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Relatório final do projeto

OVISUNGO BRINCA AÊ

Coletivo Água Benta

contemplado pelo edital Projetos de Mediação em Artes do Centro Cultural São Paulo.

Período: de julho a dezembro de 2015.

Acabou nosso urucum! Onde tem urucum nessa capital sem fim? O outro que tínhamos veio de Cabreúva. Bom, vamos fazer só com as argilas então. Não vai ficar tão colorido mas vamo ver se conseguimos alguma outra tinta natural vermelha. A ação seria na sexta. Era terça feira e o comentário de uma semana antes despertou em Dona Marli a graça de vir presentear­nos com urucum para que pudéssemos continuar a experimentação de maquiagens com tintas naturais. Delicadezas que fazem brotar sorrisos de profundas raízes.

Instrumentos no Jardim Suspenso

créditos: Thaíla Vieira

Instalação de poemas

créditos: João Lopes

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O projeto OVISUNGO brinca aê ­ uma mediação em artes integradas no

Centro Cultural São Paulo, possibilitou ao Coletivo Água Benta o aprofundamento e

experimentação em torno da pesquisa sobre culturas negras e indígenas iniciada no final

de 2013. O interesse em estudar cantos e gestualidades de trabalho nos conduziu aos

vissungos, cantos de origem africana ­ regiões de Angola e Congo ­ trazidos pelos

negros que foram escravizados no Brasil. O primeiro registro escrito desta cultura data

de 1929 . Neste ano, em visita a Minas Gerais, o pesquisador Aires da Mata Machado 1

Filho transcreveu em partituras alguns cantos entoados em diversas situações do

cotidiano. Eram cantos de trabalho, cantos de carregar defuntos, cantos do amanhecer

do dia, cantigas de caminho, entre outras.

A continuação desta pesquisa que evoca nossa ancestralidade negra possibilita

o reconhecimento e valorização da rica contribuição de matriz africana para a cultura

brasileira. Realizar esse trabalho no CCSP é parte de um processo maior de

fortalecimento das culturas indígenas e afro­brasileiras em nosso país.

Investigando o tema dosvissungos, chegamos ao termo umbundoovisungo que

significa cantos, hinos. Decidimos adotar essa nomenclatura para a pesquisa a fim de

ampliar o repertório de canções pois percebemos a necessidade de trabalhar também

outros cantos de origem popular, tais como cocos e cirandas.

Muitos pesquisadores da área de cultura popular afirmam que o coco é uma

expressão nascida de influências africanas e indígenas. Foi neste ponto que o enorme

universo da cultura indígena também nos chamou atenção e percebemos que estudar

cultura popular no Brasil significaria entender as confluências e disputas sociais e

simbólicas entre os diferentes povos que formam nossa identidade.

O projeto Ovisungo brinca aê! foi uma grande oportunidade de colocar em

prática algumas destas descobertas e dialogar diretamente com o público­participante

que foi constantemente convidado a criar conosco, compartilhando conhecimentos,

experiências, e poesias sobre resistência cultural.

Quais seriam os cantos que fazem parte do cotidiano das pessoas que

frequentam o CCSP? Como trabalhar o universo simbólico negro em nossa sociedade,

nesse espaço cultural e de estudo? Quais temas abordar diretamente, quais vivenciar

através da música, do canto, de máscaras e intervenções visuais?

1 MACHADO FILHO, Aires da Mata. O Negro e o Garimpo em Minas Gerais. Ed. José Olympio, 1943.

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Neste projeto começamos a experimentar linguagens artísticas novas para o

coletivo, isso também nos permitiu propor diferentes formas de diálogo e troca. Até o

final de 2014 só tínhamos trabalhado com teatro e música. Ovisungo brinca aê!

possibilitou irmos além destas linguagens, integrou literatura, artes plásticas, fotografia,

maquiagem e vídeo.

Construímos um processo onde nossa ação principal de cantos e batuques era

mantida enquanto trocávamos as demais ações mais ou menos a cada mês. Essa

dinâmica nos possibilitou trabalhar com grupos de diferentes faixas etárias: crianças,

adolescentes, adultos e idosos; pessoas com referências culturais diversas.

Com o desenvolvimento das ações e intervenções, a importância do trabalho e

a presença do Coletivo Água Benta no espaço público foi se mostrando cada vez mais

significativa e necessária. A linguagem da cultura popular apropriada pelo grupo, os

cantos e batuques, instalações fotográficas que trabalhavam o repertório simbólico

negro e as relações que construímos a partir de jogos, convites a brincar, permitiram a

criação de espaços empíricos e subjetivos. Essa ambiência possibilitou a construção de

relações que nasciam com o tom afetivo, tendo como transporte principal a oralidade e a

experiência prática como forma de troca de conhecimento.

Ocupar o Centro Cultural com este tipo de atividade fugia do lugar comum

frequente naquele espaço, permitia a afetação e a experimentação, a criação. A maioria

das intervenções em dança e música realizadas pelos frequentadores está mais ligada às

tendências da cultura de mercado, principalmente ritmos do pop americano.

Percebemos que nossas intervenções despertavam interesse pela sonoridade –

familiar para muitas pessoas – e pelo fato de estarmos no CCSP, espaço que amplia as

possibilidades de encontro, uma referência de espaço cultural da cidade. Sempre

ouvíamos as pessoas: – Eu adoro esses ritmos! De onde vocês são? Vocês fazem isso

porque vocês querem?

Quando informávamos que se tratava de um projeto do próprio CCSP as

pessoas ficavam ainda mais surpresas e receptivas. Era notável que achavam

interessante ter aquela vivência proporcionada também pela instituição e o contato

direto, a troca, o aprendizado.

Sons, dialetos africanos, palavras, imagens, vídeos, poemas, argilas, urucum,

papelão, tinta despertando o interesse por nossas raízes negras, fazendo brotar sorrisos,

ampliando as possibilidades, os campos de pesquisa e o reconhecimento. A

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identificação com a sonoridade, a proximidade, relações que incentivam a emancipação,

a crítica esclarecedora, a mudança vinda de encontros: “ Isso porque estudar e compartilhar

saberes relativos a essas (que são também nossas) culturas é parte do processo de identificar aspectos

delas em nosso cotidiano e em nossa formação cultural, ao mesmo tempo que é também lidar com outras

visões de mundo, costumes, valores, noções de conhecimento, crença e humanidade.” 2

Ação Prática de Ovisungo

Ação de prática de Ovisungo créditos: Bruno Lima

Essa ação iniciou­se com um cortejo nas imediações do Centro Cultural, mas

logo, percebemos que o cortejo só não bastava. As pessoas se mantinham distantes,

numa posição de observador. O interesse não tinha motivação para a ação. Percebemos

que precisávamos criar outros meios de dialogar. Começamos, então, a caminhada em

busca dos significados de mediação. O diálogo com a equipe da DACE ­ Divisão de

Ação Cultural e Educativa ­ foi muito importante nesse momento para que

2 Trecho do relatório Encontros Cafusos do Coletivo Cafusas contemplado por este mesmo edital de Mediação Cultural em 2014. Pode ser encontrado no endereço: http://www.centrocultural.sp.gov.br/pdfs/mediacao_em_arte_encontros_cafuzos_2014.pdf . Data de acesso: 07/03/2016.

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começássemos a colocar em prática a intenção de intervenção e troca, convidando o

público participante para a criação.

Buscamos um contato mais íntimo, fazendo uma abordagem que despertava a

curiosidade das pessoas. Passamos a nos aproximar usando poemas, cantos e ritmos dos

Ovisungos. Era como se chegássemos oferecendo algo para iniciar a troca. Em seguida,

convidávamos os interlocutores a declamar um poema, cantar e tocar conosco. Tivemos

muitas conversas sobre cotas raciais, preconceitos, afirmação da cultura negra,

formação educacional brasileira, entre outras.

Ao compartilhar as canções de nosso repertório, perguntávamos se o

participante lembrava alguma música deste contexto afro­brasileiro, indígena, popular,

folclorista. Às vezes quando as pessoas diziam que não conheciam nenhuma mas que

demonstravam vontade de cantar, pedíamos que cantasse alguma música que fazia parte

de sua vida, que sua mãe ou avó cantava.

Vivenciamos momentos muito poéticos, uma menina em especial nos marcou

cantando uma música que sua mãe cantava e abriu um vozeirão: “ Ninguém ouviu! Um

soluçar de dor. No canto do Brasil...” famoso Canto das três raças dos compositores

Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, muito conhecido na voz da cantora Clara Nunes.

Oferecemos instrumentos musicais e fizemos rodas de batuques e cantos.

Compreendemos esse fazer como chama na memória e incentivo de continuidade.

Também tivemos momentos em que sentimos a necessidade de improvisar livremente

sobre ritmo e canto. Entendemos o improviso como uma importante ferramenta

metodológica na mediação, onde tudo está em movimento e tomando forma

possibilitando um espaço de aprendizagem/troca valorizando o inesperado, abrindo

espaço para a intuição, experimentando musicalmente.

Foram espaços de troca de conhecimentos, conceitos e significados sobre a

cultura popular, sobre nossa latente cultura negra. Esta ação também foi para o grupo

uma oportunidade de aprender com a diversidade cultural e social presente no CCSP e

construir espaços para discussões sobre diferença social, racial, costumes que

adquirimos, cultivamos ou mudamos a todo o momento.

Conversar com pessoas de várias idades, desde crianças a idosos e de contextos

muito diferentes foi uma oportunidade única de ter contato com vários tipos de pessoas

por meio da arte:

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Diego Cangussu, professor, nos deu apoio na caminhada da educação,

parabenizando nosso trabalho e sempre parando para conversar ou participar da ação,

encontramos ele algumas vezes. A Lys Pereira, uma menina sensível à vibração do

tambor, que estava na rotina de estudos para o vestibular, mas sempre encontrava um

tempo para estar conosco, tocar e cantar. O jovem que estudava teatro e percussão,

Ayron Barsan, também participou de várias ações de Prática de Ovisungo. O Gustavo

Giacomini, que correu pra perguntar o que era oovisungo dizendo que tinha pesquisado

na internet, mas não conseguiu encontrar o significado da palavra e questionou o porque

do nome Água Benta já que nós não parecíamos nada católicos! A Thabata Giovanini

que toca violoncelo, e também sempre estava no CCSP, se tornou nossa amiga.

Algumas pessoas se tornaram muito próximas nessa caminhada e o carinho que estamos

construindo também será um grande ganho desta experiência no Centro Cultural!

O Sr. Zazul e D. Virginia, um casal de “jovens aposentados” que frequenta o

Centro Cultural, os dois participaram várias vezes das ações. O inesperado, que acabou

virando rotina, é que seu Zazul sempre nos trazia cds com músicas tradicionais,

regionais, algo para compartilhar que nos ajudou a aprofundar nossa pesquisa.

Dona Virgínia e Seu Zazul participando de uma Ação de Prática de Ovisungo.

créditos: João Lopes

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A maioria das ações de Prática de Ovisungo aconteciam no jardim suspenso do

CCSP. No espaço aberto de relaxamento e tranquilidade que esse ambiente proporciona

encontrávamos eco para a prática da música e troca de informações e poesias. Também

realizamos algumas dessas ações na Área de Convivência e na rampa que dá acesso ao

metrô. Nesses ambientes tivemos dias de bastante envolvimento do público,

principalmente grupos de jovens entre quatorze e vinte e poucos anos que se

empolgavam com as músicas e a presença forte e marcante do tambor.

Presentes oferecidos por Sr. Zazul. Entre os títulos: Avó de Jorge Marciano, Abayomy Afrobeat Orquestra e Agricantus. créditos: Jota Santana.

Ação de Prática de Ovisungo na rampa de acesso ao metrô. créditos: Bruno Lima.

canto memória canto vivo de renascer, criar, transformar

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Seguem as letras de algumas músicas que cantamos:

COROA SANTA - domínio público Coroa santa coroa santa coroa santa lá no céu e lá no mar ôôô coroa santa abre essa porta pra felicidade entrar SENHORA RAINHA - domínio público Senhora rainha sua casa cheira senhora rainha sua casa cheira cheira cravo e rosa a flor da laranjeira cheira cravo e rosa a flor da laranjeira MURIQUINHO PIQUININO - domínio público Muriquinho piquinino, muriquinho piquinino, Parente de quiçamba na cacunda. Purugunta aonde vai, purugunta aonde vai, Ô parente, pro quilombo do dumbá. (x2) Muriquinho piquinino, muriquinho piquinino, Parente de quiçamba na cacunda. Purugunta aonde vai, purugunta aonde vai, Ô parente, pro quilombo do dumbá. (x2) Ê, chora, chora gongo,ê dévera, chora gongo chora, Ê, chora, chora gongo, ê cambada, chora gongo chora. Muriquinho piquinino, muriquinho piquinino, Parente de quiçamba na cacunda. Purugunta aonde vai, purugunta aonde vai, Ô parente, pro quilombo do dumbá. (x2) Ê, chora, chora gongo,ê dévera, chora gongo chora, Ê, chora, chora gongo, ê cambada, chora gongo chora.

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Ação Discoteca Oneyda Alvarenga

Foto do Acervo da Missão de Pesquisas Folclóricas. 3

Esta ação teve como principal objetivo explorar e divulgar o Acervo da Missão

de Pesquisas Folclóricas disponível na Discoteca Oneyda Alvarenga no Centro Cultural

São Paulo. O material sonoro, visual e escrito que a discoteca guarda é riquíssimo e

muito inspirador para nossa pesquisa sobre música popular e identidade afro brasileira

assim como para qualquer pessoa interessada na formação cultural de nosso país.

Embora seja um acervo muito importante, pois guarda memórias, histórias, objetos de

várias cidade do Norte e Nordeste brasileiro recolhidas na década de 1930, é muito

pouco conhecido. Sendo acessado somente por pesquisadores e artistas curiosos.

Segue um trecho do panfleto informativo que distribuímos nesta ação:

“ A Missão de Pesquisas Folclóricas realizada de fevereiro a julho de 1938

produziu documentários cinematográficos da cultura popular brasileira. Percorrendo os

3 Esta fotografia e mais informações sobre a Missão de Pesquisas Folclóricas estão disponíveis no hotsite http://www.centrocultural.sp.gov.br/caderneta_missao/index.html. data de acesso: 08/03/2016.

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estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, a equipe coordenada

pelo arquiteto e membro Sociedade de Etnografia e Folclore Luiz Saia registrou

manifestações culturais, folclóricas, danças e músicas do Norte e Nordeste daquela

época.

A equipe da missão era formada também por Martin Braunwieser, músico e

maestro do Coral Paulistano; Benedito Pacheco, técnico de som e Antônio Ladeira,

assistente técnico de gravação do Departamento de Cultura.

Oneyda Alvarenga, musicista e poetisa, indicada por Mario de Andrade para

ser chefe da Discoteca Pública Municipal de São Paulo, foi quem trabalhou

posteriormente na organização do acervo recolhido pela missão.

Além dos registros documentais, a equipe trouxe também instrumentos

musicais, objetos de cunho religioso e de uso cotidiano. Todo esse material constitui

importante fonte de acesso às nossas heranças ancestrais e cultura brasileira: mescla de

contribuições indígenas, africanas e europeias.”

Ao criar essa ação o Coletivo Água Benta ambicionava conhecer melhor este

acervo e compartilhar essa experiência com os frequentadores do CCSP.

A aproximação se iniciou com visitas do coletivo à Discoteca. Neste momento

vivenciamos os primeiros entraves burocráticos. O acesso ao material do acervo não é

simples e os funcionários desta área tem uma tendência a supervalorizar o aspecto da

conservação inerente ao trabalho com este tipo de material. Para chegar ao material de

fato é preciso muitas etapas: marcar um horário para ir na Discoteca olhar o catálogo,

escolher as obras que desejamos conhecer, solicitar que outro funcionário vá buscar, etc.

Além das Paradas Sonoras, que são plataformas descentralizadas em

diferentes pontos do Centro Cultural onde é possível a audição de uma parte do material

da discoteca, deveriam haver também outras maneiras mais simples de acessar as

informações visuais e literárias. Pesquisadores e funcionários do CCSP poderiam, por

exemplo, pré­selecionar algum material cujo acesso seria mais simplificado, algo que as

pessoas poderiam chegar e se relacionar sem a necessidade de tantas etapas anteriores.

Tudo isso nos fez perceber que a ideia inicial de levar as pessoas até a

Discoteca não seria viável uma vez que a maioria dos participantes de nossas atividades

eram ocasionais.

Fizemos a audição dos cantos e pesquisamos imagens do acervo somente com

os integrantes do coletivo. A audição de alguns cantos foi um momento de acesso a

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nossa memória ancestral, estabelecendo uma relação com o passado e criando um

espaço de experimentação e vivência.

Para compartilhar, saímos com um amplificador onde eram executados alguns

áudios da Missão de Pesquisas Folclóricas, panfletos informativos e algumas réplicas de

instrumentos recolhidos pela Missão.

Os participantes eram geralmente receptivos, se interessavam pela audição das

músicas e demonstravam surpresa e curiosidade a respeito da Discoteca e dos

instrumentos. Entregamos os panfletos que falavam sobre a Missão e contamos um

pouco de sua história.

Esta ação foi modificada depois das três primeiras. Percebemos que a

abordagem com a audição não gerava tanta empatia quanto a com os instrumentos.

Decidimos, então, abordar as pessoas à maneira que fazíamos também na Prática de

Ovisungo, cantando e tocando e construindo diálogos.

Esse novo formato funcionava bem melhor que o primeiro ­ é que a música

executada já fala muito mais do que podemos imaginar. Tínhamos maior empatia,

mostrávamos os instrumentos, entregávamos o panfleto, falávamos da história da

Missão e éramos capazes de convidar as pessoas para tocar, realizar a ação artística

junto conosco. Cantamos e tocamos músicas do repertório da Missão. Segue a letra de

uma delas: Tava na horta, no meu jardim de flor

Quando o avião passou para a cidade de Minas

Em Teresina tem guarda nacional

E o batalhão naval embarcou para Argentina

Mais um pouco sobre a Discoteca Oneyda Alvarenga “(...) idealizada por Mário de Andrade enquanto ele esteve à frente do Departamento de

Cultura da cidade de São Paulo. A Discoteca Oneyda Alvarenga foi criada em 1935 com o nome de

Discoteca Pública Municipal. Trata­se da única instituição pública dessa natureza e abriga um

acervo de mais de 70 mil discos e mais de 60 mil partituras, um rico material para pesquisadores

e público em geral. Além do acervo sonoro e impresso (que inclui uma hemeroteca especializada),

a Discoteca conta com um acervo histórico que reúne documentos, objetos, mobiliário, filmes e

fotografias oriundos da Missão de Pesquisas Folclóricas. A coleção também compreende outros

projetos de pesquisa da primeira metade do século 20 que mapearam as manifestações culturais

brasileiras.” 4

Esta é página da discoteca na internet: http://centrocultural.cc/discoteca/

4 Fonte: http://www.centrocultural.sp.gov.br/saiba_mais/discoteca_paradassonoras.asp. Data de acesso: 08/03/2016

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Ação Brincando no CCSP

Jogos Teatrais

Nossa primeira ação Brincando no CCSP foi realizada no jardim suspenso,

foram feitos jogos teatrais com temáticas da cultura nordestina. Convidamos alguns

jovens que estavam no local para a brincadeira, curioso foi notar que algumas palavras

utilizadas nos jogos como “lampião” e “bandeirola” não eram do conhecimento de

todos. São palavras mais utilizadas no Nordeste, pessoas jovens de São Paulo podem

nunca ter ouvido. Essas diferenças culturais abriram espaço para debates sobre

preconceitos e a importância de se aprender com a diversidade.

Tivemos a participação de cerca de seis pessoas que aceitaram se divertir

conosco por meio de jogos teatrais. A segunda ação foi realizada na Área de

Convivência, próximo à escada que dá acesso ao jardim suspenso.

As dinâmicas teatrais foram inspiradas em jogos que trabalham principalmente

consciência corporal e de coletividade, experimentação com sons e improvisação de

imagens – teatro foto – que dialogavam com o universo da cultura popular e negra. Essa

atividade criou um espaço de interatividade, diversão, ludicidade e encontro.

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Convidado – Tião Carvalho

Tião Carvalho é um maranhense de Cururupu. Desde menino acompanhava de

perto danças festivas e bumba­boi. Começou sua carreira em São Luiz, cidade que foi

para estudar. Em 1979 mudou­se para o Rio de Janeiro a convite do dramaturgo Ilo

Krugli para atuar no elenco do Teatro Ventoforte. Participou também de projetos com

Hermeto Pascoal, Sivuca, Cassia Eller, entre outros. Em 1986 fundou o grupo Cupuaçu

Centro de Pesquisa de Danças Populares em São Paulo. Coordena equipes de

arte­educadores no Butantã ­ bairro onde mora desde os anos 80 ­, coordena a Festa do

Boi no Morro do Querosene que acontece três vezes por ano, ministra cursos de danças

e brincadeiras populares e estimula a criação de grupos para pesquisa. Recebeu o título

de cidadão Paulistano pela Câmara Municipal de São Paulo em reconhecimento ao

trabalho social, artístico e educativo que realiza a anos na cidade.

Com o objetivo de compartilhar os saberes deste mestre com os frequentadores

do CCSP e aumentar nosso repertório de músicas e brincadeiras, organizamos uma

vivência com o mestre Tião Carvalho. Foi uma experiência muito enriquecedora, que

possibilitou a interação de todos os presentes. Fizemos diversos tipos de brincadeiras

com música, movimentos corporais e improviso sonoro e cênico, envolvendo

participantes, transeuntes e funcionários do CCSP.

Tião conduziu os jogos, nos mostrando a leveza em um dia com tempo para

nos soltar, brincar, ir para o meio da roda e inventar uma dança de um bicho imaginário

criado por cada um que ali estava. O público participante foi bem diversificado.

Tivemos a participação de cerca de oito crianças entre quatro e dez anos, três jovens

(faixa etária entre dezoito e trinta e cinco anos) e mais alguns adultos que

acompanharam as crianças ou se aproximaram para uma ou outra atividade. Muitas

pessoas paravam para observar os jogos e ficavam assistindo por um tempo nossas

danças, brincadeiras, cantos, risadas.

Duas das jovens que participaram da ação ­ a Carol e a Cíntia ­ estavam em

São Paulo à passeio. Cíntia é de Fortaleza ­ CE e Carol do interior de São Paulo. Ambas

viram a divulgação nas redes sociais e resolveram ir porque já conheciam e admiravam

o trabalho do Tião. Também tivemos a presença de uma soteropolitana no finalzinho da

ação. Ela estava passando pela rua e escutou o tambor. Quando viu que se tratava de

uma atividade com o Tião se integrou rapidamente entrando na roda dançando. Essa

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moça trabalha perto do CCSP e todos os dias vai lá para dar um tempinho depois do

almoço, naquele dia reconheceu as músicas e caiu no samba e nas brincadeiras.

Participaram ainda da ação pessoas que estavam de passagem ou passeando

pelo CCSP e Aninha, funcionária da DACE. Algumas pessoas ficavam um pouco,

participavam de uma ou duas brincadeiras e saíam, outras que estavam com crianças

saíam e depois voltavam. Tivemos aproximadamente de quinze a vinte pessoas na roda.

Percebemos que as trocas com pessoas de vários lugares e crianças de

diferentes idades enriqueceu ainda mais a ação. Foi também uma mediação muito

importante para nosso grupo pois viabilizou uma formação artística já que aprendemos

novos jogos e músicas populares com o mestre Tião Carvalho e vivenciamos uma ótima

oportunidade de criar coletivamente, improvisar, brincar e experimentar novos corpos e

sons junto com os demais participantes.

Marina Morena, João Lopes, Tião Carvalho, Aninha e Jota Santana. créditos: Cíntia Cintilante.

Dança do Scapelém com o mestre convidado Tião Carvalho.

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Ação Versos Populares

Instalação de poemas em frente à sala DACE, CCSP.

créditos: Jota Santana

Inicialmente tínhamos como proposta releituras de trechos dos livros Cantos

Populares do Brasil de Silvio Romero e Poesia Sempre – Poesia ameríndia do Brasil nº

37 Ano 19/2013 com edição de Afonso Henriques Neto. Com o decorrer das ações,

pesquisamos também alguns poemas de poetas e poetisas negros do Brasil, como

“Canto dos Palmares” de Solano Trindade e “Vozes Mulheres” de Conceição 5 6

Evaristo. Percebemos que esses poemas falavam mais claramente sobre luta e

resistência negra e que seriam mais indicados para o tipo de discussão que queríamos

despertar.

Em um varal suspenso deixamos alguns poemas e poesias pendurados

enquanto caminhávamos com outros, batucando e cantando. Nos aproximamos das

pessoas, recitando os versos, conversando sobre resistência negra e propondo que as

5 TRINDADE, Solano. "Poemas d'uma vida simples". Rio de Janeiro: edição do autor, 1944. 6 EVARISTO, Conceição.Vozes­mulheres. Cadernos Negros, vol. 13, São Paulo, 1990.

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pessoas lessem para nós um dos poemas que tínhamos em mãos ou algum do mural ou

que nos apresentasse um novo.

Essa ação foi realizada em diversas áreas do CCSP, sendo a maior parte no

jardim suspenso, onde tinha maior concentração do público que participava ativamente.

Alí, a maior partes das pessoas estavam passando o tempo, descansando ou tomando

sol, mais disponíveis para uma troca poética. Diferentemente da rampa de entrada do

metro onde as pessoas estavam mais de passagem, olhavam, ouviam mas não se

envolviam tanto.

Falar e discutir sobre resistência negra, ouvir opiniões dos participantes e

afirmar a importância da cultura afro­brasileira para a construção de nossa identidade

foram os principais intentos desta ação. Os poemas eram nossa chave de acesso a este

imaginário social e político que desejávamos problematizar.

Em geral as discussões caminhavam para um consenso sobre a necessidade de

reconhecimento da enorme contribuição cultural e social do povo africano na formação

identitária brasileira. Muitos dos debates ressaltavam a necessidade de políticas de

valorização da cultura negra que ainda sofre muito preconceito, também no âmbito

religioso. O candomblé e a umbanda ­ por exemplo ­ são mal vistos e muito

desrespeitados por uma enorme parcela da população, principalmente evangélicos e

protestantes.

Vozes mulheres ­ Conceição Evaristo

“A voz da minha bisavó ecoou

criança nos porões do navio.

Ecoou lamentos

de uma infância perdida.

A voz de minha avó

ecoou obediência

aos brancos­donos de tudo.

A voz de minha mãe

ecoou baixinho revolta

no fundo das cozinhas alheias

debaixo das trouxas

roupagens sujas dos brancos

pelo caminho empoeirado

rumo à favela.

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A minha voz ainda

ecoa versos perplexos

com rimas de sangue

e fome.

A voz de minha filha

recolhe todas as nossas vozes

recolhe em si

as vozes mudas caladas

engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha

recolhe em si

a fala e o ato.”

Este poema de Conceição Evaristo funcionou muito como início de diálogo,

principalmente com mulheres. Recitamos ele para mulheres muito diferentes e também

pedimos para que lessem para nós. A leitura do poema conduzia para conversas sobre

opressão, casos de violência contra mulher e exemplos de movimentos atuais de

empoderamento feminino: círculos de mulheres, organizações políticas, associações.

O trabalho com o universo da literatura negra foi uma proposta que

intencionava compartilhar e vivenciar esta arte através da interpretação dos poemas e de

discussões suscitadas por seus conteúdos. Esta ação possibilitou momentos íntimos em

que todo o grupo dialogava com uma ou duas pessoas, construindo trocas e

aprendizados, espaços de construção de memória e crítica social.

Ação Intervenção áudio e imagem

Através de exibições de vídeos, áudios e imagens relacionados à história da

cultura de resistência negra no Brasil e à tradição oral dos Ovisungos, tivemos como

objetivo contribuir na elaboração simbólica sobre nossos antepassados, seus costumes,

suas estéticas e histórias.

Na sala DACE exibimos trechos de documentários que mostravam e

explicavam um pouco sobre a cultura e resistência negra no Brasil, vídeos como

“Abolição 1988 (Zózimo Bulbul)”, “Cantos de Trabalho 1972 (Michel Giacometti)”,

“Vissungo – Fragmentos da Tradição Oral ­ (Cassio Gusson)”, “João Grande Mestre de

Capoeira Angola (Mari Travassos)”, “História da Resistência Negra no Brasil (José

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Carlos)”, “Terra Deu, Terra Come (7 Estrelo Filmes)” e “Cantos de Trabalho – Mutirão

(Leon Hirszman)”; músicas como “Zumbi (Jorge Ben Jor)”, “Canto das três raças (Clara

Nunes, composição – Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte de Oliveira)”, “Areia

(Selma do Côco, composição – Marcelo Yuka)”, músicas do disco “O Canto dos

Escravos (Clementina de Jesus, Doca, Geraldo Filme)”; e algumas fotografias

pesquisadas na internet: imagens de negros escravizados no Brasil e fotos de um

trabalho realizado por Hans Silvester com tribos da região do vale do rio Omo. São

fotografias em que os nativos aparecem pintados com tintas naturais e enfeitados com

flores, pedaços de árvore, frutos.

A seguinte imagem, por exemplo, compôs nossa intervenção:

Negra com turbante fotografada por Albert Henschel (c.1870). fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afro­brasileiros Acessado em 07/03/2016

Em uma das ações recebemos uma família de turistas que estavam passeando

pelo CCSP, eram sete pessoas. Convidamos para a sala DACE, passamos trechos de

alguns documentários e depois propusemos um diálogo. Essa conversa gerou certo

desconforto para o coletivo pois os convidados se afirmaram contra as cotas raciais.

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Entre eles havia uma professora de historia, ela disse que concordava com a

determinação da Marinha do Brasil em não ter oficiais negros até 1910 porque estes

poderiam trair os superiores. Esta discussão aconteceu depois que assistimos o vídeo do

programa DE LÁ PRA CÁ ­ TV Brasil ­ sobre a Revolta da Chibata, movimento que

era contra aos castigos corporais na Marinha e contava a historia de João Candido ­ líder

dessa rebelião. Chegaram a contar piadas preconceituosas e afirmar que existia um

estudo que comprovava que o branco é mais inteligente que o negro.

Foi uma situação muito difícil pois os turistas, a família era de Belém ­ PA,

evidenciaram pontos de vistas bastante deturpados e sem reflexão no que tange à

situação da população negra no Brasil. Enfrentamos até mesmo certa dificuldade no

diálogo porque os pensamentos que eles expunham chegavam a ser surpreendentes.

Também se mostraram contra as cotas raciais nas universidades.

Esta ação nos fez percorrer um caminho diferente, nos defrontamos com

obstáculos que nos mostrou a importância do trabalho de mediação, a responsabilidade

e necessidade de passar e receber informações, respeitar opiniões, mostrar outros pontos

de vista... um lugar onde pudemos discutir e evidenciar injustiças na perspectiva de

valorizar e fortalecer a cultura afro indígena na sociedade brasileira.

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Ação Criação plástica e maquiagem

Tendo como principal objetivo vivenciar aspectos da cultura africana através

de máscaras e maquiagens, as ações de criação plástica nos trouxeram a experiência de

transfiguração, onde o indivíduo assume um novo personagem e uma nova

personalidade a partir de criações feitas com produtos naturais ou reciclados presentes

no nosso cotidiano. As máscaras e maquiagens podem ser vistas como um mero

adereço, mas para quem as utiliza elas adquirem um símbolo próprio. As máscaras

também são utilizadas em rituais religiosos a fim de representar espíritos da natureza,

deuses, antepassados, animais, etc.

As ações aconteciam frente à sala da DACE. Para as ações de confecção de

máscaras, o disparo artístico eram as fotos de máscaras africanas ­ como a da sociedade

feminina Sande de Serra Leoa ­ e materiais para a confecção de novas máscaras, como

papelão, fitas, tesoura, tintas. Tivemos diversas criações, algumas muito parecidas com

as que utilizamos com referência, outras totalmente diferentes.

Máscaras da sociedade feminina Sande de Serra Leoa. Fonte:http://culturasescondidasmundo.blogspot.com.br/2014/11/tradiciones­de­africa.html data de acesso: 07/03/2016

Essa ação teve uma ótima aceitação, gerando muito interesse no público

transeunte. Conseguimos envolver grupos de crianças e adultos. Recebemos a visita de

uma escola do ensino fundamental situada na Zona Leste. Dez alunos entre 11 e 13 anos

fizeram suas máscaras que ficaram no CCSP para compor a Instalação na sala da

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DACE. As crianças ficaram empolgadas em fazer as máscaras, algumas tentavam copiar

as imagens que expomos, outras inventavam suas próprias máscaras ou iam para outro

contexto como por exemplo fazer uma máscara de um super­herói. Tudo com muita

espontaneidade e euforia.

Foi interessante notar que por estarmos no mês da consciência negra, as

crianças já tinham trabalhado este tema na escola e quando participaram da ação

puderam também expressar referências já construídas. Alguns meninos fizeram uma

máscara com turbantes, por exemplo.

O trabalho com materiais recicláveis e naturais trouxe novos desafios e novas

descobertas, tanto para nós do coletivo quanto para os que participavam. Vimos caixas

de papelão se transformar em lindas máscaras. Foi uma bela experiência para quem

partilhou desse processo de criação tão singelo e significativo.

Coletivo Água Benta e as crianças que participaram da ação de máscaras. Sobre a mesinha estão expostas as máscaras confeccionadas em dupla.

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Nas ações de maquiagem, as referências estéticas eram as fotos já citadas de

tribos da região do vale do rio Omo, Etiópia. Iniciávamos esta ação pintando a nós

mesmos. Essa era uma forma de chamar atenção e mostrar que não era difícil pintar e

nem ruim ser pintado, e mais, era divertido. As pessoas se aproximavam curiosas,

perguntando do que se tratava. Quando convidávamos para participar da ação

perguntavam se a tinta sairia fácil, tinham certo receio de ficar com aquelas pinturas

muito tempo. Como utilizamos principalmente argila e urucum, não tivemos muitos

problemas, encorajamos nossos convidados dizendo que esses materiais saíam com

água e sabão. Dada esta informação, nem pensavam muito mais, já iam sentando e

conferindo os materiais que iriam utilizar entre as argilas branca, preta, amarela e cinza,

o pigmento vermelho extraído do urucum e pedaços de planta, flores, etc.

Era nítida a vontade de se maquiar junto ao acanho que vinha acompanhado às

questões – a tinta sai fácil? Mas, aqui mesmo? – alguns estavam só de passagem, outros

a passeio… Essa atividade também foi feita em dupla, uma pessoa pintava a outra. Às

vezes ­ principalmente os adolescentes ­, queriam apenas pintar o outro mas não

resistiam à brincadeira e se deixavam ser pintados também.

Foi muito interessante a atividade ser sempre uma criação coletiva, um pintava

o outro, propiciando um momento de criação em constante troca, ação que transformava

diálogos e gestos numa fonte de inspiração. Todos se mostravam muito surpresos e

admirados com as pinturas das tribos africanas, ouvimos muitos elogios às fotos. O uso

da argila, urucum, flores, galhos e folhas nos trouxe a conexão com a natureza e a

construção de um olhar estético para esses elementos.

Lys Pereira e a francesa Maéva Montilla em ação de maquiagem. Lys foi nossa maior

companheira durante o projeto. Participou de quase todos os tipos de ações que fizemos e Maéva foi ao CCSP justamente para vivenciar esta atividade que viu anunciada nas mídias da instituição. Trabalharam em dupla. Uma pintou a outra. Os materiais utilizados foram urucum e argila branca.

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Bebê filho de uma chilena que estava passeando no CCSP e se encantou com a ação. A mãe gostou muito da proposta e fez esta pintura na criança.

Fizemos esta ação uma vez a mais do que estava previsto porque tivemos um

grupo de três adolescentes que estudavam numa escola próxima ao CCSP que nos

pediram para fazer de novo. Eles gostaram tanto da primeira que participaram que

quando nos viram perguntaram se iríamos fazer a ação de maquiagem e primeiro

dissemos que não, que não teríamos mais. Depois percebemos que essa era uma ótima

oportunidade para trabalhar com eles de novo e resolvemos fazer a ação no mesmo dia

pois os materiais ainda estavam guardados na sala DACE.

Fotografia de crianças do vale do rio Omo, Etiópia. fonte: http://www.survivalinternational.org/povos/vale­do­omo créditos: Magda Rakita http://www.magdarakita.com/

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Ação Instalação

As ações de instalação tiveram como objetivo expor a memória do processo

vivenciado e compartilhar as referências estéticas e teóricas de nossas pesquisas.

Fotografias, poemas, paisagens antigas e máscaras que produzimos eram alguns dos

materiais. As fotos das ações funcionavam como registro do desenvolvimento do

projeto. Tivemos fotos em diferentes espaços do CCSP; rampa, área de convivência,

jardim suspenso, sala DACE. Nas instalações, as fotos geravam interesse também

porque o público reconhecia as paisagens retratadas.

A primeira instalação foi na sala da DACE, em frente à entrada da sala

Adoniran Barbosa, as fotografias foram coladas no vidro. Tinham também as imagens

de nativos do vale do rio Omo, fontes de pesquisa para a ação de maquiagens, imagens

de negros escravizados, uma breve definição do termo ovisungo, poemas que

trabalhamos nas ações de versos populares e poemas que alguns participantes

produziram durante as ações:

Assim definimos Ovisungo: Palavra de origem banto. Na língua umbundo

ovisungo significa cantos, hinos.

...Se chegava a noite escura

com seu negrume sem fim

ele com muita ternura

chegava perto de mim

uma coisa cochichava

e depois qui me beijava

me levava pra dromida

sobre os seus braço lustroso

aquilo sim era gozo

aquilo sim era vida…

Trecho do poema Mãe Preta de Patativa do Assaré 7

7 fonte: www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/p01/p010391.htm. Data de acesso: 09/03/2016

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Do trabalho forçado, de chicotadas e de desrespeito Nasciam flores, cores de nação e muitos amores Construindo um país para muitos, para que se orgulhem e batam no peito Somos mistura de culturas, e ganância. Somos resistência e vencedores.

Participante Luiz Carlos em 19/10/2015

Enquanto estávamos no CCSP percebíamos que muitas pessoas paravam e

curiosamente olhavam as fotos, os poemas e também tiravam fotos da instalação. Nestes

momentos, nos aproximávamos e falávamos sobre o projeto, explicando a pesquisa

sobre cantos afro indígena brasileiros ou convidando as pessoas para tocar conosco: era

a hora em que o trovão das ondas sonoras da alfaia puxava cantos que falavam da

história desse país vista por outros olhos, vista da perspectiva negra, trazendo aos

nossos sentidos as memórias desse povo. O público participante ativava então seus

sensores auditivos e mergulhava num mundo que não conhecia e, os que conheciam

entravam na roda, pegavam um instrumento e seguíamos com a brincadeira.

Ao compartilhar nosso processo também pedíamos que as pessoas nos

mostrasse algo de sua história que tivesse alguma relação com o que estávamos

vivenciando. Em relação com os estímulos que organizamos, alguns lembravam de

cantos antigos, outros arriscavam a improvisação, um batia o toque do seu terreiro,

outro nos mostrava a música que sua mãe cantava, um rapaz de Moçambique tocou

tambor e cantou para nós!

Esta ação possibilitou uma intensa troca de saberes. Fazíamos isso também na

intenção de levar as pessoas para dentro dessa outra historia, para o cafezal, canavial,

para o moinho, casa grande, senzala. Utilizando fotografias, literatura e música esta

ação era uma proposta de sensibilizar e discutir acerca da situação social da população

negra no Brasil, sua formação histórica, e compartilhar nosso processo de pesquisa.

A segunda instalação foi planejada para ser itinerante. Contamos com a ajuda

da marcenaria do CCSP que confeccionou um cavalete para o coletivo. Junto com um

varal onde colocamos fotos, máscaras e desenhos, a instalação itinerante nos

acompanhou durante quatro ações nos meses de novembro e dezembro.

Algumas pessoas se aproximavam do varal ou de nós e perguntavam o que era.

Nós explicávamos que se tratava de um projeto aprovado num edital do CCSP e que

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nosso objetivo alí era refletir teórica e artisticamente sobre o universo simbólico negro

no Brasil.

Foi muito significativo para o Coletivo Água Benta realizar essa ação de

instalação final. Pudemos ver representado o trabalho desenvolvido, as pessoas com que

construímos momentos de história que celebram a herança cultural afro indígena

brasileira.

Fotografia da primeira instalação em frente à sala DACE.


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