ISSN 2176-1396
OS MÚLTIPLOS SENTIDOS SOBRE A AULA NA VISÃO DO
DOCENTE DA ACADEMIA DA FORÇA AÉREA
Eliana Prado Carlino1 - AFA
Grupo de Trabalho - Formação de professores e profissionalização docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A Academia da Força Aérea (AFA), formadora dos futuros oficiais militares da Força Aérea
Brasileira, e os seus docentes compõem o universo desta pesquisa, num cenário que é único e
singular no que se refere ao contexto do ensino superior. Desse modo, a intenção desta
pesquisa é adentrar o universo da docência no ensino superior militar, mais especificamente,
do docente da AFA, compreendendo a dinâmica e a complexidade desse universo a partir de
uma perspectiva que considera o modo de falar sobre a aula como processo social, dialógico,
múltiplo e dinâmico e, portanto, não transparente. A pesquisa fez um recorte a partir de
entrevistas semiestruturadas realizadas com dez docentes de áreas diferentes e procurou
levantar como eles pensam/preparam suas aulas e a que ou a quem atribuem o seu modo de
fazê-las. Assim, a intenção do trabalho é olhar para os dizeres sobre a “aula” e as marcas
sociais desses dizeres, cujos sentidos são múltiplos e provenientes das histórias de vida, das
experiências de formação e da memória, que vai sendo reconstruída quando os professores
falam sobre como produzem suas aulas e sobre os modelos e referências dos quais se
apropriaram ao longo da carreira acadêmica. O referencial teórico está apoiado nas
concepções de Vygotsky e Bakhtin sobre a linguagem e sobre o processo de significação,
entendidos como processos marcados social e historicamente. Ao falar sobre a aula, os
professores mobilizaram elementos sociais, culturais, linguísticos, históricos, buscando nos
seus diferentes contextos formadores marcas para compor seus dizeres, o que faz da sala de
aula, ou de qualquer contexto interativo, um espaço para a produção de sentidos e não de um
único sentido - aquele que muitas vezes insistimos para fazer convergir.
Palavras-chave: Sentido. Professor. Aula
1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Professora Associada da Academia da Força
Aérea (AFA). Membro do grupo de pesquisa Processos Educacionais - Propostas de Estudo (PEPE), vinculado
ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Assuntos da Defesa (GEPAD). Realiza estudos na área da Educação,
Formação de Professores e Linguagem. E-mail: [email protected].
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Introdução
Este trabalho de pesquisa teve início há algum tempo com a intenção de perscrutar o
processo formativo de docentes no ensino superior militar. Em sua primeira etapa, foi
realizada uma pesquisa com dados mais objetivos cujo propósito era delinear o perfil do
docente da Academia da Força Aérea (AFA). Num segundo momento, foram selecionados
alguns professores, e procurou-se levantar dados sobre seu processo de profissionalização e
seu fazer docente. Nesta terceira etapa do trabalho, queremos voltar nosso olhar para aspectos
referentes à linguagem e à aula.
Os sujeitos desta pesquisa exercem sua atividade num espaço que forma os futuros
oficiais militares da Força Aérea Brasileira, os quais, durante quatro anos, se preparam para
atuar nas áreas de aviação militar, intendência e infantaria da aeronáutica. Nesse ambiente da
Academia, os alunos, ou cadetes como são chamados, passam por uma intensa rotina que
contempla três campos distintos, a saber, o Militar, o Técnico-Especializado e o campo
Geral2.
Com uma carga horária bastante extensa (aproximadamente 8400 horas), o curso é
ministrado por profissionais formados em curso superior do quadro de oficiais convocados
(QOCON), por instrutores militares, que são os oficiais de carreira, e por professores civis,
cujas disciplinas abarcam o campo geral. Esses últimos são o foco central da pesquisa.
Esses docentes, em sua maioria mestres e doutores em suas áreas de formação,
ingressaram por concurso público e compõem a maior parte dos profissionais docentes que
atuam na Divisão de Ensino (DE) da AFA, estando divididos em cinco áreas do
conhecimento: Ciências da Administração, Ciências Exatas, Ciências da Linguagem, Ciências
Humanas e Ciências dos Desportos.
Os cadetes/alunos são jovens de ambos os sexos, provenientes do ensino médio, sendo
que alguns já cursaram escola militar enquanto outros vêm diretamente do meio civil. Todos
eles, ao chegar à AFA, passam pelo Estágio de Adaptação Militar (EAM) e, em seguida,
iniciam suas atividades como alunos da Academia, passando grande parte de seu tempo, que é
de internato, nas salas de aula da Divisão de Ensino.
2 O campo militar contempla a formação na área militar e doutrinária e requer exercícios e instruções
operacionais relativos à vida na caserna; o campo técnico-especializado envolve atividades específicas a cada
área de formação (aviação, intendência e infantaria); enquanto o campo geral se propõe a trabalhar as diversas
disciplinas que habilitam o cadete também na área da administração pública.
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Nesse contexto único e singular, a intenção desta pesquisa é olhar para os dizeres
sobre a “aula” e as marcas sociais desses dizeres, provenientes das histórias de vida, das
experiências de formação e da memória, que vai sendo reconstruída quando os professores
falam sobre como produzem suas aulas e sobre os modelos e referências dos quais se
apropriaram ao longo da carreira acadêmica. Para isso utilizamos duas questões a partir de
entrevistas feitas com os professores: “Como você pensa/prepara suas aulas?” e “A que ou a
quem você atribui o seu modo de fazer suas aulas?”.
Algumas das perguntas que se pretende responder são: Quais os múltiplos sentidos de
“aula” estão presentes quando os professores falam sobre as suas próprias aulas? Quais são as
inúmeras marcas sociais que se fazem presentes nos dizeres dos professores da AFA? Ao falar
sobre a produção de suas aulas, quais elementos são mais significativos para compor as
enunciações dos professores?
Dessa forma, o referencial teórico que fundamenta esta pesquisa está apoiado nas
muitas discussões que têm sido feitas sobre o espaço da sala de aula (FONTANA, 2001;
GERALDI, 2010; ROSA, 2010; RIOS, 2012; VEIGA, 2012), não como espaço físico, mas
como instância em que as interlocuções que ocorrem entre os sujeitos caracterizam um
cenário marcado social e historicamente. Portanto, no dizer de Geraldi (2010), a aula como
acontecimento, e não como um encontro ritual, composta por gestos e ações predeterminadas,
com a intenção de apenas transmitir conhecimentos.
O trabalho também se apóia nas considerações sobre a linguagem e seu funcionamento
e sobre o processo de significação encontrados em Bakhtin (2004) e Vygotsky (1996).
Referencial teórico
O espaço da sala de aula é um espaço marcado por interlocuções que, na maioria das
vezes, privilegia a linguagem verbal – universo este ainda bastante desconhecido por nós, mas
em cujo território nos movimentamos e atuamos cotidianamente.
Consideramos a aula como espaço dinâmico, múltiplo, contraditório, cultural,
histórico, no qual não é possível a homogeneidade com que, tão comumente, pensamos as
relações que se estabelecem entre professor, alunos e o conhecimento nesse espaço partilhado.
Assim, partimos de um referencial teórico enunciativo-discursivo, que entende também a
natureza da linguagem como social, dialógica, múltipla e dinâmica, o que faz da palavra
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expressa algo que não é inequívoco nem transparente e, consequentemente, passível de
múltiplos sentidos.
Muitos discursos e muitos trabalhos (FONTANA, 2001; ROSA, 2010; RIOS, 2012;
VEIGA, 2012) têm se erigido para considerar o espaço da sala de aula como espaço rico de
construções e elaborações do conhecimento onde o professor aparece como mediador e
propiciador, não apenas de aprendizagens, mas também do próprio desenvolvimento humano,
e onde o aluno conquista seu papel de sujeito ativo e coparticipante no processo de aprender.
Também muito se tem falado sobre o trabalho docente, sobre as concepções de ensino e de
aprendizagem a circular nos espaços educacionais e a pontuar ações e fazeres pedagógicos.
A mesma dinamicidade que permeia a natureza da aula também marca o processo de
significação, dado o caráter social e dialógico da linguagem, no qual a transformação de
sentidos sempre ocorre.
Portanto, tais significações ocorrem num espaço de discussão em que coexistem
valores sociais diferentes, contraditórios e é nesse fluxo de comunicação, de interação verbal
que a palavra vai se transformando e adquirindo novos sentidos, em função dos diferentes
contextos em que aparece.
Assim como a aula tem essa natureza dinâmica, o processo de significação também
ocorre por meio de constantes ressignificações, dada a natureza social e dialógica da
linguagem e do próprio desenvolvimento psicológico, tendo, por conseguinte, um caráter
coletivo e não individual ou estritamente cognitivo.
O processo de significação de um conceito constitui-se numa das formas de atividade
psicológica superior3. Significar é um modo de operar com a linguagem, e este é um processo
marcado socialmente, logo, tem historicidade. Além disso, para cada pessoa individualmente,
ele também assume uma história de construção particular.
Numa visão enunciativo-discursiva a concepção de comunicação é vista como
processo, consequentemente, não estático. O enunciado tem relação com a vida, com a
realidade, é diálogo com os “outros”, é relação entre pessoas (relação não
necessariamente física ou presencial, mas pressuposta). As nossas falas, sejam em
contextos de conversas familiares, com amigos ou em trabalhos acadêmicos, não
3 Para Vygotsky (1996), a atividade psicológica superior caracteriza-se como sendo a atividade que, no
homem, combina o instrumento e o signo na atividade psicológica, ao contrário das atividades
elementares, caracterizada por ações automatizadas e marcadas pela força determinante do biológico.
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são neutras nem ocorrem num vácuo, embora, às vezes, seja essa a sensação que
temos em diversas situações de interlocução.
Sendo a língua um fenômeno social, o sentido da palavra é determinado por
seu contexto.
Na realidade, o ato de fala ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode
de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não
pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A
enunciação é de natureza social (BAKHTIN, 2004, p. 109).
Vygotsky (1993), utilizando os trabalhos e ideias de Paulhan4 sobre psicologia da
linguagem, esclarece que a palavra é uma fonte inesgotável de novos problemas, seu sentido
nunca está acabado. Em definitivo, o sentido das palavras depende conjuntamente da
interpretação de mundo de cada um e da estrutura interna da personalidade, ou ainda,
o sentido da palavra é a soma de todos os fatos psicológicos evocados em nossa
consciência graças à palavra. Consequentemente, o sentido da palavra é sempre uma
formação dinâmica, variável e complexa que tem várias áreas de estabilidade
diferentes. O significado é somente uma dessas áreas de sentido, a mais estável,
coerente e precisa (VYGOTSKY, 1993, p 333).
Sendo assim, a palavra não se reveste de um único sentido para as pessoas em cujo
contexto ela circula. As nuanças são dadas em função da caracterização dos contextos sociais
nos quais vivem os sujeitos e de suas próprias características. A palavra adquire um
determinado sentido dependendo do contexto em que aparece. Já o significado permanece
invariável. Um significado acaba tendo vários sentidos potenciais que emergem nos diferentes
contextos de uso da palavra. O sentido é muito mais amplo e muito mais dinâmico do que o
significado.
Desse modo, são efetivamente diversos os sentidos construídos pelo professor a
respeito de suas aulas. Assim nos sentimos instigados a continuar adentrando o universo da
docência no ensino superior militar, mais especificamente, do docente da AFA,
compreendendo a dinâmica e complexidade desse universo a partir de uma perspectiva que
considera a própria aula e também o modo de falar sobre ela como processos sociais,
dialógicos, múltiplos e dinâmicos e, portanto, não transparentes.
4 Psicólogo francês que se ocupou com questões relacionadas à psicologia da linguagem.
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Aspectos metodológicos
As entrevistas semiestruturadas feitas com os docentes da Academia da Força Aérea
contemplavam algumas questões, entre elas: “Como você pensa/prepara suas aulas?” e “A que
ou a quem você atribui o seu modo de fazer suas aulas?”. Essas foram as questões
selecionadas, pois em nosso entender elas remetem à essência do fazer docente, ou àquilo que
nos identifica como tal: sobre o dar aulas ou, sobre o fazer as aulas.
O trabalho do professor tem outras dimensões além do fazer as aulas, entretanto,
mesmo reconhecendo essas outras dimensões, partimos do pressuposto de que a aula é o
espaço privilegiado da atividade docente. Isso nos sugere pensar a aula como espaço de
inúmeras possibilidades, tanto de ação quanto de sentidos.
Participaram das entrevistas dois professores – um mais antigo e um mais moderno5 -
de cada uma das áreas que compõem a Divisão de Ensino da AFA, a saber: Ciências
Administrativas, Ciências Humanas, Ciências da Linguagem, Ciências Exatas e Ciências do
Esporte. As entrevistas foram gravadas e transcritas, e, a partir das transcrições, fizemos um
recorte com as questões selecionadas, a fim de olhar com mais atenção para as enunciações
construídas pelos docentes ao longo das suas falas.
O referencial teórico a ser utilizado para as análises caracteriza o homem como um ser
simbólico e um ser de relações. E essas relações com o meio social não vinculam diretamente
homem e objetos culturais, mas são sempre mediadas semioticamente (pela linguagem, por
outros sujeitos, por signos). Há necessariamente “outros” sociais circunscrevendo o nosso
dizer e o nosso fazer. Portanto, olhar a linguagem nessa dimensão modifica nosso
entendimento a respeito das interlocuções ocorridas sobre um determinado conceito.
O princípio da mediação é entendido como componente do desenvolvimento humano
e pressupõe a natureza social e dialógica do homem, o que implica o outro e o signo, além dos
instrumentos6. E, nesse contexto de constituição do humano, vão se entremeando palavras,
conceitos, idéias, imagens, sentidos, significados.
Ocorre, assim, um entrelaçamento entre as dimensões histórica, cultural,
institucional, semiótica, e essas dimensões afetam e são afetadas pela subjetividade
5 Na AFA, entende-se como mais moderno aquele professor que ingressou mais recentemente na organização,
seguindo um paralelo com a denominação utilizada no meio militar. 6 Instrumento significa todo produto cultural que se coloca entre o homem e o meio, a fim de transformar as suas
formas de atuação no mundo. Serve como meio de controle e atuação do homem sobre a natureza. Já o signo
funciona como “instrumento psicológico” porque é orientado (internamente) para transformar o funcionamento
psicológico do homem. (VYGOTSKY, 1996)
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humana, marcando modos de ser, de atuar, de dizer e de pensar. Fontana (2000, p.
104), ao discutir trabalho e subjetividade, indaga: “como vamos nos constituindo na rede de
papéis e relações hierárquicas definidas pela organização do trabalho em que essa profissão
[de professor] se insere?
Levando em consideração, em nosso caso, que o trabalho docente está circunscrito a
uma organização militar, este trabalho intenciona relacionar eventos numa perspectiva
micro (a partir das falas dos docentes) com os contextos macrossociais (incluindo
aspectos históricos, sociais, de formação profissional, da organização de trabalho)
nos quais eles ocorrem.
Sentidos possíveis para a aula
Como você pensa/prepara suas aulas? e A que ou a quem você atribui o seu modo de fazer
suas aulas?
Do mesmo modo que a formação dos professores se inicia muito antes de seu ingresso
nos cursos de formação propriamente ditos e vai além deles, também entendemos que a aula
se inicia muito antes de o professor adentrar o espaço físico no qual ela se desenrola e no qual
se dá o encontro entre sujeitos que, supostamente, ensinam e/ou aprendem. No dizer de
Fontana (2001, p.32),
muito antes do gesto de abrirmos o livro, muito antes de proferirmos nossas
primeiras palavras, a aula começa. Começa como antecipação, como expectativa.
Nossos atos, dizeres e gestos são projetados, ensaiados, porque mais do que seres
humanos colocados face a face, a relação de ensino instaurada pela aula, implica o
encontro e o confronto entre sujeitos que ocupam lugares sociais distintos – o lugar
de professor/a e o lugar de alunos/as.
Na abordagem histórico cultural, os conhecimentos são elaborados continuamente no
contexto das relações sociais, nas quais ocorrem mediações estabelecidas pelo outro e pela
palavra. À medida que o sujeito se apropria, incorpora, repete, imita ou recusa a palavra do
outro, vai organizando e transformando seus processos de significação dos objetos culturais,
criando novos significados, já que o enunciado nunca reflete apenas algo já existente
externamente, pronto e acabado.
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Consequentemente, ao fazer isso, o sujeito transforma a si próprio, pois a linguagem,
que começa no campo interpessoal, ao entrar em funcionamento, afeta de diversas maneiras a
instância intrapessoal.
Faremos referência à palavra ‘sentido’ utilizada por Bakhtin (2004) e Vygotsky
(1993), pensando nela como algo bem mais amplo e abrangente do que o significado, pois
implica a interpretação que se faz de algo em função de um contexto específico, ou seja, todo
o entorno social, cultural, histórico e todas as relações estabelecidas que marcam um
determinado indivíduo e lhe possibilitam significar algo de maneira singular. Procuramos
apreender essa singularidade nas enunciações dos professores durante as falas aqui transcritas.
Acho que a primeira coisa que a gente pensa é aonde você quer chegar, é o que eu
quero da sala ao final, é o objetivo, aí eu começo a pensar numa maneira de alcançar
aquele objetivo, de planejar, como eu vou planejar aquele conteúdo de uma maneira
que... o cadete adquira o conhecimento [...] aí a gente vai pensar estratégias, na
melhor metodologia, como trabalhar isso aí, é assim que eu tenho feito. [...] Você
planejou, você chegou lá, você atingiu o objetivo [...] mas não adianta isso ter
acontecido à custa de muito esforço, de uma situação que não foi agradável pra todo
mundo, eu acho que uma boa aula é aquela que você curte e o cadete também... é
gostosa para o cadete, é motivante para o professor, é motivante para o cadete. (P1)7
Vemos nessa fala que a aula se configura com um espaço que contempla
planejamento, metodologia e objetivos, mas ao mesmo tempo deve ser um espaço de prazer.
Sobre o prazer concordamos com o professor que a aula deve ser, sim, um espaço prazeroso,
porém entendemos esse prazer no sentido de compartilhar afetos, emoção e confiança, assim
como afirma Rosa (2010, p.110), ao dizer que uma das condições para a aula acontecer “é a
existência de um clima de confiabilidade entre professor e aluno”; ambiente no qual o aluno
encontre um clima favorável para sua participação nas atividades propostas.
Mas também entendemos que nem sempre essa experiência será agradável ou alegre,
ou prazerosa, já que aprender, num certo sentido, é um processo lento e doloroso (ROSA,
2010) e nem sempre as tarefas implicadas no processo de aprendizagem são agradáveis ou
descontraídas, se pensarmos nas exigências colocadas pelos objetos a serem aprendidos ou
conhecidos, pois o aprender “implica um maior compromisso com a realidade objetiva e a
consequente necessidade de ampliação da capacidade do indivíduo de adiar a satisfação dos
seus desejos” (ROSA, 2010, p. 69).
7 Para efeito das análises, cada professor será designado por um código: P1, P2, P3, e assim sucessivamente; e o
entrevistador será designado por E.
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Demo (2008, p.74), ao falar de uma boa aula, afirma que ela precisa ser envolvente,
mas entende isso “no sentido de estabelecer entre aluno e professor ambiente de emoção
possível; não se trata de causar prazer imediato, porque não nos interessamos apenas por
aquilo que dá prazer”.
Quais as extensões decorrentes desse sentido de prazer implicado no dizer do
professor que considera o aprender não vinculado a muito esforço?
O professor referencia esse seu modo de fazer a aula em diversas instâncias
formativas:
eu aprendi muito quando eu fiz o magistério, eu tive professores bons e muita
orientação, mais do que na época da licenciatura, então eu aprendi como dar aula,
porque é importante você planejar uma aula, a questão do objetivo ficar muito claro,
a metodologia [...]; quando a gente veio para cá a gente fez aquele CPI (curso de
padronização de instrutores), tudo isso eu já tinha aprendido quando eu fiz
magistério[...] A minha mãe era professora e ela sempre foi muito preocupada com
isso, essa coisa de planejamento, então eu aprendi muito cedo a planejar uma aula.
(P1)
Outro professor ao comparar seu “ritual” de preparação faz diferenças entre o modo de
fazer as aulas na AFA e em outros contextos nos quais atuou.
Em relação à preparação para as aulas daqui é muito diferente, me toma bem menos
tempo porque a gente na verdade segue o livro didático8, então a gente tem que
cumprir aquele livro didático. E em relação à nossa carga horária aqui, também,
como ela é tão extensa [...] então a gente acaba não tendo o mesmo tempo pra
preparar e não existe também essa exigência porque você já tem o livro didático,
então, a gente tem que cumprir aquele livro didático. (P2)
E você vê isso como um aspecto favorável? (E)
Não! Lógico que não. A gente acaba ficando meio que condicionado... porque a
gente acaba repetindo o mesmo livro didático todos os anos [...] então é meio que
uma “camisa de força”, uma rua sem saída, porque você tem que cumprir aquele
conteúdo programático. (P2)
O professor da área de línguas, restringido pelas condições concretas (prescrições,
normas da organização militar, livro didático) nas quais realiza seu trabalho pedagógico,
sente-se “imobilizado”. Sobre o seu modo de fazer as aulas, o professor diz “eu aprendi
mesmo no dia-a-dia”. Em contrapartida, relata experiências muito ricas e interessantes no
curso de graduação onde já atuou. Provavelmente a aula para ele assume diferentes sentidos
em diferentes contextos de trabalho.
8 O livro didático é particularmente utilizado nas disciplinas de Língua Inglesa e Língua Espanhola.
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Precisamos sempre considerar as condições concretas nas quais o trabalho pedagógico
se realiza e a imposição de uma série de normas e regras (ANJOS, 2010), marcando os
sentidos produzidos sobre o trabalho realizado.
[...] mas as minhas preparações para as aulas da graduação realmente tomavam
muito tempo e eu fazia questão de preparar muito bem [...] então eu realmente
preparava as minhas aulas [...] A preparação para aqui, realmente, é bem
diferenciada... a dedicação não é a mesma porque não tem a mesma exigência e o
público também é bem diferente. (P2)
No mesmo espaço de trabalho, outro professor, na área de humanas, consegue
aproveitar muito as situações do cotidiano, como jornais, noticiários e mídia para colocar
conteúdos em discussão e muitos dos temas discutidos surgem durante a própria aula. Como
já nos disse Fontana (2001), a aula começa como antecipação e como expectativa.
Previamente eu marco, eu tenho um caderno que eu marco todos os pontos, os
elementos que foram saindo nas aulas, as perguntas que foram feitas pelos cadetes
ou até insights; durante a aula, às vezes, eu preencho uma página inteira de caderno,
uma página do tamanho de uma página de sulfite, uma brochura grande, eu preencho
só com abreviaturas dos temas que saíram em sala de aula, palavras-chave dos
temas... (P3)
Fontana (2001) ainda nos alerta a respeito de que, muito antes de entrarmos em sala de
aula, muitos sentidos são postos em circulação, e os desdobramentos decorrentes deles são
incontroláveis, ainda que exista uma ilusão de controle na maioria das leituras e concepções
que se tem sobre a aula.
Ao ser indagado sobre a existência de um modelo para esse modo de fazer a aula, o
professor responde: “não me ocorre agora um modelo que eu procuro, conscientemente,
imitar, mas eu tive muitos professores excelentes” (P3). Aqui o professor faz referência à
professora que teve no primeiro ano e foi quem o alfabetizou. Em relação aos professores da
graduação, não faz nenhum destaque, “inclusive na faculdade... eu não tive bons professores”
(P3). Nem sempre as marcas sociais que produzem impactos em nosso(s) modo(s) de
fazer/ensinar são explicitadas.
No contexto da sala de aula, o professor, os alunos e o próprio conhecimento em
circulação compõem um cenário social que nos afeta e determina os nossos dizeres, as nossas
ações, as nossas intenções. “A condição de inter-individualidade, de reciprocidade, a despeito
do fato de termos dela ‘consciência’ ou não, é constitutiva da aula”. (FONTANA, 2001, p. 32)
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Ainda que os professores sintam-se circunscritos a um contexto que impõe certas
prescrições sobre o seu fazer pedagógico, como é o caso dos Planos de Unidade Didática9, as
ações docentes e as preocupações que por vezes aparecem indicam que o sentido da aula, para
alguns, vai além do prescrito (“do tipo de aula que necessariamente a gente precisa dar
aqui”).
Como eu dou mais de uma disciplina, pra cada disciplina as preocupações são
diferentes, mas diante das características dos cadetes, do tipo de aula que
necessariamente a gente precisa dar aqui a minha preocupação é tornar a aula mais
atrativa, fazer com que eles se interessem mais [...] aqui na Academia minha
preocupação principal é passar as informações, mas gerar neles um interesse, que
eles mesmos possam buscar esse tipo de informação (relacionada à disciplina do
professor). (P4)
Aqui o sentido de atratividade dado à aula nos parece menos vinculado ao prazer e
mais à produção de interesse e de autonomia por parte do aluno, o que nos remete à indagação
feita por Rios (2012, p. 84) sobre se “as aulas que estamos fazendo constituem espaços de
liberdade e autonomia, de ampliação de saber e de sentir, de instalação de diálogo”. Não
obstante à exigência (mais externa do que interna) de seguir um modelo prescrito, há uma
necessidade de ir além desse modelo, ainda que a organização seja uma marca forte que se
expressa no fazer desse docente.
Aqui na Academia tudo é mais complicado, tem um padrão, então eu cheguei aqui
eu incorporei o padrão: ‘ah, a aula é com transparência? Tem que ter objetivo? Tem
que ter...’ mas depois com o tempo você vai relaxando e vai adequando. (P4)
Entretanto, como afirma Rios (2012, p. 86), “não há possibilidade de a ação docente
contribuir para a afirmação da autonomia do aluno se essa ação não é, ela mesma, autônoma”.
Sobre algum modelo ou referência a ser utilizada, o professor explica
na verdade o meu modelo maior é o que eu não quero: ‘olha eu não quero esse tipo
de aula... será que a minha aula está igual à daquele meu professor lá?’ Então eu
tenho mais a referência do que eu não quero do que aquilo que eu quero, mas o tipo
de aula acho que é mais função da organização. (P4)
O que não somos ou o que não queremos ser também nos constitui como docentes e
nos ajuda a significar o nosso trabalho cotidiano; como nos diz Fontana sobre a constituição
do ser professora,
9 Plano de Unidade Didática (PUD) é um documento da AFA do qual constam o nome da disciplina, carga
horária, unidades e subunidades didáticas e seus respectivos objetivos específicos e operacionalizados, assim
como as técnicas de ensino a serem utilizadas em aula, tendo apoio teórico na Taxonomia de Bloom (1956).
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não somos apenas professoras, mas um feixe de muitas condições e papéis sociais,
memória de sentidos diversos. [...] Nesse jogo somos muitas a um só tempo. E essas
muitas se multiplicam, já que sendo o que somos, somos também a negação do que
não somos e, nesse sentido, o que não somos também nos constitui, está em nós. Ser
e também não ser: aí radica e é produzida a singularidade. (FONTANA, 2000, p.
105)
Para outro professor que foi se constituindo docente na própria AFA, em sua fala o
sentido atribuído ao fazer da aula está relacionado e é marcado pelo próprio desenvolvimento
profissional:
Com o passar dos anos a gente foi adquirindo certo cabedal de conhecimento acerca
da disciplina em si, da área em que a gente atua e com o passar do tempo a gente foi
montando aquelas transparências, que depois viraram slides. Então quando eu vou
preparar as aulas, o que eu faço? Eu retomo, olho o que vai ser ensinado, o que vai
ser falado naquela aula, olho para as transparências, os slides que eu vou utilizar,
atualizo alguma coisa e é assim, mas vai muito da experiência. (P5)
Para esse professor, a aula ainda aparece vinculada à transmissão de conhecimento,
como na fala que segue:
você trabalhar aqui não é difícil porque você pega o método das coisas funcionar, se
você tiver a cultura da organização você não tem problema nenhum [...] eu acho que
mais do que um transmissor de conhecimento a gente tem que ser uma pessoa que
dê o que para o cadete? Exemplo! Eu acho que tenho procurado no meu dia-a-dia, na
minha forma de lidar com as coisas, de lidar com as pessoas dar esse exemplo pra
eles, um exemplo de seriedade, de não perder tempo, de lidar com as pessoas de uma
maneira tranquila, então... posso considerar que eu sou um professor nos moldes que
a Força Aérea deseja, mesmo porque eu tenho a cultura da Força Aérea. (P5)
Não é possível pensar numa forma de desenvolvimento profissional que considere
apenas o sujeito docente desvinculado de um contexto mais amplo que inclui os aspectos da
própria organização na qual ele atua, pois tais fatores estão imbricados no profissional que ele
vai se tornando.
Anjos (2010, p. 139), ao discutir experiência docente e desenvolvimento profissional,
faz alguns questionamentos sobre a idéia de tempo e desenvolvimento presentes em alguns
trabalhos sobre a formação do professor no sentido de que, em muitos deles, há uma
concepção de que o tempo traria, quase que naturalmente, uma melhora ou progresso no
modo de atuar (“com o passar dos anos a gente foi adquirindo certo cabedal de
conhecimento acerca da disciplina”). Entretanto, ela questiona se esse progresso, muitas
vezes constatado, seria dado apenas pela experiência ou pelo tempo vividos; e ainda se essa
prática seria melhor em quais aspectos, ou para quem, ou ainda, baseada em quais
referenciais? São questões a serem pensadas.
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Desse modo, os sentidos são múltiplos, pois neste cenário, as possibilidades de
compreensão ao mesmo tempo em que são restritas porque determinadas social e
historicamente, portanto, “datadas”, são também ampliadas pela possibilidade de
múltiplos sentidos dada por aspectos da individualidade e subjetividade humanas.
Essa trajetória profissional nos leva a indagar sobre como as condições concretas e
as situações emergentes na esfera da atuação docente levam os professores a
vivenciarem uma busca sem fim de soluções para o fazer cotidiano, no
enfrentamento de questões que, podendo ser prototípicas das relações de ensino,
configuram-se como singulares e idiossincráticas (ANJOS, 2010, p. 149).
Decorre daí que os muitos sentidos vão sendo compostos, por meio de
diversos arranjos. Ao significar a aula, as articulações são buscadas no
desenvolvimento profissional, na transmissão de conhecimentos e ainda no ensino
que extrapola e vai além das disciplinas (“a gente tem que ser uma pessoa que dê o que
para o cadete? Exemplo!), contemplando o modo de ser e de estar no ambiente de
trabalho.
Nas falas que seguem, parece-nos que os sentidos dados à aula vão se
configurando de um modo, geralmente, muito solitário e baseado nas experiências e
tentativas individuais.
As minhas aulas eu preparo, geralmente, com uma antecedência razoável, porque
normalmente eu gosto de ir amadurecendo os temas [...]. Mas quando eu comecei a
preparar aula eu fazia um método bem lusitano, eu tinha um quadro e ficava
explicando várias vezes até eu chegar numa forma que eu achava que era lógica a
forma de raciocínio e que ficaria fácil entender [...] por isso eu preparo algumas
aulas com muita antecedência [...]. Então a minha didática ela passa pela tentativa e
erro. (P6)
Nesse caso, o professor remete suas referências no modo de dar as aulas a colegas,
professores de cursinho
quando eu fazia o mestrado eu fiz um círculo de amizades que eram basicamente
professores de cursinho... e eles conversavam o tempo todo a respeito de como
preparar a lousa; então, a grande influência na forma como eu trabalho em sala de
aula vem deles, vem lá do cursinho. (P6)
Assim como o tempo não nos acarreta, natural e invariavelmente, progressos ou
avanços em nosso modo de ser/estar professor, o tempo de trabalho na organização e as
experiências vividas na sala de aula também podem (im)possibilitar o professor de um
processo de reflexão sobre a sua prática.
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O conceito de desenvolvimento profissional ao postular que o professor não sai
pronto de uma formação inicial constitui-se numa importante contribuição,
entretanto, indagamos como este desenvolvimento é concebido, como se relaciona
com as trajetórias de vida e de trabalho dos professores tão complexas e singulares.
(ANJOS, 2010, p. 140)
A seguir, outro professor, este da área de exatas, demonstra as influências que teve de
três professores antigos - “dois do ginásio e um do colegial” - para a sua constituição como
docente, e relata com alegria e com riqueza de detalhes a forma e os estilos que cada um tinha
de conduzir as aulas; já sobre o ensino superior “o único da universidade que era didático,
que você podia acompanhar era o... (nome do professor); ele era didático, os outros a gente
aprendia por condução própria.” (P7)
Ele também explicita sua concepção sobre a aprendizagem dessa disciplina:
[...] O aluno ele não está preparado para aprender matemática sem fazer o
desenvolvimento passo a passo, então, a gente tem que fazer o desenvolvimento
passo a passo, vai fazer um exercício de cálculo se você não fizer o passo a passo e
não tiver todas as explicações em cada passo ele não aprende” [...] aí vai pelas
experiências... esse mês eu estou completando 40 anos de magistério, eu já sei em
todos os pontos onde o aluno tem dificuldade; tem aluno que tem dom pra
matemática, está mais ou menos orientado para aquela área, ele aprende com
facilidade e tem alguns que não aprendem de jeito maneira, pode fazer o que for,
não aprende; chegar e falar que ele vai aprender ele não vai. Ele simplesmente vai
resolver um problema técnico de currículo, mas ele não vai aprender. Se você
perguntar depois de algum tempo ele sabe absolutamente nada. (P7)
Pensamos que aqui os sentidos que se mostram sobre a aula são muitos, são vários,
alguns contraditórios, outros nem tanto, mas são sentidos possíveis. Os sentidos são múltiplos
na mesma medida em que as relações sociais experienciadas por cada sujeito/professor
também o são.
Ainda consideramos que, ao falar sobre um modo de produzir as aulas e ao refletir
sobre isso, os sujeitos da pesquisa falam sobre seu trabalho e sobre suas experiências de
formação e atuação profissional, trazem à tona suas memórias, reconstruindo, entre outras
coisas, o seu ser e o seu estar docentes. Nesse exercício, explicitam marcas de um social e de
uma história bastante amplos.
Considerações finais
As falas recortadas para as análises foram circunscritas e marcadas por um cenário
social que contemplou crenças, valores, sentidos, imagens, histórias, memórias, diferentes
sujeitos, diferentes vozes. Este cenário deu um tom às nossas interpretações. Um tom que não
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é o único ou o mais válido, apenas o “nosso tom”, e sendo assim, também é provisório, como
todo conhecimento que se produz na tentativa de compreensão do humano.
Muitas foram as formas de ver, entender e falar sobre a aula a qual pôde ser abordada
de inúmeras perspectivas, já que o signo representa, em alguns aspectos, algo para alguém,
em função das ressonâncias produzidas, e estas ressonâncias têm relação com a vida.
Singularidade e significação não se oferecem como comportamentos à observação
direta. Antes, inscrevem-se nos gestos e nas posturas dos indivíduos, deixando
marcas em seus corpos. Entremeiam-se a suas palavras e a seus silêncios, deixam
indícios em seus dizeres (FONTANA, 2000, p. 105).
Desse modo, a aula foi enunciada de variadas maneiras e a partir da sua finalidade ou
intenção (“eu vou planejar aquele conteúdo de uma maneira que o cadete adquira o
conhecimento”); da sua configuração (“então quando eu vou preparar as aulas, o que eu
faço? Eu retomo, olho o que vai ser ensinado, o que vai ser falado naquela aula, olho para as
transparências, os slides que eu vou utilizar,...”) e dos afetos que suscita (“uma boa aula é
aquela que você curte e o cadete também; é gostosa para o cadete”).
Também contemplou aspectos considerando a aprendizagem sobre a aula (“eu aprendi
muito quando eu fiz o magistério”; “Quando a gente veio para cá a gente fez aquele CPI”); a
preparação da aula (“As minhas aulas eu preparo, geralmente, com uma antecedência
razoável, porque normalmente eu gosto de ir amadurecendo os temas”); as influências
sofridas (“Com o passar dos anos a gente foi adquirindo certo cabedal de conhecimento”;
“A minha mãe era professora... então eu aprendi muito cedo a planejar uma aula”; “eu
aprendi muito quando eu fiz o magistério”) e as circunscrições (“A gente acaba ficando meio
que condicionado... porque a gente acaba repetindo o mesmo livro didático todos os anos”;
“Então é meio que uma “camisa de força”; “Aqui na Academia tudo é mais complicado, tem
um padrão, então eu cheguei aqui eu incorporei o padrão”; “Você trabalhar aqui não é
difícil... se você tiver a cultura da organização você não tem problema nenhum”).
Ao falar sobre a aula, os professores mobilizaram elementos sociais, culturais,
linguísticos, históricos, buscando nos seus diferentes contextos formadores marcas para
compor seus dizeres, o que faz da sala de aula, ou de qualquer contexto interativo, um espaço
para a produção de sentidos e não de um único sentido - aquele que muitas vezes insistimos
para fazer convergir.
E quantas vezes o leitor deste texto já deverá ter feito corresponder às nossas palavras
uma série de palavras suas, respondendo ao texto, interrogando-o, reelaborando ou mesmo
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rejeitando certas idéias, dando, enfim, o seu tom valorativo, mas participando dialogicamente
desta nossa construção.
A mesma dinamicidade e amplitude que se mostram nas enunciações dos professores
apontadas neste texto, também se mostram no espaço da sala de aula, indicando que esta deve
ser entendida como “acontecimento mais do que produto, ainda que produza... É um
acontecimento de circulação de sentidos” (FONTANA, 2001, p. 32). E muitos desses sentidos
não estão previstos no repertório do professor, portanto, são inéditos, ainda que possíveis.
Smolka (2010) nos diz que há múltiplas dimensões do sentido no trabalho de ensinar;
dimensões marcadas por uma multiplicidade de vozes, posições e valores entrelaçados na
pessoa.
Assim, na dinâmica da linguagem e do processo de significação, ao falar sobre a aula,
inúmeras possibilidades são abertas para pensarmos esse espaço que, ao mesmo tempo em
que nos parece ser tão familiar, se nos mostra tão desconhecido, tão surpreendente e tão
repleto de sentidos, os quais vão nos constituindo e marcando nossos modos de
dizer/pensar/fazer.
REFERÊNCIAS
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