito bonito para os seus 50
anos. Era alto e tinha ombros largos, a pele era morena-clara, os cabe-
los lisos e com vários grisalhos misturando-se com o preto.
– Não parece ser real o que vejo! – ele declarou emocionado.
Alberto não mediu os atos e me impressionei quando aproximou-se
depressa e abraçou Andrew com força. Todavia, Andrew mal abraçou
o pai, que logo afastou-se passando a mão entre os cabelos e dando
mais um passo para trás.
– Vamos sentar – falou Andrew, perdido em seus próprios movi-
mentos.
– Oi, Helen. Quanto tempo! – Ele me cumprimentou com um bei-
jo no rosto.
– Oi, senhor Alberto. Tudo bem?
– Melhor agora, aqui, com vocês. E você, filho? Voltou ao que era!
Está forte de novo e muito bonito! Fico emocionado por isso. – Ele
limpou os olhos úmidos.