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Temas da Aula
Consciência 2
Perturbações da Consciência 3
Diagnóstico de Perturbação da Consciência 4
Exame Clínico 4
Exame Neurológico 6
Escala de Glasgow 12
Exames Complementares de Diagnóstico 13
Coma 14
Lesões Expansivas Supra-Tentoriais 17
Lesões Compressivas ou Destrutivas Infra-Tentoriais 18
Situações Metabólicas e Tóxicas 19
Padrão de Evolução do Coma 20
Terapêutica Geral dos Estados de Coma 20
Estado Vegetativo 21
Diagnóstico de Estado Vegetativo 23
Níveis de Cuidados Durante o Estado vegetativo 23
Estado de Consciência Mínima 24
Diagnóstico Diferencial das Perturbações da Consciência 24
Evolução das Perturbações da Consciência 25
Bibliografia
� Anotada correspondente de 2006/2007, Júlia Mendonça e Diogo Martins
� Ferro J., Pimentel J. Neurologia, Princípios, Diagnóstico e Tratamento. Lidel
Anotadas do 4º Ano – 2007/08 Data: 15 de Outubro de 2007
Disciplina: Neurologia Prof.: José M. Ferro
Tema da Aula Teórica: Perturbações da Consciência
Autores: Margarida Jacinto e Nídia Calado
Equipa Revisora: Carlos Vila Nova e Pedro Freitas
Perturbações da Consciência
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Consciência
A consciência é a capacidade de um indivíduo se dar conta de si próprio, da
sua actividade mental e do ambiente (awareness). É uma criação contínua e
momentânea de um conhecimento mental, que descreve a relação entre o
organismo e objectos ou acontecimentos e os comportamentos correspondentes.
A consciência pode ser considerada através de dois pontos de vista:
� Ponto de vista exterior (comportamental), encontra correspondência em:
• comportamentos intencionais,
• atenção sustentada;
� Ponto de vista interior (mental), corresponde a:
• representação mental dos objectos e acontecimentos, que se acompanha
de uma sensação de que o organismo se encontra nessa actividade
perceptiva.
É possível distinguir entre dois tipos de consciência:
Consciência
Fundamental Extensa ↑ grau de complexidade
• consciência do “aqui” e do “agora”;
• processo biológico simples;
• suporte anatómico –formação reticular
do tronco cerebral (mesencéfalo e
protuberância), núcleos do tálamo
(reticular e intralaminar) e hipotálamo.
• sentido elaborado do “eu”;
• integra o “eu” no tempo histórico do indivíduo;
• depende da consciência fundamental;
• processo biológico complexo;
• suporte anatómico – estruturas da consciência
fundamental + cíngulo, córtex parietal interno e
córtex somato-sensorial do hemisfério direito.
Perturbações da Consciência
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Perturbações da Consciência
Existem quatro grupos de perturbações da consciência:
� Com alteração da vigilidade:
• Coma,
• Síncope,
• Crise epiléptica clónico-tónica generalizada,
• Concussão cerebral,
• Anestesia geral;
� Com vigilidade mantida e atenção/comportamento mínimo alterados:
• Crise epiléptica do tipo ausência,
• Estado vegetativo;
� Com vigilidade mantida e atenção/comportamento mínimo mantidos:
• Mutismo acinético,
• Estado de consciência mínima,
• Crise epiléptica parcial complexa;
� Perturbação selectiva da consciência extensa, com manutenção da
consciência fundamental:
• Perturbação da memória autobiográfica,
• Amnésia global transitória,
• Amnésia pós-traumática,
• Encefalite herpética (quando causa amnésia),
• AVCs amnésicos,
• Demência de Alzheimer avançada.
Não esquecer! Vigilidade é diferente de Consciência!
A consciência é a percepção de si próprio e do ambiente. A vigilidade é um
estado em que o indivíduo tem capacidades de interacção com o ambiente.
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Diagnóstico de Perturbação da Consciência
EXAME CLÍNICO
O exame objectivo do doente com perturbação da consciência tem quatro
objectivos paralelos:
1. Identificar situações que necessitem de intervenção terapêutica imediata;
2. Determinar a gravidade da alteração da consciência;
3. Determinar o nível do sistema nervoso central que se encontra em
disfunção, no momento da observação;
4. Identificar a causa geral da alteração da consciência e a sua etiologia.
Para este efeito, é útil socorrer-se do chamando ABC neurológico:
A – Vias aéreas (airway)
B – Ventilação (breathing) (padrão ventilatório)
C – Circulação (pressão arterial, pulso)
D – Diabetes, drogas (glicemia, sinais de punção venosa)
E – Epilepsia
F – Febre
G – Pontuação na Escala de Coma de Glasgow
H – Herniação (sinais neurológicos de herniação)
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Como exemplo de situações que necessitam de intervenção terapêutica
imediata, tem-se:
� Obstrução das vias aéreas superiores por secreções, sangue, vómito, corpo
estranho ou língua hipotónica, implicando respectivamente posicionamento
lateral do doente, aspiração de secreções, colocação de sonda nasogástrica,
colocação de tubo de Mayo, eventualmente intubação endotraqueal;
� Hipoventilação ou arritmia respiratória, podendo determinar intubação
endotraqueal e ventilação temporária com ambu, seguida ou não de suporte
ventilatório mecânico;
� Hipotensão arterial, perturbação do ritmo cardíaco ou falência
cardíaca/choque, podendo determinar reposição da volémia e/ou suporte
inotrópico positivo;
� Evidência de hipoglicemia, necessitando da administração emergente de
glicose hipertónica por via endovenosa, que deve ser sempre precedida da
administração de tiamina, para prevenir a encefalopatia de Wernicke, quando
há evidência ou suspeita de alcoolismo ou de má nutrição;
� Evidência de intoxicação, tal como hálito alcoólico ou a organofosforados,
sinais de punção venosa; pode ser necessária a administração de um antídoto:
• opiáceos – naloxona,
• benzodiazepinas – flumazenil,
• organofosforados – atropina.
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EXAME NEUROLÓGICO
O exame neurológico, e sobretudo a evolução temporal dos sinais
neurológicos, permite a determinação do nível do sistema nervoso central (SNC)
que se encontra em disfunção no momento da observação, e a apreciação do
agravamento ou melhoria do estado neurológico.
Permite identificar a causa geral do coma (lesão supratentorial, infratentorial,
lesões difusas e alterações metabólicas/tóxicas) e a sua etiologia específica.
O exame pode revelar a disfunção simultânea em vários níveis diferentes. Esta
disfunção polifocal é típica dos comas metabólicos e tóxicos.
Pelo contrário, quando os comas são devidos a lesão estrutural, infra ou
supratentorial, é possível determinar o nível do sistema nervoso central que está em
disfunção: córtex-diencéfalo, mesencéfalo rostral, mesencéfalo caudal,
protuberância ou bulbo.
No exame objectivo, deve-se avaliar sucessivamente:
1. Grau de alteração da consciência,
2. Presença de sinais meníngeos,
3. Presença de sinais neurológicos focais deficitários,
4. Padrão respiratório,
5. Pupilas e reflexos pupilares,
6. Reflexos óculo-cefálico e óculo-vestibular,
7. Atitude motora e reflexos osteotendinosos e plantares.
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Determinação do Grau de Alteração da Consciência
O grau de alteração de consciência avalia-se pelo limiar de despertar do
doente. Tenta-se acordar o doente, primeiro com estímulos verbais e, em caso de
ausência de resposta, iniciam-se estímulos motores, de intensidade
progressivamente maior até que se tornem dolorosos.
É realizada a pesquisa da abertura dos olhos, melhor resposta verbal e
melhor resposta motora, classificando com recurso à Escala de Glasgow.
Pesquisa de Sinais Meníngeos1
A tríade clássica das meningites inclui cefaleias, febre e sinais meníngeos
(no exame objectivo). A apresentação clínica inclui também náuseas, vómitos,
fotofobia, para além das alterações da vigilidade.
Os sinais meníngeos, devidos à irritação das raízes nervosas pela inflamação,
com dor e espasmo muscular quando sujeitas a tracção, são caracterizados por:
• rigidez da nuca – resistência oferecida pelo doente à flexão passiva da
nuca pelo observador;
• sinal de Kernig – quando os membros inferiores são levantados em
extensão pelo observador, ocorre a flexão dos mesmos;
• sinal de Brudzinski – quando se flecte a nuca, ocorre a flexão dos
membros inferiores.
Pesquisa de Sinais Neurológicos Focais
1 Os sinais meníngeos não são exclusivos da meningite, estando também presentes noutras patologias, tal como a encefalite e a hemorragia subaracnoideia.
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Padrão Respiratório
A análise do padrão respiratório, muito importante, é um bom indicador da
causa do coma, indicando o nível do sistema nervoso em disfunção. Normalmente,
um doente em coma deverá ser ventilado para evitar a paragem respiratória.
Pupilas
O reflexo pupilar à luz é um método de avaliação da função do tronco
cerebral:
� Pupilas reactivas e circulares (diâmetro de 2,5 a 5 mm) – excluem lesão
mesencefálica por compressão;
� Pupila não reactiva ou pouco reactiva e dilatada (> 6mm), unilateral –
compressão ou estiramento do III par respectivo, causada por uma massa
localizada superiormente;
� Pupila não reactiva ou pouco reactiva e dilatada bilateral – compressão do
mesencéfalo ou intoxicação com anticolinérgicos;
� Alteração do diâmetro pupilar – intoxicação por vários fármacos;
� Pupilas reactivas e bilateralmente pequenas (não punctiformes) –
encefalopatias metabólicas ou lesões supratentoriais;
� Pupilas punctiformes, mas reactivas – lesão protuberancial ou intoxicação por
narcóticos ou barbitúricos.
Apoio ventilatório é fundamental!
Respiração de Cheyne-Stokes (dispneia cíclica com três fases: aceleração do ritmo
respiratório, seguindo-se o seu abrandamento e pausa – apneia)
Lesão hemisférica bilateral ou encefalopatias
metabólicas (sugere coma superficial)
Respiração rápida e profunda (Kussmaul)
Acidose metabólica
Padrão respiratório irregular, com períodos de apneia
Lesão ao nível da protuberância e/ou bulbo
Hiperpneia central Lesão mesencefálica
Respiração superficial e lenta, mas regular
Depressão metabólica ou medicamentosa
Perturbações da Consciência
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Reflexos Óculo-Cefálico e Óculo-Vestibular
A abdução e/ou adução dos olhos de forma patológica indicam lesão no III e VI
par cranianos, respectivamente. Porém, quando a adução patológica é bilateral, é
indicador de hipertensão intracraniana.
Reflexos óculo-cefálicos
Movimentos automáticos dos olhos suscitados pela movimentação da cabeça.
Num doente em coma, rodando a cabeça para um dos lados, os olhos permanecem
no lado oposto (“olhos de boneca”), virados para cima. Estes reflexos sacádicos
prevalecem sobre a vontade cortical consciente (inexistente no coma).
Os reflexos óculo-cefálicos têm origem nos labirintos e nos proprioceptores
cervicais, exigindo a actividade dos núcleos do III e VI pares contralaterais, assim
como a integridade da fita longitudinal posterior (feixe longitudinal interno). Como
estas estruturas se encontram no tronco cerebral, a ausência dos movimentos
oculares pode significar lesão do mesmo ou lesão metabólica profunda de todas as
funções neuronais.
Reflexo óculo-vestibular
Resulta da estimulação térmica do aparelho vestibular. Esta alteração térmica
funciona como um estímulo mais intenso, que pode ser usado para confirmar a
supressão do reflexo óculo-cefálico, já que, no doente em coma, a participação do
aparelho vestibular é particularmente importante. Também se deve pesquisar este
reflexo quando a pesquisa dos reflexos óculo-cefálicos está contra-indicada (ex:
traumatismo cervical, craniano).
Desta forma, a irrigação do canal auditivo externo com água gelada no doente
em coma provoca o movimento dos olhos para o lado irrigado, indicando a
integridade do tronco cerebral.
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Atitude Motora e Reflexos Osteotendinosos e Plantares
Num doente com alteração da consciência, surgem as seguintes respostas
motoras:
� Resposta motora apropriada
Consiste numa resposta de localização da dor, ou seja, ao aplicar um
estímulo doloroso ao doente, este desloca a sua mão no sentido de afastar a fonte
do estímulo doloroso.
� Paresia (defeito negativo)
Na sua avaliação, é necessária a realização repetida (duas a três vezes) dos
seguintes testes:
• Paralelismos das respostas à dor – já que o doente não colabora nas
provas habituais;
• Mobilidade espontânea – verificar se é idêntica em ambos os lados;
• Tónus – se um membro cai mais depressa e pesadamente que outro, tem
menor tónus.
� Flacidez
� Convulsões
� Tremor
� Asterixis (flapping)
Movimento semelhante ao “bater de asas”, resultante de uma incapacidade de
manutenção do tónus muscular – característico do coma metabólico.
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� Mioclonias
Contracções musculares bruscas, irregulares, assimétricas, breves,
involuntárias e de intensidade variável. A etiologia é muito variável e podem ser
benignas (mioclonias do adormecer). As mioclonias são frequentes durante o coma.
� Movimentos anormais activos
A. Paratonia – Perturbação do tónus muscular, consistindo essencialmente
numa dificuldade do relaxamento voluntário. Parece ser uma maior ou
menor incapacidade da inibição voluntária do tónus e não uma anomalia do
mesmo (típico da lesão hemisférica – lobos frontais). O tónus pode estar
difusamente aumentado, tanto mais quanto maior for a força realizada para
tentar mobilizar os membros.
B. Resposta anormal em flexão = Descorticação – Flexão dos cotovelos e
pulsos com supinação2 dos braços (lesão hemisférica profunda).
C. Resposta anormal em extensão = Descerebração – Extensão dos
cotovelos e pulsos com pronação3 dos braços (lesão hemisférica profunda
ou mesencefálica alta). É uma situação mais grave do que a descorticação.
D. Extensão dos membros superiores com os membros inferiores
flácidos ou em flexão (lesão protuberancial).
As respostas B e C correspondem a movimentos estereotipados dos membros
superiores e inferiores, espontâneos ou mediante estímulos sensitivos.
Numa lesão hemisférica em expansão, obtém-se inicialmente uma resposta
do tipo A e passadas duas horas uma resposta do tipo B, devido a compressão do
tronco cerebral. Este efeito indirecto é característico das hemorragias intracranianas
e dos tumores em crescimento expansivo.
2 Supinação – polegar para fora. 3 Pronação – polegar para dentro.
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ESCALA DE GLASGOW
A determinação da gravidade da alteração da consciência deve ser feita
utilizando a Escala de Glasgow.
É extremamente útil para quantificar uma observação neurológica e utiliza-se
somando a pontuação em cada um dos itens.
Se a pontuação total for:
• 15 – doente vigil;
• Entre 9 e 14 – doente em estupor;
• < 9 – coma;
• 3 – morte cerebral.
Nota: A estimulação dolorosa é frequentemente feita ao nível do manúbrio esternal.
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EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO
No doente com alteração da consciência, os meios complementares de
diagnóstico requisitados devem ser orientados segundo as etiologias que se
pretendem excluir ou confirmar.
� Suspeita de situação metabólica ou tóxica:
• Gasimetria arterial,
• Glicose,
• Ureia, creatinina,
• Ionograma, calcémia4 e fosfatémia4,
• Transaminases, amoniémia4,
• Provas de função tiroideia4,
• Electrocardiograma4 (ECG),
• Pesquisa de tóxicos no sangue e urina;
� Suspeita de lesão focal supra ou infratentorial:
• TC e/ou RM crânio-encefálica;
� Presença de sinais meníngeos:
• Exame de LCR (punção lombar precedida de exame de imagem);
� Suspeita de infecção do SNC (meningite, encefalite) ou de hemorragia
subaracnoideia:
• Exame do líquido cefalorraquidiano (LCR),
• Electroencefalograma4 (EEG);
� Suspeita de estado de mal epiléptico não convulsivo:
• EEG.
4 Em casos seleccionados.
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Coma
As teorias actuais sobre a fisiopatologia do estado de coma baseiam-se no
funcionamento de dois sistemas neuronais:
� Hemisférios cerebrais – onde se situam as funções e capacidades que
definem a consciência;
� Sistema reticular activador ascendente do tronco cerebral – activa o
córtex cerebral, provocando o estado de vigília e sendo responsável pela
regulação do estado de sono/vigília (que tem de estar íntegro para que a
consciência se mantenha).
• Lesões da formação reticular;
• Destruição de regiões extensas dos dois
hemisférios cerebrais;
• Supressão da função tálamo-cortical por
drogas, toxinas ou alterações
metabólicas (hipoglicemia, azotemia,
anoxia ou insuficiência hepática).
COMA (perturbação da consciência
com alteração da vigilidade)
Estado de alteração da consciência no qual o doente permanece:
• não vigil;
• não consciente (sem representação mental do “eu” e do ambiente);
• não despertável (não é possível alterar o seu estado de vigilidade);
• com mau prognóstico e mortalidade muito elevada (a gravidade, a duração, a
causa do coma e a idade são os principais factores de prognóstico no doente em
coma).
As mais frequentes são: intoxicações, situações metabólicas, insuficiência orgânica. Seguem-se a anóxia-isquémia secundária, paragem respiratória e/ou cardíaca, traumatismos cranianos e hemorragias intracerebrais.
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O coma é uma emergência médica ou médico-cirúrgica. O doente em
coma deve ser internado numa Unidade de Cuidados Intensivos.
O estudo dos mecanismos causais no coma indica que as doenças capazes de
o provocar podem ser incluídas num de quatro grandes grupos:
� Lesões expansivas supratentoriais:
• traumatismo craniano,
• hemorragia intracerebral,
• grande enfarte cerebral,
• hematoma extradural,
• hematoma subdural,
• abcesso cerebral,
• tumor cerebral;
� Lesões compressivas ou destrutivas infratentoriais:
• AVC isquémico do tronco cerebral ou do cerebelo,
• traumatismo craniano,
• abcesso cerebral,
• tumor cerebral;
� Lesões cerebrais difusas:
• anóxia-isquémia,
• hemorragia subaracnoideia,
• meningite,
• encefalite,
• concussão cerebral,
• crise convulsiva generalizada;
� Situações metabólicas e tóxicas:
• anóxia-isquémia,
• hipo/hiperglicémia,
• hiperosmolaridade,
• perturbação iónica ou equilíbrio ácido-base,
• carência vitamínica,
• insuficiência orgânica,
• intoxicações.
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O conhecimento da anatomia do conteúdo intracraniano é essencial para
perceber a acção destes mecanismos.
A cavidade craniana é dividida em locas por duas estruturas fibrosas – a foice
do cérebro e a tenda do cerebelo.
A tenda do cerebelo encontra-se na parte mais posterior do crânio e define
duas áreas:
� Inferior � andar infratentorial ou fossa posterior:
• cerebelo,
• tronco cerebral;
� Superior � andar supratentorial:
• hemisférios cerebrais.
O bordo anterior da tenda é livre e define o contorno posterior de um orifício de
comunicação entre os andares infra e supratentoriais – a incisura tentorial.
A este nível situa-se exactamente a porção superior do tronco (mesencéfalo),
que contém os núcleos dos nervos óculo-motores comuns (III par).
Em condições que provoquem aumento do volume intracraniano, e dada a
inextensibilidade do invólucro ósseo, é através da incisura tentorial que pode haver
deslocação das estruturas, dando origem a hérnias de tecido cerebral.
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LESÕES EXPANSIVAS SUPRA-TENTORIAIS
Para provocar um estado de coma é necessário que a lesão atinja uma
extensão suficiente de córtex de ambos os hemisférios. Uma lesão focal raramente
atinge dimensões suficientes para o fazer. A sua capacidade de provocar o coma
depende da sua natureza expansiva e da sua capacidade de conduzir a um aumento
de volume do hemisfério atingido e, consequentemente, um efeito de massa com
desvio de estruturas adjacentes – feito através da incisura tentorial. Estas estruturas
vão comprimir o diencéfalo e parte superior do tronco cerebral, atingido a substância
reticular activadora ascendente.
A compressão pode ser feita de duas maneiras:
� Herniação lateral ou de úncus – situação em que a doença causal atinge
apenas um dos hemisférios cerebrais (ex: tumor, hematomas extradurais e
intracerebrais), levando à herniação do úncus do hipocampo, do lado do
hemisfério afectado;
� Herniação simétrica e central – na qual os dois hemisférios cerebrais estão
comprometidos (ex: edema cerebral difuso por anóxia-isquémia global).
Cada um destes tipos de herniação tem quadros clínicos característicos,
revelados principalmente pelo exame pupilar e óculo-motricidade.
Herniação lateral ou de úncus Herniação central
A progressão pode ser muito rápida e tem a seguinte ordem de evolução:
� Compressão do III par com midríase e abolição do reflexo fotomotor do lado da lesão;
� Hemiparesia contralateral, rigidez de descortificação e descerebração, alteração do ritmo respiratório;
� Dilatação fixa das pupilas e anisocoriose (pupilas de tamanhos diferentes, observando-se a de maior diâmetro no lado da lesão).
� Depressão progressiva da consciência, à medida que as estruturas medianas profundas, o mesencéfalo, e em seguida, a parte superior da protuberância, são comprimidas;
� Alteração do ritmo respiratório (passando do ritmo de Cheyne-Stokes até a um padrão de hiperventilação);
� Juntamente com o ritmo respiratório, surge rigidez de descorticação, seguida de descerebração;
� Pupilas inicialmente mióticas, simétricas e com reflexos fotomotores mantidos; mais tarde ficam em posição média e fixas; e no final os reflexos do tronco cerebral desaparecem.
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É importante ter em conta a evolução do quadro clínico. Os doentes em
coma por lesão supratentorial têm, no início do quadro, sintomas e sinais focais. No
exame neurológico, os reflexos do tronco cerebral estão intactos, nomeadamente os
reflexos óculo-cefálicos e reflexos óculo-vestibulares.
Se a lesão (ou lesões) que causa o coma não for ou não puder ser tratada, os
doentes desenvolvem herniação dos hemisférios cerebrais através do orifício da
tenda do cerebelo. Esta herniação causa compressão do tronco cerebral e lesões
secundárias deste, que são irreversíveis.
Por isso, se o doente só for observado tardiamente, poder-se-ão apenas
encontrar sinais de lesão do tronco cerebral, estabelecendo-se a dúvida se a lesão
que causa o coma não terá sido primariamente do tronco cerebral.
LESÕES COMPRESSIVAS OU DESTRUTIVAS INFRA-TENTORIAIS
A substância reticular activadora ascendente localiza-se desde a porção média
da protuberância até ao mesencéfalo e região talâmica. Qualquer lesão da fossa
posterior que provoque a sua destruição ou compressão pode provocar alteração da
consciência.
As lesões infratentoriais causam sintomas e sinais de disfunção do tronco
cerebral desde o início. A progressão da depressão da vigilidade é rápida e as
alterações do ritmo ventilatório são precoces. Os reflexos do tronco cerebral,
incluindo os óculo-vestibulares e óculo-cefálicos, estão abolidos ou alterados.
Os sinais característicos da lesão do tronco são:
• Paralisias dos nervos cranianos;
• Lesão do cerebelo (défice de coordenação motora e nistagmo)
A herniação é a principal determinante neurológica da má evolução do doente em coma. Deve ser reconhecida precocemente, para que se possa intervir de
imediato, reduzindo a pressão intracraniana por meios médicos (ventilação em hipocapnia moderada, osmoterapia) ou cirúrgicos.
Pode-se encontrar no exame clínico Paralisia facial periférica, paralisia dos nervos
óculo-motores, alterações pupilares, disartria, ataxia, bem como náuseas e vómitos.
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SITUAÇÕES METABÓLICAS E TÓXICAS
As alterações de consciência de índole metabólico ou tóxico apresentam o
seguinte quadro clínico característico:
� Não é súbito – existe um quadro confusional ou delirium, horas ou dias antes
(estado flutuante, com sonolência, alternando com períodos de agitação,
desorientação, desatenção, inversão do ritmo do sono, alterações perceptivas
– ilusões ou alucinações visuais);
� Alterações respiratórias:
• Específicas – características do desequilíbrio ácido-base, por
compensação,
• Inespecíficas – Cheyne-Stokes, hiperpneia;
� Sem sinais atribuíveis a lesão do tronco cerebral;
� Pupilas simétricas e reactivas – embora o seu diâmetro possa estar
modificado nos comas tóxicos (ex: miose no coma por opiáceos ou por
agentes colinérgicos; midríase nos comas por anticolinérgicos);
� Roving – movimentos erráticos lentos conjugados ou desconjugados dos
olhos, atestando a integridade da fita longitudinal posterior (por isso, os
reflexos óculo-cefálicos e óculo-vestibulares estão conservados);
� Aspectos motores:
• Específicos – tremor fino e rápido das extremidades, asterixis
(flapping) ou mioclonias multifocais,
• Inespecíficos – paratonia, descorticação, descerebração.
Perturbações da Consciência
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PADRÃO DE EVOLUÇÃO DO COMA
TERAPÊUTICA GERAL DOS ESTADOS DE COMA
1. Assegurar a oxigenação cerebral;
2. Manter a circulação;
3. Administrar glicose;
4. Administrar tiamina;
5. Administrar naloxona (anti-opiáceo –
contraria a depressão respiratória);
6. Parar os ataques epilépticos;
7. Reduzir o edema cerebral
(hiperventilação, manitol, corticóides);
8. Tratar uma eventual infecção;
9. Corrigir as perturbações do equilíbrio
hidroelectrolítico e ácido-base;
10. Corrigir as alterações da temperatura;
11. Controlar a agitação.
Telencefálico-diencefálico
inicial
Diencefálico tardio
III par – Mesencefálico
(herniação lateral)
Mesencefálico –
Protuberancial alto
Protuberancial baixo-bulbar
Padrão de ventilação
Pausas Cheyne-Stokes Cheyne-Stokes Cheyne-Stokes
ou taquipneia Taquipneia Atáxico; em salvas; apneia;
Pupilas Diâmetro médio ou mióticas Mióticas Anisocória Diâmetro médio Mióticas
Reflexos pupilares
Presentes Presentes Abolido na pupila midriática Abolidos Abolidos
Posição e movimento dos globos
oculares
Desvio conjugado roving Roving
Estrabismo divergente
Desvios oblíquos ausentes Ausentes
Reflexos óculo-
cefálicos Presentes Presentes Paresia do III par Desconjugados
ou abolidos Abolidos
Resposta motora
Localização ou flexão do lado não parético
Flexão anormal Localização,
flexão normal ou anormal
Extensão anormal
Flexão dos membros
inferiores ou sem resposta
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Estado Vegetativo
O estado vegetativo corresponde a um estado desperto, mas “irresponsivo”,
sendo um estado clínico de completa inconsciência relativamente ao próprio e ao
ambiente.
A maioria dos doentes que se encontra neste estado já esteve em coma e,
após um período de três a quatro semanas, passaram a um estado “irresponsivo”.
Neste estado, a vigilidade está mantida, as pálpebras podem estar abertas, o
doente tem ciclos de vigília-sono e a respiração, circulação e funções hipotalâmicas
e do tronco cerebral mantidas, mas não têm consciência – não têm representações
cognitivas nem ambientais.
Um doente em estado vegetativo não interage com os outros nem apresenta
respostas comportamentais voluntárias, intencionais, reprodutíveis ou mantidas, em
relação a estímulos visuais, auditivos, tácteis ou dolorosos. Não há evidência de
expressão ou compreensão da linguagem. O doente apresenta incontinência fecal e
urinária e revela um despertar intermitente, manifestado por alternância de períodos
de olhos abertos e olhos fechados e por ciclos de vigília-sono.
As funções autonómicas do hipotálamo e do tronco cerebral estão
suficientemente preservadas para permitir a sobrevivência do indivíduo com
cuidados médicos e de enfermagem (regulação cardiovascular, da respiração, da
temperatura). Existe uma preservação variável das funções e reflexos dependentes
dos nervos cranianos (reflexos fotomotores, córneos, óculo-cefálicos, óculo-
vestibulares, da deglutição) e da medula espinhal.
Um indivíduo nunca se encontra em coma mais do que quatro semanas consecutivas.
O estado dos doentes que acordam do coma, mas não demonstram qualquer evidência de consciência do próprio ou do ambiente, nem
interagem com os outros, designa-se por estado vegetativo.
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Os doentes em estado vegetativo podem:
• pestanejar, mover os olhos;
• orientar-se ocasionalmente (mas não intencionalmente ou repetidamente)
para um ruído ou estímulo visual novo;
• deglutir, mastigar, ranger os dentes e respirar;
• vocalizar sons, gemer, bocejar, chorar, sorrir ou fazer esgares;
• movimentar espontaneamente os membros;
• ter reflexo de preensão (lesão grave do lobo frontal)5;
• executar movimentos estereotipados;
• ter reacção de sobressalto a um ruído;
• ter respostas motoras anormais (extensão ou flexão anormais) a estímulos
dolorosos.
5 Para testar o reflexo de preensão pode-se, por exemplo, colocar um dedo sobre a face palmar do doente e este espontaneamente fecha a mão, comprimindo o dedo. O observador, devido à presença deste reflexo, vai ter dificuldades em retirar o dedo.
Estado Vegetativo
Persistente Permanente (irreversível)
� Traumático – após 12 meses;
� Não-traumático – após 3/6 meses.
� Lesão aguda – após 1 mês; � Lesão crónica – durante pelo menos 1 mês; � Malformação congénita – durante 3 a 6 meses.
É considerado É considerado
Causas mais frequentes de estado vegetativo persistente são a anóxia cerebral e os traumatismos cranianos.
Resulta de lesões extensas subcorticais da substância branca (lesão axonal difusa por traumatismo craniano) ou lesões corticais difusas (hipóxia-isquémia por paragem cardio-respiratória).
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DIAGNÓSTICO DE ESTADO VEGETATIVO
O diagnóstico de estado vegetativo passa por procurar respostas intencionais
e consistentes a determinados estímulos. Esta tarefa deve ser feita não só pelo
médico, mas deve contar também com a valiosa ajuda dos familiares e profissionais
de enfermagem.
É, no entanto, necessário tomar cuidado com os dados obtidos pelos familiares
porque, devido às suas expectativas e emoções, podem dar informações erradas.
Deve-se sempre confirmar, utilizando estímulos e procurando movimentos
intencionais espontâneos em resposta.
NÍVEIS DE CUIDADOS DURANTE O ESTADO VEGETATIVO
O nível de cuidados médicos que deve ser dispensado a estes doentes em
estado vegetativo é um tema de debate ético actual.
Em Portugal, estão indicados os
níveis de cuidados 1 e 2 aos doentes
em estado vegetativo (a suspensão da
hidratação e da nutrição levaria à
eutanásia passiva).
Não são indicados os cuidados
tecnológicos e os cuidados
farmacológicos são utilizados com
pouca frequência (ex: dor, convulsões).
• luz intensa • ameaça • objecto em movimento • face familiar • comando escrito • ruído intenso • som identificável • ordem verbal • estímulo doloroso
Os estímulos usados são:
1. Manutenção (controlo da dor, conforto,
higiene, dignidade)
2. Hidratação e nutrição
3. Farmacológicos (ex: antibióticos, aminas)
4. Tecnológicos (ex: ventilação, diálise,
cirurgia)
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Estado de Consciência Mínima
O estado de consciência mínima corresponde a uma evidência
comportamental de consciência (do próprio e do ambiente) inconsistente, mas
claramente discernível. Para que um doente seja considerado como em estado de
consciência mínima e não em estado vegetativo, é necessário que demonstre pelo
menos um ou mais dos seguintes comportamentos:
• cumprir ordens simples,
• dar respostas sim/não (verbais ou gestuais),
• ter verbalização inteligível,
• ter comportamento intencional (movimentos ou comportamentos afectivos
em relação contingente com estímulos ambienciais relevantes).
Diagnóstico Diferencial das Perturbações da Consciência
Estados Desaferentado6 Consciência
mínima Vegetativo Coma
Consciência Normal Mínima Não Não
Ciclos sono-vígilia
Sim Sim Sim Não
Mobilidade Só ocular e palpebral
Intencional, escassa
Reflexa, não intencional
Reflexa, não intencional
Sofrimento Sim Sim Não Não
Respiração (espontânea)
Sim, variável Sim Sim Variável (depende da
etiologia e nível de coma)
EEG Normal Teta-delta Teta-delta ou alfa não
reactivo
Variável:teta-delta, ondas trifásicas, alfa não reactivo, actividade não paroxística,
surto-supressão, supressão.
6 O estado desaferentado ou sindroma de locked-in é uma situação clínica que se pode confundir com o estado vegetativo, mas na qual a consciência está totalmente intacta. É uma situação rara, causada por acidente vascular da protuberância ou por sindroma de Guillain-Barré ou outras doenças neuromusculares que causem tetraplegia e diplegia facial. Os movimentos oculares e palpebrais, que estão total ou parcialmente mantidos, permitindo a comunicação com o doente, constituem a única evidência comportamental da consciência.
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Evolução das Perturbações da Consciência
Coma (perturbação da consciência com alteração da vigilidade)
Lesão cerebral (causas: intoxicação, coma diabético, insuficiência orgânica, anóxia-
isquémia secundária, paragem cardíaca e/ou respiratória, traumatismos cranianos e hemorragias intracerebrais)
Morte
Com sequelas
Sem sequelas
Estado vegetativo persistente
(quando persiste mais do que 1 mês após uma lesão aguda do SNC ou pelo menos 1 mês
se a lesão for crónica)
Estado de consciência mínima (basta que tenha um dos seguintes comportamentos: cumprir ordens
simples, responder sim/não, verbalização inteligível,
comportamento intencional)
Morte Morte
Estado vegetativo permanente
(quando dura 3 meses após uma lesão não
traumática do SNC ou 12 meses após lesão
traumática)
Estado vegetativo
Estado de consciência
mínima
Recuperação sem sequelas
Recuperação com sequelas
Recuperação
Estado de consciência
mínima