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POBREZA URBANA, TERRITÓRIO USADO E POLÍTICAS SOCIAIS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
DIOGO JORDÃO SILVA1 SILVANA CRISTINA DA SILVA2
Resumo
O presente trabalho visa analisar os usos do território pela população em situação de rua da cidade
de Campos dos Goytacazes/RJ, considerando as relações dessa população com as disponibilidades
de equipamentos e serviços no espaço urbano. O estudo baseia-se em revisão bibliográfica,
levantamento de dados sobre a população em situação de rua, identificação das instituições e
serviços de atendimento a esse segmento populacional no município, além de pesquisas de campo.
O trabalho identificou que em Campos dos Goytacazes há quatro equipamentos de atendimento
específico a esse grupo. Todavia, além de dispor de um número de vagas insuficiente, tais unidades
apresentam deficiências estruturais que entram em conflito com a própria lógica assistencial e com as
necessidades específicas dessa população, de modo que a maior parte das pessoas prefere
permanecer nas ruas.
Palavras-chave: Pobreza; população em situação de rua; políticas sociais.
Abstract This article is set to analyze the territory's use by homeless people in Campos dos Goytacazes/RJ,
considering the population relationship with the equipments and urban services availables. The study
is based on bibliographic review, data collection about homeless people and identifying the institutions
and services for these people, besides field research. The work identified four service stations directed
to this group. Although, besides the lack of availability, these service stations show structural
weakness that conflicts with its own assistencial logic and the specifics needs of people who prefer to
live on the streets.
Key-words: poverty; homeless people; social policies.
1 – Introdução
Localizada na Região Norte do estado do Rio de Janeiro, Campos dos
Goytacazes exerce a função de cidade média e polariza as cidades da região.
Historicamente o município se destacou em escala nacional devido ao seu
dinamismo econômico, primeiramente com a indústria sucroalcooleira e, mais
recentemente, pelo recebimento de recursos provenientes da exploração de petróleo
na Bacia de Campos. No entanto, essa opulência financeira não se reverteu em
1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense/Campos dos Goytacazes. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense/Campos dos Goytacazes. E-mail de contato: [email protected]
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desenvolvimento territorial, de modo que seu espaço urbano é marcado pela
desigualdade e pobreza. Ao caminhar pela área central da cidade é comum
encontrar pessoas vivendo em precárias condições, fazendo da rua seu local de
moradia e sustento, possuindo presença ativa na construção e no uso do território.
Concordamos com Santos (2005, p.255) que “é o uso do território, e não o
território em si mesmo, que faz dele objeto da análise social” e, por isso, falamos em
território usado, definido a partir dos objetos e das ações, sinônimo de espaço
humano, espaço habitado. O uso do território se dá tanto pela implantação de
infraestruturas, como pelo dinamismo da economia e da sociedade (SANTOS e
SILVEIRA, 2011). Enquanto os agentes hegemônicos usam o território como um
recurso, ou seja, apenas como um meio para potencializar suas estratégias
corporativas, os agentes hegemonizados usam o território como um abrigo, ao
passo que buscam constantemente adaptar-se ao meio geográfico local, recriando
estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares. Nesta concepção, o
território usado é o lugar da existência e resistência, o lugar onde os pobres tomam
consciência de sua condição e desenvolvem estratégias de luta e sobrevivência,
mesmo que, muitas das vezes, estas sejam opostas às racionalidades hegemônicas
(SANTOS, 2000).
Embora as pessoas que vivem na rua apresentem perfis diversos, os estudos
indicam que essa problemática insere-se num contexto amplo e estrutural de
produção de pobreza na sociedade contemporânea e que mostra sua face mais
extrema no espaço urbano. A adoção de projetos de desenvolvimento que
privilegiam claramente as empresas e as elites em detrimento da população em
geral é produtora de pobreza que leva indivíduos e famílias inteiras para as ruas.
Como afirma Escorel (2003, p.139):
Os que vivem nas ruas mostram "em carne viva" as consequências objetivas e cotidianas dos modelos de desenvolvimento concentradores e injustos adotados nas últimas décadas que reduziram, drástica e dramaticamente, o campo de possibilidades nas quais podem se movimentar e usufruir das riquezas produzidas e dos conhecimentos alcançados (ESCOREL, 2003, p.139).
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Historicamente essa população esteve excluída das ações do poder público,
de modo que grande parte do atendimento a esse grupo originava-se de
organizações filantrópicas. No entanto, nos últimos anos políticas sociais específicas
foram institucionalizadas conforme a organização político-administrativa do território
brasileiro. Desse modo, a base material para o atendimento à população em
situação de rua como política pública, em que cada esfera federativa possui
atribuições específicas, vem se constituindo no período recente no Brasil.
Nesse âmbito, a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,
instituída em 2009 (BRASIL, 2009), prevê para essas pessoas equipamentos de
serviços como os Centros de Referência Especializados para Pessoas em Situação
de Rua (Centro POP), assim como as unidades de acolhimento institucional. Ao
serem implantadas no território, tais materialidades passam a integrar-se às
dinâmicas de vida dessa população no espaço das cidades.
Em Campos dos Goytacazes, o poder público dispõe de quatro equipamentos
voltados ao atendimento específico a esse grupo e que se inserem na Política
Nacional para a População em Situação de Rua. São eles: o Centro de Referência
Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP), o Abrigo Lar
Cidadão, a Casa de Passagem, além da Casa de Passagem Albergue noturno
Francisco de Assis.
Diante de tais apontamentos, o presente trabalho visa analisar os usos do
território pela população em situação de rua que ocupa a área central de Campos
dos Goytacazes/RJ, considerando as relações dessa população com as
disponibilidades de equipamentos e serviços no espaço urbano. O estudo baseia-se
em revisão bibliográfica, levantamento de dados sobre a população em situação de
rua, além de pesquisas de campo nas instituições de atendimento a esse segmento
populacional no município, nas quais se consultou suas respectivas equipes
técnicas.
2 – Pobreza urbana e população em situação de rua
A população em situação de rua constitui parte da paisagem das médias e
grandes cidades do Brasil. Conforme Escorel (2003), a presença desse grupo nas
cidades expõe o ponto de degradação que as condições de vida urbana atingem,
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sendo esta problemática resultante de um processo de vulnerabilidades associadas
e cumulativas que incidem sobre a pobreza. Esse conjunto de vulnerabilidades é
constituído principalmente pelo desemprego, associado a uma inserção ocupacional
irregular, de baixos rendimentos, informal, não contratualizada e, portanto,
desprotegida. Além disso, essas fragilidades também estão associadas a outras
vulnerabilidades de ordem habitacional, afetiva, de aumento da exposição à
discriminação e à violência integrando um processo que se caracteriza
principalmente pela fragilização e ruptura dos vínculos familiares e de referência
primária.
Concordamos com Santos (2013) que as discussões sobre a pobreza devem
ir além das análises estatísticas para situar o homem na sociedade global à qual
pertence. Isso por que a pobreza não é apenas uma categoria econômica. Antes de
tudo, trata-se de uma categoria política, pois estamos lidando com um problema
social. Para Pereira (2008), essa preocupação de ir além dos dados numéricos é
fundamental quando o problema da pobreza é estudado do ponto de vista
geográfico, haja vista que o contexto em que determinado segmento social se insere
dentro de formações territoriais específicas fazem com que as leituras estatísticas
distorçam os verdadeiros significados da pobreza, ocultando a sua dimensão política
e também as suas dimensões geográficas. Para o autor, se a pobreza pode ser
identificada como a carência ou a escassez de bens que atendam às necessidades
básicas a uma vida digna em sociedade, esta se diferencia conforme aspectos
sociais e geográficos. Ou seja, os contextos geográficos em que a escassez e as
carências se encontram fazem com que a pobreza se diferencie substancialmente
no território. “As necessidades básicas não são as mesmas entre os homens e
lugares” (PEREIRA, 2008, p.02).
Segundo Santos (2001), o atual período revela uma pobreza estrutural
globalizada que resulta de um sistema de ação deliberada. Se até então havia uma
divisão do trabalho espontânea, hoje o que se tem é uma divisão do trabalho
administrada, movida por um mecanismo que traz consigo a produção das dívidas
sociais e a disseminação da pobreza numa escala global. O desemprego e a baixa
remuneração do emprego advindos do processo de modernização, assim como a
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ausência deliberada do Estado de sua missão social de regulação contribuem para
uma produção científica, globalizada e voluntária da pobreza.
Embora exista em todos os países, a mesma se evidencia de forma mais
severa nos países subdesenvolvidos, haja vista os efeitos perversos da
modernização em seus territórios. Criações do sistema tecnológico polarizado nos
países centrais, as modernizações do período atual são comandadas pela força da
grande indústria, representada essencialmente pelas empresas multinacionais e
seus suportes, tais como as formas modernas de difusão de informações. Em geral,
as modernizações eliminam a necessidade do trabalho humano, aumentando o
desemprego ou condicionando a existência de empregos com baixa remuneração.
As modernizações se concretizam nos lugares na forma de objetos técnicos que,
implantados de modo seletivo, formam territórios e lugares desiguais, condicionando
a ampliação da pobreza.
Ao discutir a pobreza urbana no Brasil, Santos (2013b) afirma que o rápido
processo de urbanização do país revelou uma crescente associação com o aumento
da pobreza, cujo lócus passa a ser, cada vez mais, a cidade. O autor explica que
com a modernização da agricultura ocorre a expulsão dos trabalhadores do campo
que vão buscar na cidade suas condições de sobrevivência. Já a indústria, que
também se moderniza, reduz drasticamente o número de empregos. Por fim, o
terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não
garantem a ocupação. Acrescenta-se a esse processo o direcionamento dos
investimentos públicos para a viabilização de uma cidade corporativa, que interessa,
em primeiro lugar, aos agentes socioeconômicos hegemônicos. Para atender ao
capital monopolista o Estado atua dotando a cidade com infraestruturas
indispensáveis ao processo produtivo e à circulação dos agentes e dos produtos, em
detrimento da maioria da população.
Como resultado, há o agravamento da pobreza urbana e o aprofundamento
das desigualdades que, cada vez mais, se evidenciam na organização interna das
cidades grandes e também das cidades médias. Geralmente, é comum o segmento
populacional com maior poder aquisitivo residir nas áreas privilegiadas, podendo
acessar os bens e serviços com facilidade, enquanto grande parte da população
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carente amontoa-se nas favelas e espaços periféricos sem acesso aos serviços
básicos essenciais à sobrevivência, aprofundando a situação de pobreza. Essa
situação insere as pessoas em um contexto de inúmeras vulnerabilidades, a
exemplo da escassez, do desemprego, da violência, do uso de drogas e da
fragilização das relações familiares, levando indivíduos ou famílias ao extremo das
ruas.
A pobreza é uma situação presente em Campos dos Goytacazes e tem
profunda relação com o modo que se deu o desenvolvimento do município e da
região a qual está inserido. Tanto o município quanto a região tiveram como principal
atividade econômica, desde o período colonial, a monocultura da cana de açúcar e a
transformação industrial desse produto (açúcar e álcool). A ação regionalista das
elites açucareiras promoveu a monopolização do acesso e do controle de recursos
oriundos das políticas setoriais, reproduzindo uma economia extremamente
concentrada e polarizada em termos de renda e do mercado de trabalho. Com a
modernização tecnológica e a expansão da atividade tradicional, em detrimento de
uma diversificação econômica, agravou-se a pobreza, com um mercado de trabalho
marcado pelo desemprego e pela sazonalidade, na qual os trabalhadores
alternavam entre o trabalho na agroindústria da cana e os serviços domésticos,
entre outros considerados não qualificados (CRUZ, 2003).
Após a década de 1970, a indústria sucroalcooleira sofre forte declínio e a
produção de petróleo e gás torna-se a atividade mais importante região, aportando
altas rendas em royalties e participação especial aos municípios que integram a
Bacia de Campos. Além disso, nos últimos anos, a região também vem recebendo
grandes empreendimentos, com destaque para o Complexo Logístico e Industrial do
Porto do Açu, no município de São João da Barra, cujos impactos econômicos,
sociais e territoriais são sentidos em Campos dos Goytacazes. Todavia, a despeito
desse dinamismo econômico, apenas uma parcela da população consegue se
beneficiar, de modo que persistem no município e na região o desemprego e o
subemprego da imensa parcela da força de trabalho, altamente desqualificada, que
vive a partir de sua inserção no circuito inferior da economia urbana e mora em
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favelas, loteamentos clandestinos ou mesmo nas ruas. Dados do CadÚnico3
apontam que atualmente há 160 pessoas em situação de rua cadastradas em
Campos dos Goytacazes. Todavia, é muito provável que esse número seja bem
maior, haja vista que a dinamicidade desses sujeitos impossibilita que sejam
alcançados pelos agentes públicos. Durante os dias e noites é fácil encontrar grupos
de moradores em situação de rua reunidos em locais como a Praça da República, a
Praça São Salvador e o Terminal Rodoviário Roberto Silveira, no Centro da Cidade.
3 - Políticas sociais para a população em situação de rua em
Campos dos Goytacazes
A inserção da situação de rua na agenda pública é bastante recente. Destaca-
se, inicialmente, a aprovação da Lei nº 11.258/2005 que incorporou programas de
proteção social às pessoas em situação de rua no campo da Assistência Social. A
Assistência Social se efetiva mediante a institucionalidade da política de Assistência
Social e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no país.
O SUAS é um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da Assistência Social no campo da proteção social brasileira (BRASIL/NOB/SUAS,2005).
Em sua estrutura de gestão, o SUAS explicita a perspectiva do acesso à
integralidade da proteção nos diferentes territórios do país, de modo que os
serviços, programas e projetos de Proteção Social Básica e Especial devem ser
organizados, de modo a garantir a integralidade da proteção, considerando as
seguranças socioassistenciais a serem afiançadas a famílias e indivíduos. Sua
implantação se dá pela organização dos municípios, pois é neles que as ações
acontecem.
Em 2009, o advento da Política Nacional para a População em Situação de
Rua (BRASIL, 2009) coloca de vez essa população como alvo de políticas sociais
3 Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Dados de março de 2017. Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/cecad/>. Acesso em: 12 de maio de 2017.
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asseguradas pelo Estado. Tal agenda orienta a ação e estabelece responsabilidades
para as diferentes políticas públicas na atenção a esse segmento da população,
sendo implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os
demais entes federativos.
Nesse mesmo ano, a aprovação da Resolução Nº 109 de 11 de novembro de
2009 representou um avanço significativo para a concretização da oferta de ações
às pessoas em situação de rua no SUAS, na medida em que efetivou a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009b). Esta estabeleceu
parâmetros para a oferta de serviços socioassistenciais de Proteção Social Especial
(PSE) de Alta e Média Complexidade4 direcionados a diversos públicos, entre os
quais a população em situação de rua.
Os serviços de PSE de Média Complexidade incluem o Serviço Especializado
em Abordagem Social e o Serviço Especializado em Situação de Rua. O primeiro
representa importante recurso para a identificação de pessoas em situação de rua
ao possibilitar que a oferta de atenção especializada a esse segmento seja iniciada
no próprio contexto da rua, mediante o trabalho de equipes de abordagem. Já o
segundo configura-se como um espaço essencial para a oferta de atenção
especializada no SUAS às pessoas em situação de rua, devendo ser ofertado
obrigatoriamente nos Centros de Referência Especializado para Pessoas em
Situação de Rua (Centro POP).
Em Campos dos Goytacazes, o Centro POP constitui-se no principal ponto de
apoio para as pessoas que vivem nas ruas da cidade, funcionando como a porta de
entrada dessa população para os demais serviços públicos no município. A unidade
está bem próxima dos espaços de concentração desse grupo populacional, como o
Terminal Rodoviário Roberto Silveira, a Praça da República, a ponte Leonel Brizola
e a rua denominada popularmente de Beira-valão. O primeiro contato do sujeito com
a instituição pode ocorrer por demanda espontânea, quando o mesmo se dirige à
4 Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são aqueles que garantem a proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram em situação de violação de direitos. Já os serviços de média complexidade são aqueles voltados para famílias e pessoas que estão em situação de risco social ou tiveram seus direitos violados. Oferece apoio, orientação e acompanhamento para a superação dessas situações por meio da promoção de direitos, da preservação e do fortalecimento das relações familiares e sociais (BRASIL, 2009).
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unidade; mediante o encaminhamento de outros órgãos públicos, ou; a partir do
Serviço Especializado em Abordagem Social. Neste último caso são as equipes de
abordagem que vão até as pessoas que estão nas ruas e realizam sua inserção na
rede socioassistencial do município. O Centro POP funciona apenas durante o dia e
realiza em suas dependências ações de acompanhamento psicossocial, atividades
de convívio e socialização, além de promover o acesso a espaços de guarda de
pertences, higiene pessoal e alimentação.
Os serviços de PSE de Alta Complexidade para esse grupo inclui o Serviço
de Acolhimento Institucional que é desenvolvido em unidade institucional
semelhante a uma residência e/ou em unidade institucional de passagem; inclui
ainda o Serviço de Acolhimento em Repúblicas, destinado a pessoas adultas com
vivência de rua em fase de reinserção social. Em geral, estes espaços podem ser
ocupados pela população em situação de rua para pernoite ou para abrigo
temporário durante alguns meses. Neles se oferecem serviços como alimentação,
higiene, atendimentos com profissionais como assistentes sociais e psicólogos, além
de encaminhamentos para serviços médicos, de elaboração de documentos, entre
outros. No município de Campos dos Goytacazes os serviços de Alta Complexidade
são oferecidos a partir da Casa de Passagem, da Casa de Passagem Albergue
Francisco de Assis, assim como do Abrigo Lar Cidadão.
A unidade de acolhimento Casa de Passagem atende, majoritariamente,
pessoas com idade entre 22 e 59 anos, oriundas de outras cidades e que buscam a
inserção no mercado de trabalho, de modo que não possuem a intenção de
permanecer em situação de rua por muito tempo. Geralmente, o tempo de
permanência na unidade é de três meses, podendo variar tempo de acordo com o
caso. Os usuários do equipamento são, em sua maioria, encaminhados pelo Centro
POP. A Casa de Passagem dispõe de trinta vagas, sendo a instituição de
acolhimento com maior capacidade de acolhimento. Além disso, este é o único
equipamento do município que atende mulheres em situação de rua, sendo
destinado a elas um total de 10 vagas. A unidade funciona em período integral e as
pessoas podem lá permanecer durante o dia e a noite. Além de oferecer abrigo,
alimentação e higiene, a Casa também realiza o acompanhamento psicossocial dos
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usuários, assim como encaminhamentos para outros serviços de saúde e
assistência social.
A Casa de Passagem Albergue Francisco de Assis é uma unidade de
acolhimento que se diferencia das demais por ser uma instituição privada,
pertencente ao Grupo Espírita Francisco de Assis e que se integra à rede
socioassistencial mediante convênio com a prefeitura municipal. O equipamento
dispõe de onze vagas, que geralmente ficam ocupadas integralmente. Os usuários
são do sexo masculino, com idades variando entre 18 e 59 anos, que são
encaminhados, majoritariamente, pelo Centro POP. A Casa de Passagem Albergue
Francisco de Assis possui como principal característica o atendimento
exclusivamente noturno. Os usuários entram às 18 horas da noite, tomam banho,
jantam, dormem e saem na manhã do dia seguinte. Além disso, recebem
acompanhamento do psicólogo e da assistente social que pode os encaminhar para
os demais serviços da rede socioassistencial do qual necessitam. Em média, essas
pessoas frequentam a instituição durante um mês, quando cedem espaço para
novas pessoas.
Por fim, o Abrigo Lar Cidadão possui vinte vagas. Assim como nas demais
unidades, a maior parte dos indivíduos chega à instituição mediante o
encaminhamento realizado pelo Centro POP. O público atendido é composto por
pessoas do sexo masculino e que, geralmente, possuem algum tipo de dependência
química. A faixa etária varia entre 18 e 59 anos, no entanto, há também casos
específicos de pessoas com mais de 60 anos que chegam à instituição após um
processo envolvendo abandono familiar e consequente passagem pelas ruas. A
instituição oferece acolhimento durante tempo integral, servindo as refeições diárias,
além de realizar acompanhamento psicossocial dos usuários e encaminhamento
para outros serviços, programas e benefícios da rede socioassistencial e das demais
políticas públicas. Comparado às demais instituições do município voltadas a esse
público, o abrigo é onde a população em situação de rua pode permanecer em
acolhimento por um maior período de tempo, podendo alcançar seis meses de
permanência.
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4 - Considerações Finais
Historicamente Campos dos Goytacazes apresentou uma opulência
econômica, no entanto, o desenvolvimento do município foi caracterizado pela
geração de pobreza, que marca seu espaço urbano e apresenta sua face mais
extrema na população em situação de rua. Esse segmento social concentra-se na
área central da cidade e se apropria de espaços e recursos no desenvolvimento de
estratégias de sobrevivência. Nesse processo, destacam-se os equipamentos
públicos onde são oferecidos serviços a essa população.
Embora as políticas sociais para essa população representem um avanço na
relação do poder público com esse segmento social, as mesmas não implicam
necessariamente na resolução de tal problemática, haja vista que essa situação
emerge de um problema estrutural de geração de pobreza e que persiste no
município e no país como um todo.
Em Campos dos Goytacazes chama a atenção o reduzido número de vagas
nas unidades que atendem à população de rua. Considerando que há mais de 160
pessoas em situação de rua no município, as 61 vagas atenderiam apenas 38%
dessa população. Constata-se ainda que esses espaços não são projetados
especificamente para essa finalidade, havendo uma série de problemas estruturais
que entram em conflito com a própria lógica assistencial e com as necessidades
próprias da população de rua. Muitos desses sujeitos enfrentam dificuldades na
adaptação às normas internas como os horários de entrada e saída, assim como a
proibição do uso de entorpecentes. O fato de muitos deles serem dependentes
químicos contribui para a volta às ruas. Além disso, a maioria das instituições não
permite a presença de famílias ou casais e, para não se separarem, estes preferem
não frequentar tais espaços.
Portanto, a análise realizada permite considerar que, embora a definição de
políticas para essa população constitua um avanço significativo no campo dos
direitos sociais, sua implantação por parte dos municípios ainda não se dá de
maneira adequada.
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