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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA - MESTRADO
THIAGO WERNECK GONALVES
PERIODISMO MANICO E CULTURA POLTICA NA CORTE
IMPERIAL BRASILEIRA (1871-1874)
NITERI
2012
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THIAGO WERNECK GONALVES
PERIODISMO MANICO E CULTURA POLTICA NA CORTE IMPERIAL
BRASILEIRA (1871-1874)
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao
em Histria da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obteno do Grau de Mestre.rea de Concentrao: Histria Social.
ORIENTADORA: PROF. DR. GIZLENE NEDER
Niteri
2012
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THIAGO WERNECK GONALVES
PERIODISMO MANICO E CULTURA POLTICA NA CORTE IMPERIAL
BRASILEIRA (1871-1874)
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao
em Histria da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obteno do Grau de Mestre.
rea de Concentrao: Histria Social.
Aprovada em: __ / __ / 2012
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Gizlene Neder (Orientadora)
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Humberto Fernandes Machado
Universidade Federal Fluminense
Profa. Dra. Jessie Jane Vieira de Sousa
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Niteri
2012
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AGRADECIMENTOS
Ao Grande Estrategista da Criao seja entregue toda a minha gratido inicial. Este,
que independente de qualquer manifestao ou crena religiosa, sempre se far presente emtodos os momentos de minha vida, figurando como precursor e sustentculo de toda e
qualquer vitria.
professora Gizlene Neder, pela confiana, compreenso e presena segura,
competente e estimulante, sem a qual no seria possvel concluir esta pesquisa.
Aos professores Humberto Fernandes Machado e Giselle Martins Venncio, pelas
suas participaes e inestimveis consideraes apresentadas durante o exame de
qualificao.
Ao mestre Francisco dos Santos Loureno, pela criteriosa leitura deste trabalho e
pelas valiosas sugestes.
minha famlia, pelo afeto, compreenso, respeito e carinho.
Aos meus amigos, prximos ou distantes, pelo apoio nos momentos mais difceis
desta trajetria.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pelo
apoio financeiro.
Agradeo, enfim, a todos aqueles que permaneceram ao meu lado e torceram pelo
meu sucesso.
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Nada mais difcil de manejar, mais perigoso de conduzir, ou de mais incerto sucesso, doque liderar a introduo de uma nova ordem de coisas. Pois o inovador tem contra si todosos que se beneficiam das antigas condies e apoio apenas tbio dos que se beneficiarocom a nova ordem.
Nicolau Maquiavel
A histria mostra que a poltica o lugar das contradies que mais tem desafiado aargcia intelectual, o senso prtico e a capacidade de adaptao da Igreja. Em todos osplanos, transparecem elas, no curso do processo histrico eclesistico civil, ora sob formasmoderadas, ora sob formas violentas.
Oscar Figueiredo Lustosa
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS, p. 4.
LISTA DE ILUSTRAES, p. 8.
RESUMO, p. 9.
ABSTRACT, p. 10.
RSUM, p. 11.
RESUMEN, p. 12.
INTRODUO, p. 13.
CAPTULO IMAONARIA: HISTRIA E HISTORIOGRAFIA, p. 18.
1.1Discusso historiogrfica acerca do tema, p. 18.
1.2A historiografia sobre as origens das maonarias, p. 26.
1.3Breve histrico das relaes institucionais entre Estados Nacionais, Igreja catlica emaonarias nos sculos XVIII e XIX, p. 41.
1.4O hbito e o avental: a Igreja catlica e as maonarias na Questo Religiosa(1872-1875), p. 49.
CAPTULO II AS MAONARIAS E A IMPRENSA BRASILEIRA NASEGUNDA METADE DO SCULO XIX, p. 65.
2.1O periodismo manico oitocentista, p. 65.
2.2O Apstolo: peridico religioso, moral e doutrinrio consagrado aos interesses dareligio e da sociedade (1872-1874), p. 69.
2.3 Anlise do contedo temtico d O Apstolo: peridico religioso, moral edoutrinrio consagrado aos interesses da religio e da sociedade (1872-1874), p. 72.
2.4OBoletim do Grande Oriente do Brazil: jornal official da maonaria brazileira Crculo manico do Lavradio (1871-1874), p. 84.
2.5Anlise do contedo temtico do Boletim do Grande Oriente do BrazilCrculomanico do Lavradio (1871-1874), p. 90.
2.6OBoletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil: jornal officialda maonaria brazileiraCrculo manico dos Beneditinos (1873-1874), p. 106.
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2.7 Anlise do contedo temtico do Boletim do Grande Oriente Unido e SupremoConselho do Brazil: jornal official da maonaria brazileira Crculo manico dosBeneditinos (1873-1874), p. 109.
CAPTULO III LEITORES EM CENA: ASPECTOS DO PERIODISMOMANICO OITOCENTISTA, p. 133.
3.1Escrita e leitura na Corte imperial brasileira: periodismo e sociedade analfabeta, p.133.
3.2Imprensa manica: uma comunidade interpretativa, p. 143.
CONCLUSO, p. 162.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS, p. 166.
ANEXOS, p. 178.
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LISTA DE ILUSTRAES
QUADRO 1 Compilao resumida das evidncias que apontam para o surgimento damaonaria moderna na Esccia (sculo XVII), p. 32.
QUADRO 2Cronologia dos primrdios da maonaria brasileira, p. 38.
QUADRO 3Nmero de maons por atuao profissional, p. 89.
QUADRO 4ndice de analfabetismo no Brasil em 1872, p. 133.
TABELA 1 Remessa e recepo de peridicos (Crculo manico do Lavradio), p.147.
TABELA 2Remessa e recepo de peridicos (Crculo manico dos Beneditinos), p.153.
FIGURA 1Os graus manicos do Rito Escocs Antigo e Aceito, p. 178.
FIGURA 2 Capa do livro Le Diable au XIXe sicle (O Diabo no Sculo XIX, 1892),escrito pelo Dr. Bataille (na verdade Leo Taxil, um dos maiores provedores de boatosantimanicos no sculo XIX), p. 179.
FIGURA 3 Editorial do Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho doBrazil, Ano II, edio de fevereiro e maro de 1873, p. 180.
FIGURA 4 Capa do Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil,Ano II, edio de fevereiro e maro de 1873, p. 181.
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RESUMO
A pesquisa intitulada Periodismo manico e cultura poltica na Corte imperial brasileira
(1871-1874), foi desenvolvida no mbito do Programa de Ps-Graduao em Histria daUniversidade Federal Fluminense (PPGH-UFF) com o apoio financeiro da Coordenao deAperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES). Investigou-se a presena daimprensa manica difundida na Corte imperial brasileira, especialmente no perodocompreendido entre 1871 e 1874, buscando analisar o seu papel tanto na difuso da culturaimpressa quanto na construo dos espaos pblicos modernos. Foram analisados os
jornais oficiais das maonarias brasileiras, sob a guarda da seo de Peridicos daFundao Biblioteca Nacional, instituio localizada na cidade do Rio de Janeiro.Tomamos o periodismo manico tanto como fonte quanto objeto de pesquisa. Trata-se deuma importante ferramenta para a anlise da histria da imprensa, entre o final do sculoXIX e incio do sculo XX na cidade do Rio de Janeiro, perodo no qual a ao da
instituio manica ligou-se ao campo liberal, especialmente em torno da luta peloestabelecimento de uma sociedade secular. Assim, os posicionamentos anunciados pelaimprensa manica eram contrrios viso de mundo preconizada pela Igreja catlica.Durante o movimento ultramontano as autoridades catlicas intensificaram as crticas emrelao maonaria, deixando transparecer sua insatisfao com a emergncia de umanova sociedade. Ao mesmo tempo, os maons travaram na imprensa uma luta com o cleroultramontano, o qual, em funo de seu discurso conservador, foi considerado o maiorinimigo do progresso e da civilizao.
Palavras-chave: maonaria, periodismo manico, cultura poltica
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ABSTRACT
This study entitled Periodismo manico e cultura poltica na Corte imperial brasileira
(1871-1874) [Masonic Journalism and Political Culture in the Brazilian Imperial Court]was developed as part of the Post-Graduate History Programme at Fluminense FederalUniversity (PPGH-UFF) with the financial support of the Brazilian Federal Agency forSupport and Evaluation of Graduate Education (CAPES). It investigates the presence ofthe Masonic press spread through the Brazilian Imperial Court, particularly during theperiod of 1871-1874. It seeks to analyse its role both in the spread of print culture and inthe construction of modern public spaces. The official newspapers of the different branchesof Brazilian Freemasonry were analysed where they are kept in the Periodicals Section ofthe National Library Foundation, an institution located in the city of Rio de Janeiro. Weconsidered Masonic journalism both as source and object of the research. It serves as animportant tool for analysing the history of the press between the end of the nineteenth
century and the beginning of the twentieth century in the city of Rio de Janeiro. This was aperiod in which the Masons became involved in the Liberal movement, especiallyregarding the fight for the establishment of a secular society. This meant that positionsannounced by the Masonic press went against the world vision established by the CatholicChurch. During the Ultramontane Movement Catholic authorities intensified criticisms ofFreemasonry, revealing their discontent at the emergence of a new society. The Masonsmeanwhile waged a war in the press against the Ultramontane clergy, which, due to itsconservative discourse, was considered the greatest enemy of progress and civilisation.
Keywords: Freemasonry, Masonic journalism, political culture
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RSUM
La recherche intitule Presse maonnique et Culture politique la Cour imprialebrsilienne (1871-1874) a t mene dans le cadre du Programme de 2me et 3me cycleen Histoire de lUniversit fdrale Fluminense (PPGH-UFF) avec le soutien de laCoordination de perfectionnement des personnels de niveau suprieur (CAPES). Lon y atudi la prsence de la presse maonnique au sein de la Cour impriale brsilienne,
particulirement pendant la priode allant de 1871 1874, dans le but danalyser son rle,aussi bien dans la diffusion de la culture de la presse que dans la construction des espacespublics modernes. Ont t analyss les journaux officiels des diffrentes loges brsiliennes,conservs par la Section des priodiques de la Bibliothque nationale de Rio de Janeiro.Lon a considr la presse maonnique tant comme source que comme objet de recherche.Il sagit dun outil important pour lanalyse de lhistoire de la presse entre la fin duXIXme et le dbut du XXme sicle dans la vile de Rio de Janeiro, une priode laquelle
laction des institutions maonniques a rejoint celle du camp libral, principalement autourdu combat pour ltablissement dune socit sculaire. Ainsi, les positions assumes par lapresse maonnique allaient lencontre de la vision du monde dfendue par lglisecatholique. Pendant le mouvement ultramontain, les autorits catholiques intensifirentleurs critiques envers la franc-maonnerie, laissant clairement apparatre leur refus delmergence dune nouvelle socit. En contrepartie, les francs-maons menrent dans lapresse un combat contre le clerg ultramontain, qui en raison de son discours conservateurtait considr comme le plus grand ennemi du progrs et de la civilisation.
Mots-cls: franc-maonnerie, presse maonnique, culture politique
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RESUMEN
La investigacin denominada Periodismo masnico y cultura poltica en la Corte imperial
brasilea (1871-1874), se desarroll en el mbito del Programa de Posgrado en Historia dela Universidad Federal Fluminense (PPGH-UFF), con el apoyo financiero de laCoordinacin de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior (CAPES). Se investigla presencia de la prensa masnica difundida en la Corte imperial brasilea, especialmenteen el perodo comprendido entre los aos 1871 y 1874, con el intento de analizar su papeltanto en la difusin de la cultura de prensa, como en la construccin de los espaciospblicos modernos. Se llev a cabo el anlisis de peridicos oficiales de las masonerasbrasileas, con base en la seccin de Peridicos de la Fundacin Biblioteca Nacional,institucin ubicada en la ciudad de Ro de Janeiro. Tomamos el periodismo masnico tantocomo fuente como objeto de investigacin. Se trata de una importante herramienta para elanlisis de la historia de la prensa, entre los fines del siglo XIX y el principio del siglo XX,
en la ciudad de Ro de Janeiro, perodo en el que la accin de la institucin masnicaestaba relacionada al campo liberal, sobre todo respecto a la lucha por el establecimientode una sociedad secular. De ese modo, los posicionamientos anunciados por la prensamasnica eran contrarios a la comprensin de mundo defendida por la Iglesia catlica.Durante el movimiento ultramontano, las autoridades catlicas intensificaran las crticasrelacionadas con la masonera, mostrando su insatisfaccin con la emergencia de unanueva sociedad. Los masones, a la vez, entablaron en la prensa una batalla con el cleroultramontano, el que, debido a la funcin de su discurso conservador, fue consideradocomo el ms grande enemigo del progreso y de la civilizacin.
Palabras-clave: masonera, periodismo masnico, cultura poltica
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INTRODUO
O presente trabalho representa a continuao de uma pesquisa desenvolvida ao
longo da Graduao em Histria na Universidade Federal Fluminense, e que foi
apresentada sob a forma de monografia de concluso de curso.1 Nela analisamos, a partir
do uso de peridicos manicos e catlicos, a Questo Religiosa (1872-1875) ocorrida
durante a fase final do Segundo Reinado, sendo abordados os seus antecedentes dentro do
contexto do avano do iluminismo e dos confrontos entre a Igreja catlica e as maonarias
na Europa, alm de seus reflexos no cenrio poltico-religioso brasileiro.
No decorrer desse estudo monogrfico, tivemos contato com os jornais O Apstolo
(ligado Igreja catlica) e A Famlia (associado s instituies manicas), o queaumentou o nosso interesse sobre o papel desempenhado pela imprensa na Histria. Dentro
dessa lgica, e visando problematizar a atuao do periodismo manico no processo de
difuso da cultura impressa brasileira na dcada de 1870, tomamos os seus boletins oficiais
como fontes e objetos histricos.
O estudo do periodismo (no caso manico), seguindo um movimento de
renovao no campo da Histria, foi eleito o principal foco de nossa investigao. Assim, o
redimensionamento da imprensa como fonte (...) possibilitou a busca de novasperspectivas para a anlise dos processos histricos.2
Nesse sentido, abandona-se o ponto de vista que entendia os meios de
comunicao como transmissores imparciais de acontecimentos, j que os impressos no
possuem informaes neutras e no devem ser lidos de forma acrtica. Para o historiador
Ciro F. Cardoso:
Um documento sempre portador de um discurso que, assim considerado,
no pode ser visto como algo transparente (...). O historiador deve sempreatentar, portanto, para o modo atravs do qual se apresenta o contedohistrico que pretende examinar, quer se trate de uma simples informao,
1 Monografia intitulada O hbito e o avental: a Igreja catlica e a maonaria na Questo Religiosa (1872-1875), sob a orientao da Profa. Dra. Gizlene Neder, Faculdade de Histria, Universidade FederalFluminense, Niteri, 2008. Para uma verso resumida deste trabalho, consultar GONALVES, ThiagoWerneck. O hbito e o avental: a Igreja catlica e a maonaria na Questo Religiosa (1872 -1875). In:SEMANA DE HISTRIA POLTICA, 5. SEMINRIO NACIONAL DE HISTRIA: POLTICA ECULTURA & POLTICA E SOCIEDADE, 2. 2010. Rio de Janeiro.Anais da V Semana de Histria Poltica- II Seminrio Nacional de Histria: Poltica e Cultura & Poltica e Sociedade. Rio de Janeiro: EDUERJ,2010, p. 750-758.2
FERREIRA, Tnia Maria Tavares Bessone da Cruz; MOREL, Marco; NEVES, Lcia Maria Bastos Pereiradas. (Orgs.). Histria e imprensa: representaes culturais e prticas de poder. Rio de Janeiro:FAPERJ/DP&A editora, 2006, p. 10.
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quer se trate de idias (...). A histria sempre texto, ou mais amplamente,discurso, seja ele escrito, iconogrfico, gestual etc., de sorte que somenteatravs da decifrao dos discursos que exprimem ou contm a histriapoder o historiador realizar seu trabalho.3
Mais do que simples discursos, verificamos nas pginas dos boletins manicos
oficiais a existncia de verdadeiros projetos de poder, indicando as diferentes vises de
mundo e os mais variados ideais difundidos, bem como as lutas travadas no interior das
prprias maonarias no sentido de angariar o apoio de amplos setores da sociedade
brasileira.
Foram abordados os impressos das duas correntes manicas que rivalizavam na
dcada de 1870. OBoletim do Grande Oriente do Brazil encontra-se relacionado ao Vale
do Lavradio e oBoletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil liga-se
ao Vale dos Beneditinos.
Ambos podem ser consultados no acervo da Fundao Biblioteca Nacional (seo
de Peridicos). Portanto, esta pesquisa foi viabilizada em funo da existncia e da
disponibilidade, em arquivos pblicos, de uma documentao adequada ao seu propsito.
Para alm da circulao e da divulgao de idias, os jornais manicos
representaram espaos privilegiados para as disputas polticas e ideolgicas existentes no
seio da Corte imperial brasileira. De fato, a imprensa no sculo XIX atuou como
propagandista de diversos posicionamentos polticos.4
O historiador Robert Darnton assinalou que os textos jornalsticos no so meros
transmissores de informaes, mas divulgadores de uma narrativa de segunda mo sobre
os fatos ocorridos, pois a notcia no o que aconteceu no passado imediato, e sim o
relato de algum sobre o que aconteceu.5
Em seu livro sobre So Lus, Jacques Le Goff nos forneceu importantes indicaes
sobre as questes relacionadas s pesquisas no campo histrico. Para o autor, a modalidade
biogrfica faz com que o historiador se depare com os problemas essenciais porm
clssicosde seu ofcio, a saber:
3 CARDOSO, Ciro Flamarion. Histria e anlise de textos. In:______; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.).Domnios da histria: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1997, p. 377-378.4 CAMISASCA, Marina; VENNCIO, Renato. Jornais mineiros do sculo XIX: um projeto de digitalizao.
Revista Eletrnica Cadernos de Histria - Publicao do Corpo Discente do DEHIS/UFOP, Ouro Preto, MG,ano II, n. 1, p. 7, mar. 2007. Disponvel em:. Acesso em: jan.
2012.5 DARNTON, Robert. Introduo. In: ______. O beijo de Lamourette: mdia, cultura e revoluo. So Paulo:Companhia das Letras, 1990, p. 18.
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(...) posio de um problema, busca e crtica das fontes, tratamento numtempo suficiente para determinar a dialtica da continuidade e da troca,redao adequada para valorizar um esforo de explicao, conscincia do
risco atualou seja, antes de tudo, da distncia que nos separa da questotratada.6
Tendo em vista esses pressupostos, nossa pesquisa tomou os impressos manicos
oficiais como o principal fenmeno histrico a ser problematizado e investigado. Do ponto
de vista metodolgico, desenvolvemos uma abordagem que enfatizou a fonte documental
primria, ressaltando que embora no representem fontes inditas, os boletins manicos
permanecem pouco explorados.
Foram levados em considerao tanto os seus aspectos materiais (aparncia fsica,
diagramao e estruturao, relaes com o mercado e a publicidade), quanto os seus
contedos (ordenao dos temas, ttulos das matrias, linha editorial, pblico alvo e
colaboradores), conforme as sugestes da pesquisadora Tania Regina de Luca.7
Partimos das seguintes perguntas: Quais eram as fontes de financiamento e o custo
de impresso desses peridicos? Eles circulavam atravs de vendas em pontos fixos ou
apenas por assinaturas? Quais eram as relaes existentes entre os seus redatores e as redes
de comunicaes da cidade, ou seja, como se articulavam com os demais produtores deinformao, tanto os de menor porte, quanto queles de maior estrutura? Quais eram os
seus principais interlocutores?
Durante a fase de coleta e classificao dos dados, utilizamos o modelo de ficha
que foi proposto pelo historiador Marco Morel para a abordagem e o levantamento da
imprensa do sculo XIX.8
Mesmo com a existncia de alguns folhetos que faziam propaganda das maonarias
desde a primeira metade do sculo XIX, foi somente no incio da dcada de 1870 quesurgiram as publicaes manicas com edies mais regulares, e de propriedade dos
Grandes Orientes.
6 LE GOFF, Jacques. So Lus: biografia. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 20.7 DE LUCA, Tania Regina. Histria dos, nos e por meio dos peridicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.).Fontes histricas. 2ed. So Paulo: Contexto, 2008, p. 111-153.8
MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa noBrasil do sculo XIX. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003, p. 123-126.
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Por conseguinte, o recorte temporal desta pesquisa foi estabelecido com base nessa
questo prtica, j que a disponibilidade de jornais manicos oficiais coincide com o ano
inicial proposto neste trabalho (1871).
A data-limite, em 1874, foi estabelecida a partir da percepo de que esse ano
representa o auge da crise relacionada tambm denominada Questo Episcopo-
Manica, conforme observado pela historiadora Renata Batista Brotto.9
Para o Boletim do Grande Oriente do Brazil (Crculo manico do Lavradio)
foram estudados os anos de 1871 a 1874. No que diz respeito ao Boletim do Grande
Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil (Crculo manico dos Beneditinos),
devido sua indisponibilidade na coletnea de microfilmes da Fundao Biblioteca
Nacional, no foi possvel realizar a pesquisa para o seu ano I (1872). Por esta razo, suaanlise ficou restrita ao binio de 1873-1874.
Quanto ao recorte espacial, a escolha pelo Rio de Janeiro foi motivada pelo fato de
a cidade ter sido a sede do Imprio e, conseqentemente, palco das disputas polticas
nacionais, alm de abrigar os poderes centrais das maonarias no pas.
oportuno apontar ainda que a nossa abordagem incluiu a fonte catlica O
Apstolo (1872-1874), posto que este peridico se transformou em um dos principais
interlocutores dos boletins manicos oitocentistas. Seu estudo foi importante para avisualizao dos conflitos entre a Igreja catlica, o Estado imperial e as maonarias, os
quais assumiram uma proporo extraordinria durante a dcada de 1870.
O semanrio catlico foi entendido como fonte/objeto auxiliar e, por isso, optou-se
metodologicamente pelo estudo completo apenas de seu ano inicial (1872). Para o binio
de 1873-1874 foram eleitos os meses de maio (quando comemorada a Coroao de
Nossa Senhora), junho (perodo de introduo do Apostolado da Orao) e dezembro
(por oferecer um panorama dos meses do ano).Em virtude deMaonaria ser um tema controverso, realizarmos, em primeiro lugar,
uma introduo acerca dos principais aspectos dessa temtica. Assim, nossa dissertao foi
dividida em trs captulos.
O primeiro versa sobre a histria da maonaria no Ocidente, tendo sido exploradas
as questes relativas ao seu surgimento. Foram estudadas as suas caractersticas poltico-
culturais e as suas relaes com os Estados Nacionais e a Igreja catlica. O texto foi
9
BROTTO, Renata Batista. Mdicos e padres: maternidade e representaes dos papis sociais da mulher(1860-1870). 2009. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria dasCincias e da Sade, Casa de Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro, 2009, p. 19.
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desenvolvido a partir de um debate bibliogrfico, cujo objetivo foi pensar tanto com as
literaturas manicas e antimanicas disponveis, quanto com a historiografia de origem
acadmica.
Ainda no captulo introdutrio, levamos em considerao um episdio especfico
do sculo XIX brasileiro a Questo Religiosa , visto que as literaturas disponveis
apontam para o papel relevante que teria sido desempenhado pelas maonarias no curso
desses acontecimentos histricos. Esse embate representou o ponto culminante das
divergncias entre a Igreja catlica, as maonarias e o Estado imperial, que vinham se
acumulando ao longo de todo o Segundo Reinado.
O segundo captulo contm os achados da pesquisa e apresenta a anlise dos
peridicos estudados. Trata-se da parte mais extensa de nosso trabalho, onde traamos umaviso geral acerca da imprensa no Brasil oitocentista e abordamos criticamente o amplo
quadro comparativo dos iderios manicos e catlicos, o qual foi estruturado a partir de
um inventrio temtico.
O terceiro e ltimo captulo reflete sobre a problemtica da imprensa, sua escrita e
leitura em meio a uma sociedade cujo ndice de analfabetismo era elevado. Foram
discutidos os aspectos permanentes da oralidade nos primrdios da cultura impressa
brasileira.De forma anloga, investigamos a recepo e a circulao dos boletins manicos
na imprensa expondo os seus principais leitores e interlocutores. Partimos da anlise das
fontes primrias para a discusso bibliogrfica sobre o tema, entendendo o periodismo
manico enquanto parte de uma comunidade interpretativa, de acordo com a concepo
do crtico literrio Stanley Fish.10
Por fim, salientamos que as chamadas numricas para as citaes foram
organizadas por sees, e que com o intuito de facilitar a leitura das fontes primrias, suasortografias foram atualizadas para o portugus considerado moderno, com exceo dos
ttulos dos peridicos, os quais foram mantidos com suas grafias originais.
10
FISH, Stanley. Is there a text in this class? The authority of interpretive communities. Cambridge,Massachusetts/London, England: Harvard University Press, 1980.
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CAPTULO 1MAONARIA: HISTRIA E HISTORIOGRAFIA
1.1Discusso historiogrfica acerca do tema
Ao estabelecermos a maonaria como objeto de anlise, nos deparamos diante do
seguinte panorama: a diminuta presena do tema no meio acadmico e o parcial acesso s
fontes documentais a seu respeito, em funo dos obstculos inerentes prpria estrutura
fechada ou secreta da instituio. Embora o tpico tenha sido muito citadoespecialmente
em alguns momentos da histria brasileira do sculo XIX a pesquisa sobre essa ordem
secreta permaneceu ausente durante um longo tempo da historiografia desenvolvida em
mbito nacional.Ao contrrio do que vem ocorrendo em alguns pases europeus, a exemplo da
Frana, onde os maons doaram seus acervos anteriores ao sculo XX para aBibliothque
Nationale (Paris),1 no Brasil os arquivos manicos conservam-se fechados aos chamados
profanos,2 ou seja, continuam inacessveis aos no maons. Ademais, as monografias a
respeito dessa temtica tm recebido no Velho Continente um acrscimo substancial nas
ltimas dcadas, inclusive com a criao de cadeiras e centros universitrios para o estudo
exclusivo das maonarias.3
Em nosso pas, ainda que lentamente, observamos uma expanso significativa de
produes acadmicas que abordam as organizaes manicas considerando as suas
particularidades.4 Mesmo com o incremento das ltimas dcadas, ainda existe uma
verdadeira carncia se a compararmos com outros temas de nossa histria.
1 MOREL, Marco. Sociabilidades entre luzes e sombras: apontamentos para o estudo histrico das
maonarias da primeira metade do sculo XIX. Estudos Histricos. Rio de Janeiro, n. 28, p. 4, 2001.2 Em linguagem manica,profano designa todo indivduo que no foi iniciado na ordem.3 Centros de pesquisa para o estudo das maonarias esto associados a diversas universidades europias, aexemplo de Sheffield: The Centre for Research into Freemasonry (Inglaterra) e Leiden (Holanda). Oendereo eletrnico do primeiro : . Acesso em: jan.2012. Informaes acerca da Chair for Freemasonry as an Intellectual Current and Socio-cultural EuropeanPhenomenon (Universidade de Leiden) podem ser obtidas atravs do seguinte endereo eletrnico:. Acesso em: jan. 2012.4 Entre os trabalhos mais recentes podem ser citados, entre outros: BARATA, Alexandre Mansur. Luzes esombras: a ao da maonaria brasileira (1870-1910). Campinas: Ed. da UnicampCentro de Memria daUnicamp, 1999; VSCIO, Luiz Eugnio. O crime do padre Srio: maonaria e Igreja catlica no Rio Grandedo Sul (1893-1928). Santa Maria (RS): editoraufsm; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2001; COLUSSI, ElianeLucia. A maonaria brasileira no sculo XIX. So Paulo: Ed. Saraiva, 2002; BARATA, Alexandre Mansur.
Maonaria, sociabilidade ilustrada e independncia do Brasil (1790-1822). So Paulo-Juiz de Fora:Annablume-EDUFJF-FAPESP, 2006; MOREL, Marco; SOUZA, Franoise Jean de Oliveira. O poder damaonaria: a histria de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
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Diante disso, os estudos acerca das sociabilidades modernas em geral, e da
maonaria em particular, ainda se encontram limitados, apesar da qualidade dos trabalhos
de que dispomos. Para o historiador Alexandre Mansur Barata: apesar dos avanos
notveis ocorridos nos ltimos anos, a histria da maonaria continua praticamente
desconhecida, tanto no Brasil quanto fora dele.5
Para alm da rea de histria, o tema de nossa pesquisa est despertando o interesse
do mercado editorial e, at mesmo, do ramo cinematogrfico. Nos ltimos anos cresceram
as circulaes de revistas, documentrios em formato de DVD e folhetos que discutem as
sociedades secretas como um todo.6
Exemplo ilustrativo dessa nova onda de curiosidade em torno da aura de mistrio
que cerca tais organizaes O smbolo perdido, livro que mergulhou nos segredos damaonaria norte-americana e foi lanado pelo escritor Dan Brown, famoso pelo seu best-
seller O cdigo da Vinci.7
Alm disso, necessrio levarmos em considerao que apesar do relativo silncio
estabelecido na historiografia acadmica em torno da atuao da maonaria, fora desse
universo existe uma ampla literatura manica e antimanica disponveis, que podem ser
caracterizadas como apologticas, no caso da primeira, e condenatrias, no caso da
segunda.A historiografia de vertente manica quantitativamente superior de seus
opositores,8 sendo os seus principais objetivos a propaganda da ordem e a exaltao de
seus membros. A obraHistria do Grande Oriente do Brasil, de Jos Castellani, constitui-
se em um exemplo dessa marca apologtica, visto que se trata de um texto com vigor
5 BARATA, Alexandre Mansur. Maonaria, sociabilidade ilustrada e independncia (Brasil, 1790-1822).2002. Tese (Doutorado em Histria)Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Estadual deCampinas, Campinas, 2002, p. 13.6 Podemos mencionar as seguintes matrias que foram capas de publicaes: Os maons. Revista HistriaViva. So Paulo, ano II, n. 24, 2005; Os segredos da maonaria. Revista Super Interessante. So Paulo,edio 217, ano IX, n. 9, set. 2005; Ao entre irmos. Revista O Globo. Rio de Janeiro, ano V, n. 221, out.2008; A radiografia da maonaria. Revista Histria em Foco Sociedades Secretas. So Paulo, ano I, n. 1,2009; Maonaria nas sombras do poder.Revista Histria Viva. So Paulo, ano VI, n. 71, 2009.7 BROWN, Dan. O smbolo perdido. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2012. Id., O cdigo da Vinci. Rio deJaneiro: Editora Sextante, 2012.8 De acordo com o levantamento bibliogrfico realizado pela historiadora Eliane Lucia Colussi. COLUSSI,
Eliane Lucia. Plantando ramas de accia: a maonaria gacha na segunda metade do sculo XIX. 1998. Tese(Doutorado em Histria)Programa de Ps-Graduao em Histria, Pontifcia Universidade Catlica do RioGrande do Sul, Porto Alegre, 1998a, p. 57.
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ideolgico e que, em diversas passagens, exalta a grandeza e os feitos da maonaria no
Brasil.9
Por outro lado, a literatura antimanica oriunda, sobretudo, de autores religiosos
e, por isso, manteve-se vinculada aos histricos conflitos entre a maonaria e a Igreja
catlica. O clrigo Boaventura Kloppenburg foi identificado pelos prprios maons como
um de seus principais inimigos,10 j que em seus escritos buscou demonstrar a
incompatibilidade existente entre ser catlico e maom ao mesmo tempo. Convm ressaltar
que, em suas obras, o sacerdote demonstrou um bom nvel de conhecimento sobre as
questes inerentes maonaria.11
Entendemos que as literaturas partidrias no devem ser descartadas de nossa
anlise, pois apesar de seu carter tendencioso e parcial, elas podem nos oferecer umaleitura baseada em duas verses opostas de um mesmo tema relevante para a histria da
maonaria. A perspectiva de cunho manico, por exemplo, reproduziu uma documentao
que ainda encontra-se inacessvel aos historiadores no ligados sua organizao,
expandindo, dessa forma, o seu acesso, tal como apontado pela historiadora Eliane Lucia
Colussi.12
No obstante, o objetivo principal deste trabalho abordar os mais recentes estudos
desenvolvidos no mbito acadmico, especialmente aqueles que buscam compreender opapel da instituio manica na formao histrica de nosso pas. Dentro dessa lgica,
podemos apontar o artigo de Clia Maria Marinho de Azevedo como a primeira reviso
historiogrfica acerca de nossa temtica.13
A historiadora iniciou o texto indicando a falta de visibilidade do assunto nos textos
acadmicos de seu tempo e, posteriormente, percorreu as origens da instituio manica.
Por fim, ela analisou comparativamente as abordagens de Francisco Adolfo de Varnhagen,
Manuel de Oliveira Lima e Caio Prado Jnior a respeito da maonaria no Brasil.9 CASTELLANI, Jos. Histria do Grande Oriente do Brasil: a maonaria na histria do Brasil. Braslia:Grfica do Grande Oriente do Brasil, 1993. Cabe ressaltar que Jos Castellani um dos historiadoresmanicos mais respeitados no Brasil. De sua autoria foram consultados tambm: A maonaria e omovimento republicano brasileiro. So Paulo: Trao Editora, 1989; Anlise da Constituio de Anderson.(Co-autor: Raimundo Rodrigues). Londrina: Editora manica A Trolha, 1995; As origens histricas damstica maonaria. So Paulo: Landmark, 2003; A ao secreta da maonaria na poltica mundial. 2ed.revisada. So Paulo: Landmark, 2007.10 COLUSSI, op. cit., 1998a, p. 63.11 Foram consultadas as obras: A maonaria no Brasil: orientao para catlicos. Petrpolis: Ed. Vozes,1956; O ser do padre. Petrpolis: Ed. Vozes, 1972;Igreja e maonaria: conciliao possvel? Petrpolis: Ed.Vozes, 1992.12
COLUSSI, op. cit., 1998a, p. 57.13 AZEVEDO, Clia Maria Marinho de. Maonaria: histria e historiografia.Revista USP, So Paulo, n. 32,p. 178-189, dez. 1996-fev. 1997.
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Um balano bibliogrfico mais detalhado e criteriosamente esquematizado foi
estabelecido por Eliane Lucia Colussi em sua tese de doutorado, defendida na Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.14 Este trabalho refletiu criticamente tanto
sobre a escrita da histria manica, quanto sobre as etapas dessa histria. Em sua segunda
parte, a autora observou uma aproximao entre os monarquistas liberais e a maonaria no
Sul do Imprio brasileiro, situando esta ltima como um dos grupos da elite intelectual que
fomentou a defesa e a divulgao do pensamento liberal na segunda metade do sculo
XIX.
Eliane Lucia Colussi demonstrou ainda que a atuao dos maons deu-se,
sobretudo, no campo poltico-cultural, orientando-se a partir de posies anticlericais. Sua
tese de doutorado foi posteriormente transformada em um livro esclarecedor.15
O trabalho pioneiro, entretanto, o de Alexandre Mansur Barata, que em sua
dissertao de mestrado, defendida no Programa de Ps-Graduao em Histria Social da
Universidade Federal Fluminense, investigou a ao dos grupos manicos brasileiros no
perodo de 1870-1910.16
O autor examinou a atuao dos maons no contexto do movimento liberal
ilustrado, considerando a especificidade de suas relaes de sociabilidade, inclusive com a
montagem de quadros quantitativos bastante explicativos a esse respeito. Ele revelou aindaque as organizaes manicas desempenharam uma atuao expressiva, engajando-se nos
variados debates intelectuais daquela poca, deixando claro que a instituio no se
constituiu em uma ordem homognea ou monoltica. Trata-se de uma leitura indispensvel,
que disponibiliza informaes precisas sobre o perodo compreendido entre 1870 e 1910.
Outra importante publicao a do historiador David Gueiros Vieira. Mesmo
abordando com menor especificidade a maonaria, pois destacou a insero do
protestantismo no Brasil, seu estudo trouxe como contribuio a revelao de um possvelvnculo de cooperao entre protestantes e maons durante os embates relativos Questo
Religiosa ocorrida na dcada de 1870.17
14 COLUSSI, op. cit., 1998a, passim.15 COLUSSI, Eliane Lucia.A maonaria gacha no sculo XIX. Passo Fundo: EDIUPF, 1998b.16 BARATA, Alexandre Mansur.Luzes e sombras: a ao dos pedreiros-livres brasileiros (1870-1910). 1992.Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao em Histria, Universidade Federal
Fluminense, Niteri, 1992.17 VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maonaria e a Questo Religiosa no Brasil . Braslia: Ed. daUnB, 1980.
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As interpretaes de David Gueiros Vieira e Alexandre Mansur Barata convergem
no que diz respeito ciso ocorrida no interior do Grande Oriente do Brazil,18 em 1863,
quando uma importante diviso atingiu o seu quadro de dirigentes. Alegando a ocorrncia
de irregularidades durante o processo eleitoral para a escolha dos postos de comando do
Grande Oriente, Joaquim Saldanha Marinho decidiu fundar o Grande Oriente do Vale dos
Beneditinos. O ncleo original, por sua vez, ficou conhecido como Grande Oriente do Vale
do Lavradio, tendo como gro-mestres, inicialmente o baro de Cairu e, posteriormente, o
visconde do Rio Branco.
Tal diviso durou at o ano de 1883, com um pequeno intervalo em 1872, quando
em meio Questo Religiosa deu-se uma unio provisria, atravs da formao do
Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil. Alexandre Mansur Barata e DavidGueiros Vieira indicaram uma correspondncia na diviso entre os Grandes Orientes
concorrentes e a fragmentao entre monarquistas e republicanos.
Cabe ressaltar que os nomes Vale do Lavradio e Vale dos Beneditinos tiveram
origem a partir dos espaos geogrficos situados na Corte imperial brasileira, onde as sedes
dos grupos manicos dissidentes passaram a funcionar.
No ano de 2006, Alexandre Mansur Barata estabeleceu novamente a maonaria
enquanto matria de estudo, buscando elucidar a trajetria dessa instituio no cenrio depreparao para o processo brasileiro de independncia. O pesquisador sugeriu que a
sociabilidade das lojas19 contribuiu para a criao de uma nova cultura poltica, marcada
pela prtica do debate, da representao, da elaborao de leis, da substituio do
nascimento pelo mrito.20
Outro livro, de autoria de Marco Morel e Franoise Jean de Oliveira, traa, em uma
linguagem acessvel a todos os pblicos, a histria da maonaria no Brasil, desde o
estabelecimento dos primeiros maons at a sua atuao nos dias atuais. Os autoresreforaram a idia de que no existe uma maonaria nica, ou seja, a instituio no deve
ser compreendida enquanto um centro possante, aglutinador e atemporal, mas inserida
no jogo poltico de diversas associaes que, ao longo do tempo, apoiaram as mais diversas
ideologias.
18 Os Grandes Orientes e/ou Supremos Conselhos formavam as instncias que abrigam diversas lojasmanicas, que constituem, por sua vez, a aglomerao de base nas maonarias. MOREL, op. cit., 2001, p.19.19
A loja a unidade bsica da maonaria local onde os seus membros se renem para realizar as maisvariadas atividades relacionadas s prticas manicas.20 BARATA, op. cit., 2006, p. 30.
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Trata-se, enfim, de uma obra sntese da histria manica, mas que no se limitou
insero tradicional da ordem no quadro excludente dos ditos eventos polticos mais
marcantes e relevantes do pas.21
No mbito da produo acadmica nacional sobre a maonaria, o trabalho mais
atual que identificamos em nossa pesquisa o de Clia Maria Marinho de Azevedo.22 Nele,
a autora buscou relacionar a histria transnacional da maonaria com as trajetrias
intelectuais de maons negros que se destacaram no mundo das elites brancas, em uma
poca marcada pela escravido.
A autora destacou o papel desempenhado por trs personagens negras na circulao
de idias em prol da cidadania e da igualdade das pessoas ditas de cor. O primeiro,
Francisco G de Acaiaba e Montezuma tambm conhecido como visconde deJequitinhonha foi um indivduo muito ativo no cenrio de luta pela independncia do
Brasil tanto inicialmente como redator do jornal O Constitucional, quanto posteriormente
em sua atuante carreira poltica.
Segundo Lcia Maria Paschoal Guimares, Montezuma foi o primeiro homem
pblico que se empenhou pela emancipao dos cativos, apresentando no Senado projetos
para a abolio sem indenizao e a curto prazo.23
O segundo maom de origem mestia estudado pela professora Clia MariaMarinho de Azevedo foi Francisco de Paula Brito, um dos principais editores no Brasil dos
Oitocentos, tendo sido tambm o fundador da sociedade literria conhecida como
Petalgica.
De acordo com Martha Abreu e Larissa Moreira Viana, os textos oriundos da
tipografia fundada por Paula Brito possuam uma forte conotao social, como demonstra
a publicao de O homem de cor, impresso em 1833, e tido como um dos primeiros jornais
brasileiros a discutir o preconceito racial.
24
Por fim, Clia Maria Marinho de Azevedo se debruou sobre a atuao de um
poltico que, a julgar pelo universo manico, dispensa maiores comentrios. Trata-se de
21 MOREL; SOUZA, op. cit., passim.22 AZEVEDO, Clia Maria Marinho de. Maonaria, anti-racismo e cidadania: uma histria de lutas edebates transnacionais. So Paulo: Annablume, 2010.23 GUIMARES, Lcia Maria Paschoal. Francisco G de Acaiaba e Montezuma (Visconde de
Jequitinhonha). In: VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionrio do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro:Objetiva, 2008, p. 292.24 ABREU, Martha; VIANA, Larissa Moreira. Francisco de Paula Brito. In: ibid., p. 288.
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Joaquim Saldanha Marinho, lder republicano e gro-mestre25 do Grande Oriente dos
Beneditinos.
Visando ampliar os limites das fronteiras de nossa anlise, necessrio mencionar
dois autores que, embora situados fora da historiografia acadmica nacional,
influenciaram, sobremaneira, os estudos a respeito das instituies manicas no Brasil e
ao redor do mundo.
O primeiro Maurice Agulhon, que com sua clssica obraescrita originalmente
como tese de doutorado em 1968 reintroduziu no campo histrico o estudo das
sociabilidades e, por extenso, das maonarias.26 O historiador francs forneceu uma
contribuio terica fundamental para o enfoque da vida associativa em um quadro
cronolgico-espacial delimitado.Para ele, no sculo XVIII, as diversas formas de associao emergentes revelavam
o surgimento de uma esfera pblica27 marcada pela crtica ao Antigo Regime, sob a
influncia do movimento iluminista:
Todo bar, se alm da bebida consumida, oferece passatempos e prazeres deconvvio, torna-se naturalmente um local de freqncia regular econhecimento mtuo: todo caf vive com seus fregueses habituais. Da a queesses fregueses habituais monopolizem uma sala dos fundos e se constituamuma sociedade (club inglesa, cercle sua), apenas um passo.28
(grifos do autor).
Essas sociedades foram sendo fundadas seguindo o princpio da adeso voluntria
de seus membros. Alm disso, a nova sociabilidade que ento se institua (...) pode ser
considerada liberal, em primeiro lugar porque veiculava, entre outras, as idias das Luzes,
e a seguir porque sua prpria existncia tinha um princpio liberal.29
Dentro dessa complexidade histrica, as lojas manicas se constituram em um
local favorvel para o exerccio dessa nova forma de sociabilidade, pois protegidos pelo
25 O ttulo gro-mestre refere-se chefia suprema inexistindo, dentro da Maonaria Simblica, outraautoridade que lhe seja superior. A escolha de um Gro-Mestre est na dependncia do que determinam asConstituies manicas, as quais variam de pas a pas. CAMINO, Rizzardo da.Dicionrio manico. 3ed.So Paulo: Madras, 2010, p. 190.26 AGULHON, Maurice. Pnitents et francs-maons de lancienne Provence: essai sur la sociabilitmridionale. 3ed. Paris: Fayard, 1984.27 Para o conceito de esfera pblica de poderver: HABERMAS, Jrgen. The structural transformation of the
public sphere. An inquiry into a category of bourgois society. Massachussetes: The Mit Press, 1991.28
AGULHON, Maurice. As sociedades de pensamento. In: VOLVELLE, Michel (Org.). Franarevolucionria (1789-1799). So Paulo: Brasiliense, 1989, p. 55.29 Ibid., p. 56.
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segredo, os maons debatiam as idias oriundas da Ilustrao, alm de terem institudo um
sistema prprio de votao para eleger os seus dirigentes.
As lojas eram espaos de circulao de idias e uma instncia de aprendizagem
de prticas modernas, como a escolha dos associados e o livre debate entre os seus
pares.30 Assim, a maonaria pode ser vista como uma entidade portadora de uma forma
inovadora de cultura poltica,31 visto que os maons surgiam como construtores e sujeitos
de um espao pblico moderno, contribuindo para a inaugurao de um novo tipo de
comportamento poltico.
Ainda que os maons no conspirassem contra os reis absolutistas, suas instituies
exerciam umpoder simblico32 perigoso, porque no interior das lojas, os irmos viviam
como se o governo do Estado Nacional no existisse. Conforme indicado pela historiadoraLcia Maria Bastos Pereira das Neves:
A historiografia tem buscado identificar a maonaria, a partir de 1750, comoo embrio de um reino da crtica, ou de um espao pblico moderno, queteria viabilizado as primeiras discusses da sociedade civil conduzidas deforma independente do crculo privado de poder constitudo pela Corte.33
Nesse sentido, apontamos o segundo autor estrangeiro, o alemo Reinhart
Koselleck, para quem as ordens manicas significavam um verdadeiro poder paralelo, que
era exercido de forma indireta pela ascendente burguesia no interior do regime absolutista.
Ao funcionarem enquanto organizaes portadoras de um sistema autnomo, cuja
soberania escapava autoridade poltica do Leviat, as lojas formaram o embrio do
reino da crtica.34
De fato, dentro dos cafs, clubes e sales formava-se uma opinio pblica no
autorizada pelo Estado, que, gradativamente, ultrapassava os espaos reservados e
30 Ibid., p. 57.31 Busca-se estudar a cultura poltica como instrumento para a compreenso das motivaes que orientam ocomportamento poltico individual ou coletivo, alm do papel desempenhado pelos diferentes espaos desociabilidade para a emergncia, difuso e recepo das culturas polticas. De acordo com Serge Berstein, acultura poltica constitui-se como uma espcie de cdigo e de um conjunto de referentes, formalizados noseio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma famlia ou de uma tradio poltica. Cf.BERSTEIN, Serge. A cultura poltica. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-Franois (Dir.). Para umahistria cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 350.32 Entendido na concepo de Pierre Bourdieu. Cf. BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1989.33
NEVES, Lcia Maria Bastos Pereira das. Maonaria. In: VAINFAS, op. cit., p. 506.34 KOSELLECK, Reinhart. Crtica e crise: uma contribuio patognese do mundo burgus. Trad. LucianaVillas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: EDUERJ/Contraponto, 1999, passim.
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expandia-se pela esfera pblica. Alexandre Mansur Barata estudou a maonaria baseado
nas concepes dos autores estrangeiros supracitados. Para ele:
Pensar os novos espaos pblicos surgidos no sculo XVIII (clubes,sociedades literrias, lojas manicas), compreender, (...) a emergncia deuma nova cultura poltica, marcada pela progressiva politizao dessesespaos intelectuais e pelo deslocamento da crtica em direo a domniostradicionalmente interditos: a Igreja e o Estado.35
Partindo dessa linha de raciocnio, o historiador brasileiro chamou ateno para a
edificao de uma forma particular de cultura poltica, determinada pelo gradual processo
de politizao do espao intelectual organizado pela instituio manica. Portanto,
resgatar a maonaria como uma instituio formadora de opinio implica a necessidade depens-la, como uma forma especfica de sociabilidade que possui no carter secreto-
fechado um elemento definidor.36
1.2A historiografia sobre as origens das maonarias
Maonaria um assunto invariavelmente controverso, cercado por polmicas que,
no raro, se relacionam com aspectos lendrios e mticos. A seu respeito, existe uma
quantidade indefinida de idias, teorias e histrias, que parecem surgir em cada direo
para atender e respaldar interesses individuais ou coletivos.
Por exemplo: devido existncia de uma multiplicidade de significados presentes
no imaginrio social, o simples exerccio de buscarmos uma definio para essa associao
se constitui em uma tarefa rdua. Todavia, podemos entend-la como uma sociedade que
apresenta um
(...) carter fraternal, possuidora de uma organizao baseada em rituais esmbolos na qual o segredo ocupa papel fundamental. uma instituio quefoi e permanece sendo acessvel principalmente ao sexo masculino e que tempor objetivos o aperfeioamento intelectual da sociedade, de seus filiados e apromoo da ao filantrpica interna e externa.37
35 BARATA, Alexandre Mansur. Discutindo a sociabilidade moderna: o caso da maonaria. In: RAGO,Margareth; GIMENEZ, Renato Aloizio Oliveira (Orgs.). Narrar o passado, repensar a histria. Campinas:
Ed. da Unicamp, 2000, p. 222.36 BARATA, op. cit., 1999, p. 116.37 COLUSSI, op. cit., 1998b, p. 33.
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Outro trao delicado a prpria origem da maonaria, pois existem tantas hipteses
sobre a sua formao quanto existem curiosos em torno do tema. Diversas obras assinalam
que a mesma tem origens remotas, perdidas na Antiguidade, entre os outrora famosos
mistrios egpcios, judaicos, gregos e persas.
Assim, grande parte de sua histria oculta como a de um meteoro que, nascido
no Oriente, se encaminhou para o Ocidente, traando uma trajetria sempre luminosa
atravs dos sculos.38 oportuno mencionar a opinio da historiadora Clia Maria
Marinho de Azevedo a respeito desse assunto:
Seria uma tarefa v querer precisar o momento de fundao da maonaria,uma vez que suas origens se perdem em um passado povoado de mitos e
lendas, remontado ao rei Salomo e outros personagens do VelhoTestamento, a comear de Ado, apontado em algumas verses como oprimeiro maom.39
As interpretaes que buscam apresentar a maonaria como uma ordem fundada em
pocas imemoriais so oriundas, sobretudo, da prpria literatura produzida pelos seus
membros. Abordando esse tema, o historiador e jesuta Jos Antonio Ferrer Benimeli
criticou as verses lendrias, argumentando o seguinte sobre os seus autores:
Cegos pela vaidade e pela ambio de remontar a gnese da instituio auma alta antiguidade, (...) se deixaram induzir em erro pela analogiaexistente entre os smbolos e os costumes das Lojas e os dos antigosmistrios. Em vez de procurar a maneira como essas prticas foramintroduzidas na Franco-Maonaria, eles se apoiaram em hipteses paraconvert-las na prpria origem da instituio, considerando-as comoindicao certa de filiao direta.40
De fato, o arcabouo simblico manico41 tributrio de diversos povos e
tradies antigas, a exemplo dos egpcios, dos druidas, dos hermticos e da cabala. Hainda elementos dos universos greco-romanos, judaico-cristos e medievais. Todo esse
conjunto de signos e sinais apropriados pelos maons contribuiu para reforar as
38 LEADBEATER, C. W. Pequena histria da maonaria. So Paulo: Ed. Pensamento, 2000, Prlogo.39 AZEVEDO, op. cit., 1996-1997, p. 180.40 BENIMELI, Jos Antonio Ferrer. Arquivos secretos do Vaticano e a franco-maonaria. So Paulo:Madras, 2007, p. 25.41
Sobre os conceitos manicos e sua linguagem simblica, ver: MELLOR, Alec. Dicionrio da franco-maonaria e dos franco-maons. So Paulo: Martins Fontes, 1989; MACNULTY, W. Kirki.A maonaria:smbolos, segredos, significado. Trad. Marcelo Brando Cipolla. So Paulo: Martins Fontes, 2007.
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interpretaes que conferiam sua ordem uma origem remota, gloriosa e distante no
tempo.
Na verdade, ressaltando a sua antiguidade, quase todas essas narrativas buscaram
cobrir a maonaria com um vu de nobreza e legitimidade. Conforme sugerido por
Marco Morel e Franoise Jean de Oliveira Souza:
Mais do que desacreditar as lendas, vale assinalar o cho de onde se sonha.A ponte imaginria que uma narrativa lendria constri entre o passado e opresente pode servir como sal da vida, uma vez que ajuda a dar sentidomaior para um cotidiano muitas vezes sem graa.42
Embora o foco de nossa anlise seja a dimenso histrica do fenmeno manico,
no devemos simplesmente criticar e descartar os seus mitos, visto que em alguns casos
eles podem se confundir com tradies histricas concretas. Vejamos, por exemplo, uma
das mais difundidas narrativas manicas: a lenda de Hiram Abiff.
Hiram Abiff, arquiteto fencio oriundo de Tiro, foi convocado pelo rei Salomo,
durante o terceiro ano de seu reinado, para liderar a construo do templo de Jerusalm.
Para realizar este feito, o distinto obreiro detentor de um refinado conhecimento
arquitetnico e matemtico para o seu tempochefiou um grande nmero de pedreiros que
foram divididos por ele em trs categorias: Aprendiz, Companheiro e Mestre. Cadaum desses graus hierrquicos possua os seus smbolos, cdigos e tcnicas especficas,
alm de uma remunerao prpria e condizente com o nvel de habilidade de cada grupo.
Reza a lenda que trs maus Companheiros cercaram Abiff exigindo a palavra
secreta com o objetivo de atingir o grau mais elevado de Mestre. No entanto, o arquiteto
fencio teria respondido que revelaria o segredo no momento oportuno. Inconformados
com a recusa de Hiram, os vidos discpulos o teriam assassinado. Conta-se ainda que,
posteriormente, foi descoberta uma accia plantada no local em que o corpo do Mestrehavia sido enterrado e, por fim, que ele teria ressuscitado.
De acordo com Rizzardo da Camino, Hiram o arquiteto existiu realmente, e era
citado nas histrias dos hebreus, contudo o seu assassinato que foi posto em dvida. No
existem elementos seguros para se afirmar como e por que ocorreu esse assassinato.43
Mesmo sem comprovao histrica, esse mito de fundao portador de um
conjunto de ensinamentos ticos, morais e filosficos muito importantes para a liturgia
42 MOREL; SOUZA, op. cit., p. 15.43 CAMINO, op. cit., p. 202.
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manica. Por seu intermdio, irmos de todos os ritos so encorajados a seguir os
exemplos de coragem, dignidade e fidelidade descritos nessa lenda, que muito utilizada
nas cerimnias manicas, especialmente em seus rituais de iniciao. Segundo Marco
Morel e Franoise Jean de Oliveira Souza:
Os rituais de passagem baseiam-se em um esquema que comporta osofrimento, a morte e a ressurreio. Em geral, morre-se para a vida profana,sendo a morte a suprema iniciao, o comeo de uma nova existnciaespiritual (...). A ressurreio representada pelo desvendamento dos olhos,quando o nefito recebe a luz, ou seja, renasce como Hiram, transformado eexperimentando uma nova existncia de sabedoria.44 (grifos dos autores).
Seja do ponto de vista histrico ou lendrio, preciso considerar que a memriamanica foi exaustivamente trabalhada pelos seus autores. Apesar de toda a polmica
envolvendo a origem da maonaria, praticamente um consenso entre os estudiosos
acadmicos que a mesma remonta s corporaes de ofcio das dcadas finais da Idade
Mdia, quando os pedreiros e suas tcnicas especializadas erguiam as grandes igrejas e
preparavam o terreno para o posterior surgimento de um moderno grupo secreto.
Entre as mltiplas associaes medievais, a dos construtores de catedrais se
destacava por ser detentora de algumas especificidades, a exemplo do simbolismo
esotrico e do contedo cristo. A respeito desse seleto grupo de talhadores de pedra, Jos
Antonio Ferrer Benimeli nos indicou que:
O esquadro, o nvel e o compasso converteram-se em seus atributos esmbolos caractersticos. Decididos a formar um corpo independente damassa de obreiros, imaginaram senhas entre si e toques para se reconhecer.Chamavam isso de instruo verbal, saudao e senha manual. OsAprendizes, os Companheiros e os Mestres eram recebidos com cerimniasparticulares e secretas. O Aprendiz elevado ao grau de Companheiro jurava
jamais divulgar, em palavras ou por escrito, os dizeres secretos de saudao.Era proibido aos Mestres, e tambm aos Companheiros, ensinar aosestranhos os estatutos constitutivos da Maonaria.45
A passagem acima descreveu os primrdios do que foi chamado de maonaria
operativa. No foi sem motivo, portanto, que alguns dos seus principais smbolos tiveram
origem na arte de construo de alvenaria, a exemplo do esquadro, do compasso, do
malhete, entre outros.
44 MOREL; SOUZA, op. cit., p. 25.45 BENIMELI, op. cit., p. 32.
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A utilizao desses smbolos, primeira vista, pode parecer difcil de ser concebida
para os indivduos letrados da contemporaneidade. No entanto, no devemos perder de
vista o fato de que a maior parte dos pedreiros medievais era formada por indivduos
desprovidos de instruo formal.
Por esta razo, o uso de elementos simblicos possibilitou o melhor aprendizado
das tcnicas e, paulatinamente, promoveu um escalonamento hierrquico de sinais e
signos, sendo considerados mais elevados aqueles que os entendiam e os empregavam de
forma correta nos trabalhos de edificao.
O sigilo sobre o que era aprendido no interior de cada um dos graus hierrquicos
outro aspecto de fundamental importncia para a manuteno das especificidades de seus
membros. O to propalado segredo manico moderno , afinal, herdeiro direto dessastradies medievais. Para Eliane Lucia Colussi, este grupo oculto de noes
(...) estava relacionado a um juramento que implicava a no revelao doconjunto dos conhecimentos tcnicos (especialmente matemticos) da arteda construo (...). O segredo da arte de construo foi cercado de rituais esmbolos, religiosos ou no, que garantiriam legitimidade e maiorpermanncia do monoplio.46
O juramento referido na transcrio anterior foi mais uma das caractersticas
provenientes do perodo medieval, sendo sua violao punida com o corte da garganta e/ou
lngua do traidor, ou seja, supostamente com a pena de morte.
Contudo, segundo Jos Antonio Ferrer Benimeli, essa ameaa se tratava apenas de
uma alegoria, uma promessa revestida de formalidades, que no a tornam nem mais
terrvel, nem mais slida, mas solenizam sua emisso, por meio de uma encenao teatral
destinada a gravar uma lembrana durvel que impea seu descumprimento.47
Sobre a origem do vocbulo franco-maom, o autor afirmou que existem verses
diferentes para o seu aparecimento. Seu uso mais antigo teria ocorrido na Inglaterra, em
1350, quando foi utilizado para distinguir os pedreiros que trabalhavam a pedra ornamental
e os trabalhadores rudes rough-mason, termo aplicado aos escavadores ingleses. Uma
segunda explicao se prende questo da independncia desses maons em relao aos
membros de outras corporaes de ofcio, uma espcie de autonomia sindical.
46 COLUSSI, op. cit., 2002, p. 5.47 BENIMELI, op. cit., p. 53.
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No entanto, a interpretao mais aceita relaciona tal expresso aos privilgios
inerentes aos construtores de catedrais, pois contando com o apoio e a proteo da Igreja
catlica, os franco-maons estavam isentos de cumprir os estatutos ou ditos locais. Os
tambm chamados pedreiros livres foram agraciados com as franquias: espcies de
salvo-condutos, isto , autorizaes para ultrapassar livremente as fronteiras dos pases,
tanto em perodos de paz como nos de guerra.48
Com o advento dos sculos XVI-XVII, quando o florescimento do
antropocentrismo, a expanso comercial e o surgimento do Renascimento desestruturaram
o universo medieval, a maonaria tambm se modificou.
As construes de catedrais chegavam ao seu final e os maons ocuparam-sede preferncia construo de edifcios profanos. Quando cessou aconstruo de grandes catedrais, as fraternidades e Lojas manicaspassaram pouco a pouco para as mos dos membros adotivos, ou os franco-maons aceitos.49
Os maons-aceitos, tal como ficaram conhecidos, eram os nefitos originariamente
estranhos ao exerccio da profisso de construtores. Suas incorporaes visavam a
manuteno de privilgios adquiridos pela associao. Foram assim sendo incorporados
s lojas arquitetos, prncipes e bispos.50 Ademais, a instituio manica se tornou um
espao de especulao no sentido de debate e discusso sobre cincia e poltica (por isso o
termo maonaria especulativa).51
No entendimento de Clia Maria Marinho de Azevedo, a associao depedreiros
livres pode ser considerada como a continuao por um lado, e a transformao por outro,
da organizao de ofcio da Idade Medieval e da Renascena, quando o elemento
especulativo se sobreleva ao elemento operativo.52
Os detalhes da transformao de uma organizao medieval de artesos habilidosos
em uma espcie de clube filosfico de cavalheiros permanecem desconhecidos, mas
prudente relacion-la emergncia do movimento iluminista, quando a ruptura com a
tradio, a emergncia da idia de progresso e a valorizao do indivduo algumas das
principais marcas da Ilustraoforam incorporadas ao iderio manico.
48 Ibid, p. 36-37.49 Ibid., p. 41.50
COLUSSI, op. cit., 1998a, p. 26.51 Id., 2002, p. 5.52 AZEVEDO, op. cit., 1996-1997, p. 180.
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Na verdade, influncias medievais, renascentistas e iluministas, haviam se fundido
para criar uma instituio que parecia refletir o esprito progressivo da poca, com ideais
de irmandade, igualdade, tolerncia e razo.53 O ano de 1717momento de fundao da
Grande Loja de Londres, a partir da unio de quatro lojas inglesas pr-existentes
normalmente apontado como marco inicial da maonaria especulativa ou moderna. Na
opinio de David Stevenson:
A data quase irrelevante no longo processo de avano do movimento [detransformao da maonaria], pois embora a Grande Loja Inglesa tenha tidoum importante papel na organizao da Maonaria, quando fundada elaapenas reuniu quatro Lojas de Londres (...). Entretanto, o fato de a Inglaterrater dado o primeiro passo em direo organizao nacional por meio de
Grandes Lojas, e de tal gesto ser imitado subseqentemente na Irlanda(1725) e na Esccia (1736), levou muitos historiadores manicos ingleses aconcluir levianamente que a Maonaria se originou na Inglaterra, que depoisa teria passado para o resto do mundo.54
O historiador apontou evidncias que indicam a Esccia do sculo XVII, durante a
fase final da Renascena, como a gnese da maonaria especulativa. Nesse sentido, os
elementos manicos modernos essenciais seriam de origem escocesa e no inglesa,
conforme os dados presentes no quadro abaixo.
Compilao resumida das evidncias que apontam para o surgimento damaonaria moderna na Esccia (sculo XVII)
Atas e registros mais antigos j localizados de lojas manicasUso primordial da palavra loja no sentido manico moderno
Primeiras tentativas de organizao manica em mbito nacionalIncluso original de elementos no operativos nos quadros manicosPrimeiras referncias Palavra do Maom a senha manica secreta
Primeiras evidncias indicativas de que a maonaria era considerada sinistra ou
conspirativaDescries inditas de cerimnias de iniciao e o uso singular de smbolos associados a
idias ticas e morais especficasPrimeiras evidncias concretas da utilizao de dois graus na maonaria e a indicao
primordial dos termos Aprendiz e Companheiro para os mesmosFonte: STEVENSON, David.As origens da maonaria: o sculo da Esccia (1590-1710). So Paulo:
Madras, 2009, passim
53
STEVENSON, David. As origens da maonaria: o sculo da Esccia (1590-1710). So Paulo: Madras,2009, p. 23.54 Ibid., p. 20.
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Se por um lado o processo histrico de transio da maonaria se deu,
primeiramente, na Esccia (onde as minutas mais antigas com a participao de membros
aceitos datam do alvorecer do sculo XVII), por outro, o prprio David Stevenson
reconheceu que no sculo XVIII, os ingleses comearam a inovar e adaptar o movimento
embora a influncia escocesa permanecesse forte; nesse ponto, a Inglaterra assumiu a
liderana no desenvolvimento da Maonaria.55
O sculo XVIII ingls marcou a emergncia do ambiente manico secreto,
baseado nos princpios de uma fraternidade que se colocava acima das religies e das
confisses. Para alm do segredo e dos rituais, o que estava presente era uma organizao
diretamente associada s questes da Ilustrao e influenciada pelos acontecimentos que o
mundo vivenciou naquele contexto, como o desenvolvimento das denominadasRevolues Burguesas.
Na Inglaterra reinava um esprito maior de liberdade, atravs da existncia de uma
Constituio, de um Parlamento e de uma imprensa atuante. Assim, os maons obtiveram o
espao necessrio para crescer, inclusive com a atrao de membros da aristocracia e da
prpria realeza para o interior das suas instituies.
A historiadora Margaret C. Jacob resumiu as transformaes inglesas do sculo
XVIII por meio da nfase nas prticas representativas e constitucionais, que Londressimbolizava como centro do debate parlamentar e dos partidos polticos.56 Mesmo tendo
iniciado sua expanso em um cenrio favorvel, as maonarias inglesas no abriram mo
da discrio e do segredo.
Em que pese a liberalidade sempre reinante na Inglaterra, onde jamaismaons sofreram as perseguies e humilhaes sofridas em outras partes domundo, a necessidade de reserva nas referncias instituio era mais nosentido de autopreservao, numa poca de instabilidade poltica, com um
rei devasso e inoperante, ocupando o trono ingls desde 1714.57
A fundao da Grande Loja de Londres, em 1717, foi um episdio supervalorizado,
nos devidos termos de David Stevenson, mas pode ser utilizada como uma referncia para
o contexto de surgimento da maonaria moderna, uma vez que:
55 STEVENSON, loc. cit.56 JACOB, Margaret C. Living the Enlightenment: freemasonry and politics in eighteenth-century Europe.
New York: Oxford University Press, 1991, p. 36-37 apud BARATA, op. cit., 2002, p. 21.57 CASTELLANI, Jos. A Constituio de Anderson de 1723: texto bsico. In: ______; RODRIGUES,Raimundo. Anlise da Constituio de Anderson. Londrina: Editora manica A Trolha, 1995, cap. 2, p. 47.
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A partir desse momento, realiza-se a mudana na orientao da fraternidademanica, pois, mesmo conservando escrupulosamente o esprito da antigaconfraria, com seus princpios e usos tradicionais, abandonar-se-ia a arte da
construo para os trabalhadores profissionais, mas se manteriam todos ostermos tcnicos e os sinais usuais que simbolizavam a arquitetura dostemplos, embora para tais expresses se lhes tenha dado um sentidosimblico. A partir desse perodo, a Maonaria transformou-se em umainstituio cuja caracterstica era a obteno de uma finalidade tica,suscetvel de se propagar em todos os povos civilizados. Do ponto de vistajurdico, essa foi a vitria do direito escrito sobre o costume e o nascimentode um novo conceito, o da obedincia ou federao de Lojas. No futuro, aque residir a soberania, pois somente a Grande Loja ter autoridade paracriar novas Lojas. E com isso, de fato, surgiu uma legitimidade manicachamada Maonaria Regular.58 (grifo do autor).
Segundo Jos Castellani, antes da inaugurao do templo manico, tal como ele
conhecido atualmente, os irmos realizavam as suas reunies em tabernas e cervejarias,
ou nos adros das igrejas, numa prtica herdada das organizaes de ofcio, pois as tabernas
europias serviam como local de concentrao e reunio de obreiros do mesmo ofcio.59
As lojas que originaram o organismo manico central em 1717 tinham os nomes
ligados s cervejarias The Goose and Gridiron (O Ganso e a Grelha) e The Crown (A
Coroa), como tambm s tabernas The Apple Tree (A Macieira) e The Rummer and
Grapes (O Copzio e Uvas).
Desde o nascimento da Grande Loja de Londres surgiram descontentamentos em
relao sua autoridade. Esse movimento questionador provocou, em 1751, a fundao de
uma nova entidade que se autodenominava Grande Loja dos Antigos. As principais crticas
dirigidas aos modernos estavam relacionadas descristianizao dos rituais e
omisso das oraes e comemoraes dos dias santos.
De acordo com Jos Castellani, os obreiros antigos, ou seja, aqueles que no se
subordinaram Grande Loja de Londres buscavam reviver a Antiga Arte Real, segundo
os verdadeiros princpios manicos.60 Liderados por seu grande secretrio o irlands
Laurence Dermottque publicou um livro intituladoAhiman Rezon,61 a Grande Loja dos
58 BENIMELI, op. cit., p. 43.59 CASTELLANI, Jos. A Constituio de Anderson de 1723: texto bsico. In:______; RODRIGUES, op.cit., p. 52.60 CASTELLANI, Jos. A Constituio de Anderson e a dos Antigos. In: ______; RODRIGUES, op. cit.,cap. 1, p. 28.61
Este livro tornou-se a Constituio da Grande Loja dos Antigos. O nome Ahiman Rezon oriundo dohebraico ahim = irmos; manah = escolher e ratzon = lei. A frase significa Conselho dado a um irmo.Ibid., p. 35. (grifos do autor).
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Antigos logo atingiu um nmero significativo de adeptos e passou a rivalizar com a Grande
Loja de Londres at o ano de 1813, ocasio em que as duas Potncias manicas se uniram
para formar a Grande Loja Unida da Inglaterra.
Percebemos que as rivalidades no interior da maonaria moderna esto presentes
desde o seu aparecimento, o que nos autoriza a utilizar o termo maonarias, no plural.
Dentro dessa lgica:
Ainda que surgida e difundida como um movimento mundial, a Maonariase diversificava de forma mais espantosa. A Instituio parecia um Proteu,mudando de forma e contedo de acordo com as circunstncias e filiao.Era capaz de proporcionar uma estrutura institucional para quase todas asreligies e crenas polticas.62
Aps o movimento de organizao e expanso no sculo XVIII, coube Grande
Loja de Londres a tarefa de reunir as antigas regras e normas manicas. Essa compilao
foi iniciada em 1721 e finalizada apenas no ano de 1723, durante o gro-mestrado do
duque Wharton.
Trata-se do Livro das Constituies carta magna da maonaria especulativa
contendo a histria lendria da instituio, alm de seus preceitos e regulamentos bsicos.
Escrito por dois pastores protestantes, James Anderson (1684-1739), cujo nome aparece
representado no frontispcio das Constituies e John Thophile Desaguliers (1683-1744),
esse trabalho se tornou o instrumento jurdico bsico das maonarias modernas.
Para Jos Castellani, os captulos mais importantes so os que se referem s
Antigas Leis Fundamentais (Old Charges), sendo o trecho seguinte um dos mais citados
e comentados em todo o mundo:
DEVERES DE UM MAOM
1.CONCERNENTE A DEUS E RELIGIOO Maom est obrigado, por seu ttulo, a praticar a moral; e, se compreenderseus deveres, jamais se converter em um estpido ateu nem em irreligiosolibertino. Apesar de, nos tempos antigos, os Maons estarem obrigados apraticar, em cada pas, a religio local, tem-se como mais apropriado, hoje,no lhes impor seno a religio sobre a qual todos os homens esto deacordo, dando-lhes total liberdade com referncia s suas prprias opiniesparticulares. Esta consiste em serem homens bons e sinceros, homenshonrados e justos, seja qual for a denominao ou crena particular que elespossam ter. Donde se conclui que a Maonaria um Centro de Unio e o
62 STEVENSON, op. cit., p. 23.
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meio de conciliar uma verdadeira amizade entre pessoas que, de outramaneira, ficariam perpetuamente separadas.63 (grifos nosso).
importante destacar os ideais de tolerncia religiosa presentes no texto fundador
da maonaria especulativa. O extrato acima menciona uma religio sobre a qual todos os
homens esto de acordo. Devemos levar em considerao que os seus autores foram
influenciados pelo terror das guerras de religio, as quais provocaram muito sofrimento e
destruio na Europa.
Assim sendo, os pastores compiladores dessas Constituies buscaram criar um
clima de tolerncia e uma atmosfera de fraternidade. O historiador Jos Antonio Ferrer
Benimeli, prudentemente, nos chamou ateno para o seguinte aspecto relacionado a essa
temtica:
Quanto essa religio a respeito da qual todos os homens esto de acordo,no nos enganemos, a mesma no pode ser outra seno a religio crist.Nenhuma outra tem relevncia na Inglaterra, nem mesmo na Europa. Masessa religio crist, em sua diversidade, aquilo que Roma no podiaadmitir, e por essa razo o papado vai combater a Maonaria. No fundo, peloartigo primeiro, retirou-se do catolicismo o privilgio de ser a religiotradicional da Maonaria.64
A f sempre ocupou uma posio de destaque na doutrina manica. Em 1813, aps
a fuso da Grande Loja dos Antigos com a dosModernos, o corpo original da Constituio
Andersoniana sofreu alteraes para acomodar as concepes das duas Obedincias. Em
1815 foi publicada a nova redao das Antigas Leis Fundamentais, cujas diretrizes
bsicas foram expostas da seguinte forma:
Um Maom obrigado, por seu ttulo, a obedecer lei moral e, se
compreender bem a Arte, nunca ser ateu estpido, nem libertino irreligioso.De todos os homens, deve ser o que melhor compreende que Deus enxergade maneira diferente do homem, pois o homem v a aparncia externa aopasso que Deus v o corao. Seja qual for a religio de um homem, ou
forma de adorar, ele no ser excludo da Ordem, se acreditar no gloriosoArquiteto do Cu e da Terra e se praticar os sagrados deveres da moral.65
(grifos nosso).
63 CASTELLANI, Jos. A Constituio de Anderson de 1723: texto bsico. In:______; RODRIGUES, op.cit., p. 38.64
BENIMELI, op. cit., p. 49.65 CASTELLANI, Jos. A Constituio de Anderson de 1815: modificada em seu texto metafsico bsico.In:______; RODRIGUES, op. cit., cap. 3, p. 53.
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Pela passagem destacada, notamos que um dos deveres mais importantes dos
pedreiros livres o de serem fiis a Deus. Conforme evidenciado por Jos Castellani, ao
liberalismo e tolerncia religiosa da original compilao de Anderson, sucedia uma
crena impositiva e (...) marcadamente testa.66 Essa modificao, porm, provocou
descontentamentos e algumas Potncias manicas optaram pela manuteno do texto
original elaborado em 1721.
Com efeito, a exigncia da crena em uma divindade provocou srias rupturas no
relacionamento entre os maons. Em 1867, por exemplo, o Grande Oriente da Blgica
excluiu as referncias ao Grande Arquiteto do Universo de seus rituais. Dez anos depois, o
Grande Oriente da Frana seguiu o caminho belga e provocou uma ciso que permanece
at os dias de hoje.A Grande Loja Unida da Inglaterra declarou irregular o Grande Oriente da
Frana e os demais que suprimiram a f religiosa no Arquiteto do Cu e da Terra.
Segundo Alexandre Mansur Barata:
Aprofundou-se a ciso no seio da comunidade manica. Os ideais de cadaObedincia tornaram-se cada vez mais divergentes, consolidando,basicamente, duas correntes de pensamento: a francesa, nitidamente maisracionalista, defensora da liberdade de conscincia e republicana; e a inglesa,mais conservadora e religiosa.67
De forma anloga, a maonaria se fragmentou no que diz respeito aos seus ritos.
Rizzardo da Camino definiu rito como o conjunto de regras e preceitos com os quais se
praticam as cerimnias, comunicam-se os sinais, toques, palavras e todas as instrues
secretas necessrias ao bom desempenho dos trabalhos. a literatura manica.68 O
autor identificou e descreveu 117 ritos em seuDicionrio manico.
Outra diviso existente a que classifica a maonaria em simblica oufilosfica. A
primeira utiliza apenas os trs graus obrigatrios (Aprendiz, Companheiro e
Mestre), estabelecidos desde a Constituio de Anderson e comum a todos os ritos. A
segunda funciona com quatro ou mais graus, dependendo do rito adotado. Os graus
posteriores aos trs primeiros so conhecidos como de aperfeioamento oufilosficos.
Apesar das mltiplas divergncias, a difuso das maonarias ocorreu rapidamente
ao redor do mundo, porm de maneira irregular. Em pases onde o poder da Igreja catlica
66
Ibid., p. 54.67 BARATA, op. cit., 1999, p. 41.68 CAMINO, op. cit, p. 338.
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ainda permanecia forte, a exemplo de Portugal e Espanha, esse processo foi prejudicado.
No que se refere ao nosso territrio, o surgimento das instituies manicas permanece
envolto em uma questo obscura, pois da mesma forma que alguns relatos sobre as origens
da maonaria internacional so totalmente fantasiosos, existem textos fundacionais
brasileiros que carecem de comprovao histrica.
o caso de uma difundida verso que aponta a loja intitulada Cavaleiros da Luz
como a primeira organizao manica do Brasil. De acordo com algumas narrativas,
mesmo antes de sua instalao fsica, ocorrida em 1797, no povoado da Barra, Bahia; as
sesses iniciais desta suposta loja j teriam ocorrido a bordo da fragata francesa La
Preneuse, que se encontrava ancorada nas guas de Salvador, sob o comando de monsieur
Larcher.No entanto, at o final do sculo XVIII, no existia no Brasil a Maonaria,
entendendo-se como uma organizao institucionalizada e com funcionamento regular nos
mesmos moldes das outras organizaes manicas internacionais .69 Na mesma linha de
raciocnio, David Gueiros Vieira argumentou que a primeira notcia escrita que se teve no
estrangeiro sobre o estabelecimento da maonaria no Brasil, foi o manifesto de 1832,
publicado noMasonic World Wide-Register, redigido por Jos Bonifcio.70
Neste documento, Jos Bonifcio indicou que as primeiras lojas no pas foramfundadas em 1801 e 1802, no Rio de Janeiro e na Bahia, respectivamente, e se filiaram a
Grande Loja Francesa.
Em virtude da falta de documentos comprobatrios, no foi possvel precisar uma
data oficial para a instalao manica no Brasil. Por esta razo, recomendvel registrar
os principais fatos iniciais da maonaria brasileira.
O quadro abaixo, baseado em dados compilados pelo historiador manico Jos
Castellani, resume os principais aspectos da histria dessa sociedade secreta em nosso pas,desde os seus primrdios at a fundao do primeiro Grande Oriente nacional.
Cronologia dos primrdios da maonaria brasileiraDATA FATO1796 Fundao, em Pernambuco, do Arepago de Itamb,
sociedade criada sob inspirao manica1797 Instalao da loja Cavaleiros da Luz na Bahia1800 Criao, em Niteri, da loja Unio
69 BARATA, op. cit., 1999, p. 59.70 VIEIRA, op. cit., p. 41.
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1801 Inaugurao da loja Reunio, sucessora direta da Unio1802 Estabelecimento da loja Virtude e Razo na Bahia1804 Fundao das lojas Constncia e Filantropia no Rio de
Janeiro
1806 Fechamento, pela ao do conde dos Arcos, das lojasConstncia e Filantropia
1807 Instalao da loja Virtude e Razo Restaurada, sucessora daVirtude e Razo
1809 Criao, em Pernambuco, da loja Regenerao1812 Inaugurao da loja Distintiva, em So Gonalo da Praia
Grande (Niteri)1813 Estabelecimento, na Bahia, da loja Unio1815 Fundao, no Rio de Janeiro, da loja Comrcio e Artes1818 Expedio de Alvar proibindo o funcionamento das
sociedades secretas1821 Reinstalao da loja Comrcio e Artes1822 17 de junho: fundao do Grande Oriente
Fonte: CASTELLANI, Jos. Os primrdios da maonaria no Brasil. In: ______; CARVALHO, WilliamAlmeida de.Histria do Grande Oriente do Brasil: a maonaria na histria do Brasil. So Paulo: Madras,
2009, cap. 2, p. 31
A partir da fundao do Grande Oriente do Brasil, a recm nascida maonaria
brasileira se transformou em uma clula do sistema obediencial internacional e, durante
todo o sculo XIX,
(...) recebeu forte influncia especialmente da [maonaria] francesa que, notranscorrer daquele sculo, foi assumindo gradativamente posicionamentospolticos liberais, anticlericais, laicizistas e racionalistas. Exemplo disso foi oGrande Oriente da Frana, que (...) excluiu de seus estatutos a obrigao (...)da crena em Deus, na imortalidade da alma e do juramento sobre a Bblia(...). As maonarias da Inglaterra e dos Estados Unidos reagiram a isso deforma radical e, juntamente com outros pases, romperam relaes com a daFrana e demais pases sob a sua influncia. Assim, consolidaram-se duas
principais vertentes manicas que j h muitas dcadas atuavam comperspectivas diferentes: a considerada por alguns historiadores comomaonaria regular, ou ortodoxa, e a outra, a maonaria irregular,heterodoxa.71 (grifos da autora).
Mais uma vez, a rivalidade acima descrita ilustra a ausncia de homogeneidade no
interior das instituies manicas. Em um debate organizado recentemente pela Fundao
Biblioteca Nacional, a historiadora Isabel Lustosa chamou ateno para as contradies das
71 COLUSSI, op. cit., 1998a, p. 31.
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maonarias brasileiras durante a primeira metade do sculo XIX, afirmando que no havia
concordncia no pensamento poltico dos grupos que atuaram no Movimento de 1822.
Dentro dessa lgica, foram percebidos diversos conflitos internos entre os
partidrios que defendiam a forma republicana de governo para o Brasil independente, a
exemplo de Joaquim Gonalves Ledo, e os seus concorrentes, entre os quais se destacavam
Hiplito da Costa e Jos Bonifcio, que visavam a manuteno do regime monrquico.
Portanto, apesar de uma aparente unio interna, a oposio entre republicanos e
monarquistas indicou as divergncias no seio dos maons brasileiros. Isabel Lustosa
concluiu sua exposio afirmando que Gonalves Ledo foi um dos maiores idealistas do
Brasil, ao lado do Hiplito da Costa, que era o oposto dele. Os dois do a dimenso do que
era o papel da maonaria no momento de nossa independncia.72
Alm de toda essa competio interna, a maneira pela qual se processou a expanso
manica pelo mundo abriu caminho para o estabelecimento de particularidades nacionais.
Em nosso pas, os testemunhos manicos conferiram sua organizao um papel
destacado durante o processo de independncia em relao a Portugal.
Esse fato foi atestado por vrios historiadores acadmicos brasileiros, que
identificaram os pedreiros livres como um dos principais grupos formadores da
emancipao poltica do Brasil. No entendimento de Marco Morel, por exemplo, asatividades manicas se constituram em um importante espao de debate e coordenao
de foras polticas que atuaram no Movimento de 1822.73
O primeiro Grande Oriente do Brasil foi fundando em 1822, dentro do contexto da
efervescncia de idias advindas do(s) projeto(s) de independncia brasileira. Sua
composio inicial oriunda da loja Comrcio e Artes contava com personalidades
conhecidas da histria brasileira, a exemplo de Jos Bonifcio, Gonalves Ledo e do
prprio dom Pedro I, que rapidamente se t