Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
O nacional e o universal nas obras de Mário de Andrade e Villa Lobos
Arnaldo Daraya Contier
USP e Mackenzie
Em l921, Mário admitia a existência da música nacional no inconsciente do
povo “anônimo,inculto, advertindo que, em raras experiências, essa brasilidade havia
aflorado na área semierudita ou popular, como em algumas peças de Marcelo
Tupinambá, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, ou erudita – Heitor Villa Lobos
(Suite brasileira, Choros no 1}Logo, o projeto modernista no campo da música erudita
era marcadamente utópico , conforme o pensamento marioandradiano.
Nessa fase de construção do modernismo nacionalista, o compositor deveria
necessariamente inspirar-se nas formas e nas técnicas do cancioneiro folclórico,
hamonizando-se com os critérios técnico-estéticos oriundos da musica européia
(neoclassicismo, modalismo, polirritmia, politonalidade) Essa busca da especificidade
do popular e do nacional poderia favorecer a independência cultural do Brasil em face
dos principais pólos musicais europeus.
No momento da intensificação da construção do projeto nacionalista calcado na
pesquisa folclórica, visto como a única fonte verdadeira da fala autêntica do povo
brasileiro , Francisco Mignone encontrava-se na Itália onde usufruía uma bolsa de
estudos concedida pelo Governo do Estado de São Paulo (1920-29}Durante esses
nove anos, Mignone realizou algumas viagens esporádicas ao Brasil.
Na Itália sob a orientação do compositor Vicenzo Ferroni, F. Mignone escreveu
O Contratador de Diamantes (1922) , cuja estréia ocorreu no Teatro Municipal do Rio
de Janeiro, em 20 de setembro de 1924. Em momentos posteriores, escreveu a Suíte
Asturiana (1928) para orquestra; algumas canções, como: Cenas da Roça, cuja estréia
deu-se em São Paulo, em agosto de 1923; Festa Dionisíaca (poema sinfônico,1923)
que venceu um concurso promovido pela Sociedade de Concertos Sinfônicos de São
Paulo em 1926.
As críticas de Mário de Andrade a respeito dessas obras foram virulentamente
atacadas justamente numa década (anos 20) considerada decisiva pelos
modernistas: a construção de um imaginário modernista erudito no Brasil, inspirado
nas fontes folclóricas, em especial, as peças operísticas- O Contratador de Diamantes
e o Inocente. No âmbito desse novo contexto sociocultural, a obra considerada
altamente promissora de outrora, acabou sendo considerada por Mário como uma
produção de raízes marcadamente italianas ou despaisadas. De repente,a
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
2
ascendência italiana de Mignone harmonizou-se, sem conflitos, com os modelos
operísiticos vigentes na Itália dos anos 20.
Na realidade, para Mário, a ausência de caracteres nacionalizantes na obra de
Mignone, durante esse período, passou a representar um CORPO estranho ou uma
outra NAÇÃO, entrando em conflito em face de uma memória que vinha sendo
construída sobre o nacional, o popular e o universal na música erudita brasileira
modernista. Numa fase de construção, o projeto modernista no campo da Arte Culta
ainda não havia se consolidado; por esse motivo, Mário, percebendo a potencialidade
estético-técnica de Mignone, procurou criticar o seu italianismo, visando provocar a
sua possível conversão à nova “religião artística”.Num momento em que Mário
discursava sobre a inexistência de uma Arte Culta de matizes nacionalistas e
populares no Brasil, Francisco Mignone, seu colega de turma no Conservatório
Dramático e Musical de São Paulo, era visto como um alvo significativo a ser atingido!
Durante os anos 20 e 30 ,Mário reinterpretou a História do Brasil,
fundamentando-se numa determinada concepção de fato ou acontecimento,
procurando, assim, estabelecer uma periodização das práticas culturais. Sob a
perspectiva política privilegiou o 7 de setembro de 1822 como um momento da ruptura
do Brasil em face da política de matizes coloniais da Metrópole (Portugal) e,
paralelamente, considerou a Primeira Guerra Mundial (1918) como a conjuntura-
chave capaz de propiciar a independência cultural do País frente aos principais pólos
culturais da Europa. A partir dessa dupla datação- 1822e1918- Mário fundamentou as
suas concepções históricas sobre o internacionalismo e o despaisamento presentes
nas obras de autores do passado, como, por exemplo, Carlos Gomes, ou do presente,
como Francisco Mignone. Para Mário, essa dupla datação favoreceu um total divórcio
entre as elites dominantes desse período e o chamado povo brasileiro. Por essa razão
histórica, inexistiu no Brasil, durante o século XIX, uma cultura nacional. Logo, essa
ausência de brasilidade no campo artístico incidia na apresentação de cantigas que
revelavam ora traços nitidamente portugueses, ora de colorações africanistas ou
indígenas.
Consoante essa interpretação da História, muitos compositores foram
compulsoriamente obrigados a escrever obras de matizes europeus, como Leopoldo
Miguez ou Carlos Gomes. Somente, a partir de 1918-20, devido aos critérios
modernistas em prol da descoberta da questão nacional internalizada na inconsciência
do povo e de alguns compositores, como Heitor Villa-Lobos, interessados em resgatar
a alma popular e a brasilidade dos chorões, por exemplo, os artistas modernistas
começaram a interessar-se pela nova realidade histórico-cultural que vinha sendo
construída nos discursos modernistas.Por essa razão, Mário, em suas críticas,
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
3
atacava ácida e virulentamente todos os possíveis “pecados” internacionalistas ou
desraçados ou despaisados cometidos pelos compositores brasileiros eruditos.
A partir dessas considerações de Mário de Andrade sobre o perfil sonoro da
Nação. muitos compositores, tendo Francisco Mignone como exemplo, foram
severamente criticados pelo Autor de Macunaíma.
O não-envolvimento de Mignone nos anos 20 em prol da construção do
modernismo brasileiro foi caracterizado por Mário como um desvio de conduta de um
artista possuidor de uma ampla e sólida formação musical, mas ainda muito hesitante
em face de uma possível adoção do experimentalismo modernista”... dentre os
compositores vivos brasileiros, Francisco Mignone é talvez o de um problema mais
complexo pelas causas raciais e pela unilateridade de cultura que muito o despaisam
e descaminham.Além disso minha impressão é que o compositor inda não teve
coragem pra colocar bem os seus problemas espirituais.Ele inda está excessivamente
atraído pela chamada ‘música universal’, sem reparar que a universalidade, senão a
mais aplaudida, pelo menos a mais fecunda e enobrecedora, é a dos artistas nacionais
por excelência.Nunca um Tchiakowski universal terá o valor nem a importância dum
Mussorgsky , nacional; nem um Saint Saens a importância dum Debussy”
(ANDRADE,M. Música, doce música,l963,p.239}
Consoante essa interpretação de Mário, Francisco Mignone é visto como um
compositor de notável talento , porém, demasiadamente internacionalista ou
despaisado.Na verdade o discurso marioandradiano sobre a produção italiana de
Mignone incidia no emprego de palavras-chave de fortes colorações ásperas ou
ácidas , durante os anos 20, implicando, por outro lado, a utilização de um vocabulário
fortemente emotivo, tentando, assim, seduzi-lo e levá-lo para o verdadeiro caminho da
História ou da utopia do chamado som nacional”... os diletantes da nossa música e os
compositores, todos de grande incultura brasileira...” (ANDRADE,M.MDM,1963,p.106)
Mário de Andrade criticava os seus contemporâneos pelas suas “precárias”
formações filosófico-estéticas e,tam bem, como pesquisadores do folclore
brasileiro.Dentre os não-modernistas, Mário teceu considerações negativas em face
da obra de Henrique Oswald”...digo mais : sem nunca o ter propriamente atacado, eu
era, digamos, teoricamente inimigo de Henrique Oswald.Tínhamos, não apenas da
música, mas preliminarmente , da própria vida, um conceito muito diverso pra que
doutrinariamente eu pudesse considerá-lo um companheiro de vida [...] Henrique
Oswald, que podia nos dar a sua expressão particular da nossa raça, provinha dum
epicurismo fatigado e refinado por demais pra abandonar suas liberdades em favor
dessa conquista comum de nacionalidade [...] (ANDRADE, M. MDM, 1963,168-9) .E,
paralelamente, Mário denunciava a formação precária dos músicos no campo do
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
4
folclore: “...No Brasil o estudo da música de folclore é duma ausência vergonhosa[...]
(ANDRADE,M. MDM,1963,p.171)
Em suas críticas a Leoncavallo, Mário demonstrou um profundo desprezo,
chegando a ‘aproximá-lo’ de F. Mignone, lançando assim, as suas óperas nos porões
da História...l
Apesar dessas restrições, Mário acreditava na conversão de Mignone ao
chamado credo nacionalista”... muitos compositores americanos, principalmente
brasileiros tem passado por mim, e de todas as castas. Cabotinos deslavados,
ingênuos quase analfabetos, técnicos honestos mas cheios de falhas, gênios geniosos
admiráveis pondo tampões em estrelas reluzentes , como Francisco Mignone, um
conhecimento mais íntimo, mais profundo e mais vasto da música. Talvez fosse
desejável que essa cultura musical acrescentasse de que falta mesmo a quase todos
artistas brasileiros de todas as artes , um conhecimento filosófico mais legítimo É certo
que isso nos traria uma possibilidade de autocrítica muito mais perfeita, pois que se
uns não a têm quase nenhuma , outras a exercem parcialmente, ou exigindo apenas
técnica ou a mensagem original” (ANDRADE,M. MDM,1963: 310-1) .
Além disso, Mário enfatizava o interesse natural de Mignone pela cultura
popular “...Francisco Mignone é de uma especificidade tão íntima como a de qualquer
outro, e desde os primeiros maxixes para piano, sob o pseudônimo de Chico Bororó
lançava para o mercado, percebia-se uma perfeita identificação nacional”[...].
(ANDRADE,M. MDM, 1963:312) .
Nos artigos publicados por Mário sobre a Campanha contra as temporadas
líricas, em 1928,a temática sobre o internacionalismo ou estrangeirismo foi debatida,
com clareza, pois,foi vista como um possível “vírus” capaz de contaminar e,
conseqüentemente , desagregar a Escola Nacionalista de Composição no Brasil.O
programa musical selecionado pela Temporada Lírica Oficial realizado no Teatro
Municipal de São Paulo, sob os auspícios da empresa Ítalo-Brasileira e da Prefeitura
Municipal denotava , de acordo com Mário”...falsificações de novidades com óperas
velhas[...]o resto das oito récitas de assinatura , é tudo velharia gasta, conhecidíssima
prejudicial” (ANDRADE,M. MDM.,1963:193) Conforme Mário, essa temporada havia
abolido o povo, a nacionalidade e a arte, graças ‘a hipocrisia do governo, da comissão
organizadora e da empresa responsável pela “palhaçada” .Os organizadores refutaram
essa afirmação de Mário, admitindo que o critério na escolha das óperas atendia o
gosto do público habituado a freqüentar o Teatro Municipal. Em contrapartida, para
Mário, o povo de São Paulo havia sido “traído” pelos seus governantes:”... o povo
elegeu os donos da Prefeitura pra que ela subvencionasse uma Empresa para que
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
5
esta por preços exorbitantes satisfizesse uma moda da elite”, marginalizando, assim, o
“povo” das manifestações melodramáticas oficiais da cidade.
Para Mário, esse episódio, implicava um “divórcio” entre o governo e a
“nacionalidade” e o desejo das elites políticas e dominantes, que mandaram o povo
“plantar batatas”.Por outro lado , Mário responsabilizou as elites por terem construído
o Teatro Municipal[...] “...luxo inútil, falso, hipócrita, duma cidade infeliz, no qual o povo
não conta” (ANDRADE, M. MDM, 1963:195) De acordo com Mário, os “traidores” da
nacionalidade promoveram encenações de óperas “inúteis, gastas, batidas””, como,
por exemplo, “Zaida” de W.A.Mozart ou “Rosaura” de A. Scarlatti.
Paralelamente,Mário criticava, com virulência, as escutas das elites ainda
presas ao imaginário musical da Belle Époque, vistas como “ignorantes”, em especial,
as mulheres que freqüentavam o Municipal para exibir as suas jóias ou mostrar os
seus vestidos , visando aplaudir artistas já consagrados pelo público burguês
internacional, como Enrico Caruso ou Beniamino Gigli.
No âmbito dessa temporada oficial, foi representado, em primeira récita
mundial, a ópera “O Inocente” de F. Mignone.Mário publicou uma crítica contundente
no Diário de S.Paulo”...coros sem nenhuma formação técnica...guarda roupa ridículo
de pobreza e falsificação[...] e no meio dessa inqualificável mesquinharia antiartística,
o esplendor maravilhoso do Sr. Cláudio Muzio, a voz magnífica do Sr. Gigli...e, para
desempenhar papéis secundários, a Empresa Ítalo-Brasileira contratou artistas
brasileiros “muito ruins”.
O Inocente, conforme Mário, representava um universalismo desraçado,
dependente de uma cultura exclusivamente européia, em perfeita sintonia com a
“sensibilidade italiana”.Com esta ópera, conforme Mário, Mignone afastava-se
definitivamente da proposta modernista:”...Francisco Mignone está numa situação
dolorosa. Não encontra libretistas brasileiros que lhe forneçam assuntos nacionais.E
se encontrar:o libreto para ser representado, terá de ser vertido pro italiano, porque
ninguém não canta em brasileiro neste mundo[...].Mas que tem valor nacional “O
Inocente?”Absolutamente nenhum.E é muito doloroso no momento decisivo de
normalização étnica em que estamos, ver um artista nacional se perder em tentativas
inúteis .Porque em musica italiana, Francisco Mignone será mais um, numa escola
brilhante, rica, numerosa, que ele não aumenta[...]Mas com “O Inocente” ele é mais
um na escola italiana.No tempo de Carlos Gomes inda “O Inocente”teria de ser
contado como manifestação brasileira de arte.Porque então não tínhamos base
nacional definitiva, nem mesmo na música popular, que se debatia entre a habanera e
a roda portuga” (ANDRADE,M. MDM,1963:202-3)
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
6
Para consolidar o modernismo nacionalista no campo da Arte Culta, Mário, em
1928, elogiou alguns compositores que vinham procurando incorporar valores
nacionais e populares em suas composições, tais como: Heitor Villa-Lobos, Lorenzo
Fernandez, Luciano Gallet e Camargo Guarnieri.E,procurando convencer Mignone
sobre os “perigos” do despaisamento, citava uma série de autores que haviam sido
banidos dos seus respectivos países por terem cometido “pecados” antinacionalistas
ou universalistas, tais como Igor Strawinsky ou Kandinsky (expulsos da Rússia) ;
Pablo Picasso (cedido “sem remorsos da Espanha para a França) , ou ainda autores
do passado como Cherubini e Lully, negligenciados pela política cultural fascista E,
para aterrorizar o seu amigo, Mário: “...alertava:”...O Inocente pertence à Itália. A
música brasileira fica na mesma, antes e depois dessa ópera. E é por isso que
considero o caso de Francisco Mignone bem doloroso” (ANDRADE,M.
MDM,1963:203)
Na realidade, Mário não era contrario às encenações operisticas em São
Paulo.Apenas alertava os seus leitores sobre os “perigos” das representações de
óperas de escasso valor estético, capazes de criar sérios obstáculos para a formação
de um público sintonizado com a função social e estética de uma obra de arte.Nesta
fase de construção do projeto modernista-anos 20- , Mário privilegiava a música
sinfônica em detrimento do melodrama, ou seja, o sinfonismo poderia ser executado
durante o ano inteiro , diminuindo, assim, o “abismo” que separava a Arte Culta em
face das escutas dos habitantes da Cidade.Além disso,em 1928, inexistiam óperas
nacionais e modernistas para serem encenadas regularmente nas temporadas líricas e
intérpretes capazes de apreender todos os matizes técnicos de uma ópera modernista.
Em fevereiro de 1931, a Sociedade Sinfônica Brasileira de São Paulo incluiu
em seu repertório a “Fantasia para piano e orquestra de Francisco Mignone. Para
Mário , esta peça escrita em 1929, representava o momento de ruptura desse
compositor em face à sua produção do passado, marcada pelo universalisamo, ou
despaisamento.Em sua crítica a respeito desse concerto, Mário passou a incluir
Mignone no rol dos compositores modernistas:...é pois com tanto maior prazer que tive
da Fantasia a melhor das impressões (...) o compositor enriqueceu sua peça de
efeitos curiosos , alguns deliciosíssimos como por exemplo aquele em que , após
preparo fortemente rítmico do tutti , se inicia um movimento vertiginoso de maxixe,
com abracadabrante distribuição da linha melódica por todos os registros do piano
(...) me parece que nessa orientação conceptiva, em que a nacionalidade não se
desvirtua pela preocupação do universal , é que está o lado por onde Francisco
Mignone poderá nos dar obras valiosas e fecundar a sua personalidade...”
(ANDRADE,M. MDM,1963:239-40)
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
7
Os anos de 1938 e 39 marcaram o momento de maturidade de Mignone
conforme os critérios modernmistas de Mário em seus inúmeros e artigos e ensaios
sobre a música brasileira.Essa fase foi chamada por Mário de “negrismo musical A
descoberta do folclore transfigurou-se nas peças de Mognone em “ritmos violentos” ou
“belíssimas formas melódicas” ou “... da busca de uma euforia dionisíaca , com uma
volúpia inventiva extraordinária...”
Em 1942, Mário de Andrade criticava , de um lado , uma possível adesão dos
compositores brasileiros ao atonalismo schoenberguiano e, de outro, a mera utilização
do folclore como fundamentação técnico-estética da música brasileira.Entretanto
inseria F.Mignone no rol dos grandes compositores da América Latina.
O nacional intenalizou-se nas obras villalobianas nos Choros , nas Bachianas ,
e nas canções infantis, entre outras.E, paralelamente, a sua obra tornou-se
universalista graças, de um lado, ao pan-americanismo, e de outro, ao impressionismo
francês
Concomitantemente, o projeto do canto orfeônico implantado pelo varguismo
nos anos 30 atrelou-se à ideologia pan-americana , que se manifestou através de
conferências, da formação de associações de países americanos e,
fundamentalmente, de intercâmbio entre intelectuais compositores e intérpretes.
O debate pan-americano incidiu na luta em prol de um imaginário calcado na
idéia de integração de todos os Estados americanos, visando proteger os seus
territórios em face das práticas colonialistas dos principais Estados da Europa.
Nas conferencias de Buenos Aires (1936) e de Lima (1938) , a questão
musical foi debatida como “valioso meio de vinculação entre os povos”.Nessas
conferências, discutiu-se a criação de um Centro de divulgação de obras de
compositores das Américas e uma Secção de Pesquisas Musicais do Instituto de
Estudos Superiores do Uruguai , sob a direção do musicólogo de origem alemã,
Francisco Curt Lange.Em sua essência, essa cooperação entre os Estados das
Américas chocava-se com a tradição ibérica da maioria dos países americanos e a
formação cultural dos Estados Unidos.Lange desde dos inícios da década de 30,
defendia o “americanismo musical”, uma espécie de criação de uma Nação latino-
americana, entrando em choque com os ideais nacionalistas de Mário de Andrade,
que buscava traçar o perfil sonoro do Brasil.
Em agosto de 1941, Aaron Copland, na qualidade de membro do Comitê de
Música do Departamento de Estado dos E.U.A., iniciou seus contatos pessoais com
artistas da América Latina.Nessa viagem,, Copland aproximou-se dos músicos latino-
americanos e brasileiros , em especial, incluindo os que não compartilhavam com a
política de Boa Vozinhança defendida por Roosevelt.
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
8
Numa conjuntura caracterizada pelo anti-americanismo de Villa-Lobos, Copland
destacou esse compositor como o seu principal interlocutor . Na realidade, o
compositor norte-americano estava particularmente interessado em convidar o autor
de Os Choros para visitar os Estados Unidos.Os fortes laços político-educacionais
entre Villa-Lobos e os ideólogos do Estado Novo , em 1941, levaram-no as
demonstrar um certo desinteresse em face do convite formulado, embora Copland
tivesse aproximado a obra villalobiana a Manuel de Falla e Ottorino Respighi,
ressaltando as inusitadas estruturas rítmicas , algumas plenas de “temperamento “, ou
seja, de matizes característicos da brasilidade.
Essa viagem de Copland foi amplamente destacada pela mídia latino-
americana.Alguns jornais brasileiros exaltaram-no como o compositor mais
significativo dos Estados Unidos, enquanto outros trataram ironicamente a vinda
desses compositor, devido ao seu compromisso com a política de Boa Vizinhança.
Em sua segunda viagem ao Brasil, em 1947, pós a Segunda Guerra Mundial e
término do Estado Novo , interessou-se pelas práticas da música popular, tendo
visitado Escolas de Samba no Rio de Janeiro, ciceroneado por Villa-Lobos.
Paralelamente algumas obras de Villa-Lobos , como o Terceiro Quarteto de
Cordas apresentado pelo Musical Arts Quartet, foram muito bem recebidos pelos
críticos de Nova Iorque na temporada de 1942.Por outro lado , o crítico Lou Harrison
elogiava “On the Choros of Villa-Lobos”, devido a sua modernidade e os seus
possíveis diálogos com a obra de Charles Ives.
A entrada de Villa-Lobos no mundo artístico norte-americano, a partir de 1944,
era um desejo que o Autor de Os Choros almejava muito tempo.A partir desse
momento histórico , o projeto nacionalista e modernista de Villa-Lobos
internacionalizou-se, sob a perspectiva profissional.
Nos Estados Unidos, e posteriormente na Europa e América Latina, o apoio
estatal e a indústria cultural já consolidado., Villa-Lobos recebeu inúmeros convites
para reger orquestras importantes e também em Universidades.Escreveu, sob
encomenda do governo americano –“Madona” ( poema sinfônico) e a Sinfonia n]7 ,
em comemoração ao final da Segunda Guerra Mundial
Nos últimos anos de sua carreira, a maior parte das encomendas recebidas
originaram-se de Instituições norte-americanas, incluindo os empresários da indústria
cultural, como por exemplo, a fantasia musical “Magdalena” (1947) e a trilha sonora
do filme “Green Mansions” (A Flor que não Morreu) da Metro Goldwyn Mayer (1958)
Na realidade, Villa-Lobos foi o único compositor da América Latina a penetrar no
mercado norte-americano.Paradoxalmente, durante o varguismo (1930-45) , Villa-
Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
9
Lobos criticou, com virulência, a “invasão” da música estrangeira, em especial a norte-
americana, através do rádio, do cinema e do disco....