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PERFIL DO PÚBLICO DAS ARTES EM PORTO ALEGRE
Álvaro Santi1
Resumo: O artigo apresenta e analisa alguns resultados da pesquisa Usos do Tempo Livre e Práticas Culturais dos Porto-Alegrenses, realizada pelo Observatório da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, entre novembro e dezembro de 2014, referentes à frequência de atividades culturais externas, tais como a assistência a espetáculos de música, dança, teatro, exposições e filmes, segundo variáveis como idade, sexo, cor ou raça, escolaridade, renda, trabalho, profissão e estado civil.
Palavras-chave: consumo cultural, práticas culturais, tempo livre, participação cultural
A pesquisa Usos do tempo livre e práticas culturais dos porto-alegrenses2,
iniciativa do Observatório da Cultura de Porto Alegre, visou caracterizar o perfil da
população desta cidade, em relação a seus hábitos de lazer e, mais especificamente, ao
consumo de bens e serviços artístico-culturais, como subsídio para a formulação de
políticas públicas por parte da Secretaria Municipal da Cultura (SMC). Uma primeira
publicação apresentou os resultados básicos da pesquisa, sem contudo efetuar
cruzamentos entre as diversas variáveis. Foram entrevistados, entre novembro e
dezembro de 2014, 1220 porto-alegrenses de ambos os sexos, com idade a partir de 14
anos. As entrevistas foram feitas a domicílio, sendo a amostra estratificada segundo
idade, sexo e residência nas 17 regiões da cidade. A margem de erro calculada é de
2,8% para mais ou para menos.3
Este artigo dá continuidade à análise daqueles resultados, relacionando
características dos entrevistados - como idade, sexo, cor ou raça, escolaridade, renda,
profissão e estado civil - com a frequência com que declararam assistir a eventos
externos (fora de casa), identificados habitualmente como culturais: sessões de cinema,
shows musicais, circo, concertos ou óperas, espetáculos de dança ou balé, de teatro,
exposições de fotos, de pintura ou outras artes e bailes ou outros locais de dança.
A perguntas sobre a frequência a esse tipo de eventos ofereciam quatro respostas
possíveis: 1) “Sim, ao menos uma vez nos últimos 30 dias”; 2) “Sim, ao menos uma vez
nos últimos 12 meses”; 3) “Sim, alguma vez na vida, há mais de 12 meses” e 4)
“Nunca”. Neste artigo analisamos as respostas extremas, denominando (de forma
1 Prefeitura de Porto Alegre (Observatório da Cultura). [email protected] A pesquisa foi coordenada pela equipe formada pelo Prof. Dr. Caleb Faria Alves (IFCH-UFRGS), Profa. Ms. Mariana Aydos (SENAC-RS) e Ms. Fátima Ávila, além do autor. 3 Mais informação sobre a metodologia da pesquisa na publicação citada. ( V. Referências)
conscientemente imprecisa) aqueles que optaram pela primeira de “frequentadores
assíduos”; e os que se enquadraram na última, como “excluídos” dessas manifestações
culturais.
Não se assume aqui, evidentemente, um conceito de cultura restrito às atividades
citadas acima, que representam uma parcela pequena das 114 perguntas do questionário;
ou às artes em geral. Sendo, porém, o fomento a essas atividades objeto de gasto público
significativo na função cultura, nas três esferas de governo, não pode haver dúvidas
quanto à relevância de se conhecer em que medida elas são fruídas pela sociedade, em
seus diferentes estratos.
Idade
De maneira geral, à medida que aumenta a idade, tornam-se mais raros os
frequentadores assíduos. Jovens de 15 a 24 anos são a faixa etária que apresenta os
maiores percentuais de frequentadores assíduos de cinema (59,7%, contra 39,8% do
total da amostra), bailes (53,6% contra 39,3% do total) e shows musicais (51,6% contra
36,3%). No caso do cinema, por exemplo, essa parcela cai para 19,1% entre 55 e 64
anos e apenas 8,1% com 65 anos ou mais. Para exposições de fotografia ou de artes em
geral, há uma predominância da faixa de 25 a 44 anos. Nas demais atividades, existe
uma distribuição mais equitativa dos frequentadores entre as faixas intermediárias, com
variações que ficam dentro da margem de erro, porém sempre com redução significativa
na de maior idade. Destaca-se o fato de nenhum dos 115 respondentes desta faixa (que
corresponde a quase 10% do total da amostra) ter frequentado concerto ou ópera, nem
exposições de artes nos últimos 30 dias, enquanto apenas dois (1,7%) frequentaram
espetáculos de dança ou balé.
No polo oposto, da exclusão, o maior índice encontra-se novamente entre os
jovens de 15 a 24 anos, dos quais 76,9% nunca estiveram em um concerto ou ópera,
percentual bem acima da média da amostra, para esta atividade (67,1%). Um pouco
menos pior é a situação da dança ou balé: 67,5% dos jovens de 15 a 24 anos nunca
frequentaram essa atividade, contra 58,7% da população em geral. Essa tendência em
parte é esperada, se considerarmos que o número de oportunidades para frequentarmos
eventos tende a crescer de forma proporcional ao tempo vivido. No entanto, quando se
trata de exposições, são os idosos (65 anos ou mais) que apresentam os maiores índices
de exclusão - 64,3%, contra média de 52,9% para exposições de foto; 65,2% contra
49,7% para exposições de artes. O fenômeno se repete no teatro - 53,9% entre os idosos,
contra 43,2% na população em geral. Já o circo tem características peculiares. Embora a
exclusão em geral seja menor que para as outras artes (23,3%), ela aumenta em
proporção inversa à idade, atingindo 35,7% na faixa de 15 a 24 anos, o que poderia
indicar uma tendência à redução do acesso ou do interesse por essa atividade
tradicional, nos últimos tempos, entre os mais jovens. O recorte da pesquisa, porém, ao
entrevistar somente pessoas com mais de 14 anos, deixou de fora as crianças, público
por excelência do circo, motivo pelo qual seria precipitado concluir algo nesse sentido.
Em relação a shows musicais, há duas categorias distintas de exclusão (que poderíamos
chamar generacionais): dos 15 aos 44 anos o percentual de pessoas que nunca foram a
shows (entre 4,1% e 5,1%) é menos da metade do apresentado entre as pessoas com
mais de 45 anos (entre 9,6% e 11%).
Sexo
A pesquisa entrevistou 626 mulheres (51,3%) e 594 homens (48,7%). Diferenças
significativas de frequência entre os sexos ocorrem em poucos tipos de atividades
culturais. Entre os frequentadores assíduos de shows musicais, a maioria é de homens
(39,7%, contra 33,1% de mulheres), o mesmo acontecendo entre os que costumam sair
para dançar (41,8% x 36,9%).
Já os excluídos da música de concertos e ópera são mais frequentemente
mulheres (69% x 65,2%). No caso de espetáculos de dança, ocorre o contrário: 62,5%
são homens e 55,1% mulheres.
Raça ou Cor
Em relação a esta variável, 847 entrevistados (69,4%) declararam-se brancos,
259 pretos (21,2%) e 89 pardos (7,3%). Para uma melhor representatividade, em função
do tamanho da amostra, pretos e pardos foram considerados em conjunto na análise
(como “negros”), totalizando 28,5%. Devido à pouca representatividade, não utilizamos
as respostas dos 23 respondentes que se declararam indígenas (1,9%) e dos 2 da raça
amarela (0,2%).
As percentagens de frequentadores assíduos são maiores entre brancos do que
entre os negros, para quaisquer das atividades pesquisadas (embora, em alguns casos, a
diferença fique dentro da margem de erro). A maior diferença em termos proporcionais
encontra-se no público teatral: são 10,2% entre brancos, 2,2 vezes mais do que entre
negros e pardos (4,6%). Em termos absolutos, está no cinema, com 43,3% para brancos
contra 30,5% para negros. Em média, a probabilidade de um branco ser frequentador
assíduo de alguma das atividades consideradas é 42% maior do que para um negro.
Também as taxas de exclusão são maiores entre negros do que entre brancos,
para todas as atividades pesquisadas. Em média, as chances de um entrevistado ser
excluído são 50% maiores para negros.
Trabalho
Os índices de frequentadores assíduos entre pessoas que declararam ter atividade
remunerada (769 respondentes, ou 63% da amostra) são sempre superiores aos que não
trabalham, sugerindo que dispor de tempo livre tem menos relevância do que ter
recursos para frequentar atividades culturais – não apenas para ingressos, mas para
transporte e outros custos associados. Em termos proporcionais, a diferença é mais
acentuada entre os frequentadores de circo, onde o percentual entre trabalhadores é
quase quatro vezes maior do que entre não-trabalhadores; de concertos (3,4 vezes
maior); e de dança (2 vezes). Contudo, como os percentuais gerais de assíduos nessas
atividades são pequenos (4,4% para circo, 3,4% para concertos e 6,6% para dança), tais
diferenças ficam dentro da margem de erro. Já entre frequentadores de espetáculos de
música popular, o fator trabalho influencia pouco: são 37,7% entre trabalhadores, contra
33,9% de não trabalhadores. A exceção à regra fica por conta das exposições de artes,
onde frequentadores assíduos são mais comuns entre não-trabalhadores (12,6%) do que
entre trabalhadores (11,7%), porém a diferença não ultrapassa a margem de erro.
Já os dados da exclusão seguem, como de costume, a tendência inversa, com
índices maiores entre os não-trabalhadores para todas as atividades. Aqui, a maior
discrepância surge em relação aos bailes, onde a exclusão é 2,1 vezes maior entre não-
trabalhadores (14,4% contra 6,8%). Já em relação ao circo os índices são muito
semelhantes (22,9% contra 23,9%).
Os trabalhadores foram classificados conforme o tipo de vínculo: 357
empregados do setor privado (29,3%), 260 autônomos ou profissionais liberais (21,3%),
84 servidores públicos (6,9%), 32 empresários (2,6%) e 26 bolsistas ou estagiários
(2,1%)4. Observou-se que os frequentadores assíduos são significativamente mais
frequentes entre empregados do setor público do que outras categorias, para a grande
4 4 entrevistados não responderam à pergunta.
maioria das atividades culturais. Em muitas delas, a percentagem de assíduos entre os
servidores públicos chega ao dobro da média entre os trabalhadores, como nos
concertos (11,9%, contra média de 4,6%), dança ou balé, circo e exposições. As
exceções ficam com o cinema, em que os servidores públicos são superados pelos
bolsistas ou estagiários (54,8% contra 65,4%), atividade em que predomina o público
mais jovem, como vimos anteriormente; e o teatro, onde 25% dos empresários são
assíduos, contra 19% dos servidores públicos. Chama a atenção ainda o fato de não se
encontrarem, entre os 26 entrevistados que se declararam bolsistas ou estagiários,
nenhum que tenha frequentado concerto ou ópera, dança ou balê e circo nos últimos 30
dias. Tampouco foi encontrado frequentador assíduo a concerto ou ópera entre os 32
empresários entrevistados.
No aspecto da exclusão, os funcionários públicos mantém uma performance
invejável, sendo o fato mais notável o não haver nenhum entre os 84 que não haja
frequentado alguma vez um cinema ou show musical. O mesmo, porém, ocorre entre os
26 bolsistas e estagiários, categoria que também apresenta o menor índice de excluídos
para exposições de fotos (26,9%). Por outro lado, os empresários são os que apresentam
as menores taxas de exclusão para as atividades de teatro (12,5%, menos de um terço da
média de 39,9%), dança (25% contra média de 55,1%), exposições de artes (21,9%
contra 46%) e circo (9,4% contra 22,9%).
Entre as 451 pessoas que declararam não ter atividade remunerada (37% da
amostra), cerca de 1/3 são estudantes, enquanto outro 1/3 são aposentados. O restante
dividem-se entre afazeres domésticos e os que estão desempregados ou procurando
emprego. As baixas frequências à maioria das atividades reveladas pelos idosos foram
confirmadas pelos que se declaram aposentados, sempre com frequências
significativamente mais baixas que a média dos entrevistados. Mesmo no cinema, bailes
e shows musicais, atividades que apresentam os menores índices de exclusão, não
iremos encontrar muitos aposentados entre os frequentadores assíduos, reforçando a
tendência a considerar outros fatores como preponderantes sobre a disponibilidade de
tempo livre na decisão de frequentar atividades culturais. Somente 12,9% dos
aposentados frequentaram cinema nos últimos 30 dias, por exemplo, percentagem 5
vezes menor do que os 64,6% do total dos entrevistados.
Já na categoria dos excluídos tem destaque os que se dedicam a afazeres domésticos,
com índices maiores de exclusão para a maioria das atividades (concertos, dança, teatro,
exposições e circo). Observe-se que os estudantes, se por um lado apresentam as
menores taxas de exclusão em atividades como teatro e exposições, chegando à taxa
zero em cinema (todos os 140 estudantes já o frequentarem pelo menos uma vez), em
outras tem índice acima da média, como no circo e concertos.
Estado civil
Quase a metade da amostra (48,4%) é de pessoas casadas ou que vivem em
união estável, seguidas pelos solteiros (38%). Separados são 7,3% e viúvos, 5,7%. Os
frequentadores assíduos distribuem-se de forma bastante desigual, em relação a diversas
atividades culturais, conforme seu estado civil. Mais da metade dos solteiros, por
exemplo, são assíduos ao cinema (56,5%), percentual que não é igualado em nenhuma
outra atividade, em nenhum estado civil. Casados assíduos ao cinema, por exemplo, são
apenas 30,3%. Situação semelhante ocorre em relação a shows musicais (46,4% entre os
solteiros; 31% entre casados) e bailes (48,8% contra 35,5%). Somente 1,7% dos
solteiros (8 entre 463 entrevistados) frequentaram concertos no último mês, sendo esta a
menor porcentagem para qualquer estado civil e atividade. Tendência inversa ocorre nas
atividades de público menos numeroso, como os concertos e ópera, onde são assíduos
4,9% dos casados, contra apenas 1,7% dos solteiros; assim como nos espetáculos de
dança (8,3% contra 4,8%) e circo (6,1% contra 3%), ainda que essas diferenças estejam
dentro da margem de erro.
Já as pessoas que nunca frequentaram eventos culturais são proporcionalmente
mais numerosas entre os viúvos, para quase todos os tipos de eventos, com exceção do
circo. (No caso da dança ou balé, em que os excluídos representam 62,9% dos viúvos,
há um empate técnico com os solteiros, com 63,5%). A maior taxa de exclusão ocorre
entre os viúvos para a música erudita: 77,1% nunca frequentaram.
Escolaridade
Somente 21,5% dos entrevistados são estudantes, ou seja, declararam ter vínculo
ativo com instituição de ensino. A percentagem destes que frequentou eventos culturais
nos últimos 30 dias é significativamente superior aos não-estudantes, para qualquer tipo
de evento, chegando a ser mais que o dobro para o cinema (66,4% contra 32,5%). O
menor impacto desta variável foi registrado no caso dos espetáculos teatrais, onde
11,1% dos estudantes são frequentadores, ainda assim um percentual superior aos 7,9%
de não-estudantes. A diferença, contudo, encontra-se dentro da margem de erro.
Já entre os excluídos, repete-se de forma geral a tendência inversa (maior
exclusão proporcional à menor escolaridade), com interessantes exceções. No caso dos
concertos, os percentuais são praticamente idênticos entre estudantes ou não-estudantes.
Para o cinema, atividade em que os índices de exclusão são em geral pequenos, o dos
não-estudantes é 4,5 vezes maior do que o dos estudantes, já que somente 2 entre 262
estudantes entrevistados declararam nunca ter ido ao cinema (0,8%). Contudo, para
frequência ao circo e a bailes, o percentual de excluídos é maior entre os estudantes.
Somente 105 dos entrevistados (8,6%) possui curso superior completo (aí
incluídos 17, ou 1,4%, com pós-graduação); 394 concluíram o Ensino Médio (32,3%);
433, o Ensino Fundamental (35,5%) e 277 chegaram até à 4ª Série do EF (antigo
primário, aqui chamado abreviadamente de EP) (22,7%).5 Conforme o tipo de
atividades, verifica-se diferentes impactos da escolaridade nos hábitos da população
entrevistada. Bailes são os eventos mais amplamente frequentados por pessoas,
independentemente de sua escolaridade, seguidos dos shows musicais. Quanto aos
bailes, a variação fica em torno de 10 pontos percentuais abaixo como acima da média
de 39,3%: de 27,8% entre os que cursaram o ensino “primário” até 48,3% entre os que
completaram o EF. Nos shows de música, a situação é semelhante, ficando a média de
36,4%, entre o mínimo de 28% com EP e o máximo de 45%, com EF completo. Em
5 Devido ao número muito pequeno dos que nunca estudaram (somente 7 entrevistados dos 1220), não consideramos esse grupo na análise.
ambas as atividades, a faixa de escolaridade que tem mais frequentadores
proporcionalmente é a que tem o EF.
Diferenças bem maiores entre os hábitos das pessoas situadas em diferentes
faixas de escolaridade aparecem na frequência a concertos, exposições e espetáculos de
teatro e dança. Nas exposições de fotos, a percentagem de entrevistados que frequentou
ao menos uma vez nos últimos 30 dias entre pessoas com ES é mais de três vezes
superior (11,4%) do que entre os que tem apenas o EP (3,2%). Números semelhantes
aparecem no teatro: 12,4% contra 3,6%. A diferença entre as faixas extremas é ainda
mais expressiva no caso da música erudita: 4,8% contra 0,4%.
Há que se destacar, contudo, que tais variações não são tão expressivas quando
comparamos a faixa de graduados universitários com aqueles que tem o EF completo,
inclusive em algumas atividades são semelhantes os índices. Cinema, concertos,
dança/balé e exposições apresentam pouca diferença entre as duas faixas; somente no
teatro há uma diferença significativa, de 12,4% (ES) para 8,5% (EF), mesmo assim
dentro da margem de erro. Já os shows musicais e bailes, como dito acima, são mais
frequentados pela faixa com EF do que a de ES, o mesmo ocorrendo com o Circo.
A associação mais forte que se verifica é entre a frequência assídua e a
conclusão do EF. A partir deste grau, as alterações são pouco significativas quando da
conclusão do EM ou ES, mesmo no caso da música erudita. Inclusive, em alguns casos,
a alteração é para menos: para circo, baile e shows de música, percentual de assíduos
decresce do EF para EM e deste para o ES. A exceção desta regra é o cinema, em que a
posse do diploma universitário aumenta em 12,2% a chance de encontrarmos um
frequentador assíduo.
No outro extremo, vamos agora analisar a exclusão cultural, conforme
distribuída entre as distintas faixas de escolaridade. Aqui, existe uma tendência mais
uniforme de queda contínua na exclusão, inversamente proporcional ao grau de
escolaridade dos entrevistados, com poucas exceções. Em todas as atividades
pesquisadas, o maior percentual de pessoas que nunca frequentou encontra-se
invariavelmente na faixa com menor escolaridade (EP). No circo e bailes há empate
técnico com o EF, considerando a margem de erro. Somente no circo não há queda
contínua para cada novo grau escolar, onde na faixa de maior escolaridade encontramos
21,9% de pessoas que nunca frequentaram, contra 15,3 na faixa com EM.
Embora os shows de música, como assinalamos, tenham na distribuição dos
frequentadores assíduos uma das mais equilibradas, no caso dos não-frequentadores
esses eventos apresentam a maior variação entre as faixas de escolaridade extremas,
sendo o percentual de não-frequentadores entre pessoas com EF (15,2%) oito vezes
maior do que entre graduados universitários (1,9%). No caso do cinema, esta diferença
ainda é alta, de quase seis vezes (entre 5,8 e 1%). A menor diferença ocorre no caso do
circo (1,2 vezes), mas nos demais casos é pelo menos o dobro.
Renda6
No cruzamento dos dados referentes à renda familiar e à frequência à atividades
artísticas, verificou-se a esperada desigualdade entre as quatro distintas faixas de renda
adotadas. As desigualdades são menores na frequência a bailes, em que mesmo assim o
maior percentual de frequentadores assíduos da maior faixa de renda (42,4%) supera em
muito o da menor (26,2%). Cinemas e shows de música apresentam cenários de
6 Devido ao pequeno número de entrevistados (17 em 1220) que declarou renda familiar superior a 20 SM, nesta análise optamos por considerar esse grupo em conjunto com a faixa de renda entre 10 e 20 SM.
desigualdade entre as diferentes faixas de renda, porém não tão pronunciados como nas
demais atividades. Os percentuais de frequentadores assíduos em cada faixa de renda
são semelhantes para ambas as atividades, sendo cerca de três vezes maior na classe
mais alta (52,9% para ambas atividades) do que na mais baixa (17,4% para o cinema,
14,9% para shows). Chama a atenção, na maioria das atividades, que a esperada
tendência de aumento do percentual de frequentadores assíduos proporcional ao
aumento da renda, observada da primeira faixa para a segunda e desta para a terceira,
sofre uma queda na última faixa. Ou seja, o percentual de frequentadores assíduos é
maior entre os que têm renda de 4 a 10 SM do que entre os que recebem mais de 10 SM.
Tal fenômeno só não ocorre para shows de música, teatro e exposições de fotos, nas
quais os percentuais de frequentadores assíduos aumentam de forma contínua, conforme
cresce a renda.
A exclusão apresenta diferenças significativas entre as quatro faixas de renda
para todas as atividades. Mesmo na atividade em que a exclusão em geral é menor, no
cinema (2,9%), 10,8% dos que possuem renda familiar até 2 SM nunca o frequentaram,
enquanto entre os que recebem mais de 10 SM esta taxa é de apenas 1,5%. Para
espetáculos musicais, repete-se o fenômeno (13,3% entre os de menor renda, contra
2,3% entre os de maior), assim como para bailes (13,8%, contra média de 2,3%). As
atividades com níveis altos de exclusão em geral. Concertos e espetáculos de dança
apresentam distribuição semelhante entre si, quanto às faixas de renda, com percentuais
elevados de exclusão mesmo na maior faixa (42,4% para concertos, 37,1% para dança),
e ultrapassando os 70% na menor faixa. Esta última cifra é semelhante para exposições
de arte ou fotografia, porém nestas atividades a exclusão é menor nas classes mais
favorecidas, pouco mais de 20%. Os números para o teatro são um pouco mais
animadores, pois embora os percentuais de excluídos sejam maiores do que para bailes,
cinema e música, são inferiores aos de exposições, dança e concertos, para todas as
faixas de renda.
Considerações finais
Conforme dito acima, constituem objeto deste artigo uma pequena parcela dos
resultados da pesquisa, muito restando a ser analisado, como as práticas de lazer
realizadas em casa (ler, ouvir música, assistir TV) ou aquelas “não-culturais” (passear
no parque, praticar esportes), entre outros exemplos. Também serão de interesse as
comparações com dados similares de outras pesquisas, que ponham em evidência
diferenças ou semelhanças da população de Porto Alegre com outras cidades e estados.
Não obstante, os dados aqui apresentados indicam de forma clara a existência de
graves desigualdades na participação da população em eventos artísticos, que clamam
por maior atenção das políticas públicas locais, entre cujos objetivos deve figurar
naturalmente o atendimento da disposição constitucional de “proporcionar os meios de
acesso à cultura” (Art. 23, inc. V). De igual forma, a Secretaria da Cultura de Porto
Alegre, quando de sua criação, em 1988, teve estabelecido entre seus objetivos o de
“possibilitar o acesso de todas as camadas da população do Município aos bens
culturais” (Art. 3°, Inc. I). É urgente, portanto, encontrar formas de ampliar os públicos
desses eventos, atraindo a população que apresenta maiores índices de exclusão,
notadamente os jovens e idosos, negros, pobres e pessoas com baixa escolaridade.
Políticas sociais transversais voltadas para a juventude, os idosos, a acessibilidade e o
combate à discriminação racial – cuja existência institucional é bem mais recente do que
no campo da cultura – podem e devem contribuir nessa tarefa, atuando de forma
coordenada com os órgãos de cultura. Da mesma forma o sistema de ensino, cujo papel
na formação de públicos é evidente, com resultados a médio e longo prazo.
Os motivos alegados pelos entrevistados para não frequentarem atividades
culturais externas (como a falta de recursos, de tempo ou de interesse, o medo da
violência, etc.), não abordados aqui por falta de espaço, constituem informação
imprescindível para a construção de estratégias nesse sentido, que ultrapassem o campo
das boas intenções ou soluções simplistas como a entrada franca.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
PORTO ALEGRE. Lei 6.099, de 3 de fevereiro de 1988. Cria a Secretaria Municipal da
Cultura, cargos em comissão e funções gratificadas, altera a denominação e as
finalidades da Secretaria Municipal de Educação e Cultura e a vinculação do
COMPAHC, autoriza o Executivo a criar o Fundo Pró-Cultura e dá outras providências.
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/avancada.html
PORTO ALEGRE. Observatório da Cultura. Usos do tempo livre e práticas culturais
dos porto-alegrenses. Porto Alegre, Secretaria Municipal da Cultura, 2015.
http://culturadesenvolvimentopoa.blogspot.com.br/2015/08/usos-do-tempo-livre-e-
praticas.html.