O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 1 18/04/11 16:52
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 2 18/04/11 16:52
literatura‑mundocomparada:perspectivasemportuguês
‑ii ‑omundolido: europa
(volume3)
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 3 18/04/11 16:52
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 4 18/04/11 16:52
lisboatinta‑da‑ china
MMXVIII
coordenaçãocientífica:helenacarvalhãobuescucristinaalmeidaribeiro
mariagracietesilvasimãovalente
literatura‑mundocomparadaperspectivasemportuguês
coordenaçãogeral: helenacarvalhãobuescu
PARTEII
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 5 18/04/11 16:52
© 2018, Centro de Estudos Comparatistasda Universidade de Lisboae Edições tinta ‑da ‑china, Lda.Rua Francisco Ferrer, 6 A | 1500 ‑461 Lisboa21 726 90 28/29 | [email protected]
www.tintadachina.pt
Título: Literatura‑MundoComparada:PerspectivasemportuguêsII—Omundolido:Europa (Volume 3)
CoordenaçãoGeral:Helena Carvalhão Buescu
CoordenaçãoCientíficadeII — O mundo lido: Europa:Helena Carvalhão Buescu, Cristina Almeida Ribeiro,Maria Graciete Silva, Simão Valente
CoordenaçãoExecutivade II — O Mundo lido: EuropaAmândio Reis, Ariadne Nunes, Arijana Medvedec, Bruno Mourato, Camila Seixas e Sousa,Cheila Sousa, Francisco Carlos Marques, Gonçalo Cordeiro, Inês Forjaz de Lacerda, Joana Moura,João Gabriel, Miriam de Sousa, Patrícia Infante da Câmara, Rafael Esteves Martins
Composição: Tinta ‑da ‑chinaCapa: Tinta ‑da ‑china
1.ª edição: Maio de 2018
isbn 978 ‑989 ‑671 ‑428 ‑4Depósito Legal n.º 439097/18
Este volume reproduzos textos fixados nas ediçõesconsultadas, e identificadasjunto a cada texto.
Apoios:Parceirosinstitucionais:
Este trabalho é financiadopor fundos nacionais através da FCT —Fundação para a Ciência e a Tecnologia,I.P., no âmbito do projeto UID/ELT/0509/2013
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 6 18/04/11 16:52
COLABORADORES( P A R T E I I , V O L S . 3 E 4 )
CoordenaçãoCientíficadeO mundo lido: Europa:Helena Carvalhão Buescu
Cristina Almeida Ribeiro
Maria Graciete Silva
Simão Valente
CoordenaçãoExecutivadeO mundo lido: Europa:Amândio Reis
Ariadne Nunes
Arijana Medvedec
Bruno Mourato
Camila Seixas e Sousa
Cheila Sousa
Francisco Carlos Marques
Gonçalo Cordeiro
Inês Forjaz de Lacerda
Joana Moura
João Gabriel
Miriam de Sousa
Patrícia Infante da Câmara
Rafael Esteves Martins
ColaboradoresdeO Mundo Lido: Europa:Adauto Clemente
Adelaide Meira Serras
Alexandra Assis Rosa
Ália Rodrigues
Ana Daniela Coelho
Ana Filipa Prata
Ana Luísa Amaral
Ana Maria Delgado
Ana Paula Coutinho
Anabela Couto
Anabela Cristina Costa da Silva Ferreira
Ângela Fernandes
Angélica Varandas
Anna M. Klobucka
António Feijó
António Sousa Ribeiro
Arnaldo Espírito Santo
Bruno Henriques
Carina Amaral dos Santos
Carla Sofia Amado
Carolina Sousa
Clara Riso
Clara Rowland
Corneliu Popa
Cristina Robalo Cordeiro
Daniela di Pasquale
Elisa Tavares
Ernesto Rodrigues
Eugénia Leal
Fátima Fernandes da Silva
Fátima Freitas Morna
Fernanda Gil Costa
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 7 18/04/11 16:52
Fernanda Mota Alves
Fernando Guerreiro
Filipa de Paula Viegas Soares
Francisco Nazareth
Frederico Lourenço
Graciete Londrim
Gualter Cunha
Gustavo Infante
Hanna Pieta
Hélio Pires
Hugo Milhanas Machado
Isabel Almeida
Isabel Araújo Branco
Isabel Fernandes
Javier Gómez Montero
Jerzy Brzozowski
Joana Pimentel
João Almeida Flor
João Barrento
João Ferreira Duarte
João Pedro Vicente Faustino
Joaquim José de Sousa Coelho Ramos
Jorge Almeida
Jorge Beleza
José Augusto Ramos
José Bértolo
José Carlos Costa Dias
José Pedro Serra
José Salgado
José Tolentino de Mendonça
Júlia Zitná
Kate ina Št pánková
Leonor Moura
Lia Ferreira
Liviu Papadima
Luís Araújo
Luís Cerqueira
Luísa Afonso Soares
Luísa Azuaga
Luísa Maria Flora
Madalena Simões
Manuel Gusmão
Manuel Portela
Manuela Carvalho
Manuela Neto
Manuela Valente
Margarida Madureira
Margarida Vale de Gato
Maria do Céu Fialho
Maria Fernanda de Abreu
Maria Hermínia Laurel
Maria Isabel Barbudo
Maria João Brilhante
Maria José Pérez Harhuth
Maria Teresa Perdigão
Marie ‑Reine de Sá
Marta Teixeira Anacleto
Mihai Zamfir
Nuno Júdice
Oana Fotache
Patrícia Couto
Patricia Odber de Baubeta
Paulo Farmhouse Alberto
Pedro Ferré
Pedro Martins
Raquel Morais
Regina Pereira da Silva
Ricardo Gil Soeiro
Rita Bueno Maia
Rita Correia
Roxana Ciolaneanu
Rui Miranda
Rui Pina Coelho
Sandra Carla Ferreira Pinheiro
Sara Morgadinho Lopes
Sofia Palma
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 8 18/04/11 16:52
Svend Erik Larsen
Tatiana Faia
Teresa Cadete
Teresa Casal
Teresa Cid
Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Teresa Pinto da Rocha Jorge Ferreira
Teresa Seruya
Tiago Guerreiro da Silva
Vanessa Castagna
Vera Lúcia Peixoto da Silva
Vera San Payo de Lemos
Verónica Manole
Vítor Aguiar e Silva
Zlatka Timenova
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 9 18/04/11 16:52
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 10 18/04/11 16:52
PARTE II O MUNDO LIDO: EUROPA
(VOLUME 3 )
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 11 18/04/11 16:52
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 12 18/04/11 16:52
ÍNDICE GERAL
Palavras Prévias 27Introdução Geral 29Introdução — OMundoLido:Europa 35
(1) CARTOGRAFIAS DA TRADIÇÃO
Hans Christian ANDERSEN«A princesa e a ervilha», in ContosdeAndersen 43
ANÓNIMO«IV. O destino de Aino», in Kalevala 44
ANÓNIMO«(34.ª aventura)», in «A Canção dos Nibelungos», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 48
ANÓNIMO«Edda. A criação dos mundos», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 50
ANÓNIMO«Lludd e Llevelys», in OMabinogion 52
ARISTÓTELESPoética 54
Charles BAUDELAIRE«O cisne», in AsFloresdoMal 56
Gottfried BENN«Cariátide», in SämtlicheWerke 58
BÍBLIANovaBíbliadosCapuchinhos 59
Hermann BROCH«O regresso de Virgílio», in NovasHistóriascomTempoeLugar 92
Rosalía de CASTRO«A gaita galega», in AntologiaPoética:Cancioneirorosaliano 95
Paul CELAN[Ouço dizer que o machado deu flor], in Gedichte 97
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 13 18/04/11 16:52
Miguel de CERVANTES«Parte I, capítulo 25», in DomQuixotedelaMancha 98
CÍCERO«Tratado da amizade», inTratadosdaAmizade,ParadoxoseSonhodeCipião 102
CHRÉTIEN DE TROYES[O Cortejo do Graal], inContodoGraalouoRomancedePerceval 106
Mihai EMINESCU«Hypérion — A estrela da manhã», in Poesias 109
ESOPO«A raposa e as uvas», in Esopo—Fábulas(antologia) 112
ÉSQUILO«Euménides», in Oresteia 113
FEDRO«Acerca da raposa e da uva», in Fábulas 121
Dario FO«La leçon des italiens», in AFilhadoPapa 122
Federico GARCÍA LORCA«Romance sonâmbulo», in Poemas 124
J.W. GOETHE«Prometeu», in Poemas 127
Luis de GÓNGORA[Enquanto, ao competir com teu cabelo], in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 129
Friedrich HÖLDERLIN«Mnemosina (terceira versão)», in LógicaPoética:FriedrichHölderlin 130
HOMEROIlíada 132Odisseia 141
HORÁCIO«Ode XI», in OdesEscolhidas 154
John KEATS«Ode a uma urna grega», in TheMajorWorks 155
Jean de LA FONTAINE«A raposa e as uvas», in 100FábulasdeLaFontaine 157
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 14 18/04/11 16:52
Valéry LARBAUD «Carpediem…», in ColóquioLetras165:Vozesdapoesiaeuropeia—II 158
Tito LÍVIOHistóriadeRoma.AburbeCondita,LivroI 160
Christopher MARLOWE«Cena 5», in AHistóriaTrágicadaVidaeMortedoDoutorFausto 163
Michel de MONTAIGNE«Da amizade», in ŒuvresComplètes—Essais 165
OVÍDIO«Pigmalião», in Metamorfoses 168
Emilia PARDO BAZÁN«A última ilusão de Don Juan», in CuentosdeAmor 170
Maria PAWLIKOWSKA ‑JASNORZEWSKA«Ofélia», in DiálogosnoFeminino:Antologiapoética 173
Ezra POUND«Canto I», in OsCantos 174
Giánnis RITSOS«O desespero de Penélope», in Antologia 177
Garci RODRÍGUEZ DE MONTALVO«Capítulo 48», in AmadísdeGaula 178
Giórgos SEFÉRIS«Micenas», in Piímata 184
George Bernard SHAW«Acto I», in Pigmalião 186
Mary SHELLEY«Capítulo IV», in Frankenstein,ouoPrometeuModerno 193
Alfred TENNYSON«Ulisses», in Poemas 195
TERESA DE ÁVILA«Sobre aquelas palavras ‘Dilectus meus mihi’», in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 197
J.R.R. TOLKIENOSenhordosAnéis:Airmandadedoanel 198
Gonzalo TORRENTE BALLESTER«Capítulo I», in DonJuan 200
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 15 18/04/11 16:52
VERGÍLIO«Cantos I, IV e VI», in Eneida 205
Marguerite YOURCENARMemóriasdeAdriano 211
(2) MEMÓRIA E VIDA
AGOSTINHO DE HIPONAConfissões 217
ANÓNIMO«Vagamundo», in HomoViator: EstudosemhomenagemaFernandoCristóvão 222
Guillaume APOLLINAIRE«A ponte de Mirabeau», in OirodeVárioTempoeLugar:DeSãoFranciscodeAssisaLouisAragon 225
Charles BAUDELAIRE «A uma passante», in AsFloresdoMal 226
Samuel BECKETT«Segundo acto», in DiasFelizes 227
Lucian BLAGA«Sol ibérico», in NasCortesdaSaudade:Antologiapoética 230
Karen BLIXEN«3 — O selvagem na casa da imigrante», in ÁfricaMinha 231
Blaise CENDRARS«Prosa do transiberiano», in PoesiaemViagem 234
CHATEAUBRIANDAtala:René 236
Fiódor DOSTOIÉVSKI«A história de Nástenka», in NoitesBrancas 239
T.S. ELIOT«O enterramento dos mortos», in ATerrasemVida 242
Dinu FLAMAND[a janela entreaberta vende na rua], in SombraseFalésias 245
Knut HAMSUNFome 246
Seamus HEANEY«A península», in AntologiaPoética 249
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 16 18/04/11 16:52
Heinrich HEINE«Capítulo VI», in Ideen:DasBuchleGrand 250
Friedrich HÖLDERLIN«A meio da vida», in SämtlicheWerkeundBriefe 254
HORÁCIO«Ode X», in OdesEscolhidas 255
Jens Peter JACOBSEN«Capítulo III», in NielsLyhne 256
Miljenko JERGOVI«O túmulo», in MarlboroSarajevo 258
James JOYCEUlisses 262
Konstantinos KAVÁFIS«Um velho», in 145Poemas 269
Patrick KAVANAGH«O hospital», in EstradasSecundárias:Dozepoetasirlandeses 270
John KEATS«Ode a um rouxinol», in TheMajorWorks 271
Jaan KROSSOLoucodoCzar 274
Milan KUNDERA«Capítulo 11», in AInsustentávelLevezadoSer 277
Giacomo LEOPARDI«O infinito», in Cantos 279
Mikhail LERMONTOVOHeróidoNossoTempo 280
Doris LESSING«O filho do amor», in AsAvóseOutrasHistórias 282
LUCRÉCIO«Canto I — vv. 136 ‑634», in DeRerumNatura 287
Artur LUNDKVIST«Afo(li)rismos», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 301
Sándor MÁRAIAHerançadeEszter 302
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 17 18/04/11 16:52
Guy de MAUPASSANT«Aparição», in ContosEscolhidos 306
Ian MCEWAN «Capítulo I», in Expiação 313
Czesław MIŁOSZ«Campo di Fiori», in VersosPolacos 318
Patrick MODIANODoraBruder 321
Eugenio MONTALE«Não cortes, tesoura, aquele vulto», in Poesia 324
Tahir MUJI I«Os velhos sentaram ‑se», inLunaLusitana 325
Iris MURDOCH «Capítulo VII», in OsOlhosdaAranha 328
P. MUSTAPÄÄ«Recordação», in PoesíaNórdica 333
Martinus NIJHOFF«Eu e o menino», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 334
Pier Paolo PASOLINI«Balada das Mães», in TuttelePoesie 335
Alexander POPE«Elegia à memória de uma dama desventurada», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 337
Nicolae PRELIPCEANU«A biblioteca fatal», in Binemuritorul 338
Marcel PROUSTÀlaRechercheduTempsPerdu—DucôtédechezSwann 340
Aleksandr PÚCHKIN«Capítulo I — O tiro», in Guerra: Contos 350
C.F. RAMUZLaBeautésurlaTerre 356
Arthur RIMBAUD«Manhã», in Iluminações:Umacervejanoinferno 361
Jean ‑Jacques ROUSSEAU«Livro Primeiro», in Confissões 362
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 18 18/04/11 16:52
Bruno SCHULZ«A Rua dos Crocodilos», in AsLojasdeCanela 365
Giórgos SEFÉRIS«Uma fala sobre o Verão», in Piímata 370
Antonio TABUCCHIOTempoEnvelheceDepressa 372
Torquato TASSO«Canto XVI», in JerusalémLibertada 375
Anton TCHÉKHOV«Primeiro acto», in OTioVânia:Cenasdavidanocampo 378
Georg TRAKL«Élis», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 380
Ivan TURGUÉNIEVDiáriodeUmHomemSupérfluo 382
Paul VERLAINE[Chora no meu coração], in PoemasSaturnianoseOutros 384
Boris VIAN[Não queria patear], in CançõesePoemas 385
François VILLON«Balada das damas do tempo antigo», in OsTestamentosdeFrançoisVilloneAlgumasBaladasmais 388
Walther von der VOGELWEIDE«Elegia», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 389
Virginia WOOLFMrs.Dalloway 391
William WORDSWORTH«Narcisos», in PoeticalWorks 395
Émile ZOLA«Primeira parte, capítulo 1», in Germinal 396
(3) HUMOR, SÁTIRA E IRONIA
ANÓNIMO«Capítulo V», in AVidadeLazarilhodeTormesedasSuasVenturaseAdversidades 403
APULEIOOBurrodeOuro 408
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 19 18/04/11 16:52
Tudor ARGHEZI«Epígrafe no grande espelho», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 411
Antonin ARTAUD«Os sentimentos atrasam», in OsSentimentosAtrasam 412
Mikhaíl BULGAKOVMargaridaeoMestre 416
Miguel de CERVANTES«Parte II, capítulo 3», in DomQuixotedelaMancha 421
Charles DICKENS«Capítulo II», in OsCadernosdePickwick 427
Denis DIDEROTJacques,oFatalista 432
ESOPO«Diógenes e o calvo», in Esopo—Fábulas(antologia) 435
FEDRO«O burro a um velho pastor», in Fábulas 436
Dario FO«Como conseguir participar numa comédia grotesca, sem máscara», in AFilhadoPapa 437
Nikolai GÓGOL«O capote», in ContosdeSãoPetersburgo 439
Carlo GOLDONIAEstalajadeira 446
Jaroslav HAŠEK«Švejk vai para a tropa», in OBomSoldadoŠvejk 451
Zbigniew HERBERT«Da mitologia», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 456
Aldous HUXLEYAdmirávelMundoNovo 457
Eugène IONESCO«A lição», in Teatro1–ACantoraCareca,ALição,AsCadeira 461
Franz KAFKA«Um médico rural», in OsContos 468
Gerrit KOMRIJ«Antípoda», in Contrabando:Umaantologiapoética 473
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 20 18/04/11 16:52
Jean de LA FONTAINE«O corvo e a raposa», in100FábulasdeLaFontaine 474
Javier MARÍASOTeuRostoAmanhã:1.Febreelança 476
Henri MICHAUX«Mais mudanças», in AsMinhasPropriedades 478
MOLIÈRE«Cena IV», in OMisantropo 481
Charles de MONTESQUIEU«Carta XXX», in CartasPersas 486
Robert MUSIL«Capítulos 4 e 5», in OHomemsemQualidades 487
PETRÓNIO«Satyricon», in PetroniiArbitriSatyriconReliquiae 493
Luigi PIRANDELLO«Primeiro acto», in SeisPersonagensàProcuradeAutor 496
Fernando de ROJAS«Quarto acto», in ACelestina 500
Anton TCHÉKHOV«A morte de um funcionário», in ContoseNovelas 502
Julian TUWIM«Os óculos», in Tuwim 505
Eduard VILDEOLeiteirodeMäeküla 500
VOLTAIRE«Capítulo sexto», in Cândido,ouoOptimismo 508
Oscar WILDE«I Ato», in UmMaridoIdeal 510
(4) POESIA SOBRE POESIA
Rafael ALBERTI«Tu fizeste aquela obra», in TrêsMomentosdaPoesiaEuropeia:DeSafoe PíndaroaUngarettieSalina 515
ARISTÓTELESPoética 517
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 21 18/04/11 16:52
Lucian BLAGA«O versificador», in NasCortesdaSaudade:Antologiapoética 526
William BLAKE «O Tigre», in CançõesdeInocênciaedeExperiênciaMostrandoosdoisEstadosContráriosdaAlmaHumana 527
Robert BROWNING«Pictor Ignotus», in MonólogosDramáticos 528
Miguel de CERVANTES «Parte I, capítulo 9», in DomQuixotedelaMancha 531
Louis d’Espinay d’ESTELAN«Soneto do espelho», in ColóquioLetras164:Vozesdapoesiaeuropeia–II 534
André GIDEOsMoedeirosFalsos 535
J.W. GOETHE«Dedicatória», in Fausto.Umatragédia 541
Witold GOMBROWICZ«Sedução e continuação do encurralamento na juventude», in Ferdydurke 543
GUILLAUME DE POITIERS[Farei uma canção nova], in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 556
Jorge GUILLÉN«O pessoal», in TrêsMomentosdaPoesiaEuropeia:DeSafoePíndaroaUngarettieSalinas 558
Seamus HEANEY«Os cortadores de sementes», in AntologiaPoética 559
Friedrich HÖLDERLIN«Às Parcas», in SämtlicheWerkeundBriefe 560
HORÁCIO«Livro III, ode XXX», in OdesEscolhidas 561ArtePoética 562
Ted HUGHES «A raposa ‑pensamento», in OFazerdaPoesia 563
Konstantinos KAVAFIS«Um nobre bizantino, no exílio, versificador», in 145Poemas 564
Gerrit KOMRIJ «Resíduo», in Contrabando:Umaantologiapoética 565
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 22 18/04/11 16:53
Dezs KOSZTOLÁNYI«Que comovente, um mau poeta», in AntologiadaPoesiaHúngara 566
D.H. LAWRENCE«Capítulo XXIX: Continental», in WomeninLove 567
LUCRÉCIO«Canto I, vv. 1‑79», in DeRerumNatura 571
Stéphane MALLARMÉ«A sesta de um fauno: écogla», in Poesias 574
Ossip MANDELSTAM[Vivemos sem sentir o país sob os pés], in GuardaMinhaFalaparasempre 578
Czesław MIŁOSZ«Leituras», in VersosPolacos 579
Cees NOOTEBOOM«Engodo», in PoesiadoMundo 580
Saint ‑John PERSE«Estreitos são os navios», in ColóquioLetras165:Vozesdapoesiaeuropeia–III 581
Francesco PETRARCA«Soneto 1», in AsRimasdePetrarca 582
PLATÃO«Livro VI», «Livro VII» e «Livro X», in República 583
Francis PONGE«A sonhadora matéria», in NouveauRecueil 595
Ioan Es POP[se não me tivessem forçado a falar], in UneltedeDormit 596
Nicolae PRELIPCEANU«A biblioteca fatal», in Binemuritorul 598
Arthur RIMBAUD«Alquimia do verbo», in Iluminações:Umacervejanoinferno 599
Pierre de RONSARD[Quando fordes bem velha ao serão, à candela], in AlgunsAmoresdeRonsard 605
Giórgos SEFÉRIS«Santorini», in Piímata 606
Percy Bysshe SHELLEY«Hymn to intellectual beauty», in HorasdeFuga 608
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 23 18/04/11 16:53
Laurence STERNE«Capítulos IV, V e VI», in AVidaeOpiniõesdeTristramShandy 611
Torquato TASSO «Em louvor do senhor Luís de Camões, que escreveu em língua hispânicada viagem de Vasco», in Poesiade26Séculos:deArquílocoaNietzsche 615
Dylan THOMAS[Sobretudo no instante em que o vento de Outubro], in AMãoaoAssinarEstePapel 616
MarinaTSVETÁEVA[Ó musa das lágrimas, a mais bela das musas!], in ECantoucomoCantaaTempestade 618
Tristan TZARA«Atrocidades de Artur & trombeta & escafandrista», in DADA:AntologiaBilinguedeTextosTeóricosePoemas 619
Paul VALÉRY«A», «M», «Z», in Alfabeto 620
Garcilaso de la VEGA[Em minha alma é escrito vosso rosto], in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 624
Lope de VEGA[Um soneto me faz fazer Violante], in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 625
Paul VERLAINE«Arte poética», in PoemasSaturnianoseOutros 626
William WORDSWORTH«Tintern Abbey», in HorasdeFuga 628
W.B. YEATS«Quando fores velha», in UmaAntologia 632
Zoran IVKOVI «A biblioteca nocturna», in ABiblioteca. 633
(5) VIAGENS E (DES)CONHECIMENTO DO OUTRO
ANÓNIMO«O marinheiro», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 637
Michel BUTOR«I», in LaModification 639
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 24 18/04/11 16:53
Italo CALVINO«As cidades e os olhos. 1», inAsCidadesInvisíveis 645
Lewis CARROLL«Pela toca do coelho abaixo», in As AventurasdeAlice 647
Miguel de CERVANTES«Capítulo primeiro do terceiro livro», in OsTrabalhosdePersileseSigismunda 651
Samuel Taylor COLERIDGE«Rima do Velho Marinheiro, Parte I», in LyricalBallads 656
Joseph CONRADCoraçãodasTrevas 660
Daniel DEFOERobinsonCrusoe 666
E.M. FORSTER«Capítulo II», in PassagemparaaÍndia 670
J.W. GOETHEViagemaItália(1786‑1788) 675
Werner HERZOG«Quinta ‑feira, 28 de Novembro», in CaminharnoGelo 678
Hermann HESSE«O filho de brâmane», in Siddhartha.Umpoemaindiano 681
Alexander Von HUMBOLDT«Descrição da natureza. Sentimento da natureza de acordo com a diversidadede épocas e de povos», in PinturasdaNatureza—Umaantologia 684
Claudio MAGRIS«X. Entre os outros vienenses», in Danúbio 687
Harry MARTINSON«Ventos alísios», in ComboioCamuflado 692
Michel de MONTAIGNE«Dos canibais», in ŒuvresComplètes—Essais,LivreI 694
Thomas MORE«A ilha», in UtopiaouaMelhorFormadeGoverno 705
MULTATULI«Capítulo primeiro», in MaxHavelaar 707
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 25 18/04/11 16:53
Cees NOOTEBOOMO(Des)caminhoparaSantiago 714
Álvar NÚÑEZ CABEZA DE VACA«Capítulos 15 ‑17», in Naufrágios 718
Marco POLOViagens 722
William SHAKESPEARE«Acto 1, cena 1», in ATempestade 725
J. J. SLAUERHOFF«Capítulo 1», in OReinoProibido 728
Edith SÖDERGRAN«Regresso», in Poesianórdica 733
Bram STOKER«Capítulo I — Diário de Jonathan Barker», in Drácula 734
VOLTAIRE«Capítulo quinto», in Cândido,ouoOptimismo 737
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 26 18/04/11 16:53
PALAVRAS PRÉVIAS
Quero, na qualidade de coordenadora geral deste projecto, deixar uma pa‑lavra pessoal de reconhecimento, apreço e admiração a todos os membros da equipa organizadora. Os seus membros variaram de acordo com os ob‑jectivos de cada um dos subgrupos adiante mencionados. A dedicação, o en‑tusiasmo, a colaboração generosa de todos foram, nos vários anos ao longo dos quais este projecto decorreu, uma das mais compensadoras experiências académicas que pessoalmente tive, bem como a confirmação de que a Uni‑versidade tem muito a fazer, quando conta com pessoas que acreditam nos seus projectos e na possibilidade de os partilhar com uma comunidade que, aqui, é tanto científica como, mais latamente, a de todos quantos lêem em português. A Literatura ‑Mundo em português sob uma perspectiva compa‑ratista é uma área que esta antologia aborda e de que mostra apenas uma pequena parte.
HelenaCarvalhãoBuescuCentrodeEstudosComparatistas
FaculdadedeLetrasdaUniversidadedeLisboa
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 27 18/04/11 16:53
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 28 18/04/11 16:53
INTRODUÇÃO GERAL
Este conjunto de antologias corresponde a um projecto desenvolvido no Centro de Estudos Comparatistas da Universidade de Lisboa, relativo ao campo de estudos da Literatura ‑Mundo (World Literature, Weltliteratur), a que por razões científicas chamamos Literatura ‑Mundo Comparada. A vi‑são que aqui se propõe para esse campo é, pois, uma visão comparatista, sem a qual não nos parece que a Literatura ‑Mundo possa realmente existir. É o enfoque comparatista que permite a leitura destes textos, de variadíssimas proveniências mundiais (geográficas e históricas), simultaneamente como objectos singulares (cada texto em si mesmo considerado) e como objectos em diálogo e por essa razão entre si comparáveis, dando assim conta da pers‑pectiva diferenciada, nas suas diversas semelhanças, paralelos e contrastes, que a Literatura ‑Mundo Comparada tem de saber reconhecer e sustentar.
Diga ‑se desde já que este conjunto de antologias exprime o ponto de vista de uma equipa organizadora historicamente situada em Portugal, e são por isso as categorias estéticas e histórico ‑sociais mais operativas no con‑texto português, a partir do qual este projecto foi concebido e realizado, que aqui se encontram plasmadas. É nossa convicção que este tipo de antologias dá a ler não apenas o objecto por si constituído (os textos seleccionados), mas também o ponto de vista de quem constitui o objecto — neste caso, uma equipa de professores de literatura da FLUL e do seu CEC, que olha para o mundo, no início do século xxi, a partir de um ângulo de visão que é o seu. É interessante, por exemplo, considerar que uma semelhante antolo‑gia, se realizada dentro de um século, ou a partir de um outro lugar de visão, daria certamente resultados muito diferentes. A consciência desta situação fez parte integrante de todos quantos colaboraram nesta antologia, sendo aliás, do nosso ponto de vista, a confirmação de uma riqueza epistemoló‑gica. Trata ‑se, por isso, de uma leitura historicamente e comparativamente situada no quadro das literaturas do mundo.
Tal leitura deverá também deixar ler aquilo que ocupa principalmente o olhar comparatista: as tensões entre local, regional e mundial, por um
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 29 18/04/11 16:53
30 literatura-mundo ii: o mundo lido: europa (vol. 3)
lado; as relações entre língua(s) e diversidade intra e extralinguística, por outro; a convicção de que as fronteiras nacionais não esgotam (antes pelo contrário) a possibilidade de ler textos literários entre si muito diferentes; e a consciência de quem se vai cada vez mais apercebendo, à medida que o trabalho avança, de quantas zonas de silêncio, e mesmo de silenciamento, têm restringido a possibilidade de ler, em português, textos maiores de outras línguas, literaturas e culturas, em especial os mais afastados geográ‑fica e historicamente. Foi esta consciência que norteou o entusiasmo de todos os elementos desta equipa na sua tentativa sistemática, não apenas de revisitar de forma regular traduções já existentes em português de tex‑tos de outras literaturas, mas sobretudo de encontrar colaboradores que, a maior parte das vezes adhoc e de forma generosa, se prestassem a ver‑ter textos nunca até agora passíveis de ser lidos em português, mormen‑te em tradução directa (por exemplo, excertos da saga islandesa, textos em bengali, ou contos de autores chineses contemporâneos). Talvez es‑tas apresentações permitam aos leitores continuar a procurar, a ler, quem sabe a traduzir para português ainda outras obras, de forma a tornar mais dialogante a leitura que podemos fazer dos textos que já conhecemos na área da literatura portuguesa, ao cruzá ‑los com outros e assim permitir encontros desconhecidos e muitas vezes surpreendentes. Contámos com mais de uma centena de colaboradores, cujos nomes são indicados na res‑pectiva lista, a quem gostaríamos de deixar, desde já, o nosso profundo reconhecimento.
É por este conjunto de razões que a nossa antologia, em vários volumes, apresenta uma organização diferenciada, de acordo com as três grandes partes em que se subdivide. A primeira parte reúne as literaturas escritas originalmente em português, ou seja, a literatura portuguesa (desde a Idade Média até ao presente), a literatura brasileira, as cinco literaturas africanas de língua portuguesa e as outras com origem em diversos pontos do planeta, como Goa, Macau ou Timor ‑Leste. O gesto de a todas reunir representa uma afirmação simbólica de alcance simultaneamente estético e político: o passado colonial pode e deve ser reconhecido como história que atravessa todos os corpos nacionais, na sua espessura cultural e simbólica, a fim de que a realidade pós ‑colonial possa ser encarada, tanto nos países que são ex‑‑colónias como na antiga potência colonizadora, na projecção do futuro das relações entre essas comunidades e o mundo.
Assim, a literatura portuguesa é integrada na primeira parte desta antologia, e nela ocupa um lugar que, reconhecendo a sua mais extensa densidade histórica no quadro das literaturas em português, com todas
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 30 18/04/11 16:53
31introduçãogeral
as outras literaturas dialoga de forma privilegiada, não como parcelas de um hipotético «feudo», porém na perspectiva de um colectivo que não se esboroa face às diferentes singularidades. A organização deste subgrupo é, como se verá, temática. As razões para tal ficarão claras da diversida‑de de leituras que esta estrutura permite e potencia, e serão menciona‑das na breve introdução específica que antecede cada um dos subgrupos. Assinalemos entretanto a excepção que Os Lusíadas de Luís de Camões constituem, no âmbito de todo o projecto e, por isso, no âmbito deste primeiro subgrupo. Apenas desta obra encontramos excertos em todas as secções temáticas que constituem esta primeira parte da antologia. Reconhecemos com este diferente tratamento a convicção, consensual entre todos os membros da equipa, de que existe um ponto nodal na literatura ‑mundo comparada, escrita em português, que reenvia, de uma forma ou de outra, a este texto matricial da literatura portuguesa — que se torna, assim, texto matricial também da literatura ‑mundo escrita em português. Aqui está, por exemplo, a forma como a perspectiva situada deste projecto permite uma aproximação, por um lado, criteriosa e, por outro, reveladora da posição que qualquer antologia perpetua e constrói.
A segunda parte é constituída pelas literaturas da Europa, lugar geopolítico e histórico em que Portugal se situa e com o qual, por essa razão, dialoga de forma também histórica e simbolicamente. Dentro deste segundo grupo, são de notar as heterogeneidades de leitura e de conheci‑mento das diferentes literaturas que aqui são representadas: a realidade textual de áreas mais distantes (do ponto a partir do qual esta antologia é concebida), como por exemplo a Roménia ou a Islândia, não tem paralelo, por exemplo, com a do território que conhecemos pelo nome de Espanha. Tivemos sempre em mente tais heterogeneidades, bem como a preocupa‑ção de, na medida do possível, as corrigir ou pelo menos matizar. Embora estejamos conscientes de que nem sempre foi possível encontrar soluções para garantir uma presença mais significativa em particular das literaturas europeias menos conhecidas, porque menos representadas, em português, fizemos um esforço real para não nos limitarmos ao já anteriormente tra‑duzido, de forma a que esta antologia pudesse também corresponder a um incremento da leitura literária de tradições cujo conhecimento só pode, afinal, enriquecer aquelas com que já pudemos contactar. Nesta segunda parte considerámos também como consensual a organização temática, fazendo dialogar textos das mais diferentes tradições europeias, antigas e modernas. Também os temas escolhidos são análogos aos da primeira parte acima mencionada, com a excepção de uma das categorias («Língua
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 31 18/04/11 16:53
32 literatura-mundo ii: o mundo lido: europa (vol. 3)
e Variação») que, no quadro das literaturas europeias, não nos pareceu ter semelhante pertinência à que reconhecemos na primeira parte.
Finalmente, a terceira e última parte abrange as tradições literárias mundiais que não são recobertas pelos volumes anteriores — mas que, en‑tretanto, permitem à literatura escrita em português «olhar para o mundo» («pelo Tejo vai ‑se para o mundo», como reconhecia o caeiriano Fernando Pessoa): tudo aquilo que está fora quer do quadro «escrito em português» quer do quadro «europeu» é aqui equacionado. O escopo histórico é tam‑bém ele gradualmente maior, da primeira parte acima mencionada (desde a Idade Média) à segunda parte (a civilização greco ‑latina) e à terceira (as civilizações pré ‑clássicas). Por esta razão, pela diversidade estruturalmente mais densa que caracteriza as várias tradições e culturas aqui aproximadas, e ainda pela consciência de que elas exigem uma capacidade mais sistema‑tizada de enquadrar a sua profundidade e até a sua divergência histórica, optámos nesta terceira parte por combinar relação temática e ordenação cronológica. Assim, a organização dos tomos desta parte é de ordem pre‑dominantemente histórica, visível não apenas na ordenação das grandes secções que os organizam mas, também, no conjunto de outros materiais (linhas temporais, mapas) que figuram como complemento para uma leitura mais informada dos respectivos textos literários. Ainda pela mesma razão, as notas críticas que existem em todas as partes que constituem a antologia, e que pretendem tornar possível uma leitura historicamente mais situada, mas também cruzada, dos textos antologiados, são na sua maioria substan‑cialmente mais extensas nesta terceira parte, de forma a permitir uma lei‑tura mais integrada das «zonas de silêncio ou silenciamento» que o projecto tentou tornar visíveis.
Por um lado, todos os tomos das três partes referidas, ao optarem por, de uma forma ou de outra, apresentar categorias temáticas como modo de integração textual, propõem na verdade uma articulação comparatista entre os textos que as compõem, e um consequente diálogo entre eles — melhor diríamos, diferentes formas de diálogo, que contam com a participação in‑terpretativa do leitor para serem activadas. Por outro lado, a opção por pe‑ríodos latos, na Parte III da antologia, é subsumida pela lógica inclusiva do gesto antológico. Certamente, qualquer inclusão é também uma exclusão. Mas isso não deve impedir ‑nos de conhecer, na medida do possível, aquilo que podemos almejar a conhecer. Nada é pior do que o fechamento ao que nos é exterior, seja qual for o pretexto usado para o justificar. Aquilo que cada leitor fará com esta antologia abre possibilidades imensas e aliás im‑possíveis de prever: foi isso que também dirigiu o nosso entusiasmo. Vemos
O Mundo lido Europa-Tomo III C-Europeia_PAG.indd 32 18/04/11 16:53
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 1 18/04/12 16:24
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 2 18/04/12 16:24
literatura‑mundocomparada:perspectivasemportuguês
‑ii ‑omundolido: europa
(volume4)
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 3 18/04/12 16:24
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 4 18/04/12 16:24
lisboatinta‑da‑ china
MMXVIII
coordenaçãocientífica:helenacarvalhãobuescucristinaalmeidaribeiro
mariagracietesilvasimãovalente
literatura‑mundocomparadaperspectivasemportuguês
coordenaçãogeral: helenacarvalhãobuescu
PARTEII
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 5 18/04/12 16:24
© 2018, Centro de Estudos Comparatistasda Universidade de Lisboae Edições tinta ‑da ‑china, Lda.Rua Francisco Ferrer, 6 A | 1500 ‑461 Lisboa21 726 90 28/29 | [email protected]
www.tintadachina.pt
Título: Literatura‑MundoComparada:PerspectivasemportuguêsII—OMundoLido:Europa (Volume 4)
CoordenaçãoGeral:Helena Carvalhão Buescu
CoordenaçãoCientíficadeII — O Mundo Lido: Europa:Helena Carvalhão Buescu, Cristina Almeida Ribeiro,Maria Graciete Silva, Simão Valente
CoordenaçãoExecutivade II — O mundo lido: EuropaAmândio Reis, Ariadne Nunes, Arijana Medvedec, Bruno Mourato, Camila Seixas e Sousa,Cheila Sousa, Francisco Carlos Marques, Gonçalo Cordeiro, Inês Forjaz de Lacerda, Joana Moura,João Gabriel, Miriam de Sousa, Patrícia Infante da Câmara, Rafael Esteves Martins
Composição: Tinta ‑da ‑chinaCapa: Tinta ‑da ‑china
1.ª edição: Maio de 2018
isbn 978 ‑989 ‑671 ‑428 ‑4Depósito Legal n.º 439097/18
Este volume reproduzos textos fixados nas ediçõesconsultadas, e identificadasjunto a cada texto.
Apoios:Parceirosinstitucionais:
Este trabalho é financiadopor fundos nacionais através da FCT —Fundação para a Ciência e a Tecnologia,I.P., no âmbito do projeto UID/ELT/0509/2013
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 6 18/04/12 16:24
PARTE II O MUNDO LIDO: EUROPA
(VOLUME 4)
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 7 18/04/12 16:24
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 8 18/04/12 16:24
ÍNDICE GERAL
(6) AMOR E EXPERIÊNCIA
Louis ARAGONAureliano 25
Ludovico ARIOSTO[Que bela sois, senhora! Tanto, tanto], in ColóquioLetras168‑169:Imagensdapoesiaeuropeia–II 28
Jane AUSTEN«Capítulos 1 e 2», in OrgulhoePreconceito 29
Charles BAUDELAIRE«O convite à viagem», in AsFloresdoMal 34
BERNARD DE VENTADOUR[Ao ver mover a cotovia], in ColóquioLetras164:Vozesdapoesiaeuropeia–II 36
Giovanni BOCCACCIO«Dia 5, Novela IX», in Decameron 38
André BRETONOAmorLouco 43
Charlotte BRONTË JaneEyre 46
Emily BRONTËOMontedosVendavais 52
Lord BYRON«Stanzas for Music», in HorasdeFuga 59
Geoffrey CHAUCER«O conto da mulher de Bath», in OsContosdaCantuária 60
Vittoria COLONNA[Escrevo só p’ra aliviar o mal penoso], in Rime 65
Boris CRISTOV«Meu cavalito», in OCantoeaContenda 66
DANTE ALIGHIERI«Canto V, Inferno», in ADivinaComédia 67
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 9 18/04/12 16:24
Robert DESNOS[Assim como a mão no instante da morte…], in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 71
Gustave FLAUBERTAEducaçãoSentimental 72
Ugo FOSCOLO[Os dias inteiros em longo e incerto], in LePoesie 79
FRANCISCO DE ASSIS«O cântico do Sol», in OirodeVárioTempoeLugar—DeFranciscodeAssisaLouisAragon 80
J.W. GOETHEAPaixãodoJovemWerther 81
Luis de GÓNGORA[Coisas, Celalba, tenho visto estranhas], in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 86
HADEWIJCH«Poemas espirituais», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 87
Peter HANDKEOsBelosDiasdeAranjuez—UmdiálogodeVerão 89
Georg Philipp HARSDÖRFFER«Dizei lá o que é o amor?», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 94
Heinrich HEINE[Com mirtos e rosas, graciosos, galantes], in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 95
JAUFRÉ RUDEL[Quando longos são os dias em Maio], in ColóquioLetras164:Vozesdapoesiaeuropeia–II 96
JOÃO DA CRUZ[Vivo sem viver em mim], in CoplasdaAlmaQueSofreporVeraDeus 98
Friedrich Gottlieb KLOPSTOCK«As rosas em cadeias», in Poesiade26Séculos:DeArquílocoaNietzsche 100
Madame de LA FAYETTEAPrincesadeClèves 101
Else LASKER ‑SCHÜLER«Sulamita», in BaladasHebraicas 103
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 10 18/04/12 16:24
Tahir MUJI I«viagem até ‑ao ‑fim», in LunaLusitana 104
Ioan MURE AN«O telhado», in CarteaAlcool 106
P. MUSTAPÄÄ«O caçador de aves», in PoesíaNórdica 107
Boris A. NOVAK«Os nossos pequenos ‑almoços», in TrezePoetasEslovenos 108
NOVALISOsHinosàNoite 109
OVÍDIO«Narciso e Eco», in Metamorfoses 110
Francesco PETRARCA[Era o dia em que ao sol descoloriam], in AsRimasdePetrarca 115[Claras e frescas águas], in AsRimasdePetrarca 116
PLATÃOOBanquete 119
Salvatore QUASIMODO«Carta», in TrêsMomentosdaPoesiaEuropeia:DeSafoePíndaroaUngarettieSalinas 124
Francisco de QUEVEDO«Amor constante para além da morte», in AntologiaPoética 125
Jean de RACINE«Acto 2», in Fedra 126
Pierre de RONSARD[Vamos, meu bem, a ver se a rosa], in AlgunsAmoresdeRonsard 131
Christina ROSSETTI«Um aniversário», in PoemsandProse 132
Umberto SABA«A minha mulher», in Poesia(umaantologiadeIl Canzionere) 133
William SHAKESPEARE[Que és um dia de verão não sei se diga], in OsSonetosdeShakespeare 136
SÓFOCLESAntígona 137
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 11 18/04/12 16:24
STENDHAL«Capítulo XIX. A ópera cómica», in OVermelhoeoNegro 139
Torquato TASSO«Na morte de Margarida Bentivoglio», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 144
TERESA DE ÁVILA[Vivo sem viver em mim], in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 145
Lev TOLSTÓI«Capítulos 29 ‑31», inAnnaKarénina 147
Miguel de UNAMUNO«Capítulo VIII», in ATiaTula 156
Garcilaso de la VEGA[Enquanto que de rosa e açucena], in AntologiadaPoesiaEspanholado«SiglodeOro» 160
(7) HISTÓRIA E IDENTIDADE
Endre ADY«A pedra lançada ao ar», in AntologiadaPoesiaHúngara 163
Ivo ANDRI«Capítulo 1», in APontesobreoDrina 164
ANÓNIMO«Cantar de Mio Cid», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 172
Baldesar CASTIGLIONE«Capítulos XXIV‑XXVIII», in OLivrodoCortesão 173
Rosalía de CASTRO[Sem ela viver não posso], in AntologiaPoética:Cancioneirorosaliano 179
Hugo CLAUS«A Mãe», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 182
Joachim DU BELLAY[Feliz quem como Ulisses fez tão bela viagem], in Poesiade26séculos:DeArquílocoaNietzsche 184
Umberto ECOONomedaRosa 185
Odisséas ELYTIS[Língua deram ‑me grega], in LouvadaSeja(áxionestí) 193
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 12 18/04/12 16:24
Günter GRASS«A tribuna», in OTambordeLata 194
Kazuo ISHIGUROOsDespojosdoDia 206
James JOYCEUlisses 211
Vanda JUKNAITÉ«O país de vidro», in OPaísdeVidro:Antologiadeficçãocontemporânea 215
Halldór LAXNESS«Capítulo 1. Kólumkilli», in GenteIndependente 217
Tito LÍVIOHistóriadeRoma.Aburbecondita 222
Niccolò MACHIAVELLI«Capítulo XVIII – De que modo deve ser mantida pelos príncipesa palavra dada», in OPríncipe 227
Alessandro MANZONI«Capítulo I», in OsNoivos 230
Hendrik MARSMAN«Soberano», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 236
Pedrag MATVEJEVITBreviárioMediterrâneo 237
Adam MICKIEWICZ«As estepes de Aquermã», in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 239
Eugenio MONTALE«A história», in Poesia 240
Thomas MORE«Dos magistrados», in UtopiaouaMelhorFormadeGoverno 241
Ioan Es POP[há quatro gerações…], in UneltedeDormit 243
Friedrich SCHILLER«III Acto, cena IV», in MariaStuart 244
Henryk SIENKIEWICZ«Capítulo 1», in QuoVadis? 249
Zadie SMITH«O singular segundo casamento de Archie Jones», in DentesBrancos 253
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 13 18/04/12 16:24
SÓFOCLES«Elogio de Atenas», in ÉdipoemColono 258
SÓLON«Eunomia», in Hélade:Antologiadaculturagrega 260
Wisława SZYMBORSKA«O campo da fome sob Jaslo», in VersosPolacos 262
TUCÍDIDES«A oração imperial de Péricles: elogio dos mortos e do poder democrático»,in HistóriadaGuerradoPeloponeso 264
VERGÍLIO«Bucólica I», in Bucólicas 271
W.B. YEATS«A ilha do lago de Innisfree», in UmaAntologia 274
(8) CONFLITO E VIOLÊNCIA
Anna AKHMÁTOVA[Foi terrível viver naquela casa], in SóoSangueCheiraaSangue 277
Leopoldo ALAS «CLARÍN»ACorregedora 278
ANÓNIMO«O ataque de Grendel», in Beowulf 285
ANÓNIMOLaChansondeRoland 289
Ludovico ARIOSTO«Canto XXIII», in OrlandoFurioso 292
W.H. AUDEN[Dizem que esta cidade tem dez milhões de almas], in ColóquioLetras165:Vozesdapoesiaeuropeia–III 295
Honoré de BALZAC«Capítulo 9», in APrimaBette 297
Thomas BERNHARDOSobrinhodeWittgenstein:Umaamizade 300
Louis Paul BOONAMinhaPequenaGuerra 303
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 14 18/04/12 16:24
Bertolt BRECHTTiCoragemeosSeusFilhos.CrónicadaGuerradosTrintaAnos, in TeatroI 305
Georg BÜCHNER«Cenas 30 ‑31», in Woyzeck 309
Bartolomé de las CASASBrevíssimaRelaçãodaDestruiçãodasÍndias 311
Paul CELAN«Fuga da morte», in Gedichte 313
Charles DICKENS«Capítulo XXII», in OliverTwist 315
Alfred DÖBLIN«Um punhado de gente em volta do Alex», in BerlimAlexanderplatz:AhistóriadeFranzBiberkopf 318
Fiódor DOSTOIÉVSKI«Capítulo 6», in CrimeeCastigo 321
Marguerite DURASModeratoCantabile 325
George ELIOT«O último conflito», in OMoinhoàBeiradoRio 327
Heinrich Theodor FONTANE«Capítulo XXXIII», in EffiBriest 328
Ugo FOSCOLO[Não sou quem fui: morreu ‑me grande parte], LePoesie 331
Jean GENETAsCriadas 332
William GOLDINGODeusdasMoscas 334
Graham GREENE«Capítulo 1», inOAmericanoTranquilo 338
Victor HUGO«Livro Quarto — As boas almas», in NossaSenhoradeParis 341
Attila JÓZSEF«Noite de arrabalde», in AntologiadaPoesiaHúngara 345
Ismail KADARÉ«Capítulo 1», in AFilhadeAgamémnon 348
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 15 18/04/12 16:24
Franz KAFKA«À porta da lei», in ParábolaseFragmentos 351
Imre KERTÉSZARecusa 353
Heinrich von KLEISTMichaelKohlhaas,oRebelde 357
Karl KRAUS«Acto V, cena 40», in OsÚltimosDiasdaHumanidade 359
Choderlos de LACLOS«Cartas XCVI‑XCVII», in AsLigaçõesPerigosas 360
LAUTRÉAMONT«Canto terceiro», in OsCantosdeMaldoror 367
Doris LESSINGAErvaCanta 369
Primo LEVISeIstoÉUmHomem 373
Antonio MACHADO[Odiosa mão traçou, oh minha Espanha], in AntologiadaPoesiaEspanholaContemporânea 377
Liliana MIHAILOVA«O pequeno capote», in GenteMuitoSimpática 378
Heiner MÜLLER«A missão. Recordações de uma revolução», in AMissãoeOutrasPeças 382
Herta MÜLLERTudooQueEuTenhoTragoComigo 386
George ORWELL«Capítulo I», in AQuintadosAnimais 388
Boris PASTERNAKDoutorJivago 391
Francesco PETRARCA[Só, pensativo, o ermo descampado], in AsRimasdePetrarca 393[Quando na erva fresca alvo pé vai], in AsRimasdePetrarca 394
Harold PINTER«Acto I», in FelizAniversário 395
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 16 18/04/12 16:24
Jacques PRÉVERT«Barbara», in Palavras=Paroles 398
Mihail SADOVEANU«Um drama na floresta», in NovosContosRomenos 400
Arthur SCHNITZLEROTenenteGustl 403
Walter SCOTTIvanhoe 405
W.G. SEBALDAusterlitz 409
SÉNECAMedeia 412
William SHAKESPEARE«Acto V», inMacbeth 415
Aleksandr SOLJENÍTSINUmDianaVidadeIvanDenissovitch 418
August STRINDBERGMeninaJúlia:Tragédiaemumacto 420
Dylan THOMAS«A mão ao assinar este papel», in AMãoaoAssinarEstePapel 423
Lev TOLSTÓI«Capítulos 10 e 11», in GuerraePaz 424
Tomas TRANSTRÖMER«Uma noite de Inverno», in CincoPoetasSuecos(II) 431
Lucian VASILESCU«Todos os espelhos», in Aproape.Atâtdedeparte.Close.Sofaraway 432
Lope de VEGA«Fuenteovejuna», in TeatrodeLopedeVega 433
Stefan ZWEIGOMundodeOntem:Recordaçõesdeumeuropeu 435
(9) LITERATURA E CONDIÇÃO HUMANA
Rafael ALBERTI«Balada para os poetas andaluzes de hoje», in AntologiadePoesiaEspanholaContemporânea 439
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 17 18/04/12 16:24
Vicente ALEIXANDRE«Na praça», in AntologiadePoesiaEspanholaContemporânea 440
Honoré de BALZACOTioGoriot 442
Charles BAUDELAIRE«Spleen», in AsFloresdoMal 450
Simone de BEAUVOIROSegundoSexo—VolumeI. Osfactoseosmitos 451
Samuel BECKETT«Acto II», in Enattendentgodot 455
BERNARDO DE CLARAVAL[Inclina para Ti, ó Deus], in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 460
Elizabeth Barrett BROWNING«Substituição», in OirodeVárioTempoeLugar:DeSãoFranciscodeAssisaLouisAragon 461
Pedro CALDERÓN DE LA BARCA«Acto III, Cenas XVII ‑XIX», in AVidaÉSonho 462
Albert CAMUS«Capítulo quinto», in OEstrangeiro 469
Elias CANETTIAuto‑de‑Fé 473
Ion Luca CARAGIALE«Segundo Acto», in ACartaPerdida:Peçaemquatroactos 478
Camilo José CELA«Capítulo sexto», in AColmeia 482
Paul CELAN«Salmo», in Gedichte 487
René CHAR«Chant du refus — début du ‘partisan’», in Fureuretmystère 488
Paul CLAUDEL«Cântico da vinha», in OirodeVárioTempoeLugar:DeSãoFranciscodeAssisaLouisAragon 489
DANTE ALIGHIERI«Canto XXXIII, Paraíso», in A DivinaComédia 491
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 18 18/04/12 16:24
John DONNE[Não te orgulhes, ó Morte, em te haverem chamado], in Colóquio‑Letras168‑169:Imagensdapoesiaeuropeia–II 495
Fiódor DOSTOIÉVSKI«Capítulo 10. Foi ele quem mo disse», in OsIrmãosKaramazov 496
T.S. ELIOT«The Dry Salvages — IV», in QuatroQuartetos 501
ERASMO«Capítulo XIII», in ElogiodaLoucura 502
ESOPO«O homicida», in Esopo—Fábulas(Antologia) 504
EURÍPIDESMedeia 505
Dinu FLAMAND[já não terás de encher de cera], inSombraseFalésias 507
Gustave FLAUBERTMadameBovary 509
J.W. GOETHEFausto 519
Zbigniew HERBERT«Notícias da cidade sitiada», in EscolhidopelasEstrelas:Antologiapoética 524
E.T.A. HOFFMANN«O homem da areia», in ContosNocturnos 527
Friedrich HÖLDERLIN[Quando eu era rapaz], in SämtlicheWerkeundBriefe 532
Victor HUGO«À Villequier», in LesContemplations 534
Henrik IBSEN«Acto 3», in CasadeBonecas 540
Milan JESIH«Pai nosso», in TrezePoetasEslovenos 545
James JOYCEGentedeDublim 546
Franz KAFKAAMetamorfose 548
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 19 18/04/12 16:24
Konstantinos KAVAFIS«Esperando os bárbaros», in 145Poemas 551
Thomas KINSELLA«Espelho em Fevereiro», in EstradasSecundárias 553
Barbara KORUN[Tenho dois animais], in TrezePoetasEslovenos 554
Karl KRAUS[Não me perguntem em que andei ocupado], in OsÚltimosDiasdaHumanidade 555
Jean de LA FONTAINE«A morte e o desgraçado», in 100FábulasdeLaFontaine 556
Stanisław LEMSolaris 557
Giacomo LEOPARDI«Canto nocturno de um pastor errante da Ásia», in Cantos 562
Carl Johan LOHMAN«Sobre o Tempo», in ColóquioLetras164:Imagensdapoesiaeuropeia–II 565
André MALRAUXACondiçãoHumana 566
Thomas MANNAMontanhaMágica 571
John MILTON«Paraíso perdido», in HorasdeFuga.Traduçõesdepoesiasinglesas edeoutraslínguas 583
Pico della MIRANDOLADiscursosobreaDignidadedoHomem 586
MOLIÈRE«Acto I, cena 1», in OMisantropo 588
Alfred de MUSSET«Acto III, cena 3», in Lorenzaccio 593
Cesare PAVESE[Virá a morte e terá os teus olhos], in TrêsMomentosdaPoesiaEuropeia:DeSafoePíndaroaUngarettieSalinas 600
Milorad PAVI«A história de Adão Ruhani», in DicionárioKhazar:Romance‑enciclopédiaem100000palavras 601
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 20 18/04/12 16:24
Sándor PET FI[Sorte, dá ‑me espaço…], in AntologiadaPoesiaHúngara 603
Francesco PETRARCA[Pel’aura em fios de oiro era esparzido], in AsRimasdePetrarca 604
PLATÃO«29a‑30b», in ApologiadeSócrates 605
Jan POTOCKI«História de Pacheco, o endemoninhado», in ManuscritoEncontradoemSaragoça 607
Marcel PROUSTÀlarecherchedutempsperdu.Laprisonnière 613
Aleksandr PÚCHKIN[É tempo, meu amigo, o coração cansou ‑se], in Poesiade26Séculos:DeArquílocoaNietzsche 619
Francisco de QUEVEDO«Representa ‑se a brevidade do que se vive e quanto nada pareceo que se viveu», in AntologiaPoética 620
Rainer Maria RILKE«A primeira elegia», in Poemas;AselegiasdeDuíno;SonetosaOrfeu 621
Arthur RIMBAUD«Navio doido», in OirodeVárioTempoeLugar:DeSãoFranciscodeAssisaLouisAragon 624
Pierre de RONSARD[Qual no ramo se vê no mês de Maio a rosa], in OirodeVárioTempoeLugar:DeSãoFranciscodeAssisaLouisAragon 628
Umberto SABA«A cabra», in Poesia(umaantologiade Il Canzionere) 629
SAFO[Parece ‑me ser igual aos deuses aquele], in PoesiaGregaArcaica 630
Jean ‑Paul SARTREANáusea 631
William SHAKESPEARE«Acto terceiro, cena I», in Hamlet 635
Claude SIMONOVento:Tentativadereconstituiçãodeumretábulobarroco 638
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 21 18/04/12 16:24
Edith SÖDERGRAN«A Lua», in PoesiaNórdica 642
Robert Louis STEVENSONOEstranhoCasodoDr.JekylledoSr.HydeeOutrosContos 643
Zlatka TIMENOVA[O verão fechado], [Uma flecha branca], [Café da manhã] e [Primaverade novo], in DiVersosPoesiaeTradução 646
Lev TOLSTÓI«Capítulo VI», in AMortedeIvanIlitch 647
Georg TRAKL«Salmo», in OutonoTransfigurado 650
Giuseppe UNGARETTI«Os Rios», in LaVitadiunUomo:tuttelepoesie 652
Lope de VEGAEl CaballerodeOlmedo 655
Téophile de VIAU[Um corvo grasna de mim perto], in RosadoMundo:2001poemasparaofuturo 661
Evelyn WAUGHReviveroPassadoemBrideshead 662
Oscar WILDE«Capítulo II», in ORetratodeDorianGray 666
Virginia WOOLF«Capítulo II», in UmQuartoQueSejaSeu 671
W.B. YEATS«The second coming», in TheCollectedPoems 676
Notas críticas 679
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 22 18/04/12 16:24
(6)AMOR E EXPERIÊNCIA
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 23 18/04/12 16:24
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 24 18/04/12 16:24
louisaragon
Louis ARAGON. Aureliano. Tradução de Maria José Marinho. [1944] 1972. Lisboa: Arcádia. 7 ‑9.
A primeira vez que Aureliano viu Berenice achou ‑a francamente feia. Até lhe desagradou. Não gostou da maneira como vinha vestida. Um tecido que ele não teria escolhido, porque possuía ideias próprias acerca de tecidos. Vira várias mulheres vestidas assim. Isso levou ‑o a formular um mau juízo a seu respeito: porque, ostentando um nome de princesa do Oriente, parecia não se considerar na obrigação de possuir bom gosto. Tinha, nesse dia, os cabelos baços, mal ‑arranjados. Ora os cabelos curtos exigem cuidados constantes. Aureliano nem mesmo poderia afirmar se era loura ou morena. Mal a tinha olhado. Dela só lhe ficara uma impressão vaga e geral de irritante aborreci‑mento. E a si mesmo perguntava porquê. Era despropositado. Sim, talvez fosse por ser pequenita, pálida... se acaso se chamasse Joana ou Maria, não teria voltado a pensar no caso. Mas Berenice... Diabo de superstição. Eis, afinal, o que o irritava.
Havia um verso de Racine que não lhe saía da cabeça, um verso que fora a sua obsessão durante a guerra, nas trincheiras, e mais tarde, já desmobiliza‑do. Um verso que nem mesmo considerava belo, cuja beleza até lhe parecia duvidosa, inexplicável, mas que o obsidiara e obsidiava ainda:
LongotempofiqueierrandoemCesareia...
Geralmente, os versos e ele... Este, porém, impunha ‑se ‑lhe insistente. Por‑quê? Era o que não conseguia explicar. Contudo, independentemente da história de Berenice... a outra, a verdadeira... Aliás, só se recordava desse romance, dessa lengalenga, nas suas linhas gerais. Morena, era ‑o, a Berenice da tragédia. Cesareia, fica do lado de Antioquia, de Beirute. Território sob mandato. Era até demasiado morena. Braceletes por todos os lados, mon‑tes de caracolinhos, de véus. Cesareia... belo nome para uma cidade. Ou para uma mulher. Em todo o caso, um belo nome. Cesareia... Longo tempo fiquei... bem, estou a ficar gágá. Impossível recordar ‑se: como se chamava o tipo que dizia isso, uma espécie de pobre ‑diabo, arruinado, melancólico,
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 25 18/04/12 16:24
26 literatura-mundo ii: o mundo lido: europa (vol. 4)
sem energia, com olhos em brasa, a malária... que esperara, para se declarar, que Berenice estivesse prestes a instalar ‑se em Roma, com um pretensioso gorducho, que tinha ar de mercador de tecidos que gaba a mercadoria, pela maneira como usava a toga. Tito. A sério. Tito.
LongotempofiqueierrandoemCesareia...
Devia tratar ‑se de uma cidade de ruas largas, vazia e silenciosa. Cidade atin‑gida por uma catástrofe. Uma derrota, por exemplo. Deserta. Cidade para homens de trinta anos que nada esperam já. Uma cidade de pedra para se percorrer de noite, sem acreditar na aurora. Aureliano via cães fugindo por detrás das colunas, surpreendidos a despedaçar cadáveres em decompo‑sição... Espadas abandonadas, armaduras. Despojos de um combate sem honra.
Estranho que se sentisse tão pouco vencedor. Talvez por ter viajado pelo Tirol e Salzkammergute, por se ter conservado em Viena no momento em que a corrente do Danúbio arrastava suicidas e a quebra da moeda lançava os turistas em insuportável vertigem. Parecia a Aureliano que fora vencido, não porque o formulasse de facto, mas assim, instintivamente, completa‑mente vencido e por toda a vida. Bem repetia: mas, então, vejamos, fomos os vencedores...
Nunca se recompusera da guerra.Apanhara ‑o antes de ter começado a viver. Pertencera àquela classe que
servira três anos, e que esperava ser desmobilizada quando chegara o Agos‑to de 1914. Perto de oito anos à sombra das bandeiras... Não fora precoce. A caserna não o tinha encontrado muito diferente do estudante que chegara ao Quartier Latin à volta de 1908. A guerra educara ‑o na caserna e lançara‑‑o de novo à vida depois desses intermináveis anos de uma vida provisória, habituada. E nem os perigos nem as mulheres de acaso tinham, na verdade, deixado marca no seu coração. Não amara nem vivera. Sim, não tinha morri‑do, isso era já alguma coisa, e às vezes olhava os braços magros e compridos, as pernas esgalgadas, o seu corpo jovem, o seu corpo intacto, e estremecia, retrospectivamente, recordando os mutilados, os seus camaradas, os que via pelas ruas, os que jamais voltariam.
Há já três anos que se achava livre, há já três anos que nada mais lhe pediam, que nada mais lhe competia do que desembaraçar ‑se sòzinho, que lhe haviam deixado de preparar todos os dias a sua ração juntamente com a dos outros, desobrigando ‑se embora de saudar fosse quem fosse. Chegara precisamente aos trinta, fizera ‑os em Junho. Um rapaz alto. Porque apesar
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 26 18/04/12 16:24
27louisaragon
de tudo não conseguia tomar ‑se a sério e pensar: um homem. Dava ‑se por vezes conta de ter saudades da guerra. Bem, não da guerra. Do tempo da guerra. Nunca se recompusera. Não voltara a reencontrar o ritmo da anti‑ga vida. Continuava vegetando, dia após dia. Há três anos que adiava para o dia seguinte a hora grave das decisões. Imaginava o seu futuro, depois desse momento, desenrolando ‑se num andamento completamente diferente, mais rápido, extenuante. Gostava de o imaginar desse modo. Mas nada mais do que isso. Trinta anos. Sem ter começado a viver. Porque esperava? Só sabia flanar. Flanava.
LongotempofiqueierrandoemCesareia...
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 27 18/04/12 16:24
28 literatura-mundo ii: o mundo lido: europa (vol. 4)
Ludovico ARIOSTO. [Que bela sois, senhora! Tanto, tanto], in ColóquioLetras168‑169:Imagensdapoesiaeuropeia–II. Tradução de David Mourão‑‑Ferreira. [1546] 2004. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 15.
Que bela sois, senhora! Tanto, tanto,que por mim nunca vi cousa mais bela!Contemplo a fronte e penso que uma estrelaa meu caminho dá seu brilho santo.
Contemplo a boca e pairo no encantodo sorriso tão doce que é só dela;olho o cabelo de ouro e vejo aquelarede que amor me impôs com terno canto.
É de terso alabastro o colo, o peito,os braços mais as mãos, e finalmentequanto de vós se vê ou se adivinha.
E embora seja tudo assim perfeito,permiti que vos diga ousadamente:mais perfeita era a fé que em vós eu tinha.
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 28 18/04/12 16:24
29janeausten
Jane AUSTEN.«Capítulos 1 e 2», in OrgulhoePreconceito. Tradução de José Miguel Silva. [1813] 2014. Lisboa: Presença. 7 ‑12.
CAPÍTULO 1
É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro em posse de fortuna necessita de uma esposa.
Por pouco que se conheça das inclinações e dos sentimentos de tal homem quando ele chega a um lugar, esta verdade está de tal modo enraizada nos espíritos dos seus novos vizinhos que logo ele é considerado como legíti‑ma propriedade de alguma de suas filhas.
— Meu caro Mr. Bennet — disse ‑lhe um dia a esposa — sabe que Nether‑field Park foi finalmente alugada?
Mr. Bennet respondeu que não sabia de nada.— Mas a verdade é que foi — retorquiu ela. — Mrs. Long acabou de sair
daqui e contou ‑me tudo.Mr. Bennet não respondeu.— Não quer saber quem é que a alugou? — perguntou a mulher,
impaciente.— A senhora está desejosa de mo dizer, e eu não tenho nenhuma objeção
a ouvi ‑lo.Isso bastou ‑lhe como convite.— Pois é bom que saiba que Mrs. Long me contou que Netherfield foi
alugada a um rapaz de grande fortuna do Norte de Inglaterra; que ele veio na segunda ‑feira, numa sege de quatro cavalos, para visitar a propriedade e ficou tão encantado com o que viu, que chegou logo a acordo com Mr. Mor‑ris; e, mais ainda, que ele se vai instalar na casa antes do S. Miguel e que no final da próxima semana já devem chegar alguns criados.
— Como é que ele se chama?— Bingley.— E é solteiro ou casado?— Oh, solteiro, meu caro, é evidente!... Solteiro e com uma enorme for‑
tuna: quatro ou cinco mil libras de renda por ano. Que oportunidade para as nossas meninas!…
— Como assim? Não vejo em que isso as possa afetar.
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 29 18/04/12 16:24
30 literatura-mundo ii: o mundo lido: europa (vol. 4)
— Meu querido Mr. Bennet — respondeu ‑lhe a mulher —, às vezes é tão enfadonho!... Já devia ter percebido que eu estou a pensar casá ‑lo com uma delas.
— É esse o plano dele ao instalar ‑se aqui?— Plano?! Que tolice! Como pode dizer tal coisa? Seja como for, é muito
provável que ele se apaixone por uma delas e, por isso, o senhor deve ir visitá‑‑lo assim que ele chegar.
— Não vejo razão para o fazer. Pode a senhora ir com as raparigas, ou então enviá ‑las sozinhas, o que provavelmente será ainda melhor, já que, sendo tão bonita como qualquer delas, Mr. Bingley poderia preferi ‑la.
— Lisonjeia ‑me, meu caro. É verdade que já tive os meus dias, mas hoje não alimento essas ilusões. Quando uma mulher é mãe de cinco filhas cresci‑das, deve abster ‑se de pensar na sua própria beleza.
— Em tais casos, ela não costuma ter muita beleza sobre a qual pensar.— Seja como for, meu caro, é imprescindível que faça uma visita a Mr.
Bingley assim que ele estiver instalado.— Não prometerei tal coisa.— Lembre ‑se de suas filhas... Pense só em como uma delas poderia
ficar bem colocada. Sir William e Lady Lucas estão decididos a ir e olhe que apenas por essa razão, pois sabe que não têm o costume de visitar recém‑‑chegados. É absolutamente necessário que vá, insisto, caso contrário nós ficaremos impedidas de o fazer.
— Exagera, seguramente, nos seus escrúpulos. Estou certo de que Mr. Bingley ficará encantado com a sua visita, e eu mesmo lhe enviarei umas breves linhas por seu intermédio asseverando ‑lhe de que tem desde já o meu pleno consentimento para casar com aquela de nossas filhas que ele bem entender. Terei, no entanto, de incluir umas palavras em abono da minha Lizzy.
— Só espero que não faça uma coisa dessas. A Lizzy não é nem um boca‑dinho melhor que as irmãs. Mais ainda: não chega aos pés da Jane em beleza e não tem nem de perto a graça da Lydia. Mas o senhor está sempre a favorecê ‑la.
— Nenhuma delas tem muito que a recomende — respondeu o marido. — São tolas e ignorantes como qualquer outra rapariga. Mas a Lizzy parece‑‑me um tanto mais esperta que as irmãs.
— Mr. Bennet, como pode falar assim de suas próprias filhas? O senhor sente prazer em aborrecer ‑me. Não tem qualquer compaixão pelos meus pobres nervos.
— Engana ‑se, minha cara. Tenho o maior respeito pelos seus nervos. Somos velhos amigos. Nestes últimos vinte anos, tem sido sempre com a maior consideração que a tenho ouvido falar sobre eles.
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 30 18/04/12 16:24
31janeausten
— Ah, o senhor não sabe o quanto eu sofro!...— Mas faço votos para que se restabeleça e viva o suficiente para ver
muitos rapazes com quatro mil libras anuais instalarem ‑se na vizinhança.— Mesmo que venham vinte deles, isso de nada nos servirá, já que o
senhor se recusa a visitá ‑los.— Acredite no que lhe digo, minha cara: quando cá estiverem vinte,
visitá ‑los ‑ei a todos.Mr. Bennet era uma mistura tão curiosa de vivacidade e de sarcasmo,
de reserva e de capricho, que uma experiência de vinte e três anos de vida em comum não tinha bastado para que a esposa lhe decifrasse o caráter. Já a natureza de Mrs. Bennet era bem menos difícil de penetrar. Tratava ‑se de uma mulher de escasso entendimento, pouca cultura e temperamento inconstante. Quando se sentia contrariada, imaginava ‑se vítima dos ner‑vos. A principal tarefa da sua vida era casar as filhas; o seu consolo, visitas e mexericos.
CAPÍTULO 2
Mr. Bennet foi um dos primeiros a prestar uma visita a Mr. Bingley. Tivera sempre intenção de o fazer, embora até ao último momento assegurasse a mulher de que não iria. Na verdade, só nessa noite, depois de desempenhada a função, teve a esposa conhecimento dela. Eis como lhe foi revelada. Mr. Bennet, que olhava para a sua segunda filha enquanto ela guarnecia um cha‑péu, interpelou ‑a de repente, dizendo:
— Espero que Mr. Bingley o aprecie, Lizzy.— Não estamos em posição de saber aquilo que Mr. Bingley aprecia
ou deixa de apreciar — disse a mãe num tom ressentido —, já que não o visitaremos.
— A mamã está a esquecer ‑se — disse Elizabeth — de que o vamos encontrar nos saraus e que Mrs. Long nos prometeu apresentá ‑lo.
— Não acredito que Mrs. Long faça tal coisa. Ela própria tem duas sobrinhas. É uma mulher hipócrita e egoísta, tenho a pior impressão dela.
— A minha não é melhor — disse Mr. Bennet —, e folgo em saber que dispensa os seus préstimos.
Mrs. Bennet não se dignou dar resposta. Incapaz, porém, de se conter, pôs ‑se a ralhar com uma das filhas:
— Não tussas dessa maneira, Kitty, pelo amor de Deus! Tem piedade dos meus nervos. Estás a fazê ‑los em farrapos.
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 31 18/04/12 16:24
32 literatura-mundo ii: o mundo lido: europa (vol. 4)
— A Kitty não é capaz de ser discreta a tossir — disse o pai. — Não sabe escolher o momento oportuno.
— Não tusso por prazer — retorquiu Kitty aborrecida.— Quando será o teu próximo baile, Lizzy?— De amanhã a duas semanas.— Pois, é verdade — exclamou a mãe —, e Mrs. Long só regressa no dia
anterior. O que quer dizer que ela não poderá apresentá ‑lo, já que ainda o não terá conhecido.
— Então, minha cara, será a senhora quem gozará dessa vantagem sobre a sua amiga, apresentando ‑lhe Mr. Bingley.
— É impossível, Mr. Bennet, impossível, visto que eu própria o não conhecerei. Como é que pode ser tão enervante?
— Respeito os seus pruridos. Um conhecimento de duas semanas é decerto muito pouco. Não se pode pretender conhecer verdadeiramente alguém ao fim de apenas quinze dias. Mas se não formos nós a assumir esse risco, outra pessoa o fará. Mrs. Long e as sobrinhas não deixarão de tentar a sua sorte. Como tal, e visto que ela o considerará um ato de generosida‑de, se a senhora renunciar ao seu dever, eu próprio me verei obrigado a cumpri ‑lo.
As raparigas ficaram a olhar para o pai. Mrs. Bennet limitou ‑se a dizer:— Disparates, só disparates!— Qual poderá ser o significado de tão enfática exclamação? — pergun‑
tou ele. — Acaso considerará a senhora as formas de apresentação, e tudo o que elas implicam, um disparate? Neste ponto não posso, de forma alguma, concordar consigo. O que me dizes disto, Mary? Tu que és uma rapariga tão ponderada, sempre mergulhada em calhamaços e a coligir citações?
Mary procurou a todo o custo encontrar alguma coisa de muito assisado para dizer, mas não conseguiu acertar com nenhuma.
— Enquanto a Mary ajusta as suas ideias — prosseguiu —, voltemos a Mr. Bingley.
— Já estou farta de Mr. Bingley — exclamou a mulher.— Lamento ouvi ‑lo. Porque é que não mo disse antes? Se tivesse sabido
de manhã o que sei agora, decerto não o teria visitado. Foi, de facto, uma infelicidade. Mas visto que a visita já foi feita, não nos podemos agora furtar ao seu convívio.
O ar de estupefação no rosto das senhoras correspondeu exatamente ao que Mr. Bennet pretendia — porventura o de Mrs. Bennet mais ainda que os outros, conquanto, esgotadas as primeiras efusões de alegria, ela passasse a declarar que nunca duvidara de que ele o fizesse:
O Mundo lido Europa-Tomo IV_PAG.indd 32 18/04/12 16:24