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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO
LIDIA GODOI
PRTICAS EDUCATIVAS ENTRE PARES
Estudo do trabalho dirio de professoras em um Centro de
Educao Infantil paulistano
So Paulo
2015
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LIDIA GODOI
PRTICAS EDUCATIVAS ENTRE PARES
Estudo do trabalho dirio de professoras em um Centro de
Educao Infantil paulistano
Dissertao apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Educao da
Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo, como
exigncia parcial para obteno do
ttulo de Mestre em Educao.
rea de Concentrao: Didtica,
Teorias de Ensino e Prticas
Escolares.
Orientadora: Prof. Dr. Mnica
Appezzato Pinazza.
So Paulo
2015
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
372.21(81.61) Godoi, Lidia
G588p Prticas educativas entre pares: estudo do trabalho dirio de
professoras em um centro de educao infantil paulistano/ Lidia Godoi;
orientao Mnica Appezzato Pinazza. So Paulo: s.n., 2015.
314, p. ils; Apndice.; tabs.; anexos
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Educao.
rea de Concentrao: Didtica Teorias de Ensino e Prticas Escolares)
- - Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.
1. Educao Infantil 2. Prtica de Ensino 3. Formao Continuada
de Professores 4. Planejamento (Educao) I. Pinazza, Mnica
Appezzato, orient.
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Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So
Paulo como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em
Educao.
Aprovada em: ___________________
Banca Examinadora
Prof.Dr.:_________________________ Instituio__________________
Julgamento:___________________Assinatura:____________________
Prof.Dr.:_________________________ Instituio__________________
Julgamento:___________________Assinatura:____________________
Prof.Dr.:_________________________ Instituio__________________
Julgamento:___________________Assinatura:____________________
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A Maria, Flix, Marcos, Murilo e
Luisa, pelo amor incondicional,
apoio e pacincia.
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Agradecimentos
Agradeo a Deus e a todos e todas que, de alguma maneira, contriburam para a
realizao desse trabalho, em especial:
Prof Dra. Mnica Pinazza, que acolheu minhas limitaes com pacincia e
generosidade e provocou muitas reflexes que me ajudaram a descobrir os caminhos
trilhados durante a realizao do trabalho;
Prof Dra. Tizuko Kishimoto por suas contribuies para a minha formao enquanto
profissional da Educao Infantil e pesquisadora;
Prof Dra. Patrcia Dias Prado pela generosa contribuio feita por meio da anlise da
trajetria desenvolvida nesse estudo, fundamental para minha formao enquanto
pesquisadora;
Prof Dra. Mrcia A. Gobbi por compartilhar comigo seus saberes e sobretudo por
despertar em mim o desejo de ser pesquisadora;
Dorli Baslio, grande parceira e fonte de inspirao, que com sua energia e amor
mesmo distante se fez presente durante toda a minha trajetria enquanto pesquisadora.
ao Marcos por ter me oferecido apoio e amor incondicional. Sem voc ao meu lado,
segurando a minha mo, essa jornada teria sido muito mais difcil;
aos meus grandes amores Murilo e Luisa, que souberam suportar minhas ausncias com
pacincia e me inspiraram a seguir;
a todos(as) colegas do grupo Contextos Integrados de Educao Infantil, por poder
compartilhar saberes e experincia que muito contriburam para a realizao desse
trabalho;
s colegas e amigas do CEI Cidade de Genebra, por dividirem comigo cotidianamente
seus saberes, prticas e aflies;
s meninas, meninos, professoras e equipe gestora do CEI em que se deu a pesquisa,
pelo acolhimento e sobretudo por compartilharem comigo seu dia-a-dia, suas conquistas
e experincias;
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e, por fim, aos amigos e amigas e famlia que, de perto ou de longe, direta ou
indiretamente, participaram dessa conquista.
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RESUMO
O presente trabalho de pesquisa teve como objeto de estudo as prticas cotidianas
vivenciadas por quatro professoras e um agrupamento de 24 crianas com idades de 2 a
3 anos, em um Centro de Educao Infantil (CEI) pblico do municpio de So Paulo. A
investigao se comprometeu essencialmente com trs questes, a saber: Como se
constitui a organizao das prticas educativas partilhadas por duas duplas de
professoras que se revezam nos perodos da manh e da tarde em um mesmo
agrupamento de crianas? H espao para comunicao entre elas? Em que medida as
prticas propostas compem uma rotina flexvel e orientada por um planejamento
comum, de forma a propiciar s crianas experincias de aprendizagem expressivas
pautadas na continuidade e na interao? Trata-se de uma pesquisa pedaggica
qualitativa que adota a perspectiva de um estudo de caso nico, tal como proposta por
Yin. Como fontes de dados, foram considerados: o Projeto Poltico Pedaggico em que
consta o plano de formao das professoras; os planejamentos e registros das
professoras; o dirio de bordo da pesquisadora, bem como as entrevistas realizadas com
as professoras e gestoras da unidade estudada. A anlise e discusso dos dados
produzidos foram realizadas luz do conceito de experincia elaborado por John
Dewey. Tambm foram utilizados os aportes tericos presentes nas obras de Oliveira-
Formosinho, Barbosa, Kishimoto. O presente estudo trouxe algumas importantes
evidncias a respeito do processo formativo no mbito do CEI, especialmente, no
tocante s circunstncias estruturais e organizativas. Os tempos e espaos restritos de
comunicao e de reflexo sobre as questes da prtica revelaram-se determinantes da
fragmentao dos planejamentos das professoras acompanhadas. Os planejamentos
pouco articulados resultam em experincias que, alm de descontnuas, interagem
escassamente com as situaes cotidianas, o que termina por aproxim-las de um
currculo pautado na lgica das disciplinas. O estudo destaca a necessidade de se
ampliar as pesquisas sobre a rede municipal de educao, de forma a subsidiar as
polticas publicas para educao infantil e a formao contnua realizada no contexto
das instituies. Por fim, defende-se a importncia de se garantir legalmente condies
institucionais para que a reflexo coletiva em busca do aprimoramento das prticas com
as crianas sejam efetivadas no contexto dos CEIs.
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Palavras-chave: Educao infantil. Creche. Currculo, Planejamento, Formao
continuada de professores.
ABSTRACT
EDUCATIVE PRACTICES AMONG PEERS: A study of the daily work of
teachers at a Day Care Center in the city of Sao Paulo
This study had the purpose of investigating everyday practice of four teachers and a
group of 24 children aged 2 through 3 years, in a public Day Care Center (CEI) in the
city of de So Paulo. The research involved basically three dimensions, that is: How
educational practices are organized when shared by pairs of teachers who alternate in
the morning and afternoon shifts in the same group of children? Is there room for
communication between them? To what extent the proposed practices make up a
flexible routine oriented by some shared planning, in order to provide children with
significant learning experiences based on continuity and interaction? This is, therefore,
a qualitative pedagogical research that adopts the perspective of a single case study, as
proposed by Yin. The following sources of data were included: the Political
Pedagogical Project which the training plan for the teachers was a part of; the planning
and records by the teachers; the researchers logbook, as well as the interviews with the
teachers and managers at the school I have studied. The analysis and discussion of data
were conducted in the light of the concept of experience defined by John Dewey. Other
theoretical approaches were also utilized, found in the works of Oliveira-Formosinho,
Barbosa, and Kishimoto. This study brought some important evidence concerning the
formative process within a Day Care Center (CEI), especially in regard of structural and
organizational circumstances. Restricted times and spaces of communication and
reflection about the issues arising of the practice turned out to be determining of the
fragmentation in the planning made by the teachers whose actions I have followed.
Planning was poorly articulated and resulted in experiences that were not only
discontinuous but they also scarcely interacted with everyday situations, which in the
end put them close curriculum based on the logic of disciplines. The study highlights
the need to enhance the research on the citys educational system, in order to give
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subsidies for the public policies aimed at childrens education and the ongoing
formation that is conducted within the schools. Finally, I stand for the importance of
legally guaranteeing institutional conditions so that the collective reflection to improve
the pedagogical practices with children can be effected in the context of CEIs.
Keywords: Day Care Center. Curriculum. Planning. Continued Trainning of Teachers.
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS
5
RESUMO
7
1 INTRODUO 12
2 CRECHES BRASILEIRAS: UM OLHAR SOBRE AS
PROPOSTAS CURRICULARES
16
2.1 Primeiras creches no Brasil: filantropia, cuidado e assistncia
16
2.2 Creche integrante da educao infantil: histria de luta pelo estatuto
institucional
20
2.3 Creches no sistema educacional paulistano: outro olhar para a
educao das crianas pequenas
33
2.4 Profissionais de Creche/CEI: breve histrico da profisso e
circunstncias atuais
47
3 PROPOSTAS CURRICULARES PARA AS CRECHES:
INSPIRAES E PRTICAS PRESENTES
58
3.1 Delineando um conceito de currculo na Educao Infantil
58
3.2 As matrizes pedaggicas e suas relaes com as construes
curriculares para a primeira Infncia
61
3.3 Abordagens curriculares para Educao Infantil: inspiraes da
High/Scope, Reggio Emilia, Movimento da Escola Moderna e Pedagogia em
Participao
64
3.3.1 Abordagem High/Scope 64 3.3.2 Abordagem curricular de Reggio Emilia 66 3.3.3 Abordagem Curricular para Educao infantil da Escola
Moderna Portuguesa 69
3.3.4 Pedagogia-em-Participao: Abordagem da Associao Criana
para a Infncia 72
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3.4 O contexto do municpio de So Paulo: Currculo Integrado para a
Primeira Infncia
74
4 CONTEXTO E CAMINHOS DA PESQUISA EMPRICA
78
4.1 Caminho metodolgico
78
4.2 Contexto da pesquisa
79
4.3 Produo de dados
91
4.4 A triangulao de fontes de dados
93
5 CENTRO DE EDUCAO INFANTIL EM ESTUDO: CURRCULO VIVIDO NOS PLANOS DE QUATRO
PROFESSORAS
97
5.1 Projeto Poltico Pedaggico e Plano de Formao das Professoras
97
5.2 Entrevistas com as quatro professoras, coordenadora pedaggica e
diretora
102
5.3 Planos de Trabalho e Registro das Professoras
108
5.4 Registros no Dirio de Campo da Pesquisadora
113
5.4.1 O projeto animais 117 5.4.2 reas de interesse, uma constante durante o perodo da tarde 119 5.4.3 Os Momentos de Brincadeiras Livres 123 5.4.3.1 A brincadeira do Cachorro 123 5.4.3.2 Saltos sobre o escorregador 128
6 CONSIDERAES FINAIS 132
REFERNCIAS 138
APNDICES 146
ANEXOS 306
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12
1 INTRODUO
Da ento, que a nossa presena no mundo, implicando escolha e deciso,
no seja uma presena neutra. (FREIRE, 2000, p. 33)
Este trabalho tem como objeto de estudo as prticas cotidianas vivenciadas por
um agrupamento1 de 24 crianas com idades de 2 a 3 anos e quatro professoras, em um
Centro de Educao Infantil (CEI) pblico do municpio de So Paulo.
A escolha da temtica, como diria Freire (2000), esteve carregada de motivaes
e sentidos presentes na trajetria pessoal e profissional da pesquisadora que, atuando no
campo em foco, interessou-se por compreender os processos que compem o cotidiano
vivido nos espaos institucionais da educao infantil, em especial, das creches.
A realizao de mais pesquisas no campo da educao infantil, particularmente a
dedicada s crianas de 0 a 3 anos, fundamental no somente para se compreender a
realidade peculiar dessa etapa educacional, mas tambm para a constituio de uma
Pedagogia da Infncia. A convico de que uma discusso profunda sobre o currculo
vivido (ABUCHAIM, 2012) no espao educativo das creches pode nos aproximar desse
objetivo determinou o trajeto terico-metodolgico adotado nesta investigao.
Nesse sentido, a investigao est pautada na concepo da criana como sujeito
histrico-social, capaz, inteligente e criativo (VYGOTSKY, 1998), reconhecendo o
Centro de Educao Infantil como um espao de educao e cuidado, apto a
proporcionar experincias diversas que considerem as especificidades das crianas
pequenas de 0 a 3 anos (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2000; PINAZZA, 2004;
BARBOSA, 2006; KISHIMOTO, 2008; KRAMER, 2008). Parte-se da concepo de
que o fazer pedaggico uma prtica especfica que deve propiciar s crianas
experincias educativas que, alm de interagirem com as condies situacionais em que
estas ocorrem, devem ter a potncia de engendrar experincias mais e mais ampliadas
(DEWEY, 1980; PINAZZA, 2007; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2011), resultando
crescentemente em novas aprendizagens e em saberes de diferentes naturezas
(BARBOSA, 2006, 2010; ZABALZA, 1998).
Para viabilizar tal investigao, firmou-se um processo colaborativo com um
CEI municipal da cidade de So Paulo que mantm uma parceira com o grupo de
1 Utiliza-se esse termo para referir-se aos grupos de crianas separadas em turmas que compe o CEI.
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13
pesquisas Contextos Integrados de Educao Infantil2. A escolha por um estudo de caso
nico na vertente da pesquisa pedaggica qualitativa se ampara nos pressupostos
metodolgicos de alguns autores como Bogdan e Biklen (1999), Lankshear e Knobel
(2008), Yin (2005) e Gomz, Flores e Jimnez (1996).
O estudo de caso nico acompanhou durante o perodo de seis meses um
agrupamento de 24 crianas, com idades entre 2 e 3 anos, e as duas duplas de
professoras por ele responsvel a fim de compreender tanto o seu cotidiano quanto a
maneira como essas duplas, que trabalham em perodos diferentes, organizam suas
prticas educativas por meio de um planejamento comum voltado para o mesmo
agrupamento. Ademais, este estudo se compromete com as seguintes questes: H
espao para comunicao entre as professoras? As prticas propostas compem uma
rotina flexvel? Em que medida? O planejamento comum proporciona s crianas
experincias de aprendizagem expressivas?
Este estudo parte da suposio bsica de que aes articuladas dentro de
planejamento partilhado pelas duplas de professoras responsveis por um mesmo
agrupamento pode favorecer experincias que, atendendo aos princpios de continuidade
e de interao anunciados por Dewey (1980) mostrem-se mais expressivas para as
crianas. Entende-se, portanto, que as experincias das crianas podem ser
qualitativamente distintas. Por isso, considera-se fundamental no s prover tempos de
formao contnua realizada no CEI, mas garantir que esses tempos sejam organizados
de sorte a contemplar o encontro entre as duas duplas, destinados reflexo partilhada
sobre as prticas educativas desenvolvidas em um e em outro perodo.
A pesquisa emprica ocorreu durante o ano de 2013 e constou de 12 sesses de
observao realizadas. No entanto, antes de iniciar esse trabalho, foram realizadas
visitas unidade onde a observao ocorreria a fim de conhecer a equipe de educadores,
momento em que foram colhidos dados documentais como o Projeto Poltico
Pedaggico. Durante o trabalho de campo, os dados colhidos foram registrados
inicialmente em bloco de notas e, em seguida, passados ao dirio de bordo; tambm
foram realizadas as entrevistas semiestruturadas e coletados os relatrios das
professoras.
Cada fonte de dados utilizada na pesquisa ocasionou ponderaes sobre as
questes com que se comprometeu o estudo. Elaboradas conforme os dados iam sendo
2 Grupo de Pesquisa na rea da Educao Infantil e Formao de professores(as) FEUSP coordenado
pelas professoras Tizuko Morchida Kishimoto e Mnica Appezzato Pinazza.
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14
coletados, as categorias de anlise os agrupam por similaridade e relevncia para a
elucidao das questes da pesquisa (LANKSHEAR & KNOBEL, 2008).A anlise e
discusso dos dados produzidos foram realizadas luz do conceito de experincia de
Dewey (1980), que se assenta nos princpios de continuidade e interao.
O exame do Projeto Poltico Pedaggico da unidade permitiu compreender o
plano de formao das professoras/PEA3 e sua forma de organizao, bem como a
organizao curricular pretendida. As entrevistas revelaram como as professoras e as
gestoras percebem a realizao desse processo de formao na prpria unidade e em que
medida as professoras conseguem trocar experincias e articular o planejamento nesse
tempo de formao. Foi possvel, alm disso, perceber como as profissionais
entrevistadas percebem seu prprio trabalho e as realizaes das crianas nos dois
perodos em que permanecem no CEI.
A anlise dos planos de trabalho e registros das quatro professoras permitiu
identificar como so documentadas as aes e produes das crianas, assim como
apontou em que medida h possibilidade de se construir um planejamento articulado e
factvel. Por fim, os registros em dirio de bordo da pesquisadora forneceram subsdios
adicionais para compreender o quanto o planejamento se revela nas aes com as
crianas, possibilitando um maior entendimento sobre a sua experincia no cotidiano do
CEI.
O presente estudo trouxe algumas importantes evidncias a respeito do processo
formativo no mbito do CEI, especialmente no tocante s circunstncias estruturais e
organizativas. A restrio imposta aos tempos e espaos destinados comunicao e
reflexo sobre as questes da prtica das duplas consideradas no estudo revelou-se um
fator determinante da fragmentao do planejamento comum. Por sua vez,
planejamentos pouco articulados resultam em experincias descontnuas cuja interao
com seus contextos escassa. Disso conclui-se que, muito embora as crianas
observadas vivenciem experincias interessantes, essas assumem um carter muito mais
pontual, localizado, semelhana do que ocorre num currculo estruturado pela lgica
das disciplinas.
Este trabalho est organizado em seis captulos a contar desta Introduo. No
captulo 2 apresentado um breve histrico das creches, com foco especial nas
proposies relativas ao currculo especfico para essa etapa educacional. O captulo 3
3 PEA, Projetos Especiais de Ao, fonte do modelo de formao utilizada pela unidade.
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15
traz uma recapitulao acerca dos diferentes modelos curriculares destinados educao
infantil, com relevo queles que influenciaram (e influenciam) sobremaneira as
propostas curriculares vigentes em mbito nacional e municipal. No captulo 4,
apresenta-se o traado metodolgico do estudo, trazendo um reconhecimento do
contexto estudado e a indicao dos mtodos empregados na produo de dados.
O captulo 5 rene a anlise e a discusso dos dados produzidos durante a investigao,
efetuando, num primeiro momento, uma apreciao dos elementos desvelados pelo
exame de cada uma das fontes consideradas isoladamente e, em seguida, um
cruzamento entre os dados obtidos visando uma anlise do conjunto. As Consideraes
Finais compem o captulo 6.
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16
2. AS CRECHES BRASILEIRAS: UM OLHAR SOBRE AS PROPOSTAS
CURRICULARES
A reconstituio da histria social das creches, instituies definidas pelo
compromisso com o cuidado e a educao de bebs e crianas muito pequenas, pode
auxiliar na compreenso da configurao atual das prticas educativas que elas abrigam.
Este captulo pretende tratar da trajetria histrica das creches brasileiras e, em
especial, das paulistanas, enfocando as proposies curriculares relativas a essa etapa
educacional, desde a dcada de 70 at os dias de hoje.
2.1 Primeiras creches no Brasil: filantropia, cuidado e assistncia.
A histria da educao infantil brasileira tem se constitudo em objeto de estudo
de importantes pesquisas realizadas no campo educacional, destacadamente a partir da
dcada de 1980. Particularmente a respeito das creches, vrios estudiosos tm se
dedicado tarefa de esclarecer em que bases se assentaram as justificativas para o
surgimento dessas instituies e como, com o passar dos tempos, foram ganhando nova
configurao no cenrio das polticas pblicas para a infncia de 0 a 3 anos. Ajudam a
compor essa histria, pesquisadores como: Rosemberg (1984), Oliveira (1988),
Kishimoto (1988), Haddad (1991), Campos; Rosemberg; Ferreira (1995), Kuhlmann Jr.
(1998); Sanches (2003). Sem o intuito de refazer os caminhos percorridos por esses
estudiosos, julgou-se conveniente recuperar alguns elementos do percurso cumprido
pelas creches com o propsito de se compreender melhor: como essas instituies foram
se constituindo como espao educacional; quais concepes permearam o atendimento
oferecido s crianas ao longo dos tempos; e, por fim, quando e como surgiram as
primeiras preocupaes com o currculo para essa etapa educacional.
Sabe-se que, no Brasil, as creches surgiram em um contexto de mudanas poltica,
social e econmica, marcado, entre outros fatores, pelo fim da escravido, chegada de
imigrantes europeus, industrializao, surgimento das camadas mdias e crescimento do
proletariado. Acompanhando e impulsionando esse processo, a expanso capitalista
trouxe a crescente urbanizao e a necessidade de reproduo da fora de trabalho.
Nesse quadro, as transformaes no trabalho feminino, com a entrada da mulher no
mercado de trabalho e suas consequncias para a maternidade, tambm aparecem como
fatores determinantes na constituio histrica dessas instituies (HADDAD, 1991;
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17
KUHLMANN JR., 1998) cuja origem est diretamente relacionada com as
preocupaes sanitrias e filantrpicas tal como formuladas, sobretudo, pela medicina e
assistncia social (HADDAD, 1991; KISHIMOTO, 1988; KUHLMANN JR., 1998).
Como afirmam Campos, Ferreira e Rosemberg (1995), o atendimento em creches
acontecia de forma fragmentada, promovido por diversos rgos que no estabeleciam
um dilogo entre si de forma a construir uma poltica nica de atendimento infncia. O
Ministrio do Interior, em 1989, reunia trs rgos responsveis pelo atendimento das
crianas de 0 a 6 anos4, sendo esses: a Fundao Legio Brasileira de Assistncia
(LBA); Fundao Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM) e a Secretaria
Especial de Ao Comunitria (SEAC).
A princpio, a LBA fixava suas aes nos servios de assistncia social, mas
passou a atuar de forma mais sistemtica no contexto das creches a partir da criao do
Projeto Casulo, que transformou-se gradativamente no principal programa de creches do
pas. Desde sua fixao at 1987, o Programa de Creches da LBA manteve algumas
caractersticas estveis. Tratava-se de um programa nacional (provavelmente nico),
seja por sua abrangncia territorial, seja pelo fato de definir metas nacionais de
atendimento. Apesar da diversidade das creches vinculadas ao programa, sua opo foi
atuar por meio de convnios, repassando verbas s prefeituras ou a instituies privadas.
Era atendida prioritariamente a populao de baixa renda, em jornadas dirias que
variavam entre 4 e 8 horas. A instalao dessas creches era, por vezes, orientada por
uma concepo preventiva e compensatria de educao infantil, preocupada em ocupar
os espaos ociosos da comunidade (CAMPOS; FERREIRA; ROSEMBERG, 1995).
A FUNABEM tambm atuava no atendimento s crianas de 0 a 6 anos,
estabelecendo, assim como a LBA, convnios para a criao de creches. Contudo,
como assinalam Campos, Ferreira e Rosemberg (1995), a FUNABEM apresentava
parmetros para realizao de convnios muito mais flexveis, tanto no que diz respeito
ao tipo de atendimento oferecido pela instituio como na questo das verbas alocadas.
Ligada ao Ministrio da Habitao e Bem Estar Social, a SEAC atuava
desenvolvendo programas destinados sade e nutrio da populao de 0 a 6 anos e
subprogramas de creches comunitrias. Repassava a essas creches recursos financeiros
destinados construo de prdios e aquisio de materiais como lenis e fraldas.
4 Usa-se 0 a 6 como referncia faixa etria atendidas na poca em creches e pr-escolas de forma
indiscriminada, pois no havia ainda uma diviso entre as faixas etrias atendidas em cada instituio.
-
18
No mbito do Ministrio da Educao (MEC), praticamente inexistia uma poltica
educacional para as crianas de 0 a 6 anos, haja vista a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional n 5.692/71, a qual trazia apenas vagamente a ideia de que os
sistemas de ensino velariam pela educao das crianas com idades inferior a 7 anos em
escolas maternais, jardins de infncia e instituies equivalentes (Ibidem, 1995). At
ento, as creches no ocupavam a ateno das polticas educacionais, no havendo nem
mesmo uma diferenciao por faixa etria.
De acordo com Campos, Ferreira e Rosemberg (Ibid., p. 45),
Em 1974 o MEC constituiu um grupo de estudos do qual resultou uma
proposta (que se situou neste nvel) de categorizao do atendimento
por faixa etria: 0 a 1 ano, creches; 2 a 3 anos, escolas maternais; 4 a 6
anos, jardins de infncia. Esta categorizao no foi incorporada, seja
em nvel federal, seja no nvel das Secretarias Estaduais ou
Municipais de Educao. Por exemplo: o Ministrio da Sade reserva
o atendimento em creches para crianas entre 3 meses e 4 anos [...]
No municpio de So Paulo, a Secretaria da Promoo Social mantm
uma rede de creches que atende crianas at 6 anos e 11 meses [...].
A educao infantil no Brasil, portanto, ocupava um lugar bastante perifrico no
cenrio poltico. Isso se revelava tambm pela ausncia de espao no plano
governamental em sua esfera mais ampla. Inexistia um planejamento que se dedicasse
ao delineamento, em mbito nacional, de questes relacionadas ao cuidado e educao
das crianas de 0 a 6 anos e que tematizasse os atendimentos em creches e pr-escola,
orientando o funcionamento dessas instituies e indicando possibilidades para os
programas voltados a essa faixa etria. Como decorrncia, os municpios tiveram
trajetrias peculiares no que tange constituio da rede de creches.
Assim foi em So Paulo. As particularidades da constituio histrica das creches
nessa cidade a destacam entre os demais municpios brasileiros no que diz respeito ao
atendimento criana pequena. Em So Paulo, a demanda pela criao de uma rede de
creches que oferecesse atendimento duradouro, e no somente emergencial surge mais
fortemente a partir da dcada de 70, quando emerge o Movimento de Luta por Creches.
Tal movimento foi deflagrado pela sociedade civil, representada, em geral, por
mulheres, empregadas domsticas, donas de casa, operrias, grupos feministas e
intelectuais. A proposta do movimento era a criao de uma rede de creches totalmente
mantida pelo Estado e que tivesse a participao da comunidade, desde a orientao
pedaggica at a escolha de seus funcionrios (HADDAD, 1991). Aos poucos, as
-
19
camadas populares ganharam o reconhecimento por parte dos rgos oficiais de se
apropriarem de bens e servios pblicos.
As reivindicaes do Movimento foram significativamente atendidas
pelo poder pblico Municipal, atravs da Coordenadoria do Bem-
Estar Social (COBES), dando incio expanso de uma rede de
creches mantida totalmente pelo municpio (Ibid., p. 31).
De acordo com Rosemberg, Campos e Haddad (1991), as creches paulistanas
ento estavam frente de suas congneres de outros municpios, por j disporem de
estrutura administrativa que estabelecia diretrizes gerais para seu funcionamento, bem
como de sistematizao e padronizao de seu projeto arquitetnico, programao e
quadro de pessoal.
No que tange s propostas educativas formuladas pelo Movimento de Luta por
Creches, essas seguiam uma linha de educao compensatria, na poca, em vigor no
rgo do Bem-Estar Social. Contudo, medida que a rede de creches no municpio
crescia, aumentavam os questionamentos sobre as prticas, buscando-se novos
caminhos e experimentando-se modelos inovadores, o que sinalizava uma preocupao
com a questo educacional (HADDAD, 1991). Desta maneira, em 1984, a FABES
Secretaria da Famlia e Bem Estar Social, publica o documento Proposta de
Reprogramao de Creches, que trazia a concepo de creche como equipamento
social e espao de convivncia e de desenvolvimento do processo educativo,
compreendendo suas dimenses social, pedaggica e poltica. Posteriormente, a
Secretaria do Bem Estar Social (SEBES) retoma alguns princpios do referido
documento estabelecendo que a programao pedaggica nas creches deveria
contemplar a criana na sua globalidade e, entendendo-a como um ser em
desenvolvimento, buscar a satisfao de suas necessidades bsicas e respeitar seus
momentos cognitivos, afetivos e sociais. A proposta de trabalho com as crianas na
creche deveria basear-se na concepo de que o conhecimento se constri numa relao
de troca entre aqueles que educam e os que so educados. Essa interao, guiada pela
observao e sensibilidade do adulto com relao a cada etapa do desenvolvimento
infantil, tornaria possvel o desenvolvimento autnomo dos nveis de pensamento e
comportamento das crianas. Nesse sentido, os espaos das instituies deveriam ser
organizados de forma a assegurar a liberdade de ao e expresso das crianas, bem
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20
como a vivncia de experincias variadas (ROSEMBERG; CAMPOS; HADDAD,
1991).
Portanto, havia no municpio um movimento para repensar a creche: no
somente como espao de cuidado fsico das crianas ali atendidas, mas tambm um
espao de educao, aprendizado e convivncia social.
2.2 Creche integrante da educao infantil: histria de luta pelo estatuto
institucional
Havia no pas uma presso feita por vrios segmentos da populao para obter o
reconhecimento da demanda por cuidado e educao das crianas de 0 a 6 anos como
um direito.
A dcada de 1980 intensificou os debates a respeito da educao das crianas
pequenas, entre elas as de 0 a 3 anos. Dessa forma, em setembro de 1981, o
Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundao Carlos Chagas realizou vrios
encontros de abrangncia nacional com vistas a conhecer e discutir as experincias de
creche no Brasil e tambm compreender a natureza do trabalho das pajens
(ROSEMBERG, 1984; LIMA et al., 1984).
As discusses giravam em torno de uma concepo integrada para a educao da
criana de 0 a 6 anos. Tanto Rosemberg (1984) como Campos (1986) defendiam o
atendimento dessas crianas em creches e pr-escolas pblicas. Alm disso,
sustentavam que esse atendimento no se configurasse unicamente como resposta ao
direito da mulher, mas tambm como uma exigncia relativa ao direito das crianas
educao. Advertem que a creche um direito tanto da criana como da me
trabalhadora. Tais ponderaes foram influenciadas pelas demandas sociais colocadas
poca pelo movimento feminista representado pelo Conselho Estadual da Condio
Feminina (CECF), que, na efervescncia deste momento histrico, exige direito no s
ao trabalho como participao poltica e social. Desta maneira, reivindicam que toda a
sociedade se responsabilize pela educao das novas geraes, colocando em xeque o
papel tradicional da mulher na famlia. Alm disso, ao incluir a creche na educao,
est-se rompendo, ao menos ao nvel do discurso, com seu carter historicamente
assistencialista, o que concorre para o entendimento da creche no como substituta da
famlia, mas como uma alternativa (CAMPOS, 1999; FARIA, 2005; SANTOS, 2006).
Nesse contexto, no ano de 1988, a Constituio Federal assegura um estatuto
institucional educao da criana pequena, anunciando em seu artigo 205:
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21
Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia,
ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (BRASIL,
1988).
A oferta de educao infantil passou a ser dever do Estado em ao complementar
da famlia, efetivado mediante a garantia do atendimento criana de 0 a 6 anos em
creches e pr-escolas, conforme artigo 208, inciso IV (BRASIL, 1988).
Na esteira das determinaes da Constituio Federal, o Ministrio da Educao
inicia uma srie de aes visando construo de uma poltica de educao infantil de
abrangncia nacional. No ano de 1994, aps intensas discusses envolvendo segmentos
governamentais e no governamentais, foi aprovada a Poltica Nacional de Educao
Infantil (1994)5. Esse documento explicita os objetivos, diretrizes gerais e linhas de ao
prioritrias que devem orientar as aes do MEC na educao Infantil de 0 a 6 anos.
Estipula as diretrizes pedaggicas com vistas promoo da melhoria de qualidade no
atendimento s crianas, partindo do pressuposto de que a qualidade da educao
infantil requer a implementao de aes sistemticas com a garantia de que todas as
relaes construdas no interior das creches e pr-escolas sejam educativas (BARRETO,
1995).
Explicita-se, assim, a necessidade de que o trabalho seja orientado por
propostas pedaggicas fundamentadas numa concepo de criana e
de educao infantil e nos conhecimentos acumulados sobre os
processos de desenvolvimento e aprendizagem na primeira etapa da
vida humana (Ibidem, p.11).
A preocupao prioritria do MEC em relao s diretrizes propostas na Politica
Nacional de Educao Infantil ento recai sobre as questes curriculares. Dessa forma,
juntamente com a Coordenadoria Geral de Educao Infantil (COEDI), o MEC passa a
incentivar a construo de propostas pedaggicas e curriculares coerentes com os
pressupostos constantes na Poltica Nacional de Educao Infantil. Contudo, era
necessrio conhecer o que j vinha sendo feito. Para tanto, em dezembro de 1994,
determinou-se que MEC e COEDI constitussem um grupo de trabalho formado por
5 Esse documento foi reeditado no ano de 2006 considerando fatores presentes na legislao brasileira
referentes ao Ensino Fundamental de 9 anos.
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22
tcnicos do prprio Ministrio, consultores e especialistas, com vistas a desenvolver
uma metodologia de anlise das propostas pedaggicas e curriculares em curso na
educao infantil brasileira. Foram analisados 45 conjuntos de propostas, sendo 25
provenientes de sistemas estaduais e 20 de sistemas municipais, o que possibilitou um
diagnstico bastante representativo da realidade da educao infantil brasileira
(BRASIL, 1996).
Dentre outros dados, constatou-se que, das 45 propostas enviadas, 39 pertenciam
a pr-escolas, destinadas ao trabalho com crianas de 4 a 6 anos e, prioritariamente, com
aquelas de 6 anos; cinco referiam-se a creches; e apenas uma era voltada faixa etria
de 0 a 6 anos. Por fim, cabe mencionar que, do total, duas propostas provinham da rea
social.
No que diz respeito s propostas voltadas educao infantil de 0 a 3 anos,
chegou-se seguinte concluso.
Dos documentos encaminhados, poucos se referem ao trabalho com
crianas de 0 a 3 anos. No se podendo concluir a partir da, pela sua
inexistncia. No momento da avaliao da implementao das
propostas, pde-se confirmar uma hiptese levantada anteriormente,
de que existiam propostas sistematizadas relativas ao trabalho de
creche. De fato, essas propostas so elaboradas, em geral, pelas
secretarias ligadas rea do desenvolvimento e promoo social
(Ibid., p. 30).
As aes do MEC caminhavam para a construo de um novo olhar para a
educao das crianas que frequentavam as creches e pr-escolas brasileiras. Com
relao creche, esse esforo de construo evidencia-se no ano de 1995 por meio do
documento Critrios para um atendimento em creches que respeite os direitos
fundamentais das crianas (BRASIL, 1995)6.
O mrito do referido documento demonstrar uma clara defesa dos direitos das
crianas e apresentar uma srie de circunstncias necessrias a um atendimento de
maior qualidade. O envolvimento da equipe de pesquisas sobre creches da Fundao
Carlos Chagas, representada pelas pesquisadoras Maria Malta Campos e Flvia
Rosemberg, confere ao texto um olhar rigoroso sobre a questo curricular para a creche.
O documento divide-se em duas sees. A primeira delas estabelece critrios relativos
organizao e ao funcionamento interno das creches, voltados principalmente s
6 Esse documento teve sua primeira edio em 1995 e foi reeditado em 2009. No presente texto,
utilizaremos como referncia a edio de 2009.
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prticas concretas adotadas no trabalho direto com as crianas. Na segunda parte, so
apresentados critrios relativos definio de diretrizes e normas polticas, programas e
sistemas de financiamento de creches tanto governamentais como no governamentais
(BRASIL, 2009c).
A inteno maior do documento foi afirmar o compromisso dos polticos,
administradores e educadores de creches com o atendimento de qualidade voltado para
as necessidades fundamentais das crianas, entre elas: brincadeira, ambiente
aconchegante seguro e estimulante, sade e alimentao, contato com a natureza e
desenvolvimento de sua identidade social, cultural e religiosa (BRASIL, 2009).
Esse foi um importante passo para se pensar a construo de um currculo em
que a criana colocada no centro da ao educativa compreendida em sua
integralidade, uma vez que os Critrios para um atendimento em creches que respeite
os direitos fundamentais das crianas deixam claro que os direitos fundamentais das
crianas pequenas s sero assegurados se as polticas e os programas estiverem
comprometidos com o seu bem-estar e desenvolvimento (BRASIL, 2009).
Essa movimentao em torno da educao das crianas pequenas reforada
com a promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n
9.394/96, que reafirma os princpios do texto constitucional, ao definir a educao
infantil como primeira etapa da educao bsica.
Art. 29. A educao infantil, primeira etapa da educao bsica, tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criana at seis anos
de idade, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social,
complementando a ao da famlia e da comunidade.
Art. 30. A educao infantil ser oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianas de at trs anos de
idade;
II - pr-escolas, para as crianas de quatro a seis anos de idade
(BRASIL, 1996).
No artigo 22 da LDB, apresenta-se como finalidade da educao bsica: promover
o desenvolvimento do educando, assegurando-lhe a formao comum indispensvel
para o exerccio da cidadania e fornecendo-lhe meios para progredir no trabalho e em
exerccios posteriores (BRASIL, 1996).
Ao incluir a educao infantil de 0 a 3 anos na educao bsica, a LDB esclarece
as concepes que sustentam um novo conceito relacionado ao atendimento em creches
e pr-escolas. Tal concepo entende que a formao para o exerccio da cidadania no
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se inicia a partir do momento em que a criana ingressa no ensino fundamental, mas em
momentos anteriores, ainda no nascimento (DIDONET, 2000). Isso implica prticas
pedaggicas que considerem as crianas pequenas em sua forma singular de ser e estar
no mundo.
Com a promulgao da LDB/N 9394/1996, estabelece-se um prazo para que as
creches possam integrar-se aos sistemas municipais de ensino, bem como se determina
que essas instituies promovam prticas que contribuam para o desenvolvimento
integral das crianas ali atendidas. Os enunciados expostos nesta lei alavancaram
transformaes j em curso no contexto do atendimento educacional em creches. Em
nvel nacional, o MEC editou, em 1998, o Referencial Curricular Nacional para a
Educao Infantil (RCNEI), em creches e pr-escolas, propondo referncias
curriculares para a educao de 0 a 6 anos7.
A despeito de ser uma primeira tentativa de se estabelecer um currculo nacional
envolvendo as creches e pr-escolas brasileiras, o RCNEI sofreu inmeras crticas
direcionadas sua organizao emprestada do ensino fundamental (CERIZARA, 2007).
O RCNEI, apesar de se apresentar unicamente como um referencial, foi amplamente
disseminado entre os profissionais da rea, embora no representasse uma preocupao
real com a situao das crianas que frequentam as creches e pr-escolas brasileiras
(KUHLMANN JR., 2007).
Na tentativa de construir uma proposta curricular que contemplasse os princpios
que vinham sendo historicamente debatidos e constitudos em torno da educao
infantil, o Conselho Nacional de Educao (CNE), por meio da Cmara de Educao
Bsica (CEB), instituiu no ano de 1999 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educao Infantil (DCNEI), documento publicado por meio da Resoluo n 1/1999.8
O texto das DCNEIs permaneceu s sombras dos RCNs no mbito das
instituies de educao infantil. No entanto, muito provavelmente pelo seu carter
mais abrangente e definitivamente no prescritivo, ressurgiu como foco de debates. Isso
ocorreu quando da sua reviso e reedio por meio da Resoluo n 5/2009, expressas
no Parecer CNE/CEB n 20/2009, que considera as mudanas na organizao da
educao brasileira9.
7 Hoje, a educao infantil compreende a faixa etria de 0 a 5 anos, devido a mudanas posteriores no
texto da LDB n 9.394/96. 8 O referido documento foi reeditado no ano de 2009. Nesse contexto, utilizam-se mais adiante
fragmentos na verso reeditada. 9 Tais mudanas referem-se Instituio do Ensino Fundamental de nove anos.
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As aes do MEC nesse momento histrico no se esgotaram na tentativa de
construo de matrizes curriculares que pudessem nortear o trabalho nas unidades, mas
avanaram no sentido de um movimento mais amplo de busca pela qualidade no
atendimento. O conceito de qualidade adotado assentava-se em princpios abrangentes
que a consideram como conceito relativo e baseado em valores. Esta definio de
qualidade por si s importante, uma vez que, nesse processo, discutem-se valores,
ideias, conhecimentos e experincias (MOSS, 2002). A partir dessa premissa, o
Ministrio da Educao, por meio da SEB e COEDI, apresentam no ano de 2006 o
documento Parmetros de Qualidade para a Educao Infantil, contendo referncias
de qualidade para a Educao Infantil a serem utilizadas pelos sistemas educacionais,
por creches, pr-escolas e centros de Educao Infantil. Estes parmetros visam a
promoo da igualdade de oportunidades educacionais sem perder de vista as
diferenas, diversidades e desigualdades do territrio e das muitas culturas nele
presentes. Este documento pretendia contribuir para um processo democrtico de
implementao das polticas pblicas para as crianas de 0 at 5 anos, por meio de uma
divulgao e discusso amplas, servindo efetivamente como referncia para a
organizao e o funcionamento dos sistemas de ensino (BRASIL, 2006).
O documento divide-se em dois volumes. O primeiro traz aspectos conceituais,
filosficos e histricos relevantes para a definio de parmetros de qualidade para a
Educao Infantil no Brasil.
Apresenta uma concepo de criana, de pedagogia da Educao
Infantil, a trajetria histrica do debate da qualidade na Educao
Infantil, as principais tendncias identificadas em pesquisas recentes
dentro e fora do pas, os desdobramentos previstos na legislao
nacional para a rea e consensos e polmicas no campo (Ibidem, p.
10).
O segundo volume indica, inicialmente, as competncias dos sistemas de ensino,
bem como caracteriza as instituies de Educao Infantil a partir de bases legais. Por
fim, so apresentados os parmetros de qualidade para os sistemas educacionais e para
as instituies de educao infantil no Brasil, com o intuito de estabelecer uma
referncia nacional que subsidie a discusso e implementao de parmetros de
qualidade locais (BRASIL, 2006).
A concepo de criana adotada mostra-se alinhada aos debates e discusses que
vinham se constituindo no perodo anterior e tambm com as DCNEIs, publicadas no
ano de 1999. De acordo com o documento (BRASIL, 2006), a criana um sujeito
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26
social e histrico que est inserido em uma sociedade na qual partilha de uma
determinada cultura. profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve,
mas tambm contribui com ele (BRASIL, 1994a). A criana, assim, no uma
abstrao, mas um ser produtor e produto da histria e da cultura (FARIA, 1999).
Em sntese, para propor parmetros de qualidade para a Educao
Infantil, imprescindvel levar em conta que as crianas desde que
nascem so:
cidados de direitos;
indivduos nicos, singulares;
seres sociais e histricos;
seres competentes, produtores de cultura;
indivduos humanos, parte da natureza animal, vegetal e mineral.
(BRASIL, 2006, p. 18).
No que diz respeito perspectiva educacional, o documento sustenta que as crianas
devem ser apoiadas e incentivadas a
brincar;
movimentar-se em espaos amplos e ao ar livre;
expressar sentimentos e pensamentos;
desenvolver a imaginao, a curiosidade e a capacidade de
expresso;
ampliar permanentemente conhecimentos a respeito do mundo da
natureza e da cultura apoiadas por estratgias pedaggicas
apropriadas;
diversificar atividades, escolhas e companheiros de interao em
creches, pr-escolas e centros de Educao Infantil (BRASIL, 2006,
p.18).
Observa-se uma concepo de qualidade para a Educao Infantil ampla e
assertiva que defende reflexo sobre a qualidade educacional como importante fator na
defesa da prpria constituio do pas. Seguindo essa premissa, o volume 2 apresenta
define dentro de marcos legais as competncias dos sistemas de ensino com relao
Educao Infantil. Em seguida, apresenta uma breve caracterizao das Instituies de
Educao Infantil brasileiras. Por fim, apresentam os Parmetros Nacionais de
Qualidade para a Educao Infantil. Tais parmetros abordam: as propostas
pedaggicas; gesto das Instituies, professoras, professores e demais profissionais de
Educao Infantil; interaes entre professores(as), gestores(as) e demais profissionais e
infraestrutura. Cada um dos itens abordados composto por subitens descritivos que
tratam das questes mais especficas dentro de uma temtica maior (BRASIL, 2006).
Assim, um desdobramento necessrio e esperado do documento que
est sendo apresentado seria a definio dos indicadores de qualidade.
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27
Estes permitiro a criao de instrumentos para credenciamento de
instituies, elaborao de diagnsticos, e mesmo a implementao
propriamente dita dos parmetros de qualidade nas instituies de
Educao Infantil e nos sistemas educacionais (BRASIL, 2006, p. 8).
Havia, naquele momento, a expectativa de construo de Indicadores Nacionais
de Qualidade para a Educao Infantil, o que veio a se concretizar somente no ano de
2009. Estes indicadores traduziam e detalhavam os Parmetros Nacionais (BRASIL,
2006). Os indicadores so apresentados como
[...] sinais que revelam aspectos de determinada realidade e que
podem qualificar algo. Por exemplo, para saber se uma pessoa est
doente usamos vrios indicadores: febre, dor, desnimo. Para saber se
a economia do pas vai bem, usamos como indicadores a inflao e a
taxa de juros. A variao dos indicadores nos possibilita constatar
mudanas (a febre que baixou significa que a pessoa est melhorando;
a inflao mais baixa no ltimo ano diz que a economia est
melhorando). Aqui, os indicadores apresentam a qualidade da
instituio de educao infantil em relao a importantes elementos de
sua realidade: as dimenses (Idem, 2009, p.15).
Com o foco na autoavaliao das instituies de Educao Infantil, os
indicadores so compostos por 7 dimenses que avaliam: o planejamento institucional;
a multiplicidade de experincias e linguagens, interaes; promoo da sade; espao,
materiais e mobilirios; formao e condies de trabalho das professoras e demais
profissionais; trocas com as famlias; e participao na rede de proteo social. Dentro
dessas 7 dimenses existem indicadores especficos a serem avaliados. A avaliao deve
exprimir o consenso alcanado, aps discusses em pequenos grupos, em plenrias
compostas pela comunidade, famlias e profissionais. A avaliao era feita com o
auxlio de cores: verde, amarelo e vermelho para qualificar cada dimenso. Verde para o
que est bom; amarelo para o que est caminhando, mas precisa melhorar; e vermelho
para o que est ruim. Ao fim do processo, cada unidade define autonomamente formas
de encaminhamento das questes levantadas (BRASIL, 2009). Alm de propor uma
autoavaliao institucional, o documento procura estabelecer no terreno institucional um
debate sobre a qualidade, considerando o conceito apresentado por Moss (2002).
Em 2009, o MEC realiza nova pesquisa a fim de mapear e analisar as propostas
curriculares e pedaggicas em curso na educao infantil no contexto dos municpios
brasileiros, com o propsito de suplementar as discusses a respeito da construo de
quaisquer guias curriculares para essa rea. A amostra foi composta por propostas
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pedaggicas e curriculares de 48 municpios com diferentes caractersticas. Constatou-
se que a maior parte dos municpios apenas reproduzia o Referencial Curricular
Nacional para a Educao Infantil. Para justificar a ausncia de propostas, alguns
municpios alegaram, entre outras questes, a falta de estrutura e de recursos, o que
evidencia, segundo Barbosa (2010), a pequena importncia dada proposta curricular
ou pedaggica no contexto das creches e pr-escolas brasileiras. Quanto aos currculos
praticados na maior parte dos municpios, o autor ressalta que, embora as propostas
anunciem uma concepo curricular mais prxima s teorizaes curriculares que
emergem na dcada de 80, na prtica, encontra-se o retorno s matrizes curriculares
antigas, centradas muitas vezes no controle social e no calendrio de eventos.
Constatou-se tambm que os bebs de 0 a 3 anos, pouco aparecem nas Propostas
Curriculares para a Educao Infantil, sendo citados somente quando se trata de
cuidados, proteo, higiene, vnculos familiares e dependncia em relao ao adulto
(Ibidem, 2010).
Do exposto, conclui-se que, embora as discusses em torno da construo de um
currculo no mbito da educao infantil tenham ganhado mais e mais destaque no
mbito dos debates e documentos legais, as prticas nas creches brasileiras revelam-se
distantes das intenes assinaladas nos textos de pesquisas e de orientaes legais.
Corroboram essa constatao os dados provenientes do mapeamento das propostas
pedaggicas e curriculares atualmente vigentes no campo da educao infantil de 0 a
5/6 anos (BRASIL, 1996; 2009).
No que diz respeito particularmente s creches, embora tenhamos avanado nas
disposies legais, necessrio ainda um olhar especfico para as crianas pequenas de
0 a 3 anos que, segundo Barbosa (2010, p. 8), negam o oficio de aluno e reivindicam
aes educativas voltadas para a interseco do ldico com o cognitivo nas diferentes
linguagens.
Apontando para a construo de propostas curriculares voltadas educao
Infantil de 0 a 5 anos, a DCNEI reeditada no ano de 2009, tornando-se o centro das
discusses no mbito da educao das crianas pequenas. Apresentando-se nos
seguintes termos legais:
Art. 1. A presente Resoluo institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educao Infantil a serem observadas na organizao
de propostas pedaggicas na Educao Infantil.
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Art. 2. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil
articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao
Bsica e renem princpios, fundamentos e procedimentos definidos
pela Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao,
para orientar as polticas pblicas na rea e a elaborao,
planejamento, execuo e avaliao de propostas pedaggicas e
curriculares (BRASIL, 2009c).
Entre as treze Diretrizes, a terceira que apresenta a concepo de currculo
adotada. Tal concepo sustenta-se no respeito criana e sua identidade cultural,
social e tnica. Orientadas nesse sentido, as prticas precisam respeitar as mltiplas
identidades, promovendo situaes que favoream a expresso, o desenvolvimento, a
convivncia e a aprendizagem, em um ambiente ldico e prazeroso. Nesses termos, o
currculo concebido
[...] como um conjunto de prticas que buscam articular as
experincias e os saberes das crianas com os conhecimentos que
fazem parte do patrimnio cultural, artstico, ambiental, cientfico e
tecnolgico, de modo a promover o desenvolvimento integral de
crianas de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 2009c, art. 3).
Essa percepo sobre o currculo demonstra um conceito mais amplo, que se
aproxima dos princpios defendidos por Stenhouse (1991) e Goodson (2007), segundo
os quais o currculo uma construo efetivada por meio das relaes sociais entre
crianas, professores e demais atores que afetam diretamente a construo de sua
identidade (SILVA, 1999).
Vale destacar que, embora a proposta pedaggica e o projeto pedaggico tenham
sido utilizados, por muito tempo, como sinnimo de currculo no contexto da educao
infantil, nas DCNEI h clara distino entre esses termos. Desta maneira, entende-se por
proposta pedaggica o plano orientador das aes na instituio, definidor das metas
que se pretende atingir para promover as aprendizagens e desenvolvimento de meninos
e meninas que so educados e cuidados nas creches e pr-escolas (BRASIL, 2009a).
Para isso, necessrio que essas propostas tenham como base a concepo de criana
formulada na quarta Diretriz.
Art. 4. As propostas pedaggicas da Educao Infantil devero
considerar que a criana, centro do planejamento curricular, sujeito
histrico e de direitos que, nas interaes, relaes e prticas
cotidianas que vivencia, constri sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra,
-
30
questiona e constri sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura (BRASIL, 2009c).
dada criana a posio central, ou seja, ela est no cerne do planejamento
curricular, e isso implica que as suas especificidades no podem deixar de ser
consideradas. Nessa perspectiva, Cruz (2013) entende que somente levando em conta a
singularidade das crianas que o planejamento e a avaliao da prtica pedaggica
ganham sentido e podem ser adequados. Da mesma maneira, o reconhecimento da
criana enquanto sujeito histrico que constri sua identidade por meio das relaes e
interaes que estabelece e das prticas cotidianas que vivencia requer outra forma de
pensar as propostas curriculares e as prticas pedaggicas no contexto das creches e pr-
escolas. A apropriao da concepo de criana ativa, competente, curiosa,
questionadora, com desejos, imaginao e fantasias prprios, pode significar uma
mudana radical na prtica pedaggica, no currculo praticado (CRUZ, 2013, p.14).
De acordo com as DCNEIs (2009), as propostas pedaggicas nas creches e pr-
escolas brasileiras, devem estar pautadas em trs princpios: princpio tico, envolvendo
autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem comum, ao meio ambiente
e s diferentes culturas, identidades e singularidades; princpio poltico, que se refere
aos direitos e deveres da cidadania, ao exerccio da criticidade e ao respeito ordem
democrtica; e princpio esttico, que envolve a sensibilidade, a criatividade, a
ludicidade e a diversidade de manifestaes artsticas e culturais. Tais princpios devem
ser considerados para que se defina inicialmente para qual sociedade se est educando e
cuidando das crianas de 0 a 5 anos. Para alm disso, tais propostas devem ser pensadas
de forma a garantir a todas as crianas
[...] [o] acesso a processos de apropriao, renovao e articulao de
conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como
o direito proteo, sade, liberdade, confiana, ao respeito,
dignidade, brincadeira, convivncia e interao com outras
crianas (BRASIL, 2009c, art. 8).
O documento no se limita a enunciar o direito educao infantil, mas articula os
direitos e os princpios da cidadania aos diversos aspectos da educao infantil
expressos por meio das prticas cotidianas. Nesse contexto, professoras e professores
so atores importantes na (co)construo das aprendizagens.
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31
Atividades realizadas pela professora ou professor de brincar com a
criana, contar-lhe histrias, ou conversar com ela sobre uma
infinidade de temas, tanto promovem o desenvolvimento da
capacidade infantil de conhecer o mundo e a si mesmo, de sua
autoconfiana e a formao de motivos e interesses pessoais, quanto
ampliam as possibilidades da professora ou professor de compreender
e responder s iniciativas infantis (BRASIL, 2009a, p. 7).
Outro fator que merece ateno na realizao das propostas pedaggicas diz
respeito no fragmentao da criana. Ela precisa ser vista e considerada em sua
integralidade, e, portanto, no pode haver separao entre as diferentes reas do
conhecimento e a vida cidad. Ou seja, conhecer e aprender somente tm sentido
quando articulados s mltiplas dimenses humanas, e isso implica que o educar e o
cuidar so aspectos indissociveis que devem ser planejados intencionalmente na
organizao da prtica cotidiana com as crianas.
As prticas pedaggicas devem ocorrer de modo a no fragmentar a
criana nas suas possibilidades de viver experincias, na sua
compreenso do mundo feita pela totalidade de seus sentidos, no
conhecimento que constri na relao intrnseca entre razo e emoo,
expresso corporal e verbal, experimentao prtica e elaborao
conceitual. As prticas envolvidas nos atos de alimentar-se, tomar
banho, trocar fraldas e controlar os esfncteres, na escolha do que
vestir, na ateno aos riscos de adoecimento mais fcil nessa faixa
etria, no mbito da Educao Infantil, no so apenas prticas que
respeitam o direito da criana de ser bem atendida nesses aspectos,
como cumprimento do respeito sua dignidade como pessoa humana.
Elas so tambm prticas que respeitam e atendem ao direito da
criana de apropriar-se, por meio de experincias corporais, dos
modos estabelecidos culturalmente de alimentao e promoo de
sade, de relao com o prprio corpo e consigo mesma, mediada
pelas professoras e professores, que intencionalmente planejam e
cuidam da organizao dessas prticas (BRASIL, 2009a, p. 9).
Para educar de modo integrado com o cuidar as instituies de educao infantil
devem oferecer condies para as crianas explorarem o ambiente de diferentes
maneiras, para que, assim, meninos e meninas possam construir sua singularidade na
relao com o outro. Para isso, cada instituio necessita conhecer a constituio plural
das crianas e de suas famlias e reforar, por meio da gesto democrtica, a abertura
comunidade, fomentando sua participao efetiva na elaborao e no acompanhamento
curricular. Cada instituio deve [...] garantir a participao, o dilogo e a escuta
cotidiana das famlias, o respeito e a valorizao de suas formas de organizao [...] [e]
o estabelecimento de uma relao efetiva com a comunidade local e de mecanismos que
-
32
garantam a gesto democrtica e a considerao dos saberes da comunidade (BRASIL,
2009c, art. 8, 1, III).
As prticas pedaggicas, de acordo com o artigo 9 das DCNEI, devem ter como
eixos norteadores a brincadeira e as interaes. A partir dessa Diretriz, nota-se a
importncia conferida ao ato de brincar. Entende-se que o brincar, como prtica
pedaggica, requer certa organizao e intencionalidade relativos aos tempos e espaos
para a brincadeira (BRASIL, 2009c). Nesse contexto, cabe s professoras e aos
professores oferecerem aos meninos e meninas oportunidades de brincar, incorporando
estas prticas ao dia a dia de cada instituio. De acordo com Kishimoto (2013), para
uma educao de qualidade, a criana precisa tanto de brincadeiras livres nas quais
possa tomar a iniciativa, como de daquelas outras orientadas pelas professoras e
professores para aprender coisas que no sabe.
Brincadeiras de alta qualidade fazem a diferena para o resto da vida
das crianas. A educao da criana de creche e pr-escola se faz por
meio do currculo/proposta pedaggica, que inclui brincadeiras e
interaes, o que requer uma equipe que compartilhe da ideia de que,
ao brincar, a criana se expressa, aprende e se desenvolve na
companhia de outras crianas, de adultos, de brinquedos e de materiais
(KISHIMOTO, 2013, p. 10).
No obstante o carter mandatrio do texto das DCNEI, fica reconhecida a
autonomia das instituies na construo de sua proposta curricular, bem como a
singularidade de seus atores e contextos. Nesse sentido, existem princpios gerais que
devem ser levados em considerao sem perder de vista as caractersticas prprias de
cada creche e pr-escola. O texto legal determina que
Art. 9. [...]
Pargrafo nico. As creches e pr-escolas, na elaborao da proposta
curricular, de acordo com suas caractersticas, identidade institucional,
escolhas coletivas e particularidades pedaggicas, estabelecero
modos de integrao dessas experincias (BRASIL, 2009c).
Por fim, cabe dizer que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao
Infantil surgiram como uma proposta curricular cuidadosa, aberta, centrada nas
especificidades da criana e no reconhecimento de seus direitos fundamentais
(CAMPOS; ROSEMBERG, 2009).
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33
As palavras de Cruz (2013, p. 17) expressam muito bem as possibilidades
abertas pelas DCNEI:
Se o conjunto de prticas que constitui o currculo na Educao
Infantil acontecer com esse cuidado que preconizado, haver grande
possibilidade de esta primeira etapa da educao realmente contribuir
para a formao de novas pessoas. Pessoas que, alm de se
apropriarem dos conhecimentos que fazem parte do patrimnio
cultural, artstico, ambiental, cientfico e tecnolgico, sejam
comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade
do planeta e com o rompimento de relaes de dominao etria,
socioeconmica, tnico-racial, de gnero, regional, lingustica e
religiosa.
Em mbito nacional, revela-se um avano considervel na preocupao, expressa
claramente no mbito legal, no somente com o atendimento criana pequena de 0 a 5
anos, mas tambm com a qualidade desse atendimento, nfase estabelecida pela poltica
de educao nacional que deve ser eixo norteador para todos os municpios.
2.3 Creches no sistema educacional paulistano: outro olhar para a educao das
crianas pequenas
So Paulo, uma das mais importantes cidades do Brasil, destacou-se tambm nas
polticas de creche, de maneira que os principais acontecimentos relacionados s
creches brasileiras tiveram incio em territrio paulistano. Os avanos legais, o contexto
poltico e histrico por que passavam essas instituies fizeram do municpio de So
Paulo um dos pioneiros no cumprimento das determinaes legais apresentadas no item
anterior. A partir do ano de 2001, teve incio, no municpio, o processo de transio das
creches para a Secretaria Municipal de Educao (SME), atendendo ao artigo 89 da
LDB, o qual determinava que [...] as creches e pr-escolas existentes ou que venham a
ser criadas devero, no prazo de trs anos, a contar da publicao desta Lei, integrar-se
ao respectivo sistema de ensino (BRASIL, 1996).
Por meio do Decreto n 41.558, de 28 de dezembro de 2001, a Prefeitura fixou as
normas para passagem das creches da Secretaria de Assistncia Social para a Secretaria
de Educao.
Art. 1. Os Centros de Educao Infantil - CEIs, da rede direta
municipal, com suas atribuies, pessoal, acervo, recursos financeiros
e prprios municipais em que se encontram atualmente instalados,
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ficam transferidos da Secretaria Municipal de Assistncia Social -
SAS para a Secretaria Municipal de Educao - SME, integrando a
Rede Municipal de Ensino.
Art. 2. As Secretarias Municipais de Assistncia Social e de
Educao diligenciaro visando adoo das providncias necessrias
s transferncias de bens patrimoniais, servios e competncias
atinentes aos CEIs.
Art. 3. As Secretarias Municipais de Gesto Pblica, de Finanas e
Desenvolvimento Econmico, e de Planejamento Urbano adotaro as
medidas necessrias, no mbito de suas respectivas competncias,
para o integral cumprimento do disposto neste decreto.
Art. 4. As despesas decorrentes da execuo deste decreto correro
por conta das dotaes oramentrias prprias, suplementadas se
necessrio.
Art. 5. Este decreto entrar em vigor em 1 de janeiro de 2002,
revogadas as disposies em contrrio (SO PAULO, 2001b).
Ainda no ano de 2001, foi publicado o Decreto n 40.268, de 31 de janeiro, que
disps sobre a efetivao de diretrizes para a integrao das creches educao. Em seu
artigo 1, o decreto estabeleceu a faixa etria que deveria ser atendida nessas
instituies; nos artigos 3, 4 e 6, orientou os encaminhamentos a respeito da creche,
entre eles a mudana de nomenclatura:
Art. 1. As creches municipais da rede direta, da rede indireta e as
particulares conveniadas, integradas ao Sistema Municipal de Ensino,
podero atender a crianas de 0 (zero) a 6 (seis) anos e 11 (onze)
meses de idade, observando as diretrizes estabelecidas neste decreto.
[...] Art. 3. Os Secretrios Municipais de Educao e de Assistncia
Social constituiro, por meio de portaria intersecretarial, Comisso
integrada por representantes de ambas as Pastas, com o objetivo de
fixar, em prazo a ser estabelecido no mesmo ato, as normas a serem
seguidas pelas creches municipais das redes direta e indireta e as
particulares conveniadas.
[...] Art. 4. A partir de 1 de julho de 2001, as creches municipais das
redes direta e indireta passam a denominar- se Centros de Educao
Infantil - CEI, mantido o cumprimento do disposto no pargrafo nico
do art. 1 deste decreto.
[...]Art. 6. As despesas decorrentes da execuo deste decreto
correro por conta de dotaes oramentrias prprias, suplementadas
se necessrio (SO PAULO, 2001a).
As creches, atuais Centros de Educao Infantil, sofreram no somente uma
mudana na nomenclatura. Houve tambm mudana de concepes, acompanhada de
um novo olhar para essas instituies, o qual envolvia, entre outras, as questes
curriculares. Foram apresentadas algumas reflexes a respeito de uma pedagogia da
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infncia e outros referenciais que visavam subsidiar o trabalho pedaggico no interior
das creches/CEIs.
Como resultado dessas reflexes, a Secretaria Municipal de Educao editou, no
ano de 2004, o Caderno Temtico 2. Educao Infantil: Construindo a Pedagogia da
Infncia no Municpio de So Paulo. O objetivo maior da publicao era fomentar e
ampliar as reflexes em torno da temtica da cultura da infncia, reafirmando uma
concepo de currculo que considera a leitura de mundo, o letramento e a diversidade
cultural, de gnero, sexual e tnico-racial. Com os textos apresentados neste Caderno,
pretendia-se provocar uma discusso com a comunidade educativa sobre a prtica
pedaggica desenvolvida nas Unidades Educacionais CEI e EMEI, procurando trazer
tona questes que ajudassem os(as) educadores(as) a refletir sobre os seus fazeres
cotidianos (SO PAULO, 2004b).
Os textos contidos no Caderno Temtico 2 representam produes de um grupo
de palestrantes que participaram de um evento que reuniu, na ocasio, as Equipes
Pedaggicas das Subprefeituras Municipais. Todos os textos almejavam ampliar as
discusses acerca da Pedagogia da Infncia.
Essa Pedagogia implica em considerar, a criana, desde o nascimento
como produtora de conhecimento e cultura, a partir das mltiplas
interaes sociais e das relaes que estabelece com o mundo,
influenciando e sendo influenciada por ele, construindo significados a
partir dele. Consideramos que a Educao Infantil se faz por diversos
atores: os(as) educadores(as), as crianas e suas famlias e toda a
Comunidade Educativa. Porm, o protagonista principal a criana.
Assim nosso mote como dar voz a esse protagonista, a criana de 0 a
e 6anos de idade (SO PAULO, 2004b, p.4).
Sob esse enfoque, intentava-se instituir na rede municipal de So Paulo um novo
olhar para a infncia e para as prticas institucionais. Os textos produzidos por Ana
Beatriz Cerisara, Maria Letcia Nascimento, Helosa Helena Pimenta Rocha, Ana
Anglica Albano, Isabel Marques, Ana Beatriz Goulart de Faria e Suely Amaral Mello
deveriam ser amplamente discutidos nas unidades, em horrios coletivos, em reunies
pedaggicas e reunies de pais envolvendo toda a comunidade educativa.
O primeiro texto, intitulado Por uma Pedagogia da Educao Infantil: desafios e
perspectivas para professoras, de autoria de Ana Beatriz Cerisara (2004), procura
resgatar a histria das creches e pr-escolas no Brasil, destacando a forma como essas
instituies se constituram com perspectivas hierarquizadas que separavam assistncia
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e educao. Em seguida, expe a perspectiva de integrao entre educao e cuidado,
alm de abordar a formao das professoras de creche e as questes referentes a uma
educao infantil que no seja mera antecipao do ensino fundamental. Por fim, o texto
demonstra preocupao com a formao daqueles e daquelas que atuam em creches e
pr-escolas, ao relacionar tal formao com os documentos oficiais produzidos desde a
dcada de 1990. Sobre o trabalho pedaggico no CEI, a autora escreve:
Para efeito de reflexo, possvel dizer que h um embate entre dois
modelos pedaggicos para o trabalho nos CEIs: o primeiro, que
denominamos de concepo de educao assistencial, que nega
qualquer intencionalidade educativa, e o segundo, que considera
educacional apenas o modelo de escolarizao do Ensino
Fundamental. Este ltimo acaba sendo visto como a nica forma de as
instituies de Educao Infantil estarem vinculadas Educao.
Nessa disputa entre isto ou aquilo, est oculta uma outra concepo:
educativa, sim, mas no escolar. Ou seja, uma concepo que entende
que a Educao Infantil tem uma intencionalidade educativa diferente
das escolas de Ensino Fundamental, tal como elas se configuram
atualmente (CERISARA, 2004, p.8).
Em Contextos de Educao da Infncia: parceria entre famlias e as instituies
de Educao Infantil, Maria Letcia Nascimento (2004) analisa a educao infantil por
seu papel de socializao, contrapondo-se concepo tradicional de socializao em
que a criana aparece como elemento passivo no mundo cultural dos adultos. A autora
apresenta uma nova concepo, com fundamentos na Sociologia da Infncia:
A partir dessa perspectiva, o processo de socializao deixa de ser
uma questo de adaptao e internalizao de valores, crenas e
normas, para tornar-se apropriao, reinveno e reproduo da
cultura, realizada por meio da atividade em comum na qual as crianas
negociam partilham e criam culturas com adultos e com outras
crianas (NASCIMENTO, 2004, p.16).
Para Mello (2004), a educao infantil em creches e pr-escolas precisa
proporcionar o mergulho na cultura, entendendo que, quanto maior e mais diversificado
for o acesso da criana cultura, mais alto o nvel de formao da sua inteligncia e
personalidade. No entender da autora, a educao infantil em espaos coletivos
apresenta inmeras possibilidades de crescimento das crianas pequenas, em uma
perspectiva em que a criana se apresenta sob um novo conceito. Nas palavras de Mello
(2004, p. 71):
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37
Este novo conceito de criana que construmos a partir da observao
das crianas num ambiente em que elas tenham mltiplas
possibilidades de atividades aponta que, diferentemente do que
pensvamos at pouco tempo atrs, a criana no um ser incapaz,
frgil, carente e que necessita do adulto o tempo todo para dirigir sua
atividade e para garantir proteo. Ao contrrio, ela , desde muito
pequena, curiosa, capaz de explorar os espaos e os objetos que
encontra ao seu redor, de estabelecer relaes com as pessoas, de
elaborar explicaes sobre os fatos e fenmenos que vivencia.
A educao infantil, includa a de 0 a 3 anos, compreendida, no Caderno
Temtico 2, em sua funo social, construda a partir de uma viso de infncia enquanto
categoria, grupo especfico que produz e reproduz a vida social e que, sendo assim, no
pode ser pensada independentemente de sexo, etnia e classe social (CERISARA, 2004;
NASCIMENTO, 2004).
Ademais, a concepo de criana diferencia-se daquela apresentada no contexto
da escolarizao. Nesse sentido, a constituio da criana em um determinado contexto
sociocultural vista a partir de uma perspectiva dialtica. Prope-se a superao de
certo ideal de infncia, a fim de dirigir para as crianas um olhar atento e
problematizador, para, a partir da, construir novas prticas pedaggicas (SO PAULO,
2004b).
possvel notar que h, nessa publicao, uma provocao que intenta
desencadear um processo reflexivo no interior das instituies, objetivando superar o
ideal de infncia e desenvolvendo, assim, outro olhar, atento s especificidades da vida
das crianas que frequentam as creches e pr-escolas paulistanas.
As concepes sustentadas no Caderno Temtico 2 foram reiteradas por meio da
Orientao Normativa n 01/2004 Construindo um Regimento para a Infncia, que
tinha como propsito subsidiar a construo dos regimentos internos nas unidades
educacionais de educao infantil da cidade de So Paulo. Esta Orientao Normativa
trouxe, inicialmente, as concepes de educao infantil, infncia e criana,
aprendizagem, currculo e unidades de educao infantil, considerando a educao
como possibilidade do exerccio da liberdade que se constitui em instrumento da
constituio humana, e no mera reproduo mecnica (SO PAULO, 2004c). Nos
termos do documento,
[...] as prticas educativas devem propiciar o desenvolvimento da
identidade individual e coletiva visando autonomia da criana,
valorizando suas vivncias, o dilogo e a participao democrtica.
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38
Devem incentivar a curiosidade, de forma a instigar a criatividade e a
reflexo crtica pessoal e social, tendo o prazer como aspecto
fundamental nas organizaes e construes subjetivas (SO
PAULO, 2004c, p. 2).
Nessa perspectiva, a criana compreendida como algum que, desde o
nascimento, produz conhecimento e cultura a partir das mltiplas interaes sociais e
das relaes que estabelece com o mundo, influenciando e sendo influenciada por ele, e
assim construindo significados (SO PAULO, 2004c). Em consonncia com essa viso
de criana e educao da infncia, a Orientao apresenta a seguinte concepo de
currculo:
O currculo, entendido como o conjunto de relaes que se estabelece
na unidade, construdo, portanto, de forma dinmica e flexvel,
fundamentado no dilogo e numa perspectiva crtica e coletiva tem,
necessariamente, como ponto de partida, os interesses e demandas das
crianas e comunidade. Deve levar em conta todas as aes,
experincias e vivncias em que so envolvidos os sujeitos de sua
construo, considerando: sua linguagem, a dimenso ldica, o tempo
e o espao em que se desenvolvem as atividades, os participantes
(atores e protagonistas), as formas de possibilitar as interaes e as
modalidades de gesto (SO PAULO, 2004c, p. 4).
O desenvolvimento desse currculo exige que as unidades educacionais se
constituam em espaos coletivos de vivncia da infncia de 0 a 5 anos, que contribuam
para a constituio da identidade social e cultural das crianas, fortalecendo a integrao
entre educar e cuidar (SO PAULO, 2004c).
Em uma ao complementar a da famlia, concebendo a criana
enquanto um sujeito de direitos, as unidades de educao infantil no
objetivam a antecipao ou preparao para o ensino fundamental,
nem tampouco a compensao de carncias, mas, sobretudo, constitui-
se como um espao coletivo de relaes mltiplas entre crianas e
adultos, atravs das quais possvel ampliar experincias, enfrentar
desafios, fomentar a criatividade, a cooperao, a solidariedade, a
autonomia e a cidadania, oportunizando a voz e a vez das crianas,
desde as mais pequeninas (SO PAULO, 2004c, p. 4).
A prtica de educao infantil aqui anunciada concebe a aprendizagem como um
processo que articula dois importantes componentes: a interao com as pessoas e a
cultura, apresentando, desse modo, uma clara incorporao do referencial histrico-
cultural. Nesse diapaso, o papel do(a) professor(a) uma preocupao da Orientao
Normativa n 01/2004, que dedica um tpico especfico ao perfil dos(as)
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professores(as), reconhecendo todos os profissionais da unidade de educao infantil
como educadores, uma vez que contribuem para o crescimento das crianas, educando e
cuidando, alm de ressaltar a importncia da relao dos adultos com as crianas,
considerada como fundamental para a construo de conhecimento.
Nesse sentido, o(a) educador(a) da infncia deve ter um papel
fundamental como observador participativo que constantemente
intervm para oferecer, em cada circunstncia, os recursos necessrios
atividade infantil, de forma a desafiar adequadamente, promover
interaes, despertar a curiosidade, (problematizar) mediar conflitos,
garantir realizaes significativas e promover acesso cultura
possibilitando que as crianas expressem a cultura infantil (SO
PAULO, 2004c, p. 7).
O(a) professor (a) apresentado como (co)construtor do currculo, ator que,
considerando as crianas enquanto seres sociais, deve lhes proporcionar experincias
construdas de forma dialgica. Nesse sentido, o trabalho pedaggico, na concepo
dessa Orientao Normativa, planejado e construdo pelas professoras e professores
por meio da organizao do tempo e do espao, da seleo de materiais, da organizao
e do acompanhamento das interaes entre as crianas e entre elas e os adultos, tendo a
brincadeira como eixo principal (SO PAULO, 2004c).
Do exposto, conclui-se que os dois documentos apresentados esto pautados em
formulaes que se referenciam na Antropologia, na Psicologia e, especialmente, na
Sociologia da Infncia, trazendo uma concepo sociocultural para pensar a sociedade,
as crianas, a infncia e as professoras e professores de educao infantil. Ao atribuir s
unidades a responsabilidade de elaborar suas propostas pedaggicas de forma
autnoma, considerando a cultura e a interao como eixos do processo educativo,
rompem com as concepes escolarizadas do currculo, incentivando a construo,
dentro de cada unidade, de uma Pedagogia da Infncia.
Nos anos de 2006 e 2007, foram publicados dois documentos que deveriam servir
de referncia para o trabalho pedaggico nas creches e pr-escolas da cidade, sendo
eles: Tempos e espaos para a infncia e suas linguagens nos CEIs, creches e EMEIs
da cidade de So Paulo (SO PAULO, 2006a), e Orientaes Curriculares:
Expectativas de Aprendizagem e Orientaes Didticas para a Educao Infantil (SO
PAULO, 2007).
Com a publicao do documento Tempos e espaos para a infncia e suas
linguagens nos CEIs, creches e EMEIs da cidade de So Paulo, procurou-se criar a
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identidade de um todo, de uma rede, e, ao mesmo tempo, chamar a ateno para as
caractersticas e particularidades de cada contexto. As concepes enunciadas colocam
como funo da educao infantil a mediao do desenvolvimento sociocultural das
crianas pequenas desde o nascimento, por meio da integrao do educar e cuidar (SO
PAULO, 2006a). Logo na introduo, o texto apresenta um olhar para o
desenvolvimento infantil que salienta a relao que a criana estabelece com o mundo:
Em sua relao com este mundo, formado pelos costumes, linguagens,
valores, relaes humanas e por tcnicas, as crianas, desde cedo
tentam apreend-lo e signific-lo, mediadas, direta ou indiretamente,
por parceiros mais experientes como, por exemplo, o professor, que
lhes assegura uma gradativa apropriao da cultura historicamente
constituda. Essa experincia essencial para que a criana tambm
possa ser produtora de cultura, manifestando-se por diferentes
linguagens (SO PAULO, 2006a, p. 12).
Ao longo do texto, so apresentados temas para debate entre professoras e
professores no contexto das unidades educacionais; entre eles, a interao entre educar e
cuidar, a organizao dos tempos, espaos e materiais, alm da relao entre infncia,
cultura, brincadeira e as diferentes linguagens. Cada temtica abordada de forma a
demonstrar que concepes diferentes remetem a prticas tambm diferentes. Nesse
sentido, a concepo que orienta essa publicao renega modelos escolarizantes para o
contexto da educao das crianas de 0 a 5 anos. Dessa maneira, considera que
As crianas se apropriam do patrimnio cultural de seu grupo social e
tm acesso a itens significativos da produo histrica e cultural da
humanidade, medida que o professor garanta no cotidiano do CEI,
da Creche e da EMEI que elas vivenciem diferentes situaes nas
quais tenham constante oportunidade de escolha, exercitem sua
autonomia e conheam as prprias necessidades, preferncias e
desejos ligados construo do conhecimento e do relacionamento
interpessoal (SO PAULO, 2006a, p. 27).
Assim, cabe s professoras e aos professores organizarem espaos e ambientes
que permitam as interaes entre crianas e adultos, cumprindo o papel de mediadores
das aprendizagens infantis desde a mais tenra idade. Prope-se uma concepo de
currculo que se constri a partir da escuta de meninos e meninas sobre o que vivido e
narrado no terreno de cada instituio de educao infantil.
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Planejar o currculo vivido na Educao Infantil que se faz ouvindo
as crianas (com seus saberes e motivos, aqui incluindo tambm os
bebs que so ouvidos de modo prprio) e tambm os pais
envolve prever condies para a ocorrncia de situaes de explorao
que ofeream criana condies para que ela se construa como
sujeito que se emociona, pensa, imagina, fabrica coisas. Tais situaes
podem envolver momentos coletivos em que todas as crianas
participem da mesma vivncia, momentos de trabalho diversificado
realizado por grupos que as elegem segundo seus motivos e condies
pessoais, e tambm momentos em que a privacidade de cada criana
seja garantida e ela possa apenas relaxar, ou imaginar, ou explorar o
entorno (SO PAULO, 2006a, p. 32).
Explicita-se, nessa publicao, a ideia de que as experincias infantis so
compostas por diferentes linguagens, mas a brincadeira merece nfase, na m