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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
FACULDADE DE CINCIAS SOCIAIS
CURSO DE RELAES INTERNACIONAIS
NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA NA AMRICA LATINA
ISABELLA CRISTINA DO NASCIMENTO PEREIRA
So Paulo
2015
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ISABELLA CRISTINA DO NASCIMENTO PEREIRA
NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA NA AMRICA LATINA
Monografia apresentada ao curso de
Relaes Internacionais da Faculdade de
Cincias Sociais, da Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo, como pr-requisito
para a obteno do ttulo de bacharel em
Relaes Internacionais, orientada pela Prof
Dr Carla Cristina Garcia.
So Paulo
2015
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Muita polemica, muita confuso...
Valesca Popozuda
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeo a minha me, que me proporcionou a
oportunidade de estudar em uma faculdade renomada e que acreditou no meu
potencial desde o comeo. Sem ela, eu no teria chegado a lugar nenhum. Ao meu
pai, todo meu carinho pelo cuidado durante estes quatro anos e meio. Me sinto
agraciada em ter vocs como meu porto seguro. Amo vocs.
Gostaria de agradecer tambm minha orientadora, Prof Carla, deusa
feminista em tempo integral e diva acadmica nas horas vagas. Obrigada por ter me
acolhido quando tudo parecia fadado ao fracasso. Voc maravilhosa, e um
exemplo pra mim.
Aos meus amigos queridos da PUC-SP, que aguentaram essa barra que
conviver comigo de segunda a sexta por tantos anos. Livia, Clara, Karliene, Caroline,
Mara, Renata, Danilo, Thas, Andr...Vocs so incrveis, inteligentes, e at hoje
no entendendo porque me escolheram como amiga. Sou sortuda.
E aos meus zilhes de amigos da vida, diretamente responsveis pela minha
graduao, s posso dizer uma coisa: obrigada! Raisa, Nat, Ly, Van, Fer, Koja,
Matas, Juliana, Cami, Sushi, vocs certamente me adoam a vida. Obrigada,
Donnie, por ter me iluminado em tantos momentos; seria to difcil escrever essa
monografia sem sua ajuda.
A los compaeros de clase y de vida de la UC Chile, slo puedo decir que
ustedes me dieron la experiencia acadmica ms preciosa que una puede tener. Alli,
Andy, Kasey, Isi, Marcel, y tantos otros amigos: los quiero muchsimo, tanto que me
duele, y nunca me olvidar de ustedes. Siempre tendrn una amiga en Brasil.
A los profesores, gracias porque me ensearan ms en cinco meses que en
toda mi vida, y he encontrado mi vocacin en cada clase de Amrica Latina, que me
hizo no slo comprender la historia de mi regin y de mi pas como la ma propia.
Al Prof. Ostguy y a Enrico, gracias por la mejor, ms interesante e entretenida
clase que tuve o tendr. Ustedes son los mejores, en absoluto. A mis compaeros
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Lisa, Andrea, Emilia, Amaranta, James, Pabla, Katie, gracias por su inteligencia y
amistad, nunca he estudiado con tanta gente brillante.
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RESUMO
O presente trabalho discute a relao entre democracia e populismo luz dos novos
governos populistas latino-americanos. Estes frutos do giro esquerda que se deu
na regio no inicio do sculo XXI reacenderam o debate sobre o que populismo,
um conceito disputado por diversas abordagens. Aps reviso de literatura sobre os
enfoques tericos do populismo e suas recorrentes aparies na Amrica Latina,
empreende-se um debate sobre este fenmeno em relao democracia, tanto
como ideal quanto sistema de governo. Atravs de anlise comparativa, se buscar
compreender o porqu do surgimento de governos populistas e as implicaes
tericas e prticas destes em democracias representativas liberais, consideradas o
padro ideal de regime poltico na atualidade. Ambos disputam a prpria concepo
do que um verdadeiro regime democrtico e quais objetivos este deve alcanar, e
por isso apresentam distintos diagnsticos para a ocorrncia do populismo: uma
patologia da democracia ou um antdoto s suas deficincias. Para testar a validade
de tais hipteses, o governo de Evo Morales ser analisado em sua ascenso e
consolidao no poder, desde o cenrio poltico catico que permitiu a emergncia
de seu partido tnico MAS at sua relao como presidente com a oposio no
Congresso e nos departamentos bolivianos, e tambm o uso de instrumentos de
democracia direta para superar impasses institucionais. A concluso alcanada foi
que o populismo configura uma resposta a regimes deficientes e pouco
representativos, recuperando ideais de vontade popular e regra majoritria para
renovar a crena do cidado comum na democracia e suas instituies.
Palavras-chave: populismo; democracia; poltica latino-americana.
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RESUMENEN
El presente trabajo discute la relacin entre democracia y populismo a luz de los
nuevos gobiernos populistas latinoamericanos. Estos frutos del giro la izquierda
que ocurri en la regin al comenzar el siglo XXI reavivaran el debate sobre lo que
es populismo, un concepto disputado por diversas perspectivas. Despus de una
revisin de literatura sobre los enfoques tericos del populismo y sus recurrentes
apariciones en Latinoamrica, se har una problematizacin del fenmeno en
relacin a la democracia, tanto como ideal cuanto sistema de gobierno. A travs de
un anlisis comparativo, se lo buscar comprender lo porqu del surgimiento de
gobiernos populistas y sus implicaciones tericas y prcticas en democracias
representativas liberales, consideradas el patrn ideal de regmenes polticos
actualmente. Ambos disputan la propia concepcin de lo que es un verdadero
rgimen democrtico y cules son los objetivos que debe alcanzar, y por eso
presentan distintos diagnsticos para la ocurrencia del populismo: una patologa de
la democracia o un antdoto a sus deficiencias. Para probar la validad de estas
hiptesis, el gobierno de Evo Morales ser analizado en su ascensin y
consolidacin en el poder, desde el escenario poltico de caos que le permiti
emerger a su partido tnico MAS hasta su relacin como presidente con la oposicin
en el Congreso y en los departamentos bolivianos, y tambin el uso de instrumentos
de democracia directa para superar empates institucionales. La conclusin
alcanzada es que el populismo configura una respuesta a regmenes deficientes y
poco representativos, recuperando ideales de voluntad popular y regla mayoritaria
para renovar la creencia del ciudadano comn en la democracia y sus instituciones.
Palabras clave: populismo, democracia, poltica latinoamericana
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SUMRIO INTRODUO.............................................................................................................9
1. POPULISMO NA AMRICA LATINA: UM MARCO TERICO............................15
1.1 Enfoque Socio-Histrico: O Populismo como Fase Histrica e Incorporao das Massas..........................................................................................18
1.2 Enfoque Personalista: O Populismo Como Estilo Poltico.........................20
1.3 Enfoque Ideolgico: O Populismo Como Ideologia Delgada.....................23
1.4 Enfoque Discursivo: O Populismo Como Criao De Identidades............25
1.5 Enfoque Institucionalista: O Populismo Como Estratgia Poltica...........28
2. POPULISMO E DEMOCRACIA - CONSIDERAES TERICAS E IMPACTOS INSTITUCIONAIS......................................................................................................31
2.1 Democracia: Um Breve Aporte Terico....................................................32
2.2 A Democracia Liberal e O Populismo Como Enfermidade......................34
2.3 Populismo Como Antdoto s Falhas Democrticas: A Busca Por Uma Democracia Majoritria...............................................................................................38
2.4 A Democracia Radical de Laclau e Mouffe...............................................41
2.5 Populismo como Poltica de Redeno Democrtica na Amrica Latina........................................................................................................................43
3. NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA: EVO MORALES, ACCOUNTABILITY HORIZONTAL E PLEBISCITOS.................................................................................47
3.1 Crise Democrtica e Insatisfao Popular................................................50
3.2 O Governo de Evo Morales: emergncia e consolidao........................56
3.3 Um Balano do Governo Morales: Mudanas e Conflito na Democracia................................................................................................................60
5. CONCLUSO.........................................................................................................63
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................68
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INTRODUO Em 1998, com a eleio de Hugo Chvez na Venezuela, iniciou-se na
Amrica Latina o chamado giro esquerda, onde grande parte dos pases da
regio passa a ter presidente democraticamente eleitos que se localizam esquerda
e centro-esquerda do espectro poltico. Segundo Beasley-Murray et al (2010, p. 323)
antigamente as opes a Amrica Latina se definiam em reforma versus revoluo,
cujo ponto de conteno era o quanto as foras de esquerda estariam dispostas a se
submeter s regras da democracia no jogo poltico, o que tambm acarretava
submeter-se s demais foras polticas da sociedade, que no necessariamente
eram democrticas. Para os autores, isto levou a uma transio conservadora dos
regimes militares da regio s novas democracias, o que exigiu moderao da
esquerda quanto s suas demandas, fazendo-a aceitar uma economia de mercado e
abdicando de algumas de suas lutas contra a desigualdade social.
Ao mesmo tempo, as polticas neoliberais floresceram na regio, calcadas
nas recomendaes do Consenso de Washington de diminuio do papel do Estado
na economia e ajustes fiscais e tributrios, mesclado com a expanso da
democracia eleitoral, da educao e do mercado. Embora inicialmente bem aceitos
pela populao, os ajustes de mercado feitos em nome de um futuro melhor no
surtiram o efeito esperado. Houve assim um gap entre o que o governo prometeu e
o que a populao alcanou, levando a uma grave crise de incorporao, que ocorre
quando
(...) la necesidad de interaccin cooperativa en los mercados y en la poltica, as como la presin desde abajo en trminos de demandas econmicas, polticas y sociales no estn siendo atendidas por los patrones institucionales de incorporacin y regulacin. El contenido desborda los canales. (FILGUERA ET AL, p.33)
Isto permitiu aos governos de esquerda, com promessas de mudana social e
econmica, apresentar-se como alternativa, ainda que vaga, aos governos
neoliberais (Levitsky e Roberts, 2011). Os giros esquerda, embora heterogneos,
aceitam a democracia, ao menos em princpio, e no romperam com a economia de
mercado. Porm, em ambos os parmetros, h uma grande variedade na
compreenso de seu significado, o que significa uma grande variao no que
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democracia e no quanto o Estado deve intervir na economia Beasley-Murray et al
(2010, p. 323).
Dentro desta nova tendncia regional, diversos autores comearam a
identificar dois tipos de governos esquerdistas. Castaeda (2006) as denomina de
esquerda boa e esquerda m. A primeira, descendente do comunismo catrista, e
gera governos com forte contedo social e respeito pela democracia; a esquerda
m, que haveria herdado a tradio populista-nacionalista latino-americana, teria
pouco respeito pelos checks and balances das instituies democrticas e uso de
polticas intervencionistas, buscando concentrar poder ao custo da democracia e da
estabilidade econmica.
J Weyland (2009) argumenta que a causa dessas diferenas seria que a
esquerda populista (m) foi gerada por Estados rentistas, cuja abundncia de
commodities gerou rechao dos limites impostos pela economia neoliberal e da
ordem poltica; em comparao, a esquerda (boa) no teria recursos limitados ou
uma economia rentista, e por isso tenderia a se manter nos limites da economia de
mercado e da democracia representativa.
Mesmo com diferentes tipologias, Venezuela, Bolvia e Equador se destacam
pelas mudanas mais radicais dentre os casos registrados na regio, com forte
componente ideolgico e reformas econmicas profundas com aumento do papel do
Estado. Hugo Chvez, Evo Morales e Rafael Crrea eram outsiders que ganharam
suas eleies quase que por defeito, aps momentos de grave colapso poltico e
social, e criaram governos altamente centralizadores, baseados no apoio popular e
feroz retrica contra a oposio interna e externa.
Segundo Keneth (2007, p. 8),
()they combine the discourse and imagery of a revolutionary tradition with a strong dose of Bolivarian Regionalism, a trenchant critic of U.S. hegemony and - particulaly in the Bolivian case - an identification with indigenous cultural influence.
O compromisso de tais lderes com a vontade do povo, distanciando-se da
imagem de corrupo e descaso de seus antecessores. Seus governos priorizam
uma democracia participativa, que equaciona o povo nos clculos do poder, e facilita
a prestao de contas populao, muitas vezes construindo uma relao de
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hostilidade com as vozes e interesses dissonantes na sociedade, e so
considerados por uma boa parte da literatura da rea como populistas (Kenneth,
2007; Freidenberg, 2007, entre outros).
Uma caracterstica marcante destes governos o componente majoritrio e
top-down de sua democracia. As atuais presidncias da Venezuela, Bolvia e
Equador se colocam como acima do sistema partidrio e organizaes de interesse,
e demonstram desprezo pelas demais instituies polticas, especialmente pelo
poder Legislativo, confiando sua autoridade no poder que emana do povo, uma
vontade comum, fora nica, que governa diretamente pela regra majoritria
(Canovan, 2002).
O principal instrumento para por em prtica a regra majoritria so
mecanismos de democracia direta, definidos por Altman (2011) como instituies
publicamente reconhecidas onde cidados emitem opinies atravs do sufrgio
universal e secreto. Segundo Papadopoulos (2002), os mecanismos de democracia
direta so usados pelos populistas para garantir maior responsividade do sistema s
demandas do povo, j que no confiam nas eleies como mecanismo suficiente de
controle e recompensa/punio das elites.
O plebiscito, uma consulta iniciada por autoridades (ou combinao de
autoridades) cidadania sobre determinada deciso, o mtodo mais usado por
esses lderes. Ao encontrarem Congressos controlados pela oposio aps sua
eleio, Chvez, Evo e Correa no hesitaram em colocar sob voto popular seus
projetos para refundamento constitucional da nao, ampliando seu poder e
tornando-se os nicos responsveis polticos pelo pas, respondendo diretamente
aos seus eleitores e criando uma polarizao cada vez maior pela excluso da
oposio do jogo poltico. Ao encontrarem oposio ou crises durante seus
mandatos, tambm utilizaram mecanismos de democracia direta para ganhar apoio
popular e avanar sua agenda poltica, utilizando de instrumentos democrticos para
obter resultados que nem sempre o eram.
Este novo populismo esquerda, ao mesmo tempo em que difere
radicalmente das suas verses clssica e neoliberal, compartilha do apelo popular e
liderana forte e centralizada, assim como da retrica feroz contra as elites. Velhos
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debates vm tona: afinal, o que o populismo? Como identificar um governo
populista? As teorias populistas, incapazes de gerar um consenso sobre o que
constitui o fenmeno, so revistas e testadas em sua capacidade de explicao
desses governos que, de tempos em tempos, continuam a aparecer nos pases
latino-americanos nas mais diferentes verses e discursos polticos, e que agora
surgiam compromissados com a esquerda poltica e a retrica anti-capitalista, algo
indito na histria da regio (BEASLEY-MURRAY ET AL, 2010).
Outro ponto de discusso a relao deste novo populismo com os regimes
democrticos modernos, que apesar de possurem uma faceta majoritria, tendem a
priorizar a representatividade dos mais diversos grupos no governo, assim como
adotam um sistema de pesos e contrapesos para limitar o poder de cada instncia
governamental. O populismo prioriza a accountability vertical entre governante e
governados em detrimento da accountability horizontal entre as demais instituies
polticas, vista como um mero impedimento para o pleno exercer da autoridade
presidencial e a tomada de deciso rpida e efetiva exigida para mudanas
profundas. Se a democracia teme a tirania da maioria, o populismo dela tira sua
legitimidade, e os seus novos exemplares tem disto se utilizado como fator decisivo
para lograr a aprovao de polticas em momentos de impasses institucionais.
A grande questo qual a medida do impacto destas escolhas institucionais
na qualidade democrtica almejada por tais pases, sendo esta tambm a principal
temtica deste trabalho. Segundo a teoria democrtica liberal, instituies fortes e
equilibradas so a receita para boas democracias, permitindo que uma restrinja a
atuao da outra e contenha possveis desvios da atuao para a qual cada uma foi
criada. Porm, ao mesmo tempo, o sistema de pesos e contrapesos no foi
suficiente para resolucionar a questo do dficit de representatividade, onipresente
nos governos dos pases latino-americanos, especialmente pela contaminao das
instituies por interesses privados. E neste momento que o discurso do
populismo ganha foras: a renovao do sistema poltico e a promessa de um
governo do povo conseguem florescer em cenrios de descrena na democracia.
Assim, a emergncia do populismo pode tanto significar o surgimento de
problemas na democracia de um determinado pas quanto uma tentativa de
redemocratiz-la, no sentido de retornar o poder ao povo atravs de um lder que
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advoga o direito de represent-lo. A primeira hiptese, defendida pelo enfoque
institucionalista do populismo e pelos defensores da democracia liberal
representativa, defende o populismo como enfermidade, j que tende a desgastar as
relaes entre os poderes e enfraquecer especialmente as instncias legislativas, o
espao que resta oposio para cumprir seu papel. A segunda hiptese defende
que o populismo oferece uma alternativa democracia liberal, contaminada pelas
vicissitudes de elites corruptas e ineptas. Seria a nica via que realmente capaz de
apresentar mudanas ao dar voz a maiorias que muitas vezes foram
sistematicamente excludas do jogo poltico durante sculos, como o caso dos
indgenas na Bolvia.
O objetivo deste trabalho discutir as implicaes tericas e prticas de
governos populistas em democracias representativas liberais, na medida em que
ambos disputam a prpria concepo do que um verdadeiro regime democrtico e
quais objetivos este deve alcanar. Especificamente, sero analisados os impactos
do populismo na dimenso da accountability horizontal, particularmente quanto ao
poder Legislativo e o uso de instrumentos de democracia direta como plebiscitos.
Essas relaes sero investigadas no governo de Evo Morales na Bolvia, o estudo
de caso escolhido entre estes novos populismos latino-americanos.
O trabalho est dividido em trs partes distintas, para melhor compreenso do
tema. No primeiro captulo, ser traado um breve histrico do populismo na Amrica
Latina em suas trs encarnaes, assim como sero apresentados alguns conceitos
fundamentais que lanam as bases para sua discusso. Os cinco enfoques
principais para uma definio do fenmeno sero detalhadamente debatidos,
explicitando sua abrangncia terica e possveis limitaes.
No segundo captulo, ser problematizada a relao entre democracia e
populismo, tanto nas suas implicaes tericas quanto nas institucionais. A questo
populista ser debatida em seus mritos enquanto enfermidade dos regimes
democrticos ou antdoto aos seus problemas, atravs de uma comparao entre a
democracia liberal representativa, que o golden standard dos regimes polticos
atuais, e os temas defendidos pelo populismo, tais qual a regra majoritria, o lder
como interprete do povo e plebiscitos.
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No terceiro captulo, o governo de Evo Morales ser estudado quanto sua
emergncia e consolidao no poder, desde a sua ascenso via movimentos sociais
indgenas em um cenrio de caos poltico e social, at sua consolidao no poder,
onde os profundos atritos com a oposio no poder Legislativo e nos departamentos
levaram a uma situao de impasse institucional, muitas vezes superada atravs do
uso de plebiscitos.
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1. POPULISMO NA AMRICA LATINA: UM MARCO TERICO O populismo, como fenmeno poltico, teve suas primeiras manifestaes nos
Estados Unidos, com o Peoples Party Movement (1892 1900), de curta vida, mas
longa influncia na poltica norte-americana; e na Rssia, atravs do Partido
Socialista Revolucionrio, quase destrudo pelas divises internas e perseguio
imperial, mas que em 1917 conseguiu capturar o Estado imperial russo e criar o
Estado comunista. Ambos, segundo Coniff (1982), tinham a mesma busca por
igualdade econmica e democracia que inspiraram os movimentos na Amrica
Latina, mas no continente sua influncia foi mais duradoura.
As diferentes definies de populismo mesclam-se com sua manifestao
histrica na Amrica Latina. Os chamados clssicos, ocorridos a partir dos anos 20
do sculo XX, se deram em um contexto de xodo rural e insero na economia
internacional dos pases da regio. Aps a ruptura com as antigas oligarquias,
governos populistas se multiplicaram na regio, se caracterizando por serem
multiclassistas e baseados na incorporao poltica das classes baixas, liderados
por figuras carismticas que prometiam atender as demandas populares atravs de
polticas tutelares. Outra caracterstica importante desses governos foi a
implementao de um modelo de desenvolvimento econmico bastante especfico, o
modelo de substituio de importaes, cujo foco era a produo de bens
industrializados e investimento em bens de consumo atravs de etapas que
permitiriam, em tese, maior vantagem nos termos de troca na economia
internacional (O'DONNELL, 1990).
Com o fracasso do modelo de substituio de importaes e a crise poltica e
econmica que se seguiu, regimes burocrtico-autoritrios foram implementados em
toda a regio atravs de golpes militares de Estado, segundo tipologia de O'Donnell
(1990). O fenmeno populista aparentava estar encerrado, e assim foi definido pelas
teorias da modernizao e da dependncia como um modelo de desenvolvimento
caracterstico da primeira metade do sculo XX.
Porm, o surgimento dos chamados neopopulistas na dcada de 1990 criou
dvidas quanto validade do conceito forjado pelos tericos das cincias polticas.
Com estilo persuasivo, altamente influenciado pela globalizao e novas
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tecnologias, apresentava liderana carismtica e movimentos populares
multiclassistas em um novo contexto social, onde a comunicao era a chave para
conquistar novos votantes (CONIFF, 1999).
Os lderes neopopulistas se colocavam como pessoas comuns que
assumiram o cargo mais importante da nao, e, portanto eram capazes de
representar os reais desejos do povo em suas polticas, centralizando seus governos
em suas figuras. Paradoxalmente, executaram reformas econmicas liberais sob o
Consenso de Washington que geraram fortes crises em seus pases, s quais
retratavam como sofrimento no presente em nome de um futuro melhor. O populismo
neste perodo foi caracterizado como um estilo poltico, altamente sensorial, onde o
carisma do lder era validado por eleies.
Aps o fim da onda neoliberal, mais uma vez se creu que o fenmeno havia
se esgotado. Os lderes neopopulistas, com forte instabilidade no governo, se
adaptaram a um modelo mais conservador e menos personalista de poltica (Carlos
Mnem), ou foram depostos do governo (Fernando Collor de Mello, Abdal
Bucaram), ou ainda renunciaram aps escndalos polticos, como o fez o presidente
peruano Alberto Fujimori.
Porm, o giro esquerda na Amrica Latina na dcada de 2000 revelou mais
uma variedade populista: esquerdista, focados em camadas mais pobres da
populao. Setores anteriormente excludos da comunidade poltica, como a
populao indgena na Bolvia, passam a ganhar voz e so incorporados atravs de
governos profundamente anti-establishment, propensos a buscar profundas
reformas sociais. O papel do Estado profundamente intervencionista, usando os
ganhos da exportao de commodities para desenvolvimento social. Segundo
Freindenberg (2007), isto demonstra um afastamento do modelo econmico do
populismo clssico, e evidencia que o populismo tem um corao poltico, muito
mais que representa um modelo econmico; porm, como argumentado por
Viguera (1993), embora os dois eixos sejam distintos, restringir-se apenas a um
deles gera perda de capacidade explicativa e/ou comparativa.
As distintas manifestaes do populismo atravs do tempo criaram uma
multiplicidade de definies e escolas tericas, as quais at hoje no lograram
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alcanar um consenso sobre a definio do termo. Ballesteros (1987) argumenta
que tal conceito escorregadio porque impossvel sistematiz-lo em uma nica
teoria: ou muito ampla para ser clara, ou muito restritiva para ser persuasiva.
Sua complexidade fez com que cada caracterstica sua levasse a criao de um
aporte terico prprio, que muitas vezes divergem entre si: como exemplo, adeptos
do enfoque institucionalista se negam a creditar ao populismo uma efetiva
incorporao das massas poltica, o que outros tericos como Collier e Collier
(1991) definem como o ponto mais distintivo do populismo.
Em comum s abordagens, porm, est a ideia de povo como essncia do
poderio populista. O termo povo pode se definir como populus, tratando de toda a
coletividade, e como plebs, os subalternos no nvel poltico e especialmente no
socioeconmico: gente comum e sofredora. Segundo Aboy Carles (2012), o
populismo justamente uma oscilao constante entre os dois conceitos, a luta pela
redeno da plebs que se pretende como populus, ou seja, uma frao subalterna
da nao que se pretende como representante do verdadeiro pas, excluindo assim
radicalmente seus inimigos polticos da comunidade poltica ao mesmo tempo em
que renegocia esta premissa em nome de uma completude da nao nunca
alcanada.
Essa excluso se d atravs de uma caracterstica marcante do populismo: o
discurso maquinesta, que segundo De La Torre (1992) se relaciona com uma
retrica que divide a sociedade entre povo e oligarquia a partir de relaes sociais.
O povo representaria o que h de mais puro e autntico na sociedade, o heartland, e
se define em oposio oligarquia, que encarna o estrangeiro, o mau, o injusto e o
imoral.
O item mais importante do populismo, porm, o prprio lder populista. ele
quem consegue criar a conexo com seus seguidores atravs de um vinculo
personalista. Encarna os desejos da nao, representa as pessoas excludas do
sistema, e nelas repousa sua legitimidade para enfrentar os desafios do poder; por
ser a voz do povo, s a ele se reporta, e costuma ignorar as demais instituies em
nome da governabilidade.
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A partir desta introduo conceitual ao populismo, pode-se adentrar nas
principais abordagens tericas sobre o fenmeno. Com propsitos de maior clareza
conceitual, sero apresentados cinco enfoques tericos distintos, a saber: o
populismo como fase histrica e incorporao das massas; o populismo como estilo
poltico; o populismo como ideologia; o populismo como discurso; e o populismo
como estratgia de poder.
1.1 Enfoque Socio-Histrico: O Populismo Como Fase Histrica E
Incorporao Das Massas
O enfoque socioeconmico histrico do populismo, relacionado especialmente
com a Teoria da Modernizao e com a Teoria da Dependncia, associa o fenmeno
ao perodo histrico de modernizao dos anos 1930-1960, um perodo de profunda
transformao das sociedades latino-americanas. D-se a substituio de um
regime liberal oligrquico nos pases da Amrica Latina por um governo mais
responsivo (em maior ou menor grau) s demandas socioeconmicas e acesso ao
poder poltico de massas mobilizadas, mas previamente excludas (ODonnell, 1972,
p.63), atravs de uma aliana policlassista das classes trabalhadoras e industrial
nacional contra a velha elite.
Este modelo fortemente conectado com a etapa de industrializao por
substituio de importao na regio, processo em que o Estado assume uma
posio ativa ao estimular a produo de bens de consumo pela indstria nacional,
ao mesmo tempo em que estimula o mercado interno atravs de polticas de salrios
altos (Collier, 1979, p.30). O Estado passa de mediador de investimentos
estrangeiros a defensor do mercado, para assim transferir renda do setor exportador
ao interno, e cria estrutura para a implementao da ISI (CARDOSO E FALETTO,
2003). O Estado incorpora politicamente atravs do estmulo a sindicatos fortes, que
so vinculados aos partidos populistas (COLLIER E COLLIER, 1991). As massas,
neste regime, so consideradas parte integral do plano de desenvolvimento
industrial como mo de obra e consumidores, ao mesmo tempo em que passam a
ter importncia para o clculo poltico dos grupos de poder.
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Sob uma perspectiva de transformao da sociedade, concomitantemente ao
desenvolvimento econmico dos pases da regio, de acordo com Germani (1965)
h um processo de mudana desde o ponto de vista sociolgico, com a transio de
uma economia agrria a uma expansiva, fundada em uma crescente aplicao da
tcnica moderna, que encontra correlao na mudana progressiva da solidariedade
orgnica das sociedades tradicionais solidariedade mecnica do mundo moderno.
Mais do que isso, estes dois mundos distintos coexistem, j que o processo
modernizador no abarca a totalidade da sociedade.
Nos pases cuja modernizao se consolidou mais cedo, essas massas
despertas de sua mentalidade tradicional foram absorvidas pelos meios
institucionais de representao e competio pelo poder de forma lenta e gradual. J
nos pases latino-americanos, onde a industrializao foi tardia, a mobilizao pela
migrao do campo cidade foi produzida de forma rpida e total (GERMANI, 1965,
p.210). Esta mobilizao das massas espontnea e concreta, e o povo, pela
primeira vez, rompe com seu papel fixo na sociedade tradicional e toma conscincia
da possibilidade de atuao poltica. Ainda que plenamente compatvel com a
democracia representativa, as estruturas arcaicas em que a democracia liberal foi
instaurada na Amrica Latina no possibilitavam a canalizao dessa nova
mobilizao poltica das massas s instituies existentes. O populismo seria um
instrumento de lderes demagogos e com traos autoritrios para conseguir apoio da
massa ignara, politicamente ativada, mas inocente e facilmente manipulvel por sua
transio psicossocial modernidade estar incompleta.
A perspectiva de Germani se alinha Teoria da Modernizao, na qual o
desenvolvimento traz consigo a democracia. Samuel Huntington (1975) foi o
principal crtico a essa perspectiva terica; para o autor, o desenvolvimento
econmico no est necessariamente atrelado ao poltico. Os regimes autoritrio
burocrticos de ODonnell (1972) so prova para sua afirmao: quanto mais
modernos os pases da Amrica Latina, mais autoritrios; o nvel de mobilizao
grande demais, e o Estado e a economia no tm recursos para distribuir os ganhos,
levando aos golpes militares nos anos 1960 e 1970.
A busca pelo enriquecimento pode gerar um hiato poltico entre o anseio por
participao poltica que a modernizao traz e a falta de capacidade do governo em
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suprir essas demandas, criando instabilidade pelo baixo grau de ordem institucional,
que seria o elemento mais importante para Huntington em uma sociedade poltica. O
populismo, com sua lealdade autoridade carismtica, incapaz de construir
instituies fortes e canalizar a mobilizao poltica por ele criada para partidos,
criando um regime democrtico incapaz de garantir a ordem.
Para Collier e Collier (1991, p.161), porm, a mobilizao no
desorganizada: a organizao e institucionalizao so essenciais ao populismo em
um perodo de transio quanto participao da classe trabalhadora nos pases,
em que estes utilizaram diversas estratgias para controlar e mobilizar os setores
populares. Este se daria justamente quando no apenas h mobilizao, como
tambm a criao de um partido de massa que incorpore o sindicato, e a vinculao
entre o movimento sindical e o partido populista. A incorporao dos trabalhadores
rurais seria responsvel por dois subtipos possveis do populismo: o trabalhista,
restrito aos trabalhadores modernos, e o radical, que incorpora os setores agrrios.
Embora haja diversidade terica dentro deste enfoque, a principal crtica
engloba todos os seus autores: a rigidez de seus modelos. O populismo j se
apresentou em formas neoliberais, e tambm em governos que no
necessariamente desejavam se industrializar. Mesmo no perodo considerado
clssico, pases como Peru e Equador tiveram governos populistas sem processos
de substituio de importao; da mesma maneira, o Chile implementou esse
modelo sem nunca ter eleito um presidente populista. Embora seja um enfoque
terico que se esgotou com o passar do tempo, uma viso socioeconmica histrica
do populismo permite uma melhor compreenso do seu papel como incorporador
das massas, e como pode assumir esta funo nos presentes governos populistas.
1.2 Enfoque Personalista: O Populismo Como Estilo Poltico
O enfoque sociocultural do populismo apresenta o fenmeno a partir do
vnculo entre lder e liderados, estabelecido atravs do estilo poltico do governante
populista, evocando uma identidade em comum para estabelecer uma relao com o
povo. A fonte de poder neste enfoque, segundo Ballasteros (1987) o lder, no a
ideologia, atravs de seu carisma, encarnando a autoridade carismtica proposta
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pela tipologia de liderana de Weber: prope salvao e redeno atravs da f de
seus seguidores.
Resumidamente, o corao deste enfoque est nas noes de proximidade e
transgresso. O estilo e a prxis do lder buscam aproximar-se das camadas mais
baixas e populares da populao atravs das suas identidades socioculturais, muitas
vezes hostilizadas pelos discursos dominantes na sociedade. Isso faz com que o
estilo do lder se torne transgressor no mbito poltico, especialmente porque a
grande diferena de grupos sociais uma condio sine qua non para a emergncia
do populismo; o lder populista gente como a gente, e assim permite que o povo,
regularmente excludo da agenda poltica, finalmente se sinta representado em suas
peculiaridades.
Pierre Ostguy (2009), um dos principais tericos deste enfoque, define o
populismo a partir da ideia de um outro irrepresentvel, criado a partir da ideia do
que apropriado em uma determinada sociedade, e cujas demandas por
representao so atendidas e representadas por lderes populistas, identificando-se
com o verdadeiro povo. O autor define duas subdimenses poltica: a sociocultural
e a cultural-popular, que por sua vez possuem eixos baixos e altos, representando
diferentes expresses e comportamentos quanto aos nveis de represso e
sublimao dos atores polticos.
A dimenso poltico-cultural debateria sobre as formas de liderana poltica e
tomada de deciso. Se o alto do eixo formal, impessoal, legalista, mediado por
instituies, tecnocrata, caracterizado pelo liberalismo representativo e Estado de
direito, na parte baixa a liderana personalista, forte, com muita proximidade com
o povo, com participao direta e desprezo s formas institucionalizadas de tomada
de deciso e representao. J a dimenso sociocultural se relacionaria a oposio
entre a cultura e compostura das classes altas em oposio crueza e simplicidade
daqueles na parte baixa no eixo; isto explicaria o sucesso das estratgias do lder de
criao de vnculo atravs da emulao da cultura popular e/ou local, criando uma
identificao com o povo atravs de seu estilo de liderana.
A noo de identificao, segundo Billig (2003), se d atravs de um processo
retrico, onde o lder logra persuadir no apenas pelo discurso do povo, mas
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tambm por gestos, tom de voz, palavras de ordem, imagem, atitude, ideias, etc.,
demonstrando que ambos compartilham as mesmas maneiras, hbitos e
moralidade. Ao assumir as maneiras de sua audincia, o lder categoriza a si mesmo
para sugerir pontos em comum com o seu pblico alvo, e assim cria uma identidade
social popular e a utiliza para formar seu projeto retrico atravs da uma lgica de
positing, ou seja, posicionamento dos grupos includos e excludos atravs da
categorizao do mundo social. O populismo, com seu carter relacional e
performativo, no apenas captura um povo pr-existe como tambm o produz para
alcanar poder (MOFFIT E TORMEY, 2014).
Segundo Tagguief (1995), o vnculo entre lder populista e povo possui uma
qualidade mstica e abole a distancia entre o povo e os governantes, buscando a
reconstruo do corpo social atravs do apagamento das diferenas sociais e
econmicas na sociedade, resumindo-as a meras diferenas das identidades
culturais. Isso permite que o lder populista persiga as mais distintas agendas
polticas; as pessoas o seguem por se identificarem com o estilo que ele projeta,
baseado na cultura popular, no pelo contedo de suas polticas. Ballesteros (1987),
inclusive, afirma que quando um discurso poltico se reduz a convocar o povo em
torno a um lder, sem nenhum contedo ideolgico ou programtico, se pode afirmar
com absoluta propriedade do populismo; a retrica populista seria justamente a
compatibilidade com a ausncia de ideologia.
A principal crtica a este enfoque est na sua concentrao no estilo
performtico do populismo. Ao se focar na emulao de identidades populares para
lograr poder, o populismo como estilo poltico trata os lderes como meros atores em
um teatro, que a qualquer momento podem sair do estilo que criaram para si.
Tambm um conceito to amplo que se torna pouco abrangente, por no ter
definies claras em mbito institucional para clarificar suas ocorrncias.
Empiricamente, deixa de explicar casos populistas como o de Fernando Collor de
Mello, presidente brasileiro conhecido por sua origem abastada e estilo de vida
playboy, pouco relacionado com a vida da maioria da populao brasileira.
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1.3 Enfoque Ideolgico: O Populismo Como Ideologia Delgada
O populismo como ideologia delgada, a princpio, no se diferenciava do
enfoque do populismo como estilo poltico: ambos tinham como ponto de partida a
criao de identidades e estruturao do campo poltico. Porm, com o passar do
tempo, ambas foram se diferenciando: o ltimo foca-se muito mais na relao entre
lder e liderados atravs do discurso e da performance, enquanto no primeiro a fala
do lder analisada em todas as suas implicaes na criao de antagonismos
sociais, buscando extrair uma filosofia de discursos populistas. Da mesma maneira,
muito similar ao enfoque do populismo como criao de identidades, porque
ambos afirmam a diviso da sociedade em campos antagnicos como caracterstica
definidora; porm, enquanto este enfoque afirma que isto se d por uma ideologia
populista, aquele defende que o discurso que cria tais divises.
Mudde & Rovira (2012, p.8) definem o populismo como:
a thin-centred ideology that considers society to be ultimately separated into two homogeneous and antagonistic groups, the pure people and the corrupt elite, and which argues that politics should be a expression of the volont gnrale (general will) of the people.
Estas categorias de povo e elite so vazias em si mesmas, sendo o lder
populista o responsvel pela construo de seus significados.
uma forma moral de poltica, j que a distino entre os dois polos dada
nesta dimenso, criando uma viso maquinesta sem espao para mediao;
segundo Stanley (2008), uma reao profundamente adversria, como amigos e
inimigos nos termos schmittianos. Hawkins (2010) agrega uma dimenso de
cosmologia mstica, na qual conecta moralidade de seu discurso uma encarnao
de um tempo mstico do passado, dando sentido pico e de eternidade ao presente
ao reviver antigos mitos e smbolos.
importante notar que o fato do populismo apresentar-se como uma
ideologia delgada permite que se associe a outras ideologias, como o socialismo, o
nacionalismo, etc., porque no tem complexidade suficiente para gerar polticas.
Mas isso, segundo Stanley (2008), no impede que o populismo seja reconhecido
como uma ideologia, ainda que no oferea um conjunto de respostas s questes
geradas na sociedade. Os conceitos de povo e soberania popular, ou seja, a criao
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de um povo em oposio elite, assim como um suposto interesse harmonioso
desse povo, devem ser a base para a tomada de deciso na esfera governamental.
Tambm acrescem os conceitos de tenso entre a poltica como redeno e
administrao de Canovan (1999) na representao da vontade do povo; se a ltima
atua como base na mediao de conflitos, negando a representao prometida pela
democracia liberal, a poltica como redeno afirma que outro mundo possvel,
onde a voz do povo efetivamente ouvida. Esta se torna populismo quando h um
excesso de pluralismo sem equilbrio, gerando busca por representao. O
populismo uma ideologia porque este ncleo presente em todas as suas
ocorrncias. Stanley (2008) afirma que essa vontade do povo a encarnao do
bom: nica, indivisvel, a voz de Deus, e no admite oposio, que
considerada ilegtima, em total oposio ao pluralismo poltico. No outro polo, as
elites so ms, perversas, conspiradoras e variam conforme o contexto: podem ser
grupos tnicos, econmicos, etc.
Mudde (2004) tambm aponta os partidos estabelecidos na democracia liberal
como inimigos do povo, j que no representam a populao e criam divises no
povo unido, em uma oposio mais uma vez maquinesta e simplificadora. E h uma
necessidade de mudana sistmica, j que as velhas estruturas da velha poltica
esto dominadas pelos maus polticos, e novas estruturas seriam as nicas a
romp-las. Eles no desejam deliberar e garantir direitos formais; buscam ao e
rechaam mecanismos liberais caso estes evitem a vontade do povo.
Mudde (2004) resgata a contribuio de Taggart sobre o heartland para
conceituar esta maioria que o populismo busca representar: a world that embodies
the collective ways and wisdom of the people who construct it, usually with reference
what has gone before (even if that is idealized). (TAGGART, 2000, p.3) Este
heartland seria, na verdade, uma construo mtica utilizada pelos lderes populistas
para descrever um determinado conjunto da populao, sendo um conceito to vago
que melhor definido em oposio elite rechaada pelo populismo.
Mudde (2004) observa que os populistas no querem mudar as pessoas,
como o socialismo ou o comunismo, e sim mudar seu status na sociedade, pois o
senso comum a base de todo o bem na poltica. Este heartland ativado em
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circunstncias especiais: combinao de ressentimento poltico, desafio ao estilo de
vida do povo e presena de um lder populista atrativo.
As principais crticas a essa vertente a premissa subjacente a ela que as
pessoas e o lder creem na ideologia em questo; para alguns tericos, os
populistas no possuem crenas, apenas perseguem o poder. O core desta vertente
tambm apresenta deficincias porque seus conceitos so pouco abrangentes, e
quase sempre precisa de outra ideologia ter poder explicativo; o populismo no
possui um conjunto de conceitos e tericos claramente definidos, nem tampouco um
movimento de adeptos que o valide como ideologia.
1.4 Enfoque Discursivo: O Populismo Como Criao De Identidades
O populismo como criao de identidades uma vertente baseada no
arcabouo terico construdo por Ernesto Laclau (2005), terico argentino ps
marxista e ps modernista, que prope o populismo como a prpria lgica poltica.
O modelo de populismo de Laclau tem como unidade de anlise social as unidades
menores que so articuladas por demandas, que quando articuladas entre si geram
a unidade do grupo. Essas demandas so reivindicaes a uma determinada ordem
estabelecida, e tem um aspecto concreto de materialidade e outro aspecto abstrato,
e podem ser satisfeitas ou no. As demandas democrticas so aquelas isoladas de
um processo equivalencial, absorvidas pelas instituies atravs de uma lgica de
diferenciao, ou seja, mediante la afirmacin de la particularidad (), cuyos nicos
lazos con otras particularidades son de una naturaleza diferencial (LACLAU, 2005,
p.103). Quando estas demandas no so satisfeitas, se transformam em demandas
populares, sendo essa caracterstica responsvel por uma lgica de equivalncia, ou
seja, as demandas se tornam iguais em seu no atendimento e enfatizam o que tem
em comum, implicando assim no traado de uma fronteira antagnica e na
debilitao das diferenas.
Isto gera uma cadeia de equivalncia em seu nvel abstrato de demanda
insatisfeita. Assim, quando a cadeia aumenta, esses vnculos equivalenciais se
condensam ao redor de uma demanda particular ou pessoa, que passa a ultrapassar
sua caracterstica concreta ao assumir caractersticas universais e representar toda
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a cadeia de equivalncias. Esta demanda ou pessoa se torna um significante vazio,
que cria um marco diferencial comum heterogeneidade das demandas, ou seja, as
diferenas de suas partes concretas que nunca desaparece e cria tenso com a
proposta de universalidade dada pela cadeia de equivalncias. Quanto mais extenso
o lao equivalencial, mais vazio ser o significante que unifica a cadeia.
Segundo Laclau (2005, p.123), a institucionalidade existente no permite ao
populus representar sua verdadeira plenitude, e a plebs aspira construo de um
populus realmente universal atravs da crena em uma totalidade plena. A cadeia de
equivalncia permite uma construo poltica de uma fronteira que divide a
sociedade em dois campos: o povo e a institucionalidade. No um antagonismo
entre atores pr-determinados, como pressuporia uma teoria marxista; o
antagonismo cria novas classes sociais. O outro, para esta lgica, uma oposio
total ao povo; aqueles que impedem a concretizao do desejo de ser povo e por tal
razo nunca podero fazer parte da futura comunidade plena. Estes so
concretamente simbolizados pelos blocos de poder, que so elites que estabelecem
a hegemonia da sociedade, ou seja, controlam no s os meios de coero como
tambm exercem a liderana no campo das ideias.
A oposio da identidade popular criada pela cadeia equivalencial em relao
ao bloco de poder o que define o populismo. Parafraseando Laclau (2005, p. 150-
151), o populismo assim uma lgica poltica que se relaciona com a instituio do
social atravs de demandas sociais, gerando uma mudana social pela articulao
das lgicas de diferena e de equivalncia, e a constituio de uma cadeia
equivalencial que constri um sujeito poltico global que rene mltiplas demandas
sociais e, por consequncia, constri fronteiras internas e a identificao da
instituio como antagonista.
Panizza (2005) instrumentaliza a teoria de Laclau para a explicao da
criao de identidades polticas. Para o autor, o discurso ao, no ideologia: cria
algo que no existia antes ao designar uma parte da realidade, criando uma nova
identificao. O discurso do populismo anti-status quo e cria uma diviso na
sociedade entre o povo e o outro, identidades dadas (e, portanto, criadas) pelo
processo de nomeao (naming) dos inimigos do povo.
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A soberania popular para Panizza, semelhante ao enfoque ideolgico,
tambm vista como uma categoria vazia; porm, nesta viso it is argue that its
meaning is constituted by the very process of naming, or () that it is determined by
a process of naming that retroactively determines its meaning. (PANIZZA, 2005, p.
5). H uma desconstruo e reconstruo de identidades baseada no antagonismo
criado com o outro, ou seja, em um processo de alteridade que remove divises
internas da populao para criar um e indivisvel Us (povo) versus Them; a opresso
do alter torna os mltiplos egos apenas um. Para Panizza (2005, p.9),
Populist practices emerges out of the failure of existing social and political institutions to confine and regulate political subjects into a relatively stable social order. () It is a political appeal that seeks to change the terms of political discourse, articulate new social relations, redefine political frontiers and constitute new identities.
Apesar de no depender de um lder, ele ou ela pode ser a mais provvel
projeo no significante vazio, incorporando o povo atravs da identificao. O
lder se pe fora da poltica, ao menos da poltica de sempre, clamando sua
diferena em relao aos demais. Tem qualidades extraordinrias ainda que seja
uma pessoa comum, como o resto do povo que diz representar. Apresenta
caractersticas anti-institucionalistas do lder, que desconfia dos caminhos velhos do
poder pela sua no representao dos desejos do povo e vcios corruptos; e atravs
de um caminho redentor, consegue transformar o que era corrupto em algo puro e
superior.
Se o populismo, segundo Panizza (2005), despolitiza o poltico, ele tambm
superpolitiza as relaes sociais. Expressa as opinies e desejos das pessoas
excludas dos mbitos hegemnicos do poder, e consegue criar uma identificao
simblica entre o lder populista e seu povo, os integrando aos espaos polticos.
Tal vertente do enfoque discursivo possui grande sofisticao terica, por
tratar de aspectos simblicos da criao de identidades e de vnculos com o lder
populista, e, portanto possui maior poder explicativo que o populismo como estilo
poltico e o populismo como ideologia. Porm, apenas permite compreender como
se d o fenmeno populista, sem prover um framework que permita analisar os
casos empricos para alm dos discursos e das identidades, em reas essenciais
como as instituies democrticas, por exemplo.
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1.5 Enfoque Institucionalista: O Populismo Como Estratgia Poltica
O populismo como estratgia poltica tem um vis institucionalista em sua
anlise sobre o fenmeno, e tem seu principal terico em Kurt Weyland. O autor
apresenta o populismo como uma estratgia de poder personalista e anti-
institucionalista, muito mais associada esfera de dominao, da competio e
exerccio de poder poltico. Weyland (2001) constri um conceito clssico do
fenmeno, a nvel cientfico, e por isso exclui muitas variveis de sua anlise que
seriam, segundo ele, incidentais, como classe social e fase histrica; as polticas
econmicas e sociais seriam instrumentos para alcanar o poder, no caractersticas
intrnsecas ao conceito.
Para Weyland (2001, p.10), o populismo ocorre quando "() an individual
leader seeks or exercises government power basead on support from large numbers
of followers." Esta relao entre lder e as massas no institucionalizada, e sim
fluida, criada por forte conexo com seus seguidores, e por isso transcende ou
submete as instituies aos desejos do lder.
Este enfoque rechaa completamente a ideia de populismo como
incorporador das massas de facto, e tampouco o considera democratizante, j que
no tem respeito pelas regras do jogo e, por consequncia, tampouco pelos
direitos que compem o status da cidadania. O lder populista demagogo, e utiliza
seu discurso para conseguir suporte das massas para seus objetivos de dominao
poltica, aproveitando-se da suscetibilidade gerada pela pobreza na regio com
promessas fceis.
Para o enfoque institucionalista, a democracia liberal e pluralista o modelo
ideal, ou seja, deve-se buscar limitar o governo e administrar conflitos entre diversos
grupos, evitando a tirania da maioria. uma oposio direta ao carter majoritrio
do populismo, que concentra todo o poder em seu lder e planifica o povo em nome
de uma vontade nica imaginada. Este personalismo cria uma accountability vertical
por um vnculo plebiscitrio, que responsabiliza o lder populista diretamente por
responder as demandas e necessidades da populao (BARR, 2009, p.44).
Porm, a ideia do povo como vontade nica no permite oposio, excluindo
toda a possibilidade de diversidade de opinies dentro de uma sociedade por ser
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contra a nao, e assim automaticamente seu inimigo. Segundo Novaro (2011,
p.184), os prprios lderes populistas so os que criam essa necessidade para
polarizar o campo poltico e manter seu discurso; a incluso e excluso so dadas
em relao participao poltica permitida oposio do governo, e o apelo do
populista esse discurso anti-establishment, ou seja, contra as elites estabelecidas
(BARR, 2009).
O poder de deciso que conseguem pela politizao das instituies
transicional, j que a superao das resistncias incorre em uma nova
institucionalizao. Assim, necessrio criar um aparato estatal que exclua toda a
possibilidade de oposio e que impede a alternncia de poder, assim como
mantenha todos os grupos capazes de rivalizar (instituies estatais, mdia, exrcito)
sob seu controle, eliminando quase toda a possibilidade de pluralismo poltico. No
h limitao institucional em seu governo, nem diviso do poder. A maquinaria do
Estado utilizada para promover o partido e seu lder, tonando-se equivalentes.
O enfoque institucional possui uma viso altamente negativa sobre o
populismo, enfatizando suas caractersticas nocivas ao desenho institucional das
democracias modernas. Porm, possui certas falhas, cuja principal excluir algo
essencial definio do fenmeno, inclusive formao da prpria palavra: o
populus, o povo. Weyland tambm deixa de lado a dicotomia do povo versus grupo
dominante, um argumento presente nos demais enfoques. E mesmo que proponha
uma definio cientfica do fenmeno, o populismo apenas como estratgia poltica
extremamente amplo e pode ser utilizado para denominar os mais diversos tipos de
governos, no apenas os reconhecidamente populistas. Falta algo que defina de
maneira mais efetiva o que diferencia um governo populista dos demais.
A amplitude de enfoques tericos do populismo no significa que estes sejam
mutuamente exclusivos, e permite uma viso multidimensional do fenmeno,
ressaltando sua complexidade. Esta tambm se manifesta para alm da pura teoria
do populismo: suas implicaes na democracia tambm so extremamente
polmicas, gerando debates acirrados e sem previso de consenso quanto
valorao das mudanas que promove. Independente da definio adotada, de
comum acordo que o populismo altera os clculos do jogo poltico em termos de
pesos e contrapesos institucionais, especialmente porque seu ideal de democracia
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muito distante dos sistemas propostos pelas abordagens liberais: anseia por um
governo forte e baseado na vontade da maioria, em oposio representao e
acomodao que predominam na atual poltica. Como se d esta relao o tema a
ser explorado no prximo captulo.
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2. POPULISMO E DEMOCRACIA - CONSIDERAES
TERICAS E IMPACTOS INSTITUCIONAIS
Tanto no campo das Cincias Polticas quanto nos debates fora da academia,
o populismo normalmente carrega consigo uma conotao altamente negativa,
retratando governos paternalistas e lderes demagogos, que desrespeitam as
instituies polticas e os direitos dos opositores ao regime. Canovan (2004) afirma
que o fenmeno visto pelos cientistas polticos como um sinal de enfermidade
patolgica da sociedade, e por tal motivo no recebe a devida ateno nos estudos
da rea. Porm, tambm h perspectivas que defendem que o populismo, longe de
ser uma enfermidade democrtica, na verdade um antdoto para suas falhas
sistmicas, onde o Estado nunca logrou realmente incluir as massas em uma
democracia que representasse interesses outros que os das elites locais.
Na Amrica Latina, o debate ainda mais sensvel. Tendo o continente uma
longa histria de golpes e ditaduras, as democracias liberais que aqui se
estabeleceram so amplamente conhecidas pela sua falta de representatividade em
relao a grande parte da populao. Segundo Beasley-Murray et al (2010, p.324), o
liberalismo e ideias de cidadania com ele relacionado normalmente so termos
opostos ao povo, o popular; o liberalismo associado com ideias de excluso
econmica e social. Weyland (1995) afirma que, embora os atuais regimes da regio
sejam considerados democrticos, segundo definies mnimas de democracia, no
se comparam aos seus contraexemplos europeus; h participao poltica em
nmero, porm sem qualidade.
Da mesma maneira, os governos populistas so famosos pela sua relao
clientelista com os eleitores e tendncia polticos que muitas vezes flertam com o
autoritarismo, e tambm sendo questionados quanto qualidade de incluso social
e poltica que proporcionariam ao povo. ODonnell (1972), ao tratar dos populismos
histricos que levaram aos Estados Burocrtico-Autoritrios, afirma que, embora as
massas fossem includas no pacto poltico pelos lderes populistas, os significados
desta nova cidadania no foram entranhados nas novas identidades coletivas
surgidas, porque estas se davam muito mais pela busca pela justia substantiva do
que por direitos. As ecloses populares que geraram o Estado nacional popular no
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foram movimentos de classe para o autor, pois o povo no foi ou se tornou
autnomo neste processo, servindo como massa de manobra enquanto continuava
a demandar apenas por polticas sociais, sem se apossar da cidadania.
Os novos populismos latino-americanos tambm so alvos de grande
controvrsia, apesar de seus logros sociais. Hugo Chvez, Evo Morales e Rafael
Correa so lderes controversos, extremamente populares, porm suas aes muitas
vezes desafiam s convenes do que se configura uma boa democracia, por
considerarem que estes mecanismos so insuficientes para fazer polticas que
realmente representem o desejo do povo. Por este motivo, so constantemente
questionados quanto validade de seu governo e de suas aes, e em que medida
realmente configuram uma democracia.
Coppedge (2002, p.1), ao analisar Hugo Chvez, defende que para avaliar
corretamente o estado da democracia de seu governo necessrio aguar a
distino entre democracia definida como soberania popular versus a noo mais
convencional de democracia liberal. Para Rovira (2011), nisto esta base da
discrepncia nas percepes sobre o populismo como remdio ou antdoto. O ideal
de democracia que fundamenta cada linha terica influi diretamente no julgamento
que se faz sobre o regime; quanto mais se prioriza a soberania popular e
mecanismos de participao direta em relao ao constitucionalismo e
representao, mais satisfatrio ser o populismo quanto ao tipo de democracia que
proporcionar, e o inverso tambm verdadeiro.
Para mensurar tais caractersticas, porm, importante discutir brevemente
sobre o prprio conceito de democracia, e depois ampliar o escopo das reflexes
para fatores que ultrapassam o mero desenho institucional.
2.1 Democracia: Um Breve Aporte Terico
Segundo Mudde e Rovira (2012), da mesma maneira que o populismo,
democracia um conceito altamente disputado nas cincias sociais, no apenas
pela sua definio, como tambm pelos seus diversos modelos. Segundo Miguel
(2002, P. 483), a definio mais clssica a grega, que corresponde ideia de
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governo do povo e ao prprio significado etimolgico da palavra, e que rege parte
do imaginrio associado democracia; porm isto no significa que todos sejam
iguais, pois apenas os livres possuem direitos. Aristteles (2005) equaciona em seus
escritos a democracia vontade da maioria dos cidados livres, excluindo os
escravos do clculo do poder poltico, o que destaca o elemento elitista da cincia
poltica desde seus primrdios.
Com o passar do tempo, novas ideias e conceituaes sobre a democracia
surgiram para explicar as mudanas nas comunidades polticas e seus regimes,
assim como apontar quais rumos deveriam ser seguidos para alcanarem-se
sociedades ideais. Miguel (2002) destaca que ao longo dos sculos XVIII e XIX, com
autores como Rousseau, Fourier, Proudhon e Marx, surgiram correntes de
pensamento poltico que pensavam a democracia em termos de sociedades mais
igualitrias entre os homens. A negao da desigualdade como algo natural coaduna
com o cenrio poltico de tal poca, onde revolues sociopolticas corroam as
estruturas histricas de desigualdade.
Porm, ao fim do sculo XIX, novamente abordagens elitistas passaram a
predominar nas cincias humanas, reafirmando a diferena natural entre as
pessoas. Na teoria da democracia, tal pressuposto foi incorporado por Joseph
Schumpeter (1984), cuja definio minimalista da democracia certamente a mais
difundida na rea. Para Schumpeter, o bem comum pode ser alcanado atravs da
participao direta do povo na tomada de deciso, atravs da livre competio pelo
voto. A democracia, para o autor, estritamente um regime poltico,
independentemente das caractersticas do Estado e da sociedade; apenas um
processo eleitoral caracterizado pela livre competio pelo voto, e no
necessariamente pensado como instrumento para alcanar qualquer outro valor.
Para Schumpeter, a vontade do povo, assim como o bem geral, no existe per
se; so resultados artificialmente criados pela influncia do governo, que define a
vontade do eleitor. A crena na democracia como tradutora da voz do povo no
passa de uma dimenso religiosa, de um credo que se mantm como parte de um
sistema normativo sobre o funcionamento de um regime democrtico. A igualdade
poltica uma falcia, e a democracia se baseia nos interesses das elites.
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Porm, a teoria de Schumpeter no aborda questes contemporneas
importantes, como a incluso do indivduo na democracia. Robert Dahl (1997)
desenvolve uma teoria mais complexa sobre a democracia, amplamente utilizada no
atual debate poltico, e ponto de partida para uma perspectiva liberal sobre o
populismo e seus impactos institucionais sobre regimes democrticos. Para o autor,
no h democracia perfeitamente consolidada, mas sim poliarquias, resultados de
um jogo entre os diferentes grupos polticos, cuja estabilidade determinada pelos
custos de tolerncia e represso das faces opositoras.
Para Dahl, oito garantias bsicas: liberdade de associao, liberdade de
expresso, direito ao voto, elegibilidade para cargos pblicos, direito de lderes
polticos concorrerem em eleies, fontes alternativas de informao, eleies livre e
idneas e instituies que mantenham os mecanismos de eleio. Essas
caractersticas permitem a comparao de regimes polticos por seus nveis de
contestao poltica (participao de partidos polticos em eleies regulares) e
direito de participao (sufrgio universal adulto); quanto mais liberal e inclusivo
um regime, mais democrtico se torna, configurando-se uma poliarquia plena.
Miguel (2012), porm, afirma que, embora as liberdades e direitos propostos
por essas teorias sejam essenciais a uma democracia, cada vez mais esta se afasta
de sua essncia, ou seja, cada vez mais est distante das mos do povo; o que
tericos polticos propem como regime democrtico , na verdade, um governo de
minorias, e muitas vezes no abarcam caractersticas que tambm podem definir
uma democracia. Por tal motivo, de acordo com Morlino (2004), muitas definies
podem ser agregadas s aqui apresentadas, como a vontade da maioria
(democracia majoritria), o governo direto dos cidados sempre que possvel
(democracia participativa), a busca do bem comum em um processo de tomada de
deciso (democracia deliberativa), a igualdade de participao, representao,
proteo e recursos (democracia igualitria), entre outros.
2.2 A Democracia Liberal e O Populismo Como Enfermidade
O golden standard da democracia, desde a Segunda Guerra Mundial, o
modelo representativo liberal, dominante especialmente nos pases europeus e na
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Amrica do Norte, e que por efeitos prticos ser denominado democracia liberal.
Este modelo possui muita afinidade com a poliarquia de Dahl, pois defende um
Estado de direito que prioriza a representao de diversos interesses dentro da
sociedade atravs de instituies democrticas e sistemas de pesos e contrapesos.
Mudde e Rovira (2012, p.13) definem a democracia liberal como
(...)essentially a system characterized not only by free and fair elections, popular sovereignty, and majority rule, but also by the constitutional protection of minority rights. Accordingly, we are dealing with a complex form of government based on the idea of political equality, and consequently, cannot allow a majority to deprive a minority of any of its primary political rights, since this would imply a violation of the democratic process.
Este sistema compreendido em termos de incluso, acomodao,
pluralismo, debate e consensos, ou seja, une elementos republicanos, liberais e
democrticos, porm prioriza os dois primeiros em detrimento ao ltimo. O governo
aqui visto como negativo, tanto ao limitar sua ao quanto esfera privada do
cidado quanto ao limitar os direitos de uma maioria em relao a minorias.
Segundo Papadopoulos (2002, p.46), a noo do governo representativo tem
origem feudal, e inicialmente no tinha relao alguma tanto com a democracia
quanto com as eleies. Inicialmente, a democracia era concebida exclusivamente
na sua forma direta, ou em conjuno com a seleo de lideres por loteria,
permitindo que todos tivessem a mesma chance de governar. Na democracia liberal,
porm, o mecanismo principal para selecionar representantes pblicos a eleio,
realizada em intervalos regulares e delegada aos candidatos eleitos a
responsabilidade de representao da populao em instncias legislativas.
H um elemento aristocrtico na dimenso representativa da democracia, na
medida em que restringe espaos a uma determinada elite poltica que compete pelo
voto do eleitor. Tal escolha se d por preocupaes com um possvel governo
majoritrio, que no confivel; a teoria democrtica assume que maiorias
facilmente cedem a tentao de modificar as regras do jogo para discriminar em seu
favor e contra a oposio. A preocupao com a possibilidade de tiranias da maioria
antiga, e inclusive remonta srie O Federalista, na qual Madison (2009) j
argumenta, no artigo #9, sobre os perigos da imposio da vontade de uma possvel
faco majoritria sobre as demais, recomendando o governo representativo para
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evitar que esta democracia em estado puro viole direitos civis daqueles que deveria
proteger.
Madison (2009) tambm defende a necessidade de um sistema de pesos e
contrapesos no governo no artigo #51, limitando a ao de cada nicho do governo
para garantir os direitos dos cidados. Os princpios liberais, segundo Coppedge
(2002, p.12), no apenas justificam como requerem limites autoridade do governo
eleito, no importando quo claramente majoritrio seja; atravs de Constituies,
estabelece-se uma srie de instituies que podem fiscalizar o poder Executivo
entre as eleies, assim diminuindo o risco de um presidente abusar de seu
mandato popular.
Esta a accountability horizontal, que ODonnell (1998, p.40) define como a
existncia de agncias estatais que tm o direito e o poder legal e que esto de fato
dispostas e capacitadas para realizar aes, que vo desde a superviso de rotina a
sanes legais ou at o impeachment contra aes ou emisses de outros agentes
ou agncias do Estado que possam ser qualificadas como delituosas. Essas
instituies incluem um poder judicirio independente, um legislativo com base
eleitoral distinta, etc.
Para Coppedge (2002), as instituies podem ser pensadas como uma
espcie de aplice de seguro da democracia: os cidados pagam no presente,
atravs do sacrifcio da representatividade no governo e respostas mais imediatas
aos seus desejos, assegurando que no futuro a democracia no cair abaixo de um
nvel mnimo. Assim, expandem seu horizonte temporal e garantem sua prpria
segurana como possvel oposio em eleies posteriores.
Segundo Rovira (2011), de acordo com a perspectiva liberal, o populismo
seria uma reao ao mau funcionamento da ordem democrtica, uma patologia
democrtica porque traz foras destrutivas que transgridem tanto direitos individuais
quanto instituies representativas. A perspectiva liberal o ponto de partida para o
enfoque institucionalista do populismo, e tambm de alguns autores da escola scio-
histrica, como Gino Germani: se o populismo , segundo Weyland (2001), uma
estratgia de poder personalista e anti-institucionalista, a anttese do ideal
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democrtico liberal de um Estado de direito, cuja valorizao dos checks and
balances essencial ao bom funcionamento do sistema.
Para De La Torre (2003), tanto os novos quanto os velhos populismos
configuram democracias delegativas. Estas, segundo ODonnell (1994, p. 59-60), se
do quando o presidente eleito governa conforme deseja, sendo limitado apenas
pelas relaes de poder j existentes e pela durao constitucionalmente fixada do
cargo. O presidente personifica a nao e seus interesses, e se considera acima de
partidos polticos e do sistema estabelecido, tendo sua base em movimentos
populares. Democracias delegativas seriam tambm variaes da poliarquia de
Dahls, porm, seu dficit democrtico no seria vertical, ou seja, no se daria termos
de participao e competio, e sim horizontalmente, quanto a suas falhas em
relao aos pesos e contrapesos das instituies democrticas (PERUZZOTTI,
2013).
Segundo Rosenvallen (2007), o populismo a definio de contrademocracia,
estigmatizando compulsiva e permanente as autoridades governantes, at o ponto
de constitu-las em fora inimiga, radicalmente exterior sociedade, e colocando o
povo como juiz para denunciar as elites corruptas. H um desejo de expurgo do
corpo social de todos os elementos que o fazem adoecer e causam a separao do
povo, para que haja uma representao real deste ao tornar-se sadio.
O responsvel pela cura da nao, segundo ODonnell (1994), o lder, que
tem o dever de trazer novamente a unidade da fragmentada sociedade em questo,
administrando remdios atravs de especialistas tcnicos por ele escolhidos e
protegidos e ignorando qualquer tipo de resistncia s medidas tomadas. O
presidente se isola das demais instituies polticas e passa a ser o nico
responsvel por todas as polticas que criou, sejam boas ou ruins. De La Torre
(2003) argumenta a atuao do governo e da oposio em regimes populistas
premia lgicas imediatistas e interesses e clculos de curto prazo. Por ver-se como
encarnao da vontade da nao, o presidente tem poucos recursos para concertar
e dialogar com a oposio, que tambm no possuem opes que no agir de forma
similar ao governo e usar de mecanismo de legalidade duvidosa para frear ao
Presidente.
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O ataque accountability horizontal tambm cria problema na
governabilidade, definida como o grau em que as relaes entre atores estratgicos
so governadas por formulas estveis e mutuamente aceitas, na medida em que as
relaes com a oposio e com a sociedade civil foram prejudicadas por regras
unilaterais impostas pelo governo, muitas vezes ignorando completamente o Estado
de direito e at a prpria Constituio (COPPEDGE, 2002, p.2).
2.3 Populismo Como Antdoto s Falhas Democrticas: A Busca Por Uma
Democracia Majoritria
Porm, o modelo de democracia liberal no perfeito. Segundo Canovan
(2002), para que a democracia liberal se concretizasse em uma sociedade moderna
e fragmentada, foi necessria a perda de transparncia dos processos
democrticos, ou seja, a complexidade dos mecanismos e instituies democrticas
to grande que no permite que as pessoas tenham uma imagem mental clara do
fenmeno. Assim, ocorre o paradoxo da democracia atual: quer empoderar as
pessoas, mas o desenvolvimento institucional que permite isto torna a poltica
ininteligvel para as pessoas comuns.
Taggart (2002) tambm argumenta que, neste contexto de sociedades
complexas, h um aumento concomitante da distncia entre os governantes e
governados, muitas vezes levando a abstraes que transformam ambos em
entidades coletivas opostas e antagonistas no campo poltico, transformando as
elites em distantes, sem face e desagradveis. Canovan (2002) aponta a
necessidade de construir uma ponte entre a poltica e as pessoas nas democracias
modernas, onde h grande distncia entre os eleitos e os eleitores e complexidade
institucional. Esta ponte feita pela ideologia, que definida como conceptual
structures that provide a simplified map of the political world and motivate their
followers by bestowing an almost religious significance on political doctrines and
symbols. (CANOVAN, 2002, p. 29). muito importante para legitimar o sistema em
uma poca de poltica de massa, onde o povo no pode ser ignorado.
A ideologia da democracia construda em temas como a soberania do povo,
unidade popular, regra majoritria. Segundo Coppedge (2002, p.3), a soberania
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popular a ideia de que um governo deve fazer o que a maior parte dos cidados
deseja que faa, e a definio mais antiga e literal de democracia, ainda que no
seja necessariamente a melhor sob uma perspectiva liberal. A soberania popular,
segundo tericos contemporneos, no nem suficiente ou estritamente necessria
para a democracia; porm, longamente reconhecida como um critrio legtimo para
regimes democrticos, em medida que reconhece o desejo de uma maioria, por isso
configurando-se uma caracterstica necessria da democracia. O problema que a
soberania popular e seus desdobramentos institucionais esto muito longe da
democracia que se busca construir atualmente, e criam expectativas sobre o
funcionamento destes regimes que no podem ser cumpridas (CANOVAN, 2002).
Outra crtica democracia liberal que, no mbito institucional, a restrio do
poder de deciso do povo, muitas vezes impedindo a implementao de polticas
que grande parte da populao apoia. Segundo Papadopoulos (2002, p.48), o
problema do populismo com a democracia liberal repousa na sua dimenso
inerentemente oligrquica. Os representantes so eleitos porque so diferentes de
ns, ou seja, so distintos das massas ignorantes por suas capacidades
administrativas e tcnicas, genunos profissionais cujas credenciais os separam
daqueles que os representam. Ao mesmo tempo, a democracia tambm comporta
um princpio de representatividade do homem comum pelos governantes eleitos,
com os quais deve compartilhar crenas e costumes. Porm, nem sempre os
representantes eleitos de fato exercem seus mandatos conforme o desejo de seus
eleitores, correndo riscos ao criar sistemas rgidos e pouco representativos.
O autor tambm argumenta que a substituio das elites governantes atravs
de mecanismos eleitorais algo essencial ao processo democrtico por configurar-
se uma ameaa que torna os representantes mais sensveis s demandas da
populao e minimiza seu espao para manobras, impedindo a formao de uma
classe poltica homognea. Porm, para os populistas, embora seja um mecanismo
vlido, este no suficiente para garantir a resposta das elites; o pressuposto de
que os eleitores votaro de acordo com o retrospecto dos polticos no se mostra
vlido empiricamente, porque demasiado racional para que tanto votantes quanto
partidos polticos ajam de acordo, ignorando diversas variveis como o voto
ideolgico, relaes clientelistas entre partido e eleitor, etc. (Papadopoulos 2002,
pp.50-51).
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Tratando especificamente do caso argentino, Etchemendy (2012) argumenta
que muitas leituras feitas do kirchnerismo partem da premissa que as instituies
democrticas liberais so neutras e livres de protagonismos polticos. Tais anlises
defendem que la poltica es simplemente un ordenamiento eficiente de incentivos y
reglas y no lucha constante de grupos y clases por el poder (ETCHEMENDY, 2012,
p.141), ou seja, gerando o que o autor descreve como institucionalismo vaco, que
defendem as instituies qualquer custo, sem tornar-se consciente das tenses
entre a prtica institucional e os interesses dos atores.
A democracia liberal, segundo o discurso populista, permitiu que o poder
fosse roubado das pessoas, deixando-o nas mos de polticos corruptos e elites que
no representam os desejos da populao. O populismo ento retorna o poder ao
povo atravs de um lder diretamente eleito e que ouve e atende suas demandas.
Todos so iguais para o populismo; no h uma vanguarda que, sob a ideia de
progresso, impe suas ideias como necessrias ao desenvolvimento da sociedade,
ainda que muito distintas do resto da populao (CANOVAN, 1999). O mito sob o
qual construda a ideia de povo soberano tomada como efetiva pelos populistas:
uma vontade comum, uma fora nica, que governa diretamente por regras
majoritrias. A unificao do povo cria uma identidade interna nica, e as fronteiras
do Estado passam a significar efetivamente os limites da nao. a poltica da
vontade e deciso em oposio acomodao e compromisso.
Assim, segundo Peruzzotti (2013, p.143), longe de enfatizar controles legais
no governo, o populismo clama pela libertao do poder executivo eleito dos
constrangimentos impostos pela noo de accountability horizontal. Segundo o
autor, limites constitucionais ao Executivo so ferramentas pelas quais as minorias
buscam restringir a vontade popular, bloqueando processos necessrios de
transformao econmica e social que precisam ser realizados para a superao
das desigualdades existentes.
De acordo com Kenney (2000), os lderes populistas logram legitimidade por,
ao subverterem instituies consideradas condies sine qua non por muitos, tais
como o Legislativo, constituies, etc., conseguirem parecer mais democrticos aos
olhos da populao. Isso ocorre porque o populismo engloba as dimenses
majoritria e participativa dtaggarta democracia, valorizando a soberania popular
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sobre a representatividade dos demais grupos, e priorizando instrumentos de
democracia direta aos tradicionais mecanismos de representao poltica. Segundo
Beasley-Murray et al (2010, p.324), o populismo clama ultrapassar os mecanismo
burocrticos e constitucionais que excluiriam o povo do poder, permitindo que a
vontade popular se expresse direta e espontaneamente, sem ser filtrada por
instituies, como ocorre com a democracia liberal representativa.
Ainda segundo Kenney (2000), o sucesso dos lderes populistas tambm
possui mais uma motivao: a percepo que as instituies democrticas esto
corrompidas por interesses particulares, seja a corrupo dos agentes pblicos e
partidos, a fora corruptora da elite econmica, e a falta de imparcialidade do poder
Judicirio. O populismo prega uma reforma radical de tais instituies como maneira
de faz-las novamente representar as preferncias dos grupos excludos no
presente arranjo de poder, tornando-as responsveis pelos seus atos e livrando-as
de interesses outros que no o bem comum.
Esse desejo por maior representatividade normalmente leva a democracias
plebiscitrias, onde tal instrumento utilizado para fazer avanar agendas que, de
outra maneira, seriam bloqueadas pelos outros poderes que compem o sistema de
pesos e contrapesos da democracia. Os partidos, assim, so substitudos por
plebiscitos como a principal maneira de expressar a vontade popular
(MAINWARING, 2006).
2.4 A Democracia Radical de Laclau e Mouffe
Mouffe e Laclau (2001) formulam uma estratgia radical de democratizao
da poltica, que se relaciona profundamente com a perspectiva do populismo como
uma prtica discursiva e criao de identidades, onde demandas no atendidas pela
institucionalidade criam uma cadeia de equivalncias ligadas por um significado
vazio, normalmente o lder populista. Tal configurao cria uma fronteira radical na
sociedade entre dois campos que se definem pela oposio ao outro.
Laclau e Moffe (2001) retomam a ideia de Gramsci sobre hegemonia, onde
uma classe dominante tem seu discurso tomado como sentido comum pelos
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dominados, assumindo que, embora o campo social seja definido por questes
histricas, os atores sociais se manteriam os mesmos atravs do processo, lutando
para que seu discurso torne-se o hegemnico. Para Mouffe e Laclau (2001), porm,
isso impossvel, porque nenhum discurso esgotaria uma categoria, que se sempre
se d em oposio a algo, a uma exterioridade discursiva. Os atores sociais no
seriam entidades fixas, e sim definidas em uma relao de antagonismo com os
inimigos que impedem a construo da sua identidade, se configurando em pontos
que no podem ser mais absorvido pela lgica de equivalncia e, portanto, se
situam na fronteira poltica.
Se a sociedade ps-Revoluo Francesa criou identidade com base na luta
pela igualdade e liberdade, novas lutas sociais emergem com o aprofundamento do
capitalismo e sua presena em todos os aspectos da vida humana, da mesma
maneira que a cada vez maior presena do Estado quanto a burocratizao cria
novos antagonismos polticos. Laclau (2009), em sua obra A razo populista, afirma
que a democracia liberal, ao defender um sistema de representao onde o cidado
delega sua vontade, no percebe que esta constituda na verdade pelos
representantes, que ao ter sucesso ao interpelar ao povo em seu discurso, faz com
que esses se reconheam neste, criando a vontade popular de maneira
verticalizada. No h uma multiplicidade de interesses na sociedade porque eles
no existem a priori, o que invalidaria teorias como a de Schumpeter; a
institucionalidade no apenas cria a identidade e vontade dos representados como
tambm o discurso da democracia de um espao de poder ocupado por ningum em
particular.
As novas lutas surgem porque uma parcela dos cidados, embora sejam
contempladas pelo discurso da democracia liberal moderna, impedida pelo Estado
de constituir plenamente sua identidade como sujeito de direitos, e assim Mouffe e
Laclau prope uma democracia radical e plural, onde haja espao para a inscrio
de diversas lutas em um novo projeto hegemnico sem hierarquizao de
demandas. Para Laclau (2009), a melhor maneira de construir esse sujeito popular-
democrata atravs do populismo, que cria a identidade do povo atravs da
interpelao e construo de sua identidade como sujeito que quer ocupar espaos
de poder.
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O grande problema da democracia radical de Laclau e Mouffe, segundo
Mudde e Rovira (2012), a falta de definio clara do seu conceito. Embora seja de
utilidade terica por problematizar pontos sensveis da democracia liberal, em
nenhum momento os autores apresentam o que exatamente uma democracia
radical, e tampouco permite uma leitura pertinente das relaes empricas entre
populismo e democracia, situando-as apenas no nvel terico e normativo. Os
autores tambm apontam que muitas crticas feitas por Laclau e Mouffe ao modelo
liberal, especialmente com sua recusa admisso e incorporao do conflito
arena poltica, toma como pressuposto um modelo deliberativo de democracia, que
apenas um modelo entre muitos que vigoram nas democracias atuais.
2.5 Populismo como Poltica de Redeno Democrtica na Amrica
Latina
Uma viso demasiadamente normativa do populismo, tanto como fora
destrutiva da democracia quanto como soluo para os defeitos sistmicos da
democracia liberal, impede uma anlise mais acurada desse fenmeno poltico. O
populismo manifesta-se quando h um dficit na representao poltica de uma
parte da cidadania e, portanto, no uma enfermidade per se, e sim uma indicao
que as prticas institucionais no esto alinhadas com o discurso dem