!
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) FACULDADE DIREITO DO RECIFE
MESTRADO EM DIREITO
POR UMA PERSECUÇÃO PENAL GARANTISTA: A
INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO, PELO TRIBUNAL DO JÚRI,
COM BASE EXCLUSIVA NOS ELEMENTOS COLHIDOS NO
INQUÉRITO POLICIAL
Laís Gonçalves de Vasconcelos
Recife, 2011
Laís Gonçalves de Vasconcelos
POR UMA PERSECUÇÃO PENAL GARANTISTA: A
INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO, PELO TRIBUNAL DO JÚRI,
COM BASE EXCLUSIVA NOS ELEMENTOS COLHIDOS NO
INQUÉRITO POLICIAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação da Professora Doutora Anamaria Campos Torres. Linha de Pesquisa: Linguagem e Direito Grupo de Pesquisa: Teoria da Antijuridicidade e Retórica da Proteção Penal dos Bens Jurídicos
Recife, 2011
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
Catalogação na fonte
Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
!
V331p Vasconcelos, Laís Gonçalves
Por uma persecução penal garantista: a inviabilidade da condenação, pelo Tribunal do Júri, com base exclusiva nos elementos colhidos no inquérito policial / Laís Gonçalves Vasconcelos. – Recife: O Autor, 2012.
189 f.
Orientador: Anamaria Campos Torres.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2012.
Inclui bibliografia.
1. Tribunal do júri - Brasil - Condenação - Elementos extrajudiciais. 2. Direito penal - Brasil. 3. Jurisdicionalidade - Separação entre as atividades de acusar e julgar - Presunção de inocência - Do contraditório e do direito de defesa - Fundamentação das decisões judiciais. 4. Processo penal. 5. Inquérito policial. 6. Ministério Público - Investigações policiais. 7. Juiz - Poderes e atribuições - Competência - Brasil. 8. Brasil - Lei nº 11.690/2008 - Art. 155 do Código de Processo Penal - Alteração. 9. Prova - Brasil. 10. Decisão judicial - Brasil. I. Torres, Anamaria Campos (Orientador). II. Título.
345.8105 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2012-027)
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida, e a Nossa Senhora de Lourdes, por ter
reacendido minha fé.
A Rodrigo, meu amor, porque, ao lado dele, eu não acho que o amor é
possível, eu tenho certeza. Obrigada pelo incentivo, torcida e compreensão.
À minha querida mãe, pelo amor incondicional e por nunca ter desistido
de me ofertar uma educação de qualidade.
À Cecília e Renata, minhas irmãs e, acima de tudo, amigas.
Ao Desembargador Romero de Oliveira Andrade, por demonstrar que o
Direito é, acima de tudo, bom senso e que a tutela do jurisdicionado deve vir
sempre em primeiro lugar.
À Tia Janice, pela singular ajuda na preparação para a prova de
idioma, disponibilizando seu tempo, sua casa e seu conhecimento.
À Professora Anamaria Campos Torres, minha orientadora, por ter,
desde a Graduação, acreditado no meu trabalho e dedicado seu tempo a me
ajudar.
Aos Professores Cláudio Brandão e Ricardo de Brito, por terem
demonstrado, no curso das aulas ministradas, o real significado da pós-
graduação, compartilhando seus conhecimentos e respeitando, de forma
ímpar, os alunos.
À Carminha e Gilka, pela atenção sempre dispensada e pela
demonstração de que, mesmo com poucos recursos, o serviço público pode
ser satisfatoriamente prestado.
Laís Gonçalves de Vasconcelos
POR UMA PERSECUÇÃO PENAL GARANTISTA: A INVIABILIDADE DA
CONDENAÇÃO, PELO TRIBUNAL DO JÚRI, COM BASE EXCLUSIVA NOS
ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Pernambuco.
Orientadora: Dra. Anamaria Campos Torres.
A Banca Examinadora composta pelos Professores abaixo, submeteu a candidata à
defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos:
Recife, 29 de fevereiro de 2012.
Coordenador Professor Dr. Marcos Antonio Rios da Nóbrega
RESUMO
VASCONCELOS, Laís Gonçalves. Por uma persecução penal garantista: a
inviabilidade da condenação pelo Tribunal do Júri com base exclusiva nos elementos
colhidos no Inquérito policial. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro de Ciências
Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife.
A dissertação tematiza a questão da condenação pelo Tribunal do Júri com
base apenas em elementos extrajudiciais. A base epistemológica do trabalho é
o sistema garantista de Luigi Ferrajoli, motivo pelo qual foram analisadas as
principais nuances da jurisdicionalidade, da separação entre as atividades de
acusar e julgar, da presunção de inocência, do contraditório e do direito de
defesa e da fundamentação das decisões judiciais. Após, foi estudado o
sistema de investigação preliminar brasileiro, o Inquérito Policial e suas
finalidades, quais sejam, colher elementos de convicção acerca de uma prática
delitiva, que servem para acusação formular a denúncia e para o Juiz
fundamentar as decisões interlocutórias proferidas nesta fase, bem como
justificar eventual ação penal ou arquivamento do feito. Qualquer uso dos
elementos colhidos para além destes fins é indevido. Fixadas essas premissas,
delimitou-se o âmbito de influência do Inquérito Policial no procedimento do
Júri, onde os Jurados, por decidirem por íntima convicção, não motivam sua
decisão e podem se basear em qualquer elemento dos autos, sem distinguir
entre ato de investigação e ato de prova. Em seguida, verificou-se que os
Tribunais pátrios têm permitido a transcendência dos elementos extrajudiciais
no Tribunal do Júri, sob o argumento de que não se pode sonegar dos Juízes
de fato todos os elementos que povoam o processo. Ante este contexto,
propõe-se a exclusão física do Inquérito Policial no procedimento do Tribunal
do Júri.
Palavras-chave: Inquérito Policial, Tribunal do Júri, íntima convicção e
exclusão física do Inquérito Policial.
ABSTRACT
VASCONCELOS, Laís Gonçalves de. A criminal prosecution warranty: the unviability
of by jury conviction based only on items collected in police inquiry. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
The dissertation is about the question of condemnation by the court of jury
based, solely on extra-judicial elements. In this context, it was decided that the
purpose of the police inquiry is to gather elements of conviction, about the
practice of a criminal offense, which serve to help the accusation formulate the
complaint and the judges substantiate the interlocutory decisions, made at this
stage, as well as, justify any possible criminal action or discontinuance of the
feat. Any use of elements collected for purposes beyond these is improper.
Established these premises, the scope of influence of the police investigation
was delimited, on the procedure of the Jury where the jurors, by deciding for
intimate conviction, do not motivate their decisions and may base them on any
evidence in the file, without distinguishing between the act of investigation and
the act of proof. Subsequently, it was found that the courts patriotic have
allowed the transcendence of the elements in extrajudicial grand jury, on the
grounds that one cannot evade from the lay judges all the elements in the
process. Before these facts, we propose the physical deletion of the police
investigation on the procedure of the court of Jury, in order to ensure, the
accused, a trial achieved by elements collected, in adversarial way, with
obedience to the legal process.
Keywords: Police investigation, Court jury, intimate conviction and physical
exclusion of the police inquiry.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1 - DEFININDO AS RAÍZES EPISTEMOLÓGICAS: SISTEMA
PROCESSUAL GARANTISTA ................................................................................... 19
1.1. O Garantismo de Luigi Ferrajoli como instrumento voltado a condicionar e vincular
o exercício do poder punitivo por parte do Estado ................................................ 19
1.2. A Jurisdicionalidade (Nulla poena, nulla culpa sine iudicio) como atribuição
exclusiva da função jurisdicional penal pelo Estado e os mecanismos aptos a
salvaguardar a imparcialidade do Julgador ........................................................... 24
1.3. Separação entre as atividades de acusar e julgar: a base para um Processo
Penal de partes ..................................................................................................... 32
1.3.1. Dos sistemas acusatório, inquisitório e misto: considerações e definição do
sistema adotado no Brasil .......................................................................... 32
1.4. Presunção de inocência ou de não-culpabilidade e o ônus de o órgão acusatório
provar a culpa do réu ............................................................................................. 39
1.5. Princípios do contraditório e da ampla defesa ...................................................... 43
1.6. Da motivação das decisões judiciais como mecanismo a favor das partes, do
Magistrado e da sociedade ................................................................................... 56
1.6.1. Desmitificando o dogma da verdade real .................................................... 59
1.6.2. Sistemas de valoração da prova: íntima convicção, prova legal e livre
convencimento ............................................................................................ 61
1.7. O Considerações tópicas do capítulo .................................................................... 64
CAPÍTULO 2 – A EFICÁCIA PROBATÓRIA DO INQUÉRITO POLICIAL ................. 66
2.1. A investigação criminal: conceito, natureza jurídica e caracteres determinantes . 66
2.1.1. A instrumentalidade garantista e o objeto da investigação criminal .............. 69
2.1.2. Os sujeitos encarregados da investigação criminal ....................................... 71
2.1.3. A forma dos atos e sua eficácia probatória .................................................... 79
2.2. O modelo brasileiro: o Inquérito Policial. ............................................................... 81
2.2.1. Conceito e natureza jurídica do Inquérito Policial .......................................... 82
2.2.2. A disciplina legal do Inquérito Policial........................................................... 85
2.2.3. O papel dos sujeitos envolvidos no Inquérito Policial .................................... 90
2.2.3.1. A Polícia Judiciária e as providências da autoridade policial ........ 90
2.2.3.2. O Ministério Público como parte e fiscal da lei no curso das
investigações policiais ......................................................... 92
2.2.3.3. O Juiz como garantidor dos direitos fundamentais do sujeito
passivo das investigações preliminares ............................... 95
2.2.3.4. A vítima ............................................................................. 105
2.2.3.5. O imputado visto como sujeito de direitos ......................... 106 2.3. O valor probatório dos elementos colhidos no curso do Inquérito Policial .......... 110
CAPÍTULO 3 – O TRIBUNAL DO JÚRI E A INCONGRUENTE TRANSCENDÊNCIA DOS ELEMENTOS COLHIDOS NA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR ...................... 117
3.1. O Júri brasileiro: breve apanhado histórico e comentários sobre seus mais
relevantes pontos ................................................................................................... 117
3.2. A primeira fase do procedimento ........................................................................ 134
3.2.1. A decisão de pronúncia com base em elementos extrajudiciais e o
comportamento dos Tribunais ................................................................... 145
3.3. A segunda fase do procedimento ....................................................................... 152
3.3.1. A decisão dos Jurados com base em elementos extrajudiciais e o
comportamento dos Tribunais ...................................................................... 166
3.3.2. Propostas de eliminação da incongruência da permissão do julgamento com
base nos elementos colhidos na investigação preliminar ............................ 172
5. CONCLUSÕES ...................................................................................................... 178
6. REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 183
11!!
INTRODUÇÃO
O objeto de pesquisa da presente dissertação refere-se à
impossibilidade de se atribuir validade ao julgamento realizado pelo Tribunal do
Júri com base apenas em elementos informativos colhidos durante o Inquérito
Policial.
O Inquérito Policial pode ser definido como um conjunto de
diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração
penal e sua autoria, com o fito de propiciar ao titular da ação penal o devido
ingresso em juízo. Trata-se, na verdade, de um procedimento persecutório de
caráter administrativo, que tem como finalidade apurar a existência de infração
penal e a respectiva autoria, por meio de diligências investigatórias1.
Busca o Inquérito Policial a investigação do crime e a descoberta de
seu autor, com o escopo de fornecer elementos para o titular da ação penal
promovê-la em juízo, seja ele o Órgão Ministerial, seja o particular, a depender
do tipo de ação, se pública ou privada. Além disso, serve o Inquérito Policial
para que o Juiz aprecie a necessidade da restrição de algum direito individual
do imputado, bem como para, após proposta a acusação, analisar o seu
recebimento ou arquivamento.
Pode-se afirmar que o objetivo de investigar e apontar o autor do
delito sempre teve por base a segurança da ação da justiça e do próprio
acusado, pois, a partir do momento em que é elaborada uma instrução prévia,
através do Inquérito Policial, a Polícia Judiciária reúne as provas preliminares
que sejam suficientes para apontar a ocorrência de um suposto delito e seu
autor.
Quanto às finalidades do Inquérito Policial, costuma-se dizer que são
basicamente de duas ordens2. A primeira delas é a de reconstruir o fato
investigado, informando e instruindo o acusador (público ou privado) e a
autoridade judicial. Aqui, resta claro que os atos da investigação policial não
são apenas base para a acusação, mas também para o Magistrado analisar a
procedência ou não desta última. A segunda finalidade do Inquérito é a de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1 PITOMBO, Sérgio Marco de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 15. 2 SAAD, Marta. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. Revista dos Tribunais, 2004, p. 150-153.
12!!
ministrar elementos para que o Juiz possa se convencer acerca da
necessidade ou não de se restringir algum direito fundamental do imputado,
quando da apreciação dos pedidos de decretação de alguma medida ou
provimento cautelar.
Uma vez delimitadas as finalidades do Inquérito Policial, resta claro
que qualquer transcendência dos atos nele praticados revela-se equivocada.
Na doutrina3, há a afirmação comum de que a prova do Inquérito - salvo a que,
por sua natureza, não seja necessariamente repetível4 - não se projeta
diretamente para a sentença condenatória, devendo, para tanto, ser confirmada
sob o contraditório.
Neste contexto, é imprescindível valer-se da diferenciação feita pelo
processualista espanhol Ortels Ramos5 quanto aos atos de investigação e atos
de prova. Esta distinção pode ser feita a partir de dois critérios. O primeiro em
relação ao momento do procedimento: enquanto a prova é produzida
judicialmente e durante o processo, com todas as garantias que lhes são
peculiares, o elemento informativo é colhido durante a investigação, que limita
um pouco as garantias do imputado. O segundo critério refere-se ao método de
produção: enquanto a prova é produzida de forma dialética, com incidência do
contraditório na prova ou sobre a prova, o elemento informativo não observa
esse procedimento6.
Tanto a prova como o elemento de informação possuem função
persuasiva e cognitiva. A prova exerce função persuasiva em relação à
formação da convicção do Julgador, e uma função cognitiva no que tange à
demonstração da veracidade de uma afirmação. O elemento informativo possui
função persuasiva em relação à convicção das partes, da autoridade que
preside a investigação e até mesmo do Julgador, nas hipóteses de juízo de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!3 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1994, p. 253; MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. São Paulo: Ed. Millenium, p. 463-464. 4 Os atos irrepetíveis possuem efeito judiciário absoluto e transmitem-se para o bojo de eventual ação penal. Como exemplos, pode-se citar o reconhecimento de pessoa ou coisa, a busca e apreensão e as perícias (PITOMBO, Sérgio Marco de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 22). 5 RAMOS, ORTELS. Eficacia probatoria del acto de investigación sumarial. Estudio de los artículos 730 y 714 de La LECrim, em Revista de Derecho Procesual Iberoamericana, ano 1982, nº 2-3, p. 365-427.!6 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 62-63.
13!!
admissibilidade. A função cognitiva do elemento informativo está relacionada à
demonstração da verossimilhança ou probabilidade de uma afirmação7.
Através de tal distinção, é possível entender o porquê do limitado
valor probatório dos atos praticados na instrução preliminar, ficando clara a
inadmissibilidade de que a atividade realizada na investigação possa substituir
a instrução definitiva.
No plano das garantias processuais8, as Constituições modernas
asseguram que a sentença condenatória só pode ter por fundamento a prova
validamente praticada no curso da fase processual, com plena observância da
publicidade, oralidade, imediação, contraditório e ampla defesa9. Isso exclui a
possibilidade de que os atos de investigação, cuja estrutura não garante tais
direitos, sejam considerados como meios de prova, suscetíveis de valoração no
momento da sentença.
A prática, contudo, demonstra que, por utilitarismo judicial e até
mesmo por contaminação inconsciente do julgador, os atos do Inquérito
terminam adquirindo uma transcendência valorativa incompatível com sua
natureza. É bem verdade que a reforma processual advinda com a Lei nº
11.690/2008 alterou o art. 155 do Código de Processo Penal e proibiu a
formação do convencimento judicial com base apenas nos dados oriundos do
Inquérito, exceto as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Contudo,
a contrario sensu, permitiu-se a utilização dos atos de investigação na fase
judicial, se não consistirem nos únicos elementos de convicção da autoridade
judiciária.
Note-se que o legislador indicou a fonte principal de onde deverá o
Magistrado colher seus elementos probatórios, qual seja, a instrução
processual, sob o crivo do contraditório, o qual visa garantir a lisura e a
imparcialidade do procedimento para as partes. Entretanto, não está
descartada a possibilidade de extração de elementos de prova advindos da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!7 MELENDO, Santiago Sentis. La Prueba: Los Grandes Temas del Derecho Probatorio. Ediciones Juridicas Europa-America. Buenos Aires, 1978, p. 60. 8 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.132-133. 9 TORRES, Anamaria Campos. A Busca e a Apreensão e o Devido Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 72
14!!
fase investigatória, desde que não sejam tais elementos os únicos a embasar a
convicção do julgador10.
Como é cediço, destina-se o Inquérito Policial a colher elementos de
convicção acerca de uma prática delitiva, que servem para acusação formular a
denúncia e para o Juiz fundamentar as decisões interlocutórias proferidas
nesta fase, bem como justificar eventual ação penal ou arquivamento do feito.
E só. Qualquer uso dos elementos colhidos para além destas finalidades é
indevido, posto que a ausência de contraditório faz com que a eficácia de tais
elementos seja limitada.
A questão toma uma proporção maior nas situações referentes ao
Tribunal do Júri. Primeiro, defende-se a possibilidade de decisão de pronúncia
com base exclusiva em elementos extrajudiciais, sob o argumento de que tal
decisão encerra apenas um juízo de admissibilidade da acusação. Segundo,
também se admite que os Jurados, que julgam por íntima convicção e sem
fundamentação, com base em qualquer elemento contido nos autos do
processo (incluindo-se nele o Inquérito), sem distinguir entre ato de
investigação (sem contraditório e ampla defesa) e ato de prova (judicializado),
decidam com base exclusiva em elementos informativos.
O argumento utilizado, em diversos julgados colhidos nos Tribunais
pátrios, inclusive nos Tribunais Superiores, é o de que não se pode sonegar
dos Juízes de fato elementos que povoam o processo, e este conhecimento
inclui a análise do processo de “capa-a-capa”.
Ora, decisão com base exclusiva em elemento extrajudicial é uma
verdadeira afronta ao devido processo legal e seus corolários, quais sejam, a
ampla defesa e o contraditório. Assim, entende-se que a sentença não pode se
amparar exclusivamente nos elementos colhidos na fase inquisitorial11 e o
controle da observância de tal garantia dá-se através da fundamentação
exarada na sentença.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!10 Na realidade dos Tribunais, tem-se admitido o uso dos elementos colhidos na investigação preliminar, desde que haja prova judicializada que os confirme. Neste sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº1253537/SC. Relatora: Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura. Sexta Turma. DJe 19/10/2011; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 104669/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJe 18/11/2010. 11 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 136-137.!
15!!
Contudo, no Tribunal do Júri, os Jurados julgam por íntima
convicção, sem qualquer distinção entre atos de investigação e atos de prova,
e não fundamentam o voto proferido. Neste ponto, em regra, aponta-se a
necessidade de motivação das decisões dos Juízes leigos, na medida em que
o artigo 93, IX, da Constituição Federal de 1988 determina que todas as
decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas. De fato, o tema
representa medida inovadora e salutar, pois permitiria o controle da
racionalidade dos veredictos, por meio do exame das razões que levaram ao
Conselho de Sentença a condenar ou absolver o acusado. No plano
processual, viabilizaria a verificação do grau de cognição exercido pelos
Jurados em relação às questões de fato e direito debatidas no processo.
Entretanto, a garantia de transparência das decisões do Júri por
meio da motivação em nosso sistema encontra o obstáculo do sigilo das
votações (art. 5º, XXXVIII, “b”, da CF/88) e na incomunicabilidade dos Jurados,
que vedam ao Jurado expressar sua convicção sobre o mérito da causa
submetida à sua apreciação.
É verdade que o Tribunal do Júri é cláusula pétrea da Constituição
(art. 5º, XXXVIII), mas isso não desautoriza a discussão acerca do instituto, até
porque, recorde-se, o dispositivo constitucional em comento consagra o Júri,
mas com “a organização que lhe der a lei”, remetendo, assim, a disciplina da
sua estrutura à lei ordinária, o que permite uma ampla e substancial reforma
(bem além da realizada em 2008), desde que assegurados o sigilo da votação,
a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos e a competência para julgar
os crimes dolosos contra a vida12. Em decorrência, a discussão da
reestruturação do Tribunal do Júri está aberta, com supedâneo na própria
legislação, não bastando a mera referência crítica aos seus institutos sem a
consequente proposição de meios de aperfeiçoamento.
Assim, a pergunta de pesquisa da presente dissertação consiste em
saber se o nosso sistema legal comporta a condenação, pelo Conselho de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!12 Aury Lopes Jr. defende que “um dos grandes problemas para a evolução de um determinado campo do saber é o repouso dogmático. Quando não se estuda mais e não se questionam as “verdades absolutas”. O Tribunal do Júri é um dos temas em que a doutrina nacional desfruta de um longo repouso dogmático, pois há anos ninguém questiona mais seus atos”. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 317).
16!!
Sentença, com base exclusiva nos atos realizados sem contraditório, no curso
do Inquérito Policial.
A importância do tema está relacionada aos inúmeros julgados
colhidos nos Tribunais pátrios, inclusive nos Superiores, que mantêm decisões
condenatórias proferidas pelo Conselho de Sentença com base apenas nos
elementos colhidos no curso da investigação criminal. Justificam a manutenção
do julgamento afirmando que o Júri decide por íntima convicção a partir do que
consta dos autos do processo. Como não pode justificar sua decisão, impõe-se
aceitar que delibere com apoio em toda ou em parte da prova, conste ela do
Inquérito Policial ou da instrução judicial, diferentemente do Juiz de Direito, que
forma seu convencimento pela livre apreciação da prova produzida no
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão condenatória
exclusivamente nos elementos informativos colhidos nas investigações
preliminares, portanto13.
Os objetivos específicos do presente trabalho são: 1) analisar o valor
probatório do Inquérito Policial; 2) verificar a necessidade da exclusão física do
Inquérito Policial dos autos do processo dos crimes dolosos contra a vida, ante
a peculiaridade do sistema de avaliação das provas neste procedimento; 3)
avaliar a exigência da colheita de provas perante os Jurados integrantes do
Conselho de Sentença.
Os objetivos genéricos consistem em ofertar uma interpretação
constitucional aos dispositivos legais e investigar os fundamentos dos acórdãos
dos Tribunais que permitem o Juiz pronunciar e o Júri decidir com base apenas
nas provas colhidas na seara policial.
No primeiro capítulo, tendo em vista que o atual Código de Processo
Penal encontra-se, na sua maior parte, assentado em base inquisitoriais,
destaca-se a necessidade de uma releitura da legislação processual penal,
pautada pelos nortes do atual texto constitucional. Assim, será definida a base
epistemológica da presente dissertação, que é a adoção do sistema processual
garantista de Luigi Ferrajoli14, entendido o garantismo como um modelo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!13 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime Nº 70026516401. Terceira Câmara Criminal. Relator: Vladimir Giacomuzzi. Julgado em 19/03/2009. 14 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 851-852.
17!!
normativo caracterizado como uma técnica de tutela idônea a minimizar a
violência e a maximizar a liberdade.
Para tanto, serão analisadas as principais nuances da
jurisdicionalidade, da separação entre as atividades de acusar e julgar, da
presunção de inocência, do contraditório e do direito de defesa e da
fundamentação das decisões judiciais.
No segundo capítulo, será apreciada a questão do valor probatório
do Inquérito Policial, analisando as principais nuances do procedimento, seu
objeto, finalidade e os sujeitos envolvidos. Também serão comentados os
principais pontos do Projeto de Lei nº 156/09 (novo Código de Processo Penal),
no tocante ao Inquérito Policial, tais como o implemento da figura do Juiz de
Garantias e a possibilidade da investigação defensiva. Outrossim, será
analisado o valor probatório dos seus atos e delimitado o seu objetivo.
No terceiro capítulo, será estudada a instituição do Júri brasileiro,
sua origem, seus caracteres essenciais, seu procedimento e discussões acerca
de seus principais pontos críticos.
Também será feita uma análise dos julgados dos Tribunais
brasileiros, a fim de perquirir o posicionamento adotado acerca da influência do
Inquérito Policial tanto na decisão de pronúncia quanto na decisão dos Jurados
e serão propostas soluções para amenizar as distorções porventura
encontradas.
18!!
CAPÍTULO 1 - Definindo as raízes epistemológicas: Sistema Processual Garantista
1.1. O Garantismo de Luigi Ferrajoli como instrumento voltado a condicionar e vincular o exercício do poder punitivo por parte do Estado
O atual Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-Lei nº 3.689),
sancionado pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas, em
03/10/1941, passou a ter vigência em 01/01/1942. Desde então, com pontuais
e pequenas alterações, como as vivenciadas através das reformas de 200815, a
essência da legislação processual penal tem se mantido a mesma, assentada
em bases inquisitoriais oriundas do regime totalitário vigente no curso da 2ª
Guerra Mundial e, em grande parte, influenciada pelo Código de Processo
Penal da Itália – Código Rocco, de 1930 – gestado por Vicenzo Manzini e
acolhido pelo então Ministro Alfredo Rocco.
Uma vez compreendido o contexto retromencionado e tendo em
vista a posterior enunciação dos mais variados diplomas internacionais de
proteção aos direitos humanos no período pós-guerra16 e a abertura
democrática consumada no Brasil com a Constituição Federal de 1988, torna-
se premente a necessidade de uma releitura da legislação processual penal,
pautada pelos nortes do atual texto constitucional17. Assim, o ideal
democrático, que serviu de paradigma à Constituição vigente, e a elevação da
dignidade da pessoa humana a fundamento da República Federativa do Brasil,
(artigo 1º, III) impõem seja o Processo Penal entendido, hoje, não mais como
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!15 Leis nº 11.689/08 (sobre o Tribunal do Júri), nº 11.690/08 (inovações no tocante à formação do convencimento judicial, às provas ilícitas, à prova pericial, à oitiva do ofendido e das testemunhas, à videoconferência e retirada do acusados da sala de audiências e aos fundamentos para absolvição do acusado) e nº 11.719/08 (introduziu significativas modificações relativas à suspensão do processo, à emendatio libelli, à mutatio libelli, aos procedimentos e à indenização civil). 16 Conforme Scarance Fernandes: “(...) principalmente após as guerras mundiais, os países firmaram declarações conjuntas, plenas de normas garantidoras, visando justamente a que seus signatários assumissem o compromisso de, em seus territórios, respeitarem os direitos básicos do indivíduo (...)”. (Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.17). 17!Para Nereu José Giacomolli, “Hoje, inconcebível a aplicação democrática do processo penal sem uma leitura constitucional de seus institutos. Muitos destes e várias disposições do Código de Processo Penal já estão com o epitáfio funerário, mas não conseguem ser enterrados por aqueles que insistem em sua superior valoração, mesmo em face da Constituição Federal”. Mais adiante, adverte: “A Constituição tutela os direitos e as garantias, mas a subestrutura (leis e juízes) segue o padrão clássico e arcaico, ou seja, do distanciamento da sociedade, da realidade social e do norteamento constitucional”. (Atividade do Juiz Frente à Constituição: Deveres e Limites em Face do Princípio Acusatório, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 213-215).!
19!!
apenas um meio necessário à incidência da potestad18 punitiva do Estado, mas
também – e principalmente – como uma forma de tutela dos direitos
fundamentais previstos tanto na Carta Constitucional, quanto nos tratados
internacionais de direitos humanos, como é o caso do Pacto de San José de
Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
Logo, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, a legislação
processual penal deve estar comprometida com essa tutela dos direitos
fundamentais, de modo que se pode afirmar não ser mais possível tergiversar a
respeito de algumas garantias processuais mínimas. Não se trata, destaque-se,
de privilegiar um apego excessivo ao formalismo, mas de compreender que a
existência de um regramento mínimo é de fundamental importância, em
especial no âmbito do Processo Penal, em que as regras representam a
garantia. Tanto é assim que Luigi Ferrajoli19 identifica o grau de garantismo de
um sistema penal de acordo com os vínculos normativos - regras - que
minimizam os referidos espaços de discricionariedade e de arbitrariedade do
órgão jurisdicional.
Na conhecida lição de Figueiredo Dias20, o Processo Penal tem à
base o problema nodal das relações entre Estado e indivíduo e sua história não
é senão o produto flagrante dessas duas forças vetoriais. A articulação entre a
autossuficiência do indivíduo e as necessidades, direitos e obrigações que
advêm da vida em sociedade constitui o desafio fundamental da convivência
humana. A tarefa essencial de qualquer sociedade organizada consiste em
conciliar, tanto quanto possível, a liberdade individual com o bem-estar comum.
O reconhecimento da tensão entre a realização da justiça penal e a
proteção dos direitos do acusado exige que os institutos processuais
possibilitem sua adequada composição. A finalidade do Processo Penal ou, de
modo mais abrangente, da atividade punitiva estatal, traduz-se em ordenar
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!18 A Potestad difere do Poder, pois este é o gênero e pertence à nação, ao passo em que aquela é espécie e pertence às autoridades. Assim, quando o Poder se exercita em condições tais que comporte uma autoridade reconhecida ao sujeito-agente, do qual constitui uma manifestação prática e uma consequente submissão dos sujeitos postos em relação jurídica com o agente, se fala em potestad. (MONTERO AROCA, Juan. Introducción al Derecho Procesal: Jurisdicción, acción y proceso. Madri: Tecnos, 1976, p. 22-23). 19 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 578. 20 Direito Processual Penal. Vol. I. Coimbra: Editora Coimbra, 1974, p. 58.
20!!
reciprocamente relações da vida protegidas pelos direitos de liberdade com
outras relações também essenciais à vida comunitária, e de conjugá-las com a
conservação de uma ordem na qual umas e outras ganhem realidade e
consistência.
Nesse contexto, é função do Direito Processual Penal definir
modelos de compreensão21 que possibilitem a apuração da existência e a
determinação das consequências do fato tido criminoso, pois o controle penal,
na ausência de procedimentos capazes de regular juridicamente a sua
implementação, estaria desprovido de eficácia para atuar como um instrumento
de que o Estado dispõe para assegurar as condições elementares a uma
coexistência pacífica.
Em decorrência, Luigi Ferrajoli22 cunhou a concepção do Processo
Penal como um sistema de enunciados normativos23 orientado à garantia dos
direitos fundamentais, estruturando o sistema penal sob a base de uma
epistemologia composta pelo princípio da estrita legalidade e por uma atividade
processual de natureza cognoscitiva dos fatos e recognoscitiva do Direito. Em
decorrência, a atividade jurisdicional não pode ter caráter constitutivo dos fatos
típicos, não pode constituir o desvio punível, mas apenas regulá-lo, finalidade
esta que exige um caráter recognoscitivo da lei e cognoscitivo dos fatos. Daí a
conclusão de que um fato punível deve estar devidamente descrito não apenas
na lei, mas também na hipótese acusatória, permitindo que sobre ele sejam
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!21 Acerca dos modelos de compreensão no Processo Penal, analisar HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 172-192. Segundo o autor, “(...) o Direito Processual Penal elabora e organiza o cenário que o Direito Penal material necessita para efetivar-se; sem o Processo Penal não há proteção de bens jurídicos e nem realização dos fins da pena”. 22!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 33-34. 23 Aqui, a expressão “enunciados normativos” é utilizada como gênero do qual são espécies as regras e os princípios, e fonte da qual são extraídas as normas. Sobre o tema, analisar ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 53-58. Consoante o referido autor, o conceito de norma, na ciência do Direito, deve ter como base o modelo semântico, que consiste na diferenciação entre norma e enunciado normativo, sendo norma o conteúdo que se extrai de um enunciado normativo, cuja estrutura é composta por regras ou princípios. Estes são verdadeiros mandamentos de otimização, razão prima facie para um certo comportamento; aquelas, as regras, são razões definitivas que autorizam, proíbem ou determinam uma conduta específica, prevendo as consequências decorrentes de seu descumprimento.
21!!
produzidas provas aptas a demonstrar sua existência e sua autoria, ou a refutá-
lo24.
O objetivo, segundo Ferrajoli25, é reduzir a arbitrariedade do poder
jurisdicional, cuja legitimidade, na esfera penal, limita-se à concepção de
verdade aproximativa, aquela alcançada com base na verificabilidade ou
refutabilidade das hipóteses acusatórias, decorrente da produção de provas
pelas partes, da separação das atividades de acusação e julgamento e do
respeito aos princípios da presunção de inocência e da ampla defesa.
É importante destacar que Luigi Ferrajoli trabalha com três
significados de garantismo, extraídos do modelo penal garantista, que constitui
o parâmetro de racionalidade, justiça e legitimidade da intervenção punitiva.
O primeiro26 designa um modelo normativo de Direito, relacionado
com o Direito Penal, um modelo de estrita legalidade, que, sob o plano
epistemológico, se caracteriza como um sistema cognitivo. Sob o plano político,
o modelo normativo caracteriza-se como uma técnica de tutela idônea a
minimizar a violência e a maximizar a liberdade. Por fim, sob o plano jurídico,
como um sistema de vínculos impostos ao poder punitivo estatal para garantia
dos cidadãos. O segundo27 significado do garantismo designa uma teoria
jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas entre si, mas
também entre a existência ou vigência das normas. Opera o garantismo como
doutrina jurídica de legitimação interna do Direito Penal, que demanda do
operador do Direito uma constante revisão crítica acerca das leis vigentes,
tanto do ponto do Direito válido como efetivo. O terceiro e último significado do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!24 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 36. 25 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 37. 26 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p.851-852. 27 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 852-853.!
22!!
garantismo designa uma filosofia política, que pressupõe a separação entre
Direito e moral, entre validade e justiça, entre ser e dever ser28.
Para os objetivos da presente dissertação, o primeiro significado da
expressão garantismo, que cunha um modelo normativo de proteção ao
indivíduo, de imposição de limites à atuação estatal, e um modelo cognitivo,
isto é, de conhecimento e apreensão da realidade, é o que mais se amolda ao
estudo em comento.
Esse modelo garantista29 proposto por Ferrajoli30 apresenta-se como
instrumento voltado a condicionar e vincular o exercício do poder punitivo por
parte do Estado. Busca uma legitimação para o atuar estatal, que seja racional,
do ponto de vista cognitivo, e justo, sob o aspecto das liberdades individuais.
Para sua consecução, assim, é necessária a conjugação de dez princípios-
chaves, cuja origem remonta ao pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e
XVIII, que os concebeu como princípios políticos, morais e naturais de limitação
do poder penal absoluto31.
Os dez axiomas indispensáveis para a afirmação da
responsabilidade penal e aplicação da pena propostos por Ferrajoli são32: (i)
princípio da retributividade da pena em relação ao delito (nulla poena sine
crimine); (ii) princípio da legalidade (nullum crimen sine lege); (iii) princípio da
necessidade ou da economia do Direito Penal (nulla lex – poenalis - sine
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!28 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 853-854. 29 O garantismo, segundo Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, é fruto da evolução histórica da humanidade, a partir do momento em que o deliquente passa a ser considerado sujeito de direitos, tutelado pelo Estado, garantindo a ele o respeito devido, seja na fase pré-processual, durante o julgamento e na execução (A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos e sua Integração ao Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 96). O garantismo, para Geraldo Prado, está fundado nos ideais do Iluminismo e da Modernidade, desenvolvidos ao longo do tempo e há mais de quatro séculos na Europa Ocidental, expandindo-se para todos os ramos do Direito, evidenciando a natureza política dos Direitos Penal e Processual Penal, e buscando não somente a regulação da vida social, como a cooperação com o funcionamento do ordenamento jurídico em geral como instrumento de transformação positiva da sociedade (Prisão e Liberdade, em Revista Jurídica, v. 48, nº 278, dez. 2010, p. 67). 30!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 92-93.!31!Cf.!FREITAS, Ricardo de Brito A. P.. Razão e Sensibilidade. Fundamentos do Direito Penal Moderno. São Paulo: Editoria Juarez de Oliveira, 2001, p. 61.!32!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 92-93.!
23!!
necessitate); (iv) princípio da lesividade ou ofensividade do evento (nulla
necessita sine iniuria); (v) princípio da materialidade da ação (nulla iniuria sine
actione); (vi) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal (nulla
actio sine culpa); (vii) princípio da jurisdicionariedade (nulla culpa sine iudicio);
(viii) princípio acusatório (nullum iudicium sine accusatione); (ix) princípio do
ônus da prova (nulla accusatio sine probatione); (x) princípio do contraditório ou
da defesa (nulla probatio sine defensione).
Destaque-se que, apenas um sistema que contemplasse todos os
requisitos mencionados, seria perfeitamente garantista. Todavia, como
ressaltado pelo próprio Ferrajoli, “trata-se de um modelo-limite, apenas
tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível33”.
Aury Lopes Jr.34, alicerçado na obra de Ferrajoli, afirma que o
sistema processual garantista está sustentado por cinco princípios básicos, que
“configuram um esquema epistemológico de identificação dos desvios penais,
dirigido a assegurar o respeito à tutela da liberdade contra arbitrariedades do
poder punitivo”. São eles: (i) jurisdicionalidade; (ii) separação das atividades de
acusar e julgar; (iii) presunção de inocência; (iv) contraditório e direito de
defesa; (v) fundamentação das decisões judiciais35, os quais, por pertinentes
aos objetivos do presente trabalho, serão analisados um a um nos tópicos
subsequentes.
1.2. A Jurisdicionalidade (Nulla poena, nulla culpa sine iudicio) como atribuição exclusiva da função jurisdicional penal pelo Estado e os mecanismos aptos a salvaguardar a imparcialidade do Julgador
A passagem do Estado de Natureza para o Estado Moderno,
resultado dos movimentos racionalistas que dominaram os séculos XVII e
XVIII, propiciou uma mudança na forma de composição dos conflitos inerentes
à vida em sociedade. Da autotutela predominante nos antigos regimes, nos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!33 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 92. 34! Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 72.!35!LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 13-23.!
24!!
quais eventuais divergências eram solucionadas pela força, e da
autocomposição, em que a vontade das partes punha fim aos conflitos, por
acordo mútuo, passou-se à heterocomposição, método de resolução de
divergências em que a solução é posta por um terceiro imparcial, situado supra
partes, decorrendo a eficácia de sua decisão de um imperativo legal. Assim, à
atividade mediante a qual os Juízes estatais examinam as pretensões e
resolvem os conflitos dá-se o nome de jurisdição, que se exerce através do
processo36.
É bem verdade que a autotutela é repelida como meio ordinário de
resolução de conflitos, sendo inclusive tipificado como crime o exercício
arbitrário das próprias razões, consoante o disposto no art. 345 do CP.
Contudo, em determinadas situações excepcionais, a própria lei abre exceções
à vedação. No caso brasileiro, podem-se citar os direitos de retenção e o
desforço imediato previstos no Código Civil (arts. 578, 644, 1.219, 1.433, II,
1.434. 1.210, § 1º), a possibilidade de qualquer pessoa prender alguém em
flagrante delito (art. 301 do CPP) e os atos que, embora tipificados como
crimes, sejam realizados nas situações de estado de necessidade e legítima
defesa (arts. 24 e 25 do CP). Já a autocomposição é até estimulada pelo
Estado como meio alternativo à solução dos conflitos, sendo representada pela
conciliação, mediação e arbitragem. No âmbito penal, a conciliação vinha
sendo considerada inadmissível, dada a indisponibilidade da liberdade corporal
e ante a regra da nulla poena sine judicio; entretanto, com a edição da Lei nº
9.099/95 (em obediência ao art. 98, I, da CF/88), já são admissíveis a
conciliação e a transação penais para os delitos de menor potencial ofensivo37.
Nas lições de Chiovenda, jurisdição é uma “função do Estado que
tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição,
pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros
órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!36!GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 26-30.!37!Sobre o tema da justiça negociada,! interessantes as críticas perpetradas por Aury Lopes Jr, ao afirmar que: “(...) A lógica da plea negotiation conduz a um afastamento do Estado-Juiz das relações sociais, não atuando mais como interventor necessário, mas apenas assistindo de camarote ao conflito. A negotiation viola desde logo esse pressuposto fundamental, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco submete-se aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade (...)” (Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 139-141).!
25!!
praticamente, efetiva” 38. Embora por esta definição haja a possibilidade de
considerar jurisdição apenas como função estatal, e não como poder, a
questão, no ordenamento brasileiro, não encontra grandes controvérsias, posto
que o art. 2º da CF/88 afirma ser o Judiciário um dos três Poderes da União39.
Logo, pode-se afirmar que a jurisdição pode ser compreendida como atividade
do Poder Judiciário, integrante da estrutura política dos Estados
Constitucionais, orientada à solução de conflitos e à garantia dos direitos
individuais, para o que se faz coercitiva e imperativa.
A natureza de poder da jurisdição40 é também indicada pelo
monopólio da função jurisdicional, exercida unicamente pelo Judiciário, com
exclusividade e independência em relação aos demais Poderes do Estado.
Assim, unidade, exclusividade e independência são os caracteres que
garantem o regular exercício da jurisdição.
A unidade relaciona-se ao fato de ser a jurisdição indivisível, posto
que o poder jurisdicional não se encontra disperso, mas concentrado apenas
no Estado. A comum divisão entre jurisdição penal, civil, trabalhista refere-se a
uma questão de organização de competência41, e não de jurisdição
propriamente dita.
A exclusividade pode ser vista, pelo aspecto positivo, como o
monopólio do exercício da jurisdição por parte do Poder Judiciário, restando
vedada a atividade jurisdicional aos outros Poderes políticos do Estado; já pelo
aspecto negativo, a exclusividade da jurisdição indica que a aplicação da lei ao
caso concreto seja função dos Juízes e Tribunais42. Portanto, pelo princípio em
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!38! CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. V. II, Traduzido por Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998, p. 08.!39! Art. 2º da CF/88: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.!40GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 149. Os renomados autores afirmam que a jurisdição é, a um só tempo, poder, função e atividade. “Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete”.!41!GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 160.!42!MONTERO AROCA, Juan. Introducción al derecho procesal: Jurisdicción, Acción y Proceso. Madri: Tecnos, 1976, p. 34-37.!
26!!
comento, infere-se que, em regra43, apenas os órgãos do Poder Judiciário
detêm poder jurisdicional para aplicar a lei, solucionando litígios e garantindo a
observância dos direitos individuais.
Especificamente em relação ao Direito Penal, a noção de jurisdição
assume importância fundamental ante o princípio da nulla poena, nulla culpa
sine iudicio. Ante a indisponibilidade que caracteriza os interesses que
envolvem o Direito Penal, é inadmissível a resolução de problemas penais fora
da jurisdição oficial estatal, o que enseja o monopólio da prestação criminal por
um processo público, conduzido por órgãos oficiais, com a observância de
todas as garantias44. Nesse sentido, Ferrajoli45 entende que a garantia de
jurisdicionalidade significa a inexistência não apenas de culpa, mas de pena,
crime, sentença e processo penal na ausência de jurisdição, sendo esta uma
garantia de prevenção contra a vingança e as penas privadas.
No ordenamento jurídico pátrio, a partir da análise do art. 5º da
Constituição Federal vigente, pode-se identificar alguns dispositivos pelos quais
o Poder Constituinte claramente pretendeu garantir a observância, no âmbito
penal, da inafastabilidade da jurisdição. A título de exemplos, os incisos LIII
(“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente”), LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal”), LV (“aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”) e LVII (“ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”) do rol dos direitos e garantias fundamentais tornam explícita a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!43! Falou-se “em regra”, pois o ordenamento brasileiro prevê duas hipóteses de jurisdição anômala, exercida por órgãos alheios ao Poder Judiciário, quais sejam: a do art. 73, § 3º, da CF/88, ao dispor sobre o Tribunal de Contas como órgão integrante do Poder Legislativo; e o art. 52, I e II, da CF/88, ao prever competência do Senado Federal para processar e julgar os crimes de responsabilidade em tese praticados pelo Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado, Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, Ministros do Supremo Tribunal Federal, membros do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, Procurador Geral da República e Advogado Geral da União.!44!GIACOMOLLI, Nereu José. Atividade do Juiz Criminal frente à Constituição: Deveres e Limites em Face do Princípio Acusatório, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 220.!45 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 538.
27!!
impossibilidade de aplicação da lei penal sem o prévio exercício da jurisdição
penal pelo Poder Judiciário.
Como consequência da atribuição exclusiva da função jurisdicional
penal ao Estado, surgiram garantias hoje inafastáveis, tais como a do Juiz
natural, independente e imparcial, e o devido processo legal. Nas lições de
Aury Lopes Jr.46, “a garantia da jurisdicionalidade deve ser vista no contexto
das garantias orgânicas da magistratura, de modo a orientar a inserção do juiz
no marco institucional da independência, pressuposto da imparcialidade, que
deverá orientar sua relação com as partes no processo”.
A independência do Poder Judiciário, como caractere que garante o
regular exercício da jurisdição, é tratada por Ferrajoli47 como uma característica
do Estado de Direito, posto que, antes dele, como a função jurisdicional era
exercida diretamente pelo próprio soberano ou por um colegiado de populares,
sequer se cogitava a questão da independência dos Juízes48.
Em decorrência, a independência deve ser vista sob o enfoque de
proteção dos interesses da sociedade por uma justiça efetiva e longe de
ingerências ou influências dos demais Poderes, dos órgãos hierárquicos do
próprio Poder Judiciário e das partes envolvidas no processo.
Para garantir que o Juiz subordine-se apenas à lei, o Poder
Judiciário é cercado de uma série de garantias, que se subdividem em
garantias institucionais e garantias funcionais49. As primeiras, previstas nos
arts. 96 e 99 da CF/88, compreendem a autonomia orgânico-administrativa dos
Tribunais, destacando-se a independência na estruturação e funcionamento
dos seus órgãos, e a autonomia financeira na elaboração e execução de seus
orçamentos. Já as garantias institucionais podem ser agrupadas em duas
categorias, quais sejam, as garantias de independência e as de imparcialidade
dos órgãos judiciários. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!46 Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 72.!47!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 585.!48 No mesmo sentido, Juan Montero Aroca afirma que, antes do século XIX, não se falava de independência dos Magistrados, pois tal garantia pressupõe a separação dos poderes do Estado, tendo sido proclamada em especial como resultado de uma aspiração de autonomia do Judiciário ante o Executivo (Introducción al derecho procesal: Jurisdicción, Acción y Proceso. Madri: Tecnos, 1976, p. 106). 49 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 520-522.
28!!
As garantias de independência são a vitaliciedade, a inamovibilidade
e a irredutibilidade de subsídios (caput do art. 95 da CF/88). Já as de
imparcialidade, previstas no parágrafo único do art. 95 da CF/88, são as
vedações opostas aos Magistrados, consistentes na proibição de exercer,
ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
dedicar-se à atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto,
auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas,
ressalvadas as exceções previstas em lei; exercer a advocacia no juízo ou
Tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do
cargo por aposentadoria ou exoneração.
Em estudo sobre o Direito Processual Penal, José Frederico
Marques50 destaca que, para que um Juiz possa exercer a função jurisdicional,
é mister, além da capacidade funcional (requisitos para a investidura), também
a capacidade de exercício, que pode ser genérica ou específica. Consoante o
renomado autor, enquanto a capacidade genérica trata da regular nomeação e
investidura no cargo, a específica pode ser considerada objetiva ou
subjetivamente: esta atinente à ausência de incompatibilidades específicas ou
de motivos outros de suspeição acerca da atuação imparcial do Julgador;
aquela, por sua vez, trata da competência do Magistrado, conforme as leis
processuais.
No caso brasileiro, as hipóteses legais de impedimento do
Magistrado estão elencadas nos artigos 252 e 253 do Código de Processo
Penal, todas relacionadas ao próprio processo, vedando a atuação do Juiz em
feito no qual tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim,
em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou
advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou
perito; ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido
como testemunha; tiver funcionado como Juiz de outra instância,
pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; ele próprio ou seu
cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o
terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito. Além
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!50!Elementos de Direito Processual Penal, V. II. Campinas: Bookseller, 1997, p. 23.!
29!!
disso, nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os Juízes
que forem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral
até o terceiro grau, inclusive.
Os casos de suspeição (art. 254 do CPP) relacionam-se com
situações externas ao processo, tais como ser o Magistrado amigo íntimo ou
inimigo capital de qualquer deles; se ele, seu cônjuge, ascendente ou
descendente estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo
caráter criminoso haja controvérsia; se ele, seu cônjuge, ou parente,
consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou
responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; se
tiver aconselhado qualquer das partes; se for credor ou devedor, tutor ou
curador, de qualquer das partes; se for sócio, acionista ou administrador de
sociedade interessada no processo.
Além das hipóteses já destacadas, cumpre salientar a previsão
constante do art. 112 do Código de Processo Penal, ao dispor que “O juiz, o
órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os
peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver
incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se
der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderão ser arguidos
pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de
suspeição”.
O sistema processual brasileiro, portanto, adota três situações
distintas de possível contaminação subjetiva do julgador – impedimento,
suspeição e incompatibilidade – e, diante de qualquer uma destas situações, é
dever do Juiz abster-se de servir no processo, facultando às partes o direito de
recusá-lo, caso assim não proceda. A diferença entre as três espécies está na
presença de rol expresso nos casos de impedimento e suspeição (artigos 252 a
254), enquanto os casos de incompatibilidade foram deixados em aberto pelo
legislador (artigo 112), configurando-se apenas diante da análise do caso
concreto.
Assim, a discussão corriqueira nos Tribunais Superiores51 acerca da
taxatividade ou não dos casos envolvendo impedimento ou suspeição de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!51 A divergência hoje se encontra um pouco relativizada, a partir dos julgamentos do HC 86.963/RJ (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ
30!!
Magistrados perde a sua importância, se se considerar que, caso uma
determinada situação fática não se amolde às hipóteses legais de
contaminação do julgador por impedimento ou suspeição, basta considerar o
caso como de incompatibilidade, previsto no art. 112 do Código de Processo
Penal.
Percebe-se, pelo exposto, que o ordenamento pátrio dispõe de
mecanismos aptos a salvaguardar a imparcialidade do Julgador. Ser imparcial
requer do Magistrado uma postura desapaixonada, no sentido de não
favorecer, por interesse ou simpatia, qualquer das partes envolvidas. É o que
propõe Ferrajoli52 ao destacar a necessária sujeição do Juiz exclusivamente à
lei, situando o Magistrado, no jogo processual, externamente aos sujeitos
envolvidos no processo e aos demais Poderes, de forma a evitar sua
vinculação com os interesses particulares daquele, e gerais destes. Segundo o
autor, o Juiz não deve ter nenhum interesse em uma ou outra solução da
controvérsia que foi chamado a resolver, pois sua função limita-se a decidir
qual das versões é falsa ou verdadeira. É a chamada terzietá53, que, segundo
Ferrajoli, é um hábito intelectual e moral, que não difere do que deve orientar
qualquer forma de investigação e conhecimento, e é composto pela separação
institucional entre o Juiz e o responsável pela acusação, pela independência do
Magistrado em relação aos demais Poderes e pela fixação da competência do
Juiz antes da prática do fato e pautada esta fixação por critérios
exclusivamente legais.
Para finalizar, é de bom alvitre destacar que Ferrajoli, ciente das
dificuldades em se alcançar uma imparcialidade54 plena, admite a utopia do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!17/08/2007) e do HC 146796/SP (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 08/03/2010), quando houve uma flexibilização no entendimento de que o rol dos casos de impedimento e suspeição não é taxativo, permitindo uma interpretação extensiva, tudo com o escopo de assegurar a garantia do devido processo legal. Tais julgamentos, contudo, não foram à unanimidade de votos. 52 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 589-590. 53 Na versão em espanhol do Livro Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal, utiliza-se a expressão ajenidad, que, segundo o Dicionário Señas (Dicionário para la enseñasaza de la lengua española para brasileños. Universidad de Alcalá de Henares – Departamento de Filologia. Tradução de Eduardo Brandão e Cláudia Berlinger. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 50), significa , dentre outras possibilidades, alejado o apartado, isto é, estar alheio. !54! Sobre os dilemas do Magistrado diante de um caso concreto, Benjamin N. Cardozo destaca que a pergunta que, de certo, deve surgir no íntimo do Juiz, quando diante de um caso a ser solucionado, é o que faço e a que fontes de informações recorro quando diante de uma lide? Nessa configuração mental,
31!!
modelo garantista fundado no sistema epistemológico composto pelos
princípios da estrita legalidade e estrita jurisdicionalidade, pois, no âmbito
processual penal, não é possível alcançar um grau de abstração tal que
permita ao Juiz55 o exercício como uma atividade puramente cognoscitiva.
Como ser humano, o julgador sempre fará valorações, seja interpretando a lei,
seja interpretando os fatos. Diante deste contexto, Ferrajoli56 refere-se às
garantias da estrita legalidade e estrita jurisdicionalidade como técnicas de
redução do arbítrio judicial.
1.3. Separação entre as atividades de acusar e julgar: a base para um Processo Penal de partes
Como é cediço, o Direito Penal não tem realidade concreta fora do
Processo Penal57, sendo as regras deste que exercem, de fato, o poder estatal,
daí porque é no Processo Penal que as manipulações do poder político são
mais destacadas, pois são as regras do processo que realizam o poder penal
estatal.
Em decorrência, discutir a questão da separação entre as atividades
de acusar e julgar leva à análise dos regramentos que compõem os sistemas
acusatório, inquisitório e misto. Vejamos.
1.3.1. Dos sistemas acusatório, inquisitório e misto: considerações e definição do sistema adotado no Brasil
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!cada problema encontra seu contexto. É bem verdade que podemos tentar ver as coisas com a máxima objetividade; contudo, “mesmo assim, jamais poderemos vê-las com outros olhos que não sejam os nossos”, o que, por si só, já implica subjetividade. (CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo judicial: Palestras Proferidas na Universidade de Yale. Tradução: Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 04 e p.120.!55! Consoante Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “(...) é preciso que fique claro que não há imparcialidade, neutralidade e, de consequência, perfeição na figura do juiz, que é um homem normal e, como todos os outros, sujeito à história de sua sociedade e à sua própria história (...)” (O Papel do Juiz no Processo Penal, em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 15).!56!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 38-40.!57!LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 161.!
32!!
O processo inerente ao sistema acusatório58 é um processo de
partes. Isto porque acusador e acusado contrapõem-se em igualdade de
posições e de direitos perante um Juiz imparcial e equidistante de ambas as
partes, cabendo-lhe tão-somente a função julgadora, não lhe sendo
reconhecido nenhum poder de iniciativa probatória. O princípio da
imparcialidade do Juiz na solução das causas que lhe são submetidas possui
uma relação direta com o sistema acusatório e se funda em obstruir influências
sobre a decisão que será prolatada. Em termos práticos, retira-se do Juiz a
função da persecução penal (jus persequendi), devendo este permanecer
inerte, aguardando ser provocado (ne procedat judex ex officio)59.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!58! Na presente dissertação, não foi considerado pertinente adentrar na análise histórica dos sistemas processuais, ante a existência de vasta literatura acerca do tema. Ademais, segundo lição de Luigi Ferrajoli, “la distinción entre sistema acusatorio y sistema inquisitivo puede tener un carácter teórico o simplemente histórico. Es preciso señalar que las diferencias identificables en el plano teórico no coinciden necesariamente con las detectables en el plano histórico, por no estar siempre conectadas entre sí lógicamente. Por ejemplo, sí forman parte tanto del modelo teórico como de la tradición histórica del proceso acusatorio la rígida separación entre juez y acusación, la igualdad entre acusación y defensa, la publicidad y la oralidad del juicio; no puede decirse lo mismo de otros elementos que, aun perteneciendo históricamente a la tradición del proceso acusatorio, no son lógicamente esenciales a su modelo teórico, como la discrecionalidad de la acción penal, el carácter electivo del juez, la sujeción de los órganos de la acusación al poder ejecutivo, la exclusión de la motivación de los juicios del jurado, etc. Por otra parte, si son típicamente característicos del sistema inquisitivo la iniciativa del juez en el ámbito probatorio, la desigualdad de poder entre la acusación y la defensa y el carácter escrito y secreto de la instrucción, no lo son, en cambio, de forma tan exclusiva, institutos nacidos en el seno de la tradición inquisitiva, como la obligatoriedad y la irrevocabilidad de la acción penal, el carácter público de los órganos de la acusación, la pluralidad de grados de la jurisdicción y la obligación del juez de motivar sus decisiones. Esta asimetría ha sido fuente de muchas confusiones, habiendo dado lugar a que a menudo fueran considerados como esenciales de uno u otro modelo teórico elementos pertenecientes de hecho a sus respectivas tradiciones históricas, pero lógicamente no necesarios en ninguno de los dos o compatibles con ambos”. (Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 561). Para um aprofundamento, destaque-se a dissertação de Mestrado do Eminente doutrinador Geraldo Prado: Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.!59!Apenas para situar melhor a matéria, o sistema acusatório vigorou em quase toda a Antiguidade grega e romana (aqui apenas na fase republicana), como também na Idade Média, sob domínio do direito germano. Na era do Alto Império Romano, o poder absoluto volta a se concentrar nas mãos do príncipe/imperador, surgindo um processo inquisitorial, mais útil, portanto, aos interesses totalitários do período. Com a queda do Império Romano ante a invasão bárbara, passaram a coexistir o sistema germânico (de base acusatória) e o romano (inquisitório). Os povos germânicos não só influenciaram o Direito do restante do continente europeu, como sofreram influência da cultura e do Direito romanos, de sorte que, do seu sistema predominantemente acusatório, passaram à recepção e assimilação do Direito Romano-Canônico e à introdução da Inquisição. A metodologia acusatória entra em declínio no século XII, com o fim do equilíbrio entre os dois modelos, cedendo lugar ao sistema inquisitório, que viveu seu apogeu no continente europeu, o qual somente veio a sofrer sensível alteração no século XIX, com a codificação napoleônica, também denominado sistema francês. (PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 82-97.!
33!!
Essa atribuição da função de julgar a um terceiro estranho às partes
envolvidas forma o que Ferrajoli60 denomina estrutura triádica, ou seja, a
configuração do processo como uma relação triangular entre os sujeitos
envolvidos, sendo que dois destes são vistos como partes na causa e um deles
como superpartes: o acusador, o defensor e o Juiz. Aqui se encontra a
essência do princípio acusatório, fundado, portanto, na oposição entre
acusação e defesa, no qual a função do Magistrado é de garantia dos direitos
fundamentais dos acusados.
Consoante Geraldo Prado, o sistema acusatório não se confunde
com o princípio acusatório, pois impossível a simples justaposição de um
sistema a um princípio, dada a impossibilidade de um princípio ser, ao mesmo
tempo, ele próprio e um conjunto de princípios e normas integrantes de um
sistema, numa relação de continente e conteúdo. Segundo o autor, “por
sistema acusatório compreendem-se normas e princípios fundamentais,
ordenadamente dispostos e orientados a partir do principal princípio, tal seja,
aquele do qual herda o nome: acusatório”61.
Dessa forma, a presença do princípio acusatório é fundamental para
a constituição do sistema acusatório, mas não suficiente62. Em decorrência,
pode-se dizer que, embora o sistema em tela tenha como núcleo fundante a
separação das atividades processuais, outras características são somadas a
ele, tudo com o fito de se alcançar um processo democrático. Assim, dentre os
principais traços marcantes do sistema acusatório, pode-se destacar, além da
separação das atividades de acusar e julgar, a iniciativa probatória a cargo das
partes, a colocação do Juiz como um terceiro imparcial, a estrutura dialética do
processo marcado pelo contraditório e a superação do sistema de prova
tarifada pelo de livre convencimento do Juiz63, além da publicidade, oralidade64
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!60!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 581.!61!PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 125. 62 Idem. Ibidem, p. 170. 63 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 230. 64 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 170.
34!!
e da liberdade do acusado como regra, até para poder dar conta da prova a ser
produzida.65
Consoante se depreende da lição de Ferrajoli66, pode-se chamar
acusatório todo sistema processual que concebe o Juiz como um sujeito
passivo rigidamente separado das partes e o juízo como uma contenda entre
iguais iniciada pela acusação, a quem compete o ônus da prova, enfrentada a
defesa em um juízo contraditório, oral e público e resolvida pelo Juiz segundo
sua livre convicção.
No sistema inquisitório67, por sua vez, as funções de acusar,
defender e julgar encontram-se enfeixadas em uma única pessoa, que assume
as vestes de um Juiz acusador, isto é, um inquisidor, o que conduz a um
processo unilateral de um Juiz com atividade multiforme68. O princípio que o
rege é o inquisitivo, segundo o qual a gestão das provas está nas mãos do
Magistrado. Por tal razão, não se fala em contraditório – inviável devido à
ausência de contraposição entre acusação e defesa – nem em oralidade e
publicidade, as quais foram substituídas pela forma escrita e pelo procedimento
secreto. O acusado é objeto do processo, não se falando em relação
processual ou em acusado como sujeito de direitos. Preocupa-se na busca da
verdade real, via de regra a partir da confissão do acusado, considerada a mais
importante das provas, muito embora tenha havido intensa liberdade do Juiz na
pesquisa e introdução de outros meios de prova. Além disso, o encarceramento
preventivo do acusado e sua incomunicabilidade fazem-se presentes. A tortura
era comum, pois, com a confissão, atingia-se a verdade real.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!65COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do Juiz no Processo Penal, em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 37. 66 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 564.!67!Segundo Jacinto Coutinho, “o sistema inquisitório tem raízes na velha Roma, mormente no período da decadência, e alguns traços em outras legislações antigas. Nasce, porém, na forma como estudamos hoje, no seio da Igreja Católica, como uma resposta defensiva contra o desenvolvimento daquilo que se convencionou chamar de “doutrinas heréticas”. Trata-se, sem dúvida, do maior engenho jurídico que o mundo conheceu; e conhece. Sem embargo da sua fonte, a Igreja, é diabólico na sua estrutura (o que demonstra estar ela, por vezes e ironicamente, povoada por agentes do inferno!), persistindo por mais de 700 anos. Não seria assim em vão: veio com uma finalidade específica e, porque serve – e continuará servindo, se não acordarmos - mantém-se hígido”. (O Papel do Juiz no Processo Penal, em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 18-19).!68!PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 105.!
35!!
Para Ferrajoli69, sistema inquisitório é aquele onde o Juiz procede de
ofício na busca e valoração das provas, chegando a um juízo após uma
instrução escrita e secreta, da qual estão excluídos ou, ao menos limitados, o
contraditório e o direito de defesa.
O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma
radical. O que era antes um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com
igualdade de poderes e oportunidades, transforma-se em uma disputa
desigual, confundindo-se as atividades do Juiz e do acusador, perdendo o
acusado a condição de sujeito processual, que passa a ser a melhor fonte de
conhecimento do fato típico e, como se fosse uma testemunha, é chamado a
declarar a verdade sob pena de coação70.
Até o início do século XIX, predominou o sistema inquisitório, que,
pouco antes da Revolução Francesa, iniciou seu declínio71, fruto do clima
reformista e dos ideais que vigoravam na época. A ideia de racionalidade72,
dominante desde o Iluminismo, refletiu73 no Direito Penal e no Direito
Processual Penal, ocorrendo uma humanização das penas e do modo de sua
imposição74.
Inicialmente, ressurgiu o sistema acusatório, baseado na ação
popular, na participação dos Jurados, no contraditório, na publicidade e
oralidade e na livre convicção do Juiz. Mas, como adverte Ferrajoli75, a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!69!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 564. 70 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 167.!71 CARVALHO, Salo de. Revisita à Desconstrução do Modelo Jurídico Inquisitorial, em Revista da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 240-241. 72! !A partir do Iluminismo, a ideia de racionalidade passou a liderar todos os âmbitos do conhecimento. Chegou-se à conclusão de que, na era da modernidade, a felicidade só seria alcançada pela verdade e esta só seria atingida pela razão. Em termos de Direito Penal, a ideia de racionalidade foi calcada a partir da legalidade, sendo Beccaria o precursor do estudo e defesa do princípio em tela, o qual foi devidamente sistematizado por Feuerbach (CF. BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 30-36). 73!No cenário do pensamento libertário, encontra-se, por exemplo, a obra de Cesare Beccaria, Dos Delitos e das Penas, de 1764, com ecos em todo o continente europeu: “Os julgamentos devem ser públicos; também devem-no ser as provas do crime; e a opinião, que é talvez o único liame das sociedades porá freio à violência e às paixões”. (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus, 1994, p. 24).!74!FREITAS, Ricardo de Brito A. P.. Razão e Sensibilidade. Fundamentos do Direito Penal Moderno. São Paulo: Editoria Juarez de Oliveira, 2001, p. 63 e p. 68.!75!Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 566.!
36!!
experiência acusatória não durou, no continente europeu, mais do que os anos
da própria Revolução. O Código Napoleônico de 1808 deu vida ao “monstruo,
nacido de la unión del proceso acusatório con el inquisitivo, que fue el llamado
proceso mixto”, predominantemente inquisitivo na primeira fase – conduzida
pelo Magistrado, sendo escrita, secreta e isenta da participação do imputado,
privado de liberdade durante a mesma -, e tendencialmente acusatório na fase
sucessiva do julgamento, caracterizada pelo contraditório, oralidade e
publicidade, com intervenção da defesa e decisão pelos Jurados, mas sendo
uma mera encenação e repetição da primeira fase.
É inaugurada, assim, a fase dita moderna do Direito Processual
Penal, a fase na qual se busca a formação da livre convicção do julgador e dos
Jurados, destacando-se que todas as provas são relativas, não ostentando
nenhuma delas, ex vi lege, valor decisivo.
O abandono das velhas fórmulas legais obriga o Juiz a guiar-se pelo
livre convencimento formado segundo provas obtidas pelo crivo do
contraditório. À estrita legalidade no tocante aos delitos e às penas
contrapunha-se a liberdade do julgador na aplicação das penas, sem
vinculação a regras probatórias. Aqui, reside a crítica apontada por Gomes
Filho76, no sentido de que “o grande paradoxo resultante da conciliação entre
os dois modelos (...) foi a manutenção do critério da íntima convicção na
apreciação das provas. Com efeito, introduzido como corolário de um processo
acusatório, público e oral, em que o procedimento probatório era regulado pela
law of evidence, com ênfase para a participação dos interessados, em
contraditório, esse princípio passou a legitimar o arbítrio judicial, na medida em
que as informações da fase precedente, obtidas sem quaisquer regras de
garantia, passavam a ser valoradas livremente, como material idôneo à
formação do convencimento”.
Feitas estas considerações, sente-se, agora, a necessidade de
definir qual o sistema vigorante no Brasil. Com efeito, predominava77 o
entendimento de que o sistema do nosso Código de Processo Penal era misto,
posto que a primeira fase da persecução penal, caracterizada pelo Inquérito
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!76!GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 31.!77 TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1992, vol. 2, p. 480.
37!!
Policial, era inquisitória, mas, uma vez iniciado o processo, teríamos um
sistema acusatório.
Todavia, há quem alerte78 sobre a impropriedade do uso do termo
“sistema misto”, posto que inexiste um princípio que lhe traga a peculiaridade
diferenciadora dos demais sistemas, como acontece com o princípio
acusatório, no sistema de mesmo nome, e com o princípio inquisitivo, no
sistema inquisitório. Assim, o sistema tido como misto ou é essencialmente
inquisitório, com traços do sistema acusatório, ou, ao contrário, é
essencialmente acusatório, com traços do sistema inquisitório.
Contudo, em face da nova sistemática constitucional, segundo a
qual estão claramente separadas as funções de acusar, defender e julgar79, o
contraditório é previsto de forma ampla, expressamente são assegurados a
presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação, a garantia de
um Juiz competente e imparcial, o livre convencimento do Magistrado e a
motivação das decisões não há dúvida de que, mesmo com a manutenção do
Inquérito Policial, estamos, ao menos no plano constitucional, diante de um
sistema acusatório80.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!78 BERBERI, Marco Antonio Lima. Reflexos da Pós-modernidade no Sistema Processual Penal Brasileiro (algumas considerações básicas), em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 60.!79!Segundo Geraldo Prado, “prevalece, no Brasil, uma aparência acusatória, porque muitos dos princípios opostos ao acusatório verdadeiramente são implementados todos os dias”. Mais adiante, sustenta que “o princípio e o sistema acusatórios são, por isso, pelo menos por enquanto, meras promessas, que um novo Código de Processo Penal e um novo fundo cultural, consentâneos com os princípios democráticos, devem tornar realidade”. (Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 220).!80 Para Ada Pellegrini Grinover, “a Constituição brasileira de 1988 delineou com toda clareza um processo penal acusatório, em que as funções de acusar, defender e julgar são absolutamente separadas: um processo de partes. Clara demonstração desta tomada de posição da Constituição são as regras da titularidade da ação penal pública ao MP (art. 129, I, CF), a constitucionalização da função do advogado (art. 133, CF) e a instituição das Defensorias Públicas (art. 134, CF), a desvinculação do MP do Poder Executivo”. (Pareceres. O Processo em Evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 348). Por outro lado, para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, o sistema processual brasileiro é inquisitório, já que a gestão das provas está, primordialmente, nas mãos do Juiz. Assevera, após elencar as já comentadas características do sistema inquisitório, que “um sistema com a referida estrutura, como parece elementar, tende a prevalecer no tempo, embora passível de mudanças secundárias. É assim que permanece, na essência, para nós, até hoje; e continuará prevalecendo – até porque sustenta o status quo e, portanto, serve a quem detém o poder em qualquer regime – enquanto as pessoas não se derem conta que a democracia processual só será alcançada (ou pelo menos estará mais próxima), quando ele for superado (...)”. (O Papel do Juiz no Processo Penal, em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 30-31). Com o mesmo entendimento, Aury Lopes Júnior afirma que, embora haja a opção constitucional pelo sistema acusatório, o Processo Penal brasileiro é inquisitório do início ao fim. Como exemplo, cita o art. 156 do CPP, que atribui poder instrutório ao Juiz mesmo antes de iniciada a ação penal, demonstrando a presença de um Juiz-ator no Processo Penal brasileiro, e não um Juiz-espectador (Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 180-
38!!
Apesar de a interiorização dos postulados constitucionais ser
sempre lenta, a absorção dos preceitos do sistema acusatório já se completou,
tanto que o Projeto de Reforma do Código de Processo81, com o fim de evitar
quaisquer dúvidas, em seu artigo 4º, indica expressamente que “o processo
penal terá estrutura acusatória”, vedando ao Juiz a “substituição da atuação
probatória do órgão da acusação”82.
1.4. Presunção de Inocência ou de não-culpabilidade e o ônus de o órgão acusatório provar a culpa do réu
Se a jurisdição é a atividade necessária para a obtenção da prova de
que um sujeito haja praticado um delito, até que esta prova não se produza
perante um juízo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e
nenhum sujeito pode ser tido como culpável nem submetido à pena. Neste
sentido, o princípio da jurisdicionalidade, ao exigir que não exista culpa sem
juízo e que não haja juízo sem que a acusação seja submetida à produção de
prova e sua refutação, postula a presunção de inocência do imputado até prova
em contrário, sancionada pela sentença definitiva83.
A presunção de inocência remonta ao Direito Romano, mas foi
seriamente atacada e invertida na Inquisição da Baixa Idade Média, momento
no qual a dúvida ocasionada pela insuficiência de provas equivalia a uma
semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e de
semicondenação a uma pena leve. Com a Declaração dos Direitos do Homem
de 1789, tanto a jurisdicionalidade quanto a presunção de inocência foram
consagradas, embora, no fim do século XIX e início do XIX, a presunção de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!182). Neste ponto, Gustavo Henrique Badaró destaca que não é incompatível com o modelo acusatório um Juiz dotado de poderes para determinar, de ofício, a produção de provas, desde que o faça de maneira imparcial, sem privilegiar acusação ou defesa (Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 123). 81 A proposta de um novo Código de Processo Penal resultou do requerimento 1.694/2009, aprovado pelo Plenário do Senado Federal, dando ensejo ao Projeto de Lei do Senado 156/2006. O Projeto foi aprovado na referida Casa Legislativa, com alterações, e enviado à Câmara dos Deputados, na qual tomou o nº 8.045/2010 e segue tramitando, apensado ao Projeto de Lei 7.987/2010, de iniciativa do Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). 82 Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, esta “é a mais relevante mudança trazida no CPP que está vindo”. (Anotações Pontuais sobre a Reforma Global do CPP, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, edição especial, ago./2010, p. 16-17). 83 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 549.
39!!
inocência voltou a ser atacada pelo totalitarismo, que repercutiu, por exemplo,
no Código de Rocco, que não consagrou a presunção de inocência por
considerá-la um excesso de individualismo e garantismo84.
Para Ferrajoli85, a presunção de inocência é um princípio
fundamental de civilidade e é fruto de uma opção garantista a favor da tutela
dos inocentes, mesmo que sob o alto custo da impunidade de algum culpável,
pois ao corpo social não basta apenas a condenação dos culpáveis, é
necessária a proteção dos inocentes. Assim, se os direitos dos cidadãos estão
ameaçados não só pelos delitos, mas também pelas penas arbitrárias, a
presunção de inocência além de uma garantia de liberdade e verdade, é, ainda,
uma garantia de segurança, expressada na confiança dos cidadãos na Justiça.
No ordenamento brasileiro, a presunção de inocência é prevista no
art. 5º, LVII, da Constituição Federal, nos seguintes termos: “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória”.
Embora o emprego da expressão presunção de inocência seja
justificado pelo uso reiterado, a norma não estabelece propriamente uma
presunção no sentido técnico, pois a condição de inocente não é uma
consequência que se extrai de um fato acontecido mediante uma operação
mental. Tampouco ela pode ser considerada uma ficção jurídica, já que não
trata de tomar algo que não existe como se existisse. Prevalece o
entendimento de que a presunção de inocência é uma verdade interina86
(antecipação de uma verdade com um caráter eventual e que permite prova em
contrário), pois assegura a proteção da condição de inocente enquanto não
comprovada a culpabilidade do acusado.
O princípio da presunção de inocência impõe consequências
normativas de natureza material e processual. É uniforme na doutrina que nele
se expressa não apenas uma norma de tratamento, que proíbe antecipação de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!84Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 550-551.!85 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 549. 86 TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não Autoincriminação e Direito ao Silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 114.
40!!
pena ou adoção de medidas coercitivas em face do não culpado, mas também
uma norma processual que atribui o ônus da prova à acusação87.
A dimensão processual da presunção de inocência repercute no
direito à não autoincriminação88, pois se o ônus da prova cabe a quem acusa,
não se pode impor ao réu o dever de falar nem de produzir provas para o
esclarecimento do fato. À condição de inocente, portanto, enlaça-se um direito
do imputado de negar-se a depor contra si e à participação na produção da
prova, tais como apresentação de documentos, submissão a exames,
reconhecimentos de pessoas e coisas ou outras diligências probatórias.
Infere-se, assim, que a presunção de inocência tem alvo certo e
principal: o dever de provar a culpa é do órgão acusatório ou de quem o fizer
as vezes. Naturalmente, provoca efeitos secundários, não menos relevantes: a
restrição a direitos individuais só deve ocorrer, contra o inocente, em situações
excepcionais, nenhuma anotação criminal oficial pode prejudicar o inocente e a
intervenção penal deve ser mínima, a fim de conservar o estado natural de
inocência.
Saliente-se que a presunção constitucional é de não-culpabilidade, e
não de inexistência do fato ou de negativa de autoria, de modo que a acusação
não precisa demonstrar apenas autoria e materialidade, mas a própria
culpabilidade do acusado, o que inclui a circunstância de o réu ter praticado o
crime sem que houvesse justificativa para tanto. Vale dizer, a acusação tem
que provar que existiu o fato, que é típico, que o réu foi o seu autor e que
praticou de forma contrária ao Direito e sem justificativa89. Não obstante, não
se pode retirar do acusado o direito, a faculdade, de fazer prova das alegações
que possam servir em seu benefício. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!87 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 551. 88! Há autores que concebem o direito à não autoincriminação de forma restritiva, levando em conta apenas a liberdade de o acusado não depor contra si (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Processo e Hermenêutica da Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 211). Outros, porém, vêem o direito em questão muito além do aspecto meramente verbal de liberdade de declaração, pois entendem que o imputado ficaria dispensado de qualquer contribuição para apuração da verdade ou para o desfecho do processo (QUEIJO, Maria Elisabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 69). Nesta dissertação, adota-se a visão ampla, mas com as devidas cautelas, posto que o direito à não autoincriminação deve ser realizado dentro de uma teoria dos princípios, que permita a otimização deste direito, possibilitando sua concordância prática com os bens coletivos eventualmente colidentes.!89 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: Processo Civil, Penal e Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 300.
41!!
Deve-se ressaltar, neste ponto, que a inexistência de ônus da
prova90 a cargo do réu diz respeito, sobretudo, à questão do ônus objetivo91, no
sentido de determinar que o acusado não sofrerá as consequências da não
comprovação do fato a ele imputado, já que, no Processo Penal, cabe à
acusação provar a culpa do acusado. Contudo, essa regra de juízo, que
estabelece como o Magistrado deve solucionar o caso penal se a hipótese
acusatória não estiver confirmada, indiretamente enseja uma direção ao
comportamento processual das partes. Isto porque, se, por um lado, é corrente
que a condenação penal deve ser precedida de uma mínima atividade
probatória a cargo do órgão acusatório, por outro, cabe à defesa, na dialética
do processo, introduzir elementos aptos a enfraquecer a probabilidade da
hipótese acusatória, pois o processo é diálogo, e não monólogo.
Em decorrência, não obstante a atribuição do ônus da prova
subjetivo à acusação, a inércia probatória do acusado pode lhe acarretar
consequências desfavoráveis, pois ela faz desperdiçar a oportunidade de trazer
elementos que enfraqueçam a tese da culpabilidade.
Claro está, portanto, que o ônus da prova cria cenário propício para
a consagração da presunção de inocência, em aplicação prática do dispositivo
constitucional92. Ademais, nota-se que a questão do ônus da prova, mais
especificamente do ônus da prova subjetivo (regra de conduta para as partes:
quem deve provar), ganha ares de vital importância num processo norteado
pelo princípio acusatório93, como o nosso. Isto porque não faria qualquer
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!90 Como definição de ônus da prova, utilizamos a desenvolvida por Paulo Rogério Zanetti, como sendo um “ônus atribuído às partes com vista a suprir eventual deficiência de instrução do processo que impossibilite o magistrado de concluir pela verdade, ou não, das alegações de fatos”. (Flexibilização das Regras sobre o Ônus da Prova. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 84). 91 A divisão em ônus da prova objetivo e subjetivo, embora prevalente, não é unânime na doutrina. Consoante Paulo Rogério Zaneti, “pelo ônus da prova subjetivo tem-se a resposta à indagação de qual parte deve provar o quê no decorrer do processo, dirigindo-se exclusivamente às partes. Já o ônus da prova objetivo dirige-se ao juiz, que deve responder à seguinte pergunta no conteúdo da sentença: o que deveria ficar provado no processo, independentemente de quem tenha feito a prova? Ou seja, o ônus da prova objetivo é aquele que prescinde de toda a atividade probatória desenvolvida pelas partes para estabelecer a verdade dos fatos controvertidos, interessando ao magistrado o que se encontra provado, e quem não provou”. (Flexibilização das Regras sobre o Ônus da Prova. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 90). Portanto, o ônus da prova, sob o aspecto objetivo, é uma regra de julgamento, pois, em que pese também servir para as partes, na direção de sua atividade instrutória, sua finalidade maior é auxiliar o Juiz na definição do litígio, resolvendo, assim, o estado de incerteza diante da ausência de prova suficiente para formar seu convencimento. 92 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 242. 93 Aury Lopes Júnior extrai do princípio da presunção de inocência os seguintes termos: “(i) predetermina a adoção da verdade processual, relativa, mas dotada de um bom nível de certeza prática, eis que obtida
42!!
sentido falar em ônus da prova se estivéssemos diante de um processo
avalizado pelo princípio inquisitivo, em que o Magistrado pode averiguar e
buscar livremente os fatos, sem necessidade de os mesmos terem sido
trazidos pelas partes94.
Em decorrência, sob a perspectiva do julgador, a presunção de
inocência deve ser um princípio da maior relevância, principalmente no
tratamento processual que o Juiz deve dar ao acusado95. Logo, isso obriga o
Magistrado não só a manter uma posição “negativa” perante o acusado (não o
considerando culpado), mas sim a ter uma postura “positiva”, tratando-o
efetivamente como inocente.
1.5. Princípios do contraditório e da ampla defesa
Antes de relevante garantia processual, o contraditório constitui um
dos elementos essenciais da definição de processo. “De fato, se na sua
acepção lógico-filosófica o contraditório é entendido como o contraste entre
posições assertivas opostas, dirigidas a se elidirem reciprocamente, no
esquema processual essa contraposição só adquire sentido quando destinada
à persuasão de um terceiro imparcial, ainda que não necessariamente inerte ou
passivo; assim, embora se desenvolva entre dois pólos dialéticos, o
contraditório processual implica uma relação triádica, que constitui afinal a
essência da idéia de processo”.96
Enfatiza-se a função social do contraditório, que serve como fator
legitimador da decisão a ser tomada. Vale dizer: a possibilidade de influenciar o
resultado do processo é que leva as partes a aceitarem uma solução futura
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!segundo determinadas condições; (ii) como consequência de tal verdade, determina um tipo de processo, orientado pelo sistema acusatório, que impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento (rechaço à figura do juiz-inquisidor – com poderes investigatórios/instrutórios – e consagração do juiz de garantias ou garantidor); (iii) dentro do processo se traduz em regras para o julgamento, orientando a decisão judicial sobre os fatos (carga da prova); (iv) traduz-se, por último, em regras de tratamento do acusado, posto que a intervenção do processo penal se dá sobre um inocente”. (Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 187). 94 ZANETI, Paulo Rogério. Flexibilização das Regras sobre o Ônus da Prova. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 91.!95 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 186. 96 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 43.!
43!!
incerta.97 Neste âmbito, o Juiz deve ouvir ambas as partes, sob pena de
parcialidade, sendo observado o contraditório justamente quando se criam
condições ideais de fala e oitiva da outra parte, ainda que ela não queira
utilizar-se de tal faculdade, até porque pode se valer do direito ao silêncio –
nemo tenetur se detegere.
É da tradição do Direito Constitucional brasileiro a adoção da
garantia ao contraditório98, tanto que a mesma esteve prevista na Constituição
do Império do 1824 (artigo 179, VIII), na Constituição de 1891 (artigo 72, § 16),
na Constituição de 1934 (artigo 113, 24), na Constituição de 1937 (artigo 122,
11), na Constituição de 1946 (artigo 141, § 25), na Constituição de 1967 (artigo
150, § 15) e na aqui considerada Constituição de 1969 (artigo 153, § 15).
Na atual Constituição, o contraditório e a ampla defesa estão
previstos no art. 5º, LV,nos seguintes termos: “Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LV – aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes (...)”.
O contraditório abrange dois aspectos: ciência/informação e
participação. O primeiro refere-se à necessidade de se comunicar previamente
as partes da realização de um ato processual. O segundo trata da faculdade
dada às partes de participar ativamente dos atos processuais, com o objetivo
de influenciar o convencimento do julgador. Logo, pode-se afirmar que o
contraditório é o direito de cada uma das partes de ser informado e de
participar dos atos processuais, em contraposição aos argumentos sustentados
pela outra parte99.
No primeiro aspecto do contraditório, qual seja, o da informação,
exige-se uma ciência efetiva a respeito de tudo que passa no processo, pois
cada um dos antagonistas deve conhecer as posições e argumentos do outro,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!97 _______________. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 136.!98!NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: Processo Civil, Penal e Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 203-204.!99!LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 190-191.!
44!!
para poder contradizê-los. Assim, desde as informações iniciais contidas na
citação do réu, passando pelas intimações referentes aos atos instrutórios,
culminando com a cientificação da sentença e desdobrando-se nos eventuais
procedimentos recursais, todos os dados processuais devem ser comunicados
aos interessados; só a partir de seu efetivo conhecimento será viável a
participação em contraditório100.
No Processo Penal, essas comunicações devem ter como
destinatários, de um lado, a acusação e, de outro, o acusado e o seu defensor,
pois a amplitude da defesa, que é também garantia constitucional, exige que a
informação atinja cumulativamente os protagonistas da autodefesa e da defesa
técnica.
Já no segundo aspecto do contraditório, o princípio adquire uma
feição mais dinâmica, caracterizando-se pela possibilidade de participação
ativa em todos os atos do procedimento, com o escopo de influenciar o
Magistrado no alcance da tutela pretendida.
O contraditório deve ser respeitado em todos os momentos da
atividade probatória101: postulação, admissão, produção e valoração. Para
Scarance Fernandes102, no Processo Penal, o contraditório deve ser pleno e
efetivo, até o seu final: pleno, pois deve ser observado durante toda a relação
jurídico-processual; efetivo, porque devem ser proporcionados à parte meios
reais de contrariar os atos de seu oponente.
A ampla defesa, por seu turno, encontra-se positivada no Direito
brasileiro, desde a Constituição de 1891 (art. 72, § 16,103) até o inciso LV do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!100 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 138. 101 Consoante lição de Antônio Magalhães Gomes Filho, “a fase processual mais decisiva para a aferição da efetividade do contraditório é a da instrução probatória; é aqui, com efeito, que a participação ativa dos interessados mais se justifica: são as partes que tiveram contacto com os fatos e estão mais aptas a trazê-los ao processo; por isso mesmo, também são elas que possuem melhores elementos para contestar e explorar as provas trazidas pelo adversário, possibilitando ao julgador uma visão mais completa – e ao mesmo tempo crítica – da realidade”. (Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 139). 102 Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.58. 103!Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 16 - Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas.!
45!!
art. 5º da Constituição atual, que assegura aos acusados em geral o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes104.
Define-se o postulado em questão como o direito105 do acusado à
tutela jurídica de sua liberdade106. Logo, trata-se de “contrariedade à acusação,
sua repulsa ou antítese107”. Decorre do devido processo legal e constitui efetivo
direito subjetivo do cidadão de exigir do Estado que escute e aprecie suas
manifestações em qualquer litígio. De fato, o princípio em questão caracteriza-
se por sua excessiva abrangência e quase que se confunde com o Estado de
Direito, vez que, a partir da sua instauração, todos passaram a se beneficiar da
proteção legal contra o arbítrio estatal. O direito de defesa é, sem a menor
sombra de dúvida, a mais importante das garantias do cidadão submetido á
persecução penal. Tamanha é sua importância que Nicola Carulli leciona que a
história do Processo Penal é a história do direito de defesa108.
A participação do acusado dá um caráter de interação à
compreensão cênica do procedimento penal. Se o inculpado não deve ser
tratado como mero objeto da investigação, a ele deve ser reconhecida a
possibilidade de exercer influência na sucessão e no resultado do
procedimento penal. Assim, vislumbra-se a ampla defesa como uma garantia
que tem o réu para contestar a acusação e para praticar atos processuais que
possam criar expectativas favoráveis ao reconhecimento de sua inocência.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!104!MALAN, Diogo Rudge. Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais, Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 257.!105 “Sob a ótica que privilegia o interesse privado do acusado sobre o geral, a defesa é entendida como direito do acusado, que possui disponibilidade quanto às formas e os modos de exercício desse direito. Sob o enfoque publicístico, que transcende o interesse da parte, a defesa é entendida como garantia, não só do acusado, mas também de um justo processo. (...) A defesa, vista como garantia, responde à objetiva exigência do processo, em razão do interesse geral da justiça”. (MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis e PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos. Defesa Penal: Direito ou Garantia, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 04, out/dez de 1993, p. 110. 106 “Não obstante, na atual quadra da evolução da ciência do direito processual penal, não mais se discute que a defesa penal transcende os interesses pessoais do acusado, possuindo também um perfil objetivo, pois ela consubstancia uma garantia de legitimidade da jurisdição penal (MALAN, Diogo Rudge. Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais, Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 259). 107!MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis e PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos. Defesa Penal: Direito ou Garantia, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 04, out/dez de 1993, p. 113-114. As autoras mencionam que a ampla defesa classifica-se em defesa em sentido amplo ou subjetivo e defesa em sentido estrito ou objetivo: a primeira consiste em direito individual, sendo o ato pelo qual o acusado, pessoalmente ou por defensor, contraria ou repele a acusação que lhe é feita; a segunda é o conjunto de matérias, provas e argumentos que o inculpado aduz a seu favor.!108 CARULLI, Nicola. La Defesa dell´imputato. Napoli: Jovene, 1985, p. 3, apud MALAN, Diogo Rudge. Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais, Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 255.
46!!
Noutro enfoque, Manoel Gonçalves Ferreira Filho109 localiza a ampla defesa
como garantia dirigida precipuamente ao legislador que, ao regular o Processo
Penal, deve respeitar três pontos: (i) velar para que todo acusado tenha seu
defensor; (ii) zelar para que tenha ele pleno conhecimento da acusação e das
provas que a alicerçam e (iii) assegurar que essas provas possam ser
livremente debatidas, ao mesmo tempo em que se ofereçam outras110.
Uma outra especificidade do direito de ampla defesa é a exigência
do julgamento no mais curto prazo111, porquanto a demora112 no desfecho do
processo prolonga as restrições impostas ao acusado durante a fase em que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!109 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 274. 110 Para Rogério Lauria Tucci, o direito de defesa pressupõe a conjugação de três direitos: (i) direito à informação; (ii) bilateralidade da audiência e (iii) direito à prova legitimamente obtida ou produzida. (Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 176). 111 Aury Lopes Júnior e Gustavo Henrique Badaró enquadram o direito a um processo no prazo razoável ou sem dilações indevidas como um corolário do devido processo legal, pois a todo imputado garante-se a obtenção de um pronunciamento que ponha termo, de modo mais rápido possível, à situação de incerteza e de inegável restrição da liberdade que comporta o Processo Penal. Afirmam que “uma duração excessiva ou um retardamento irrazoável do pronunciamento judiciário pode equivaler a uma violação ao direito a tutela jurisdicional”. (Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 18-19).!112 Neste ponto, vale destacar que a celeridade do processo é um valor que deve ser perseguido em todas as situações e buscado com firme propósito, com a condição, porém, de que não se pague o preço com o direito de defesa, pois a celeridade não pode ser buscada suprimindo-se outras garantias dos sujeitos processuais, principalmente da defesa. Inclusive, as normas internacionais, que asseguram o direito a um julgamento em prazo razoável, também garantem o direito de defesa e, mais que isto, o direito de o acusado dispor de tempo necessário para preparar sua defesa. Como exemplo, tem-se o art. 8º, § 2º, “c”, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que dispõe: “durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas (...) concessão ao acusado de tempo e dos meios adequados para preparação de sua defesa”. Defesa sem tempo suficiente é ausência de defesa ou, no mínimo, defesa ineficiente. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre Acusação e Sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 38-39). Sobre o direito à duração razoável do processo, Marco Félix Jobim, em sua dissertação de Mestrado, destaca que a norma prevista no art. 5º, LXXVIII, CF/88, ao assegurar a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, garante ao cidadão não apenas o desfecho em tempo razoável de um processo, mas também meios necessários para lhe outorgar celeridade, cabendo ao Legislativo a construção de procedimentos que tutelem de forma adequada e tempestiva os direitos, instituindo técnicas processuais que, atuando internamente no procedimento, permitam uma racional distribuição do tempo do processo (Direito à Duração Razoável do Processo: Responsabilidade Civil do Estado em Decorrência da Intempestividade Processual. São Paulo, Conceito Editorial, 2011, p. 109-111). Em relação aos meios, Rui Stoco destaca que: “refere-se a norma aos meios – enquanto liberdade de acesso - como ad exemplum, assistência judiciária gratuita; a disseminação de juizados em todos os rincões e, também, aos meios materiais e humanos que garantam a celeridade na tramitação dos processos, de sorte que o Poder Judiciário, nessa quadra, passa a depender do Poder Executivo que elabora o orçamento e destina os duodécimos, segundo os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Caso esses meios não sejam assegurados, frustra-se a norma que comanda o princípio e, por razões alheias, o Judiciário não a pode cumprir” (Razoável Duração do Processo: Responsabilidade do Estado pela Demora na Prestação Jurisdicional, em Constituição Federal: Avanços, Contribuições e Modificações no Processo Democrático Brasileiro. Ives Gandra Martins e Francisco Rezek (coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 496).
47!!
está sendo julgado e perpetua a condição de acusado do agente, violando a
presunção de inocência.
Costuma-se dividir a ampla defesa em defesa técnica e autodefesa.
A primeira consiste na assistência jurídica ao imputado por defensor de sua
confiança, sendo indisponível, posto que essencial para garantir a igualdade, o
contraditório e a imparcialidade do juízo113. Se, no ideal de correção
procedimental, o exercício do direito de defesa exige certa paridade de armas
entre a acusação e o acusado, é de grande significado, para o fortalecimento
da capacidade comunicativa do imputado, que lhe assegure o
acompanhamento de um profissional que conheça o ritual da compreensão
cênica do procedimento e dê apoio ao seu discurso114. Assim, reconhecido que
o Ministério Público é eminentemente técnico115, o equilíbrio processual entre
as partes restaria violado se se negasse ao imputado a assistência de um
advogado.
Com efeito, para que a defesa seja exercida da forma mais completa
possível, o direito a um procedimento correto abrange o direito de o inculpado
escolher um advogado de sua confiança116. No caso de o acusado não poder
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!113 Para Aury Lopes Júnior, a defesa técnica é indisponível, pois, além de ser uma garantia do sujeito passivo, existe um interesse coletivo na correta apuração do fato. Destaca, ainda, que o Estado deve organizar-se de modo a “instituir um sistema de “Serviço Público de Defesa”, tão bem estruturado como o Ministério Público, com a função de promover a defesa de pessoas pobres e sem condições de constituir um defensor. Assim como o Estado organiza um serviço de acusação, tem esse dever de criar um serviço público de defesa, porque a tutela da inocência do imputado não é só interesse individual, mas social” (grifo do autor). (Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 234-235). “(...) A defesa técnica é aquela exercida por profissional legalmente habilitado, com capacidade postulatória, constituindo direito indisponível e irrenunciável (...)”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 102019/PB. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJ de 22/10/2010). 114 TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à Não Autoincriminação e Direito ao Silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 112. 115 O direito à defesa técnica “visa a compensar a desigualdade material existente entre a parte acusadora na relação processual penal - representada por servidor público selecionado mediante rigoroso concurso público de provas e títulos - e o acusado, normalmente leigo no direito e hipossuficiente, quando não analfabeto funcional ou semi-analfabeto. Além disso, o acusado, mesmo que dotado de conhecimentos jurídicos, por estar com a sua sorte em jogo no processo criminal não possui a serenidade e ponderação necessárias para se defender sozinho”. (MALAN, Diogo Rudge. Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais, Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 259). 116 Luigi Ferrajoli afirma que: “Para que la contienda se desarrolle lealmente y con igualdad de armas, es necesaria, por otro lado, la perfecta igualdad de las partes: en primer lugar, que la defensa esté dotada de la misma capacidad y de los mismos poderes que la acusación; en segundo lugar, que se admita su papel contradictor en todo momento y grado del procedimiento y en relación con cualquier acto probatorio, de los experimentos judiciales y las pericias al interrogatorio del imputado, desde los reconocimientos hasta las declaraciones testificales y los careos.” (Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 614).!
48!!
constituir um defensor, o Estado deve providenciar um profissional habilitado
para atuar em seu favor, pois não pode a parte sem recursos econômicos ter
sua proteção jurídica desproporcionalmente dificultada.
Os artigos 5º, LXIII e LXXIV, e 133 da atual Constituição prevêem
expressamente a indispensabilidade do defensor técnico, sendo garantida a
assistência jurídica aos hipossuficientes117. No Processo Penal, exige-se a
defesa técnica do réu, ainda que revel (artigos 261 e 263 do CPP118), sendo a
falta de defesa técnica causa de nulidade do processo (Súmula nº 523 do
STF119). Acrescente-se, ainda, que o Juiz, considerando o réu indefeso, pode
nomear-lhe defensor (art. 497, V, do CPP120), tudo isto com o escopo de
assegurar ao imputado a oportunidade de se defender nas melhores condições
possíveis frente à autoridade de acusação, superior a ele em meios121.
Com efeito, a presença do defensor deve ser concebida como um
instrumento de controle da atuação estatal no Processo Penal, garantindo o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!117“Art. 5º (...) LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado; LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. “Art. 133 – O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.!118 “Art. 261 - Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. (...)”. “Art. 263 - Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação. Parágrafo único. O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz”.!119 Súmula nº 523 do Supremo Tribunal Federal – “No Processo Penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Diogo Malan entende que a necessidade de demonstração de prejuízo é uma espécie de artifício retórico para justificar a ausência de declaração da nulidade nos casos de falta de efetividade da defesa técnica. Para o autor, é desnecessária a demonstração de prejuízo, pois este é manifesto, pois defesa deficiente, por ir de encontro à boa condução do processo, é causa de nulidade absoluta. (Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais, Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 270-272). 120“Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor”. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008). Embora o dispositivo em comento refira-se ao procedimento afeto ao Tribunal do Júri, há quem defenda sua aplicação, por analogia (art. 3º do CPP), aos demais procedimentos criminais previstos em lei. (MALAN, Diogo Rudge. Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais, Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 275).!121 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 614.
49!!
respeito à Lei122. Em decorrência, se o Processo Penal existe como verdadeiro
instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais do sujeito passivo, o
defensor deve se ajustar a este mister, atuando para sua melhor consecução,
evitando infrações à Lei ou injustiças contra seu cliente, sem, é claro, atuar fora
da legalidade.
Por seu turno, a autodefesa é a resistência pessoal do imputado à
acusação que lhe foi dirigida e, ao contrário da defesa técnica, é renunciável123;
contudo, ao Magistrado cabe o dever de ofertar a faculdade do exercício desse
direito pelo acusado.
Compõe-se a autodefesa de dois aspectos: o direito de audiência e
o direito de presença. O primeiro refere-se à faculdade de o acusado influir na
formação do convencimento judicial, mediante o interrogatório; o segundo trata
da oportunidade de o acusado tomar posição, a todo momento, perante as
alegações e as provas produzidas124.
Sob outro enfoque, a autodefesa pode se manifestar de forma
positiva ou negativa. A primeira ocorre quando o sujeito passivo adota um
comportamento ativo, aduzindo os seus argumentos de defesa, o que, em
regra, ocorre no interrogatório policial ou judicial. Compreende-se, aqui, o
direito de o acusado praticar atos, efetuar declarações, constituir defensor,
submeter-se a intervenções corporais, a acareações e a participar de
reconhecimentos. Já a autodefesa negativa manifesta-se quando o imputado
opta por permanecer silente e não contribuir para a apuração dos fatos, sem
que esta inércia resulte em qualquer prejuízo para a defesa.
O direito ao silêncio encontra-se previsto no art. 5º, LXIII, da atual
Carta Política, segundo o qual “o preso será informado de seus direitos, entre
os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da
família e do advogado”. Outros dispositivos constitucionais que falam em favor
de uma interpretação mais ampla do direito a não se autoincriminar são os do
artigo 1º (dignidade humana), do art. 5º, LIV (devido processo legal), do art. 5º,
LV (ampla defesa) e do art. 5º, LVII (presunção de inocência). Por outro lado, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!122!Aqui se usou o vocábulo “lei” em letra maiúscula com o objetivo de abarcar as leis ordinárias e a Constituição.!123 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 237-238. 124 GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, Antônio; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 93.
50!!
com a ratificação, pelo Brasil, em 1992, da Convenção Americana de Direitos
Humanos125, o país comprometeu-se, perante a ordem jurídica internacional, a
assegurar aos acusados o direito de não se declarar culpado e de não depor
contra si mesmo126.
Nesse contexto, embora tardia, a Lei nº 10.792/2003 alterou
diversos enunciados relativos ao interrogatório judicial previsto em nosso
Código de Processo Penal. O artigo 186 do CPP, em sua atual redação127,
estabelece que: “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro
teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único: O silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.
Entretanto, é valioso destacar que, apesar do tardio avanço advindo
com a Lei nº 10.792/2003, foi mantido o artigo 198 do CPP, segundo o qual “o
silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento
para a formação do convencimento do juiz”. Contudo, há quem defenda que a
manutenção da norma foi um lapso, um “cochilo” do legislador, de modo que a
segunda parte do mencionado artigo foi revogada pela segunda parte do
parágrafo único do art. 186 do CPP (lex posterior derrogat ler prior), indo até
além, afirmando a inconstitucionalidade do dispositivo em questão128.Para
outros, a questão trata da colisão entre dois princípios, quais sejam, o da não
autoincriminação e o da eficiência persecutória, devendo este último ceder ao
primeiro, por ser o direito à não autoincriminação corolário da ampla defesa,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!125 Aprovação do Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 27, de 26/05/1992; depósito da carta de adesão em 25/09/1992; determinação de seu cumprimento pelo Decreto nº 678, de 06/11/1992. 126 Artigo 8.2, “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) g – direito a não ser obrigada a depor contra si mesma nem a declarar-se culpada”. 127 A antiga redação era: “Art. 186 - Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que Ihe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”. 128 Neste sentido: QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de Não Produzir Provas Contra Si Mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 107-108. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis; MORAES, Maurício Zanoide de. Direito ao Silêncio no Interrogatório, em Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v.2, dez. 1993, p. 38. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 460.
51!!
que reverbera, no devido processo legal, direito cuja tutela merece maior
desvelo que a eficiência persecutória129.
Não há como negar, portanto, que o direito ao silêncio estipula um
novo dever às autoridades que realizam o interrogatório: o de advertir o sujeito
passivo de que não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem
feitas130.
Com efeito, o direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma
garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere131,
segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por
omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer
seu direito de silêncio quando do interrogatório. Através do princípio nemo
tenetur se detegere, o sujeito passivo não pode ser compelido a declarar ou
mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar
sua defesa. Não pode ser compelido a participar de acareações,
reconstituições nem a fornecer material para realização de exames periciais.
Por elementar, sendo um direito, a recusa não pode ser interpretada em seu
desfavor.
Na jurisprudência brasileira, especificamente nos Tribunais
Superiores, predomina uma compreensão bastante abrangente do direito à
não-autoincriminação. De fato, muitas vezes as expressões direito ao silêncio,
à não autoincriminação e nemo tenetur se detegere são usadas como
sinônimas; contudo, na prática, tanto o Supremo Tribunal Federal como o
Superior Tribunal de Justiça reconhecem um direito fundamental do indivíduo a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!129 TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à Não Autoincriminação e Direito ao Silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 194-197. 130 Para Paulo Mário Canabarro Trois Neto, o Magistrado que preside o ato de interrogatório deve cientificar o imputado de que o exercício do direito de silenciar pode lhe suprimir uma oportunidade de produzir provas em seu favor, assim como deve cientificá-lo de que o exercício de direito de declarar implica permitir a possível utilização das respostas dadas como elementos probatórios em seu desfavor (Direito à Não Autoincriminação e Direito ao Silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 196). 131 Consoante Luigi Ferrajoli, o princípio nemo tenetur se detegere é a primeira máxima do garantismo processual acusatório, tendo como corolários: (i) a proibição da tortura espiritual, como a obrigação de dizer a verdade; (ii) o direito de silêncio, assim como a faculdade de o imputado de faltar com a verdade nas suas respostas; (iii) a proibição, pelo respeito devido à pessoa do imputado e pela inviolabilidade de sua consciência, não só de arrancar a confissão com violência, senão também de obtê-las mediante manipulações psíquicas, com drogas ou práticas hipnóticas; (iv) negação ao papel decisivo das confissões; (v) o direito de o acusado ser assistido por defensor no interrogatório, para evitar abusos ou violações das garantias processuais. (Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 608).
52!!
não colaborar com as instâncias persecutórias. Este direito protegeria não
somente a liberdade de não depor contra si, mas também a de não se sujeitar
a quaisquer diligências probatórias que dependam de uma atuação positiva do
acusado, como, a título de exemplo, o fornecimento de padrões de voz132 ou de
escrita133.
O Supremo repele a possibilidade de reputar como elemento
probatório desfavorável ao réu a mera opção por permanecer em silêncio no
interrogatório134 ou por não se submeter a um determinado exame. Além disso,
reconhece a impossibilidade de se decretar a prisão preventiva135 ou exasperar
a pena cabível na sentença com fundamento na adoção, pelo acusado, de uma
estratégia defensiva de não colaborar com a busca da verdade.
Em sua compreensão ampla do direito à não autoincriminação, a
mais alta Corte do país entende que, na norma constitucional, se inclui até o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!132 “Habeas Corpus. Denúncia. Art. 14 da Lei nº 6.368/76. Requerimento, pela defesa, de perícia de confronto de voz em gravação de escuta telefônica. Deferimento pelo juiz. Fato superveniente. Pedido de Desistência pela produção da prova indeferido. 1. O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. 2. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 83.096/RJ. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Segunda Turma. DJ de 12/12/2003). 133“Habeas Corpus. Crime de Desobediência. Recusa a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para exames periciais, visando a instruir procedimento investigatório do crime de falsificação de documento. Nemo tenetur se detegere. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 77.135/SP. Relator: Ministro Ilmar Galvão.Primeira Turma. DJ de 06/11/1998).!134 “(...) É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a auto-incriminação (...)”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.269/DF. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJ de 15/12/2006). 135 “(...) Na medida em que o silêncio corresponde a garantia fundamental intrínseca do direito constitucional de defesa, a mera recusa de manifestação por parte do paciente não pode ser interpretada em seu desfavor para fins de decretação de prisão preventiva (...)”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 91.914/BA. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Segunda Turma. DJ de 24/04/2008). No mesmo sentido, ver: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 99.289/RS. Relator: Ministro Celso de Mello. Segunda Turma. DJ de 03/08/2011.
53!!
direito à faltar com a verdade136. Em decorrência, para o Supremo, não comete
o delito de falso testemunho137 quem depõe falsamente com o objetivo de não
se autoincriminar.
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a matéria é vista
de forma ainda mais abrangente, tanto que estende a proteção contra a
participação na produção de provas desfavoráveis mesmo nos casos em que o
fato não teria consequências penais. Logo, aquele que responde a processo
administrativo instaurado para apurar infração disciplinar não pode, segundo o
STJ, ser obrigado a fornecer amostras sanguíneas138, nem ser inquirido
mediante compromisso de dizer a verdade139. O Tribunal também não
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!136 “Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC Nº 68.929/SP. Relator: Ministro Celso de Mello. Primeira Turma. DJ de 28/08/1992).!137 “Habeas Corpus. 2. Falso testemunho (CPM, art. 346). 3. Negativa em responder às perguntas formuladas. Paciente que, embora rotulado de testemunha, em verdade encontrava-se na condição de investigado. 4. Direito constitucional ao silêncio. Atipicidade da conduta. 5. Ordem concedida para trancar a ação penal ante patente falta de justa causa para prosseguimento”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 106.876/RN. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Segunda Turma. DJ de 01/07/2011). 138 “Recurso Ordinário – Mandado de Segurança – Processo Administrativo Disciplinar – Embriaguez habitual no serviço – Coação do servidor de produzir prova contra si mesmo, mediante a coleta de sangue,! na companhia de policiais militares – Princípio Nemo tenetur se detegere – Vício formal do Processo Administrativo – Cerceamento de defesa – Direito do servidor à licença para tratamento de saúde e, inclusive, à aposentadoria por invalidez – Recurso Provido. 1. É inconstitucional qualquer decisão contrária ao princípio Nemo tenetur se detegere, o que decorre da inteligência do art. 5º, LXIII, da Constituição da República e art. 8º, § 2º, g, do Pacto de São José da Costa Rica. Precedentes. 2. Ocorre vício formal no processo administrativo disciplinar, por cerceamento de defesa, quando o servidor é obrigado a fazer prova contra si mesmo, implicando a possibilidade de invalidação da penalidade aplicada pelo Poder Judiciário, por meio de mandado de segurança. 3. A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o servidor. 4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vítima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado. 5. Recurso provido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS/SP nº 18.017. Relator: Ministro Paulo Medina. Sexta Turma. DJ de 02/05/2006).!139 “(...) 2. De outra parte, no caso em comento, a servidora foi interrogada por duas vezes durante o processo administrativo disciplinar e, em ambas as oportunidades, ela se comprometeu "a dizer a verdade das perguntas formuladas". 3. Ao assim proceder, a comissão processante feriu de morte a regra do art. 5º, LXIII, da CF/88, que confere aos acusados o privilégio contra a auto-incriminação, bem como as garantias do devido processo legal e da ampla defesa. Com efeito, em vez de constranger a servidora a falar apenas a verdade, deveria ter-lhe avisado do direito de ficar em silêncio. 4. Os interrogatórios da servidora investigada, destarte, são nulos e, por isso, não poderiam embasar a aplicação da pena de demissão, pois deles não pode advir qualquer efeito. Como, na hipótese em comento, o relatório final da comissão processante que sugeriu a demissão e a manifestação da autoridade coatora que decidiu pela imposição dessa reprimenda se valeram das evidências contidas nos interrogatórios, restaram contaminados de nulidades, motivo pelo qual também não podem subsistir. 5. Recurso ordinário provido.
54!!
considera a caracterização do delito de falsa identidade os casos em que
alguém, com o objetivo de livrar-se de uma investigação penal, declara possuir
nome diverso do verdadeiro140.
Cumpre salientar, por fim, a íntima relação entre a ampla defesa e o
contraditório, pois “o processo, pela sua própria natureza, exige partes em
posições opostas, uma delas necessariamente em posição de defesa, e para
que, no seu desenvolvimento, seja garantida a correta aplicação da Justiça,
impõe-se que cada um tenha o direito de se contrapor aos atos e termos da
parte contrária141”.
De fato, o vínculo existente entre os referidos postulados é de fácil
percepção, pois é a defesa que afiança o contraditório, ao mesmo tempo em
que por este se manifesta e é garantida. É possível dizer que “defesa e
contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório
(visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da
defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o
contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se
manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do
contraditório142”.
Frise-se que, apesar da estreita relação, contraditório e defesa não
se confundem, pois são autônomos. Enquanto o primeiro pressupõe partes em
sentidos opostos, um sujeito imparcial e o exercício do direito de defesa; este
existe independentemente do contraditório. Se é certo que para o exercício da
defesa exige-se prévia ciência dos fatos e da imputação, tal como ocorre para
a efetivação do contraditório, isto não tem o condão de confundir os dois
direitos: o contraditório exige partes e em sentidos opostos; mas se essas não
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Segurança concedida, em ordem a anular o processo administrativo disciplinar desde a citação”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS Nº 14.901/TO. Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Sexta Turma. DJe de 10/11/2008).!140!“Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não comete o delito previsto no art. 307 do Código Penal o réu que, diante da autoridade policial, atribui-se falsa identidade, em atitude de autodefesa, porque amparado pela garantida constitucional de permanecer calado, ex vi do art. 5º, LXIII, da CF/88”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 88.998/RS. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Quinta Turma. DJ de 25/02/2008).!141 SCARANCE FERNANDES, Antônio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 267. 142 GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, Antônio; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 90.
55!!
existem e não há a instalação do contraditório, nem por isso se pode deixar de
dar oportunidade ao acusado do exercício do direito de defesa.
Em decorrência, sustenta-se a incidência do direito de defesa, mas
não do contraditório, no Inquérito Policial, pois ainda não há acusação formal
nem partes em sentido estrito.
Com efeito, destacar e distinguir a defesa do contraditório é
relevante na medida em que, embora ligados, é possível violar o contraditório
sem que se lesione o direito de defesa143. Não se pode esquecer que o
princípio do contraditório não diz respeito apenas à defesa ou aos direitos do
réu, pois deve ser observado por ambas as partes, acusação e defesa, além de
também ser respeitado pelo próprio Juiz.
1.6. Da motivação das decisões judiciais como mecanismo a favor das partes, do Magistrado e da sociedade
Sem dúvidas, para o efetivo controle da eficácia do contraditório, do
direito à defesa e da demonstração de que existe prova suficiente para sepultar
a presunção de inocência, é fundamental que as decisões judiciais (sentenças
e decisões) sejam suficientemente motivadas144. “Só a fundamentação permite
avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder, premissa
fundante de um processo penal democrático.”145
Ferrajoli146 destaca que o modelo penal garantista equivale a um
sistema de minimização do poder e maximização do saber judicial. Assim,
quanto maior o poder, menor o saber, e vice-versa, estando o ponto nevrálgico !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!143!De fato, deixar de comunicar um determinado ato processual ao acusador ou impedir-lhe a reação a determinada prova ou alegação da defesa, embora não represente violação do direito de defesa, certamente violará o princípio do contraditório. “O contraditório manifesta-se em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu”. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre Acusação e Sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 37).!144!Luigi Ferrajoli defende que, assim como a publicidade e a oralidade, a motivação das decisões é uma espécie de garantia da garantia, classificando-a como garantia secundária ou de segundo grau. Destaca que, embora a fundamentação não seja específica do processo acusatório, posto que concebida no marco da tradição inquisitiva, sua presença é importante em qualquer que seja o método processual: acusatório, inquisitivo e misto. (Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 616).!145 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 263. 146Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 22.
56!!
do Processo Penal garantista na dimensão do binômio saber-poder. Em
decorrência, o poder só se legitima quando baseado no saber e, nesse
contexto, a motivação das decisões ingressa como mecanismo de controle da
racionalidade da decisão judicial.
O escopo da garantia é assegurar aos jurisdicionados a ausência de
escolhas intuitivas e das consequentes decisões arbitrárias, exigindo que o
complexo processo de raciocínio do Magistrado possa ser objetivamente
acompanhado. Em nosso ordenamento, a autoridade judiciária147 não fica
adstrita aos elementos coligidos ao feito e tem liberdade na seleção e
valoração das provas para proferir a decisão; todavia, como garantia do
exercício jurisdicional, impõe-se ao operador do Direito obrigatoriamente
justificar seu posicionamento148, revelando a forma como apreendeu os fatos
transpostos no processo149.
Com efeito, a necessidade de fundamentação do ato não se
restringe a uma garantia técnica do processo, sendo vista mais como um
princípio de ordem política, isto é, como garantia essencial à administração da
justiça em um Estado Democrático de Direito150.
É preciso destacar que fundamentação não interessa apenas às
partes, que podem aferir se suas razões foram objeto de apreciação pelo
Julgador151, mas também ao Magistrado, que pode demonstrar sua correta
atuação, mas, e sobretudo, à sociedade, na medida em que possibilita o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!147 “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. 148 Ainda que seja impossível fazê-lo na sua plenitude, já que inegável a carga dos valores pessoais e da vivência do Magistrado quando da prolação de uma decisão. 149 Antônio Magalhães Gomes Filho destaca que, mesmo não sendo possível se estabelecer uma conclusão definitiva sobre a natureza do raciocínio desenvolvido pelo Juiz na atividade de valoração conjunta das provas, tal fato demonstra não apenas a complexidade da tarefa judicial, mas também ressalta a importância da argumentação da decisão. (A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 162-163). 150 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A Crise do Conhecimento Moderno e Motivação das Decisões Judiciais como Garantia Fundamental, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (Coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.242. 151 Na prática, o Magistrado não está obrigado a enfrentar todas as teses defensivas. Neste sentido: “(...) Os julgadores não são obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 113.733/SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. DJe de 06/12/2010). Do mesmo modo: “(...) O magistrado não está obrigado a responder a todos os argumentos das partes, quando já tenha encontrado fundamentos suficientes para proferir o decisum (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 120.287/MG. Relator: Ministro Arnaldo Esteves de Lima. Quinta Turma. DJe de 07/06/2010).
57!!
acompanhamento sobre a distribuição da justiça de forma igualitária e
democrática. Neste contexto, Antônio Scarance Fernandes152 esclarece que os
destinatários da motivação não são mais apenas as partes e os Juízes de
segunda instância, mas também a comunidade que, através da motivação, tem
condições de verificar se o Juiz decidiu com imparcialidade e com
conhecimento de causa.
O inciso IX do art. 93 de nossa Constituição prevê que “todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes,em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado
no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
Interessante notar que, em regra, a Constituição Federal não contém
norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica,
afirmando direitos e impondo deveres. Contudo, em se tratando de ausência de
motivação, considera-se tão grave o vício, que o próprio legislador constituinte
cominou a pena de nulidade153.
Sem dúvidas, a sentença penal é um ato estatal que incide sempre
sobre bens jurídicos sumamente sensíveis, chamados indisponíveis. Neste
âmbito, costuma-se afirmar que, no Processo Penal, se busca a verdade
material, ao contrário do Processo Civil, no qual, por tratar de direitos
disponíveis, almeja-se a verdade formal. Assim, ante a peculiaridade da
sentença penal, é necessário que ela, tanto para afirmar o dever de punir,
quanto para reafirmar o direito de liberdade do réu, esteja baseada em
premissas corretas. Neste sentido, falar em motivação da decisão judicial penal
implica enfrentar a questão da verdade no Processo Penal e uma análise
acerca dos sistemas de valoração das provas.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!152 SCARANCE FERNANDES, Antônio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 127-131. 153 Neste sentido: “Processual Penal. Habeas Corpus. Tribunal do Júri. Homicídio Qualificado. Alegação de Nulidade na Pronúncia. Ausência de Fundamentação. Nulidade Absoluta. Ordem Concedida. 1. Nula a sentença de pronúncia por ausência de fundamentação quando não há referência a qualquer elemento concreto mínimo quanto à autoria do fato e presença das qualificadoras. 2. Ordem concedida para declarar nula a sentença de pronúncia e determinar que outra seja proferida, conforme a convicção do julgador, porém, fundamentadamente”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 159.936/RJ. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Quinta Turma. DJe de 02/08/2010). !
58!!
1.6.1. Desmitificando o dogma da verdade real
Segundo os princípios que norteiam a ótica processualística, o
Magistrado deve valer-se dos elementos contidos nos autos e deles extrair
aquela que seja a expressão mais próxima da verdade. Com efeito, nem
sempre se consegue reproduzir, através de documentos, depoimentos
testemunhais e outros meios de convencimento, a realidade dos fatos
localizados num tempo pretérito, terminando o Juiz por decidir sobretudo com
base nesses elementos formais.
Assim, o binômio verdade formal x verdade material154, assaz
utilizado para contrapor o Processo Penal ao Processo Civil, acaba por
arrefecer, posto que o Julgador criminal não pode valer-se de dados estranhos
aos autos do processo para formar sua convicção, além de não lhe ser
facultada a produção de provas155, sob pena de desfavorecer um dos polos da
relação processual e revelar uma nítida esfera de parcialidade, inadmissível em
face dos proclamos da acusatoriedade dominantes no sistema processual
moderno156.
Denise Provasi Vaz157 define a verdade material como aquela sobre
a qual se discute fora do processo, seria uma “verdade verdadeira”, ante a
correspondência do enunciado com a realidade, verdade esta inatingível em
muitos casos. Por sua vez, a verdade formal seria aquela que se obtém no
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!154 De acordo com Ada Pellegrini Grinover, não há que se continuar sublinhando a distinção entre verdade material, para o Processo Penal, e verdade formal, para o Processo Civil. “A diferença que persiste reside na existência, no processo civil, de fatos incontroversos, sobre os quais não se admite prova, enquanto no processo penal tradicional, mesmo diante de fatos incontroversos, o juiz deve sempre pesquisar com a finalidade de determinar a produção da prova capaz de levá-lo ao conhecimento dos fatos”. (A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 27, jul.-set./1999, p. 78). 155 A questão não é pacífica é há quem defenda a possibilidade de iniciativa instrutória pelo Juiz. Neste sentido: Marcos Alexandre Coelho Zilli (A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 117); Denise Provasi Vaz (Estudo sobre a Verdade no Processo Penal, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 18, nº 83, mar.-abr./2010, p. 180); Marcus Vinícius Reis Bastos (Poderes Instrutórios do Juiz e o Anteprojeto do Código de Processo Penal, em Revista CEJ/Conselho de Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, nº 51, out.-dez./2010, p. 95-96) 156 SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A Atuação do Juiz no Processo Penal Acusatório: Incongruências no Sistema Brasileiro em Decorrência do Modelo Constitucional de 1998. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 21. 157 Estudo sobre a Verdade no Processo Penal, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 18, nº 83, mar.-abr./2010, p. 170.
59!!
processo como resultado da atividade probatória, que pode ou não coincidir
com a material, mas que é dotada de autoridade pública.
Luigi Ferrajoli158 aponta a verdade material como aquela verdade
absoluta e omnicompreensiva em relação às pessoas investigadas, carente de
limites e alcançável para além das regras procedimentais. Já a verdade formal
ou processual é a verdade obtida pelo respeito a regras precisas e refere-se
somente a fatos e circunstâncias perfilados como penalmente relevantes. É
uma verdade mais controlada quanto ao método de aquisição e, por isto
mesmo, mais reduzida quanto ao conteúdo informativo em relação à hipotética
verdade material. A verdade formal não pretende ser a verdade e não é obtida
mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual, mas é
condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias de
defesa.
Na prática, a verdade essencial não pode ser atingida na maioria
dos casos e trata-se de uma ingenuidade epistemológica159 acreditar no seu
alcance. Enquanto concordância entre conhecimento e realidade, a verdade é
inalcançável, posto que o conhecimento será sempre parcial, pois, ainda que
se tenha convicção sobre certa situação, nunca será possível saber se ela é,
realmente, verdadeira, ante a possibilidade de existirem outros ângulos sobre
aquela realidade que permanecem ocultos160. Nem mesmo os participantes da
situação de fato que se esteja a julgar possuem conhecimento da verdade,
posto que suas visões são parciais.
Em decorrência, não se pode considerar que o Processo Penal é
apto a desvendar a verdade. Contudo, este fato não permite que se realize um
julgamento apartado do conceito de verdade. Não se trata também de se
contentar com provas mínimas ou com elementos manipulados trazidos pelas
partes. Cuida-se de fixar a busca pela verdade como parâmetro para o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!158 Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 44-45. 159 Expressão utilizada por Luigi Ferrajoli ao tratar da verdade processual como verdade aproximativa (Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 50).!160 VAZ, Denise Provasi. Estudo sobre a Verdade no Processo Penal, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 18, nº 83, mar.-abr./2010, p. 176.
60!!
desenvolvimento do processo, assumindo-se, porém, que o resultado que pode
ser alcançado é o de uma verdade possível ou aproximativa161.
Com efeito, em diversas ocasiões, a referência à verdade real, como
sendo aquela que orienta o Processo Penal, é utilizada como forma de justificar
posições da acusação, restrições a direitos fundamentais ou mais rigor na
persecução penal162.
Portanto, a busca da verdade deve se pautar pelas regras do devido
processo penal, com observância dos direitos e garantias individuais, para que
o resultado obtido esteja conforme a ordem jurídica. Assim, deve-se ter
especial atenção à legalidade, de modo que se tente buscar a verdade apenas
por meio de procedimentos previstos em lei, bem com ao contraditório, pois,
com a atuação das partes trazendo ao processo diferentes pontos de vistas,
torna-se mais factível a aproximação da verdade.
1.6.2. Sistemas de valoração da prova: íntima convicção, prova legal e livre convencimento
Aponta-se, tradicionalmente, três grandes sistemas de avaliação da
prova: o da íntima convicção, o das provas legais e o do livre convencimento
motivado, cuja evolução deu-se simultaneamente, ao menos no aspecto
temporal, à evolução dos sistemas processuais, notadamente o inquisitivo e o
acusatório.
O sistema da íntima convicção é tido como o “sistema primitivo em
todos os povos”163. Nele, o Julgador não está obrigado a exteriorizar as razões
que o levaram a proferir certa decisão, podendo-se valer, inclusive, de
conhecimentos pessoais sobre os fatos, mesmo que estes não estejam
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!161 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 50. 162 Neste sentido:! “Recurso ordinário em habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Indicação extemporânea de testemunhas pelo órgão ministerial. Prova relevante para o deslinde da questão. Oitiva na qualidade de testemunha do juízo. Possibilidade. Busca da verdade real. Nulidade. Inocorrência. Ausência de demonstração de efetivo prejuízo. Ordem denegada. 1. Em observância ao princípio da busca da verdade real, não há nulidade na oitiva das testemunhas indicadas inoportunamente pelo Órgão Ministerial, na qualidade de testemunhas do juízo, nos termos do art. 209 do Código de Processo Penal (Precedentes STJ e STF). (...) Recurso improvido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 27739/SP. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe de 25/08/2011).!163 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 2, p. 44.
61!!
provados no processo, dispensando a fundamentação. O legislador nada
estabelece sobre o valor das provas, a admissibilidade e sua avaliação, sendo
tudo deixado a cargo do Juiz, que, frise-se, pode decidir sem motivar, sem
analisar e sopesar as provas e, às vezes, até mesmo sem produção de
provas164.
Ante a falibilidade humana e, ainda, levando-se em conta que o
Estado resolve o conflito de interesses por meio de um agente público que é o
Juiz, tal sistema, hoje, não é mais adotado, salvo o caso dos Jurados do
Tribunal do Júri, que ainda são dispensados da fundamentação do voto,
podendo até decidir de forma contrária às provas apresentadas, tudo isto com
o escopo de garantir a participação popular no exercício do Poder Judiciário.
O sistema da prova legal165 ou tarifada impunha, por determinação
legal, valores a determinadas provas, sem considerar, entretanto, que cada
prova emite em si uma valoração própria e peculiar atrelada a circunstâncias
diversas que não podiam ser definidas através de valores prefixados. Havia,
assim, a prévia fixação de qual prova era necessária para demonstrar a culpa
do acusado em cada delito, bem como a anterior determinação do grau e da
qualidade do meio probatório.
Os Juízes, ao examinarem os autos de um processo, deveriam
apreciar o caráter de cada prova e extrair dela o respectivo valor, formulando
numericamente sua “quantidade”, para fins de decisão. Assim, as provas
podiam resultar plenas ou semiplenas, ou ainda manifestas, consideráveis e
imperfeitas, sendo que cada meio de prova possuía regulamentação minuciosa
e complexa.166
Dessa forma, foi criado um conjunto ordenado e rígido de normas
valorativas que o Julgador devia seguir minuciosamente, tornando-o, na
prática, mero espectador do processo, na medida em que ficava restrito às
disposições legais. Com isso, a certeza moral do Juiz foi substituída pela
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!164 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no Processo Penal: Estudo sobre a Valoração das Provas Penais. São Paulo: Atlas, 2010, p. 19.!165 “Apesar da denominação, tal critério não era propriamente legislativo, mas constituía o resultado de complexa elaboração doutrinária”. (GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 23).!166 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 23-24.
62!!
certeza legal, que é a certeza moral do legislador: a lei definia quais provas
eram capazes de levar à convicção e quais não eram idôneas para tanto167.
Esse sistema, ao estabelecer regras jurídicas para a avaliação da
prova, se, por um lado, corrigiu as impropriedades da íntima convicção, por
outro, revelou inconvenientes não menos graves: coagido por preceitos legais,
o Juiz podia ter que decidir de forma contrária ao que percebia ser a
verdade168. Em decorrência, o sistema em comento foi deixado de lado a partir
do momento em que se concluiu pela impossibilidade de catalogar valores,
preestabelecendo a eficácia de cada prova a partir de uma definição,
entendendo-se que a tarefa deveria ser deixada ao Julgador, de forma a
permitir a análise probatória a partir das conclusões emanadas das percepções
humanas169.
Para Hélio Tornaghi170, “o inconveniente do sistema das provas
legais não está na adoção de regras de avaliação da prova, mas na imposição
delas ao juiz. Nenhum estorvo existe em que elas sejam propostas, como
regras técnicas, não impostas como regras jurídicas. Os preceitos que formam
o arcabouço desse sistema são o resultado de longa observação, cristalizam
grande experiência e estão impregnados daquela sabedoria e daquela
prudência que o tempo e o trato com os homens trouxeram aos práticos e aos
juristas de muitos séculos. Nenhuma desvantagem em que os juízes os sigam
ou em que as leis aconselhem a observância deles”.
Na prática, a vinculação do Juiz às regras das provas tarifadas
culminou em inúmeros absurdos e afastava o Julgador da verdade, o que
impulsionou o legislador a buscar um novo meio de avaliação da prova, que
eliminasse as imperfeições dos outros dois sistemas e aproveitasse as
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!167!TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 2, p. 427.!168 Assim, por exemplo, diante da regra de que testis unos, testis nullus, mesmo estando o Juiz certo de que a única testemunha disse a verdade sobre os fatos, convencendo-o acerca da culpabilidade do acusado, por se tratar de uma única testemunha, deveria ele absolver o réu. 169 Nicolau F. Malatesta, ao comentar o tema, destaca: “Não deve a lei colocar-se acima da eficácia das provas e dizer ao magistrado: o seu convencimento está vinculado a estas determinadas provas. Já rejeitamos as provas legais do ponto de vista superior e mais geral da certeza, considerada quanto a seu sujeito; e poderemos passar adiante desde logo. Mas é bom dizer aqui algumas palavras, para maior clareza e integridade de exposição. Combatendo a certeza e, assim, a prova legal, não há quem pretenda negar à lei a possibilidade de preceitos quanto à produção das provas. Havíamos somente combatido toda lei que, não estando satisfeita em prescrever formas para a produção das provas, deixa-se levar à prévia avaliação da sua substância”. (A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Tradução: Waleska Girotto Silverberg. São Paulo: Conan, 1995, p. 99). 170 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1977, vol. 2, p. 428.
63!!
vantagens, evitando, assim, o arbítrio, típico do sistema da íntima convicção,
mas permitindo, ao mesmo tempo, que o Julgador formasse livremente o seu
convencimento.
Em decorrência, surge o sistema da livre convicção ou persuasão
racional, marcado pela livre convicção do Julgador, que se encontra limitado às
provas coligidas ao processo. Oferta-se ao Juiz ampla liberdade na apreciação
da prova; contudo, dele se exige a fundamentação171 da decisão com base nos
elementos contidos nos autos. Isto porque a prova não se faz apenas para o
Juiz, mas também para as partes e para os outros Julgadores que poderão
atuar no feito (em grau de recurso, por exemplo). Assim, o Magistrado deve
convencer-se e convencer os outros, pois caso não convença qualquer das
partes, há o recurso; e se não convencer o Tribunal ad quem, este reforma a
sentença.
O sistema do livre convencimento propicia a livre apreciação da
prova por parte do Juiz, mas esta liberdade é limitada pela garantia de o
acusado ver na sentença a razão de decidir do Magistrado. Sopesando as
provas produzidas, o Juiz encontrar-se-á apto para julgar, segundo a sua
convicção e, para tanto, não se encontra vinculado a qualquer critério
previamente estabelecido, exceto o referente ao dever de motivar seu
julgamento172.
1.7. Considerações finais do capítulo
O capítulo em comento possui sua importância relacionada ao fato
de ter estabelecido as premissas principiológicas que serão utilizadas no curso
dos demais capítulos, além de apontar as diretrizes constitucionais do nosso
ordenamento, que, infelizmente, ainda não encontram realidade concreta na
prática processual penal, cuja legislação e operadores demonstram certo
receio em aceitar o que já está posto.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!171 Como já dito, a legislação brasileira adotou o sistema do livre convencimento motivado do Juiz, expresso no art. 157 do Código de Processo Penal e confirmado pelo art. 93, IX, da CF/88, que estabelece a nulidade das decisões carentes de fundamentação. 172 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no Processo Penal: Estudo sobre a Valoração das Provas Penais. São Paulo: Atlas, 2010, p. 18-20.!
64!!
Com efeito, uma leitura constitucional-garantista do Processo Penal
faz-se necessária, posto que se, antigamente, o grande conflito travava-se
entre Direito Positivo e Direito Natural; atualmente, com a recepção dos direitos
naturais pelas modernas constituições democráticas, a grande questão é saber
como ofertar eficácia a esses direitos fundamentais. Aqui, insere-se o problema
da mentalidade engessada de muitos operadores do Direito, que, com
dificuldades de incorporar os novos valores constitucionais, demonstram certa
desconfiança com o rol de garantias estabelecido por nossa Carta Política, ante
a possibilidade de diminuição do potencial repressivo estatal173.
Não se pode esquecer, é certo, que a insegurança, a violência e a
existência de grupos criminosos especializados e detentores de grande poderio
econômico (dinheiro advindo da prática de crimes) crescem em progressão
geométrica, ao passo em que a atividade estatal de repressão ao crime cresce
em progressão aritmética. Contudo, tal argumento não é suficiente para
justificar a desobediência aos comandos constitucionais que asseguram aos
acusados uma série de garantias de proteção, posto que não se combate
criminalidade com injustiças.
As regras constitucionais e processuais existem para serem
obedecidas e os conflitos, quando existentes, devem ser solucionados à luz da
proporcionalidade174, a fim de que não haja nem excesso de intervenção na
esfera dos direitos do imputado nem insuficiência da persecução estatal.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!173!CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 14-15.!174 Sobre a denominação “proporcionalidade”, há uma grande controvérsia na doutrina. Embora seja usualmente chamada de princípio, sua aplicação, levando-se em conta as suas “três máximas parciais” – adequação, utilidade e proporcionalidade em sentido estrito - dá-se nos moldes das regras (subsunção). (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011, p.116-117). Conceitualmente, a proporcionalidade pode ser definida como um conjunto de regras utilizadas para a verificação da constitucionalidade de restrições estabelecidas sobre um direito fundamental em favor de um outro direito fundamental ou de um bem coletivo, sempre que se tratar de colisão de princípios constitucionais. No âmbito processual penal, o teste da proporcionalidade serve de parâmetro para que os meios estatais de controle da criminalidade sejam eficazes, ao mesmo tempo em que impede intervenções excessivas nos direitos individuais dos acusados.
65!!
CAPÍTULO 2: A FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL
2.1. A investigação criminal: conceito, natureza jurídica e caracteres determinantes
A investigação175 abrange o primeiro momento da persecução penal,
antes, portanto, da proposição da ação penal. Investigar significa indagar com
cuidado, seguir o rastro, perscrutar176, pesquisar vestígios e indícios relativos a
certos fatos para esclarecer ou descobrir algo. Juridicamente, a investigação é
um procedimento177 formado por uma teia de atos que se interligam na busca
da elucidação de um fato.
Para José Frederico Marques178, a investigação é a atividade estatal
de persecução penal destinada a preparar a ação penal, tendo como objetivo
levar ao órgão acusatório (ou ao ofendido, a depender do tipo de ação) os
elementos necessários para a dedução da pretensão em juízo. Destaca o
renomado doutrinador que a principal diferença entre a investigação e a
instrução existente no curso da ação penal é o caráter informativo da primeira,
cujo objetivo é a colheita de dados informativos para o órgão acusatório
examinar a viabilidade da propositura da ação penal, ao passo em que, na
instrução criminal, o escopo é colher provas para demonstrar a legitimidade da
pretensão punitiva ou do direito de defesa179.
Aury Lopes Júnior180 define a investigação criminal como “o conjunto
de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado181; a partir
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!175! Ao longo do presente trabalho, serão utilizados os termos “investigação criminal”, “investigação prévia” ou “investigação preliminar” sempre que se estiver tratando da fase anterior à propositura da ação penal, quando, a partir de então, já se falará em instrução.!176 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 451. 177 Procedimento aqui definido como uma “coordenação de atos que se sucedem” (GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 301). 178 Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1997, vol. 1, p. 139. 179 Para Marta Saad, os elementos constantes da investigação criminal não se destinam apenas a informar, destinam-se também a convencer quanto à viabilidade ou não da ação penal, ou quanto às condições necessárias para a decretação de qualquer medida ou providência cautelar (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 160-161). No mesmo sentido, Aury Lopes Júnior (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 199). 180 Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 36.!181 No Brasil, a investigação é feita por órgão oficiais, podendo as partes solicitar diligências, nos termos do art. 14 do CPP (“O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”). Contudo, o Projeto de Lei do Senado nº
66!!
de uma notícia-crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza
preparatória com relação com ao processo penal; que pretende averiguar a
autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de
justificar o exercício da ação penal ou o arquivamento (não-processo)”.
A natureza jurídica da investigação criminal é complexa182, posto
que nela são praticados atos administrativos, judiciais e até jurisdicionais.
Assim, a natureza jurídica de determinada modalidade de investigação criminal
dependerá da preponderância dos atos realizados. Em decorrência, a
investigação criminal pode ser judicial ou administrativa, caso o órgão
encarregado pela investigação pertença ou não ao Poder Judiciário. Na
primeira hipótese, enquadram-se os sistemas de Juizado de Instrução,
conduzidos por autoridade judiciária com dupla função: investigar e julgar183; na
segunda, amoldam-se as investigações a cargo da Polícia Judiciária, que
pratica atos de caráter administrativo.
A qualificação da investigação como judicial ou administrativa leva
em consideração apenas o aspecto formal do órgão responsável pela
investigação. Com efeito, se for levada em consideração a finalidade dos atos
realizados na fase em comento, que visam à preliminar formação da culpa e ao
convencimento acerca da viabilidade ou não da ação penal, pode-se afirmar,
sem hesitação, que mesmo a investigação conduzida pela Polícia Judiciária
pode ser vista como um procedimento judicial184.
Outrossim, a investigação sempre terá caráter pré-processual, por
ser prévia ao processo, com o escopo de fundamentar a sua instauração ou, se
for o caso, evitá-la, quando se tratar de imputações infundadas185.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!156, que estabelece a reforma do Código de Processo Penal, inova ao prever, em seu art. 13, a possibilidade de investigação criminal defensiva, nos seguintes termos: “É facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas.” (disponível em www.camara.gov.br/proposicoesweb, acesso em 20/03/2011).!182 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 36. 183 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 27. 184 PITOMBO, Sérgio Marco de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 21-22.!185 A investigação criminal não busca comprovar a infração penal, pois seu objetivo é verificar a plausibilidade da imputação, evitando processos criminais desnecessários (CARNELUTTI, Francesco. Direito Processual Penal. Campinas: Peritas, 2001, V. II, p. 113).
67!!
Como caracteres determinantes da investigação criminal, temos a
autonomia e a instrumentalidade.
A autonomia da investigação está evidenciada quando se percebe
que pode haver processo sem investigação – quando o órgão acusatório
dispõe de elementos suficientes acerca da materialidade e autoria de um delito,
podendo apresentar, desde logo, a acusação formal; como também pode haver
investigação e, ainda assim, dela não advir um processo, posto que constatado
o descabimento da imputação186.
Aury Lopes Júnior187 destaca que a autonomia da investigação
criminal deve ser vista sob três enfoques: o do sujeito, o do objeto e o dos atos.
No primeiro, os sujeitos que atuam na investigação não serão os mesmos que
intercederão em juízo. Em relação ao objeto, assevera que, no processo, o
objeto é a persecução acusatória; já na investigação, apura-se, em limitado
grau de cognição, o fato constante da notícia crime. No que tange aos atos,
são eles distintos porque distintos são os sujeitos e o objeto. Assim, na
investigação, por exemplo, limita-se o contraditório e a defesa, que são
amplamente garantidos na fase instrutória. Tais circunstâncias demonstram
que a investigação criminal serve como efetivo elo de ligação entre a noticia
criminis e o Processo Penal.
Da instrumentalidade da investigação, retira-se sua dupla função,
qual seja, a preservadora e a preparatória. A primeira tem o mister de
salvaguardar a presunção de inocência e evitar o uso indevido do aparato
estatal, na medida em que inibe a instauração de ações infundadas; a
segunda, por sua vez, tem o condão de acautelar os meios de prova que
podem desaparecer com o decurso do tempo.
Joaquim Canuto Mendes de Almeida188 assevera que “a função
preparatória da instrução preliminar se determina pela necessidade de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!186 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 40. 187 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 41. 188 Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 30. No mesmo sentido, Marta Saad sustenta: “Imprescindível, portanto, a existência de duas fases no procedimento da persecução penal, a primeira delas dita persecução, ou instrução, preliminar ou prévia, apresentando dupla função ou objetivo. O primeiro deles preservador, diminuindo, ou minimizando, acusações infundadas, temerárias e até caluniosas e evitando o custo de acusações inúteis. O segundo, preparatório, acautelando eventuais meios de prova”. (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25).
68!!
produção, antes e fora da audiência, de provas dificilmente realizáveis no
tempo e no local de concentração do processo; (....) a função preventiva
decorre da necessidade de fundamentar um juízo de acusação, isto é, um
julgamento prévio dos elementos acusatórios, quer para garantia da inocência
contra a leviandade ou calúnia, quer para garantia do organismo jurisdicional
contra dispêndios inúteis e injustos de tempo e trabalho”.
2.1.1. A instrumentalidade garantista e o objeto da investigação criminal
O garantismo busca evitar o custo para o sujeito passivo, e para o
Estado, de um juízo desnecessário, estabelecendo um modelo normativo que
visa minimizar a violência e maximizar a liberdade. Para tanto, como já dito no
primeiro capítulo, o ordenamento prevê uma série de princípios que ofertam um
parâmetro para a atuação estatal, no sentido de garantir os direitos dos
cidadãos.
Neste contexto, como bem salientado por Claus Roxin189, a
investigação preliminar deve estruturar-se de forma a possibilitar não somente
a comprovação de culpabilidade do imputado, mas também a exoneração do
inocente190.
Na fase investigatória, não há acusação em sentido estrito, pois sua
finalidade é justamente verificar a viabilidade de eventual pretensão acusatória.
A investigação permitirá a transição entre a mera possibilidade191 (notícia-
crime) para uma situação de verossimilitude (indiciamento) e posterior
probabilidade, esta necessária para a adoção de medidas cautelares e para o
recebimento da ação penal. Esse juízo de possibilidade será neutral, pois
faltariam motivos pró ou contra a acusação; ao passo que o juízo de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!189 Pasado, Presente y Futuro del Derecho Procesal Penal. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2007, p. 152. 190!Consoante Aury Lopes Júnior, a investigação criminal sustenta-se em três pilares: (i) esclarecer o fato oculto; (ii) salvaguardar a sociedade e (iii) obstar acusações infundadas, sendo este o principal fundamento da investigação preliminar, posto que funcionaria como “filtro processual”, evitando ações penais sem suporte fático-jurídico. (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 44-62).!191 Carnelutti ensina que o juízo de possibilidade é aquele em que as razões favoráveis ou contrárias à hipótese são equivalentes. Tal juízo é suficiente para a instauração de procedimento investigatório, mas não para se iniciar a ação penal. Esta depende de juízo de probabilidade, isto é, o predomínio das razões positivas a respeito da ocorrência de uma infração penal (Direito Processual Penal. Campinas: Peritas, 2001, Vol. II, p. 181/182).!
69!!
probabilidade seria aneutral, partindo de razões robustas, porém ainda não
decisivas, que seriam suficientes apenas para imputar192.
Por outro lado, a investigação criminal não necessita de um
aprofundamento a ponto de se chegar a um juízo de certeza193 sobre a
imputação, pois este juízo de certeza só é alcançado através de uma instrução
plena, que esgote a atividade probatória, proporcionando um conhecimento
total da matéria e que deve ser exercido por ocasião da sentença.
Resta claro, por conseguinte, que a investigação preliminar, na
medida em que se volta a fornecer elementos que permitam justificar o
exercício da ação penal ou o arquivamento, está destinada a formar um juízo
de probabilidade, o qual, se não for atingido, justificará o não exercício da ação
penal194.
Partindo-se do que já foi explanado, constata-se que a investigação
prévia é uma fase de cognição sumária, pois sua atividade está limitada à
obtenção dos elementos indispensáveis para a comprovação do fumus
commissi deliciti, sob pena de retardar indefinidamente a apuração dos fatos e
levar à posterior repetição de atos probatórios prematuramente realizados na
investigação195.
A sumariedade da investigação preliminar implica limitações de
natureza qualitativa e quantitativa. Fala-se em limitação qualitativa quando se
restringe a matéria sobre a qual recairá a investigação e o grau de convicção
necessário por parte do titular da investigação196. Já a limitação quantitativa
trata do aspecto temporal, fixando prazo para a conclusão das investigações,
que levará em conta a complexidade dos fatos, a gravidade do delito e a prisão
ou não do imputado.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!192 PITOMBO, Sérgio Marco de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 38-39. 193 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 100. 194 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 101. 195 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 102. 196 A limitação qualitativa pode ser horizontal – caracterizada pela impossibilidade de que sejam comprovadas com plenitude a existência do fato e sua autoria - e vertical, na medida em que o titular da investigação preliminar deve se contentar com um juízo superficial acerca da tipicidade, ilicitude e culpabilidade (LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 104-105).
70!!
O Brasil adota um sistema misto de controle da sumariedade do seu
principal instrumento de investigação criminal – o Inquérito Policial. Limita-se
qualitativamente, posto que o Inquérito deve buscar apenas a probabilidade da
notícia-crime, e quantitativamente, na medida em que o art. 10 do Código de
Processo Penal197 estipula os prazos para sua conclusão198.
2.1.2. Os sujeitos encarregados da investigação criminal
A investigação criminal ultimada por órgão estatais199 será atribuída,
conforme o caso, à Polícia Judiciária, ao Juiz ou ao Ministério Público.
No primeiro caso, presente no Brasil e na Inglaterra200, incumbe à
autoridade policial o poder de mando sobre os atos destinados a investigar os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!197 Art. 10 do CPP: “O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela”. Além deste dispositivo, o art. 66 da Lei nº 5.010/66 dispõe que, nos crimes de competência da Justiça Federal, o prazo de conclusão do Inquérito, estando o imputado preso, é de 15 dias, prorrogáveis por mais 15, e de 30 dias, se estiver solto. 198 Contudo, em que pese haver a fixação de prazos para a conclusão, a desobediência não acarreta qualquer sanção aos agentes estatais. No máximo, em se tratando de acusado preso, conseguir-se-á um habeas corpus, que restituirá a liberdade, mas não irá impor a conclusão da investigação. Como sanção, inspirado no art. 407, 3, do Código de Processo Penal italiano (o qual prevê a pena de “inutilizzabilità”, que não permite o uso dos atos de investigação no Processo Penal, quando o Ministério Público não exercitar a ação penal ou solicitar o arquivamento no prazo legal ou no prazo prorrogado pelo Juiz), Aury Lopes Júnior defende a inutilidade dos atos praticados depois de esgotado o prazo ou mesmo a perda do poder de acusar por parte do Estado pelo decurso do tempo. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 257). 199 A investigação criminal não é exclusividade estatal, posto que os elementos de convicção podem ser obtidos por um particular (o defensor do imputado, do ofendido ou de qualquer outra parte privada), fora dos autos de um procedimento administrativo conduzido por autoridade pública, na chamada investigação privada, que, por não ser pública, é desprovida de imperatividade. Esta investigação, que ainda não possui regulamentação no Brasil, não se confunde com a atividade de investigador particular, instituída pela Lei nº 3.099/1957 e regulamentada pelo Decreto nº 50.532/1961, que permite o trabalho do investigador, desde que não invada a competência privativa da Polícia Judiciária, nem atente contra a inviolabilidade domiciliar, a vida privada e a intimidade das pessoas. A investigação pela defesa, como já dito na nota 166, vem encontrando adeptos no Brasil, tanto que prevista no art. 13 do Projeto de Lei do Senado nº 156/2009. A investigação defensiva é definida como “o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido, em qualquer fase da persecução criminal, inclusive na antejudicial, pelo defensor, com ou sem assistência de consulente técnico e/ou investigador privado autorizado, tendente à coleta de elementos objetivos, subjetivos e documentais de convicção, no escopo de construção de acervo probatório lícito que, no gozo da parcialidade constitucional deferida, empregará para pleno exercício da ampla defesa do imputado em contraponto à investigação ou acusações oficiais”. (AZEVEDO, André Boiani e; BALDAN, Édson Luís. A Preservação do Devido Processo Legal Pela Investigação Defensiva (ou do direito de defender-se provando), em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 137, abr. 2004, p. 07). Para uma análise aprofundada do tema, ver a dissertação de Mestrado de André Augusto Mendes Machado, intitulada “Investigação Criminal Defensiva”, publicada pela Revista dos Tribunais, no ano de 2010. 200!Para uma análise do sistema inglês, ver: SPENCER, J.R., O Sistema Inglês, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 245-337.!
71!!
fatos e sua autoria apontados na notícia-crime ou em outra fonte de
informação. A Polícia definirá a linha de investigação a ser adotada,
estabelecendo quais os atos serão realizados e de que forma. Além disso,
produzirá as provas técnicas que julgar necessárias e decidirá quem, quando e
como vai ser ouvido. A única restrição estabelecida refere-se aos atos que
impliquem restrição a direitos fundamentais, que dependem de prévia
autorização judicial. Esta autonomia dá-se sem subordinação funcional ao
Ministério Público e aos Juízes, que podem apenas fiscalizar as atividades
policiais201.
As críticas feitas à investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária
destacam que as vantagens, quais sejam, amplitude da presença policial, a
celeridade e a economia para o Estado, não se sobressaem quando se leva em
conta as inúmeras desvantagens deste tipo de investigação. Aury Lopes
Júnior202 destaca os seguintes inconvenientes: (i) o elevado grau de
discricionariedade exercido pela Polícia quando da seleção das condutas a
perseguir; (ii) a variação no agir dos policiais a depender da gravidade do
crime, do nível social do sujeito ativo e do seu estereótipo; (iii) a suscetibilidade
de sucumbir à influência política e da mídia; (iv) a restrição de direitos e
garantias individuais do imputado; e (v) o descrédito probatório do material
colhido.
A investigação conduzida pelo Magistrado é vista na França203 e na
Espanha204, onde o Juiz instrutor, ao tomar conhecimento da imputação,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!201 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 63. 202 Idem, Ibidem, p. 65-69. Marta Saad, por sua vez, elenca as seguintes desvantagens: (i) o Inquérito Policial é moroso e causa demora na prestação jurisdicional; (ii) é oneroso, pois, em regra, as provas colhidas são repetidas em juízo; (iii) é anacrônico, pois veda-se a defesa do imputado; (iv) há denúncias de abusos no interior das delegacias; (v) não é hábil para apurar certos tipos de delitos, como os crimes de colarinho branco, porque a Polícia, vinculada que está à Administração, não tem a independência necessária para realizar tal atividade. (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 188-189). 203 Embora desde Janeiro de 2009, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, vem demonstrando interesse em substituir o juizado de instrução pela investigação ministerial. Contudo, ante o descontentamento interno e as eleições de 2012, é bem provável que o tema só volte a ser discutido posteriormente (Informações disponíveis em: www.20minutes.fr/societe/625517-societe-la-suppression-juge-instruction-deboutee e www.lemonde.fr/politique/article/2009/01/07/m-sarkozy-confirme-qu-il-veut-supprimer-le-juge-d-instruction, acesso em 20/03/2011). 204 A Espanha, desde a Lei Orgânica 7/88, que instituiu o procedimento abreviado, vem ofertando ao Promotor maiores poderes na investigação preliminar. Contudo, mesmo o Promotor iniciando e praticando atos de investigação, se o Juiz de instrução passar a atuar no mesmo caso, ele automaticamente assume o comando da investigação, devendo o Promotor remeter-lhe os informes já obtidos e cessar sua intervenção. Assim, mesmo com esta possibilidade de investigação pelo Promotor, ainda vigora na
72!!
determina a instauração do procedimento e desenvolve os atos necessários à
elucidação dos fatos. Cabe ao Juiz a tarefa de realizar as diligências que
entender necessárias para aportar elementos de convicção que permitam ao
Ministério Público ou ao ofendido acusar e a ele decidir, na fase
intermediária205, pela admissão ou não da acusação.
O Juiz instrutor pode investigar por si mesmo ou, como possui à sua
disposição a Polícia Judiciária, pode ordenar que referida instituição realize as
tarefas que entender pertinentes ao deslinde da materialidade e autoria do
delito. É de se ressaltar que o Juiz instrutor deve pautar sua conduta na
imparcialidade e, em decorrência, deve buscar não apenas os elementos
favoráveis à futura acusação, mas também aqueles que favoreçam a defesa206.
O Ministério Público, através do Promotor, pode também ser o
responsável pela investigação criminal. Trata-se do modelo vigente na Itália,
desde 1988207, em Portugal, desde 1985208, na Alemanha, desde 1974209 e nos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Espanha o sistema do juizado de instrução (LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 85-86 e CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 29-33). 205 Nos países que adotam o modelo do Juiz instrutor, este não julga o mérito da causa. Ele investiga, colhe elementos e fornece à acusação. Sendo oferecida a acusação propriamente dita, cabe ao Juiz instrutor admiti-la ou não. Em seguida, os autos seguem para outro Magistrado. Observa-se, assim, que a prevenção, nesses casos, é uma causa de exclusão de competência, posto que o Juiz, que tem contato com os elementos colhidos na fase investigativa, carece de imparcialidade, por formar uma série de juízos e impressões a favor e contra o imputado. O fundamento da tese de que o Juiz que investiga não pode julgar é a garantia da imparcialidade que deve nortear o exercício da função judiciária, não apenas como uma garantia dos acusados no âmbito do Processo Penal, mas como uma garantia fundamental da Administração da Justiça em um Estado de Direito (MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal: Da Prevenção da Competência ao Juiz de Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 171). 206 Como vantagens da investigação judicial, Aury Lopes Júnior destaca o fato de ser a mesma dirigida por um órgão suprapartes, que atua com imparcialidade e independência, assegurando melhor qualidade do acervo probatório. Como inconvenientes, elenca o caráter inquisidor do modelo, pois o mesmo Magistrado que decide acerca da necessidade de um ato investigatório, também controla a legalidade deste ato. Além disso, destaca o renomado doutrinador a morosidade, pois, em regra, o Juiz instrutor tende a converter a investigação preliminar sumária em plenária e o fato de as provas produzidas na investigação prévia serem apenas ratificadas na instrução e valoradas na sentença. (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 81-84). Já Marta Saad elenca, como desvantagens, a ausência de efetiva participação da defesa e a mera repetição dos atos probatórios quando da instrução. (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 189). 207PERRODET, Antoinette. O Sistema Italiano, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 351. 208!CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 43.!209!JUY-BIRMANN, Rudolphe. O Sistema Alemão, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 12-13.!
73!!
países latino-americanos que seguiram as diretrizes do Código de Processo
Penal Modelo para a Ibero-América210.
Nesse modelo, o Promotor dirige a investigação, cabendo-lhe
receber diretamente a notícia-crime ou indiretamente, através da Polícia, e
investigar os fatos nela constante. Poderá dispor e dirigir a atividade da Polícia
Judiciária ou praticar por si mesmo os atos que entenda necessários para
formar sua convicção e decidir entre formular a acusação ou solicitar o
arquivamento. Para realizar medidas limitativas de direitos fundamentais,
depende o Promotor de autorização judicial, cabendo ao Magistrado o controle
da legalidade dos atos de investigação levados a cabo pela acusação211.
No Brasil, há forte divergência doutrinária acerca da possibilidade de
o Promotor investigar diretamente um crime. Contra a investigação promovida
pelo Parquet, argumenta-se que o art. 144, § 4º, da Constituição Federal de
1988212 atribui competência à Polícia Judiciária para a promoção da
investigação criminal. Além disso, sustenta-se que o art. 129, I, também da
Constituição Federal de 1988213, ao estabelecer, como função institucional do
Ministério Público, a privativa promoção da ação penal pública, não significa
que lhe deferiu a consecução da investigação criminal, apenas lhe deu a
prerrogativa de, caso seja esta última necessária, pode o representante
ministerial requisitá-la à autoridade competente, que é, segundo o texto
constitucional, a Polícia Judiciária.
Dessa forma, pela linha acima exposta, o Ministério Público não
poderia apurar, por conta própria, possível conduta criminosa, pois extrapolaria
suas funções, cabendo-lhe, por outro lado, participar ativamente da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!210!O artigo 68 do Código de Processo Penal Modelo para a Ibero-América assim prevê: “Al ministerio público le está confiado el ejercicio de la persecución penal de los hechos punibles perseguibles de oficio, dependan o no dependan de una instancia particular o de una autorización estatal (art. 229), salvo en los casos expresamente exceptuados por la ley (...)”. Bolívia, Chile, Equador, Peru, Venezuela e Colômbia adotaram este sistema (CHOUKR, Fauzi Hassan. O Relacionamento entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária no Processo Penal Acusatório, em Processo Penal e Estado de Direito. CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai (orgs.). Campinas: Edicamp, 2002, p. 154-156). 211 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 86.!212 Art. 144, § 4º, da CF/88: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. 213 Art. 129 da CF/88: “São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. !
74!!
investigação prévia, requisitando as diligências que entender necessárias e
exercendo a fiscalização da atividade policial214.
Por outro lado, com amparo no art. 129, incisos I, VI, VII e VIII, da
Constituição Federal215, no parágrafo único do art. 4º do Código de Processo
Penal216, no art. 26, incisos I e II, da Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei nº 8.625/2003)217 e nos arts. 7º e 8º da Lei Complementar nº
75/1993 (Estatuto do Ministério Público da União)218, entende-se que pode o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!214 Rogério Lauria Tucci é contrário à investigação pelo Ministério Público, pois “consubstancia-se numa atuação afrontosa ao due processo of law, e, especificamente, das preceituações contidas nos incs. LIV e LV do art. 5º, CF”. Mais adiante, assevera: “O fato de ser o Ministério Público titular da ação, na defesa do interesse punitivo estatal, mostra-se, ele próprio, inibidor da sua atuação investigatória, posto que, (...) manifestamente interessado na colheita de prova desfavorável ao investigado, e, reflexivamente, desinteressado da que lhe possa beneficiar” (Ministério Público e Investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 80-87). 215Art. 129 da CF/88: “São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; (...) VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”. 216 Art. 4º do CPP: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”. 217 Art. 26 da Lei nº 8625/03: “No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei; b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior; II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie”. 218 Art. 7º da LC nº 75/93: “Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas”. Art. 8º da LC nº 75/93: “Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta”. III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;
75!!
órgão ministerial dirigir a investigação criminal, não se limitando a ser mero
fiscal da atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária219.
Neste contexto, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a
Resolução nº 13/2006, regulamentando o procedimento interno de investigação
criminal no âmbito do Ministério Público brasileiro. Contudo, a
constitucionalidade desta Resolução foi contestada pela Ordem dos Advogados
do Brasil, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3836, ainda
pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Nos Tribunais, a matéria ainda não se encontra definida.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal asseverou que “É perfeitamente
possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados
elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade
de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é a hipótese do
caso em tela. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as
atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas
constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não
apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas
também a formação da opinio delicti. (...) O art. 129, inciso I, da Constituição
Federal, atribui ao Parquet a privatividade na promoção da ação penal pública.
Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é
dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de
informação que concretizem justa causa para a denúncia. (...) Há princípio
basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos "poderes implícitos",
segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial. 219 O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União criou um grupo de trabalho – Grupo Nacional de Efetivação do Controle Externo da Atividade Policial –, a fim de estabelecer meios concretos de efetivar o controle externo da atividade policial. Uma das conclusões a que chegou o grupo foi a de que “em sede de controle externo da atividade policial, surgem alguns questionamentos: Como exercer tal atribuição constitucional sem o poder de investigar? Como exercer o controle externo dependendo exclusivamente do que for apurado pela própria polícia? A conclusão a que se chega é que sem o poder investigatório do Ministério Público resta inviabilizado o controle externo da atividade policial (Manual de Controle Externo da Atividade Policial. Coordenado por Alice de Almeida Freire. Goiânia: MP, 2009, p. 50).
76!!
Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet
em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita
de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação"
embasem a denúncia”220.
Contudo, em que pese o retromencionado julgamento, ainda não
houve pronunciamento do Pleno da Suprema Corte a respeito da matéria, o
que ocorrerá quando do julgamento Habeas Corpus nº 84.548/SP, de Relatoria
do Ministro Marco Aurélio. Até o momento, foram proferidos dois votos: o do
Relator, que deferiu a ordem e posicionou-se contra a investigação ministerial;
e o do Ministro Sepúlveda Pertence, que denegou o trancamento da ação
penal e concordou com a atribuição de poderes investigatórios ao Ministério
Público. Na ocasião do julgamento, pediu vistas o Ministro Cezar Peluso,
estando o feito suspenso desde então.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Quinta221 e Sexta222
Turmas vêm admitindo a investigação por membro do Ministério Público.
Marta Saad223 destaca que a adoção do sistema de investigação
pelo Promotor apenas tumultuará a persecução penal, posto que o Ministério
Público continuará a depender da Polícia Judiciária. Assevera, ainda, que se
hoje a Polícia é tida como ineficiente, não se pode olvidar que ela se sujeita ao
controle externo do Ministério Público224. Por outro lado, elucida Marco Antonio
Rodrigues Nahum, “mesmo que se superasse a questão constitucional,
admitindo que o órgão ministerial promovesse as investigações penais, teria !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!220! BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 46.8523/SC. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Segunda Turma. DJe 19/02/2010.!221! “De acordo com entendimento consolidado na Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, amparado na jurisprudência do Pretório Excelso, ainda que não se permita ao Ministério Público a condução do inquérito policial propriamente dito, e tendo em vista o caráter meramente informativo de tal peça, não há vedação legal para que aquele órgão proceda a investigações e colheita de provas para a formação da opinio delicti”.(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC nº 24472/RJ. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe 17/10/2011).!222!“Esta Corte tem proclamado que, a teor do disposto no art. 129, VI e VIII, da Constituição Federal, e nos arts. 8º da Lei Complementar nº 75/93 e 26 da Lei nº 8.625/93, o Ministério Público, como titular da ação penal pública, pode proceder investigações e efetuar diligências com o fim de colher elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal, sendo-lhe vedado tão-somente realizar e presidir o inquérito policial”.(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 60976/ES. Relator: Ministro Og Fernandes. Sexta Turma.DJe 17/10/2011).!223O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 191-192.!224 “Se o inquérito demora e é ineficaz, é porque o Ministério Público, que o controla e nele faz requisições, é tolerante ou permissivo de sua letargia e ineficiência. É o Ministério quem deve ditar as regras de seu desenvolvimento. E, se este não se dá a contento, não podem os desvios ou atrasos ser imputados apenas à polícia”. (NAHUM, Marco Antônio Rodrigues. Constituição e Investigação Criminal, em Folha de São Paulo. São Paulo, Caderno A, 14/04/2004).
77!!
ele condições técnicas de realizá-las? Suportaria toda a carga de inquéritos
que são rotineiramente instaurados pela Polícia Judiciária, realizando as
incontáveis diligências que são necessárias? Ou escolheria aquelas que
pretende desenvolver, sobretudo as que são foco da imprensa,
institucionalizando duas categorias de investigação: as de primeira e as de
segunda classe, sendo que as últimas, por óbvio, seriam presididas pela
Polícia Judiciária?225
Na verdade, a investigação ministerial não configura substituição da
atividade investigativa da Polícia, pois a esta foi constitucionalmente reservado
tal mister. De fato, a investigação ministerial ocorre apenas nos casos de ação
específica, para situações determinadas, quando necessário um melhor
aparelhamento para o Ministério Público promover ou não a acusação226.
Contudo, no Brasil, depende-se ainda de previsões mais específicas, evitando
incertezas a respeito dos poderes ministeriais no curso das investigações e
delimitando os casos específicos de atuação, para que a escolha da
investigação obedeça a parâmetros racionais e não fique ao mero alvedrio da
acusação227.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!225 Investigação por MP é verdadeiro desserviço ao Estado de Direito. Disponível em: www.conjur.com.br/2004-fev-16/investigacao_mp_desservico_estado_direito. Acesso em 23 de janeiro de 2010.!226 SCARANCE FERNANDES, Antônio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 239. Aury Lopes Júnior destaca que “o Ministério Público não só está legalmente autorizado a acompanhar ativamente a atividade policial no curso do inquérito, como também a investigar e a realizar a sua própria investigação preliminar, vista como um procedimento administrativo pré-processual. Infelizmente, por falta de uma norma que satisfatoriamente defina o chamado controle externo da atividade policial – subordinação ou dependência funcional da polícia em relação ao MP - não podemos afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial, mas sim participar ativamente, requerendo diligências e acompanhando a atividade policial”. (LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 149).!227 Os dados colhidos na fase preliminar, como já dito, servem à acusação, para a formação da opinio delicti, e para o Magistrado, quando do recebimento ou não da acusação ou para o deferimento ou indeferimento de alguma medida restritiva de direito individual do imputado. Se o Ministério Público investiga, sendo ele parte, a colheita dos elementos penderá para a acusação e prejudicará a defesa. Assim, nos casos de investigação pelo Ministério Público, também é necessária a previsão legal da obrigatoriedade de colheita de elementos favoráveis ao imputado, tal como dispõe o art. 358 do Código de Processo Penal da Itália (“Il pubblico ministero compie ogni attività necessaria ai fini indicati nell´articolo 326 e svolge altresì accertamenti su fatti e circostanze a favore della persona sottoposta alle indagini”) e da possibilidade da investigação defensiva. Na verdade, tais disposições devem ser fixadas independente do modelo de investigação. No caso brasileiro, onde a investigação preliminar é policial, essas disposições deveriam ser adotadas, a uma, porque a Polícia é tendencionalmente acusatória e, a duas, porque facultar à defesa a colheita de elementos em seu favor está em consonância com um Processo Penal de partes.
78!!
2.1.3. A forma dos atos e sua eficácia probatória
Sob o aspecto formal, a investigação preliminar pode ser escrita ou
oral; obrigatória, facultativa ou mista e pública ou secreta. Será escrita quando
houver prevalência do registro dos atos praticados; e oral, quando predominar
a produção dos atos oralmente228. A investigação é facultativa quando a
acusação formal pode ser apresentada com elementos colhidos
independentemente da persecução prévia229. É obrigatória se a abertura do
processo-crime está condicionada à realização da investigação preliminar. Há,
ainda, o sistema misto, em que a investigação é obrigatória para os delitos
graves e facultativa para os de menor gravidade e complexidade230.
A persecução prévia pode ser pública ou secreta, a depender do
limite de acesso a terceiros e até ao imputado aos atos investigatórios.
Atualmente, a maioria dos ordenamentos prevê a publicidade como regra,
permitindo sua restrição apenas para assegurar a intimidade e a privacidade do
imputado ou a eficácia de determinadas diligências231.
Será plena a publicidade se qualquer pessoa tiver acesso aos atos
de investigação, ou será parcial, quando somente as partes puderem ter
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!228 Aury Lopes Júnior assevera que a oralidade, diferentemente da forma escrita, está, em regra, vinculada à publicidade, imediação, concentração dos atos e identificação física do Juiz. Assim, a classificação de um sistema de investigação preliminar como oral ou escrito dependerá do órgão encarregado da persecução. Dessa forma, o sistema de investigação judicial é marcado por uma maior oralidade, imediação, concentração de atos e identidade física do Juiz, pois o mesmo Juiz investiga e decide se admite ou não a acusação. Já na investigação policial ou ministerial, um ente é o titular da investigação e o Juiz decide acerca do recebimento ou não da acusação, sendo que este último pouco ou nada participa da fase pré-processual. Logo, predomina a forma escrita, ausência de imediação e concentração de atos e não se fala em identidade física do Juiz (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 113-116).!229 É o caso do Brasil, em que o Ministério Público ou o ofendido poderão acusar sem prévia investigação policial. Neste sentido, temos o art. 39, § 5º, do Código de Processo Penal (“O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias”) e o art. 40 do Código de Processo Penal (“Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”). 230 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 113. 231 No Brasil, a publicidade e suas limitações estão previstas na Constituição Federal. Art. 5º, LX, da CF/88: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Art. 93, IX, da CF/88: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.!
79!!
ciência dos atos. Por outro lado, visando assegurar a eficiência da
investigação, é possível que o sigilo alcance até mesmo o imputado, posto que,
tomando este conhecimento prévio de certa diligência, pode tentar frustrar a
atuação da autoridade envolvida na realização do ato.
Feitas estas considerações acerca da formalidade dos atos de
investigação, cumpre destacar a sua eficácia probatória.
Como é cediço, a investigação preliminar é caracterizada pela
sumariedade. Em decorrência, os atos nela praticados possuem eficácia
probatória limitada, servindo a três funções básicas, quais sejam: (i)
fundamentar as decisões interlocutórias proferidas durante o trâmite da
investigação; (ii) justificar a propositura da ação pela acusação ou ofendido; (iii)
fundamentar o recebimento ou não da acusação. Portanto, qualquer
transcendência, para além destas três funções, ofende um dos pilares do
sistema processual penal garantista, que é o respeito ao contraditório e à
defesa.
Costuma-se diferenciar os atos de investigação e os atos de prova.
Marcos Alexandre Coelho Zilli232 afirma que “os primeiros são obtidos na fase
investigatória, sem a participação dialética das partes. Prestam-se para a
fundamentação das medidas cautelares e também para a estruturação de uma
acusação. As provas, por sua vez, têm o seu regime jurídico diferenciado
ligado ao contraditório judicial. São aquelas produzidas com a participação do
acusador e do acusado e mediante a direta e constante supervisão do
julgador”.
Resta claro que os atos de investigação não servem para embasar a
convicção do Juiz no momento da sentença233 e, para tanto, o ordenamento
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!232 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. O Pomar e as Pragas, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 188, jul./2008, p. 02. 233 "(...) O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE PROVAR LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL. - A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas - embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do
80!!
prevê a fundamentação da decisão judicial como forma de controle. É bem
verdade que, no curso da investigação prévia, podem ser produzidos atos de
prova que, certamente, serão valorados por ocasião da sentença. É o caso das
provas antecipadas – que apresentam fundados riscos de perecimento – e as
irrepetíveis, que não podem ser refeitas posteriormente. No primeiro caso, há o
incidente de produção antecipada de provas, que se efetua perante o
Magistrado, com a participação das partes e com a observância do
contraditório e da ampla defesa; no segundo, costuma-se falar em contraditório
diferido ou postergado.
2.2. O modelo brasileiro: o Inquérito Policial
Desde a sua positivação inaugural no Direito brasileiro, na segunda
metade do século XIX234, o Inquérito Policial é o principal modelo de apuração
de fatos supostamente criminosos.
Hoje, o Inquérito Policial encontra-se regulado nos artigos 4º ao 23
do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941), que, como já dito,
foi assentado em bases inquisitoriais oriundas do regime totalitário vigente no
curso da 2ª Guerra Mundial e, em grande parte, influenciada pelo Código de
Processo Penal da Itália – Código Rocco, de 1930 – gestado por Vicenzo
Manzini e acolhido pelo então Ministro Alfredo Rocco.
Antes de enfrentar o tema, cumpre salientar que, apesar das
críticas235 feitas à investigação preliminar comandada pela Polícia Judiciária, é
este o modelo aqui vigente e é com ele que devemos trabalhar. Todavia, para !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!contraditório". (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 73338/RJ. Relator: Ministro Celso de Mello. Primeira Turma. DJ 19/12/1996). 234 No Direito Brasileiro, sempre houve alguma forma de apuração preliminar ou prévia constituindo a primeira fase da persecução penal. Durante o Brasil colonial, quando da vigência das Ordenações, existiam duas formas de investigação criminal: a devassa e a querela. A primeira era uma inquirição ordinária, sem indicação preliminar de autoria ou de indícios; a segunda era uma inquirição sumária, com indicação prévia de autoria ou de indícios. Após a independência, em 07/09/1822, foi outorgada a Constituição de 1824, que instituiu os Juizados de Paz, cuja regulamentação deu-se em 1827, conferindo aos Juízes de Paz as atribuições policiais preventivas e repressivas, que foram mantidas pelo Código de Processo Criminal de 1832. Apenas em 1841, com a Lei nº 261, é que a formação da culpa passou a ser preparada pelos chefes de Polícia, seus delegados e subdelegados, que remetiam os dados colhidos, quando julgasse conveniente, aos Juízes competentes para a formação da culpa. Em 1871, foi editada a Lei nº 2.033 que, regulamentada pelo Decreto nº 4.824/1871, consagrou o Inquérito Policial como forma de persecução prévia (PIERANGELLI, José Henrique. Processo Penal: Evolução História e Fontes Legislativas. São Paulo: Jalovi, 1983, p. 59; 103-104; 136-137; 140-141 e 151-152 e SAAD, Marta. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 26-55). 235 Item 2.1.2 do presente capítulo.
81!!
abordar a sua estrutura legal, além da visão crítica, é preciso ter em mente a
noção constitucional-garantista exposta no primeiro capítulo da presente
dissertação, a fim de que o instituto em questão harmonize-se com um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, o da dignidade236 da
pessoa humana.
2.2.1. Conceito e natureza jurídica do Inquérito Policial
Como principal modelo de investigação237 de fatos supostamente
criminosos, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o Inquérito Policial, que
pode ser conceituado como o procedimento levado a cabo pela Polícia
Judiciária com o escopo de apurar a materialidade e a autoria de um suposto
delito238.
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo239 definiu o Inquérito Policial
como o procedimento cautelar, de natureza administrativa, quanto à forma, e
judiciária, quanto à finalidade, por meio do qual se ultima investigação acerca
da materialidade e autoria de fato supostamente criminoso.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!236 Segundo Eduardo Ramalho Rabenhorst, “o termo dignidade, do latim dignitas, designa tudo aquilo que merece respeito, consideração, mérito ou estima. Apesar de a língua portuguesa permitir o uso tanto do substantivo dignidade como do adjetivo digno pala falar das coisas (quando dizemos por exemplo que uma moradia é digna), a dignidade é acima de tudo uma categoria moral que se relaciona com a própria representação que fazemos da condição humana, ou seja, ela é a qualidade ou valor particular que atribuímos aos seres humanos em função da posição que eles ocupam na escala dos seres”. (Dignidade Humana e Moralidade Democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 14).!237 Ao lado do Inquérito Policial, há de se considerar também outras modalidades em que se consubstancia a fase procedimental da persecução penal, cujo reconhecimento vem previsto no parágrafo único do art. 4º do CPP. Assim, temos: (i) o Inquérito Policial Militar, que é instaurado para apuração de crimes militares próprios ou impróprios, praticados por militares ou civis, bem como crimes contra a Segurança Nacional, a Ordem Política e Social, se o agente for militar ou assemelhado, ou certos crimes previstos na Lei nº 7.170/1983; (ii) a formação judicial do corpo de delito para os crimes contra a propriedade imaterial (arts. 525 e seguintes do CPP); (iii) o Inquérito Parlamentar, que são as investigações conduzidas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, cujos poderes estão elencados no § 3º do art. 58 da CF/88. Tais comissões são regulamentadas pelas Leis nº 1.579/1952 e nº 10.001/2000 e pelos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; (iv) a Sindicância ou Inquérito Administrativo em sentido estrito, os quais são meios de apurar a prática de crimes funcionais e ilícitos administrativos que, muitas vezes, configuram também ilícitos penais e servem de base ao fornecimento da acusação, que dispensa o Inquérito Policial; (v) o Inquérito Civil, procedimento administrativo não disciplinar, presidido pelo Ministério Público, previsto no art. 8º, § 1º, da Lei nº 7.347/1985, cuja finalidade é identificar a violação a bens de interesse público e, se for o caso, embasar a propositura de uma Ação Civil Pública. 238 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 188. 239 PITOMBO, Sérgio Marco de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 15.
!
82!!
Inicialmente, cumpre salientar o perfil de procedimento do Inquérito
Policial, e não de processo, posto que inexiste contraditoriedade perfeita na
sequência dos atos realizados. Por outro lado, cuida-se de procedimento
formal, posto que existem regras pré-estabelecidas indicadoras de como se dá
a sucessão dos atos. Assim, determina a lei que o Inquérito Policial deve iniciar
por portaria ou auto de prisão em flagrante da autoridade policial, por
requisição do Juiz240ou do Ministério Público e por requerimento do ofendido ou
de seu representante241, desenvolvendo-se, em seguida, com a realização das
diligências necessárias e encerrando-se com o relatório final242.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!240 No sistema acusatório, há nítida separação de funções, só se manifestando o Juiz quando devidamente provocado (princípio da inércia da jurisdição). Assim, é inconcebível que o Magistrado exerça atos que seriam de exclusividade do Ministério Público, como requisitar a instauração de Inquérito Policial. A iniciativa do Juiz cinge-se à produção de provas que se refiram a questões controvertidas trazidas pelas partes, de acordo com o livre convencimento e a busca da verdade possível ou certeza processual. Logo, tendo conhecimento de crime de ação penal pública, deve o Juiz remeter ao Ministério Público as informações, cópias e documentos necessários ao oferecimento ou não da denúncia, pois, requisitando diretamente a instauração do Inquérito Policial, viola o sistema acusatório. 241 Art. 5º do Código de Processo Penal: “Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1º O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. § 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia. § 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. § 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado. § 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”. 242 Fauzi Hassan Choukr destaca que “não há dificuldades em caracterizar a investigação preparatória à ação penal como procedimento de cunho administrativo, cuja sucessão de atos – ainda que de difícil ritualização – leva ao objetivo final que é o de formar a convicção do legitimado ativo”. (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 127). Marta Saad defende o caráter procedimental do Inquérito Policial ao destacar que ele deve “ostentar perfeição lógica e formal, visto que determinadas formalidades, em especial o auto de prisão em flagrante delito, devem ser obedecidas, a fim de salvaguardar os direitos e garantias individuais”. Mais adiante, assevera que “o procedimento do inquérito policial, por sua própria natureza, é e precisa ser flexível. Não obedece a uma ordem determinada, rígida, de ato, mas, nem por isso, deixa o inquérito de ser procedimento, visto que o procedimento pode seguir esquema rígido ou flexível”. (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 246-247). Ao revés, Antonio Scarance Fernandes entende que o Inquérito Policial não é sequer procedimento, “pois falta-lhe a característica essencial do procedimento, ou seja, a formação por atos que devam obedecer a uma sequência predeterminada pela lei, em que, após a prática de um ato, passa-se a do seguinte até o último da série, numa ordem a ser necessariamente observada”. (Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 62).
83!!
Além de procedimento formal, o Inquérito Policial é procedimento
cautelar pré-processual, visto que busca colher e conservar os possíveis
elementos ou meios de provas acerca da materialidade e da autoria delitiva, a
serviço de eventual ação penal, sendo preliminar a esta, pois ou a embasa ou a
impede.
A cautelaridade demonstra que a investigação deve ocorrer
imediatamente após a notícia do crime, a fim de evitar o perecimento dos
elementos de convicção relacionados ao suposto delito243. Contudo, em que
pese este caráter cautelar, não se pode afirmar que os atos do Inquérito
Policial sejam provisórios, pois muitos dos seus atos acabam transcendendo a
cautelaridade e convertendo-se de temporários para permanentes244.
Cumpre ainda salientar que o Inquérito Policial é procedimento
administrativo, pois dirigido pela Polícia Judiciária, ente estatal integrante da
Administração Pública, vinculado ao Poder Executivo. Contudo, mesmo diante
da feição administrativa dos atos do Inquérito, pode-se afirmar que,
considerando a finalidade dos atos desenvolvidos pela Polícia Judiciária, que
objetivam à formação preliminar da culpa, o Inquérito Policial pode ser
qualificado como judiciário245.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!243 José Frederico Marques destaca que “a investigação não passa do exercício do poder cautelar que o Estado exerce, através da polícia, na luta contra o crime, para preparar a ação penal e impedir que se percam os elementos de convicção sobre o delito cometido”. (MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. I. Campinas: Bookseller, 1997, P. 145). 244 Como salienta Marta Saad, “há determinados atos do inquérito que se transmitem para o bojo da futura ação penal de forma definitiva, posto que impossíveis de repetição ou renovação, tais como os exames, vistorias e avaliações, a juntada de documentos, a busca, bem ou mal sucedida, e a apreensão, o reconhecimento, pessoal ou fotográfico, o arresto, o sequestro de bens, ou mesmo alguma prova testemunhal que venha a se tornar irrepetível, por eventual impossibilidade de se localizar novamente a testemunha, por exemplo”. (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 148).!245 Sérgio Marcos de Moraes Pitombo ressalta que “dizer-se, por isso, que o inquérito policial consiste em mero procedimento administrativo e encerra investigação administrativa, é simplificar, ao excesso, a realidade sensível. Resta-se na necessidade esforçada de asseverar, em seguida, que a decisão judicial, que recebe a denúncia ou a queixa, embasa-se em inquérito, volta ao tempo e no espaço, judicializando alguns atos do procedimento”. Mais adiante assevera que “no procedimento do inquérito, encontra-se, portanto, um conjunto de atos de instrução; transitórios uns, de relativo efeito probatório; e definitivos outros, de efeito judiciário absoluto. Melhor, pois, afirmar que a polícia, enquanto judiciária, e o inquérito que ela faz, exsurgem administrativos, por sua atuação e forma, mas judiciários, nos seus fins”. (Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987, p. 21-22).
!
84!!
2.2.2. A disciplina legal do Inquérito Policial
O Inquérito Policial é instaurado para averiguar e, se for o caso,
comprovar os fatos constantes na notícia-crime. Durante a persecução prévia,
reúnem-se os dados que podem levar à acusação ou ao seu arquivamento, de
modo que fica claro o caráter sumário da fase em comento, que não tem como
finalidade o exame aprofundado dos fatos investigados, o qual ficará a cargo
da instrução propriamente dita246.
A fim de garantir a sumariedade da investigação prévia policial, o
ordenamento brasileiro elenca duas limitações: uma qualitativa, constante no
art. 4º, caput, do Código de Processo Penal, circunscrevendo o Inquérito
Policial à apuração de infrações penais e sua autoria247; e uma quantitativa,
disposta no art. 10 do Código de Processo Penal, fixando o prazo de 10 (dez)
dias para a conclusão do Inquérito, quando o indiciado estiver preso; e de 30
(trinta) dias, se estiver solto. Existem outras normas específicas limitando o
prazo do Inquérito Policial, como o art. 66 da Lei nº 5.010/66, aplicável às
investigações policiais de competência da Justiça Federal, estabelecendo o
prazo de 15 (quinze) dias para a conclusão do Inquérito, prorrogáveis por igual
período, se estiver o imputado preso. Há o art. 51 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de
Entorpecentes), que prevê o prazo de conclusão da persecução prévia de 30 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!246 Aury Lopes Júnior salienta que “para a instauração do inquérito, basta a mera possibilidade de que exista um fato punível. A própria autoria não necessita ser conhecida no início da investigação. Sem embargo, para o exercício da ação penal e a sua admissibilidade, deve existir um maior grau de conhecimento: exige-se a probabilidade de que o acusado seja autor (co-autor ou partícipe) de um fato aparentemente punível”. (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 176). 247 De fato, a limitação qualitativa não é muito clara, tanto que, na prática, a Polícia sistematicamente nega a sumariedade e investiga até entender restar provado o fato, quando esta convicção deve partir do titular da ação penal. Ademais, o fato não deve estar provado, mas apenas demonstrado em grau de probabilidade. Inclusive, uma das maiores críticas que se faz ao Inquérito Policial é a repetição na produção da prova em Juízo, pois, ao invés de se revestir de atos sumários, o Inquérito Policial termina sendo plenário. Neste ponto, Aury Lopes Júnior defende que o controle externo do Ministério Público sobre a atividade policial deveria ser mais efetivo, com o escopo de garantir a sumariedade dos atos de investigação prévia (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 177). O Projeto de Lei nº 4.209/2001, relativo à investigação criminal, regulou expressamente o grau de cognição do Inquérito Policial, ao dispor, em seu art. 7º: “os elementos informativos da investigação deverão ser colhidos na medida estritamente necessária à formação do convencimento do Ministério Público ou do querelante sobre a viabilidade da acusação, bem como à efetivação de medidas cautelares, pessoais ou reais, a serem autorizadas pelo juiz”. O parágrafo único do mesmo artigo dispunha que “esses elementos não poderão constituir fundamento da sentença, ressalvadas as provas produzidas cautelarmente ou irrepetíveis, que serão submetidas a posterior contraditório”. Referido Projeto, todavia, foi arquivado em 10/11/2010, ante a propositura do Projeto de Lei nº 156/2009, que institui um novo Código de Processo Penal, não sendo o dispositivo em comento repetido no novo Código projetado.
85!!
(trinta) dias, se estiver preso o imputado; e de 90 (noventa) dias, se solto,
podendo tais prazos serem duplicados pelo Juiz, mediante pedido justificado
pela autoridade policial, após ouvida do Ministério Público. Pode-se citar
também o art. 20 do Código de Processo Penal Militar, que estabelece o prazo
de 20 (vinte) dias para a conclusão do Inquérito, se o imputado estiver preso, e
40 (quarenta) dias, prorrogáveis por mais 20 (vinte) dias, estando o imputado
solto.248.
Em que pese as retromencionadas limitações legais, a prática
demonstra que os Inquéritos perduram por meses e até mesmo por anos, ainda
mais quando o próprio Código de Processo Penal249 permite que a autoridade
policial solicite ao Juiz a devolução dos autos, para diligências posteriores,
quando o caso for de difícil elucidação e o imputado estiver solto, permitindo
uma dilação do procedimento inconcebível com a característica da
sumariedade que lhe é peculiar.
Consoante o art. 5º, incisos I e II, e § 3º do Código de Processo
Penal, o Inquérito Policial pode ser instaurado de ofício, pela autoridade
policial; mediante requisição do Juiz ou do Ministério Público ou a
requerimento250 do ofendido ou seu representante legal; ou, ainda, através de
comunicação verbal ou escrita de qualquer pessoa do povo em se tratando de
delitos de ação penal pública.
Quando se tratar de qualquer pessoa do povo, a lei faculta ao
cidadão a comunicação à autoridade policial251; por outro lado, em se tratando
das autoridades públicas envolvidas na persecução penal (Polícia Judiciária,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!248 É de se destacar que o controle temporal atípico, consistente na ocorrência da prescrição retroativa entre a data do cometimento do delito e a do recebimento da acusação, anteriormente prevista no art. 110, § 2º, do Código Penal, não mais existe, posto que a Lei nº 12.234/2010 revogou o dispositivo em comento. 249 Art. 10, § 3º, do CPP: “Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”. 250 Quando a lei fala em “requisição”, a autoridade policial está obrigada a instaurar o Inquérito Policial; já quando menciona “requerimento”, cabe ao crivo da autoridade policial a instauração ou não da investigação. 251 Como exceção, pode-se citar o art. 66 do Decreto-Lei nº 3.688/41, segundo o qual constitui contravenção penal deixar de comunicar à autoridade competente: (i) crime de ação pública de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação; (ii) crime de ação pública de que teve conhecimento no exercício de medicina ou de outra profissão sanitária, desde que ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal.
86!!
Ministério Público e Magistratura), têm elas o dever de noticiar252 e, no caso da
Polícia Judiciária, de investigar fatos possivelmente criminosos, sob pena de
responderem administrativamente e de incorrerem no delito de prevaricação
(art. 319253 do Código Penal).
Nos crimes de ação penal pública condicionada, o Inquérito depende
de regular representação da vítima, por força do disposto no art. 5º, § 4º, do
Código de Processo Penal. Quando se tratar de ação penal pública
condicionada à requisição do Ministro da Justiça, nos crimes que afrontam a
honra do Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, o pedido
de instauração deve vir acompanhado da requisição. Já nos delitos de ação
penal de iniciativa privada, a instauração da investigação preliminar depende
de requerimento do ofendido ou de seu representante legal, consoante o § 5º
do art. 5º do Código de Processo Penal254, devendo o requerimento conter a
narração do fato, com todas as circunstâncias, dados sobre a autoria e a
indicação de testemunhas.
O artigo 6º do Código de Processo Penal define as funções da
autoridade policial, consistentes na colheita dos elementos informativos que
interessem à elucidação dos fatos e suas circunstâncias. Além disso, admite-se
que o Juiz, o Ministério Público, o ofendido (ou seu representante legal) e o
imputado solicitem diligências255.
Uma vez concluídas as investigações, deve a autoridade policial
elaborar um relatório com os dados colhidos no curso da investigação,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!252 No caso do Magistrado, deve ele encaminhar os elementos colhidos ao Ministério Público, a quem cabe efetuar a requisição de instauração do Inquérito Policial, pois, se o Magistrado determina a abertura da investigação, está atuando como acusador, o que vai de encontro ao sistema acusatório. 253 Art. 319 do CP: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”. 254 Art. 5º, § 4º do CPP: “O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”. Art. 5º, § 5º do CPP: “Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”. 255 Art. 13 do CPP: “Incumbirá ainda à autoridade policial: (...) II - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos”. Art. 14 do CPP: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.!
87!!
enviando os autos ao Juiz, consoante dispõe o art. 10, § 1º, do Código de
Processo Penal256.
Não tem a autoridade policial o poder de dispor do Inquérito Policial
e determinar o arquivamento das investigações ou interromper as
inconclusivas257, o que decorre do princípio da obrigatoriedade da ação penal,
princípio também atuante no Inquérito Policial e consistente no poder-dever
que tem a Polícia Judiciária de investigar as infrações penais, a fim de que o
Estado possa se desincumbir de seu papel de afiançador da paz social e
retomar o status quo anterior ao cometimento do suposto delito.
A forma que os atos do Inquérito Policial deve assumir é a escrita,
conforme art. 9º do Código de Processo Penal. O artigo 12 do mesmo diploma
prevê que o Inquérito Policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que
servir de base a uma ou outra, a fim de permitir o juízo de pré-admissibilidade
da acusação.
No transcorrer do Inquérito, deve a autoridade policial assegurar o
sigilo necessário à elucidação dos fatos, bem como nas hipóteses em que deva
ele ser mantido no interesse da sociedade258. Refere-se a lei apenas aos fatos
ou circunstâncias que podem pôr em risco o sucesso das investigações, na
primeira hipótese, ou que possam causar transtornos à ordem pública, no
segundo caso. Todavia, é preciso ter em mente que a própria Constituição
Federal259 permite uma interpretação mais elástica desse sigilo, estendendo-o
à pessoa da vítima e mesmo ao suspeito ou indiciado, que tem direito à
preservação de sua intimidade e imagem.
O sigilo não atinge o advogado, salvo nos processos ou Inquéritos
sob regime de segredo de justiça relativos a terceiros que não sejam seus
constituintes, ou quando existirem nos autos documentos originais de difícil !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!256 Em Recife, há a Central de Inquéritos do Ministério Público do Estado de Pernambuco, de modo que o Inquérito, quando concluso, não mais passa pelo Juiz, indo direto ao órgão acusatório, que denunciará, solicitará novas diligências ou pugnará pelo arquivamento. 257 Art. 17 do CPP: “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”. 258 Art. 20 do CPP: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “prever que o sigilo será determinado quando for necessário à elucidação do fato ou quando for exigido pelo interesse da sociedade significa dizer que dele será lançado mão quando a autoridade policial assim entender. O resto é mera justificativa, jogo de palavras, com o que não se pode brincar, principalmente quando a partir do ato pode-se colocar na cena a vida das pessoas (...)”. (O Sigilo do Inquérito Policial e os Advogados, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 5, nº 18, abr.-jun. 1997, p. 129). 259 Art. 5º, X, da CF/88: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
88!!
restauração, ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos
autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade através
de despacho motivado (artigo 7º, XIII, XIV e XV, § 1º, da Lei nº 8.906/1994 –
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), ou ainda durante a realização de
diligências que, por sua natureza, tenham que permanecer em sigilo até seu
término (interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, agente infiltrado).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, seguindo a diretriz que
até então vinha adotando com relação ao sigilo dos Inquéritos Policiais,
aprovou a Súmula Vinculante nº 14, assegurando ao advogado, no interesse
do representado, a prerrogativa de “ter acesso amplo aos elementos de prova
que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa”.
Portanto, se as diligências já foram realizadas pela Polícia, o
advogado terá o direito de obter vista dos documentos produzidos. Por outro
lado, se existem atos de investigação que ainda serão desencadeados, com a
finalidade de demonstrar a ocorrência de um delito e sua respectiva autoria,
pode prevalecer o sigilo, inclusive para o investigado e para seu defensor.
Nessa hipótese, em razão da natureza de certas investigações, o direito de
vista aos autos do Inquérito Policial deverá ser realizado posteriormente260.
Por fim, cumpre salientar a dispensabilidade do Inquérito Policial, a
teor do disposto nos artigos 39, § 5º, e 40 do Código de Processo Penal261,
podendo o Ministério Público ou o ofendido acusar sem prévia investigação
policial, desde que tenham elementos suficientes da materialidade e autoria do
suposto delito.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!260 Fauzi Hassan Choukr critica o sigilo direcionado ao advogado e destaca que “se o que se teme é o advogado mancomunado na prática criminosa, ele obviamente perde essa condição de patrono e passa a ser, inevitavelmente, investigado. Isto em nada se relaciona com o exercício da advocacia e o direito assegurado de acesso aos autos”. (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 109). 261 Art. 39, § 5º, do CPP: “O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias”. Art. 40 do CPP: “Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”. !
89!!
2.2.3. O papel dos sujeitos envolvidos no Inquérito Policial 2.2.3.1. A Polícia Judiciária e as providências da autoridade policial
É cediço que o nosso constituinte originário preocupou-se em defender
o Estado tanto no âmbito interno quanto no externo. Assim, foram criadas as
Forças Armadas, pois possíveis invasões externas poderiam colocar em xeque
não só a própria existência do Estado e da democracia, mas a do próprio
Estado Democrático de Direito. Ademais, o constituinte percebeu que o perigo
não só poderia vir de fora e, em decorrência, precisou criar uma força que
protegesse internamente as pessoas, seu patrimônio, sua segurança jurídica e
sua normalidade diária, que é justamente a Força de Segurança Pública.
Portanto, nossa Constituição prevê a existência das Forças Armadas
(Exército, Aeronáutica e Marinha), cuja função é, primordialmente, a defesa da
pátria em situações de guerra e de invasões estrangeiras, bem como a garantia
dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Por outro lado, a Carta Magna
dispõe que deve haver, no âmbito interno, as chamadas Forças de Segurança
Pública, as quais são formadas por órgãos que atuam internamente para
preservar a ordem pública. Tais órgãos são as Polícias que, ressalte-se, não
possuem relação com as Forças Armadas. No Brasil, a Polícia é dividida em
dois grandes grupos: a Polícia Ostensiva e a Polícia Científica ou Judiciária.
A Polícia Ostensiva é a Militar, sendo uma Polícia visível à sociedade,
a fim de que as pessoas sintam-se inibidas para a prática de qualquer ilícito,
tendo em vista o temor de uma possível repressão. Assim, a Polícia Militar não
investiga crimes, pois sua função é garantir a ordem pública de modo
preventivo ou repressivo, protegendo pessoas e patrimônio.
A Polícia Científica ou Judiciária, por seu turno, é a que está
fundamentalmente ligada às investigações, pois é a responsável para
esclarecer, através de meios e métodos próprios, como ocorreu determinado
crime, quem é o provável autor do delito e quando ocorreram as circunstâncias
do mesmo. Tal Polícia tem uma atuação discreta e preocupa-se com o
momento posterior à prática do ilícito, a fim de reconstituir a história do delito e,
depois, tentar chegar à pessoa do criminoso. Sua atuação não é um fim em si
90!!
mesmo, é apenas um passo, uma vez que suas apurações servirão ou não de
base ao início da ação penal.
A autoridade policial que preside o Inquérito, ao tomar conhecimento
de uma infração, desempenha duas funções principais: obtém os primeiros
dados informativos e impede o perecimento dos elementos materiais
relacionados à prática delituosa. Em decorrência, o artigo 6º do Código de
Processo Penal estabelece diversas providências que deve a autoridade
policial adotar ao tomar ciência da prática de uma infração. A norma em
comento deixa claro, ainda, que a autoridade deverá (e não poderá) adotar as
providências elencadas, evidenciando o caráter obrigatório que rege a
investigação prévia.
Segundo o artigo 6º do Código de Processo Penal, quando a notitia
criminis chega ao conhecimento da autoridade policial, ela deve dirigir-se ao
local do delito, a fim de preservar o estado e a conservação das coisas até a
chegada dos peritos criminais. Deve apreender os instrumentos e todos os
objetos que tiverem relação com o fato, após a devida liberação pela perícia,
fazendo-os acompanhar os autos do Inquérito e colher todas as provas que
servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias. Cabe-lhe ouvir o
ofendido e o imputado, proceder ao reconhecimento de coisas, pessoas e
acareações, determinar, se for o caso, que se realize o exame de corpo de
delito e outras perícias que se façam necessárias, ordenar a identificação do
indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, bem como fazer a juntada
das folhas de antecedentes. A autoridade policial ainda tem o dever de
averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar
e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e
depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem
para a apreciação do seu temperamento e caráter.
Com efeito, o rol de providências do art. artigo 6º do Código de
Processo Penal não esgota a atividade a ser desenvolvida pela autoridade
policial262, posto que podem ser necessárias outras medidas para a garantia do
bom caminhar da investigação.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!262 Dentre outras providências não contidas no rol do art. 6º do CPP, encontram-se: (i) aquelas relacionadas com as medidas cautelares de natureza probatória, sobressaindo-se a busca e apreensão (artigos 240 a 255 do CPP), a interceptação de comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em
91!!
O artigo 13 do Código de Processo Penal ainda elenca como
providências da autoridade policial: (i) fornecer às autoridades judiciárias as
informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; (ii) realizar
as diligências requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público;(iii) cumprir os
mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias; (iv) representar
acerca da prisão preventiva. Pode a autoridade policial providenciar a
reprodução simulada dos fatos, desde que não contrarie a moralidade ou a
ordem pública, facultando ao acusado a opção de participar ou não da
diligência.
O artigo 18 do Código de Processo Penal permite que a autoridade
policial, após o arquivamento do Inquérito, prossiga na apuração dos fatos,
caso haja notícia de novas provas. Por sua vez, segundo o artigo 22 do mesmo
diploma legal, a autoridade policial, independente de cartas precatórias ou
requisições, pode determinar diligências em outras circunscrições, a fim de
garantir a sumariedade dos atos.
2.2.3.2. O Ministério Público como parte e fiscal da lei no curso das investigações policiais
Ao tomar conhecimento de uma infração penal, deve o Ministério
Público solicitar a instauração do Inquérito Policial, nos termos do artigo 5º, II,
do Código de Processo Penal. Cabe-lhe, ainda, requisitar diligências, que
serão obrigatoriamente realizadas pela autoridade policial (artigo 13, II, do
Código de Processo Penal). Além disso, exerce o Parquet o controle externo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!sistemas de informática e telemática (art. 3º, I, da Lei nº 9.296/96), a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos óticos ou acústicos (art. 2º, IV, da Lei nº 9.034/95), a infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação (art. 2º, V, da Lei nº 9.034/95), a produção antecipada de provas; (ii) aquelas relacionadas às medidas cautelares reais, como o sequestro (art. 125 do CPP) e o arresto (art. 132 do CPP); (iii) aquelas relacionadas às medidas cautelares pessoais, como as prisões processuais provisórias (flagrante – arts. 302 e seguintes do CPP; preventiva – arts. 311 a 316 do CPP; temporária – Lei nº 7.960/89) e as medidas alternativas ou substitutivas da prisão processual (arts. 319 e 320 do CPP). Destaque-se que a autoridade policial não pode decretar, por conta própria, medidas restritivas de direitos fundamentais, devendo haver prévia autorização judicial. Claro que, em se tratando de busca pessoal, dispensa-se o mandado judicial, pois a situação de urgência não comporta a providência (art. 244 do CPP).
92!!
da atividade policial, nos termos do art. 129, VII, da Constituição Federal de
1988263.
Em relação ao controle externo da atividade policial, a Lei
Complementar nº 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União) tratou da
matéria264. Aury Lopes Júnior265 considera tímida a regulamentação do tema,
que, na verdade, são meros mecanismos de controle da legalidade da
atividade policial, e não da atividade em si mesma. Para o renomado
processualista, falta um dispositivo que afirme, de forma categórica, que o
Ministério Público exerce o controle externo da atividade policial, ofertando
instruções gerais e específicas para a melhor condução do Inquérito Policial,
instruções estas que devem vincular os agentes da Polícia Judiciária.
O Grupo Nacional de Efetivação do Controle Externo da Atividade
Policial, formado pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais dos
Ministérios Públicos Estaduais e da União, ciente de que o controle externo
permanece carente de meios concretos de efetivação, estabeleceu diretrizes
na consecução de tal finalidade, pautado pelo objetivo de integração entre as
funções do Ministério Público e das Polícias.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!263 Art. 129 da CF/88: “São funções institucionais do Ministério Público: VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior”. 264 Art. 3º da LC nº 75/93: “O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista: a) o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei; b) a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; d) a indisponibilidade da persecução penal; e) a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública”. Art. 9º da LC nº 75/93: “O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; III - representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV - requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V - promover a ação penal por abuso de poder”. Art. 10 da LC nº 75/93: “A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão”. 265!Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 151-152
!
93!!
Em decorrência, foram estabelecidas as seguintes ações para a
concretização do controle externo da Polícia: (i) controle das ocorrências
policiais e seus desdobramentos; (ii) profissionalização do relacionamento
institucional; (iii) estudo estatístico da atividade desenvolvida pela Polícia
Judiciária; (iv) capacitação dos membros do Ministério Público; (v) estruturação
interna da atividade de controle externo da atividade policial; (vi)
acompanhamento legislativo; (vii) implementação do projeto memória das
ações judiciais e extrajudiciais de efetivação do controle externo da atividade
policial no Brasil; (viii) criação e divulgação dos canais institucionais voltados
ao recebimento de reclamações relacionadas com a atividade policial266.
Além de exercer o controle externo da atividade policial, o Ministério
Público, no curso das investigações prévias, atua como parte e como fiscal da
lei. Como parte, é necessariamente parcial267, devendo assumir a posição de
parte acusadora, legitimada a levar a Juízo a pretensão punitiva estatal, sendo
esta função essencial para a formação da dialética processual que formará a
convicção do Juiz.
Por outro lado, o fato de ser parte não colide com a isenção que
deve ter o Parquet como fiscal da lei. Como bem salientado por Hélio
Tornaghi268, “não há, pois, conflito entre a imparcialidade que o Ministério
Público deve observar como custodio da lei e o seu caráter de parte. Imparcial
ele deve ser apenas na fiscalização, na vigilância, no zelo da lei. Deve fazê-la
cumprir no tempo, na forma, no lugar por ela própria determinados. Mas essa é
apenas uma de suas funções e não é a que ele tem como parte. Como tal,
cabe-lhe promover a aplicação da lei penal ao acusado, persegui-lo (no sentido
técnico, é claro), carrear para o processo todas as provas de sua
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!266 FREIRE, Alice de Almeida. Manual de Controle Externo da Atividade Policial. Coordenado por Alice Freire de Meira. Goiânia: MP, 2010, p. 18-25.!267 Há quem defenda que o Ministério Público é parte imparcial, pois não possui interesse oposto ao do imputado e pauta suas ações pelo interesse público de busca da verdade para a correta aplicação da lei. Defendem esta tese: JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 219; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1996, p. 329. De modo diverso, leciona Gustavo Badaró, “o modelo acusatório exige um processo no qual haja uma dualidade de partes, em igualdade de condições, mas com interesses distintos. Definido o sistema, os sujeitos que neles atuam devem ter a sua função determinada coerentemente com os ditames do modelo processual escolhido. Num processo penal verdadeiramente acusatório, é necessário rever a posição do Ministério Público como parte imparcial”. (Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 215). 268 Curso de Processo Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 486. !
94!!
responsabilidade, chamar a atenção dos julgadores para as circunstâncias (lato
sensu) que possam onerá-lo, agravando a pena ou qualificando o crime”.
2.2.3.3. O Juiz como garantidor dos direitos fundamentais do sujeito passivo das investigações preliminares
As funções do Magistrado no Inquérito Policial são tão amplas que
lhe é deferida até a possibilidade de requisitar a sua instauração, após tomar
conhecimento de uma suposta prática delituosa, nos termos do art. 5º, II, do
Código de Processo Penal. Assim, embora a ação penal só possa ser proposta
pelo Ministério Público ou pelo ofendido, está o Juiz legitimado a ordenar o
início das investigações acerca de um suposto delito, o que, como já
mencionado, contraria o sistema acusatório, que determina o afastamento do
Juiz de qualquer atuação persecutória269.
Também compete ao Magistrado apreciar o pedido de dilação de
prazo das investigações270. Neste ponto, encontra-se outra distorção do
sistema, pois, se cabe ao Ministério Público o controle externo da atividade
policial, caberia a ele zelar pela escorreita tramitação dos Inquéritos, pois é de
seu interesse institucional assegurar a tempestiva e embasada finalização das
investigações preliminares.
Caso entenda necessário, também pode o Magistrado solicitar
diligências à autoridade policial271, o que novamente desvirtua o sistema
acusatório, visto que não se pode admitir que, na fase pré-processual, emane
do Juiz a orientação sobre os caminhos a serem seguidos na investigação ou a
crítica ao material colhido, pois o escopo principal das diligências probatórias é
reunir os elementos informativos e suficientes à formação do convencimento do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!269 SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A Atuação do Juiz no Processo Penal Acusatório: Incongruências no Sistema Brasileiro em Decorrência do Modelo Constitucional de 1998. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 109. No mesmo sentido: GIACOMOLLI. Nereu José. Atividade do Juiz Frente à Constituição: Deveres e Limites em Face do Princípio Acusatório, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.221.!270 Art. 10, § 3º, do CPP: “Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”. Art. 16 do CPP: “Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia”. 271 Art. 13 do CPP: “Incumbirá ainda à autoridade policial: II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público”.
95!!
Ministério Público sobre a validade da acusação. É bem verdade que os
elementos colhidos também servirão ao Magistrado para fundamentar a
adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais e o recebimento ou não
da acusação formulada; contudo, ainda assim, não pode o Julgador abarcar
função que não lhe pertence272.
No curso da investigação prévia, caberá ao Magistrado o controle
prévio das medidas que implicarem a restrição de direitos fundamentais,
autorizando o ato, caso preenchidos os requisitos legais e de acordo com o
princípio da proporcionalidade.273 Como exemplos de medidas a serem
decretadas pelo Juiz, vale citar a decretação da prisão temporária (Lei nº
7.960/89) e da prisão preventiva ou a aplicação de alguma medida cautelar
diversa da prisão;274 a busca e apreensão domiciliar275; o sequestro e o arresto
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!272 “Nessa mesma linha insere-se a requisição de diligências pelo magistrado à autoridade policial (art. 13, II, do CPP). Uma das consequências da adoção do princípio acusatório é a desvinculação do terceiro imparcial da fase preliminar do processo penal, ressalvada sua atuação necessária como garante dos direitos e das liberdades fundamentais. A verificação da substancialidade do material colhido na fase investigatória é feita pelo sujeito que a utilizará na dedução da pretensão acusatória, pois a ela se destina num primeiro momento (primeiro momento porque o magistrado, ao analisar a viabilidade acusatória ou não, há que analisar o substrato fático que a sustenta)”. (GIACOMOLLI. Nereu José. Atividade do Juiz Frente à Constituição: Deveres e Limites em Face do Princípio Acusatório, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.221). 273 Mariângela Gama de Magalhães Gomes esclarece que “o princípio da proporcionalidade tem o seu principal campo de atuação no âmbito dos direitos fundamentais, enquanto critério valorativo constitucional determinante das máximas restrições que podem ser impostas na esfera individual dos cidadãos pelo Estado, e para a consecução de seus fins. Assim, integra uma exigência ínsita no Estado de Direito enquanto tal, que impõe a proteção do indivíduo contra intervenções estatais desnecessárias ou excessivas que gravem o cidadão mais do que o indispensável para proteção dos interesses públicos”. (O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35). 274 Com a reforma advinda com a Lei nº 12.403/2011, segundo o art. 310 do CPP, ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz deverá, fundamentadamente: (i) relaxar a prisão ilegal; ou (ii) converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (iii) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. A prisão preventiva, consoante o art. 311 do CPP, será decretada em qualquer fase da investigação policial ou do Processo Penal, pelo Juiz, de ofício, no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Para a decretação da custódia preventiva, além da demonstração do fumus comissi delicti, consubstanciado pela prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação, e do periculum libertatis (garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia de aplicação da lei penal), é necessária a demonstração da ineficácia ou da impossibilidade de aplicação de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão. Segundo o art. 282 do CPP, as medidas deverão ser aplicadas observando-se (i) a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (ii) a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. O art. 319 e 320 do CPP elencam como medidas cautelares diversas da prisão: (i) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (ii) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (iii) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (iv) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (v)
96!!
de bens (arts. 125 e seguintes do CPP) e a quebra do sigilo das comunicações
e de dados276. Em todas estas medidas, o Magistrado possui um contato
efetivo com o material indiciário colhido na investigação, com o escopo de
formar uma convicção acerca da adoção ou não da restrição de algum direito
fundamental do imputado.
Caso o Ministério Público, após ultimadas as investigações, solicite o
arquivamento do Inquérito Policial, o Juiz assim deve proceder277. Contudo, se
houver discordância, o controle do arquivamento do Inquérito Policial é feito
pelo Magistrado, nos termos do artigo 28 do CPP278. Não há dúvidas de que a
norma em comento também fere o sistema acusatório, pois evidente está o
juízo acusatório elaborado pelo Magistrado ao encaminhar os autos ao
Procurador-Geral de Justiça279. Consoante lição de Nereu José Giacomolli280,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (vi) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (vii) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (viii) fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (ix) monitoração eletrônica; (x) proibição de ausentar-se do País. 275 As diligências de busca e apreensão estão previstas nos artigos 240 e seguintes do Código de Processo Penal, cuja interpretação deve vir conjugada com o art. 5º, XI, da Constituição Federal, que prevê a inviolabilidade do domicílio e revela a necessidade de prévia autorização judicial para a realização da medida. 276 O sigilo das comunicações e de dados integra o direito fundamental à intimidade e apenas pode ser violado por autorização judicial, por força do disposto no art. 5º, XII, da CF/88. Com o objetivo de regulamentar a matéria, foram editadas a Lei nº 9.296/1996, referente à interceptação de comunicação telefônica, e a Lei Complementar nº 105/2001, que trata do sigilo das operações das instituições financeiras. 277 Art. 18 do CPP: “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”. 278 Art. 28 do CPP: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”. 279 Destaque-se que, em se tratando de delitos de competência originária dos Tribunais (foro por prerrogativa de função), onde a denúncia, caso oferecida, será elaborada pelo Procurador-Geral de Justiça, não se aplica o art. 28 do CPP. Nesses casos, é incontestável o poder jurídico-processual do Chefe do Ministério Público que requer, na condição de dominus litis, o arquivamento judicial de qualquer inquérito ou peça de informação. Inexistindo, a critério do Procurador-Geral, elementos que justifiquem o oferecimento de denúncia, não pode o Tribunal, ante a declarada ausência de formação da opinio delicti, contrariar o pedido de arquivamento deduzido pelo Chefe do Ministério Público. Neste sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg na Rp nº 314/MG. Relator: Ministro Francisco Falcão. Corte Especial. DJe 20/10/08. 280 Atividade do Juiz Frente à Constituição: Deveres e Limites em Face do Princípio Acusatório, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.222. No mesmo sentido: SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A Atuação do Juiz no Processo Penal Acusatório: Incongruências no Sistema Brasileiro em Decorrência do Modelo Constitucional de 1998.
97!!
“o controle da legalidade do arquivamento há de ser feito interna corporis, pelo
órgão acusatório oficial”.
De certo, não é dado ao Juiz imergir nos autos da investigação para
avaliar a qualidade do material coletado, indicar diligência ou interferir na
atuação do Ministério Público e na formação do seu convencimento. Ao tomar
conhecimento de algum delito, também não cabe ao Magistrado ordenar a
instauração da investigação policial, devendo, isto sim, encaminhar os
elementos obtidos ao Parquet, que verificará a necessidade ou não de
instauração de Inquérito Policial281.
No curso do Inquérito Policial, o papel do Magistrado é verificar a
legalidade das diligências efetuadas pela autoridade policial e tutelar os direitos
fundamentais do imputado. Sua função é de garante, e não de investigador,
pois, assim agindo, comprometida estará a sua imparcialidade.
Com efeito, a par da adoção do sistema acusatório pela Constituição
Federal de 1988, leis posteriores à sua promulgação incrementaram os
poderes investigatórios dos Juízes, como o art. 3º da Lei de Crime Organizado
(Lei nº 9.035/95), que deferia ao Julgador a possibilidade de realizar,
pessoalmente, diligências de acesso a dados, documentos e informações
bancárias282; a Lei nº 9.296/96 que, em seu artigo 3º, autoriza o Juiz requisitar,
de ofício, a interceptação das comunicações telefônicas; o artigo 4º da Lei nº
9.613/98, que permite o Magistrado decretar, também de ofício, a apreensão e
o sequestro de bens objeto de crime de lavagem de dinheiro.
Mais recentemente, a Lei nº 11.690/2008, que trouxe diversas
inovações ao Código de Processo Penal, conferiu ao Magistrado o poder de
determinar, já na fase da persecução prévia, a produção antecipada de provas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 112-113; e LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 194 e nota de rodapé nº 52 da mesma página.!281 Neste ponto, cumpre salientar que o Projeto de Lei nº 156/09, que estabelece a reforma do Código de Processo Penal, estando atualmente na Câmara dos Deputados (onde assumiu o nº 8.045/2010), em seu artigo 20, não mais prevê a requisição de abertura de Inquérito Policial pelo Juiz, bem como não mais dispõe sobre pedidos de diligências feitos por Magistrados (art. 25, IV). Contudo, no que tange ao art. 28 do atual CPP, o Projeto não modificou a sistemática e manteve o controle judicial do arquivamento do Inquérito Policial (art. 38, parágrafo único, do PL nº 156/09). 282 Através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.570-2, relatada pelo Ministro Maurício Corrêa, o Supremo Tribunal Federal, em 12/02/2004, declarou inconstitucional a referida norma no que se refere ao acesso aos dados fiscais eleitorais e, com relação aos dados bancários, ponderou que a matéria passou a ser regulamentada pela Lei Complementar nº 105/01. Na ocasião, asseverou-se que os poderes instrutórios violam a imparcialidade do Julgador e, por consequência, o princípio do devido processo legal.
98!!
consideradas urgentes e relevantes. Consoante a atual redação do artigo 156
do Código de Processo Penal, “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer,
sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada
a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
medida”.
O retromencionado dispositivo funda um sistema inquisitório,
representado pela quebra da igualdade, do contraditório e da própria estrutura
dialética do processo, fulminando a principal garantia da jurisdição, que é a
imparcialidade do Julgador283.
O Juiz deve manter-se afastado da atividade probatória, para ter o
alheamento necessário para valorar essa prova. A figura do Juiz espectador
em oposição à figura inquisitória do Juiz ator é o preço a ser pago para se
garantir um sistema acusatório284.
Com efeito, não pode o Magistrado colher elementos investigativos
durante a investigação prévia, pois afetada estaria sua imparcialidade; todavia, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!283 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 124. No mesmo sentido, destaca Jacinto Nelson de Miranda Coutinho que “tal preceito é inconstitucional porque, de modo escancarado, rompe com o devido processo legal, formal e substancialmente. Ele é, por sinal, pior que o preceito derrogado (‘Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante’.), o qual dava a impressão –embora não fosse, na prática, verdadeira – de não participar o juiz da colheita dos meios probatórios na primeira fase da persecução. Agora, sem embargo, o texto é mais honesto se medido em relação à realidade que se vive, deixando claro o absurdo fascista das entranhas do sistema, inclusive em relação ao próprio magistrado. Afinal, permite-lhe expressamente, nas duas fases da persecução, ordenar ex officio a produção de provas (...) e, depois, cobra-se dele, a partir da base constitucional, equidistância e equilíbrio na condução do processo e no acertamento do caso penal”. (As Reformas Parciais do CPP e a Gestão da Prova: Segue o Princípio Inquisitivo, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 12). De modo diverso, Cleunice Valentim Bastos Pitombo assevera que “outorgar ao juiz o poder de realizar provas, nos moldes da nova lei, não afronta o modelo processual adotado – inquisitório, na primeira fase, e acusatório na segunda ou, como preferem outros, integralmente acusatório – nem fere a indispensável imparcialidade do juiz. A reconstrução do fato, na persecução penal, é obra de mão comum. Todos os sujeitos do processo – acusador, acusado, vítima e julgador – devem atuar. Perquirir, investigar, buscar elementos de convicção não significa que o juiz substitui ou sobrepõe-se à defesa ou acusação (...). A atividade inquisitiva do juiz, na persecução penal, visando à formação de seu convencimento, é supletiva e complementar à atividade das partes”. (Considerações Iniciais sobre a Lei 11.690/08, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 20). Na mesma linha: ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 212; e NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 346. 284 Aury Lopes Júnior destaca que “é insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar. Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal. De nada basta uma separação inicial, com o Ministério Público formulando a acusação, se depois, ao longo do procedimento, permitimos que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora”. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 124).
99!!
como assinala Gustavo Badaró285, “partindo da distinção entre fontes de prova
e meios de prova, percebe-se, facilmente, que perigo para a imparcialidade
está no juiz que é um pesquisador, um ‘buscador’ de fontes de provas. Já o juiz
que, diante da notícia de uma fonte de prova, como a informação de que uma
certa pessoa presenciou os fatos, determina a produção do meio de prova
necessário – o testemunho – para incorporar ao processo as informações
contidas na fonte de prova, não está comprometido com uma hipótese prévia,
não colocando em risco a sua posição de imparcialidade. Ao contrário, o
resultado da produção daquele meio de prova pode ser em sentido positivo ou
negativo, quanto à ocorrência do fato”.
Assim, não cabe ao Juiz procurar fontes de prova286, pois esta
atividade é exclusiva das partes e pode afetar a imparcialidade; entretanto,
caso venha a tomar conhecimento de alguma fonte, pode determinar a sua
produção por algum meio287.
Além da distorção do sistema legal referente ao poder instrutório
erroneamente conferido ao Magistrado na fase das investigações preliminares,
pode-se citar a questão da prevenção como critério definidor de competência.
É que o mesmo Juiz que atuou no curso das investigações, tendo acesso aos
elementos colhidos e os analisando para efetuar o controle da legalidade e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!285 BADARÓ. Gustavo Henrique. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119-120. 286 Para Antonio Magalhães Gomes Filho, a prova pode ser entendida como demonstração, experimentação e como desafio. A prova é entendida como demonstração quando serve para estabelecer a verdade sobre determinado fato. A prova é vista como experimentação quando indica uma atividade ou procedimento destinado a verificar a correção de uma afirmação. E, por fim, a prova é entendida como desafio quando indica um obstáculo a ser superado como condição para obter o reconhecimento de certas qualidades. O ciclo da prova, por sua vez, compreende a descoberta da fonte de prova (pessoa ou coisa), a sua instrumentação através do meio de prova, a sua produção através do procedimento probatório, a coleta do elemento de prova e, finalmente, a valoração do dado probatório. (Notas sobre a Terminologia da Prova: Reflexos no Processo Penal Brasileiro, em Estudos em Homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. Flávio Luiz Yarshell e Maurício Zanóide de Moraes (organizadores). São Paulo, DPJ, 2005, p. 305-308). As fontes de prova são as pessoas ou coisas a partir das quais se pode extrair o dado probatório; já o meio de prova é a atividade por meio da qual os dados probatórios são fixados no processo, sendo tudo aquilo que permite conhecer os fatos relevantes da causa. (ABELLÁN, Marina Gascón. Los Hechos en el Derecho: Bases Argumentales de La Prueba. Madrid: Marcial Pons, 1999, p. 85. 287 Jacinto Nelson de Miranda Coutinho destaca: “Ora, para o processo penal ser devido, as partes devem ocupar o lugar que CR destinou para elas e, assim, não faz qualquer sentido o juiz ter a iniciativa da prova (como se fosse ônus processual seu), mormente em favor da acusação e contra o réu ou mesmo vice-versa. Isso não significa que ele vá ser como uma ‘samambaia’, conforme ingenuamente alguém sugeriu. Basta ver que se as partes propõem meios de prova para esclarecer o juiz, é evidente que tal esclarecimento deve ser feito por ele se elas não conseguem se desincumbir de sua função”. (Anotações Pontuais sobre a Reforma Global do CPP, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, edição especial, ago./2010, p. 17).
100!!
para fundamentar as decisões interlocutórias que venha a proferir no curso do
Inquérito, será também o responsável pelo recebimento da acusação
porventura formulada e conduzirá o processo instaurado até o seu desfecho
final.
O artigo 83 do Código de Processo Penal dispõe que “verificar-se-á
a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes
igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver
antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a
este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa”.
Juízes igualmente competentes são aqueles que têm a mesma competência
em razão da matéria e do lugar, pois integram a mesma comarca; já
Magistrados com jurisdição cumulativa são os que, embora detenham mesma
competência em razão da matéria e do local, integram comarcas distintas.
A prevenção pressupõe dois Juízes com a mesma competência –
sejam ou não da mesma circunscrição judiciária – e é um critério subsidiário de
determinação da competência, a incidir sempre que os demais critérios
restarem insuficientes na indicação de qual o Juiz competente para processar e
julgar certo caso penal288.
O artigo 83 do Código de Processo Penal fala “em prática de algum
ato do processo” ou de “medida a este relativa”, o que, na visão doutrinária289 e
jurisprudencial290, traduz-se pelos atos ou medidas judiciais de natureza
decisória, que tenham ofertado ao Magistrado um conhecimento prévio acerca
do objeto da futura ação penal, propiciando-lhe a formação de uma convicção
provisória acerca da existência do crime e da possível participação do acusado
no delito.
Percebe-se que a legislação pátria e os operadores do Direito
entendem que o prévio contato do Magistrado com a ação, inclusive antes de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!288 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 242. 289 KARAM, Maria Lúcia. Competência no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 149; e LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 434. 290 “Embora a prisão em flagrante tenha ocorrido em outra Comarca, a competência para o julgamento dos crimes que ocorrem em cidades diversas é, nos termos do art. 83, do Código de Processo Penal, do Juízo que primeiro praticou ato decisório no processo. Na espécie, competente o Juízo de Direito da Comarca de São Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo, pois foi o que primeiro conheceu do processo, autorizando a escuta telefônica”.(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 85.068/SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. DJe 03/03/2008).
101!!
seu início, o vincula e o torna competente para a apreciação do mérito da
causa291. Contudo, tomando por base as hipóteses já mencionadas de atuação
do Magistrado na fase pré-processual, verifica-se que a simples observância do
fumus comissi delicti exige uma tamanha proximidade do Juiz com os
elementos colhidos na investigação preliminar que, sem margem a dúvidas,
cria no subjetivo do Julgador impressões e pré-conceitos incompatíveis com o
alheamento que deve nortear sua atuação durante a instrução, com a
imparcialidade exigida na prestação da atividade jurisdicional292.
A propósito, leciona Fauzi Hassan Choukr293: “A principal
consequência do nosso sistema nesse ponto é a de permitir que o juiz que tem
contato com os autos do inquérito para qualquer ato (...) possa ser
indesejavelmente influenciado por tudo aquilo que foi produzido previamente à
ação penal, deixando aflorar essa influência não somente no juízo de
admissibilidade da inicial, mas, sobretudo, procurando incorporar seu
convencimento quanto ao mérito elementos de informação que não teriam essa
finalidade”.
No início da presente dissertação294, foi adotado, não por acaso, a
epistemologia garantista de Luigi Ferrajoli, que concebe o Processo Penal
como um sistema de enunciados normativos orientados à garantia dos direitos
fundamentais dos cidadãos, situando o Magistrado em uma posição
independente e imparcial, alheia aos interesses das partes e ao objeto da
demanda.
Nessa linha, não restam dúvidas de que a atuação do Magistrado,
no âmbito da atual ordem constitucional, é de garantia dos direitos
fundamentais. Todavia, o paradoxo está no fato de que, justamente no
exercício dessa função de garantidor dos direitos fundamentais do imputado,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!291 Esta posição é diametralmente oposta ao entendimento de longa data do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que, inicialmente, de forma mais rígida, mas, atualmente, mais flexível, vem entendendo que a atuação do Magistrado na fase pré-processual tem que ser vista com cautela e diante do caso concreto: se tomou decisões que exigiam dele formar uma convicção acerca da culpabilidade do suspeito, sua imparcialidade encontra-se comprometida. Para uma análise das decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, consultar: MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal: Da Prevenção da Competência ao Juiz de Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 142-157. 292 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 166-167.!293 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 93. 294 Mais especificamente no Capítulo I.!
102!!
no curso das investigações preliminares, que exige do Magistrado uma efetiva
aproximação com o material informativo colhido, é que sua imparcialidade resta
comprometida para a posterior condução do processo e emissão de uma
decisão de mérito.
De fato, não há como verificar a existência de provas do crime, de
indícios veementes da procedência ilícita dos bens, de fundadas razões que
indiquem a necessidade de interceptação telefônica ou se convencer da
certeza da infração sem se contaminar subjetivamente. A exigência de que o
Juiz analise tais elementos para aquilatar a legitimidade da medida proposta e,
principalmente, de que fundamente sua decisão, indicando os motivos de seu
convencimento, é incompatível com a ideia de distanciamento e, em
decorrência, de imparcialidade.
O legislador pátrio atento a esta nuance do sistema processual
pátrio, manteve, no Projeto nº 156/2009, que visa estabelecer um novo Código
de Processo Penal, o critério de prevenção como critério definidor de
competência; entretanto, estabeleceu a figura do Juiz de Garantias295, ao qual
é atribuída a competência para o exercício da função de garantidor dos direitos
fundamentais na fase pré-processual.
Nesse quadrante, ao Juiz de Garantias compete resguardar a
legalidade da investigação criminal e a irrestrita observância dos direitos
fundamentais do imputado, dependendo da sua autorização a concretização de
medidas cautelares reais e pessoais e a busca de provas que impliquem ou
possam implicar supressão de direitos fundamentais.
Segundo o art. 15 do Código projetado, a competência do Juiz de
Garantias cessa com a propositura da ação penal, competindo a instrução
criminal da acusação formulada pelo Ministério Público ou pelo ofendido a
outro órgão jurisdicional que não tenha tido contato com a investigação
preliminar. Aqui, contudo, o Projeto é alvo de críticas, pois entende-se que a
competência do Juiz de Garantias não deveria encerrar com o oferecimento da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!295 Consoante o art. 14 do Projeto nº 156/09, o Juiz de Garantias será “responsável pelo controle da legalidade da investigação e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário”. A terminologia usada no Projeto nº 156/09 é “Juiz das Garantias”, embora na própria exposição de motivos conste, também, a expressão “Juiz de Garantias”, como a adotada na presente dissertação.
103!!
acusação formal, cabendo-lhe, também, a análise do recebimento296 ou não da
imputação, passando ao Juiz da causa a ação penal já instaurada, a fim de que
os elementos colhidos na investigação prévia não sirvam para a formação da
convicção do Magistrado297, ressalvados os elementos de informação
irrepetíveis ou urgentes, cuja produção foi realizada nessa fase preliminar298.
As críticas que se fazem ao Juiz de Garantias é que, primeiro, ele é
desnecessário, pois há Juízes que já garantem os direitos do imputado e,
segundo, que o Poder Judiciário não possui condições orçamentárias para
assegurar ao menos dois Magistrados em cada seção judiciária (Justiça
Federal) ou comarca (Justiça Estadual) do território nacional.
Como resposta à crítica da existência de Juízes que já garantem os
direitos do investigado, pode-se afirmar que o escopo do Juiz de Garantias não
é apenas a tutela dos direitos dos cidadãos no curso da investigação
preliminar, mas, também, garantir a isenção do Magistrado que julgará o mérito
da causa299. Por outro lado, quanto ao argumento de escassez orçamentária,
pode-se afirmar que o próprio Projeto nº 156/09 prevê uma vacatio legis
específica para a implementação do Juiz de Garantias300. Assim, alegar falta de
recursos financeiros, mesmo diante do dilatado prazo, demonstra, na verdade,
uma postura avessa a qualquer tipo de mudança. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!296 O recebimento da denúncia ou queixa é reconhecido pela jurisprudência dominante como um ato que dispensa motivação. Neste sentido: “(...) o despacho que recebe a denúncia ou a queixa, embora tenha também conteúdo decisório, não se encarta no conceito de ‘decisão’, como previsto no art. 93, IX, da Constituição, não sendo exigida a sua fundamentação”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 95.354/SC. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJe 26/08/2010). Em sentido diverso: “(...) tão curta, sem nenhuma referência às defesas apresentadas, a decisão contaminou-se de nulidade absoluta, ante o disposto no art. 93, IX, da Constituição da República”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federa. HC nº 84.919/SP. Relator: Ministro Cezar Peluso. DJe 25/03/2010). A doutrina, por sua vez, reconhece que, quando da análise da denúncia ou queixa e de sua resposta, é exigido que o Juiz decida ser ou não caso de rejeição da inicial ou de absolvição sumária, pronunciando-se sobre as alegações defensivas de mérito, nos termos dos artigos 395 e 397 do CPP. Assim, sendo tais questões intimamente vinculadas ao mérito, exige-se a fundamentação do ato. (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 209; LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 173-175). 297 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal: Da Prevenção da Competência ao Juiz de Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 228.!298 MORAES, Maurício Zanoide de. Quem tem medo do “Juiz das Garantias”, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, edição especial, ago./2010, p. 22.!299 “Com o juiz das garantias, caminha-se para um juiz da causa mais imparcial, pois, a princípio, ele não estará mais ligado às suas próprias decisões anteriores”. (MORAES, Maurício Zanoide de. Quem tem medo do “Juiz das Garantias”, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, edição especial, ago./2010, p. 22).!300 O artigo 701 do Projeto nº 156/09 dispõe que a regra de impedimento de atuação do Juiz de Garantias como Juiz da causa em cuja investigação tenha participado somente entrará em vigor “no prazo de 03 (três) anos após a publicação deste Código, e em 06 (seis) anos, se se tratar de comarca onde houve apenas 01 (um) juiz”.
104!!
De qualquer sorte, e com as adequações que se fazem necessárias,
o Juiz de Garantias parece ser, de fato, um passo para a solução da garantia
da imparcialidade do Magistrado no curso da futura ação penal.
2.2.3.4. A vítima
Na fase da investigação preliminar, a colaboração da vítima é
essencial para a apuração da conduta delitiva, pois, além de suas declarações
serem importante meio de prova, há uma série de atos que dependem de sua
presença, como a acareação, o reconhecimento pessoal de pessoas e coisas,
a reconstituição e o exame de corpo de delito.
A intervenção do ofendido no Inquérito Policial auxilia na coleta dos
elementos informativos necessários para embasar a opinio delicti (seja a sua
própria, nos caso em possui legitimação para iniciar a ação penal; ou a do
Ministério Público, se for crime de ação penal pública) e serve, também, para
garantir a reparação do dano causado pela infração.
Na ação de auxiliar a coleta de elementos informativos, o Código de
Processo Penal dispõe que a própria vítima, no desejo de responsabilizar
criminalmente o autor do delito, pode requerer a instauração do Inquérito
Policial, nos termos do artigo 5º, II, e § § 4º e 5º. Além disso, pode a vítima, ao
longo da investigação preliminar, solicitar diligências à autoridade policial,
consoante a regra prevista no art. 14 do Código de Processo Penal301.
Quanto ao interesse da vítima em ser ressarcida dos prejuízos
advindos da prática criminosa, o legislador previu as medidas cautelares
patrimoniais (apreensão, sequestro, arresto), que podem ser requeridas pelo
ofendido e visam impedir a deterioração do patrimônio do acusado, garantindo
a futura reparação do dano.
Há também a preocupação em proteger a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem da vítima, direitos prescritos no artigo 5º, V e X, da
Constituição Federal de 1988. Dessa forma, o legislador expressamente
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!301 A participação do ofendido serve para aumentar a eficiência da investigação criminal. Assim, embora a lei mencione que as diligências solicitadas pela vítima serão realizadas, ou não, a juízo da autoridade policial, a doutrina entende que só devem ser indeferidos seus requerimentos quando forem realmente desnecessários ou implicarem inadequado atraso ou desvio no caminho da investigação. (SCARANCE FERNANDES, Antonio. O Papel da Vítima no Processo Criminal. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 75).
105!!
dispôs, no artigo 201, § 6º, do Código de Processo Penal, que: “o juiz tomará
as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e
imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em
relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a
seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação”.
De certo, a participação da vítima, quando possível, traz
consequências positivas ao caminhar das investigações preliminares, pois,
como bem asseverou Antonio Scarance Fernandes302, “o próprio sucesso da
investigação e, consequentemente, o bom resultado final do processo
dependem muito do interesse da vítima em colaborar. É ela quase sempre
quem comunica o crime e indica as principais testemunhas. O seu retorno para
prestar ou fornecer novos esclarecimentos é de máxima importância. A sua
participação é necessária para a realização de diligências relevantes, tais como
os reconhecimentos de pessoas e coisas e a elaboração do exame de corpo de
delito”.
2.2.3.5. O imputado visto como sujeito de direitos
Para a análise da participação do imputado303 no curso do Inquérito
Policial, é preciso, mais do que nunca, ter em mente o sistema processual
constitucional-garantista disposto no primeiro capítulo da presente dissertação,
que condiciona e vincula o exercício do poder punitivo por parte do Estado, de
modo a minimizar a violência e a maximizar a liberdade.
Em decorrência, deve-se reconhecer que o imputado, no curso do
Inquérito Policial, é sujeito ou titular de direitos, sujeito do procedimento, e não
apenas sujeito ao procedimento. O indivíduo é, aliás, sujeito e titular de direitos
sempre, não importa em que estágio o procedimento se encontre, pois os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!302 O Papel da Vítima no Processo Criminal. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 59-60. 303 Antonio Scarance Fernandes define a imputação como um “juízo pelo qual se atribui a alguém a prática de fato penal relevante”. A partir desta noção, o autor divide a imputação em sentido amplo, que seria aquela existente na fase investigatória e que normalmente se concretiza pelo indiciamento, e em sentido estrito, que decorreria do oferecimento de acusação formal e instauração da relação jurídico-processual (Reação Defensiva à Imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 103). Aury Lopes Júnior utiliza a expressão suspeito para designar a situação jurídica daquela pessoa sobre a qual recai uma imputação extrajudicial e que ainda não foi formalmente indiciada (Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 287). Na presente dissertação, usa-se a expressão “imputado”, para definir todo aquele submetido a uma investigação preliminar.
106!!
direitos e garantias constitucionais não têm limites especiais e devem
simplesmente ser obedecidos.
Assim, o imputado tem o direito ao silêncio, merece ter sua integridade
física preservada, não pode ser submetido a qualquer procedimento vexatório,
como a exposição de sua imagem, e pode constituir advogado para
acompanhar as investigações, mormente quando se sabe que, apenas no
curso do Inquérito, é que serão produzidas determinadas provas que não mais
se repetirão304.
O legislador brasileiro costuma tratar o sujeito passivo do Inquérito
Policial como indiciado, distinguindo-o do suspeito. Na primeira hipótese, há
mero juízo de possibilidade da autoria, pois inexistem elementos suficientes
para determiná-la; já na segunda, no caso do indiciado, fala-se em juízo de
probabilidade da autoria, ante a presença de indícios já colhidos na
investigação.
O indiciamento é um ato de competência da autoridade policial que, ao
reunir elementos suficientes de autoria da infração penal, deve proceder à
mudança de postura frente ao investigado, que, de mero suspeito, passa a ser
indiciado305. Como consequência do indiciamento, o imputado ficará sujeito,
caso necessário, às medidas cautelares de natureza pessoal e real. Outrossim,
a partir do indiciamento, observa-se a ocorrência do momento ideal a partir do
qual se deve garantir a oportunidade ou o ensejo do direito de defesa, dado
que o juízo que se encerra é o de ser o sujeito o provável autor do delito, tendo
o indiciado o interesse de demonstrar que não deve ser denunciado em juízo,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!304 Marta Saad destaca que, tendo-se em conta o informalmente acusado como sujeito do inquérito e não apenas como sujeito ao inquérito, tem ele direito de defesa, de ser considerado inocente, de não ser forçado a produzir prova contra si mesmo, de escolher defensor e ser por ele assistido ou, quando não possuir condições de arcar com os custos de advogado constituído, que lhe seja dado o direito de ser assistido por um defensor público. (O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 205-207). 305 Sérgio Marcos de Moraes Pitombo destaca que aquele suspeito inicial, em havendo prova da autoria da infração, deve ser indiciado, demonstrando, dessa forma, que o ato de indiciamento não é discricionário, pois deve ter amparo na lei, não cabendo à autoridade policial escolher se vai indiciar ou não. Em decorrência, aquele contra o qual há apenas frágeis indícios não pode ser indiciado, permanecendo na condição de mero suspeito; por outro lado, a pessoa suspeita da prática da infração penal passa a figurar como indiciada, a contar do instante em que, no Inquérito Policial instaurado, se lhe verificou a probabilidade de ser o agente. (O Indiciamento como Ato da Polícia Judiciária, em Revista dos Tribunais, nº 577, nov.-1983, p. 313-314).
107!!
além de lhe garantir o direito ao silêncio, de não participar de atos que possam
incriminá-lo e ter ciência dos elementos até então apurados306.
Apesar da relevância do indiciamento, o ato não é tratado pelo atual
Código de Processo Penal, que não prevê um momento específico e uma
forma própria para o indiciamento. Além disso, a lei não exige da autoridade
policial a motivação das razões que a levaram a indiciar determinado suspeito,
quando o ideal seria que a própria lei previsse a obrigatoriedade de
fundamentação do ato em comento, fazendo com que a autoridade policial
apresentasse suas razões, de modo que o indiciado, seu advogado, o Órgão
Ministerial e até mesmo o Juiz ou o Tribunal tivessem conhecimento do motivo
pelo qual a autoridade policial convenceu-se da necessidade do
indiciamento307.
Atento a esta falha do Código de Processo Penal, o Projeto nº
156/2009, em seu artigo 31, cuidou especificamente do indiciamento, exigindo
da autoridade policial fundamentação para atribuir ao investigado a condição
jurídica de indiciado, observando as garantias constitucionais e legais308
Como já dito, com o indiciamento, o imputado sujeita-se com maior
intensidade aos atos investigatórios, ao mesmo tempo em que passa a
desfrutar de uma série de direitos309, merecendo atenção especial o direito de
defesa, que se desdobra em defesa técnica, exercida por profissional
habilitado, e autodefesa, que é a participação ativa ou não do próprio imputado. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!306 Todavia, mesmo antes do indiciamento formal o suspeito tem sim o direito de defesa, ainda mais porque nosso ordenamento não estabelece um momento em que deve ocorrer o indiciamento. (LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 298). 307 Maria Elizabeth Queijo destaca que “o indiciamento deveria ser objeto de decisão fundamentada por parte da autoridade policial, indicando quais os elementos probatórios constantes do inquérito policial dão lugar àquela medida”. (Os Abusos no Indiciamento Indireto, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 19, nº 223, ago./2010, p. 08). Fauzi Hassan Choukr assevera que, embora o art. 93, IX, da CF/88 refira-se apenas às decisões judiciais, pode-se afirmar que a fundamentação das decisões administrativas, como é o caso das proferidas pela autoridade policial, encontra-se prevista pela cláusula de escape do § 2º do art. 5º da CF/88, que possibilita o reconhecimento das garantias decorrentes do sistema globalmente considerado, ainda que não taxativamente previstas. (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 95-96). 308 A importância do dispositivo em tela vem à tona quando se sabe que, na prática, não é raro a autoridade policial deixar de indiciar para tolher direitos do imputado, chamando-o para ser ouvido como testemunha, quando, na verdade, é o principal suspeito do suposto crime. (SAAD, Marta. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 257-258). 309 Antonio Scarance Fernandes destaca os principais direitos do indiciado: (i) ter ciência da imputação; (ii) ser ouvido, caso queira, sobre a imputação; (iii) ter conhecimento do proceder investigatório; (iv) apresentar, por si ou por defensor, dados que possam influir no andamento da investigação, no oferecimento da denúncia e na análise da viabilidade da futura ação penal. (Reação Defensiva à Imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 113).
108!!
Marta Saad310 destaca que o direito de defesa deve ser assegurado no
curso do Inquérito Policial, mas não só a autodefesa, insuficiente ante o
comprometimento emocional e o desconhecimento técnico do imputado, e sim,
também, a defesa técnica, através de advogado habilitado e comprometido na
defesa dos interesses do sujeito passivo.
Sendo a defesa técnica imprescindível ao Processo Penal, desde o
início da persecução penal, pode-se afirmar que a mesma constitui direito
subjetivo de todo acusado. Assim, ainda que este não nomeie um advogado,
cabe então ao Estado prover tal deficiência, nomeando um defensor ao
acusado impossibilitado de fazê-lo, assegurando aos hipossuficientes a
assistência por profissional legalmente habilitado e com capacidade técnica311.
Neste contexto, a Lei n° 11.449/2007, quando impôs, no §1º do art.
306 do Código de Processo Penal, o encaminhamento de cópia integral do
auto de prisão em flagrante para a Defensoria Pública, em 24 (vinte e quatro)
horas, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, mostra que
nosso legislador312 deu um passo adiante na consecução dos ditames
estatuídos por nossa Constituição Cidadã.
Em relação ao direito de defesa no curso do Inquérito Policial,
atualmente, reconhece-se sua incidência sem grandes discussões. Todavia,
em relação à existência ou não de contraditório, ainda persiste uma
divergência a respeito da matéria.
A questão toma fôlego ante a redação do artigo 5º, LV, da Constituição
Federal de 1988, que diz: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Ante o dispositivo em
comento, há quem defenda313 a existência de contraditório no Inquérito Policial,
por conta da menção a “processo administrativo”.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!310 O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 202.!311 Art. 134 da CF/88: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. 312 Atualmente, existem dois Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional, com o objetivo de regulamentar a assistência do advogado no Inquérito Policial: Projeto de Lei nº 2.336/2000 e o Projeto de Lei nº 6.556/2002. 313 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 309-311; e TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 221.
109!!
Outra parte dos doutrinadores314 entende que a redação do
retromencionado dispositivo constitucional apartou não só litigantes de
acusados, mas também contraditório de ampla defesa, de forma que cada qual
é exercido de acordo com o instante e a natureza do procedimento que lhe seja
compatível. Assim, se é certo que, no Processo Penal, não há litigantes, mas
sim acusador e acusado, no Inquérito Policial, procedimento administrativo com
fins judiciais, não há possibilidade de se estabelecer contraditório, mas sim
exercício do direito de defesa.
De fato, no Inquérito Policial, não se pode estabelecer contraditório em
sentido técnico, porque ainda não há parte e contraparte, nem tampouco
sujeito imparcial destinatário do resultado. Ademais, pela própria razão de
existir do Inquérito Policial, inviável torna-se o contraditório, pois o sucesso das
investigações depende, muitas vezes, da surpresa da sua realização.
Por conseguinte, se se mostra inapropriado falar em contraditório no
curso do Inquérito Policial, não se pode afirmar que não se admite o exercício
do direito de defesa, porque este tem lugar em todos os crimes e em qualquer
tempo de estado da causa.
2.3. O valor probatório dos elementos colhidos no curso do Inquérito Policial
Sem dúvidas, um dos temas atinentes ao estudo do Inquérito Policial
que causa mais indignação é a transcendência irracional dos elementos
colhidos no curso das investigações preliminares para o bojo da sentença
penal.
O Inquérito Policial destina-se a colher elementos de convicção
acerca de uma prática delitiva, que servem para acusação formular a denúncia
e para o Juiz fundamentar as decisões interlocutórias proferidas nessa fase,
bem como justificar eventual ação penal ou arquivamento do feito. E só.
Qualquer uso dos elementos colhidos para além destas finalidades é indevido, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!314 SAAD, Marta. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 216; CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 129-130; SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 62-63).
!!
110!!
posto que, em regra, a ausência de contraditório faz com que a eficácia de tais
elementos seja limitada.
Com efeito, é comum que, durante a investigação, haja a
necessidade de medidas restritivas de ordem patrimonial ou pessoal, como o
exame de corpo de delito, a perícia complementar e o exame do local do crime,
que têm caráter cautelar, na medida em que, com elas, se pretende assegurar
o resultado da prova. Em regra, essas medidas e perícias são determinadas no
curso das investigações, sem audiência do imputado e sem participação da
defesa. O contraditório é diferido315, visto que a sua observância é posterior ao
ato, no processo, ocasião na qual será dado ao acusado a oportunidade de
contestar a providência restritiva ou de combater a prova pericial realizada no
Inquérito Policial316.
Provas antecipadas são as produzidas com observância do
contraditório e com a participação do Juiz em incidente próprio, antes do
momento reservado à instrução processual, como acontece com a inquirição
de uma testemunha muito idosa ou acometida de doença grave317. Já
irrepetibilidade mencionada no artigo 155318 do Código de Processo Penal
refere-se aos elementos que podem ser utilizados como prova, desde que haja
um contraditório postergado. São irrepetíveis, por exemplo, as interceptações
telefônicas, a busca e apreensão, o reconhecimento pessoal.
Em relação às medidas retromencionadas, é perfeitamente possível
sua utilização pelo Magistrado quando da prolação da sentença e, segundo
Antonio Scarance Fernandes319, é esta a interpretação que deve ser dada ao
artigo 155 do Código de Processo Penal, isto é, o Magistrado somente pode !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!315 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 224-226. 316 “Tem-se entendido que as provas periciais obtidas na fase policial independem de manifestação do indiciado, porque o inquérito é marcadamente inquisitório e também porque pode o réu, na ação penal, impugnar a perícia, requerer novo exame ou pedir esclarecimentos aos peritos. Realiza-se enfim um contraditório diferido (...). A perícia no inquérito é prova antecipada, de natureza cautelar, e só se justificará quando presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris”. (GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, Antônio; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 183). 317 O artigo 225 do Código de Processo Penal faz menção à produção antecipada de provas, in verbis: “Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”. 318 Art. 155 do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. 319 Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 65.
111!!
julgar com base em provas produzidas em contraditório judicial, mas poderá
levar em conta, não exclusivamente, elementos informativos da investigação,
quando constituírem provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
O Inquérito, como procedimento a cargo da Polícia e sem natureza
processual, possui alto grau de liberdade na forma e, por isso, o seu valor
probatório é limitado. Ademais, é inviável transferir ao Inquérito a estrutura
dialética do processo e suas garantias plenas, da mesma forma que não se
pode tolerar uma condenação com base em um procedimento onde as
garantias são limitadas. Para equacionar este problema, deve-se valorar
adequadamente os atos da investigação policial e, nas situações excepcionais,
em que seja inviável a repetição em juízo, o ideal é transferir a estrutura
dialética do processo à fase pré-processual, através do incidente de produção
antecipada de provas320.
Na prática, contudo, os Juízes valem-se da redação321 prevista no
artigo 155 do Código de Processo Penal para sentenciar usando elementos
colhidos na fase extrajudicial, cotejando com as provas colhidas no curso da
instrução criminal.
Em recente caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul322, nos
autos da Apelação Criminal nº 70042374447, julgada em 11/08/2011,
expressamente mencionou que “a prova policial só deve ser desprezada,
afastada, como elemento válido e aceitável de convicção quando totalmente
ausente prova judicial confirmatória ou quando desmentida, contrariada ou
nulificada, pelos elementos probatórios colhidos em juízo através de regular
instrução. Havendo, porém, prova produzida no contraditório, ainda que menos
consistente, pode e deve ser considerada e chamada para, em conjunto com
esta, compor quadro probante suficientemente nítido e preciso”. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!320 LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 206. 321 Antonio Magalhães Gomes Filho destaca que “ao introduzir na nova redação do art. 155 do CPP o advérbio exclusivamente, a Lei 11.690 permite que elementos informativos da investigação possam servir de fundamento ao juízo sobre os fatos, desde que existam, também, provas produzidas em contraditório judicial. Em outros termos: para chegar ao resultado da prova, ou seja, à conclusão sobre a veracidade ou falsidade de um fato afirmado, o juiz penal pode servir-se tanto de elementos de prova (produzida em contraditório) como de informações trazidas pela investigação. Só não poderá se utilizar, diz a lei, exclusivamente de dados informativos da investigação”. (Provas - Lei 11.690, de 09.06.2008, em As Reformas no Processo Penal. Maria Thereza Rocha de Assis Moura (organizadora). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.251). 322 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime nº 70042374447. Sétima Câmara Criminal. Relator: Sylvio Baptista Neto. Julgado em 11/08/2011.
112!!
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, há o entendimento
consolidado de impossibilidade de condenação com base exclusiva em
elementos extrajudiciais. No curso do julgamento do Recurso Especial nº
1253537/SC323, afirmou a Relatora, Ministra Maria Thereza Rocha de Assis
Moura que: “Segundo entendimento desta Corte, a prova idônea para arrimar
sentença condenatória deverá ser produzida em juízo, sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa, de modo que se mostra impossível invocar
para a condenação, somente elementos colhidos no inquérito, se estes não
forem confirmados durante o curso da instrução criminal”.
No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Ricardo Lewandowski,
quando do julgamento do Habeas Corpus nº 103660/SP324, também asseverou
que: “Segundo entendimento pacífico desta Corte não podem subsistir
condenações penais fundadas unicamente em prova produzida na fase do
inquérito policial, sob pena de grave afronta às garantias constitucionais do
contraditório e da plenitude de defesa”.
Contudo, embora não admita a condenação com base exclusiva nos
elementos colhidos no curso do Inquérito Policial, o próprio Superior Tribunal
de Justiça permite a utilização dos elementos colhidos na fase investigatória,
caso sejam eles confirmados por alguma outra prova judicializada325. Assim,
desde que não sejam os únicos dados de prova a formar o convencimento
judicial, os atos do Inquérito podem embasar a condenação326. O mesmo
ocorre no âmbito do Supremo Tribunal Federal.327
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!323 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº1253537/SC. Relatora: Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura. Sexta Turma. DJe 19/10/2011. No mesmo sentido: HC nº 118296/SP. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe 14/02/2011. 324 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 103660/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJe 07/04/2011. 325 “Embora esta Corte Superior de Justiça tenha entendimento consolidado no sentido de considerar inadmissível a prolação do édito condenatório exclusivamente com base em elementos de informação colhidos durante o inquérito policial, tal situação não se verifica na hipótese, já que o magistrado singular apoiou-se também em elementos de prova colhidos no âmbito do devido processo legal”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 118719/SP. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe 19/04/2010).!326BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 124277/SP. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe 15/12/2009; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1112658/MS. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Quinta Turma. DJe 14/12/2009; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 156251/SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. DJe 08/09/2011. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 327 “Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementados por outros indícios e provas obtidos na instrução judicial”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 104669/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJe 18/11/2010).
113!!
Por outro lado, contraditoriamente, afirma-se que eventuais vícios
existentes nas investigações prévias não contaminam a ação penal, pois o
Inquérito é peça meramente informativa, e não probatória. Ora, se podem estes
mesmos elementos, se somados a provas judicializadas, servir de base à
sentença proferida ao final da ação penal, é incongruente afirmar que a coleta
irregular desses dados não macula o processo328.
Pelo exposto, fica clara a transcendência do Inquérito Policial, que,
ao invés de ficar restrito à sua função endoprocedimental, no sentido de que
sua eficácia vincula-se à fundamentação das decisões interlocutórias tomadas
no seu curso e para embasar o recebimento ou o arquivamento da acusação,
tem seus dados utilizados para embasar sentenças condenatórias.
Para se entender o limitado valor dos dados colhidos durante o
Inquérito Policial, é imprescindível valer-se da diferenciação feita pelo
processualista espanhol Ortels Ramos329 quanto aos atos de investigação e
aos atos de prova. Em relação aos primeiros, destaca que: (i) não se referem a
uma afirmação, mas a uma hipótese; (ii) estão a serviço da instrução
preliminar, isto é, da fase pré-processual e para cumprir seus restritos
objetivos; (ii) servem para formar um juízo de probabilidade, e não de certeza;
(iv) não exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação,
pois pode haver restrições; (v) servem para a formação da opinio delicti do
acusador; (vi) não estão destinados à sentença, mas para demonstrar a
probabilidade do fumus commissi delicti e, assim, justificar o processo
(recebimento da ação penal) ou o não-processo (arquivamento); (vii) servem de
fundamento para as decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e
adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou outras restrições de caráter
provisional; (viii) podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia
Judiciária.
Quanto aos atos de prova, ressalta que os mesmos estão dirigidos a
convencer o Juiz da verdade de uma afirmação, pois integram o processo.
Como se dirigem a formar um juízo de certeza, visto que servem à sentença, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!328 Neste sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 626600 AgR/ES. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Primeira Turma. DJe 25/11/2010; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 177888/SP Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe 29/08/2011. 329 RAMOS, ORTELS. Eficacia probatoria del acto de investigación sumarial. Estudio de los artículos 730 y 714 de La LECrim, em Revista de Derecho Procesual Iberoamericana, ano 1982, nº 2-3, p. 365-427.
114!!
exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação e são
praticados perante o Juiz que julgará o processo330.
Ora, claro está que os elementos colhidos no Inquérito Policial, por
serem atos de investigação, têm seu campo de incidência limitado aos seus
objetivos específicos, de modo que a usual condenação com base nestes
elementos desvirtua todo o sistema constitucional-garantista, na medida em
que viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Na verdade, o lógico
seria que o conflito resultante de provas divergentes fosse resolvido em favor
do acusado, absolvendo-o, e não invocando elementos colhidos
unilateralmente para efetivar uma condenação.
Antonio Magalhães Gomes Filho331, enfrentando o tema, afirma que
“ao dizer que o juiz formará o seu convencimento pela livre apreciação da
prova produzida em contraditório judicial, excluindo, ao mesmo tempo, que
possa utilizar exclusivamente elementos informativos colhidos na investigação,
o legislador consagrou e sublinhou a nítida e apropriada distinção entre o que é
prova e aquilo que constitui elemento informativo da investigação. São, com
efeito, conceitos que não se confundem, até porque constituem resultado de
atividades com finalidades diversas: os atos de prova objetivam a introdução de
dados probatórios (elementos de prova) no processo, que servem à formulação
de um juízo de certeza próprio da sentença; os atos de investigação visam à
obtenção de informações que levam a um juízo de probabilidade idôneo a
sustentar a opinio delicti do órgão da acusação ou de fundamentar a adoção de
medidas cautelares pelo juiz. A Lei 11.690/2008, ao tornar explícita essa
diferença essencial entre prova e elemento informativo trazido pela
investigação, ressalta que a observância do contraditório é verdadeira condição
de existência da prova”.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!330 Marcos Zilli também empreende a diferenciação entre os elementos informativos e as provas e destaca que “os primeiros são obtidos na fase investigatória, sem a participação dialética das partes. Prestam-se para a fundamentação das medidas cautelares e também para a estruturação de uma condenação. As provas, por sua vez, têm o seu regime jurídico ligado ao contraditório judicial. São aquelas produzidas com a participação do acusador e do acusado e mediante a direta e a constante supervisão do julgador. Somente em situações excepcionais é que se admite um contraditório postergado. É o caso das provas antecipadas – quando evidenciado o perigo real e concreto de perecimento do objeto probatório - e das não repetíveis – como no caso de alguns exames periciais. Logo, uma vez não preenchidos os requisitos da cautelaridade, a prova deverá ser produzida, necessariamente, em juízo”. (O Pomar e as Pragas, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 2). 331!Provas - Lei 11.690, de 09.06.2008, em As Reformas no Processo Penal. Maria Thereza Rocha de Assis Moura (organizadora). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 251.!
115!!
Fauzi Hassan Choukr332 destaca que o desvirtuamento do sistema
ganhou força na medida em que materializa uma comodidade ímpar aos
Julgadores, pois “é muito mais cômodo utilizar informações já existentes, ainda
que nos autos da investigação, do que produzi-las sob o prisma do
contraditório”.
Para finalizar, cumpre destacar a lição de Anamaria Campos
Torres333, consoante a qual “importante é que sejam assegurados no
procedimento probatório que as partes de forma efetiva contribuam para a
aquisição da verdade, existindo presença e participação efetiva inclusive com
apresentação de contraprova, o que significa efetivação do contraditório,
complementado com a proibição de utilização de provas formadas fora do
processo. Assim está assegurada a igualdade das partes, ante a participação
nos atos probatórios e o poder pronunciar-se sobre seus resultados”.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!332 Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 136.!333 A Busca e a Apreensão e o Devido Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 72.
116!!
CAPÍTULO 3 – O TRIBUNAL DO JÚRI E A INCONGRUENTE TRANSCENDÊNCIA DOS ELEMENTOS COLHIDOS NA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
3.1. O Júri brasileiro: breve apanhado histórico e comentários sobre seus mais relevantes pontos
O Tribunal do Júri foi criado334 no Brasil em 1822335, restringindo-se,
inicialmente, aos crimes de opinião ou de imprensa, funcionando com vinte e
quatro Jurados, sendo os recursos, quando interpostos, direcionados ao
Príncipe Regente336. Em 1824, ano da nossa primeira Constituição337, o
Tribunal do Júri foi colocado no capítulo pertinente ao Poder Judiciário, com
competência para julgar causas cíveis e criminais, cabendo aos Jurados
apreciar os fatos e aos Magistrados aplicar a Lei.
Posteriormente, a Lei de 20/09/1830338 deu ao Júri organização mais
específica, prevendo o Júri de Acusação (Grande Júri) e o Júri de Julgamento
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!334 Embora haja registros bastante remotos acerca da existência do Júri, como na Lei Mosaica, nos Dikastas, na Hiliéia ou no Areópago gregos e nos centeni comites dos primitivos germanos (TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: Origem, Evolução, Características e Perspectivas, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 12), para os fins específicos desta dissertação, não há necessidade de adentrar neste aspecto histórico, até mesmo porque importa salientar que a propagação da instituição pelo mundo ocidental deu-se a partir da Inglaterra, quando o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e os juízos de Deus, em 1215. “Na terra do common Law, onde as instituições jurídicas têm um mecanismo de funcionamento peculiar, é o Júri um instituto secular e florescente, cuja prática tem produzido os melhores resultados. Com a Revolução Francesa, foi transplantado para o continente, passando da França para os demais países europeus, excetuados a Holanda e a Dinamarca, que não o adotaram”. (MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 04-05). Essa propagação simbolizou vigorosa forma de reação ao absolutismo monárquico, vale dizer, um mecanismo político por excelência. Ser julgado por seus pares significava um passo adiante na consecução de uma sociedade mais justa e igualitária, visto que as ingerências dos Monarcas sobre os Magistrados estariam extintas, já que haveria completa independência entre o Executivo e o Judiciário. Contemplar o Júri significava estar concatenado com as novas diretrizes democráticas e republicanas e com a ideia de racionalidade, propagada pela Revolução Francesa. 335 Pouco antes da Independência, em 18/06/1822, foi criado o Tribunal do Júri no Brasil, antes, inclusive, de seu implemento na pátria colonizadora. É que o Brasil, às vésperas da independência, começou a editar leis contrárias ou dissonantes aos interesses da Coroa e sendo o Júri uma instituição de essência democrática e independente, sua adoção ia de encontro aos interesses portugueses. 336 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 15. 337 Art. 151 da Constituição Imperial de 1824: “O Poder Judicial é independente e será composto de Juízes e Jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem”. Art. 152 da Constituição Imperial de 1824: “Os Jurados pronunciam sobre o fato e os Juízes aplicam a Lei”. 338 TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 5-6.
117!!
ou de Sentença (Pequeno Júri). O Código de Processo Penal do Império339,
que entrou em vigor em 29/11/1832, estabeleceu o número de vinte e três
Jurados para compor o Grande Júri, o qual decidiria se o acusado seria ou não
submetido ao Conselho de Sentença. Assim, uma vez feito o juízo de
admissibilidade positivo, semelhante à atual decisão de pronúncia, o feito
seguia para o Júri de Julgamento, composto por doze Jurados, que apreciava o
mérito da acusação.
As qualidades exigidas para a função de Jurado eram basicamente
três: ser eleitor, possuir bom senso e probidade. Para Lenio Streck340, “seu
caráter de representatividade passou a ser questionado, na medida em que,
numa sociedade escravocrata341, só podiam ser jurados os cidadãos que
podiam ser eleitos, ou seja, os chamados “homens bons”, que detivessem uma
determinada renda e pertencentes, por consequência, às camadas
dominantes”.
Dessa forma, excluídos estavam todos aqueles que não detivessem
renda e que não gozassem de conceito público, seja por falta de inteligência,
integridade ou bons costumes, como também aqueles ocupantes de certos
cargos, “como os senadores, deputados, conselheiros e ministros de Estado,
bispos, magistrados, oficiais de justiça, juízes eclesiásticos, vigários,
presidentes, secretários dos governos das províncias, comandantes das armas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!339 O Código do Império vem marcado da ideologia predominante à época, qual seja, o liberalismo e sua consequente influência dos princípios iluministas do século XVIII, quais sejam, supremacia das leis, dos direitos do homem, da igualdade perante a lei. Contudo, a cultura política permaneceu incólume, de modo que o liberalismo concretizou-se apenas no plano econômico. O Professor Ricardo de Brito afirma que as ideias liberais em nosso país foram estéreis e meramente formais, servindo apenas para justificar as práticas autoritárias de dominação. O liberalismo brasileiro ajustou-se ao conservadorismo nacional e, como nos países periféricos em geral, foi avesso à efetivação da democracia e da igualdade política entre os indivíduos. (As Razões do Positivismo Penal no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 352-356). 340 STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 39.!341 A Lei de 07/11/1831, que proibiu a importação de escravos para o Brasil, foi considerada uma “lei para inglês ver”. Assim, mesmo com a proibição da importação em 1831, o sistema escravocrata permanecia inabalável quando do implemento do Código de Processo Penal do Império, de 1832. Antes do fim propriamente dito da escravidão, houve a Lei Eusébio de Queiroz, de 04/09/1850, que extinguiu o tráfico negreiro. Depois, veio a Lei do Ventre Livre, de 28/09/1871, garantindo a liberdade aos filhos de escravas nascidos a partir daquela data, mantidos, porém, sob tutela dos senhores até os 21 anos de idade. Em 1884, Ceará e Amazonas aprovam leis libertando todos os escravos e, em 28/09/1885, foi promulgada a Lei Saraiva Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, concedendo liberdade aos escravos após completarem 65 anos. A escravidão, que só foi definitivamente abolida em 1888, através da Lei Áurea, não só não conseguiu modificar a estratificação social e econômica da sociedade brasileira, como a agravou, repercutindo até os dias hodiernos.
118!!
e dos corpos de primeira linha”342. Quem podia ser Jurado podia ser eleitor; se
era eleitor, podia ser Jurado. Nasce aí a distância entre Jurados e réus, pois
estes nem sempre eram eleitores, mas, em regra, pessoas das camadas mais
baixas. Logo, integrar o Júri era algo possível apenas para determinada classe
social, fazendo falecer de legitimidade a formação do Conselho de Sentença343.
Em 03/12/1841, foi promulgada a Lei nº 261, logo seguida pelo
Regulamento nº 120, de 31/01/1842, modificando sobremaneira a instituição do
Júri, posto que o Júri de Acusação foi extinto, retirando das mãos do povo o
poder de decidir se um cidadão seria ou não submetido ao Pequeno Júri,
atribuindo tal função aos Chefes de Polícia, Delegados, Subdelegados e Juízes
municipais344.
Com a Lei nº 2.033, de 20/09/1871, regulamentada pelo Decreto nº
4824, de 22/11/1871, as atribuições dos Chefes de Polícia, Delegados,
Subdelegados foram extintas, ressalvada apenas a do Chefe de Polícia, na
hipótese de crime de excepcional gravidade ou quando no crime estivesse
envolvida pessoa cuja influência pudesse prejudicar a ação da Justiça. As
pronúncias, como juízos de admissibilidade, passaram a ser de competência
dos Juízes de Direito nas comarcas especiais, com recurso voluntário para a
Relação, e dos Juízes municipais, com recurso ex officio para o Juiz de Direito,
nas comarcas gerais345.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!342 TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 6. 343 RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 65. 344 Consoante Paulo Rangel, “a decisão de procedência (ou não) da pretensão acusatória não mais pertencia aos jurados (grande júri) e sim às autoridades policiais e aos juízes municipais, sendo que, quando a decisão de pronúncia fosse dada pelos delegados e subdelegados de polícia, ela dependeria de confirmação por parte dos juízes municipais. Os delegados, subdelegados e juízes municipais eram nomeados pelo Imperador, sendo que os dois primeiros poderiam ser também pelos Presidentes das Províncias, o que retirava deles a independência para proferir uma decisão que desagradasse a Corte”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 74). Neste ponto, vale transcrever o artigo 54 da Lei nº 261/1841: “As sentenças de pronúncia nos crimes individuais proferidas pelos Chefes de Polícia, Juízes Municipais, e as dos Delegados e Subdelegados, que forem confirmadas pelos Juízes Municipais, sujeitarão os réus à acusação e a serem julgados pelo Júri, procedendo-se na forma indicada nos arts. 254 e seguintes do Código do Processo Criminal”. 345 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 20. Consoante Paulo Rangel, “a reforma visava separar as funções da polícia das do Poder Judiciário, extinguindo a jurisdição dos chefes de polícia, delegados e subdelegados quando se tratava de julgamento dos crimes e criando, para tanto, a figura do hoje falido e famigerado inquérito policial. Era a invenção absurda, no caso do rito do júri, de uma terceira instrução, sempre sem qualquer sentido prático que a justificasse”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 77).!
119!!
Com a proclamação da República, foi o Júri mantido e, em 1890, foi
criado o Júri Federal, através do Decreto nº 848, de 11/10/1890, que organizou
a Justiça Federal. Quando promulgada a Constituição de 1891, o parágrafo 31
do artigo 72 asseverou, in verbis: “É mantida a instituição do Júri”, elevando a
instituição à categoria de garantia individual346.
A Constituição de 1934 retirou o Júri da parte referente aos direitos e
garantias fundamentais e deslocou-o para o setor do Poder Judiciário347,
asseverando, em seu artigo 72, que “é mantida a instituição do Júri, com a
organização e as atribuições que lhe der a lei”.
A Constituição de 1937 nada mencionava acerca do Júri, tanto que,
inicialmente, a instituição foi considerada extinta348. Contudo, em 05/01/1938,
foi editado o Decreto nº 167, disciplinando o Tribunal do Júri e esclarecendo,
em sua Exposição de Motivos, que a instituição encontrava-se mantida, ante o
preceito genérico do artigo 183 da Constituição de 1937349, que declarava em
vigor, enquanto não revogadas, as leis que explícita ou implicitamente não
contrariassem as disposições da Constituição.
Todavia, embora mantido o Júri, o Decreto em comento alterou sua
estrutura, pois instituiu o recurso de apelação sobre o mérito, desde que
houvesse injustiça da decisão, por sua completa divergência com as provas
existentes nos autos ou produzidas em plenário350. Para alguns, houve a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!346 O lacônico § 31 do artigo 72 da Constituição de 1891 fez emergir efervescente polêmica no mundo jurídico, por se entender que a Constituição, ao afirmar que “é mantida a instituição do Júri”, impedia que leis posteriores pudessem alterar sua essência e, caso o fizesse, seriam inconstitucionais. Contudo, consoante lição de José Frederico Marques, a intenção do constituinte foi a de apenas manter o Júri nos seus elementos essenciais, nada impedindo que leis posteriores, recebendo os influxos da ciência e os aperfeiçoamentos que a experiência dos tempos costuma trazer, modificassem o instituto, desde que respeitados os seus caracteres essenciais. (A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 21-23). 347 Para Lenio Streck, o Júri saiu “da esfera da cidadania para a órbita do Estado”. (Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 40).!348 TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: Origem, Evolução, Características e Perspectivas, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32. 349 Artigo 183 da Constituição de 1937: “Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariem as disposições desta Constituição”. 350 Para melhor compreensão, observem-se os artigos 91 a 93 do Decreto nº 167/38. Art. 91: “Só se admitirá apelação de qualquer das partes quando interposta por escrito, depois de dissolvido o conselho de sentença, e dentro de cinco dias, sempre com efeito suspensivo, salvo se, no caso de absolvição, e tratando-se de crime afiançável, o réu estiver preso”. Art. 92: “A apelação somente pode ter por fundamento: a) nulidade posterior à pronúncia; b) injustiça da decisão, por sua completa divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário”. Art. 93: “Provida a apelação por motivo de nulidade, o Tribunal de Apelação mandará o réu a novo julgamento, guardadas as formalidades legais”.!
120!!
subtração da soberania dos veredictos351 ou sua morte anunciada; para
outros352, o sistema inaugurado com o Decreto nº 167/38 não extinguiu a dita
soberania, pois, na prática, uma vez que há a predominância das provas
escritas, o Tribunal, ao apreciá-las, só irá reformar o veredicto que nenhum
apoio tenha na prova constantes dos autos. Além disso, o Decreto em comento
alterou o número de Jurados que integram o Conselho de Sentença de doze
para sete353.
A Constituição de 1946 voltou a tratar do Tribunal do Júri em seu
texto354, reinserindo-o no capítulo concernente aos direitos e garantias
individuais e deferindo ao legislador ordinário sua regulamentação, desde que
respeitados o número ímpar dos seus membros e garantido o sigilo das
votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos, além da
competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida355.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!351 STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 40. 352 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 24-26. O autor afirma que “o Estado Novo se mostrou ditatorial e arbitrário ao conceder indultos absurdos, abrindo as prisões para delinquentes perigosos, e não ao limitar os poderes do Júri”. (Idem, ibidem, p. 25).!353 Art. 2º do Decreto nº 167/38: “O Tribunal do Júri compõe-se de um Juiz de Direito, que é o seu presidente e de vinte e um Jurados, sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento”. José Frederico Marques, afirma que “o número ímpar de membros obriga a que nunca seja inferior a três os Jurados que compõem o Conselho de Sentença. Neste passo, contrariou a Constituição a tendência predominante do Júri, que é a do número par de julgadores, para que as decisões condenatórias sejam mais difíceis por exigirem sempre uma diferença mínima de dois votos. O número tradicional é aliás o doze”. (A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 27). Defendendo o número par de Jurados, Paulo Rangel destaca que “é da natureza e origem do Tribunal do Júri a composição de doze Jurados, não obstante, em alguns países, como já visto, essa composição possa se alterar um pouco. Contudo, a composição com número par do Tribunal permite ao réu maior oportunidade de defesa, pois para um decreto condenatório mister se faz diferença de dois votos, se se trabalhar com decisão por maioria e, em caso de empate, a decisão mais favorável ao réu”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 81). Maria Elizabeth Queijo, também enfrentando o tema, destaca que, mesmo com a Reforma advinda com a Lei nº 11.689/08, “persistiu a incômoda e grave condenação por maioria simples. O famoso 4x3... É bem verdade que, no procedimento inaugurado com a Lei nº 11.689/08, vedou-se a declaração do número de votos afirmativos e negativos, proclamando-se tão somente o resultado do julgamento. No entanto, embora não divulgada, a condenação por maioria simples continuou a existir e não se pode sequer afirmar que seja ela rara”. (Tribunal do Júri: A Evolução que não se Consolidou na Reforma, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, nº 218, jan./2011, p. 04). Neste ponto, o já mencionado Projeto de Reforma do Código de Processo Penal, de nº 156/09, em seu artigo 369, optou por ampliar o número de Jurados integrantes do Conselho de Sentença de sete para oito. Na sistemática do Projeto em tela, o empate favorece a defesa, portanto as condenações só podem se dar por maioria qualificada. Contudo, no segundo substitutivo apresentado, retrocedeu-se e foi mantido o número de sete Jurados. 354 Art. 141, § 28, da Constituição de 1946: “É mantida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. 355 TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 08.
121!!
Em seu artigo 150, § 18, a Constituição de 1967 asseverou que “são
mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no
julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. A instituição foi mantida na parte
referente aos direitos e garantias fundamentais. Por sua vez, a Constituição de
1969356, em seu artigo 153, § 18, dispôs que “é mantida a instituição do júri,
que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
Observe-se que não se falou em soberania do Júri, reabrindo-se, na época, a
discussão sobre a relevância do instituto para a sociedade357.
Com o advento da Constituição de 1988, visualizando-se o retorno
da democracia no cenário brasileiro, novamente se previu o Júri no capítulo
dos direitos e garantias individuais358, trazendo de volta os princípios da Carta
de 1946, quais sejam, plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos
veredictos e competência mínima para julgamento dos crimes dolosos contra a
vida.
Quanto à plenitude de defesa, é de se considerar, inicialmente, que
inexiste devido processo legal se não forem assegurados, aos acusados em
geral, o contraditório e a ampla defesa, ainda mais no Processo Penal que, por
envolver uma dos mais valiosos bem jurídicos – a liberdade -, exige o fiel
cumprimento das garantias de forma mais rígida.
No caso do Júri, ao invés de se falar em ampla defesa, menciona-se
plenitude de defesa. Certamente, o constituinte não fez esta diferenciação à
toa, nem se descuidou ao repetir os princípios elencados na Carta de 1946359.
É que, no procedimento do Júri, a atuação da defesa em Plenário tem que ser
o mais eficaz possível, posto que os Jurados, além de leigos, não
fundamentam suas decisões e exprimem seus votos de acordo com suas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!356 Ou Emenda Constitucional de 1969, para aqueles que não consideram a Emenda nº 1 de 17/10/1969 como uma verdadeira Constituição.!357 STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 40. 358 Art. 5º da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. 359 Concordando com a diferenciação entre ampla defesa e plenitude de defesa, temos: NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 24-29; SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 163; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 65-66.
122!!
convicções, sendo essencial que a defesa esteja preparada tecnicamente –
tendo segurança ao expor suas teses – e psicologicamente, para suportar, com
equilíbrio e prudência, horas e horas de julgamento360.
A questão da plenitude de defesa é tão importante que o artigo 497,
inciso, V, do Código de Processo Penal361 prevê que o Juiz pode considerar o
réu indefeso e nomear-lhe outro defensor. Além disso, no questionário, devem
ser incluídas as teses expostas pelo acusado em seu interrogatório, ainda que
sejam divergentes da versão apresentada pelo defensor em Plenário. Assim, a
norma processual362 determina a formulação de quesitos relativos a todas as
teses apresentadas nos debates, sem qualquer exclusão daquelas arguidas na
tréplica. Aceita-se, ainda em nome da plenitude de defesa, que possa a defesa
inovar na tréplica, mesmo que isto cause surpresa à acusação e impeça o
contraditório363.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!360 Guilherme de Souza Nucci, ao enfrentar o tema, destaca que: “Introduziram-se no Brasil, na Constituição Federal de 1988, duas garantias aos réus: a ampla defesa (aos acusados em geral) e a plenitude de defesa (aos réus, no Tribunal do Júri). Se ratificarmos, na prática, essa diferença, o proveito essencial para o fiel cumprimento do princípio maior – o devido processo legal – terá redobrada valia. O Tribunal Popular possuirá amplas condições de analisar os casos, ouvindo bons argumentos de ambas as partes, com particular ênfase para a defesa. E certos estaremos todos nós, integrantes da sociedade, de que o Estado Democrático de Direito sustentou-se sob as sólidas bases da garantia da plenitude de defesa. Afinal, eventual condenação, sem fundamentação alguma, advinda da convicção íntima dos leigos, ter-se-ia originado de um processo com defesa perfeita. Realizou-se a vontade soberana do povo. É o que basta”. (Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 28). 361 Art. 497 do CPP: “São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código. (...) V- nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor”. 362 Art. 482 do CPP: “O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes."!363 Neste sentido, destaque-se: “Tribunal do júri (plenitude de defesa). Tréplica (inovação). Contraditório/ampla defesa (antinomia de princípios). Solução (liberdade). 1. Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando. 2. Havendo, em casos tais, conflito entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve-se a favor da defesa – privilegia-se a liberdade (entre outros, HC-42.914, de 2005, e HC-44.165, de 2007). 3. Habeas corpus deferido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 61615/MS. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido. Relator do acórdão: Ministro Nilson Naves. Sexta Turma. DJ de 09/03/2009). No mesmo sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 27-28; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 66; TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 101 e 123-124. Em sentido contrário, por entender que há afronta ao contraditório: PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 127. Já Paulo Rangel (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 255) e Fauzi Hassan Choukr (Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.144-
123!!
Em relação ao sigilo das votações, é preciso destacar que, como
regra geral, os atos do Poder Judiciário são públicos, consoante o artigo 93, IX,
da Constituição Federal de 1988 e o artigo 792 do Código de Processo
Penal364. Excepcionalmente, por razões de interesse público, os atos podem
ser praticados com publicidade restrita às próprias partes e a seus advogados.
Também o interesse social e a defesa da intimidade poderão justificar a
restrição da publicidade dos atos processuais (artigo 5º, LIX, da CF/88). No
procedimento do Júri, é assegurado o sigilo das votações (artigo 5º, XXXVIII,
alínea “b”, da CF/88), embora o processo do Júri, como um todo, seja público.
No momento da votação, os Jurados deslocam-se para a sala
secreta365, onde também estão presentes o Juiz, o acusador e o defensor do
acusado366. Não há, portanto, ato secreto, mas ato sujeito à publicidade
restrita, o que é plenamente compatível com o atual regime constitucional.
Dessa forma, percebe-se que o interesse público de que os Jurados
decidam de forma isenta e sem pressões, justifica a restrição da publicidade
dos atos processuais no momento da votação dos quesitos. Neste sentido,
Hermínio Alberto Marques Porto367 leciona que o sigilo visa assegurar aos
Jurados a livre formação de sua convicção e a livre manifestação de suas
conclusões, afastando-se quaisquer circunstâncias que possam ser
consideradas como fontes de constrangimento. O sigilo, portanto, resguarda a
opinião pessoal e individual do Jurado368.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!145) entendem que a defesa não pode inovar na tréplica quando utiliza prova inexistente nos autos. Assim, não há violação ao contraditório quando a inovação defensiva vier amparada em provas constantes do processo. 364 Art. 792 do CPP: “As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados”.!365!Hoje chamada sala especial.!366 Esclarece o Código de Processo Penal que, após a leitura e explicação dos quesitos em plenário, não havendo dúvida a esclarecer, “o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação” (artigo 485 do CPP). Ausente sala especial, o Juiz Presidente determina que o público retire-se do Plenário do Júri. 367Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 44. No mesmo sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 66-67; LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Do Sigilo e da Incomunicabilidade no Júri, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 278; NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 29-31. 368 De modo diverso, defendendo a abolição da sala secreta, por entender que a Constituição trata do sigilo das votações, e não do sigilo nas votações, tem-se: STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri:
124!!
Cumpre salientar, ainda, que no regime anterior à reforma
promovida pela Lei nº 11.689/08, o sigilo das votações não era plenamente
assegurado, na medida em que o Juiz Presidente apurava todos os votos e
proclamava não apenas o resultado da votação, se positivo ou negativo, como
também o número de votos “sim” e o número de votos “não”. Em decorrência,
numa votação unânime pela condenação de um determinado acusado, restava
clara a ausência do sigilo, pois o voto de cada um dos Jurados estava
revelado.
Com efeito, atento a esta falha, o legislador extinguiu a proclamação
do número de votos proferidos a cada um dos quesitos, cabendo ao Magistrado
apenas proclamar o resultado quando apurado mais de três votos positivos ou
negativos369.
Cumpre destacar, ainda, que o sigilo das votações está intimamente
ligado com a incomunicabilidade370 dos Jurados, pois esta também garante a
independência dos Jurados e a verdade das decisões371. Como bem assevera
Hermínio Alberto Marques Porto372, incomunicabilidade e sigilo são previstos
como proteção à formação e manifestação, livres e seguras, do convencimento
pessoal dos Jurados: pela incomunicabilidade, protegidos estão de eventuais
envolvimentos para arregimentação de opiniões favoráveis ou desfavoráveis ao
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 132; TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 127-130. 369 Art. 483, § 1º, do CPP: “A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado”. Art. 483, § 2º, do CPP: “Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?”.!370 Art. 466, § 1º, do CPP: “O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código”. Consoante Paulo Rangel, esta incomunicabilidade é um retrocesso. Se as decisões dos Jurados não são fundamentadas, já que decidem por íntima convicção, nada mais democrático que lhes fosse permitida a discussão do caso entre si, como acontecia no Júri de Acusação da era imperial brasileira (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 66 e 280-281). 371 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 108. 372 Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 44. Para Paulo Rangel, “a justificativa de que a incomunicabilidade é necessária para que um jurado não venha influir no voto do outro é falsa e desprovida de sentido e explicação histórica. Trata-se de uma medida arbitrária que não espelha a realidade do significado do tribunal do júri, enquanto instituição democrática, muito menos, hoje, alcança o estágio de civilidade vivido pelos cidadãos brasileiros. É imperiosa a adoção da comunicabilidade entre os jurados a fim de que se possa extrair uma decisão justa, ou ao menos, para conseguir que a decisão do júri seja menos injusta possível, ou que a decisão injusta seja cada vez mais rara, pois sempre fruto do debate, da discussão, da democracia processual”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 93-94).
125!!
réu; e pelo sigilo das votações, têm o resguardo de suas próprias opiniões.
São, portanto, garantias para a livre formação do convencimento e para a livre
expressão da decisão.
Prevê a Carta Política de 1988 a soberania dos veredictos (artigo 5º,
XXXVIII, “c”), ou seja, outorgou-se ao Tribunal Popular a última palavra nos
casos envolvendo crimes dolosos contra a vida. Assim, a soberania dos
veredictos deve ser entendida como a impossibilidade de outro órgão judiciário
substituir a decisão dos Jurados. Contudo, “não são os Jurados onipotentes,
com o poder de tornar o quadrado redondo e inverter os termos da prova.
Julgam com base nos fatos objeto do processo; mas exorbitam se decidem
contra a prova. Não é para facultar-lhes a sua subversão que se destina o
preceito constitucional”373.
A discussão a respeito da soberania dos veredictos é importante
dentro do contexto e significado do Júri Popular, não sendo menos importante
o esclarecimento de que, embora soberano, o Conselho de Sentença deve ser
submetido às regras legais e constitucionais vinculadas a esta espécie de
julgamento e que envolvem, fundamentalmente, a possibilidade de renovação
do julgamento quando a decisão primeira for manifestamente contrária à prova
dos autos.
Com efeito, a previsão legal disposta no artigo 593, III, “d”, do
Código de Processo Penal374, que determina a remessa do acusado a novo
julgamento, somente se aplica quando o Conselho de Sentença profere
decisão manifestamente contrária ao conteúdo probatório constante dos
autos375. E a expressão manifestamente deve ser interpretada com o seu maior
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!373 MARREY, Adriano. Teoria e Prática do Júri. Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 101. 374 Art. 593 do CPP: “Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (...) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos”.!375 Neste sentido: “Habeas corpus. Homicídio qualificado consumado e tentado. Condenação pelo Tribunal do Júri. Apelo defensivo. Veredicto manifestamente contrário à prova produzida nos autos. Improvimento. Fundamentação suficiente. Princípio da soberania do veredicto popular. Existência de suporte probatório a embasar o édito repressivo. Necessidade de revolvimento aprofundado de matéria fático-probatória. Impossibilidade na via estreita do writ. Constrangimento ilegal não evidenciado. 1. Interposto recurso de apelação contra a sentença proferida pelo Tribunal do Júri sob o fundamento desta ter sido manifestamente contrária à prova dos autos, ao órgão recursal se permite apenas a realização de um juízo de constatação acerca da existência ou não de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes do Conselho de Sentença, somente se admitindo a cassação do veredicto caso este seja flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo. 2. Na hipótese vertente, infere-se que o Tribunal de origem, ao analisar a insurgência manifestada pela defesa, negou provimento ao reclamo, cingindo-se a demonstrar que haveria nos autos suporte probatório para a decisão
126!!
alcance, posto que, havendo duas versões sobre os fatos ou existindo a
possibilidade de dupla ou razoável interpretação da prova, a decisão dos
Jurados deve ser mantida, posto que soberana376.
Os Tribunais, quando apreciam recursos envolvendo as decisões do
Júri, atêm-se à verificação do error in judicando, e o reconhece apenas quando
a decisão não encontra apoio algum na prova dos autos377. À instância recursal
não cabe verificar se deve prevalecer esta ou aquela prova, mas apenas
examinar se o veredicto se afasta ou não da prova existente. Em caso positivo,
o Tribunal ad quem determina novo julgamento, cabendo-lhe, por outro lado,
acatar a segunda decisão proferida pelo Júri, pois, segundo a parte final do
parágrafo 3º do artigo 593 do Código de Processo Penal378, a interposição de
apelo ante o fato de ter sido a decisão manifestamente contrária às provas dos
autos só pode ser feita uma única vez. Resta claro, assim, que inexiste
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!condenatória proferida pela Corte Popular - não manifestando qualquer juízo de valor -, concluindo, por esta razão, pela manutenção do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, motivo pelo qual não se vislumbra o aventado constrangimento ilegal suportado pela paciente (...).7. Writ parcialmente conhecido e, nesta extensão, ordem parcialmente concedida apenas para reduzir a pena-base dos pacientes, fixando a reprimenda definitiva em 23 (vinte e três) anos de reclusão”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 167332/PE. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJ de 29/08/2011). 376 BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 280. Neste sentido, cumpre destacar lição de Hermínio Alberto Marques Porto: “O entendimento de soberania reaparece com seus efeitos após o julgamento pelo Tribunal do Júri, quando do exame de apelação buscando a rescisão, pelo mérito, do decidido pelos jurados; ao Tribunal do Júri cabe proferir decisão, então não manifestamente contrária à prova, que encontre amparo em contingente menor de provas em conflito, e, decisões com tal amparo não prevaleceriam, em regra, quando proferidas por Juiz singular, são mantidas porque excepcional a marginalização das decisões dos jurados, circunstância a demonstrar que, no julgamento de apelação para avaliação do que foi decidido pelos jurados, o entendimento do conceito de soberania dá atenção a seus limites, agora, então, sem caráter ampliativo e indevido”. (Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 35). Em recente acórdão, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: “Habeas Corpus. Homicídio Qualificado. Absolvição pelo Tribunal do Júri. Decisão dos Jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Teses defensivas que encontram certo apoio nos autos. Soberania dos veredictos. Ordem concedida. 1. Não há que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos se os jurados, diante de duas teses que sobressaem do conjunto probatório, optam por uma delas, exercitando, assim, a sua soberania, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição da República. 2. Ordem concedida para anular o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”. (Apelação Criminal n.º 1.003.386.3/5) e restabelecer a sentença de primeiro grau. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 134742/SP. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Sexta Turma. DJ de 03/10/2011). 377 Entendendo inconstitucional o artigo 593, III, “d”, do CPP, por restringir o que a Constituição não restringe: TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 188. 378 Art. 593, § 3º, do CPP: “Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos Jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação”.
127!!
violação à soberania dos veredictos, posto que se reserva ao próprio Júri nova
decisão ou não sobre o caso379.
Vale destacar que também não há violação à soberania dos
veredictos quando um Tribunal ad quem julga procedente revisão criminal e
determina a submissão de um acusado a novo julgamento380. Contudo, há
quem defenda que pode o Tribunal, em sede revisão criminal, alterar uma
decisão do Júri, pois tanto a revisão criminal quanto o Júri são garantias de
liberdade381.
Por fim, prevê a Constituição Federal uma competência mínima e
obrigatória382, atribuindo ao Tribunal Júri a competência para julgar os crimes
dolosos contra a vida (artigo 5º, LIII e XXXVIII, “d”). Assim, lei
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!379 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 39-40. 380 Neste sentido: “Recurso Especial. Crime doloso contra a vida. Condenação pelo Tribunal do Júri. Retificação de depoimento testemunhal. Revisão criminal julgada procedente. Determinação de novo julgamento pelo tribunal popular. Possibilidade. Recurso desprovido. 1. Ao Tribunal do Júri, conforme expressa previsão constitucional, cabe o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sendo-lhe assegurada a soberania dos seus veredictos. 2. Por outro lado, o ordenamento jurídico assegura ao condenado, por qualquer espécie de delito, a possibilidade de ajuizar revisão criminal, nas hipóteses previstas no art. 621, do Código de Processo Penal. 3. In casu, o recorrente foi condenado pelo delito de homicídio qualificado, tendo transitado em julgado a sentença. Com base na retificação de depoimento testemunhal, foi apresentada revisão criminal, em que se pleiteava a absolvição do requerente, por ausência de provas. 4. Considerando-se que o Tribunal de Justiça julgou procedente a revisão criminal para determinar a realização de novo julgamento popular, com fundamento na soberania dos veredictos, não merece reparo o aresto objurgado por estar em consonância com julgado desta Corte Superior. 5. Recurso desprovido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1172278/GO. Relator: Ministro Jorge Mussi. Sexta Turma. DJ de 13/09/2010). Defendendo este posicionamento: NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 452-455; SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 166-167.!381 Neste sentido: “Habeas Corpus. Condenação. Tribunal do Júri. Revisão criminal. Indeferida. Tribunal Estadual. Manifesto erro judiciário cometido pelo Júri. Revisão que poderia e deveria rescindir a sentença condenatória e absolver o paciente. Ordem concedida para absolver o paciente, por falta de justa causa. 1. A soberania do Júri é garantia em favor do jus libertatis. 2. A revisão criminal também objetiva proteger o jus libertatis, pois só pode ser utilizada pela defesa. 3. Institutos que convergem para proteção do direito de liberdade de ir, vir e permanecer. 4. Indeferida a revisão, só resta o habeas corpus a impedir a perpetuidade do erro judiciário. O remédio heroico, por sua natureza, pode, diante de claro erro judiciário, desconstituir a injusta condenação e absolver o ora paciente. 5. Ordem concedida para absolver o paciente, por falta de justa causa, com expedição de alvará de soltura clausulado”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 63290/RJ. Relator do acórdão: Ministro Celso Limongi. Sexta Turma. DJ de 19/04/2010). Na doutrina, encampam este entendimento: PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 41-42; MARREY, Adriano. Teoria e Prática do Júri. Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 105; MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 54-55; NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 216.!382 Exceto quando a própria Constituição estabelece exceções é que pode ocorrer o julgamento de um crime doloso contra a vida por outros órgãos do Poder Judiciário, como nos casos de foro por prerrogativa de função.
128!!
infraconstitucional383 até pode atribuir competência ao Tribunal do Júri; veda-
se, todavia, subtrair do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida384.
É possível que um crime não doloso contra a vida seja julgado pelo
Júri, desde que conexo com outro crime doloso contra a vida. Neste caso, o
Tribunal do Júri atrai a competência para o delito diverso, julgando ambos385.
Por outro lado, pode ocorrer a situação em que um crime doloso
contra a vida não seja julgado pelo Júri. Tal fato ocorre nas hipóteses em que a
própria Constituição excepciona a regra, como nos casos de foro por
prerrogativa de função de competência de julgamento do Supremo Tribunal
Federal386, do Superior Tribunal de Justiça387, dos Tribunais Regionais
Federais388 e dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.
Pois bem. Definida, ainda que brevemente, a origem histórica do
Júri brasileiro, bem como elencados seus princípios essenciais, cumpre
salientar que, desde a sua criação, o instituto continua a ser alvo de severas
críticas, muitas das quais, ressalte-se, desacompanhadas de quaisquer
propostas de aperfeiçoamento. Anacrônico ou não, o Júri permanece incólume
e, na atual Carta Política, é tratado no capítulo referente aos direitos e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!383 O Código de Processo Penal, em seu artigo 74, dispõe que “a competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri”. No § 1º destaca que “compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”. Assim, foi mantida a competência mínima prevista na Constituição. 384 Os crimes que não se inserem nos “crimes contra a vida” não são de competência do Tribunal do Júri. Como exemplo, temos a extorsão mediante sequestro com resultado morte, o latrocínio (Súmula 603 do STF: “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri”) e o estupro com resultado morte. 385 Inciso I do art. 78 do CPP: “No concurso entre a competência do Júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do Júri”. 386 Art. 102 da CF/88: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”. 387 Art. 105 da CF/88: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante Tribunais”. 388 Art. 108 da CF/88: “Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.
129!!
garantias individuais389, mais especificamente no artigo 5º, inciso XXXVIII,
sendo considerado cláusula pétrea390 pelo artigo 60, § 4º, IV, da atual
Constituição391.
Saliente-se que o fato de se encontrar previsto dentre os direitos e
garantias individuais chegou a gerar controvérsia acerca de ser ou não o Júri
órgão do Poder Judiciário392, mas apenas órgão político, ainda mais porque o
instituto não está elencado no rol do artigo 92 da Constituição de 1988393.
Contudo, apesar da omissão específica no rol do retromencionado
artigo, outros dispositivos acolhem o Tribunal Popular como órgão integrante
do Poder Judiciário. Assim, quando o Código de Processo Penal dispõe, em
seu artigo 447 que “o Tribunal do Júri é composto por 1 (um) Juiz togado, seu
presidente, e por 25 (vinte e cinco) Jurados que serão sorteados dentre os
alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada
sessão de julgamento”, já demonstra que o Júri não é mero órgão político,
posto que não poderia um Magistrado tomar parte em um órgão meramente
político, sem qualquer vínculo com o Poder Judiciário, por expressa vedação
constitucional, ratificada pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Além
desse dispositivo, pode-se citar o artigo 78, I, do Código de Processo Penal,
que determina que “no concurso entre a competência do Júri e a de outro
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!389 José Frederico Marques destaca que “o Júri, consagrado que está como garantia constitucional, é um órgão do judiciário que a Constituição considerou fundamental para o direito de liberdade do cidadão”. (A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 53). 390 Rui Stoco destaca que a discussão acerca da manutenção ou extinção do Tribunal do Júri mostra-se absolutamente despicienda e inócua não apenas pelo resguardo constitucional da instituição, mas, e principalmente, porque assume contornos de cidadania e de proteção do sistema democrático, que assegura ao acusado o direito de ter o seu comportamento analisado e julgado por seus pares, pelos seus semelhantes. Destaca que a abordagem não deve ser sob o enfoque existencial, mas sim estrutural, no sentido de merecer nova roupagem, repensando sua engenharia estrutural e dimensionando novas regras, sempre permeado das ideias de garantismo e eficiência. (Projetos de Reforma do Código de Processo Penal e o Tribunal do Júri, em Notáveis do Direito Penal: Livro em Homenagem ao Emérito Professor Doutor René Ariel Dotti. Brasília: Consulex, 2006, p. 461-463). 391 Art. 60 da CF/88: “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais”. 392 Para James Tubenchlak, alinhar o Júri entre as garantias fundamentais ou na parte referente ao Poder Judiciário não é mera questão semântica. Conclui, assim, que não é o Júri órgão do Poder Judiciário e, em decorrência, não se submete à imposição constitucional de fundamentação de suas decisões (art. 93, IX, da CF/88). (Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 09). Entendendo ter ocorrido apenas uma omissão enumerativa e, portanto, considerando o Júri como órgão do Poder Judiciário, tem-se PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 27-30. 393 Art. 92 da CF/88: “São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal; I-A - o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios”.
130!!
órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do Júri”. Ora, ao
mencionar Júri e outro órgão do Judiciário, a norma iguala os institutos,
considerando o Júri como um dos integrantes do Poder Judiciário. Tem-se,
ainda, o artigo 593, III, “d”, do Código de Processo Penal que, ao permitir o
recurso para o Tribunal ad quem contra as decisões dos Jurados, aponta não
ser o Júri apenas órgão político, posto que inviável a apreciação do mérito de
uma decisão de um órgão político por um órgão do Judiciário394.
Dessa forma, pode-se afirmar que a inserção do Júri no capítulo dos
direitos e garantias individuais atende muito mais à vontade política do
constituinte de considerá-la cláusula pétrea do que à finalidade de excluí-lo do
Poder Judiciário.
Sem dúvidas, a importância alcançada pelo Júri, consubstanciada na
sua inserção como cláusula pétrea, faz com que o instituto mereça atenção
especial e redobrado esforço no sentido de se buscar a melhoria do sistema
em vigor. Assim, dissertar a respeito do Tribunal Popular representa tarefa de
menor valia se a reflexão ativer-se somente às críticas à instituição. Por outro
lado, na busca de proposta para o seu aperfeiçoamento, é tarefa que não se
pode renunciar.
Assim, sem procurar exaurir todos os pontos negativos atribuídos,
durante anos, ao Tribunal do Júri, procurar-se-á, nesta oportunidade, elencar
os principais argumentos doutrinários contrários ao instituto em análise.
José Frederico Marques395 talvez tenha sido aquele que criticou com
mais coragem o Tribunal Popular, argumentando que o “Júri, levado ao
continente europeu como reação à magistratura das monarquias absolutistas,
perdeu seu aspecto político depois que o Judiciário adquiriu independência em
face do Executivo; e despido daquela auréola quase mística de paladium da
liberdade, para ser apreciado objetivamente como um dos órgãos da justiça
penal, a sua inferioridade se tornou patente. Entre o julgamento inspirado na lei
e na razão, no direito e no conhecimento técnico, e aquele ditado pelo arbítrio e
intuição cega, não há hesitação passível”. Destacou, ainda, que o Jurado é
muito acessível a injunções, encara os casos com mais benignidade e não
possui amadurecimento e reflexão sedimentados em conhecimentos científicos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!394 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 45. 395 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 05.
131!!
necessários à tarefa de julgar. Conclui, ao final, que o Juiz profissional é o mais
preparado e indicado ao mister de julgar, ante a disciplina que a carreira lhe
impõe e os conhecimentos que adquire com o hábito de julgar396.
Em que pese os argumentos sustentados contra a instituição, José
Frederico Marques deixa transparecer que suas opiniões estavam fortemente
influenciadas pelo sentimento de impunidade vivenciado na época397, tanto que
destaca o renomado doutrinador que o Júri tem feito “do branco preto, e do
preto branco, tais os absurdos das absolvições escandalosas que se contêm
nos veredictos soberanos desse Tribunal398”.
Aury Lopes Jr.399 também critica a falta de profissionalismo, de
estrutura psicológica e o desconhecimento legal e dogmático mínimo dos
Jurados. Além disso, ressalta que os Jurados estão muito suscetíveis a
pressões e influências políticas, econômicas e midiáticas, na medida em que
carecem das garantias orgânicas da Magistratura400. Critica a falta de contato
do Jurado com as provas, pois, em regra, estas são produzidas na primeira
fase do procedimento e, embora em Plenário possa até ser produzida alguma
prova, na prática, quase nunca ocorre. Destaca o anacronismo e o retrocesso
que é o livre convencimento desmotivado, que permite aos Jurados decidirem
com base em prova judicializada ou não e sem qualquer fundamentação.
Defende o aumento do número de Jurados para oito, a fim de ofertar maior
representatividade do corpo social no Conselho de Sentença, mas,
principalmente, para a máxima eficácia da plenitude de defesa401.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!396 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 07-08. !397 Não se pode perder de vista que a época em que a obra de Frederico Marques foi publicada, em 1963, remontava ao complicado período pós-guerra, em que os movimentos de massa estavam associados à luta de classes e às mais inacreditáveis atrocidades.!398 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 07. 399 Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 319-325. 400 As influências externas e os valores pessoais dos Jurados influem, de fato, no momento da decisão, situação que também ocorre com os Magistrados togados, consoante explicitado no item 1.2 do primeiro capítulo desta dissertação. 401 Lênio Streck destaca que “se um juiz comete uma injustiça em julgamento singular, os advogados ou as partes não reclamarão, uma vez que existe, por parte dos atores jurídicos, o que Luhmann chama de prontidão generalizada para aceitação das decisões, bastando que se contorne a incerteza de qual decisão ocorrerá pela certeza de que uma decisão ocorrerá, para legitimá-la. Já com relação às decisões do Tribunal do Júri, não obstante estarem também legitimadas pelo procedimento, estas sofrem críticas que visam a descaracterizar o júri enquanto instituição jurídica, sob argumentos como a ausência de rigor técnico nos veredictos (...). É importante frisar que não há qualquer levantamento que comprove, por exemplo, que o Tribunal do Júri, no Brasil, absolve mais do que o fazem os juízes singulares em seus julgamentos”. (Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 44).
132!!
Como tentativas de superação de alguns problemas estruturais do
Tribunal do Júri, costuma-se citar o escabinato ou escabinado402, típico da
França, e a exigência da motivação das decisões do Júri, característica do
sistema vigente na Espanha.
No escabinado403 há, como no Júri, o recrutamento popular, o
sorteio e até a divisão do julgamento. Mas, difere do Júri na medida em que,
nele, a responsabilidade do acusado é examinada e decidida em conjunto
pelos Juízes leigos e profissionais404, representando um equilíbrio maior no ato
de julgamento, por força do acréscimo de um componente técnico (constituído
pelo Magistrado profissional). Contudo, ainda assim, não significa que o
escabinado levará ao alcance da justiça nas decisões e que estará isento de
críticas. Isto porque, de certa forma, os Jurados deixam-se influenciar pelo Juiz
togado, por se sentirem mais tranquilos no momento em que devem decidir a
causa objeto de julgamento. Além disso, o escabinado não isenta os Jurados
leigos de pressões externas, pois problemas que dizem respeito a medo,
corrupção, temperamento, credo tendências e pressões oriundas das paixões
coletivas sempre farão parte dos aspectos críticos da instituição. Aliás, tais
problemas constituem questões ligadas a qualquer órgão incumbido de julgar,
seja ele colegiado ou não, formado por Juízes técnicos ou leigos, já que
constituem características do ser humano.
Em relação à questão da motivação da decisão dos Jurados, o tema
representa medida inovadora e salutar, pois permitiria o controle da
racionalidade dos veredictos, por meio do exame das razões que levaram ao
Conselho de Sentença a condenar ou absolver o acusado. No plano !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!402 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 325-328. 403 Sobre os modelos de participação popular nos julgamentos, Jesús Morant Vidal diz o seguinte: “La doctrina afirma la existencia de tres sistemas o modelos de Jurado: 1. El sistema de Jurado Puro, en el cual lós Jurados son elegidos directamente por el pueblo o aleatoriamente. En este sistema, el Jurado, en cuanto Tribunal no profesional, tan solo emite su veredicto sobre cuestiones de hecho (declaran probados o no probados los hechos) siendo el Juez técnico quien redacta la parte jurídica da Sentencia. Este sistema, considerado em decadencia, se utiliza fundamentalmente em los países anglosajones como EE.UU. (si bien, según el profesor THAMAN, este país parece encaminarse hacia el Jurado mixto) e Inglaterra. 2. El sistema del Jurado escabinado, caracterizado porque los Jurados participan no solo en la determinación de los hechos probados, sino también en la aplicación del Derecho redactando la Sentencia de forma conjunta com el Juez técnico. Este sistema es utilizado en países como Francia, Alemania, Suiza, Italia, Portugal y Grecia. 3. El sistema de Jurado mixto, bastante inusual y en el cual coexisten al mismo tiempo el Tribunal del Jurado y el Tribunal de escabinos. El sistema mixto es utilizado en Belgica, Austria e Noruega”.(Preguntas y Respuestas sobre el Tribunal del Jurado. Granada: Editorial Comares, 2003, p. 04).!404 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 12-13.
133!!
processual, viabilizaria a verificação do grau de cognição exercido pelos
Jurados em relação às questões de fato e direito debatidas no processo.
Entretanto, a garantia de transparência das decisões do Júri por
meio da motivação em nosso sistema encontra o obstáculo do sigilo das
votações (art. 5º, XXXVIII, “b”, da CF/88) e na incomunicabilidade dos Jurados,
que vedam ao Jurado expressar sua convicção sobre o mérito da causa
submetida à sua apreciação405.
Uma vez em mente as críticas feitas à instituição em exame e ciente
dos dispositivos constitucionais que tratam do Tribunal Popular, justifica-se,
agora, uma breve descrição do procedimento, a fim de que se possa facilitar a
investigação proposta na presente dissertação, qual seja, a inviabilidade da
condenação com base exclusiva em elementos extrajudiciais. Para tanto,
considerar-se-á a tradicional divisão bifásica406 do procedimento, consistente
no juízo de acusação (judicium accusationis) e no juízo de mérito (judicium
causae).
3.2. A primeira fase do procedimento: judicium accusationis
O procedimento no juízo de acusação, instituído pela Reforma do
Código de Processo Penal (Lei nº 11.689/08) encontra-se definido nos artigos
406 a 419 do CPP: inicia-se com o oferecimento da denúncia e termina com a
decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação do
crime407.
A denúncia ou a queixa no procedimento do Júri seguirá, em linhas
gerais, os requisitos do art. 41 do CPP408, com a diferença de que o acusador
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!405 Paulo Rangel defende a adoção da comunicabilidade entre os Jurados, por entender que “a conversação é o instrumento através do qual os jurados vão fundamentar e exteriorizar suas opiniões sobre os fatos objeto do processo evitando o arbítrio e qualquer decisão estigmatizada”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 94). 406 Para Guilherme de Souza Nucci, o procedimento é trifásico, pois considera autônoma a fase de preparação do Plenário, instituída pela Reforma advinda com a Lei nº 11.689/08. Assim, é o procedimento do Júri composto das seguintes fase: (i) juízo de formação da culpa; (ii) juízo de preparação do Plenário; (iii) juízo de mérito. (Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 46-48).!407 Trata-se de procedimento semelhante ao procedimento comum, com apenas três diferenças fundamentais: (i) recebimento da denúncia ou queixa antes do oferecimento da resposta; (ii) previsão de eventual réplica após a resposta; (iii) menor prazo para a realização de audiência de instrução, debates e julgamento. 408 Art. 41 do CPP: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.
134!!
não pedirá a condenação do acusado, mas sim a sua pronúncia. O prazo para
seu oferecimento também é o geral, previsto no art. 46 do CPP409.
O recebimento da denúncia é previsto no art. 406 do CPP, que
dispõe: “O Juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do
acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”.
Contudo, nada impede que o Juiz rejeite a denúncia ou queixa de plano, sem
ouvir o acusado, quando ela for inepta ou faltar-lhe pressuposto processual,
condição da ação ou justa causa, como dispõe o art. 395 do CPP410 para o
procedimento comum, que se aplica ao procedimento do Júri ante a previsão
do § 4º do art. 394 do CPP411.
Citado, o acusado deve oferecer a resposta, que é obrigatória412.
Nela, deve haver defesas tanto de mérito quanto as alegações de questões
preliminares, estas desde que não sejam matérias arguíveis por meio de
exceção, que devem ser suscitadas em peça própria e processadas em
apartado413.
Apresentada a resposta da defesa, o art. 409 do CPP414 estabelece
uma réplica, no prazo de 05 (cinco) dias, do Ministério Público ou do
querelante, para responder às preliminares alegadas pelo acusado ou pelo
querelado, podendo, ainda, o acusador se manifestar acerca dos documentos
juntados. Ressalte-se que o direito à réplica só se aplica quando a defesa
alegar alguma preliminar ou juntar documentos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!409 Art. 46 do CPP: “O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos”. 410 Art. 395 do CPP: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal”. 411 Art. 394, § 4o, do CPP: “As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código”. 412 Se não apresentada no prazo legal, não haverá preclusão e o Magistrado deverá nomear defensor para apresentá-la, ofertando-lhe novo prazo de 10 (dez) dias, a partir da intimação da nomeação. Art. 408 do CPP: “Não apresentada a resposta no prazo legal, o Juiz nomeará defensor para oferecê-la em até 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos”. 413 Art. 407 do CPP: “As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código”. 414 Art. 409 do CPP: “Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias”. Cumpre salientar que o Projeto nº 156/09 eliminou o artigo em comento, pois, diante da ampla defesa e do contraditório, a defesa manifesta-se por último no Processo Penal.!
135!!
Com a resposta, é possível a aplicação da absolvição sumária
prevista no art. 397 do CPP415, que se refere ao procedimento comum, mas
que tem aplicação no procedimento do Júri, ante a já mencionada previsão do
art. 394, § 4º, do CPP. Em decorrência, há a possibilidade de duas absolvições
sumárias: a do art. 397 do CPP e, portanto, logo após a resposta do acusado; e
a do art. 415 do CPP416, após o término do juízo de acusação417.
Após a resposta, e não sendo o caso de rejeição da denúncia ou de
absolvição sumária, o Juiz designará audiência de instrução e julgamento (não
do mérito, que caberá ao Conselho de Sentença, mas julgamento da
admissibilidade da acusação).
Na audiência, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido,
se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela
defesa (em número de oito para cada parte), nesta ordem418, bem como aos
esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e
coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate419.
Os debates serão orais420. Primeiro é dada a palavra à acusação e,
depois, à defesa, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez. Vale
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!415 Art. 397 do CPP: “Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente”. 416 Art. 415 do CPP: “O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva”. 417 Neste sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 73-74. Já Fauzi Hassan Choukr entende de modo diverso, pois defende que absolver sem um mínimo de instrução é retirar a competência do Juiz Natural da causa. (Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 83-84). No mesmo sentido: RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 110. 418 No caso das testemunhas de acusação, nos termos do art. 212 do CPP, primeiro perguntará o Ministério Público ou querelante, depois a defesa e, por último, pode o Juiz formular perguntas sobre pontos não esclarecidos. Já no caso das testemunhas de defesa, primeiro a defesa formula as perguntas, depois o acusador e, por fim, o Magistrado formula as perguntas sobre pontos não esclarecidos. Em caso de não comparecimento de uma das testemunhas de acusação ou de não devolução de carta precatória para ouvida de testemunha de acusação, não poderá ser a ordem invertida, devendo a audiência ser interrompida.!419 A audiência é una e concentrada. Contudo, na prática, é difícil a conclusão, em um só dia, de todos estes atos, terminando que, na prática, a audiência é cindida. 420 Por ocasião dos debates, a exposição fundamentada da tese defensiva não é obrigatória, pois pode ser uma estratégia da defesa que, antevendo uma possível pronúncia, deseje expor sua tese apenas em Plenário (BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier,
136!!
salientar que não há previsão legal de conversão dos debates orais em
memoriais, cabendo também ao Magistrado, encerrados os debates, proferir
sua decisão oralmente na própria audiência, ou no prazo de dez dias, por
escrito421.
A decisão do Magistrado pode ser no sentido de pronunciar,
impronunciar, absolver sumariamente o acusado ou desclassificar o delito.
Da pronúncia
A pronúncia é, dentre as hipóteses possíveis no juízo de
admissibilidade feito pelo Juiz togado, a única que remete a causa a
julgamento pelo Conselho de Sentença. Assim, não carrega consigo qualidade
decisória mais significativa, nem inova a situação jurídica do fato na sua
destinação genérica. “Sua eficácia está em estabelecer os limites da acusação,
após tê-la como admissível, fazendo a necessária adaptação do Direito ao fato,
evitando plus acusatório gravoso ao acusado em Plenário (...). Ela cuida,
apenas, de verificar a admissibilidade da pretensão acusatória, tal como feito
quando do recebimento da denúncia, mas, e agora não é demasia dizer, trata-
se de verdadeiro re-recebimento da denúncia agora qualificada pela instrução
judicializada422”.
Em relação à natureza jurídica, pode-se afirmar ser a pronúncia uma
decisão interlocutória mista não terminativa, vez que se trata de uma decisão
em que o Magistrado, no curso do processo, resolve uma questão incidente,
pois o que se encerra é uma fase do procedimento, e não o processo423. Além
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!2009, p. 77-78). Neste sentido: “(...) A praxe forense de o advogado do réu, por ocasião das alegações finais, reservar a exposição da tese defensiva para a sessão para o Conselho de Sentença, por representar estratégia da defesa que não traz prejuízo ao acusado, não configura deficiência da defesa técnica. Precedentes do STJ. (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 49406/MT. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Quinta Turma. DJ de 23/06/2008). Em sentido contrário: CHOUKR, Fauzi Hassan. Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 89-90. 421 Sem dúvidas, o legislador buscou alcançar a celeridade com a imposição da oralidade, atento ao princípio da razoável duração do processo. Ocorre que, na prática, principalmente em certos processos de competência do Júri, em que há muitas nuances e detalhes a serem esclarecidos, em uma única audiência não será possível encerrar todos os debates orais, os quais terão que ser armazenados na memória das partes, principalmente do Magistrado, para uso futuro.!422 NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 55-56.!423 Antes da Reforma advinda com a Lei nº 11.689/08, havia uma certa discussão acerca da natureza jurídica da pronúncia, posto que o antigo art. 416 do CPP falava em sentença de pronúncia. Atualmente, o
137!!
disso, é uma decisão que não produz coisa julgada material, na medida em que
pode haver desclassificação para outro crime, quando do julgamento em
Plenário, pelos Jurados; por outro lado, faz coisa julgada formal, pois, uma vez
preclusa a via recursal, não poderá ser alterada, exceto quando houver
circunstância fática superveniente que altere a classificação do crime424.
Consoante o art. 413 do CPP, “o Juiz, fundamentadamente,
pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência
de indícios suficientes de autoria ou de participação”.
A materialidade do fato deve restar devidamente comprovada, pois
a prova que se exige para a pronúncia não é diversa da prova que se exige
para a condenação. O que diversifica uma da outra é o thema probandum: na
pronúncia, basta a prova do fato típico; enquanto que, na condenação, é
necessário que se prove a existência do crime na totalidade de seus elementos
constitutivos425.
Embora a lei processual fale em prova da materialidade do fato, é
intuitivo que o fato seja criminoso para que o réu seja pronunciado. Caso o
Magistrado verifique que o fato, materialmente falando, existiu, mas não
constitui infração penal, deve absolver sumariamente o acusado (art. 415, III,
do CPP).
A existência do crime pode ser comprovada não só pela
materialidade atestada no laudo de exame cadavérico, mas também por
qualquer outro meio idôneo de prova admitida no Direito, pois o próprio
legislador admite que a prova testemunhal pode suprir a falta do exame de
corpo de delito, se os vestígios desaparecem426.
Em relação aos indícios de autoria, a lei processual destaca que eles
têm que ser suficientes. Analisando a matéria, José Frederico Marques destaca
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!equívoco foi corrigido e o art. 420 do CPP fala expressamente em decisão de pronúncia. A doutrina prevalente, mesmo no regime anterior à reforma, já entendia a pronúncia como decisão interlocutória. Neste sentido: MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 232; PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 71-84; TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 65-66. 424 Art. 421 do CPP: “Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri. § 1o Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público”. 425 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 222-225. 426 Art. 167 do CPP: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.
138!!
que, “para a pronúncia, tem de ser certa a existência do crime e provável a
autoria imputada ao réu. Se apenas provável a existência do crime, não pode
haver pronúncia; e o mesmo se verifica quando tão-só possível a autoria que
ao denunciado se atribui”427.
Com a extinção do libelo, a pronúncia passou a exercer um papel
muito importante428, pois demarca os limites da acusação429 a ser deduzida em
Plenário, devendo nela constar a narração do fato criminoso e as eventuais
circunstâncias qualificadoras e causas de aumento430 constantes na denúncia
(ou no eventual aditamento) ou queixa (subsidiária, em caso de inércia do
Ministério Publico).
Como toda decisão judicial, deve a pronúncia ser fundamentada.
Contudo, por se tratar de uma decisão provisória, em atípico procedimento
bifásico, no qual o competente para o julgamento é o Tribunal do Júri, o
Magistrado deve agir com bastante cautela ao motivar sua decisão, a fim de
não deixar transparecer qualquer tendência à condenação do acusado, posto
que a pronúncia, cuja cópia será entregue aos Jurados431, pode influenciá-los.
Ao Juiz cabe apenas fazer um juízo de verossimilhança, sem externar suas
certezas. Logo, mais do que em qualquer outra decisão, a linguagem
empregada pelo Juiz na pronúncia reveste-se de singular importância, pois,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!427 MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 224. 428 Art. 476 do CPP: “Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante”. 429 Paulo Rangel destaca: “Se estava ruim, ficou pior. Se diante da estrutura acusatória do processo penal o juiz não devia limitar a acusação do libelo à pronúncia, agora ele delimita ela na própria pronúncia. Eles conseguiram piorar o que já era ruim”. (RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 166). 430 As agravantes, atenuantes e causas especiais de diminuição da pena não são objeto da pronúncia, ficando reservadas para análise na sentença condenatória. Vale ressaltar que é possível a exclusão de qualificadoras no momento da pronúncia, desde que manifestamente improcedentes. Neste sentido: “(...) 1. No procedimento do Tribunal do Júri, as qualificadoras só podem ser excluídas da pronúncia quando manifestamente improcedentes, isto é, quando completamente destituídas de amparo nos autos, sendo vedado nessa fase valorar as provas para afastar a imputação concretamente apresentada pelo Ministério Público (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 966034/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Quinta Turma. DJ de 28/10/2011). 431 Consoante o art. 472, § único, do CPP: “O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, e do relatório do processo”. Contudo, incongruentemente, o artigo 478 do CPP proíbe a menção à decisão de pronúncia nos debates em Plenário, permitindo que os Jurados tenham em mãos uma importante decisão, que não poderá ser melhor explicada pelas partes, especilamente pela defesa, sob pena de nulidade do julgamento. O Projeto de Lei nº 156 mantém esta mesma incongruência em seus artigos 380, § 1º, e 386, I.
139!!
havendo excesso, pode induzir ao prejulgamento por parte dos Jurados,
afetando a necessária independência que devem ter para julgar o processo432.
O que se busca é assegurar a máxima originalidade do julgamento
feito pelos Jurados, para que decidam com independência, longe de quaisquer
influências433.
Por outro lado, no momento da pronúncia, é comum a afirmação que
o Juiz deve guiar-se pelo interesse da sociedade em ver o acusado submetido
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!432 Neste sentido: “Habeas Corpus. Homicídio Qualificado. Tribunal do Júri. 1. Pedido de Realização de Diligências. Enfrentamento da Matéria No Hc Nº 75.792/Go. Impossibilidade de Reapreciação do Pleito. 2. Oitiva do Acusado em Sede Policial. Ausência do Delegado de Polícia. Nulidade. Não Configuração. 3. Sentença de Pronúncia. Juízo de Valor acerca da Autoria do Fato. Excesso de Linguagem. Constrangimento Ilegal Evidenciado. 4. Ordem Parcialmente Conhecida e, nessa extensão, Parcialmente Concedida. 1. (...) 2. (...) 3. Na sentença de pronúncia, deve o magistrado conciliar a impossibilidade de imersão no mérito da causa, vedada a incursão em pré-julgamento da acusação, sob pena de invasão da competência constitucional do Tribunal do Júri - juiz natural da causa -, com a necessidade de indicação de elementos seguros onde se encontrem a prova da materialidade e os indícios de autoria, não dando ensejo à nulidade da decisão por ausência de fundamentação. 4. No caso, o magistrado exarou convicção no sentido de ser o paciente o autor do fato em questão, inclusive rebatendo a tese defensiva relativa à participação de terceiros, considerações essas que exprimem juízo de valor capaz de influenciar a competente e soberana Corte popular, configurando-se o excesso de linguagem. 5. Habeas Corpus parcialmente conhecido, e nessa extensão, parcialmente concedido para anular a sentença de pronúncia, determinando o seu desentranhamento dos autos, bem como do acórdão proferido em sede de recurso em sentido estrito, devendo outra ser proferida com observância dos limites legais”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 117652/GO. Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Quinta Turma. DJ de 22/11/2011). E ainda: “Habeas Corpus. Penal. Tribunal do Júri. Homicídio Simples. Magistrado aposentado. Sentença de pronúncia. Excesso de linguagem. Nulidade absoluta. Voto médio proferido pelo Superior Tribunal de Justiça . Desentranhamento da sentença de pronúncia: inviabilidade. Afronta à soberania do júri. Ordem concedida. 1. O Tribunal do Júri tem competência para julgar magistrado aposentado que anteriormente já teria praticado o crime doloso contra a vida objeto do processo a ser julgado. Precedentes. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o defeito de fundamentação na sentença de pronúncia gera nulidade absoluta, passível de anulação, sob pena de afronta ao princípio da soberania dos veredictos. Precedentes. 3. Depois de formado o Conselho de Sentença e realizada a exortação própria da solene liturgia do Tribunal do Júri, os jurados deverão receber cópias da pronúncia e do relatório do processo; permitindo-se a eles, inclusive, o manuseio dos autos do processo-crime e o pedido ao orador para que indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele lida ou citada. 4. Nos termos do que assentado pelo Supremo Tribunal Federal, os Juízes e Tribunais devem submeter-se, quando pronunciam os réus, à dupla exigência de sobriedade e de comedimento no uso da linguagem, sob pena de ilegítima influência sobre o ânimo e a vontade dos membros integrantes do Conselho de Sentença; excede os limites de sua competência legal, o órgão judiciário que, descaracterizando a natureza da sentença de pronúncia, converte-a, de um mero juízo fundado de suspeita, em um inadmissível juízo de certeza. Precedente. 5. A solução apresentada pelo voto médio do Superior Tribunal de Justiça representa não só um constrangimento ilegal imposto ao Paciente, mas também uma dupla afronta à soberania dos veredictos assegurada à instituição do júri, tanto por ofensa ao Código de Processo Penal, conforme se extrai do art. 472, alterado pela Lei n. 11.689/2008, quanto por contrariedade ao art. 5º, inc. XXXVIII, alínea “c”, Constituição da República. 6. Ordem concedida para anular a sentença de pronúncia e os consecutivos atos processuais que ocorreram no processo principal. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 103.037/PR. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Primeira Turma. DJ de 30/05/2011). 433 James Tubenchlack, após a firmar que, muitas vezes o Juiz “emite conceitos e assertivas de mérito totalmente descabidas, por seu caráter tendencioso, quase sempre em desfavor do réu, num ‘veredicto’ capaz de influenciar o veredicto dos Senhores Jurados”. Em decorrência, entende pertinente a inclusão de norma determinando a exclusão da decisão dos autos. (Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 64).!
140!!
a julgamento pelo Tribunal do Júri, de modo que, havendo dúvida sobre sua
responsabilidade penal, deve, ainda assim, ser pronunciado434.
Todavia, a dúvida deve ser interpretada em favor do acusado.
Assim, se após a instrução, o Juiz não se convencer acerca do envolvimento
do acusado, deve impronunciá-lo (quando houver incerteza acerca dos indícios
suficientes de autoria ou quanto à existência do fato) ou absolvê-lo (quando
estiver provado o não envolvimento ou a inexistência do fato), respeitando-se,
em decorrência, a presunção de inocência.
Com relação às qualificadoras, tem sido admitida sua exclusão, no
momento da pronúncia, desde que sejam manifestamente improcedentes435.
Ao fundamentar a pronúncia, o Juiz também deverá indicar o
dispositivo legal em que julgar incurso o acusado436. Porém, em relação às
qualificadoras, o artigo 413, § 1º, do CPP determina ao Magistrado a
especificação delas, posto que, como a agora a pronúncia, desde a supressão
do libelo, é ato processual limitador da acusação a ser formulada em Plenário,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!434 Para Aury Lopes Jr., “não se pode admitir que juízes pactuem com acusações infundadas, escondendo-se atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição, para, burocraticamente, pronunciar réus, enviando-lhes para o Tribunal do Júri (...)”. Assim, entende o renomado processualista que, havendo dúvida se estão ou não presentes os indícios suficientes de autoria, deverá o Juiz impronunciar o acusado, aplicando o in dubio pro reo. (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, 267-268). 435 Neste sentido: Habeas Corpus. Pronúncia. Homicídio. Qualificadoras de Surpresa e Motivo Torpe. Admissibilidade. Fundamentação Idônea. Soberania do Júri. 1. Esta Corte firmou entendimento de que só podem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias qualificadoras manifestamente improcedentes, sem amparo nos elementos dos autos, uma vez que não se deve usurpar do Tribunal do Júri o pleno exame dos fatos da causa. 2. Impende destacar que tanto a pronúncia como o acórdão proferido em sede de recurso em estrito, de maneira fundamentada, a saber, com base em elementos indiciários colhidos sob o crivo do contraditório, admitiram a imputação das qualificadoras de motivo torpe e surpresa. 3. Ordem denegada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 166784/MT. Relator: Ministro Og Fernandes. Sexta Turma. DJ de 14/11/2011). E ainda: Habeas Corpus. Processual Penal. Júri. Denúncia. Fundamentação adequada quanto ao tipo básico e às qualificadoras. Pronúncia. Limitação imposta ao Magistrado no sentido de proclamar a admissibilidade, sem exacerbar na linguagem. Qualificadoras: Exclusão apenas quando absolutamente improcedentes. 1. Inexistência da alegada falta de fundamentação na denúncia no que tange ao tipo básico e às qualificadoras. 2. O juiz, ao proferir a sentença de pronúncia, deve ater-se a proclamação da admissibilidade, ou não, da acusação, sem exacerbar na linguagem. A sentença de pronúncia, no caso, ajusta-se ao disposto no art. 408 do CPP. 3. As qualificadoras só podem ser excluídas quando absolutamente improcedentes, o que não ocorre na espécie. 4. Qualquer incerteza quanto à situação de fato - relativamente ao tipo básico e às qualificadoras - deverá ser dirimida pelo Tribunal do Júri. Ordem denegada. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 93.920/RJ. Relator: Ministro Eros Grau. Segunda Turma. DJ de 04/09/2008). 436 Art. 413 do CPP: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena”.
141!!
não pode haver quesitação sobre causa de aumento ou qualificadora não
especificada na decisão, evitando que a defesa seja surpreendida.
Pode o Juiz, na pronúncia, dar ao fato uma qualificação jurídica
diversa, desde que não tenha havido alteração fática (emendatio libelli)437. Por
outro lado, se a instrução indicar que os fatos são diversos dos imputados na
denúncia, será necessário a aditamento desta, para que possam ser incluídos
na pronúncia.
O artigo 417 do CPP estabelece que, se houver indícios de autoria
ou de participação de outras pessoas não incluídas na acusação, o Juiz, ao
pronunciar ou impronunciar o acusado, determinará o retorno dos autos ao
Ministério Público, por 15 (quinze) dias, aplicável, no que couber, o artigo 80 do
CPP, que trata da separação de processos em que há corréus, a fim de não
prejudicar a dinâmica processual do feito mais avançado. Ademais, havendo
crime conexo, a pronúncia incluirá tanto o crime doloso contra a vida quanto o
crime conexo. Ainda que haja prova de eventuais excludentes de ilicitude ou
culpabilidade quanto ao crime conexo, o acusado deve ser pronunciado por
ambos, não podendo ser absolvido ou impronunciado apenas quanto a um
delito438.
Da impronúncia
Consoante o artigo 414 do CPP, “não se convencendo da
materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação, o Juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”. É a
impronúncia a opção oposta em relação à pronúncia, pois, ausentes um dos
dois requisitos da pronúncia (prova da materialidade do crime e indícios
suficientes de autoria), deve o acusado ser impronunciado.
A impronúncia é sentença terminativa, de conteúdo processual, que
extingue o processo sem julgamento de mérito, por ser inviável a acusação;
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!437 Art. 418 do CPP: “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave”. 438 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, 271. No mesmo sentido: NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 63; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 82.
142!!
Contudo, não transita em julgado materialmente, vez que pode ser instaurado
novo processo pelo mesmo fato, desde que surjam novas provas do crime ou
de sua autoria, pelo período do prazo prescricional.439 Neste ponto, Aury Lopes
Jr. defende a inconstitucionalidade da sentença de impronúncia, posto que, se
há dúvidas sobre os requisitos da pronúncia, deveria o acusado ser absolvido,
e não deixar a situação de incerteza perpetuar-se pelo tempo, infringindo o
princípio constitucional da presunção de inocência440.
Em caso de crime conexo com o crime doloso contra a vida, se o
acusado é impronunciado pelo último, o Juiz não poderá julgar o crime conexo,
devendo aguardar o fim do prazo de eventual recurso contra a sentença de
impronúncia441, para, somente então, remeter o processo ao Juiz competente
para julgar o outro crime.
Da absolvição sumária
Consoante o artigo 415 do CPP, o Juiz, fundamentadamente,
absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II
– provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir
infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do
crime.
A absolvição sumária é uma sentença de mérito que julga
improcedente o pedido contido na ação movida pela acusação, em face da
presença de uma das condições mencionadas no artigo retromencionado.
Os incisos I e II do artigo 415 do CPP iniciam pela exigência de estar
provada a inexistência do fato442 ou provado não ser o acusado autor ou
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!439 Art. 414, § único, do CPP: “Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova”. 440 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, 273. Paulo Rangel destaca que: “Trata-se, então, de decisão inconstitucional, que não dá ao acusado a certeza de que o Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública e do ônus da prova, falecendo no seu mister, pedirá a absolvição. Até porque o princípio da presunção de inocência (em verdade princípio da inversão do ônus da prova) informa essa fase processual (...). No Estado Democrático de Direito não se pode admitir que se coloque o indivíduo no banco dos réus, [mesmo que] não se encontre o menor indício de que ele praticou o fato e mesmo assim fique sentado, agora, no banco do reserva, aguardando ou novas provas ou a extinção da punibilidade, como se ele é quem tivesse de provar sua inocência, ou melhor, como se o tempo é que lhe fosse dar a paz e a tranquilidade necessárias”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 183). 441 Art. 416 do CPP: “Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação”.!442 Aqui o fato é visto como evento naturalístico, e não como fato típico.
143!!
partícipe, demonstrando que deve haver prova443 robusta a convencer o Juiz.
Já o inciso III permite a absolvição sumária quando o fato não constituir
infração penal. Aqui, o fato pode até ter ocorrido, mas é atípico. Por fim, o
inciso IV prevê a possibilidade de absolvição sumária quando estiver
demonstrada a presença de qualquer causa de exclusão de ilicitude ou da
culpabilidade444.
Havendo crime conexo com o doloso contra vida, se ocorrer a
absolvição sumária em relação quanto ao último, não pode o Juiz decidir
acerca do delito conexo. Deve aguardar o fim do prazo recursal para, em
seguida, remeter o processo ao juízo competente.
Desclassificação
Segundo o art. 419 do CPP, “quando o Juiz se convencer, em
discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no
§ 1o do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá
os autos ao Juiz que o seja. Parágrafo único. Remetidos os autos do processo
a outro Juiz, à disposição deste ficará o acusado preso”.
A desclassificação é uma decisão interlocutória em que o Juiz
reconhece que o crime imputado não é doloso contra a vida, não sendo,
portanto, da competência do Tribunal do Júri. O Magistrado deve restar
convencido que não se trata de crime doloso contra a vida; estando em dúvida,
o acusado deve ser pronunciado e o Conselho de Sentença decidirá sobre a
correta qualificação do crime.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!443 Neste ponto, vale destacar que o que diferencia a absolvição sumária da impronúncia é que, nesta, requer-se a inexistência de indícios de autoria ou participação; naquela, exige-se a ausência de prova quanto à autoria ou participação. (CHOUKR, Fauzi Hassan. Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 109). 444 Aqui, a única ressalva a ser feita é quanto à inimputabilidade por doença mental, posto que, segundo o § único do art. 415, “não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva”. Assim, se a única tese defensiva for a inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental retardado e estiver tal fato comprovado, o acusado é absolvido sumariamente, sendo-lhe aplicada uma medida de segurança. Porém, se além da tese de inimputabilidade, houver outra tese defensiva que, se acolhida, possa levar à absolvição plena, ou seja, que não importe aplicação de medida de segurança, como, por exemplo, o reconhecimento de uma legítima defesa, não será cabível a absolvição sumária, posto que, se declarada, irá impor maior gravame ao acusado. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 86-87).
144!!
Para Gustavo Henrique Badaró445, ao promover a desclassificação,
não pode o Juiz que receber o feito (ou próprio Juiz da Vara do Júri, em se
tratando de Comarcas com Varas Únicas) sentenciar de plano, sendo
necessário observar o contraditório, a fim de que as partes tenham a
oportunidade de se manifestar e até requerer a produção de alguma prova.
Havendo crime conexo, se houver desclassificação do crime doloso
contra a vida, o Juiz não poderá julgar o crime conexo, devendo remeter o
processo ao Juiz competente.
3.2.1. A decisão de pronúncia com base em elementos extrajudiciais e o comportamento dos Tribunais
O julgamento do homem por outro homem é atividade falha por
excelência. Assim, é preciso cercar o Tribunal Popular das maiores cautelas
possíveis, com o fito de ofertar a desejada segurança jurídica aos
jurisdicionados.
Com efeito, as críticas aos absurdos das decisões proferidas pelos
Jurados deveriam levar em conta que o veredicto só foi possível porque, em
algum momento, um Juiz togado julgou admissível juridicamente a
proclamação da culpa do acusado por um crime doloso contra a vida. Neste
ponto, Gustave Le Bon446 afirma que “mas como podem esquecer de que os
erros de que o júri é acusado são sempre cometidos primeiro por juízes, visto
que o acusado submetido a júri foi considerado culpado por vários magistrados:
o juiz de instrução, o procurador da República e o tribunal de acusação”.
De fato, se o término da primeira fase do procedimento do Júri fosse
usado como mecanismo de freio de acusações infundadas, sem bases
jurídicas sólidas, não haveria tantas decisões populares absurdas: que
absolvem culpados e, o que é bem mais grave, condenam inocentes.
No caso do término da primeira fase do procedimento do Júri, ao
Magistrado são ofertadas quatro opções: pronunciar, impronunciar, absolver
sumariamente ou desclassificar a infração.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!445BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 88-89. 446 Psicologia das Multidões. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 162.
145!!
Em se tratando de pronúncia, como já ressaltado, deve o Juiz se
convencer da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, atuando
a decisão em comento como mecanismo de garantia do acusado e da
sociedade, na medida em que visa impedir o patrocínio de acusações
infundadas.447
Contudo, é comum, no momento da pronúncia, o uso do brocardo in
dubio pro societate448, segundo o qual, mesmo em dúvida, deve o Juiz enviar o
acusado a julgamento. Com efeito, a interpretação do brocardo em tela, na
prática, tem levado a julgamento pelo Júri de processos fadados ao insucesso.
Na verdade, o in dubio pro societate deve ser aplicado quando presente dúvida
razoável, isto é, quando o feito contém provas suficientes tanto para condenar
como para absolver, dependendo da avaliação que se faça do conjunto
probatório. Existindo carência de provas, a solução menos prejudicial ao
acusado ainda é a impronúncia449.
Vicente Greco Filho450 assinala que a “função do Juiz togado na fase
da pronúncia é a de evitar que alguém que não mereça ser condenado possa
sê-lo em virtude do julgamento soberano, em decisão, quiçá, de vingança
pessoal ou social. Ou seja, cabe ao juiz na fase de pronúncia excluir do
julgamento popular aquele que não deva sofrer a repressão penal (...). O
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!447 Amália Gomes Zappalá salienta que a pronúncia é, para o acusado, garantia de defesa “contra acusações infundadas, garantia de envio a julgamento apenas quando o controle da acusação revelar, pela pronúncia, a probabilidade do sucesso da acusação. Garantia para sociedade do custo de julgamentos inúteis, que oneram o Poder Judiciário e contribuem para sua morosidade, e principalmente, garantia do justo processo, pois o interesse da sociedade não reside, apenas, na celeridade, mas na solução dos conflitos com justiça”. (A Pronúncia em um Sistema Garantista. Tese de Doutorado – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004, p. 19). 448 Consoante Amália Zappalá, “a expressão in dubio pro societate está diretamente ligada à apreciação da prova, indicando que, diante da dúvida sem solução, deve o juiz decidir em favor da sociedade, o que consiste em enviar a apreciação das circunstâncias cuja prova é incerta, ao tribunal do júri, juiz natural dos crimes que elas qualificam. Trata-se, no entanto, de uma grande falácia atribuir à sociedade o interesse em julgamentos fundados na dúvida, que desrespeitam direitos constitucionais do acusado. O único interesse da sociedade é o cumprimento da lei, o julgamento justo”. (Idem, ibidem, p. 110). 449 O eminente jurista Evandro Lins e Silva, ao enfrentar a questão relativa à dúvida, asseverou que “na distinção a ser feita no que toca à dúvida, em torno das teses discutidas nos autos, duas são as situações: aquela que gira em torno da autoria, co-autoria, participação; e aquela em que se discute a legítima defesa ou excludentes penais. Nesse tema, acórdão claro e modelar, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul resumiu a matéria desta forma didática e que deve servir em breve de paradigma ou de súmula jurisprudencial: sinteticamente – quando a dúvida envolve a existência do crime ou a autoria/co-autoria/participação = pró-réu; quando a dúvida envolve excludentes ou justificativas penais = pro societate”. (Sentença de Pronúncia, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 100, mar./2001, p. 08). 450 Questões Polêmicas sobre a Pronúncia, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 119.
146!!
raciocínio do juiz da pronúncia, então, deve ser o seguinte: segundo minha
convicção, se este réu for condenado haverá uma injustiça? Se sim, a decisão
deverá ser de impronúncia ou de absolvição sumária”.
Assim, o juízo de acusação posto diante do Júri há de ter como
pressuposto absoluto a prova da existência de um crime e indícios suficientes
de autoria ou participação de alguém. Ninguém é culpado mais ou menos, ou
quase, ou duvidosamente. É ou não é. Não há grau intermediário e, justamente
por isto, o legislador indicou o caminho: a impronúncia com a possibilidade de
reabertura do processo enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade451.
Pois bem. Se, com as provas judicializadas, o Juiz não se convencer
acerca da prova da materialidade do delito e dos indícios suficientes de autoria
e também não restar clara a configuração de uma das hipóteses de absolvição
sumária, o caminho menos tortuoso para o acusado e para a sociedade deve
ser a impronúncia.
Entretanto, a questão que vem à tona, agora, é a situação na qual o
Magistrado conclui, com base apenas em elementos extrajudiciais, que o
acusado deve ser submetido a Júri, argumentando, para tanto, que não há
necessidade, na pronúncia, da existência do juízo de certeza, pois trata-se de
decisão de mera admissibilidade.
Como é cediço, para o ajuizamento da ação penal, é necessária a
justa causa, sendo fundamental, portanto, a colheita prévia de elementos
informativos para que o Magistrado analise a viabilidade do recebimento da
inicial acusatória. Nos processos do Júri, que lidam com os crimes dolosos
contra vida, a regra é a formação do Inquérito Policial como coletor de provas
pré-constituídas para instruir a denúncia ou queixa.
Atualmente, no entanto, o Inquérito Policial sofre um efetivo desvio
de finalidade, adquirindo uma transcendência incompatível com a sua razão de
ser, posto que os elementos de investigação colhidos terminam sendo usados
pelo Magistrado como efetivos elementos de prova no momento da decisão.
Em regra, o argumento é de que a redação atual do art. 155 do CPP, que
proíbe a formação do convencimento judicial com base apenas nos dados
oriundos do Inquérito, exceto as provas cautelares, não repetíveis e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!451 QUEIJO, Maria Elizabeth. Sentença de Pronúncia, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 100, mar./2001, p. 09.
147!!
antecipadas, permite a utilização dos atos de investigação na fase judicial, se
não consistirem nos únicos elementos de convicção da autoridade judiciária.
Antes de qualquer discussão, é preciso ter em mente que, com
exceção das provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas, não há que se falar,
tecnicamente, em prova policial, mas sim em elementos informativos ou atos
de investigação452.
As informações colhidas na fase inquisitorial, quando não
reproduzidas judicialmente, é um nada jurídico, pois, ao contrário das garantias
constitucionais do processo aplicadas no momento judicial do procedimento,
não têm elas observância por completo no curso do Inquérito. Assim, ante a
peculiar finalidade do Inquérito – obter elementos para a formação da opinio
delicti da acusação e para o Magistrado, no momento de decidir sobre a
restrição de algum direito fundamental e para receber ou não a acusação – o
uso dos elementos nele colhidos não pode alimentar o convencimento do Juiz.
Todavia, não é raro deparar-se com casos em que o Magistrado
pronuncia um acusado, submetendo-o a Júri, com base em elementos
extrajudiciais e sob o argumento de que estes elementos podem ser utilizados
em sede de pronúncia, a fim de preservar a competência constitucional do Júri,
a quem caberá asseverar se as provas são suficientes ou não para a
condenação.
Ora, decidir com base em elementos extrajudiciais, colhidos sem a
efetivação da ampla defesa e do contraditório, é uma afronta ao Estado de
Direito, onde a garantia da liberdade é a sua principal essência. Se, no curso
da instrução, não se concluiu acerca do envolvimento do acusado, a solução é
a impronúncia ou a absolvição sumária.
Mesmo assim, na prática dos Tribunais Superiores brasileiros,
admite-se, ao arrepio dos princípios constitucionais retromencionados e com
uma frieza técnica de causar espanto, ser perfeitamente possível a decisão de
pronúncia com base em elementos colhidos no curso da investigação policial.
Argumenta-se que, embora não seja viável sustentar uma
condenação com base em prova produzida exclusivamente na fase
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!452 NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 58. !
148!!
inquisitorial, não ratificada em juízo, tal entendimento não se aplica à sentença
de pronúncia. Isto porque a decisão que submete o acusado a julgamento
perante o Tribunal do Júri não exige um juízo de certeza, mas tão somente que
seja apontada a materialidade do delito e os indícios suficientes sobre a
autoria.
Além disso, sustenta-se que os indícios suficientes de autoria,
necessários à pronúncia, podem derivar de provas colhidas durante o Inquérito
Policial, esquecendo-se, todavia, de que o indício é resultado de uma operação
lógica levada a efeito pelo Julgador, que parte de um fato provado – e com
observância do contraditório – e a partir dele tira uma conclusão453.
No sentido acima exposto, pronunciou-se a Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça, no curso do julgamento unânime do Habeas
Corpus nº 127.893/RS454, relatado pelo Exmo. Ministro Jorge Mussi, abaixo
ementado: “Habeas corpus. Homicídio qualificado tentado (artigo 121, § 2º, inciso IV, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal). Decisão de pronúncia que estaria fundamentada apenas em elementos colhidos na fase policial. Possibilidade. Hipótese em que o magistrado de origem motivou o seu entendimento tanto em depoimentos prestados perante a autoridade policial, quanto em testemunho fornecido em juízo. Inexistência de constrangimento ilegal. Denegação da ordem. 1. Em respeito à garantia constitucional do devido processo legal, a legitimidade do poder-dever do Estado aplicar a sanção prevista em lei ao acusado da prática de determinada infração penal deve ser exercida por meio da ação penal, no seio da qual ser-lhe-á assegurada a ampla defesa e o contraditório. 2. Visando afastar eventuais arbitrariedades, a doutrina e a jurisprudência pátrias já repudiavam a condenação baseada exclusivamente em elementos de prova colhidos no inquérito policial. 3. Tal vedação foi abarcada pelo legislador ordinário com a alteração da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, por meio da Lei 11.690/2008, o qual prevê a proibição da condenação fundada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. 4. Conquanto seja pacífica a orientação segundo a qual nenhuma condenação pode estar fundamentada exclusivamente em provas colhidas em sede inquisitorial, tal entendimento deve ser visto com reservas no que diz respeito à decisão de pronúncia. 5. Isso porque tal manifestação judicial não encerra qualquer proposição condenatória, apenas considerando admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri, único competente para julgar os crimes crimes dolosos contra a vida.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!453 Art. 239 do CPP: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. 454 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 127.893/RS. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJ de 08/11/2010. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag nº 1304510/DF. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. DJ de 07/06/2011; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 85077/DF. Relator: Ministro Felix Fischer. Quinta Turma. DJ de 12/11/2007.
149!!
6. Ademais, no procedimento do júri a prova testemunhal pode ser repetida durante o julgamento em plenário (artigo 422 do Código de Processo Penal), sendo que a Lei Processual Penal, no artigo 461, considerando a importância da oitiva das testemunhas pelos jurados, juízes naturais da causa, chega até mesmo a prever o adiamento da sessão de julgamento em face do não comparecimento da testemunha intimada por mandado com cláusula de imprescindibilidade. 7. Por tais razões, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que a decisão de pronúncia pode ser fundamentada em elementos colhidos na fase policial (Precedentes do STJ e do STF). 8. Ainda que assim não fosse, na hipótese vertente tem-se que o magistrado de origem, ao considerar presentes a comprovação da materialidade e os indícios da autoria do homicídio qualificado em questão, fundamentou sua compreensão tanto em depoimentos prestados perante a autoridade policial, quanto no único testemunho colhido em juízo, decisão que foi mantida pelo Tribunal de origem. 9. Ordem denegada”.
A Sexta Turma, também do Superior Tribunal de Justiça, possui a
mesma linha de entendimento, consoante se verifica na ementa do Recurso
Ordinário nº 28.079/MG455, relatado pelo Exmo. Ministro Sebastião Reis Júnior,
abaixo transcrita: “Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Homicídio qualificado. Sentença de pronúncia. Indícios de autoria. Provas colhidas na instrução e no inquérito policial. Possibilidade. 1. A decisão que pronuncia o réu deve conter indícios de autoria e prova da materialidade do delito, podendo os indícios derivar de provas colhidas durante o inquérito policial. 2. As teses trazidas com a impetração - de que nada teria sido produzido na instrução para apontar o paciente como autor do homicídio e autorizar a sua submissão ao Júri -, bem como a falta de credibilidade do depoimento da vítima, exigem ampla dilação probatória, incompatível com a via estreita do habeas corpus, a qual requer prova pré-constituída.
3. Recurso improvido”.
Por sua vez, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
também já apreciou a matéria e, no julgamento do Habeas Corpus nº
83.542/PE456, relatado pelo Exmo. Ministro Sepúlveda Pertence, assim se
posicionou: “I. Habeas corpus: cabimento para verificar a suficiência e a idoneidade da fundamentação de decisão judicial. II. Pronúncia: motivação suficiente: C.Pr.Penal,art. 408. 1. Conforme a jurisprudência do STF "ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação" (RE 287658, 1ª T, 16.9.03, Pertence, DJ 10.3.03). 2.O caso, porém, é de pronúncia, para a qual contenta-se o art. 408 C.Pr.Penal com a existência do crime "e de indícios de que o réu seja o seu autor". 3.Aí - segundo o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!455 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário nº 28.079/MG. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. DJ de 28/11/2011. No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 147067 / MG. Relator do acórdão: Ministro Haroldo Rodrigues. Sexta Turma. DJ de 03/11/2011. 456 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 83542/PE. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Primeira Turma. DJ de 26/03/2004.!
150!!
entendimento sedimentado -indícios de autoria não têm o sentido de prova indiciária - que pode bastar à condenação - mas, sim, de elementos bastantes a fundar suspeita contra o denunciado. 4.Para esse fim de suportar a pronúncia - decisão de efeitos meramente processuais -, o testemunho no inquérito desmentido em juízo pode ser suficiente, sobretudo se a retratação é expressamente vinculada à acusação de tortura sofrida pelo declarante e não se ofereceu sequer traço de plausibilidade da alegação: aí, a reinquirição da testemunha no plenário do Júri e outras provas que ali se produzam podem ser relevantes”.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em voto proferido
pelo Exmo. Ministro Djaci Falcão, também apontou o mesmo entendimento nos
autos do Habeas Corpus nº 101.407/PR457, consoante a ementa abaixo
transcrita: “Processo penal. A sentença de pronúncia encerra um juízo provisório de admissibilidade da acusação. Na espécie, o juiz considerou a prova da existência do crime e os indícios da sua autoria (art. 408 do cod. Proc.penal). Valor da prova colhida no inquérito policial. Inexistência de afronta ao art. 153, paragrafos 15 e 16 da constituição da republica. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Recurso extraordinário não conhecido”.
Ressaltam, por fim, ainda como argumento favorável à pronúncia
com base em elementos extrajudiciais, que, no procedimento do Júri, haverá a
possibilidade de renovação da prova por ocasião do julgamento da causa pelo
Júri Popular458, ante a previsão disposta no artigo 422 do Código de Processo
Penal459, segundo a qual o Presidente do Tribunal do Júri determinará a
intimação do Ministério Público e da defesa para apresentarem o rol das
testemunhas que irão depor em Plenário.
Destacam que, como cabe ao Conselho de Sentença pronunciar-se
sobre a procedência ou não da denúncia nos crimes dolosos contra a vida, a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!457 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 101.407/PR. Relator: Ministro Djaci Falcão. Segunda Turma. DJ de 08/05/1984. No curso do voto, o Ministro Djaci Falcão assim se pronunciou: “Alega a recorrente que a pronúncia não pode se fundamentar apenas na prova colhida no inquérito. Não vinga a arguição, porquanto basta a existência de fatos certos que induzam a possibilidade de autoria, ainda que colhidos perante a Polícia, conforme orientação jurisprudencial prevalecente. A sentença de pronúncia, como é sabido, encerra um juízo provisório de admissibilidade da acusação”. 458 “(...) 1. Na linha dos precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, embora não seja possível sustentar uma condenação com base em prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial, não ratificada em juízo, tal entendimento não se aplica à sentença de pronúncia. 2. A decisão que submete o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri não exige um juízo de certeza, mas tão somente que seja apontada a materialidade do delito e os indícios suficientes sobre a autoria. Ademais, no procedimento do júri, haverá a possibilidade de renovação da prova por ocasião do julgamento da causa pelos jurados. 3. Ordem denegada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 147067/MG. Relator do acórdão: Ministro Haroldo Rodrigues. Sexta Turma. DJ de 03/11/2011). É de se ressaltar que, na prática, quase não há produção de prova em Plenário.!459 Art. 422 do CPP: “Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência”.
151!!
Lei Processual Penal460, considerando a importância da oitiva das testemunhas
em Plenário pelos Jurados chega até mesmo a prever o adiamento da sessão
de julgamento em face do não comparecimento da testemunha intimada por
mandado com cláusula de imprescindibilidade.
Percebe-se que a jurisprudência das Cortes Superiores brasileiras461
consolidou-se no sentido de que a decisão de pronúncia pode ser
fundamentada em elementos colhidos na fase policial.
Sem delongas, conclui-se que a linha jurisprudencial
retromencionada vai de encontro ao devido processo legal, que exige a
efetivação da ampla defesa e do contraditório, pois “admitir prova de Inquérito
sem conforto na instrução, mesmo em nome do princípio do livre
convencimento, é uma verdadeira involução inquisitória”.462
3.3. A segunda fase do procedimento
Depois de transitada em julgado a decisão de pronúncia, inicia-se a
segunda fase do procedimento do Júri463
O Presidente do Tribunal Popular, ao receber os autos, determinará
a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de
queixa, e do Defensor para, no prazo de 05 (cinco) dias, apresentarem o rol
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!460 Art. 461 do CPP: “O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização”. 461 É de se destacar que há entendimentos em Tribunais locais decidindo de forma diversa. Neste sentido: “Código Penal. Crimes contra a vida. Art. 121, § 2º, inc.. II e IV, do CP. Existência do fato. Há elementos que indicam a existência do fato como o auto de apreensão, auto de necropsia, laudo pericial, mapa das regiões anatômicas, bem como as demais provas colhidas ao longo do feito. Pronúncia. Impronúncia. Apenas a presença de indícios suficientes da autoria autoriza a pronúncia (art. 413, CPP). Caso contrário, se não forem considerados suficientes, é caso de impronúncia (art. 414, CPP). Meros comentários, sem identificação de autoria, não autorizam a pronúncia. Qualidade da prova. Para a pronúncia, indispensável prova judicializada. Leitura do artigo 155, CPP, com sua atual redação. Apelo Ministerial Improvido. Decisão Unânime”. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso em Sentido Estrito nº 70044677854. Relator: Des. Ivan Leomar Bruxel. Terceira Câmara Criminal. Julgado em 10/11/2011). 462 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 249-250.!463 Ao contrário do art. 412 do CPP, que fixa o prazo de 90 (noventa) dias para a conclusão da primeira fase, o legislador não estabeleceu prazo para o término do judicium causae. Aramis Nassif, por sua vez, entende que, ante a previsão do art. 428 do CPP (que prevê o desaforamento em razão de comprovado excesso de serviço, quando o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia), o prazo de 06 (seis) meses seria o prazo mínimo para o judicium causae. (O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 77).
152!!
das testemunhas464 que irão depor em Plenário, até o máximo de 05 (cinco),
oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências465.
O Juiz decidirá a respeito dos requerimentos de provas a serem
produzidas ou exibidas em Plenário do Júri e, em verdadeiro despacho
saneador466, ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade
ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa.
Em seguida, superadas as nulidades e as dúvidas porventura
existentes, elaborará relatório467 sucinto do processo. Tomadas todas estas
providências e esgotadas as diligências que visavam à regularização do feito
e/ou à produção de provas, o processo estará em ordem. O Juiz organizará a
pauta468 e irá designar data para a realização do julgamento469 em Plenário,
determinando a intimação das partes, do ofendido, quando possível, das
testemunhas e dos peritos, caso tenha havido requerimento.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!464 No caso de testemunha residente em outra Comarca, não terá ela o dever de comparecer à sessão de julgamento. Caso a parte deseje ouvi-la, na presença dos Jurados, terá o ônus de fazê-la comparecer, independentemente de intimação. Se, porém, na fase do art. 422 do CPP, a parte tiver requerido a intimação da testemunha por mandado e declarado não prescindir do depoimento, indicando a sua localização, poderá insistir em sua ouvida; caso contrário, o julgamento irá prosseguir normalmente, nos termos do art. 461 do CPP. 465 Antes da reforma advinda com a Lei nº 11.689/08, a segunda fase do procedimento iniciava-se com o libelo, elaborado pela acusação após o trânsito em julgado da pronúncia. Consistia o libelo de peça articulada, onde constaria a imputação, filtrada pela pronúncia, em formato de artigos. Pretendia-se que a acusação deixasse bem claro o conteúdo das teses a sustentar em Plenário, vinculando-se a elas, sem surpreender a defesa. Sobre a supressão do libelo, assim se pronuncia Guilherme de Souza Nucci: “Sob a alegação de que o libelo era peça geradora de muitas nulidades, terminou fulminado. Criou-se, entretanto, um paradoxo. A Lei nº 11.689/08, ao mesmo tempo em que fixa a pronúncia como contorno limitativo da acusação em plenário (art. 476, caput, CPP), pretende seja ela decisão judicial o mais concisa possível, limitando-se somente à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação (art. 413, § 1º, CPP). Ora, extinto o libelo, que serviria de fronteira para a acusação, substituído pela decisão de pronúncia, não se pode exigir que esta seja concisa e supérflua. Ao contrário, o magistrado necessita fundamentar detalhadamente certos aspectos da decisão que julga admissível a imputação”. (A Reforma do Tribunal do Júri no Brasil, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 08). 466 NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 79. 467 Este relatório terá suas cópias entregues aos Jurados, nos termos do art. 472, § único, do CPP (“O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo”). 468 Art. 429 do CPP: “Salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos julgamentos, terão preferência: I – os acusados presos; II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão; III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados”. Gustavo Henrique Badaró cita, como exemplo de motivo relevante que justifique a alteração da ordem, o julgamento de um réu solto, em detrimento de um preso, quando o feito do primeiro está prestes a prescrever. (Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 97). 469 É importante destacar que o artigo 431 do CPP fala em sessão de instrução e julgamento, o que demonstra a importância da produção de provas em Plenário.
153!!
Ressalte-se que podem as partes e o Juiz ingressar com pedido de
Desaforamento470, que é verdadeira causa modificativa da competência do Júri.
O processo que era de uma certa Comarca, passará a ser de competência de
outra, ante a ocorrência de alguma das causas elencadas no artigo 427 do
CPP, quais sejam: interesse da ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade
do Júri ou sobre a segurança pessoal do acusado471. Há, ainda, o
Desaforamento por excesso de serviço, previsto no art. 428 do CPP472.
Após a organização da pauta de julgamentos, o Juiz intimará o
Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública
para acompanharem, em dia e hora designados, o sorteio dos Jurados473 que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!470 Quanto ao momento de propositura do pedido de Desaforamento, é preciso destacar que, enquanto pendente recurso contra a decisão de pronúncia, não cabe o Desaforamento. Por outro lado, efetivado o julgamento pelo Júri, não se admitirá o pedido de Desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado, quando haverá nova sessão de julgamento. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 94-95).!471 Para a procedência do pedido de Desaforamento, não bastam meras alegações, conjecturas ou suposições. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que deve a parte requerente apontar o motivo concreto da necessidade do Desaforamento. Neste sentido: “Habeas Corpus. Homicídio qualificado. Tribunal do Júri. Desaforamento. Necessidade demonstrada. Dúvida quanto à imparcialidade dos Jurados e à segurança dos réus. Deslocamento da competência. Comarca da Capital. Preterição das mais próximas. Possibilidade. Precedentes. Ordem denegada. 1. O desaforamento do Tribunal do Júri não representa violação ao princípio do juízo natural, nem constitui tribunal de exceção. Trata-se, tão somente, de garantia à isenção e imparcialidade do julgamento. Poderá ser realizado sempre que houver interesse da ordem pública, comprometimento da imparcialidade dos jurados, dúvida sobre a segurança do réu ou atraso injustificável na realização do julgamento popular. 2. Na hipótese, há fundadas suspeitas sobre a imparcialidade dos jurados, demonstrada pelo temor que os acusados causam na população e pelo interesse de diversos setores da região no desfecho da causa, sendo correta a medida de desaforamento. 3. Ademais, ressaltou-se que, estando os acusados relacionados com o crime organizado interestadual, resta comprometida a própria segurança destes, mormente diante do corpo policial diminuto que possuem todas as comarcas do interior cearense. 4. Somente mediante decisão fundamentada poderá se afastar a competência dos Juízos mais próximos em detrimento dos mais distantes. 5. O Parquet, ao pleitear a adoção do desaforamento, demonstrou que os motivos ensejadores da medida excepcional alcançariam, de igual modo, os municípios situados próximos à região do município de Jucás/CE. Desse modo, a dúvida quanto à imparcialidade dos jurados somente não se faria presente se a causa viesse a ser remetida à comarca da Capital do Estado do Ceará, o que veio corretamente a ocorrer. 6. Ordem denegada”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 142.749/CE. Relator: Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. DJ de 01/06/2011). 472 Art. 428 do CPP: “O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia”. 473 Art. 447 do CPP: “O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento”. Neste ponto, é de se ressaltar que o serviço do Júri é obrigatório e exige-se do Jurado ser maior de dezoito anos e detentor de notória idoneidade. A recusa ao serviço do Júri, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, importará a prestação de serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestado o serviço. Ressalte-se que o exercício efetivo da função de Jurado constitui serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral. Além disso, os Jurados possuem preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de
154!!
atuarão na reunião periódica. A ausência das partes intimadas não tem o
condão de adiar o sorteio (artigo 433, § 2º, do CPP).
No dia e hora designados para a sessão do Tribunal do Júri, o Juiz
Presidente verificará se a urna contém as cédulas dos vinte e cinco Jurados
sorteados e mandará que o escrivão proceda à chamada dos Jurados
presentes. Comparecendo474 pelo menos quinze deles, os trabalhos serão
iniciados. Serão computados475, para integrar o número legal, os Jurados
excluídos por impedimento476 ou suspeição477.
Caberá ao Juiz, também, a verificação da presença dos outros
sujeitos processuais: acusação, defesa, acusado e testemunhas.
No caso de ausência do membro do Ministério Público, o Presidente
adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião. Se a
ausência for injustificada, o fato deve ser comunicado ao chefe da instituição, o
Procurador Geral de Justiça, a quem caberá adotar as medidas pertinentes478.
Por outro lado, é de se destacar que o julgamento não será adiado pela
ausência do assistente ou do advogado do querelante, desde que regularmente
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!promoção funcional ou remoção voluntária. Por fim, nenhum desconto será feito nos vencimentos ou salário do Jurado sorteado que comparecer à sessão do Júri. 474 Em caso de falta injustificada do Jurado sorteado para o Júri, o artigo 442 do CPP prevê multa no valor de 01 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do Juiz. Também será multado se, tendo comparecido, se retirar antes de dispensado pelo Presidente. Tais ausências ou abruptas saídas deverão constar na ata, bem como as multas impostas. Consoante o artigo 443 do CPP, somente será aceita escusa para o serviço de Plenário quando a mesma se fundar em motivo relevante devidamente comprovado e apresentado, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento da chamada dos Jurados. Por fim, o artigo 444 do CPP dispõe que a dispensa do Jurado só pode ser feita mediante por decisão motivada do Juiz Presidente, consignada na ata dos trabalhos. 475 Porém, se em consequência das suspeições ou recusas peremptórias não houver número para a formação do Conselho de Sentença, o julgamento será adiado para o primeiro dia útil desimpedido, após o sorteio dos suplentes. É o que se chama “estouro de urna”. 476 Art. 448 do CPP: “São impedidos de servir no mesmo Conselho: I – marido e mulher; II – ascendente e descendente; III – sogro e genro ou nora; IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio; V – tio e sobrinho; VI – padrasto, madrasta ou enteado. § 1o - mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar. § 2o - Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados”. 477 Art. 449 do CPP: “Não poderá servir o jurado que: I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior; II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado; III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado”. 478 Art. 455 do CPP: “Se o Ministério Público não comparecer, o juiz presidente adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, cientificadas as partes e as testemunhas. Parágrafo único. Se a ausência não for justificada, o fato será imediatamente comunicado ao Procurador-Geral de Justiça com a data designada para a nova sessão”.
155!!
intimados479. Contudo, havendo justificativa, deve o Magistrado adiar a sessão
de julgamento480.
A ausência da defesa acarretará a não realização do julgamento. Se
sua ausência deu-se por escusa legítima, o Juiz designará novo julgamento. Se
o não comparecimento foi injustificado, e o acusado possuía defensor
constituído, será notificado a constituir novo defensor, sob pena de lhe ser
nomeado um dativo. Já se o defensor era dativo, o juiz deverá destituí-lo e
nomear outro defensor481. Em qualquer caso de ausência, a seccional da
Ordem dos Advogados do Brasil deve ser comunicada.
No que tange ao acusado, o novo artigo 457 do CPP dispõe que, em
regra, sua ausência não impedirá a realização do julgamento482. O direito de
não comparecer é uma decorrência lógica do direito ao silêncio e do nemo
tenetur se detegere, que ofertam ao acusado a faculdade de calar-se em seu
interrogatório, visto este agora como meio de defesa.
Estando o acusado solto, a única exigência legal é a sua prévia
intimação. Por outro lado, em se tratando de acusado preso, é necessário que
tanto ele quanto o seu defensor requeiram, por escrito, a dispensa de
comparecimento483.
Quanto à testemunha, em regra, o seu não comparecimento não
será motivo para adiar o Júri. Contudo, se a testemunha ausente foi arrolada
pela parte com a cláusula de imprescindibilidade, o Juiz Presidente possui duas
opções: adiar o julgamento para o primeiro dia útil desimpedido, quando será
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!479 Art. 457 do CPP: “O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado”. 480 BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 104-105. 481 Art. 456 do CPP: “Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão. § 1o - Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente. § 2o - Na hipótese do § 1o deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias”. 482 James Tubenchlak não considera conveniente a possibilidade de julgamento sem a presença do acusado, afirmando que “não é plausível que cidadãos do povo sejam instados a julgar um concidadão que não tiveram a oportunidade de ver”. (Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 168).!483 Art. 457 do CPP: “O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. § 1o - Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri. § 2o - Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor”.
156!!
ordenada sua condução coercitiva484; ou suspender os trabalhos e ordenar
condução coercitiva naquele momento.
Pois bem. Instalada a sessão do Tribunal do Júri, comparecendo
pelo menos 15 (quinze) Jurados, o Juiz Presidente declarará instalados os
trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento, ocasião
na qual será feito o pregão, que consiste na chamada das partes e
testemunhas, sendo um momento de singular importância, posto que as
eventuais nulidades relativas que tenham ocorrido após a pronúncia devem ser
alegadas após o pregão, consoante o artigo 571, V, do CPP.
Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o Juiz
Presidente esclarecerá aos Jurados sobre os impedimentos, a suspeição e as
incompatibilidades. Além disso, serão os Jurados advertidos que, uma vez
sorteados, não poderão se comunicar entre si ou com terceiros, nem
manifestar sua opinião sobre o processo, a fim de evitar a influência de um
Jurado sobre o outro ou de um terceiro sobre o Jurado.
Após as advertências, o Juiz Presidente abre a urna e verifica as
cédulas, nela recolocando apenas aquelas com os nomes dos Jurados
presentes. À medida que as cédulas forem lidas pelo Juiz Presidente, a defesa,
primeiro e, depois dela, a acusação podem, imotivadamente, recusar até três
deles. As recusas motivadas, por suspeição, impedimento, incompatibilidade
ou proibição não têm limite numérico, cabendo ao Juiz decidir no ato sobre a
procedência ou não da alegação485.
Caso dois ou mais acusados estiverem sendo julgados no mesmo
processo, poderão acordar que apenas um defensor promova as recusas, em
nome de todos. Se não houver concordância, cada defensor será indagado se
aceita ou não o Jurado. Aqui, pode ocorrer de um Jurado ser aceito por uma
parte e recusado pela outra. Neste ponto, a lei processual estabelece que
basta ser recusado por uma parte para restar excluído o Jurado. Todavia,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!484 Art. 461 do CPP: “O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização. § 1o - Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução. § 2o - O julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de justiça”. 485 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 293-294.!
157!!
haverá a separação do julgamento se, após as recusas, houver o estouro de
urna486, ou seja, não for obtido o número de sete Jurados para compor o
Conselho de Sentença.
Após colhido verbalmente o compromisso dos Jurados487, cada um
deles receberá cópia da pronúncia488 ou, se for o caso, das decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo. O
relatório é aquele redigido pelo Juiz Presidente, após ter deliberado a respeito
dos requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no Plenário do
Tribunal do Júri e ter ordenado as diligências necessárias para sanar qualquer
nulidade ou esclarecer fato.
O relatório escrito deve ser uma síntese, um resumo, do processo
feito pelo Juiz Presidente que, sem manifestar sua opinião, exporá qual é a
acusação, quais as provas carreadas ao feito e quais as conclusões que
chegaram as partes, podendo até ler alguns trechos dos autos.
Iniciada a instrução em Plenário, inicialmente será colhida a
declaração da vitima, se possível, bem como das testemunhas de Plenário
arroladas pela acusação e defesa. Em relação à oitiva da vítima e das
testemunhas de acusação, a inquirição deve ser feita, primeiro, pelo Ministério
Público e, se for o caso, pelo seu assistente e, após, pela defesa. Já na oitiva
das testemunhas da defesa, cabe a ela formular as perguntas antes da
acusação. Ressalte-se que as perguntas são feitas diretamente pelas partes,
sem intermediação do Juiz489. Contudo, os Jurados, ao formularem suas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!486 RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 237. 487 Art. 472 do CPP: “Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo. Parágrafo único. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo”. 488 Aqui se estabelece um paradoxo: de um lado, os Jurados recebem a cópia da decisão de pronúncia (art. 472, § único do CPP); de outro, por ocasião dos debates, há a proibição legal de menção à referida decisão, sob pena de nulidade (art. 478, I, do CPP). Ora, os leigos recebem uma importante decisão, que, a contrario sensu, não poderá ser explicada pelas partes. Mesmo diante deste paradoxo, o Projeto de Lei nº 156/09 mantém, em seus arts. 380, § 1º, e 386, I, a mesma disposição, não resolvendo, portanto, a presente incongruência. (ABRÃO, Guilherme Rodrigues. O Tribunal do Júri de acordo com o PL 156/09: Alguns Paradoxos não Resolvidos, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 19, nº 225, ago. 2011, p. 14). 489 Paulo Rangel destaca aqui que “a Lei nº 11.689/08 deixou clara a opção pelo sistema acusatório quando permite as partes se dirigir direta e pessoalmente às testemunhas e fazer perguntas”. (Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 241).
158!!
perguntas, não o farão diretamente, mas através do Juiz Presidente, que
exercerá papel de mediador, para evitar que os Jurados deixem transparecer
algum juízo de valor. Assim, cabe ao Juiz, quando o Jurado quiser perguntar,
pedir que o faça por escrito, a fim de não revelar às partes seu voto ou sua
linha de pensamento.
Os esclarecimentos dos peritos, que devem ser requeridos
previamente, na fase do art. 422 do CPP, as acareações e reconhecimentos de
pessoas ou coisas são realizados, quando requeridos, logo em seguida à
coleta dos depoimentos das testemunhas.
As partes e os Jurados poderão requerer a leitura de peças. No
sistema anterior à reforma de 2008, esta leitura de peças era a responsável
pela demora excessiva das sessões, mormente quando era requerida a leitura
do processo de “capa a capa”. Atualmente, com a parte final do § 3o do art. 473
do CPP490, permite-se a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às
provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou
não repetíveis. Isto faz com que as partes leiam apenas as peças consideradas
essenciais, o que impõe uma boa estratégia e administração do tempo491.
Por outro lado, há algumas peças que não podem ser lidas em
Plenário, nem utilizadas nos debates orais492, como a decisão de pronúncia (e
decisões posteriores confirmatórias) e a determinação judicial do uso de
algemas. Também não podem ser lidos documentos juntados sem a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!490 Art. 473, § 3º: “As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis”. 491 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 296. 492 Art. 478 do CPP: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo”. Para Gustavo Henrique Badaró, o artigo 478 do CPP não enuncia um numerus clausus, pois “qualquer outra linha argumentativa, com finalidade persuasiva, mas que possa induzir o jurado a erro, implicará nulidade de julgamento. A diferença é que, nas hipóteses dos incisos I e II do novo art. 478, demonstrada a situação de base – o acusado foi pronunciado, ou o acusado está algemado ou, ainda, o acusado permaneceu em silêncio, o que indica que seja culpado - , haverá nulidade, posto que o legislador, previamente, considera que neste caso haverá evidente prejuízo. Porém, em qualquer outra hipótese, desde que se demonstre concretamente que linhas argumentativas seguidas pelas partes efetivamente influenciaram, de forma indevida e falaciosa, o convencimento dos jurados, a nulidade também será de se reconhecer”. (Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 125).
159!!
antecedência mínima de três dias úteis, a fim de evitar que a outra parte seja
surpreendida no momento da sessão493.
O escopo do legislador é proibir o chamado argumento de
autoridade, isto é, argumentos não necessariamente corretos, mas com
fortíssimo poder de persuasão, principalmente perante os Jurados494. Ressalte-
se que o uso de tais peças não pode ser feito nem pela acusação, para
prejudicar a tese de defesa, nem por esta, em benefício do acusado.
Assim, em relação à pronúncia e eventual acórdão que a confirme,
não se admitirá sua utilização para influenciar os Jurados495. Para a doutrina, o
acusador pode até ler a pronúncia para expor aos Jurados, com precisão, qual
o fato objeto da acusação. Não poderá, porém, se referir à pronúncia como
argumento de autoridade496.
No que tange ao uso de algemas, o art. 474, § 3º, do CPP disciplina
a matéria, prevendo o seu emprego absolutamente excepcional, justamente
para garantir a dignidade humana e a própria presunção de inocência. Assim,
em regra, não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em
que permanecer no Plenário do Júri. Todavia, serão as algemas utilizadas se
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!493 Art. 479 do CPP: “Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados”. 494 BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 123. Fauzi Hassan Choukr define o argumento de autoridade como “um argumento baseado na opinião de um especialista. Os argumentos de autoridade têm geralmente a seguinte forma lógica (ou são a elas redutíveis): A disse que P; logo P. Por exemplo: Aristóteles disse que a Terra é plana; logo a Terra é plana”. (Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 146). 495 Gustavo Henrique Badaró exemplifica a situação em que o acusador alega ser a tese defensiva de negativa de autoria inaceitável, pois, se o fosse, o Juiz não teria pronunciado o acusado. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.123). Neste sentido, inclusive, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: “(...) 3. Houve menção à decisão de pronúncia pelo Ministério Público Estadual no sentido de que "se o juiz estivesse convicto da inocência do réu, não o pronunciaria." 4. O representante do Ministério Público local, impropriamente, declarou em plenário que a decisão de pronúncia traria, hipoteticamente, uma prévia convicção formada pelo juiz a respeito da culpabilidade do Acusado. Isso demonstra a utilização da pronúncia do Réu como argumento de autoridade capaz de influenciar os jurados. Precedente. 5. Habeas Corpus parcialmente prejudicado. Ordem prejudicada quanto ao pedido de redução da pena, denegada quanto ao pedido de nulidade por ausência de transcrição dos testemunhos e debates orais, mas concedida quanto ao pedido de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 148.499/DF. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. DJ de 19/12/2011). 496 CHOUKR, Fauzi Hassan. Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 147; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.123.
160!!
absolutamente necessárias à ordem dos trabalhos, à segurança das
testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Neste ponto, cumpre salientar que o Supremo Tribunal Federal
editou, no mesmo ano da reforma advinda com a Lei nº 11.689/08, a Súmula
Vinculante nº 11, segundo a qual “só é lícito o uso de algemas em caso de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria
ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem
prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Extrai-se, então, que o acusado somente poderá entrar algemado
em Plenário se houver prévia decisão judicial, escrita, fundamentada e com a
indicação de uma situação provada e concreta da necessidade do uso de
algemas497. E é esta decisão judicial que não pode ser mencionada como
argumento de autoridade, nos termos do inciso I do art. 478 do CPP.
De igual sorte, o silêncio do acusado ou a ausência de seu
interrogatório não podem ser empregados também como argumento de
autoridade para influenciar os Jurados, posto que são considerados autênticos
meios de autodefesa.
Colhida toda a instrução, e lidas as peças apontadas pelas partes ou
requeridas pelos Jurados, passar-se-á ao interrogatório do acusado, se estiver
presente e não optar pelo direito ao silêncio. Porém, antes da realização do
interrogatório no Plenário, o Juiz assegurará o direito de entrevista reservada
do acusado com seu defensor, bem como advertirá do seu direito ao silêncio e
esclarecerá aos Jurados que o silêncio do acusado não importa confissão e
não poderá ser interpretado em seu prejuízo. Aqui, cumpre salientar que as
perguntas dos Jurados serão formuladas através do Juiz Presidente e as das
partes, diretamente ao acusado498.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!497 Neste sentido: “(...) 3. Inexiste violação à Súmula Vinculante nº 11 quando o uso de algemas foi devidamente justificado. 4. Na hipótese, houve alusão à desmedida e ostensiva violência perpetrada pelo autor, mas também pelo fato de ser ele professor de artes marciais ("faixa preta de karatê e faixa marrom de Jiu-Jitsu"). Assim, mostra-se necessário o emprego das algemas a fim de imobilizar o paciente e preservar a integridade física dosagentes envolvidos na sua captura (...)”.(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC nº 28,292/BA. Relator: Ministro Og Fernandes. Sexta Turma. DJ de 08/09/2011). 498 Art. 474 do CPP: “A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção. § 1o - O
161!!
Encerrada a instrução, iniciar-se-ão os debates. A palavra primeiro
será concedida ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da
pronúncia ou das decisões que a julgaram admissível. Em havendo assistente
de acusação, este falará após o Promotor de Justiça, mas dentro do tempo de
1 hora e 30 minutos disponível. Em seguida, é dada a palavra à Defesa, pelo
mesmo tempo da acusação e, se houver mais de um defensor, deve haver um
prévio ajuste acerca da divisão do tempo ofertado. Após, concede-se o prazo
de 01 hora de réplica (acusação) e outro tanto para tréplica (defesa).
No caso de concurso de agentes, se todos forem julgados na
mesma oportunidade, cada parte terá direito a mais uma hora; e a réplica e a
tréplica serão acrescidas de mais uma hora para cada parte499.
Disciplinando os debates, o art. 480 do CPP determina que a
acusação, a defesa e os Jurados poderão, a qualquer momento e por
intermédio do Juiz Presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos
onde se encontra a peça por ele lida ou citada, facultando-se, ainda, aos
Jurados solicitar-lhe, pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato por ele
alegado. Estes pedidos são feitos através dos apartes, cuja competência para
deferimento é do Juiz Presidente, a quem cabe, durante os debates,
regulamentar a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a
palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido,
que serão acrescidos ao tempo desta última (art. 497, XII, do CPP).
Concluídos os debates, o Presidente indagará dos Jurados se estão
habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos. Aqui, os
Jurados, consoante o § 3º do art. 480 do CPP, terão acesso aos autos e aos
instrumentos do crime se solicitarem ao Juiz Presidente.
Por outro lado, se a verificação de qualquer fato, considerado
essencial para a decisão da causa, não puder ser realizada imediatamente, o
Juiz dissolverá o Conselho de Sentença. Se a dissolução foi em decorrência da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado. § 2o - Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente”. 499 Art. 477 do CPP: “O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.§ 1o - Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo. § 2o - Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste artigo”. !
162!!
necessidade de realização de perícia, o Juiz Presidente formulará com as
partes, desde logo, os quesitos para as diligências necessárias. Todavia, se a
prova essencial puder ser realizada no ato, pode o Juiz apenas suspender os
trabalhos, até que se possa produzir a prova e prosseguir com o julgamento500.
Não havendo dúvidas dos Jurados a serem esclarecidas, o Juiz
deverá proceder à leitura pública dos quesitos501, explicando o significado de
cada um502. Após a leitura, indaga se as partes têm requerimento ou
reclamação a fazer, constando na ata qualquer requerimento ou reclamação
não atendida.
Lidos os quesitos, o Juiz Presidente dirigir-se-á à sala especial, onde
houver, ou convidará o público a deixar a sala de sessão. Na sala secreta,
estarão presentes os Jurados, o Membro do Ministério Público, o assistente, o
querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça, não
podendo as partes fazer qualquer tipo de intervenção que possa perturbar a
ordem dos trabalhos.
Antes de proceder-se à votação de cada quesito, o Juiz Presidente
mandará o oficial de justiça distribuir aos Jurados pequenas cédulas, feitas de
papel opaco e facilmente dobráveis, contendo 07 (sete) delas a palavra “sim” e
07 (sete) delas a palavra “não”. Distribuídas as cédulas pelo oficial de justiça, o
Juiz lerá o quesito que deve ser respondido e o Jurado responderá sim ou não
à pergunta, julgando, com esses monossílabos, secretamente, pela sua íntima
convicção desmotivada, o acusado.
Após cada uma das respostas, o oficial recolherá, em uma urna ou
saco, as cédulas com os votos dos Jurados; e o mesmo oficial ou outro, em
outro receptáculo, recolherá as cédulas não utilizadas. Após a resposta,
verificados os votos e as cédulas não utilizadas, o Presidente determinará que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!500 Art. 481 do CPP: “Se a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o Conselho, ordenando a realização das diligências entendidas necessárias. Parágrafo único. Se a diligência consistir na produção de prova pericial, o juiz presidente, desde logo, nomeará perito e formulará quesitos, facultando às partes também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de 5 (cinco) dias”. 501 § único do art. 482 do CPP: “Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes”. 502 Art. 484 do CPP: “A seguir, o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata. Parágrafo único. Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado de cada quesito”.
163!!
o escrivão registre no termo de votação de cada quesito, bem como do
resultado do julgamento, sendo as decisões do Tribunal do Júri tomadas por
maioria de votos.
O primeiro quesito a ser formulado diz respeito à materialidade do
fato. O segundo versará sobre a autoria e o terceiro quesito indagará se o
acusado deve ser absolvido503. Em sendo negativa a resposta ao quesito
absolutório, o quarto quesito será sobre as causas de diminuição de pena. O
quinto quesito indagará os acusados sobre a ocorrência de causas de aumento
e qualificadoras, ressaltando que, no tocante às atenuantes e agravantes, não
haverá quesitos, cabendo ao Juiz, de acordo com o que foi debatido em
Plenário, valorar, no momento da dosimetria da pena, se foram devidamente
demonstradas.
É de se destacar que agora não mais se divulga o número de votos
positivos e negativos dos Jurados, apenas se declara que, por mais de três
votos, foi respondido sim ou não a determinado quesito, preservando-se o
sigilo das votações.
Finda a votação, é assinado o termo especial de votação pelo Juiz e
pelos Jurados, cabendo ao Juiz Presidente a elaboração da sentença, que, nos
dizeres de Gustavo Henrique Badaró504, é ato “subjetivamente complexo,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!503 O artigo 483 do CPP, com redação dada pela Reforma da Lei nº 11.689/08, tentou simplificar a temática da quesitação e é bastante didático. Vejamos: “Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. § 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? § 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa; II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 4o Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o (terceiro) quesito, conforme o caso. § 5o Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito”. 504!Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.136.!
164!!
porque é a soma de dois atos decisórios proferidos por sujeitos distintos: o
veredicto dos jurados (quanto ao fato e à autoria) e o pronunciamento do juiz
(absolvendo ou condenando e, neste caso, aplicando a pena)”.
No caso absolvição, o Juiz ordenará a soltura do acusado, se por
outro motivo não estiver preso; revogará as medidas restritivas provisoriamente
decretadas e imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.
Em se tratando de condenação, o Juiz fixará a pena, considerando
as circunstâncias agravantes e atenuantes alegadas pelas partes nos debates
e imporá os aumentos ou diminuições de pena, em atenção às causas
admitidas pelo Júri, além de estabelecer os efeitos genéricos e específicos da
condenação. Deve também o Magistrado decidir, fundamentadamente, se
determina a prisão do acusado, ou, na hipótese de o réu já se encontrar preso,
se o recomenda no cárcere, se presentes, nas duas situações é claro, os
requisitos da prisão preventiva.
Por fim, nos termos do art. 387, IV, do CPP505, deve o Juiz fixar valor
mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os
prejuízos sofridos pelo ofendido. Neste ponto, a jurisprudência tem defendido
que, se o crime ocorreu antes de entrar em vigor a nova regra, não há que se
falar na sua aplicação, posto que o dispositivo em comento tem caráter material
e não pode retroagir em prejuízo do acusado; contudo, mesmo que não haja o
óbice temporal, sua incidência só pode ocorrer mediante a oferta do
contraditório506.
Por fim, pode o Juiz Presidente do Tribunal do Júri proferir sentença
desclassificatória. Assim, se houver desclassificação da infração para outra, de
competência do Juiz singular, ao Presidente do Tribunal do Júri caberá proferir
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!505 Art. 387 do CPP: “O juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. 506 Neste sentido: “Penal. Recurso Especial. Homicídio. Reparação pelos danos causados à vítima. Art. 387, IV, do CPP. Pedido formal e oportunidade de produção de contraprova. Ausência. Ofensa ao princípio da ampla defesa. Recurso desprovido. I. O art. 387, IV, do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, estabelece que o Juiz, ao proferir sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. II. Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a aplicação do valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima porque a questão não foi debatida nos autos. III. Se a questão não foi submetida ao contraditório, tendo sido questionada em embargos de declaração após a prolação da sentença condenatória, sem que tenha sido dada oportunidade ao réu de se defender ou produzir contraprova, há ofensa ao princípio da ampla defesa. IV. Recurso desprovido”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº 1185542/RS. Relator: Ministro Gilson Dipp. Quinta Turma. DJ de 16/05/2011).
165!!
sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova
tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial
ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099/95. Em caso de
desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será
julgado pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, se couber, a Lei
nº 9.099/95.
Por fim, será a sentença lida em Plenário, sendo consideradas
intimadas, naquele momento, as partes do seu teor, porque a decisão se
considera publicada, não havendo necessidade de nova intimação para tal.
3.3.1 A decisão dos Jurados com base exclusiva em elementos extrajudiciais e o comportamento dos Tribunais
Sabe-se que o constituinte originário, ao elaborar a Constituição
Federal de 1988, estabeleceu como garantia individual a impossibilidade de
alguém vir a ser privado de sua liberdade sem o devido processo legal,
insculpida no seu artigo 5º, inciso LIV. Por isso, a legitimidade do Estado
aplicar a sanção prevista em lei ao acusado da prática de determinada infração
penal deve ser exercida por meio da ação penal, no seio da qual ser-lhe-á
assegurada a ampla defesa e o contraditório.
A aplicação da pena privativa de liberdade, portanto, deve ser
precedida de procedimento judicial, no âmbito do qual serão produzidas as
provas necessárias a corroborar as imputações constantes na denúncia
oferecida pelo Ministério Público, assim como as teses defensivas visando
afastar a responsabilidade criminal do acusado no evento cuja autoria lhe é
atribuída. Refuta-se, portanto, a acusação infundada, desprovida de certeza,
tanto que ao acusado, em Processo Penal, é garantido o benefício da dúvida,
consubstanciado no famoso brocardo in dubio pro reo, conforme se depreende
do comando do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal507.
Em decorrência, exsurge a importância de que tais provas sejam
produzidas no ambiente adequado da instrução criminal, no qual se permite a
intervenção das partes envolvidas - acusação e defesa - para que delas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!507 Art. 386 do CPP: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) VII – não existir prova suficiente para a condenação”.
166!!
possam extrair as informações que julgarem necessárias à sustentação das
teses respectivas. Neste ponto, visando afastar possíveis arbitrariedades, a
jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios disciplina a impossibilidade de
uma condenação ser embasada exclusivamente em elementos informativos
colhidos durante o Inquérito Policial, na qual inexiste o devido processo legal,
tratando-se de procedimento inquisitivo destinado à colheita de informações
acerca da materialidade do crime e indícios de sua autoria.
Contudo, ante a permissiva redação do art. 155 do CPP508, que
ressalva a impossibilidade de o Juiz fundamentar sua decisão exclusivamente
com base nos elementos informativos colhidos na investigação (excetuadas as
provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas), a prática demonstra o
desenfreado uso dos atos investigativos para reforçar o convencimento judicial,
desde que corroborados por provas produzidas com o respeito ao contraditório.
Assim, o que se observa, na prática dos Tribunais Superiores, é a
vedação de condenação com base unicamente em elementos colhidos na fase
policial509; todavia, é permitido o uso desses elementos, desde que haja
confirmação em juízo ou que haja outras provas submetidas ao contraditório
que corroborem os dados colhidos na fase investigativa510, o que, de certa
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!508 Art. 155 do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. 509 Neste sentido: “Habeas Corpus. Penal. Paciente condenado pela prática de atentado violento ao pudor. Alegação de nulidade da condenação por estar baseada exclusivamente em provas colhidas no inquérito policial. Ocorrência. Decisão fundada essencialmente em depoimentos prestados na fase pré-judical. Nulidade. Precedentes. Ordem concedida. I – Os depoimentos retratados perante a autoridade judiciária foram decisivos para a condenação, não se indicando nenhuma prova conclusiva que pudesse levar à responsabilidade penal do paciente. II - A tese de que há outras provas que passaram pelo crivo do contraditório, o que afastaria a presente nulidade, não prospera, pois estas nada provam e são apenas indícios. III – O acervo probatório que efetivamente serviu para condenação do paciente foi aquele obtido no inquérito policial. Segundo entendimento pacífico desta Corte não podem subsistir condenações penais fundadas unicamente em prova produzida na fase do inquérito policial, sob pena de grave afronta às garantias constitucionais do contraditório e da plenitude de defesa. Precedentes. IV – Ordem concedida para cassar o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e restabelecer a sentença absolutória de primeiro grau”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 103660/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJ de 06/04/2011). 510 Neste sentido: “Habeas Corpus. Penal. Alegação de nulidade. Condenação baseada exclusivamente em provas colhidas no inquérito policial. Inocorrência. Decisão fundada em outros elementos obtidos na fase judicial. Insuficiência de provas para a condenação. Impossibilidade de revolver-se o conjunto fático-probatório na via eleita. O writ não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes. Ordem denegada. I – Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementados por outros indícios e provas obtidos na instrução judicial. Precedentes. II - A análise da suficiência ou não dos elementos de prova para a condenação é questão que exige revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, providência incabível na via do habeas corpus. III – O habeas corpus, em que pese configurar remédio constitucional de largo espectro, não pode ser empregado como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes. IV – Ordem
167!!
forma, demonstra a imprestabilidade dos elementos informativos para fins de
condenação. A reforma advinda com a Lei nº 11.690/08 poderia ter ido mais
além se houvesse retirado a expressão exclusivamente da redação do artigo
155 do CPP, pois, aí sim, estaríamos diante de um processo penal
democrático, à luz dos princípios constitucionais do devido processo legal,
inseridos nos incisos LIV e LV da Constituição Federal de 1988.
Pois bem. Considerando a vedação de prolação de sentença com
base exclusiva em elementos extrajudiciais e levando em conta, por outro lado,
a possibilidade do uso de tais elementos apenas como reforço para a
argumentação utilizada na sentença, transparece, novamente, a singular
importância da motivação da decisão. Isto porque, através da fundamentação,
serão observados quais elementos serviram de base ao Magistrado no
momento da elaboração de sua decisão e se houve ou não decisão com base
exclusiva em atos de investigação. A fundamentação, portanto, serve como
medida de controle da legalidade dos atos do Magistrado.
Todavia, em se tratando do procedimento que envolve os crimes
dolosos contra vida, em que o mérito da condenação é decidido por Juízes
leigos, sem fundamentação, através do sistema da íntima convicção, a questão
torna-se ainda mais delicada, posto que é inviável saber se a decisão dos
Jurados foi ou não baseada apenas em elementos extrajudiciais.
A par disso, a jurisprudência da Quinta Turma do Superior Tribunal
de Justiça511, modificando, sem qualquer hesitação, entendimento anterior512,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!denegada”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 104.669/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Primeira Turma. DJ de 17/11/2010).!511 Foi utilizado o seguinte termo de pesquisa no site do Superior Tribunal de Justiça: “Júri e íntima convicção e condenação e prova e Inquérito Policial”. Dos 63 (sessenta e três) acórdãos disponibilizados, os mais recentes são da Quinta Turma, permitindo a condenação com base exclusiva em Inquérito Policial. Não foi disponibilizado, neste sentido, nenhum julgado da Sexta Turma a este respeito. 512 “Processual Penal. Recurso Especial. Homicídio qualificado. Júri. Apelação. Reexame de provas. (...) III - Mesmo em sede de julgamento pelo Tribunal do Júri é inadmissível, em princípio, condenação calcada tão somente – ou exclusivamente - em prova pessoal limitada a inquérito policial (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 257083/DF. Relator: Ministro Felix Fischer. Quinta Turma. DJ de 03/02/2003). Além do Relator, participaram deste julgamento unânime os Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca. Cumpre salientar que, no ano de 2007, no curso do julgamento do HC nº 44.37/SP, a Quinta Turma acolheu condenação pelo Conselho de Sentença com base exclusiva em testemunha ouvida na seara policial, que se retratou em juízo. O argumento utilizado foi o de que, havendo duas versões, e tendo os Jurados optado por uma delas, é de ser mantida decisão, sob pena de violação da soberania dos veredictos. Transcrevo parte da ementa: “Habeas Corpus. Homicídio qualificado. Júri. Decisão fundamentada em prova testemunhal colhida no Inquérito Policial. Possibilidade. Soberania do veredicto. Nulidade. Não-ocorrência. Declaração de inconstitucionalidade de todo o § 1º do art. 2º da lei 8.072/90 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Progressão do regime de cumprimento da pena. Possibilidade. Ordem denegada. Concessão de ofício. 1. Não há falar em ausência
168!!
passou, em recentes decisões, a não aplicar, no procedimento do Tribunal do
Júri, o já pacificado entendimento de impossibilidade de sentença com base
exclusiva em atos de investigação, por entender inaplicável o artigo 155 do
CPP quando do julgamento pelo Conselho de Sentença.
No curso do julgamento do Habeas Corpus nº 209.107/PE513 e do
Habeas Corpus nº 175.993/RJ514, o relator de ambos, o Exmo. Ministro Jorge
Mussi, destacou que “conquanto seja pacífica a orientação segundo a qual
nenhuma condenação pode estar fundamentada exclusivamente em provas
colhidas em sede inquisitorial, tal entendimento deve ser visto com reservas no
âmbito do procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Isso porque a
Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas "b" e "c", conferiu
ao Tribunal do Júri a garantia à soberania dos seus veredictos e ao sigilo das
votações, tratando-se de exceção à regra contida no inciso IX do artigo 93,
razão pela qual não se exige motivação ou fundamentação das decisões do
Conselho de Sentença, fazendo prevalecer, portanto, como sistema de
avaliação das provas produzidas a íntima convicção dos jurados. Dessa forma,
observa-se que a Corte Popular, após a produção das provas pela defesa e
pela acusação na sessão plenária, tão somente responde sim ou não aos
quesitos formulados de acordo com a livre valoração das teses apresentadas
pelas partes, razão pela qual, não havendo uma exposição dos fundamentos
utilizados pelo Conselho de Sentença para se chegar à decisão proferida no
caso, é impossível a identificação de quais provas foram utilizadas pelos
jurados para entender pela condenação ou absolvição do acusado, o que torna
inviável a constatação se o veredicto popular baseou-se exclusivamente em
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!de fundamentação, nem em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, na hipótese em que o conselho de sentença, acolhendo uma das versões apresentadas no julgamento, concluiu pela autoria do crime, com base nas provas testemunhais colhidas na fase investigatória. 2. O tribunal de apelação somente poderia anular o julgamento do júri se a decisão do conselho de sentença, distanciando-se da prova dos autos, fosse absurda, arbitrária, teratológica, o que não ocorreu na espécie (...)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 44.37/SP. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Quinta Turma. DJ de 10/12/2007). Acompanharam o relator os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Felix Fischer e Laurita Vaz. 513 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 209.107/PE. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJ de 19/10/2011. Acompanharam o Relator os Ministros Marco Aurélio Bellizze, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz. 514 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 175.993/RJ. Relator: Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJ de 21/19/2011. Acompanharam o Relator os Ministros Marco Aurélio Bellizze, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz.
169!!
elementos colhidos durante o inquérito policial ou nas provas produzidas em
juízo, conforme requerido na impetração”.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal515, nos autos do Habeas
Corpus nº 107228/MG516, infere-se o entendimento segundo o qual, mesmo
nos feitos do Tribunal Popular, é necessário que o uso dos elementos
extrajudiciais seja feito apenas se houver corroboração de provas
judicializadas. Inclusive, corroborando este entendimento, assim foi indexada a
matéria: “Entendimento, Supremo Tribunal Federal (STF), Possibilidade,
Utilização, Prova, Inquérito, Finalidade, Formação, Livre Convicção, Juiz,
Hipótese, Complementação, Indício, Prova, Submissão, Garantia Ao
Contraditório”, asseverando, portanto, que o entendimento da Corte Suprema é
no sentido de que a prova do Inquérito Policial só pode ser utilizada de forma a
complementar a prova produzida em contraditório, não havendo qualquer
ressalva ao fato de o processo ser da competência do Tribunal do Júri.
Nos Tribunais locais, a matéria não se encontra pacífica. No Tribunal
de Justiça do Estado de Pernambuco, no curso do julgamento da Apelação
Criminal nº 156.863-8517, demonstrou-se a inviabilidade de condenação, pelo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!515 Utilizando-se, também, no site do Supremo Tribunal Federal, o termo de pesquisa: “Júri e íntima convicção e condenação e prova e Inquérito Policial”, houve a disponibilização de 19 (dezenove) julgados, dos quais apenas 01 enfrentou a matéria objeto da presente dissertação.!516 Segue a ementa: “Habeas Corpus. Constitucional. Processual Penal. Crimes dolosos contra a vida. Sentença proferida pelo Tribunal do Júri transitada em julgado. Revisão criminal julgada improcedente. Pretensão de reexame do conjunto probatório dos autos. Impossibilidade em habeas corpus. 1. Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento de revisão criminal do qual se extrai que a condenação imposta não se fundamentou apenas em provas produzidas em inquérito policial, pois foram corroboradas por prova produzida em juízo. 2. Julgado objeto da presente ação em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual não é possível reexame de provas em habeas corpus. 3. Ordem denegada”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 107228/MG. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Primeira Turma. DJ de 21/06/2011). Acompanharam a Ministra Relatora, os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Luiz Fux.!517 Destaque-se a ementa: Penal e Processo penal. Apelação criminal. Homicídio. Tribunal do Júri. Condenação dos acusados. Alegação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Decisão que se fundou em prova exclusivamente extrajudicial. Apelo do acusado Edson Gonzaga improvido. Apelo dos demais réus provido. Decisão unânime. (...) 3. No que se refere aos acusados Sebastião Manoel da Silva e Nilson José do Nascimento, verifica-se que a versão acolhida pelo Conselho de Sentença, apresentada pela acusação, está fundada unicamente em confissão realizada em inquérito policial. 4. Relativamente à possibilidade de que a condenação se fulcre em prova colhida em inquérito policial, observo que a jurisprudência majoritária já entendia ser necessário que em sede judicial fosse a referida prova confirmada pelos demais meios probatórios, encontrando, assim, respaldo no conjunto probatório produzido com a observância do contraditório e da ampla defesa. A contrario sensu, uma vez contrariada pelas provas colhidas em juízo ou não confirmada por estas, inviável seja a prova extrajudicial o único elemento para a condenação. 5. Nova redação ao art. 155 do CPP, acolhendo os argumentos antes adotados pela jurisprudência. 6. A decisão do júri foi eminentemente contrária à prova dos autos, vez que não está embasada em elemento probatório válido suficiente, o que autoriza a sua reforma, com a devolução dos autos para que sejam os réus Sebastião Manoel da Silva e Nilson José do Nascimento submetidos a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. 7. (...)” (BRASIL. Tribunal de Justiça do
170!!
Tribunal do Júri, com base exclusiva em elemento extrajudicial. O mesmo
entendimento é esposado pelos Tribunais de Justiça do Distrito Federal518, São
Paulo519 e Mato Grosso520. Por sua vez, o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais521 entende que pode o Conselho de Sentença, em virtude do princípio
da íntima convicção, optar por uma das versões emergidas da prova
colacionada aos autos, seja ela produzida no Inquérito ou sob o crivo do
contraditório. De forma mais emblemática, o Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande de Sul522 possui reiterados julgados no sentido de que os senhores
Jurados julgam por íntima convicção, podendo estribar seu convencimento em
qualquer elemento de prova constante do caderno processual, aí se incluindo o
Inquérito Policial. Destaca-se que, ao Conselho de Sentença, é possibilitada a
aferição de feito de “capa a capa”, podendo formar seu convencimento a partir
de qualquer dado constante dos autos.
Não há dúvidas de que possibilitar a condenação com base
exclusiva em elementos extrajudiciais é uma afronta ao devido processo legal.
Qualquer permissivo deve ser interpretado como ilegal e inconstitucional.
Ademais, o fato de os Jurados leigos decidirem pela íntima convicção não
serve como argumento para a permissão de tamanho arbítrio. Isto porque a
íntima convicção, no caso Júri, deve ser interpretada como forma de garantir a
imparcialidade do leigo, posto que, desconhecedor da lei, o Jurado deve decidir
o caso de acordo com suas sensações e experiência de vida, sem qualquer
interferência. Assim, a linha argumentativa de que pode o Jurado valer-se
unicamente de provas extrajudiciais para proferir seu entendimento reflete um
comodismo ímpar e demonstra a mentalidade retrógrada do aplicador do
Direito que, mesmo ciente da necessidade de prova judicializada para a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Estado de Pernambuco. ACr nº 156.863-8. Segunda Câmara Criminal. Relator: Desembargador Mauro Alencar de Barros. DOE de 31/07/2009). 518 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. ACr nº 0002335-05.2009.807.0002. Segunda Turma Criminal. Relator: Desembargador Silvânio Barbosa dos Santos. DOE de 30/03/2010 519 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. ACr nº 0064605-94.2002.8.26.0224. Décima Segunda Câmara Criminal. Relator: Desembargador Paulo Rossi. DOE de 12/05/2010. 520 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. ACr nº 62590/2006. Primeira Câmara Criminal. Relator: Desembargador Rui Ramos Ribeiro. DOE de 10/10/2006.!521 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. ACr nº 4820331-84.2008.8.13.0000. Primeira Câmara Criminal. Relatora: Desembargadora Fortuna Grion. DOE de 20/08/2010. 522 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. ACr nº 70035586577. Segunda Câmara Criminal. Relatora: Desembargadora Laís Rogéria Alves Barbosa. DOE de 27/01/2011; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. ACr nº 70022571202. Segunda Câmara Criminal. Relator: Desembargador Marco Aurélio de Oliveira Canosa. DOE de 01/10/2009. !
171!!
prolação de qualquer decisão, ignora tal preceito e transforma o processo em
algo disforme, onde o Estado-jurisdição cede espaço ao Estado-administração.
3.3.2. Propostas de eliminação da incongruência da permissão do julgamento com base nos elementos colhidos na investigação preliminar
Parte da doutrina entende que a solução é a mudança na estrutura
do Júri, permitindo-se aos Jurados a discussão do caso penal entre si, com a
posterior motivação o voto proferido, que permitirá o controle da racionalidade
da decisão. Paulo Rangel523, após rechaçar o sistema da íntima convicção,
propõe que “os jurados, durante o tempo de duas horas e meia, discutiriam as
provas produzidas no curso do julgamento, analisando, por exemplo, os
depoimentos prestados em plenário; as perícias e os exames médicos
realizados e discutidos entre as partes; os objetos, porventura, usados na
prática do crime e demais peças que integram o processo. Tudo dentro da
dialética necessária à fundamentação da decisão do conselho de sentença (...).
O primeiro jurado sorteado seria o porta-voz do grupo e votaria em último lugar.
Dado o veredicto, o conselho de sentença em plenário, através do porta-voz,
leria a decisão a que o júri chegou”.
Todavia, a garantia de transparência das decisões do Júri por meio
da motivação em nosso sistema encontra o obstáculo do sigilo das votações
(art. 5º, XXXVIII, “b”, da CF/88) e da incomunicabilidade dos Jurados, que
vedam ao leigo expressar sua convicção sobre o mérito da causa submetida à
sua apreciação.
Por outro lado, adotando uma linha desprovida de ineditismo,
entendemos que uma solução simples e sem custos operacionais poderia
equacionar a incongruente decisão dos Jurados com base exclusiva em atos
de investigação, qual seja, a exclusão física do Inquérito Policial após a
decisão de pronúncia, excetuando-se, claro, as provas cautelares, irrepetíveis e
antecipadas.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!523 Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 240. No mesmo sentido: LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 320-321.
172!!
A exclusão seria apenas após a pronúncia, ante o respeito ao
entendimento segundo o qual a decisão do Magistrado pode ser baseada em
elementos extrajudiciais, desde que confirmadas em juízo ou como
complementação da prova judicializada. Contudo, após a pronúncia, a exclusão
dos elementos extrajudiciais repetíveis seria o meio de afastar a possibilidade
de os Jurados terem acesso a tais elementos.
Como é cediço, na atual sistemática, o art. 473, § 3º, do CPP
assevera que as partes e os Jurados podem requerer a leitura de peças que se
refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas
cautelares, antecipadas ou não repetíveis, o que leva a crer a impossibilidade
de utilização, no procedimento do Júri, dos elementos informativos colhidos
durante o Inquérito Policial. É que, como os Jurados não fundamentam sua
decisão, se fosse possibilitada a leitura dos atos de investigação em Plenário,
seria impossível saber se os Juízes leigos utilizaram-se ou não desses
elementos para a condenação ou absolvição do acusado524.
Contudo, na prática, observa-se que há sim a leitura de depoimentos
e do interrogatório colhidos na fase policial, em afronta escancarada ao
retromencionado dispositivo legal. Por outro lado, embora haja a vedação legal
– que não se opera na realidade - da leitura dos elementos informativos
colhidos na fase pré-processual em Plenário, os Jurados, por ocasião dos
debates, podem solicitar vistas dos autos, o que inclui a integralidade do
processo (art. 480, § 3º, do CPP). Outrossim, a decisão de pronúncia, que,
segundo a linha jurisprudencial dominante, pode se basear exclusivamente nos
elementos informativos, é entregue aos Jurados, consoante art. 472, § único,
do CPP, permitindo que haja o contato dos Jurados com atos de investigação
que podem influenciá-los sobremaneira.!
Neste ponto, destaque-se que a Lei nº 11.689/08, que deu origem à
reforma do procedimento dos delitos de competência do Júri, teve sua base
retirada do Projeto de Lei nº 4.203/01, cujos trabalhos foram presididos pela
eminente Professora Ada Pellegrini Grinover. Na redação original do Projeto,
havia a previsão (art. 413, 2º) de que: “Recebida a acusação e pronunciado o
acusado, os autos da investigação policial serão desentranhados, observado o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!524 BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 114-115.
173!!
disposto no art. 421, e devolvidos ao Ministério Público, remetendo-se cópias
ao defensor, ao querelante e ao assistente”, compondo-se com a sugerida
redação do art. 412: “Preclusa a decisão de pronúncia, o processo, instruído
com as provas antecipadas, cautelares ou irrepetíveis, será encaminhado ao
Juiz Presidente do Tribunal do Júri”.
No entanto, a proposta retromencionada foi rechaçada pelo Senado,
que assim se pronunciou: “O art. 421 determinava um absurdo jurídico.
Pretendia subtrair do júri – até mesmo do seu presidente – o conhecimento de
peças processuais importantes, pois previa que somente as provas irrepetíveis
fossem enviadas. Retirar do júri a possibilidade de conhecer, por exemplo, os
depoimentos de testemunhas produzidos durante o inquérito policial e a
instrução preliminar é um convite à impunidade. É sabido que, na maioria das
sessões plenárias do tribunal do júri, não se ouve uma única testemunha.
Muitas já faleceram, outras não foram encontradas, ou, mesmo intimadas, não
comparecem à sessão. E, se os testemunhos já prestados não puderem ser
mostrados aos juízes leigos, basta que o acusado, em um gesto de desespero,
mate as testemunhas presenciais capazes de condená- lo. Impossível? Claro
que não. Estamos falando de homicidas, pessoas que matam, às vezes, de
forma eventual e muitas outras mediante paga. A manutenção do texto original
praticamente acabaria com o crime de falso testemunho nos processos do júri.
O juiz, os jurados e as partes estariam sujeitos ao que a testemunha houvesse
por bem dizer em plenário. Não haveria nenhum instrumento que possibilitasse
o cotejo de versões. Isso poderia prejudicar tanto a acusação quanto a defesa.
Com a mudança, os autos – com todas as provas produzidas – serão enviados
ao júri a quem competirá fazer a análise e proferir o julgamento”525.
O legislador brasileiro, insistindo no tema, ao elaborar o Projeto de
Lei nº 156/2008, que estabelece um novo Código de Processo Penal, fez
inserir o art. 391, III, com a redação do Substitutivo (PL 8045/2010), segundo o
qual as partes não poderão fazer referência, durante os debates, “aos
depoimentos prestados na fase de investigação criminal, ressalvada a prova
antecipada”. Contudo, ainda assim, nos termos do atual Código, é mantida a
possibilidade de os Jurados solicitarem vistas dos autos, após os debates,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!525 Diário do Senado do Federal Nº 176, edição de 31/10/2007, p. 38561.
174!!
consoante o art. 393, § 3º, do referido Projeto de Lei. Vale ressaltar que, pelas
discussões até então travadas acerca do mencionado artigo 391, III, do
Substitutivo nº 8045/2010, há uma tendência pela sua não aprovação.
Na doutrina nacional, são favoráveis à exclusão dos autos do
Inquérito Policial no procedimento do Júri, mantendo-se apenas as provas não
renováveis: Paulo Rangel526, Aury Lopes Júnior527, Fauzi Hassan Choukr528e
Ada Pellegrini Grinover529.
Neste ponto, cumpre salientar que os sistemas espanhol e italiano
estabelecem a exclusão física do Inquérito Policial dos autos do processo, com
a ressalva de que, no ordenamento espanhol, tal exclusão cinge-se ao
procedimento do Júri.
A Lei Orgânica 5/1995 do Tribunal do Júri espanhol, em sua
exposição de motivos530, justifica a exclusão física das peças da instrução
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!526 Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 78. 527 Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 214. 528 Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 136-137. 529 Influência do Código de Processo Penal Modelo para Ibero-América na Legislação Latino-Americana: Convergências e Dissonâncias com o sistema brasileiro e italiano, p. 31. Disponível em: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/592/31.pdf. Acesso em 20/02/2011. 530!“Se quejaba Alonso Martínez de la costumbre, tan arraigada de nuestros Jueces y Tribunales, de dar escaso o ningún valor a las pruebas del plenario, buscando principal o casi exclusivamente la verdad en las diligencias sumariales practicadas a espaldas del acusado. La presente ley concibe que el juicio oral ante el Tribunal del Jurado debe culminar la erradicación de esa malformación procesal mediante la práctica ante él de toda la prueba. El consiguiente riesgo de prolongación excesiva del acto del juicio aconseja la introducción de mecanismos de simplificación. De ellos el más esencial es la precisa definición del objeto del enjuiciamiento que habrá de efectuarse en la fase precedente al mismo. El vigente sistema de resolución sobre la apertura del juicio oral se manifiesta bajo dos modalidades procedimentales diferentes -según se trate de procedimiento ordinario o abreviado- aunque, en ambas, se limita a una decisión meramente negativa que resulta disfuncional para el enjuiciamiento por jurado. Por ello, el modelo debía optar por uno u otro procedimiento, siendo difícilmente explicable que, transcendiendo la fase intermedia o juicio de acusación a la de juicio, la unidad procedimental de ésta no exigiese igual unidad en aquélla.De otra parte, el carácter meramente negativo de la decisión sobre la apertura del juicio oral resulta poco apto para la precisa definición del objeto del juicio, presupuesto imprescindible para asegurar un desarrollo de éste que garantice la ausencia de confusión de los hechos a probar, que evite las dilaciones inherentes a aquella falta de precisión objetiva y que, con la información adecuada e imparcialmente elaborada, permita prescindir de la no deseada reproducción del sumario o diligencias previas. También ha proclamado nuestro Tribunal Constitucional la exigencia de promover, en la fase intermedia del procedimiento, el debate procesal en condiciones que respeten la contradicción e igualdad de acusación y defensa. Con tales precedentes la Ley ha considerado oportuno: a. Optar por una resolución sobre la apertura del juicio oral precisa y fundada. Desde luego, conforme
venía advirtiendo una parte de la doctrina, difícilmente puede efectuarse un control jurisdiccional sobre la apertura del juicio oral sin la previa formalización de la acusación. De esta manera el control judicial previo sobre la razonabilidad de la acusación no se limita al reenvío. Por el contrario, el ámbito de decisión atribuido al órgano jurisdiccional se incrementa pudiendo adoptar la decisión de sobreseimiento por cualquiera de sus motivos.
b. Tal control culmina no sólo decidiendo una genérica viabilidad del juicio oral sino precisando qué hechos concretos, de los múltiples posibles alegados por acusación y defensa, deben constituir objeto de la actividad probatoria y determinantes para su resolución en el juicio. Debe retenerse que
175!!
preliminar dos autos do processo como forma de estimular a prática probatória
realizada no debate, perante os Jurados. Já o artigo 431 do Código de
Processo Penal italiano enuncia os elementos constantes do procedimento
judicial pré-processual – as indagini preliminari531 – que irão integrar o fascículo
do dibattimento (que inaugura o início do processo, após recebida a acusação),
quais sejam: os atos relativos à procedibilidade da ação penal e ao exercício da
ação civil; o registro dos atos não repetíveis realizados pela Polícia Judiciária,
pelo Ministério Público e pelo defensor; os registros dos atos realizados no
incidente probatório; e o corpo de delito e os elementos pertinentes ao crime.
Os demais dados obtidos não integram os autos do processo, a fim de evitar a
contaminação do Juiz da causa532.
Pois bem. A cisão física do Inquérito Policial não será, por si só, a
tábua de salvação do sistema do Tribunal do Júri, mas o fato é que sua adoção
ajudaria de forma singular, pelo menos na medida em que obrigaria o titular da
ação produzir as provas necessárias para a comprovação da imputação
criminosa dirigida ao acusado, não se servindo, com a largueza que hoje se
encontra, da investigação para sustentar uma condenação.
Como uma consequência lógica da divisão fascicular533, teremos
uma maior exigência de produção de prova na presença dos Jurados. De fato,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!el contenido de la anterior decisión se erige en una de las más relevantes condiciones del éxito o fracaso de la Institución.
c. A su vez el contenido y función de tal resolución se relaciona, en mutua exigencia, con la exclusión del auto de procesamiento, que vendría exigido por la necesaria unidad de sistema en lo concerniente a la inculpación”.!
531 Procedimento judical pré-processual, com caráter preparatório e instrumental em relação ao processo criminal, sendo o Ministério Público o responsável pela apuração dos fatos. (PERRODET, Antoinette. O Sistema Italiano, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 362-364). 532 É de se destacar que a Itália, em 1988, procurou estabelecer uma grande mudança em seu sistema, com a adoção de um Processo Penal acusatório, com vistas a superar toda manifestação residual do autoritarismo do Código Rocco. Contudo, na prática, a reforma processual italiana não logrou estabelecer, efetivamente, um Processo Penal acusatório, pois, dentre outros inúmeros motivos, Luigi Ferrajoli elenca o fato de o defensor permanecer inferior em relação ao órgão acusatório, uma vez que o membro do Ministério Público integra a Magistratura (Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004, p. 592-597). Em 1992, com o escopo de combater a criminalidade mafiosa, passou-se a permitir a formação do convencimento judicial com base nos elementos do procedimento judicial pré-processual – as indagini preliminari. (PERRODET, Antoinette. O Sistema Italiano, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 367). 533 Expressão de Fauzi Hassan Choukr (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.137).
176!!
se, por um lado, é inviável o controle da racionalidade das decisões dos Juízes
leigos, surge o entendimento de que a eles deve ser garantida a melhor
condição de julgar o caso. Isto porque, não há como conceber a ideia de um
julgamento justo se não houver consideração, avaliação e valoração das
alegações das partes e do material probatório pelo Julgador.
No procedimento do Júri, tal como previsto, sabe-se que há
momento e espaço suficiente para a produção da prova e para os arrazoados
verbais das partes. Assim, em tese, existe a possibilidade de o Jurado adquirir
o conhecimento necessário à formação de um juízo condizente com as provas
colhidas mediante contraditório.
Todavia, no mais das vezes, o Júri é privado do contato direto com a
prova, o que, em tese, constitui fator desfavorável à aquisição do
conhecimento, na medida em que o material probatório deixa de ser
adequadamente apreciado. Quando isso ocorre, o contato do Júri com a prova
dá-se apenas por meio de referências feitas pelas partes534.
José Frederico Marques535, analisando a oralidade no Júri brasileiro,
destacou que: “Infelizmente, a praxe, entre nós, é bem outra. O procedimento
do Júri somente guarda da oralidade o torneio dialético que se trava entre
acusação e defesa. As provas que foram produzidas no ‘sumário de culpa’ são
lidas aos jurados, que, assim, tomam contato muito superficial com as questões
de fato que devem julgar (...). O jurado se vê, desse modo, na contingência de
decidir, com sua livre convicção, baseado apenas em peças escritas do
processo, ou no que lhe dizem os eloquentes oradores que ocupam,
respectivamente, a tribuna de acusação e de defesa. Decide o jurado, portanto,
sem um direto contato com a prova, a não ser em casos excepcionais e
esporádicos”.
Desse modo, importante é que a produção da prova ocorra na
presença dos Jurados, na perspectiva de garantir ao Conselho de Sentença
melhores condições de julgar o caso.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!534 Aury Lopes Jr., ao tratar do tema, assim se pronunciou: “Em plenário, poderá ser realizada uma instrução plena, com oitiva de testemunhas, acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e o esclarecimento dos peritos. Assim deveria funcionar o Júri: prova produzida na frente dos jurados. Infelizmente, a instrução em plenário é uma exceção. A regra é a patologia: prova produzida na primeira fase diante do juiz presidente, e mera leitura de peças em plenário.” (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 296). 535 A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 46.!
177!!
CONCLUSÕES
O Ministro Francisco Campos, na Exposição de Motivos do atual
Código de Processo Penal, na linha ditatorial da época, assim se pronunciou:
“As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que
colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão
extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna,
necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto
estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável
primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode
continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem
comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à
disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do
Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem
contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse
social. Este é o critério que presidiu a elaboração do presente projeto de
Código”.
Fincadas, portanto, as bases inquisitórias e antidemocráticas do
Processo Penal brasileiro, surgem dois institutos que parecem ser o peso e
contrapeso de tais bases: o Inquérito Policial e o Tribunal do Júri. O primeiro,
criticado por seu caráter inquisitorial; e o segundo, tido como uma instituição
eminentemente democrática, fruto da racionalidade iluminista.
Assim, estudar os institutos em questão revelou uma atividade de
constante revolvimento aos princípios e garantias constitucionais, posto que,
se, no ano de 1941, quando sancionado o Código de Processo Penal, o Brasil
estava marcado pela Ditadura Vargas, o ano de 1988 promoveu uma
verdadeira abertura democrática no país com a promulgação da nova
Constituição.
O Processo Penal do tipo acusatório, opção política claramente
definida no arcabouço constitucional pátrio, reclama uma revisão do papel dos
agentes estatais da persecução criminal, em juízo ou fora dele, em especial do
Julgador. Contudo, decorridos mais de vinte anos da vigência da atual Carta
Política, a mentalidade dos operadores jurídicos ainda permanece, de certa
forma, presa a algum ranço inquisitorial, o que se expressa, mais nitidamente,
178!!
pela lentidão do legislador em acompanhar tal evolução democrática e em
excluir as anomalias ainda presentes em nosso sistema.
É hora, portanto, de se eliminar o dogma da verdade real, obtida a
qualquer preço, para se enxergar o processo como um instrumento de garantia
dos direitos, de obtenção de certezas possíveis e válidas segundo os cânones
constitucionais. Em decorrência, qualquer limitação da liberdade individual há
de ser feita dentro do devido processo legal, que pressupõe, principalmente,
igualdade de armas, regras éticas de comportamento por parte do acusador, do
acusado e do Estado-juiz.
É o momento de se fazer uma releitura do papel do julgador na
tarefa punitiva, de valorizar-lhe essa missão tão nobre e cara ao Estado de
Direito, que é a de garantir a própria prevalência deste último, decidindo
conflitos de interesse com imparcialidade, com equidistância dos sujeitos
parciais, sem o manejo de instrumentos que o processo deixa aos demais
atores na averiguação de fatos criminosos, a não ser de forma suplementar,
quando já instaurada a ação penal.
Fazer valer as garantias constitucionais do processo é contribuir
para o desvendamento da verdade possível, aquela alcançada sem
arranhaduras a direitos fundamentais dos cidadãos. É avançar rumo à
efetivação da Constituição, conjugando-se os propósitos de tutelar a defesa da
segurança pública e a dignidade de todos quantos se sujeitem ao processo
criminal.
É tempo de reconhecer que, num processo penal de partes, cabe à
acusação envidar esforços na consecução de provas judicializadas aptas a
fazer valer a tese acusatória. O in dubio pro reo significa exatamente a inversão
do ônus da prova: não é o acusado que deve desvelar esforço para demonstrar
sua inocência, mas é ao acusador que cabe a demonstração da culpabilidade
daquele.
Em decorrência, deve-se reconhecer que o imputado, no curso do
Inquérito Policial, é sujeito ou titular de direitos, sujeito do procedimento, e não
apenas sujeito ao procedimento. O indivíduo é, aliás, sujeito e titular de direitos
sempre, não importa em que estágio o procedimento se encontre, pois os
direitos e garantias constitucionais não têm limites especiais e devem
simplesmente ser obedecidos.
179!!
Assim, o imputado tem o direito ao silêncio, merece ter sua
integridade física preservada, não pode ser submetido a qualquer
procedimento vexatório, como a exposição de sua imagem, e pode constituir
advogado para acompanhar as investigações.
É preciso ter em mente que o Inquérito possui limitado valor
probatório, pois, como procedimento a cargo da Polícia, é desprovido de
natureza processual, sendo inviável transferir ao Inquérito a estrutura dialética
do processo e suas garantias plenas, da mesma forma que não se pode tolerar
uma condenação com base em um procedimento onde as garantias são
limitadas.
Para equacionar este problema, deve-se valorar adequadamente os
atos da investigação policial e, nas situações excepcionais, em que seja
inviável a repetição em juízo, transfere-se a estrutura dialética do processo à
fase pré-processual, através do incidente de produção antecipada de provas.
É tempo de inviabilizar a transcendência dos atos repetíveis do
Inquérito Policial que, ao invés de ficarem restritos à sua função
endoprocedimental, no sentido de servir à fundamentação das decisões
interlocutórias tomadas no curso da fase investigativa e para embasar o
recebimento ou o arquivamento da acusação, são utilizados para fundamentar
decisões, em afronta ao devido processo legal.
Em relação ao Tribunal do Júri, é de se reconhecer que, sendo uma
instituição de índole constitucional, resguardada por cláusula pétrea, nada
impede a discussão acerca de seus pontos críticos, mas desde que como
forma de buscar melhorias à instituição, respeitados seus princípios essenciais,
quais sejam, plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos
e competência mínima para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Em regra, costuma-se criticar o fato de os Jurados não
fundamentarem a decisão, ante o sistema da íntima convicção. De fato, a
motivação da decisão dos Jurados representaria medida inovadora e salutar,
pois permitiria o controle da racionalidade dos veredictos, por meio do exame
das razões que levaram ao Conselho de Sentença a condenar ou absolver o
acusado. No plano processual, viabilizaria a verificação do grau de cognição
exercido pelos Jurados em relação às questões de fato e direito debatidas no
processo.
180!!
Entretanto, a garantia de transparência das decisões do Júri por
meio da motivação em nosso sistema encontra o obstáculo do sigilo das
votações (art. 5º, XXXVIII, “b”, da CF/88) e na incomunicabilidade dos Jurados,
que vedam ao Jurado expressar sua convicção sobre o mérito da causa
submetida à sua apreciação.
Assim, o meio apreendido, na presente dissertação, para
racionalizar a decisão dos Jurados, foi a exclusão física dos autos do Inquérito
Policial, após a pronúncia, a fim de que os elementos informativos colhidos
sem o contraditório não venham a influenciar os Juízes leigos, que podem ter
acesso aos autos após os debates.
Como corolário da exclusão física do Inquérito Policial no
procedimento do Júri, vem a necessidade de se patentear aos Jurados
melhores condições para julgar o caso debatido entre as partes. E melhores
condições implicam, em última análise, proporcionar ao Julgador leigo meio
idôneo para considerar, analisar e avaliar todo o material probatório existente.
É preciso sempre trabalhar com as noções de eficiência e
garantismo, com o intuito de alcançar um processo equilibrado, que, a um só
tempo, satisfaça os anseios sociais de segurança – reprimindo a conduta
comprovadamente criminosa - e o direito individual de liberdade, garantindo ao
acusado meios para se defender e afastar imputações injustas.
A conciliação de eficiência e garantismo é fundamental “para que se
evite tanto o uso cego do poder (eficácia exarcebada do sistema) como a
queda em inócuo ritualismo sem qualquer punição justa (uso exacerbado do
garantismo)”536.
Outrossim, é necessário que se rompa com o ceticismo político, que
surge pela dificuldade de incorporação de novos valores, vistos com
desconfiança e como uma diminuição do potencial repressivo do Estado.
E é justamente esse ceticismo que vê a separação do Inquérito
Policial dos autos do processo como um convite à impunidade, demonstrando,
claramente, a insegurança dos operadores do Direito brasileiro, posto que, ao
ser imprescindível a existência de prova judicializada para a condenação, a
parte acusadora terá que envidar mais esforços na busca de elementos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!536 DEZEM, Guilherme Madeira. Da Prova Penal: tipo processual, provas típicas e atípicas. Campinas: Millennium, 2008, p 73.
181!!
probatórios, não podendo mais se valer da agora vedada atividade probatória
do Magistrado, que, muitas vezes, supria a falta de iniciativa da acusação, pois,
num sistema de contorno acusatório, a atividade probatória é restrita às partes.
Com essas considerações, temos que as partes restarão igualmente
beneficiadas, vez que, em igualdade de condições, haverá um processo penal
democrático e de partes537.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!537 É muito bonito esperar a justiça, a paz, a liberdade, em todo caso não é condenável. Mas não é suficiente: falta agir por elas, o que já não é uma esperança, mas uma vontade. É a diferença que havia, durante a Ocupação, entre os resistentes, que queriam a derrota do nazismo, e os milhões de almas boas que se contentavam com esperá-la...É melhor do que ter sido colaboracionista (é melhor não fazer nada do que fazer o mal); mas, se todos (...) tivessem se contentado com esperar, o nazismo teria vencido a guerra. Não é a esperança que faz os heróis , é a coragem e a vontade”. (COMTE-SPONVILLE, André. A Felicidade, desesperadamente. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 61).
182!!
REFERÊNCIAS ABELLÁN, Marina Gascón. Los Hechos en el Derecho: Bases Argumentales de La Prueba. Madrid: Marcial Pons, 1999.
ABRÃO, Guilherme Rodrigues. O Tribunal do Júri de acordo com o PL 156/09: Alguns Paradoxos não Resolvidos, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 19, nº 225, ago. 2011, p. 14.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2011.
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.
AZEVEDO, André Boiani e; BALDAN, Édson Luís. A Preservação do Devido Processo Legal Pela Investigação Defensiva (ou do direito de defender-se provando), em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 137, abr. 2004, p. 06-08.
BADARÓ. Gustavo Henrique. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
________. Correlação entre Acusação e Sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
________. Direito Processual Penal. Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
________ e LOPES JÚNIOR, Aury. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
BASTOS, Marcus Vinícius Reis. Poderes Instrutórios do Juiz e o Anteprojeto do Código de Processo Penal, em Revista CEJ/Conselho de Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, nº 51, out.-dez./2010, p. 89-97.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus, 1994.
BERBERI, Marco Antonio Lima. Reflexos da Pós-modernidade no Sistema Processual Penal Brasileiro (algumas considerações básicas), em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 57-71.
BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
CARDOZO, Benjamin Nathan. A Natureza do Processo Judicial: Palestras Proferidas na Universidade de Yale. Tradução: Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
183!!
CARNELUTTI, Francesco. Direito Processual Penal. Campinas: Peritas, 2001, Vol. II.
CARVALHO, Salo de. Revisita à Desconstrução do Modelo Jurídico Inquisitorial, em Ciências Penais - Revista da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 229-252.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, Traduzido por Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
________. O Relacionamento entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária no Processo Penal Acusatório, em Processo Penal e Estado de Direito. CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai (orgs.). Campinas: Edicamp, 2002, p. 149-172.
________. Júri: Reformas, Continuísmos e Perspectivas Práticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do Juiz no Processo Penal, em Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (coordenador). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 03-55.
__________. O Sigilo do Inquérito Policial e os Advogados, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 18, abr.-jun. 1997, p. 127-142.
__________. As Reformas Parciais do CPP e a Gestão da Prova: Segue o Princípio Inquisitivo, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 11-13.
___________. Anotações Pontuais sobre a Reforma Global do CPP, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, edição especial, ago./2010, p. 16-17.
DEZEM, Guilherme Madeira. Da Prova Penal: Tipo Processual, Provas Típicas e Atípicas. Campinas: Millennium, 2008.
Dicionário Señas (Dicionário para la ensañaza de la lengua española para brasileños. Universidad de Alcalá de Henares – Departamento de Filologia. Tradução de Eduardo Brandão e Cláudia Berlinger. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1994.
FERRAJOLI. Luigi. Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal. Tradução: Perfecto Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantarero Bandrés. Madri: Trotta, 2004.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999.
184!!
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal. Vol. I. Coimbra: Editora Coimbra, 1974.
FLORY, Thomas. El Juez de Paz y El Jurado em El Brasil Imperial. México: Fondo de Cultura Económica, 1986.
FREIRE, Alice de Almeida. Manual de Controle Externo da Atividade Policial. Coordenado por Alice Freire de Meira. Goiânia: MP, 2010.
FREITAS, Ricardo de Brito A. P.. Razão e Sensibilidade. Fundamentos do Direito Penal Moderno. São Paulo: Editoria Juarez de Oliveira, 2001.
________. As Razões do Positivismo Penal no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
GIACOMOLLI. Nereu José. Atividade do Juiz Frente à Constituição: Deveres e Limites em Face do Princípio Acusatório, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 209-230.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
______________. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
______________. Provas - Lei 11.690, de 09.06.2008, em As Reformas no Processo Penal. Maria Thereza Rocha de Assis Moura (organizadora). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.246-297.
GOULART, Fábio Rodrigues. Tribunal do Júri: Aspectos Críticos Relacionados à Prova. São Paulo: Atlas, 2008.
GRECO FILHO, Vicente. Questões Polêmicas sobre a Pronúncia, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 117-126.
GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.
___________. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 27, jul.-set./1999, p. 71-79.
___________. Influência do Código de Processo Penal Modelo para Ibero-América na Legislação Latino-Americana: Convergências e Dissonâncias com o sistema brasileiro e italiano, p. 31. Disponível em: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/592/31.pdf. Acesso em 20/02/2011.
___________; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2010.
185!!
___________; SCARANCE FERNANDES, Antônio; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
JOBIM, Marco Félix. Direito à Duração Razoável do Processo: Responsabilidade Civil do Estado em Decorrência da Intempestividade Processual. São Paulo, Conceito Editorial, 2011.
JUY-BIRMANN, Rudolphe. O Sistema Alemão, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 04-73.
KARAM, Maria Lúcia. Competência no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. LE BON, Gustave. Psicologia das Multidões. São Paulo: Martins Fontes, 2008. LINS E SILVA, Evandro. Sentença de Pronúncia, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 100, mar./2001, p. 08-09. LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Do Sigilo e da Incomunicabilidade no Júri, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 258-287. LOPES FILHO, Mario Rocha. Tribunal do Júri e Algumas Variáveis Potenciais de Influência. Porto Alegre: Núria Fabris Editora, 2008. LOPES JR., Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
_________. Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
_________. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
_________. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MALAN, Diogo Rudge. Defesa Penal Efetiva, em Ciências Penais. Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, ano 3, nº 4, jan.-jun. de 2006, p. 253-277.
MALATESTA, Nicola Framarino. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Tradução: Waleska Girotto Silverberg. São Paulo: Conan, 1995.
186!!
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. I. Campinas: Bookseller, 1997.
_________. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. II. Campinas: Bookseller, 1997.
_________. A Instituição do Júri. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1963.
MARREY, Adriano. Teoria e Prática do Júri. Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal: Da Prevenção da Competência ao Juiz de Garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MELENDO, Santiago Sentis. La Prueba: Los Grandes Temas del Derecho Probatorio. Ediciones Juridicas Europa-America. Buenos Aires, 1978.
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no Processo Penal: Estudo sobre a Valoração das Provas Penais. São Paulo: Atlas, 2010.
MONTERO AROCA, Juan. Introducción al derecho procesal: Jurisdicción, acción y proceso. Madri: Tecnos, 1976.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1996.
MORAES, Maurício Zanoide de. Quem tem medo do “Juiz das Garantias”, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, edição especial, ago./2010, p. 21-23.
MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis e PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos. Defesa Penal: Direito ou Garantia, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 04, out./dez. de 1993, p. 110-125.
NAHUM, Marco Antonio Rodrigues. Investigação por MP é verdadeiro desserviço ao Estado de Direito. Disponível em: www.conjur.com.br/2004-fev-16/investigacao_mp_desservico_estado_direito. Acesso em 23 de janeiro de 2010. _______. Constituição e Investigação Criminal. Folha de São Paulo. São Paulo, Caderno A, 14/04/2004. NASSIF, Aramis. O Novo Júri Brasileiro: Conforme a Lei 11.689/08, atualizado com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. !NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: Processo Civil, Penal e Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
______. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
______. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
187!!
______. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
______. A Reforma do Tribunal do Júri no Brasil, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 08-09.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e Hermenêutica da Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
_________. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009
PERRODET, Antoinette. O Sistema Italiano, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 343-480.
PITOMBO, Sérgio Marco de Moraes. Inquérito Policial: Novas Tendências. Belém: CEJUP, 1987.
_________. O Indiciamento como Ato da Polícia Judiciária, em Revista dos Tribunais, nº 577, Nov.-1983, p. 313-316
PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos. Considerações Iniciais sobre a Lei 11.690/08, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 20-22.
PIERANGELLI, José Henrique. Processo Penal: Evolução História e Fontes Legislativas. São Paulo: Jalovi, 1983.
PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A Crise do Conhecimento Moderno e Motivação das Decisões Judiciais como Garantia Fundamental, em Sistema Penal e Violência. Ruth Maria Chittó Gauer (Coordenadora). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 231-247.
PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.
_______. Prisão e Liberdade, em Revista Jurídica, v. 48, nº 278, dez. 2010, p. 65-82.
QUEIJO, Maria Elisabeth. O Direito de não Produzir Prova Contra si Mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003.
_______. Os Abusos no Indiciamento Indireto, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 19, nº 223, ago./2010, p. 08-09.
_______. Sentença de Pronúncia, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 100, mar./2001, p. 09-10.
_______. Tribunal do Júri: A Evolução que não se Consolidou na Reforma, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 18, nº 218, jan./2011, p. 04-05.
188!!
RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade Humana e Moralidade Democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
RAMOS, ORTELS. Eficacia probatoria del acto de investigación sumarial. Estudio de los artículos 730 y 714 de La LECrim, em Revista de Derecho Procesual Iberoamericana, ano 1982, nº 2-3, p. 365-427.
RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
ROXIN, Claus. Pasado, Presente y Futuro del Derecho Procesal Penal. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2007.
SAAD, MARTA. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
_______________________. O Papel da Vítima no Processo Criminal. São Paulo: Malheiros, 1995.
_______________________. Reação Defensiva à Imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
SILVA, Danielle Souza de Andrade e. A Atuação do Juiz no Processo Penal Acusatório: Incongruências no Sistema Brasileiro em Decorrência do Modelo Constitucional de 1998. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2010.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SPENCER, J.R., O Sistema Inglês, em Processos Penais na Europa. Mireille Delmas-Marty (organizadora). Tradução Fauzi Hassan Choukr, com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 245-337. STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos e sua Integração ao Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
STOCO, Rui. Razoável Duração do Processo: Responsabilidade do Estado pela Demora na Prestação Jurisdicional, em Constituição Federal: Avanços, Contribuições e Modificações no Processo Democrático Brasileiro. Ives Gandra Martins e Francisco Rezek (coordenadores). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 492-513.
_______. Projetos de Reforma do Código de Processo Penal e o Tribunal do Júri, em Notáveis do Direito Penal: Livro em Homenagem ao Emérito Professor Doutor René Ariel Dotti. Brasília: Consulex, 2006, p. 449-499.
189!!
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993.
THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1995.
__________. Curso de Processo Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1992.
__________. Instituições de Processo Penal. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 1977.
TORRES, Anamaria Campos. A Busca e a Apreensão e o Devido Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009.
TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não Autoincriminação e Direito ao Silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: Contradições e Soluções. São Paulo: Saraiva, 1997.
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
______. Ministério Público e Investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
______. Tribunal do Júri: Origem, Evolução, Características e Perspectivas, em Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais Democrática Instituição Jurídica Brasileira. Rogério Lauria Tucci (organizador). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 11-97.
VAZ, Denise Provasi. Estudo sobre a Verdade no Processo Penal, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 18, nº 83, mar.-abr./2010, p. 163-183.
VIDAL, Jesús Morant. Preguntas y Respuestas sobre el Tribunal del Jurado. Granada: Editorial Comares, 2003. ZANETI. Paulo Rogério. Flexibilização das Regras sobre o Ônus da Prova. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. ZAPPALÁ, Amália Gomes. A Pronúncia em um Sistema Garantista. Tese de Doutorado – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004. ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
_____. O Pomar e as Pragas, em Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 16, nº 188, jul./2008, p. 02-03.