OS ÁLBUNS DE FOTOGRAFIAS DOS ALUNOS DO CURSO PRIMÁRIO DO
COLÉGIO FARROUPILHA (Porto Alegre/RS 1948-1966)
Alice Rigoni Jacques
(Doutoranda da PUCRS)
Palavras-chave: Álbuns de alunos, fotografias, coleção.
Introdução
Durante os anos de 1948 a 1966, as professoras do primeiro ano do Curso Primário do
Colégio Farroupilha de Porto Alegre/RS realizavam um álbum contendo as fotografias da
turma e as cartinhas de cada aluno, escritas especialmente para a ocasião, acompanhadas por
suas fotografias, que eram entregues em forma de presente à Diretora da escola D. Wilma
Gerlach Funcke1. Era na Festa do Livro, cujo evento era realizado no mês de outubro, que o
presente era entregue, como forma de celebrar a passagem da nova cartilha2 a ser utilizada.
Na Festa do Livro, além de realizarem a entrega dos álbuns à Diretora, os alunos faziam
apresentações teatrais da história “João e Maria”, declamavam poesias, cantavam as músicas
“Meu livro”, presente na cartilha de “Vivi e Vavá” de Célia Rabello3, e “A linda rosa juvenil”
(BASTOS e JACQUES, 2011).
O recorte deste estudo consiste na análise destas fotografias, presentes nestes álbuns,
cujo objetivo consiste em perceber aspectos do passado sobre as pessoas e sobre os fatos,
declarando uma interpretação das imagens fotografadas a respeito da cultura escolar
representada neste período analisado. A pesquisa detém-se na materialidade destas fotografias
presentes nos 33 álbuns da 1ª série do Curso Primário, que se apresentam como miniaturas da
realidade do universo escolar. Estes álbuns cujas fotografias presentes são os objetos de
estudo desta pesquisa.
Uma foto equivale a uma prova incontestável de que determinada coisa
aconteceu. A foto pode distorcer; mas sempre existe o pressuposto de que
1 Wilma G. Funcke foi diretora do Curso Primário do Colégio Farroupilha no período de 1948 a 1966.
2 Sobre a cartilha, ver FRADE (2010).
3 Célia Rabello também é autora de outros livros de leitura: Em casa da Vovó; Os três amigos, indicados para a
segunda série; Ninita e suas Amiguinhas (1942), para a terceira série.
algo existe, ou existiu, e era semelhante ao que está na imagem (SONTAG,
p.16, 2004)
Nesse sentido, as fotografias presentes no início dos álbuns impõem padrões a seus
temas. Elas expressam o didatismo da cultura escolar4, pois representam o cotidiano da escola,
ao expressarem a rotina da sala de aula. Já as fotografias individuais, apresentam imagens que
idealizam, expressando situações da vida familiar.
Estas fotografias presentes nos álbuns onde aparecem os alunos e suas respectivas
cartinhas redigidas demonstram um rito da família e da escola, apresentando uma
cumplicidade com o quer que se torne um tema interessante e digno de se fotografar.
Os álbuns
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1952)
Os 33 álbuns apresentam ilustrações bem coloridas através de flores coladas e
demonstram o zelo, o capricho e a organização das professoras do curso primário. As
fotografias presentes são as que foram tiradas com as professoras no terraço da escola; na sala
de aula em três ângulos diferentes (na frente do quadro negro, da sala de aula em outro
ângulo, e, por último, a foto da sala tirada do fundo, aparecendo o quadro-negro, com um
4 Entende-se cultura escolar Cultura escolar pode ser definida como um conjunto de normas que definem
conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem
variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e
práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a
obedecer essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a
saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar em
um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades,
modos que concebem a aquisição de conhecimentos e habilidades senão por intermédio de processos formais de
escolarização (JULIA, 2001, p. 10).
menino e uma menina escrevendo); também nos álbuns estão presentes o convite e a
lembrança da festa; as “cartinhas” de cada aluno em papel de carta colorido ou enfeitado com
desenhos e carimbos e as fotografias dos alunos que aparecem junto às cartinhas.
As fotografias estão presas com cantoneiras douradas e, em sua maioria, são em preto
e branco.
Cada cartinha vem acompanhada, no alto, pela foto do seu autor.
Os álbuns, em sua maioria, apresentavam tamanho 33 cm x 23,5 cm, todos com folhas
de papel couche preto ou cinza, entremeadas por folhas de papel de seda bege, com escritos
em caneta branca. As capas dos álbuns variavam: lisas, de couro, de pele de jacaré, de
madeira, com capa plastificada com imagens de flores, bebês, paisagem. Alguns
apresentaram tamanho maior: com 33,5 cm x 38,5; outros com 40 cm x 29 cm. Variando capa
e tamanho, em cada ano, os álbuns eram iguais para todas as turmas. De 1958 a 1966, as
turmas estavam reunidas em um único álbum. Os álbuns de 1949, com capa azul para a turma
A e verde para a turma B, trazem impresso na capa, em letras douradas, o nome do colégio e a
turma. O fabricante era Cartona. Cartão-photo Nacional de João José Monegaglia, de São
Paulo e o modelo nº 158. Foram adquiridos em Porto Alegre/Rs na loja Claudino Nör, na rua
Senhor dos Passos, 199. As fotos eram presas com cantoneiras douradas. Em alguns anos, as
fotos das turmas são coloridas, mas predominam as fotos em preto e branco (BASTOS e
JACQUES, 2011).
As fotografias presentes nos álbuns
A fotografia não pode ser tomada meramente como o instrumento de uma
inscrição indexical, mas sim como uma tecnologia para exibição visual
experimentada como significante. A materialidade, assim, traduz o abstrato e
representacional da “fotografia” em “fotografias” que existem no tempo e no
espaço (EDWARDS, apud MENESES, 2005).
Ao longo do século XX, o mercado fotográfico ampliou-se e especializou-se, se
difundindo de forma capilar na sociedade contemporânea, sendo presença constante nas mais
diversas esferas públicas e privadas. E as instituições de ensino também fizeram uso dessa
prática.
A presença de fotografias nos álbuns da 1ª série do Curso Primário do Colégio
Farroupilha faz com que utilizemos estas fontes fotográficas para a pesquisa histórica, pois é
um objeto que troca de mãos, está integrado num acervo de pesquisa, transformando-se em
material de estudo para outros pesquisadores, pois mesmo guardado em armários mofados até
a sua deterioração, é redescoberto por historiadores, encaminhados para uma possível
restauração e colocados ao alcance para novos estudos e pesquisas.
Como os álbuns apresentam documentos textuais, no caso as cartinhas redigidas pelos
alunos sabemos que, o campo da historiografia privilegia mais estas fontes escritas do que as
imagens (fotografias de turma e dos alunos ) que se mantinham até então num segundo plano.
Nesse caso as imagens apresentadas, revelam a construção da representação escolar,
desempenham papeis pedagógicos, de acentuado caráter narrativo e alegórico. As fotografias
de turma presentes nos álbuns demonstram a postura hierárquica e de autoridade do professor,
pois sua posição é a de agente, vigilante, observador e controlador uma vez que, organiza a
sala de aula colocando seus alunos uns atrás dos outros e separando meninos e meninas nos
bancos escolares. Certamente, a posição que o professor ocupa é na frente da sala de aula, o
que revela sua postura hierárquica e de autoridade sobre a turma. Os alunos nesta mesma
alegoria assumem o papel de receptores e reprodutores do conhecimento e da ordem
hierárquica estabelecida e que deveria ser cumprida.
Estas fotografias comunicam-se por imagens não-verbais por possuírem um caráter
conotativo que remete às formas de ser e agir do contexto apresentado (Mauad, 2005, p.144).
No quadro abaixo identificamos alguns elementos da forma de conteúdo das fotos de
turmas presentes nos álbuns do 1º ano.
Conteúdo Fotografia 1 Fotografia 2 Fotografia 3 Fotografia 4
Ano 1953 1953 1952 1959
Local retratado Sala de aula Sala de aula Sala de aula Sala de aula
Tema retratado Turma de
meninos
Turma de
meninas
Turma de alunos Turma de alunos
Pessoas
retratadas
Meninos Meninas Meninos e
meninas
Meninas e
meninos
Objetos
retratados
Classes, paredes,
quadros,
cartazes,
uniformes
Classes, paredes,
cortinas,
bandeira,
quadros,
uniformes
Quadro negro,
classes,
lâmpadas, porta,
cartazes, plantas,
uniformes
Assoalho,
classes,
uniformes,
paredes,
cortinas,
cartazes
Tempo
retratado
Turno escolar –
manhã
Turno escolar -
manhã
Turno escolar -
manhã
Turno escolar -
manhã
dia/noite
No quadro seguinte, identificamos os elementos da forma de expressão das fotos
presentes nos álbuns.
Forma de
Expressão
Fotografia 1 Fotografia 2 Fotografia 3 Fotografia 4
Agência
produtora
Studio Os Dois Studio Os Dois - -
Tamanho da foto 13,5x8,5cm 13,5x8,5cm 17,5x11cm 17,5x11cm
Formato da foto Retangular Retangular Retangular Retangular
Enquadramento I
(horizontal,
vertical)
Horizontal Horizontal Horizontal Horizontal
Enquadramento
II (esquerda,
direita)
Esquerda Direita Centro Direita
Enquadramento
III (objeto
central)
Os meninos e as
classes no lado
esquerdo
As meninas e as
classes no lado
direito
A turma na sala
de aula sentada
nas classes
vistos de costas
Meninas e
meninos do
centro para a
direita
Nitidez Os meninos
sentados à frente
com mais
claridade que os
sentados ao
fundo
As meninas
sentadas à frente
com mais
iluminação do
que os demais
sentados atrás
O foco está mais
acentuado na
turma que está
sentada atrás da
sala de aula; o
quadro negro
também recebe
destaque e foco
na foto
As meninas ao
centro
demonstram o
percurso a ser
seguido,
desempenhando
o foco principal
desta foto
Iluminação Iluminação na
frente com
sombra atrás
Iluminação na
frente com
sombra atrás
Iluminação à
frente com
sombra no lado
esquerdo
Iluminação no
lado direito
central com
sombra ao fundo
Produtor Profissional Profissional Profissional Profissional
Para Lima e Carvalho (1997, p.32), existem dois descritores nas imagens distribuídos
em duas categorias: os descritores iônicos e os descritores formais. Os iônicos referem-se aos
registros dos elementos figurativos e espaciais, e os descritores formais, identificam o
tratamento plástico dispensado aos motivos selecionados do contexto.
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1953)
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1952)
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1959)
Nas quatro fotografias que compõem este estudo percebe-se que ambas, nos remetem
ao que ficou de fora, ao que não aparece, mas, que de alguma forma está contemplado, que é a
figura do professor ou da professora.
As fotografias presentes nas primeiras páginas dos álbuns dizem respeito às imagens
das turmas. As fotografias individuais de cada aluno aparecem junto com as cartinhas
escritas.
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1953)
Ao nos depararmos com as fotografias individuais, percebe-se que na sua maioria são
fotografias de estúdio. Nesse sentido, Walter Benjamin (1991, p.94), afirma que apesar de
toda perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o
observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do
acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar
imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, e
que com tanta eloquência que podemos descobri-lo, olhando para trás. A natureza que fala à
câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço
trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente.
Percebemos então nestas fotografias as suas posições, os locais onde foi tirado, o que estão
fazendo.
As fotografias individuais dos alunos presentes nos álbuns revelam atitudes de alegria,
timidez, espontaneidade, descontração, onde na maioria das vezes não se identifica nada sobre
suas vidas, pois estão desacompanhadas de um texto escrito que as explicasse.
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1958)
Nos álbuns analisados, a maioria das fotografias são em preto e branco. As fotos
apresentam tamanhos 3x4cm, 10x10cm, 13x8cm e algumas foram recortadas de outras
fotografias. Muitas delas apresentam uma moldura branca com a borda parecendo uma renda.
A foto abaixo é da aluna Virgínia Dreher, também do 1º ano A do ano de 1957. Foi tirada em
estúdio, pois a menina aparece num cenário que aparentemente está organizado para tal:
cortina ao fundo, vestido de festa, cabelo bem penteado com um laço enfeitando. Ela está
sentada e traz em suas mãos um livro que aparece apoiado sobre algo. A imagem da fotografia
aparece mais nítida do vestido para cima, o local onde ela está apoiada surge na foto como um
efeito sombreado impossibilitando identificar o que está ali. Penso que seja o efeito de uma
fotografia produzida a partir do trabalho de um profissional.
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1957)
Ao emergir nestes álbuns e folhear cada página ali ilustrada com a fotografia e com a
cartinha de cada aluno, tentamos estabelecer um diálogo de sentidos com outras referências
culturais, pois as imagens nos contam histórias, fatos, acontecimentos, atualizam memórias,
inventam vivências, imaginam a história.
Tanto as fotografias de turmas como as dos alunos onde se apresentam em diferentes
cenários e situações, são consideradas testemunhos, pois elas atestam a existência de ma
realidade.
As fotografias nos impressionam, nos comovem, nos incomodam, enfim
imprimem em nosso espírito sentimentos diferentes. Também faz parte da
nossa prática de vida fotografar nossos filhos, nossos momentos importantes
e os não tão significativos (MAUAD, 2005, p.136)
Também podemos identificar nos álbuns de fotografias das turmas de 1º ano do Colégio
Farroupilha, alguns estúdios fotográficos existentes naquela época.
Estúdio Local
Foto Nick Vila IAPI
Studio Os Dois Andradas
Studio Geremia Caxias do Sul
Foto Colombo Porto Alegre
Fotobaby -
Studio Michel -
Foto Abitante Rua Cristovão Colombo, 1784
O Stúdio “ Os Dois” pertencia à família Wickert, cujos filhos estudaram no Colégio
Farroupilha. Erico Winfried Wickert e Mário Walter Wickert cursaram o 1º ano do Curso
Primário nos anos de 1948 e 1957.
Ao que tudo indica, a infância destes alunos foi vivenciada junto à profissão do pai.
Quando desenvolvi a dissertação de mestrado sobre “As marcas de correção em
cadernos escolares do curso primário do Colégio Farroupilha no período de 1948 a 1958”,
encontrei no caderno de redações da 4ª série do Curso Primário de Erico5 a história relatada
sobre o Foto Atelier. O pai de Erico era fotógrafo e proprietário do Stúdio “Os Dois”6,
localizado no centro da cidade de Porto Alegre/RS.
“O Foto Atelier”
Meu pai é fotógrafo. Êle tem no centro da cidade um “foto-atelier” com um
grande laboratório fotográfico, onde trabalham muitas moças. Elas tiram fotografias,
revelam filmes e chapas, fazem reproduções, cópias e ampliações. Nos fundos do
estúdio existe um grande quarto escuro; não é bem escuro, tem lâmpadas vermelhas. Lá
estão os aparelhos para copiar e ampliar, e as banheiras com os reveladores. Gosto
muito de ajudar neste quarto. Como é interessante de ver aparecer pouco a pouco num
papel branco, nadando no revelador, um retratinho!
Numa outra sala existem lavadeiras, secadeiras elétricas, cortadeiras e mesas
para recortar, retocar e aprontar os trabalhos.
5 Sobre o caderno de redações de Erico ver a dissertação sobre “As Marcas de Correção em Cadernos Escolares
do Curso Primário do Colégio Farroupilha – 1948/1958” (JACQUES, 2011) 6 O estúdio “Os Dois” pertencia ao Sr. Wolfdietrich Wickert pai do aluno Erico Wickert. O pai tinha
nacionalidade alemã, mas naturalizado brasileiro. Muitas das fotografias presentes nos álbuns dos alunos da 1ª
série do curso primário, presentes nos álbuns foram tiradas pelo estúdio do Sr. Wickert.
Sempre há movimento no atelier. Pessoas trazem rádios, triciclos, maquetes,
máquinas de escrever e outras cousas para fotografar para catálogos ou fins de
propaganda.
Muitas vezes vêm mães com filhos para tirar fotografias. Umas crianças
riem, outras choram e têm medo. Talvez pensam de estar no dentista ou no médico,
porque lá todos andam com guarda-pós brancos. No estúdio há muitos aparelhos
diferentes, grandes e pequenos com muito brilho e lâmpadas com luz bem clara e forte.
Guardados num armário existem brinquedos como bonecas, bolas, cachorrinhos, livrinhos
para as crianças brincar a vontade.
Quantas vezes já ouvi dizer: “Olha pra cá, queridinho, da máquina vai sair um
passarinho.” Mas eu sei que não sai! Fonte: Caderno de Redação de Erico Wickert da 4ª série (1951)
Fonte: Álbum das cartinhas e fotografias dos alunos do 1º ano do Curso Primário (1948)
Na redação escrita por Erico, percebe-se claramente a vivência e o conhecimento que
ele tem sobre o funcionamento de um estúdio fotográfico. Mesmo em sua infância, ele
acompanhou e conheceu todo o processo desenvolvido pelo seu pai no laboratório
fotográfico, o que fica evidenciado na sua escrita infantil.
A partir destes registros e muitos outros, é que podemos constatar, segundo Lima e
Carvalho (2009, p.34), que a fotografia difundiu-se de forma capilar na sociedade
contemporânea, sendo presença constante nas mais diversas esferas públicas e privadas.
Utilizar fontes fotográficas para a pesquisa histórica significa inicialmente entender que
tamanha diversidade de usos gerou arquivos7 e coleções8 que podem ser encontrados não
somente em instituições de guarda (arquivos, museus, bibliotecas, etc.), mas também nos seus
locais de origem de produção ou no final do caminho de sua circulação.
É necessário ainda deixar claro que tais circuitos precisam ser compreendidos de modo
que a fotografia não seja descolada de seus contextos de produção, circulação, consumo,
descarte e institucionalização. O contexto da imagem fotográfica não é o seu conteúdo, mas o
modo de apropriação da imagem como artefato. Objeto que troca de mãos, é reproduzido em
revistas, integra álbuns, transforma-se em cartão postal, em obra de arte nas paredes e galerias
de museus, fica sempre guardado em armários mofados até a sua deterioração, é redescoberto
por curadores, pesquisadores, é restaurado e torna-se objeto de estudo para historiadores
(LIMA e CARVALHO, 2009, p. 35). É neste espaço, nestes achados, nestas descobertas,
nestes flagrantes, que lançamos mãos de nossas curiosidades e nos debruçamos nestas fontes
privilegiadas, senão exclusivas de documentos, que constituímos nossos objetos de estudo e
de pesquisa.
Conclusão
Arquivar
Uma das grandes funções da fotografia-documento terá sido a de erigir m
novo inventário do real, sob a forma de álbuns e, em seguida, de arquivos. O
álbum, enquanto mecanismo de reunir e tesaurizar as imagens; a fotografia,
enquanto mecanismo para ver (óptico) e para registrar e duplicar as
aparências (químico). Assim, esse inventário fotográfico do real constituiu-
se no cruzamento de dois procedimentos de tesaurização: o das aparências,
pela fotografia; e o das imagens, pelo álbum e pelo arquivo (Rouillé, 2009,
p.97).
Ao adentrar neste documento da cultura escolar, e revisitar memórias de vida expressos
pelas cartinhas e no caso deste estudo, as fotografias presentes nos álbuns dos alunos do 1º
ano do Curso Primário, concluímos que elas são um precioso corpus documental do cotidiano
da escola e das práticas educativas que foram realizadas durante um período de 18 anos por
esta instituição.
O fato das professoras do 1º ano do Curso Primário organizarem um álbum por turma
no período de 1948 a 1966, para ser entregue à Diretora, contemplando fotos das turmas em
7 Um documento de arquivo é aquele que faz parte de um “conjunto de documentos que, independentemente da
natureza ou do suporte, são reunidos por acumulação ao longo das atividades de pessoas físicas ou jurídicas,
públicas ou privadas”.Camargo e Bellotto (1996, p.5). 8 A coleção ao contrário do arquivo, seria uma “reunião artificial de documentos” Camargo e Bellottto (coords.)
op. Cit. P.17
diversos ângulos, cartinhas escritas pelos alunos e fotografias individuais permite aos
historiadores navegar no registro da história contemplando uma linguagem de imagens.
Para Mauad (2005, p.143), as fotografias guardam, na sua superfície sensível, a marca
indefectível do passado que as produziu e consumiu. Um dia já foram memória presente,
próxima àqueles que as possuíam, as guardavam e colecionavam como relíquias, lembranças
ou testemunhos. No processo de constante vir a ser, recupera o seu caráter de presença num
novo lugar, num outro contexto e com uma função diferente.
Ao definirmos que as imagens nos contam acontecimentos e imaginam histórias,
evidencia-se que as fotografias presentes nos álbuns são aquelas que remetem o cotidiano do
ambiente escolar, no caso as fotografias de turmas, onde as classes estão enfileiradas, onde os
meninos sentam numa fila e as meninas noutra. Mesmo o Colégio Farroupilha atuando com a
co-educação9, o espaço físico da sala de aula se apresenta com lugares separados para
meninos e meninas.
Sobre as fotografias individuais presentes nos álbuns, percebe-se que foram escolhidas
pelas famílias com dedicação e até com certo cuidado e formosura. Muitas delas são tiradas
em estúdios, ateliês10 e se apresentam com efeitos de luz, nitidez, com bordas enfeitadas e
demonstrando verdadeiros aparatos teatrais. Não sabemos porém, se as roupas utilizadas eram
das crianças ou dos próprios fotógrafos que forneciam a seus clientes. Mas eram de bom gosto
e de uma elegância impecável. Acredito que as fotografias que não foram tiradas em estúdios
ou ateliês, pertenciam aos álbuns de famílias e representam situações do cotidiano familiar:
crianças brincando, caminhando ou em posição de pose para a foto.
Sobre a análise metodológica também presente neste estudo, procurei descrever como
está sendo dado a ver estas fotografias e onde está a ênfase das imagens retratadas, pois as
imagens instituem códigos e incorporam funções sígnicas.
Para Mauad (2005, p.144), a imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas
sejam feitas. Portanto, a fotografia deve ser considerada como produto cultural, fruto de
trabalho social de produção sígnica. Nesse sentido, toda produção da mensagem fotográfica
está associada aos meios técnicos de produção cultural.
Finalizando, as fotografias presentes nos álbuns propuseram uma interpretação da
cultura escolar e retratam convenções sociais de uma época.
9 O Colégio Farroupilha no ano de 1929 uniu numa só classe meninos e meninas, transformando a escola em
educação mista. Nesta época o Colégio funcionava na Av. Alberto Bins, onde hoje está localizado o Hotel Plaza
São Rafael. 10
Sobre ateliês fotográficos, ver Fabris (1997, p.11).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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do curso primário do Colégio Farroupilha (Porto Alegre/RS 1948-1966). In: Anais do 17º
Encontro da Associação Sul-rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação. Santa
Maria/RS: UFSM, 2011. CdRom.
CAMARGO, Ana Maria de Almeida; BELLOTTO, Heloísa Liberalli. (Coords.), ., São Paulo,
Associação de Arquivistas Brasileiros – Núcleo Regional de São Paulo, 1996, p. 5-17.
FABRIS, Annateresa. 1. A invenção da fotografia: repercussões sociais. In___. Fotografia:
usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1997, p. 11-37.
FRADE, Isabel C.A. da Silva; MACIEL, Francisca. (Org.) História da Alfabetização:
produção, difusão e circulação de livros (Mg/RS/MT – séculos XIX e XX). Belo Horizonte:
UFMG/FAE, 2006.
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Farroupilha de Porto Alegre/RS – 1948/1958. Dissertação de mestrado defendida em out.
2011 (PUCRS).
LIMA, Solange Ferraz; CARVALHO, Vânia Carneiro de. Usos sociais e historiográficos, p.
29-60. PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina (Orgs.), O historiador e suas fontes.
2009, São Paulo.
MAUAD, Ana Maria. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas
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