O GOLPE DE 1964 E A RERESSÃO AOS SINDICATOS E LIDERANÇAS
TRABALHISTAS EM PARNAÍBA-PI
Francisco José Leandro Araújo de Castro1
O trabalho em questão, parte da pesquisa que desenvolvo atualmente no Doutorado
em História, da Universidade Federal Fluminense2 e tem como norte analisar os efeitos
repressivos produzidos pelo Inquérito Policial Militar, aberto em 1964, a partir da nomeação
dos trabalhadores sindicalizados e lideranças políticas na cidade de Parnaíba-PI, como
elementos "agitadores", “subversivos” e “comunistas”. Pretendo evidenciar as perseguições
políticas como cassação de mandatos no legislativo, mas aqui sobretudo a repressão sobre os
grupos ligados ao trabalhismo petebista em Parnaíba, bem como aos sindicatos urbanos.
Dando visibilidade também a repressão às recentes experiências das associações de
trabalhadores rurais, que começam a ganhar corpo no final dos anos 1950, nos povoados ao
redor da cidade de Parnaíba que questionam a posse de terra, a expulsão de camponeses da
região, bem como as condições degradantes de vida a que estavam submetidos os
trabalhadores neste momento.
No ano de 2014, o Brasil, ao menos do ponto de vista de algumas instituições
universitárias, foi protagonista de uma série de eventos que tinham como eixo central discutir
a implantação da ditadura civil-militar, passados 50 anos do golpe3, seus impactos e
desdobramentos ainda visíveis no âmbito de nossas relações políticas, jurídicas e sociais. Sob
a ótica dos próprios militares e/ou de segmentos mais conservadores da sociedade, o evento
1 O autor é doutorando pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Na
linha de História contemporânea II. Bolsista CAPES/CNPq. E-mail: [email protected] 2 Colocar título do projeto. 3 No espaço piauiense participei como debatedor e coordenador de simpósio temático, dentre outros eventos
universitários, da VII SEMHPI. A Semana de História de Picos. Sobre o tema Brasil: “50 anos do golpe.
Memória, Cultura e Poder”. Bem como de algumas mesas de discussão propostas pelo Projeto “Cinema Pela
Verdade”, colocando em evidência outras leituras possíveis sobre o regime militar brasileiro por meio de
documentários. Participei da Mesa Redonda: “A imagem é minha arma: arte e contestação juvenil no regime
militar”, entre outras atividades dentro e fora da academia entre 2014, 2015 e 2016.
assumira um caráter “revolucionário”4, pois teria livrado o país de uma possível “ameaça
comunista”, prestes a ganhar corpo. De um outro ponto de vista, o evento de 1º de abril de
1964, seria uma “contra-revolução”5, serviu para estancar uma situação pré-revolucionária no
Brasil. As divergências, pois, em torno da nomeação dos eventos ocorridos em 1964, ainda
pairam em muitos debates dentro e fora da academia.
Essas efemérides sempre são interessantes no sentido de se repensar alguns
marcadores discursivos para os eventos políticos, sobretudo para aqueles ainda encontram
grandes pontos e interpretações dissonantes nos debates e ainda estão recentes nas memórias
sociais, pois, além de próximos, do ponto de vista temporal, ainda não foram superados seus
efeitos, quando, a partir de um distanciamento, se poderia vislumbrar novas problemáticas,
novas formas de ler os acontecimentos, os personagens envolvidos e o lugar que ocupam na
trama histórica.
O texto em questão, pretende lançar uma breve reflexão sobre o golpe civil-militar de
1964 e o progressivo silenciamento das memórias dos atingidos pela “operação limpeza”, em
meados de abril de 1964 na cidade de Parnaíba-PI. Na pesquisa que desenvolvo no âmbito do
Doutorado em História, parto do princípio de que se constituiu, ao longo do tempo, na
“memória oficial” de Parnaíba, uma noção determinante de que os efeitos e impactos do golpe
civil-militar não tiveram ressonância na cidade, por conta do dito “caráter ordeiro” da mesma.
Além disso, busco perceber as formas de organização de trabalhadores, por meio de sindicatos
e a ampliação das demandas dos sindicalizados, a partir da presença de figuras ligadas ao
P.T.B local, partido de presença marcante na cidade, sobretudo na segunda metade dos anos
1950, com a reformulação do mesmo no âmbito nacional, assumindo um caráter mais
reformista6 e a consequentemente da ampliação dos quadros do partido nesta cidade.
Na pesquisa que desenvolvo, busco compreender o processo de nomeação por parte
dos militares e setores ligados à UDN local, das atividades trabalhistas enquanto subversivas
e como ameaça à ordem vigente. A pesquisa se propõe a lançar um olhar sobre a constituição
4 Essa visão é comum ainda, por parte de inúmeros militares, seus familiares. Por parte da direita conservadora
brasileira. Uma análise dos jornais piauienses de maior circulação, é possível evidenciar que estes falam em
“Revolução Democrática de 1964”, no sentido de se legitimar a tomada de poder pelos militares. 5 Esse é o caso de leituras como de: GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo, Ática. 1989. 6 Ver: D’ARAÚJO, Maria Celina. Sindicatos, carisma e poder. O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro, Ed. da
Fundação Getúlio Vargas, 1996. DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB. Do getulismo ao reformismo.
1945-1964. São Paulo, Marco Zero, 1989.
dos movimentos trabalhistas na cidade e sobre o quadro político e social parnaibano nas
décadas de 1950/1960. Essa análise está sendo feita no sentido de compreender as nuances do
sindicalismo local, bem como suas implicações políticas, para dar projeção às diversas
atividades que foram, logo após o golpe, nos princípios de abril de 1964, repreendidas pelos
militares ligados ao 25º Batalhão de Caçadores do Piauí, sediado em Teresina. Além disso, é
necessário compreender a participação de outros grupos ligados, por exemplo à Capitania dos
Portos, bem como dos grupos civis envolvidos no processo de perseguição aos trabalhadores,
após o golpe e a sua posterior tentativa de legitimação por meio da mídia impressa, ligada aos
grandes proprietários locais. Neste sentido, também para perceber as “memórias
subterrâneas”7 dos trabalhadores e demais atingidos em 1964, estão sendo feitas entrevistas
com familiares dos perseguidos pelo golpe.
O processo de acusação feito aos trabalhadores e todos os citados na documentação
que serve como base empírica da nossa pesquisa, dá conta da possível tomada de poder e
derrubada do regime “democrático-representativo” e a posterior implantação de uma “ditadura
síndico-comunista” à maneira de Cuba e outros “países de igual sistema político”. O processo
em questão frisa a participação de trabalhadores parnaibanos no comício da SUPRA, em 13
de março de 1964, cita correspondências de alguns deles trocadas com Leonel Brizola e João
Goulart, adverte sobre a organização de uma passeata de apoio ao governo de Goulart, logo
após os eventos de 31 de março e 1º de abril, na cidade de Parnaíba.
O tema em questão passa pela análise problemática dos eventos em torno da
implantação do regime civil-militar, mais especificamente seus desdobramentos na cidade de
Parnaíba. Também é preciso compreender a progressiva nomeação dos atos e sujeitos ligados
ao sindicalismo na cidade enquanto práticas ligadas ao “comunismo” e à “subversão”. A
temática dessa pesquisa em questão pode ser articulada previamente com o campo de
produção da Nova História Política, (BERNSTEIN, 1994; RÉMOND, 1994) pois a análise
compreende os fenômenos relacionados ao poder em suas ramificações cotidianas, além de
7 Tomo essa expressão de POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. No sentido de que é possível perceber a memória opera a partir de um processo
seletivo e pode se tornar uma arma política contra as vítimas de processos como as perseguições sofridas em
contextos de regimes de exceção, em que o esquecimento estabeleceu sua hegemonia.
buscar compreender as diferentes culturas políticas (MOTTA8, 2009.) em disputas em um
cenário de confrontos ideológicos
Pude evidenciar, ao longo do desenvolvimento da pesquisa, que existe um interesse
visível, em tudo aquilo que diz respeito ao golpe de 1964 e seu desdobramento imediato: o
regime civil-militar brasileiro. Sobretudo se nos reportarmos para as recentes manifestações
de rua ocorridas nos anos seguintes a 2014, mas também as que levaram – inclusive nos dias
correntes de 2018 – às ruas grupos de saudosistas do regime militar, empunhando bandeiras
pedindo “intervenção das forças armadas na política”9, bem como dos recentes movimentos
em torno da crise política, onde se levantam pautas conservadoras, dentre elas a defesa de um
legado positivo dos militares. O tema adquire uma potencialidade histórica a partir desse
cenário de crise na política brasileira, entre grupos políticos e interesses divergentes,
sobretudo nos últimos 05 anos.
Portanto, no meu entendimento, os discursos do anticomunismo10, o ódio dos setores
ligados aos grupos tradicionais contra qualquer tentativa de ampliação de direitos sociais, são
marcas presentes, ainda não superadas em nosso país. Não superamos também, os entraves
sociais colocados em disputa e os efeitos políticos que levaram os militares ao poder em 1964,
bem como nunca se praticou um mea culpa por parte das forças armadas, referentes aos crimes
de Estado cometidos no período ditatorial. Portanto, a tese, tem como contributo trazer uma
reflexão sobre o golpe civil-militar de 1964, bem como da tradição conservadora que o apoia,
para além dos grandes centros urbanos do país, percebendo como em outros espaços se
processaram as medidas repressivas referentes ao golpe.
Sob este aspecto, devo enfatizar no trabalho a atualidade do tema, apontando como o
golpe de 1964, adquire uma nuance local marcada pelo conservadorismo dos grupos políticos
tradicionais, contra as formas e propostas políticas emergentes nos anos 1950 e 1960, como o
trabalhismo, que encontrou viabilidade eleitoral, em fins dos anos 1950, integrando grupos
8 MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). Culturas políticas na História: novos estudos. BH: Argumentum, 2009. 9 É possível acompanhar, especialmente em matérias retiradas de portais e sites na internet, que existe um forte
sentimento, cada vez mais presente, de crise da democracia, ou crise de representatividade, que leva, por seu
lado, largos setores da população a apoiarem iniciativas autoritárias. Sobre isso ver:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2018/06/pesquisa-do-governo-mostra-que-23-da-
populacao-querem-militares-ou-diretas
ja.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb 10 Para uma melhor compreensão sobre o anticomunismo no Brasil ver: MOTTA, Rodrigo Patto. Sá Em guarda
contra o “perigo vermelho”. O anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo, Perspectiva/FAPESP, 2002.
plurais da sociedade local, mas que incomodou os setores tradicionais, justamente por trazer
para a legenda petebista as figuras dos arrumadores, marítimos, estivadores, trabalhadores
urbanos e rurais os mais diversos. O golpe, portanto, adquire um forte caráter político-
partidário, a nosso ver, ao buscar inviabilizar um projeto político ligado às massas de
trabalhadores e a grupos políticos não tradicionais, caracterizando-os genericamente como
“comunistas”, pois, segundo acusação, pretendiam instaurar uma “ditadura síndico
comunista” no Brasil, junto ao presidente João Goulart, como indica o IPM investigado.
Esta narrativa vai ser coerente com a lógica dos grupos conservadores brasileiros, que
por meio de uma longa tradição anticomunista, junto a setores do exército, derrubam um
regime democrático. Usamos, portanto, o IPM, instaurado em 1964 e jornais de circulação
local – tais como Gazeta do Piauí, O Paladino, Jornal do Piauí, etc. – que falam sobre as
batidas policiais nos sindicatos, na Estrada de Ferro Central do Piauí, nas residências dos
trabalhadores, etc. no sentido de perceber as nuances políticas envolvidas no quadro histórico
do golpe de 1964 em um âmbito local. O trabalho é relevante pelo seu pioneirismo na cidade
de Parnaíba, bem como por apontar questões relegadas ao esquecimento ao longo do tempo,
pela memória política local.
Do ponto de vista dos documentos que utilizo, nos últimos anos, sobretudo a partir da
criação da Comissão da Verdade, pela presidente Dilma Rousseff, e pela divulgação do projeto
Brasil Nunca Mais (BNM), dirigido pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de
São Paulo, o contexto histórico que culminou com a queda do governo João Goulart, dando
início à ditadura civil-militar no país, rompendo um curto período de democracia, volta a ser
intensamente debatido por setores da sociedade brasileira. Será esse debate que pretendo me
utilizar, bem como trazer para o cenário norte piauiense as questões referentes ao processo de
repressão política, amparado nos documentos digitalizados pelo projeto Brasil Nunca Mais.
Do ponto de vista historiográfico, considero relevante mencionar uma obra lançada no
ano de 2014, em alusão aos 50 anos do golpe de 1964 e que aponta novas possibilidades de
interpretação extremamente pontuais para as pesquisas que se constroem atualmente sobre o
golpe. A obra de Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes (2014) é importante nesta pesquisa
para a compreensão de vários aspectos que envolvem a nossa temática e, acima de tudo,
porque nos possibilita empreender uma análise historiográfica pensada a partir do presente,
percebendo as ressonâncias da tomada de poder pelos militares, pois, entre outras questões,
os autores nos indicam que os efeitos do golpe, fazem parte de uma memória ainda em disputa.
Esse evento é marca de um “passado sensível”, uma vez que é um tema ainda aberto a novas
abordagens por parte dos historiadores e que acima de tudo deve ser encarado, pois:
[...] Seus graves desdobramentos estão ainda bem longe de serem
inteiramente sanados. O golpe civil-militar de 1964 é um bom exemplo de
um acontecimento que demarca um “passado sensível”; um passado que
ainda não passou. Por isso exige que o Estado e a sociedade o enfrentem
corajosamente, em nome de um futuro que não tema o conhecimento desse
passado e que em seu nome abra arquivos e permita o acesso a informações
existentes, mas não disponibilizadas ao público de pesquisadores e cidadãos
do país. [...]11
Outro trabalho importante no sentido de uma compreensão sobre a complexidade que
envolve o contexto histórico do golpe, é o de Caio Navarro de Toledo, por exemplo, ao nos
apontar o quadro político nacional como permeado por “constantes crises político-
institucionais; ampla mobilização política das classes populares (as classes médias, a partir de
meados de 1963, também entram em cena); fortalecimento do movimento operário e dos
trabalhadores do campo; crise do sistema partidário e um inédito acirramento da luta
ideológica de classes”12. Estas, dentre outras observações do historiador, estão sendo
empreendidas na pesquisa no sentido de perceber as tensões no âmbito da política em meados
dos anos iniciais da década de 1960 e as implicações que levaram ao golpe de 1964.
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, do levantamento empírico para o
andamento do trabalho, ao ter acesso aos arquivos digitalizados do “BNM”, um em particular
está sendo utilizado na pesquisa: o processo de número 349, que versa sobre o Inquérito
Policial Militar (IPM), instaurado na cidade de Parnaíba, estado do Piauí, logo após 31 de
março, data que oficializa a efetivação do golpe civil-militar de 1964 no Brasil. De imediato
desperta um interesse sobre o “discurso de acusação” que afirma:
[...] A instalação em breve no Brasil de uma ditadura síndico comunista à
maneira de Cuba e de outros países de igual regime político, segundo os
11 FERREIRA; GOMES, 2014, p. 19. 12 TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia populista. Revista de Sociologia
e Política, Curitiba, n.2, jun. 1994.
acusadores com a participação de vários representantes de sindicatos
classistas e políticos da progressiva urbe de Parnaíba articulados com os
respectivos representantes classistas da Guanabara contando ainda com o
apoio, prestígio e intimidade do presidente João Goulart, instalariam para
sempre no Brasil um governo totalitário e impiedoso como na Rússia13
Parnaíba, nesse contexto, era uma cidade que ainda respirava os ventos de uma
progressiva ampliação de suas atividades produtivas, implementada pelo ciclo do extrativismo
vegetal da primeira metade do século XX, quando foi alçada a categoria de principal cidade
do estado, apesar de não ser a capital14. O que se pode apontar, como resultado de um contato
com as fontes (jornais e poucos livros de memória), é que a participação e organização de
atividades políticas em fins dos anos 1950 e início da década seguinte, na cidade, é algo
marcante, apesar de pouco estudado, inclusive suplantando em alguns pontos o centro
político-administrativo de Teresina, como, por exemplo, com a presença política do P.T.B,
que a partir da década de 1950, contava com duas sedes no estado, uma na cidade de Parnaíba
e outra na capital, Teresina. A primeira, de Parnaíba, por estar localizada no litoral piauiense,
era vista como possuidora de uma maior força representativa, uma vez que nessa região havia
um número expressivo de trabalhadores sindicalizados, em virtude da zona portuária.
A partir de uma leitura mais apurada das fontes, além do levantamento das produções
locais sobre o contexto, pude perceber que existe um ineditismo do tema em questão, pois não
fora produzido trabalho algum, em âmbito de Mestrado ou Doutorado, sobre os impactos do
golpe civil-militar de 1964 na cidade de Parnaíba15. Pude ainda perceber que existem diversos
pontos a serem resolvidos no âmbito político da cidade, quanto à participação de alguns atores
no que se refere às perseguições mencionadas. Sobretudo a partir de algumas entrevistas
13 BRASIL NUNCA MAIS. Brasil Nunca Mais Digit@l. BNM nº 340, 1964. Disponível em:
<http://www.prr3.mpf.gov.br/bnmdigital/>. Acesso em: set. 2016. 14 De acordo com José Luís Lopes Araújo, Parnaíba, por ser a cidade que mantinha contato mais direto com o
exterior, constituiu-se, no período, no principal centro comercial do Estado. Praticamente todas as grandes
empresas, quer industriais, quer de prestação de serviços, nacionais ou estrangeiras, estavam ali representadas,
uma vez que o mercado consumidor lhes era bastante compensador. Em Parnaíba comprava-se de tudo, e o
Parnaíba estava ali pronto para servir de via de transporte das mercadorias para a vasta área dela dependente.
Sua influência econômica extrapolava o Meio-Norte atingindo até Goiás. Parnaíba e o rio Parnaíba estavam para
o Meio-Norte, assim como Amsterdã e o Reno estavam para a Europa. ARAÚJO, José Luís Lopes de. O rastro
da carnaúba no Piauí. In: Revista Mosaico, v.1, n.2, p.198-205, jul./dez., 2008, p. 200 15 As poucas experiencias de pesquisa referentes ao uso dos inquéritos instaurados, se resumem a apresentação
de um trabalho e um seminário organizado por um grupo de estudo marxista (GEMPI), em Parnaíba, porém, com
análises pouco aprofundadas e caindo na lógica maniqueísta típica de um materialismo pouco estruturado
conceitualmente.
incipientes que pude realizar, percebi uma prática adesista de grupos políticos locais, que
depois de implantado o golpe se beneficiariam politicamente de seus efeitos.
No que diz respeito à caracterização e perfil dos atingidos pelo golpe, o IPM nos
esclarece que:
A quase totalidade dos réus deste processo é constituída de dirigentes
sindicais do Estado do Piauí – estivadores, ferroviários, bancários,
servidores públicos, trabalhadores rurais, da construção civil, dos transportes
fluviais, etc. Alguns são acusados de promoverem greve, apoiarem a
SUPRA, fundarem sindicatos e Ligas Camponesas, terem vínculos com as
centrais sindicais da Europa, estarem ligados ao CGT, serem brizolistas,
etc16
Um dos pontos a ser analisado na pesquisa em questão é perceber as articulações
políticas e os grupos envolvidos com o processo da chamada “operação limpeza”, no cenário
piauiense de 1964, mais particularmente em Parnaíba, onde, apesar de existir um certo silêncio
sobre os eventos referentes ao golpe de 1964, se pode perceber, a partir do processo do BNM,
que se instaurou na cidade, bem como em Teresina, uma repressão fortíssima sobre os
considerados “subversivos”17. Sob este ponto empreendo uma análise dos grupos políticos e
familiares no poder no âmbito local, bem como estou analisando o papel dos veículos de
comunicação, no sentido de uma legitimação do processo de perseguição dos grupos de
trabalhadores no cenário piauiense, como é o caso do jornal O Estado do Piauí que, no calor
das prisões e Inquéritos Policiais Militares, divulga um resumo dos acontecimentos da dita
“revolução de 31 de março”, dando evidência às prisões em Teresina e Parnaíba:
Em consideração à opinião pública de nossa terra, publicamos um resumo
dos acontecimentos relacionados com a revolução de 31 de março de terras
piauienses e dos trabalhos patrióticos e estafantes executados por figuras
ilustres do Exército Nacional que compõem no Piauí o Estado Maior18
16 BRASIL NUNCA MAIS. Brasil Nunca Mais Digit@l. BNM nº 340, 1964. Disponível em:
<http://www.prr3.mpf.gov.br/bnmdigital/>. Acesso em: set. 2016. 17 O processo dá conta da prisão, interrogatório, de mais de 30 sujeitos. Como mencionado, em sua grande parte
ligados ao sindicalismo local. Sobre esse tema existe um verdadeiro silêncio. Muitos dos perseguidos pelo golpe,
guardam absoluto sigilo quanto às suas prisões, ou interrogatórios. Portanto, a pesquisa em questão, apesar de
falar de um tema “tabu” na cidade, pretende dar uma contribuição no sentido de projetar, lançar luz às memórias
dos trabalhadores acossados pela repressão militar 18 Jornal O Estado do Piauí, 18/06/1964, p. 02.
A partir do levantamento de possíveis atividades “subversivas” nesta cidade, dá-se
início à perseguição aos seus envolvidos. Destaco que a prática repressiva atuou, sobretudo,
nos sindicatos locais e, a partir disso, as operações foram sendo veiculadas na imprensa local,
caracterizadas como uma forma de “livrar” a cidade de Parnaíba do perigo da “infiltração
comunista”, que ameaçava a ordem dessa “progressiva urbe”. Ainda em matérias do Estado
do Piauí vê-se:
As batidas em sindicatos considerados suspeitos foram efetuadas nos
seguintes sindicatos: Sindicato dos Estivadores no Estado do Piauí;
Federação dos trabalhadores em Transportes Fluviais no Estado do Piauí;
Sindicato dos Foguistas Fluviais no Estado do Piauí; Sindicato dos Operários
e Carpinteiros Fluviais no Estado do Piauí; Sindicato dos Empregados em
Estabelecimentos Bancários de Parnaíba; Federação dos Trabalhadores nas
Indústrias do Estado do Piauí; Sindicato dos Contra-mestres, Marinheiros,
Moços e arrumadores Fluviais no Estado do Piauí; Sindicato dos oficiais de
Máquinas, Motoristas e Condutores em Transporte Fluviais no Estado do
Piauí; Sindicato dos Trabalhadores em Oficinas Mecânicas de Parnaíba;
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Preparação de Óleo Vegetal e
Animal de Parnaíba; Sindicato das Indústrias de Construção e do Mobiliário
do Estado do Piauí; Sindicato dos Contabilista do Estado do Piauí19
Aponto, a partir dessas questões, que a relevância acadêmica desta pesquisa em
andamento, se refere à possibilidade de perceber, como aponta Carlos Fico, “que o golpe não
foi um evento banal, decidido com uma ‘batalha de telefonemas’ e sem violência. Houve
mortes, prisões em massa e muita violência”20. E isso, não apenas nos grandes núcleos de
poder político e econômico do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo, mas também em
cidades de médio e/ou pequeno porte como Parnaíba, onde um processo instaurado, levou à
prisão de inúmeros líderes dos sindicatos (ferroviários, marítimos, industriais etc.) todos
aqueles que foram, naquele momento identificados – pelos segmentos mais conservadores e
pelos militares – com a subversão e o comunismo. Ainda de acordo com as indicações de
Carlos Fico, é possível pensar que “a abordagem do tema fora do eixo Rio/São Paulo
19 Estado do Piauí, 02/07/1964, p. 03 20 FICO, Carlos. 50 anos do golpe: balanço. Nov/2014. Texto retirado do site Brasil Recente.
http://www.brasilrecente.com/2014_11_01_archive.html. Acesso em 10/09/2016.
certamente vai gerar uma historiografia mais completa sobre o período”21. A partir desses
pontos destacados, indico ainda a importância da pesquisa, de acordo com o levantamento de
depoimentos das famílias dos trabalhadores, no sentido de perceber suas memórias, e com
isso dar evidência aos efeitos da política repressiva dos militares no espaço parnaibano.
A pretexto de perceber os efeitos de silenciamento produzidos nesta cidade por grupos
políticos, indico que quando menciono que a “memória oficial” da cidade colocou à margem
as organizações dos trabalhadores, os contatos de sindicalistas parnaibanos com figuras
ligadas ao presidente João Goulart e a Brizola, as inúmeras atividades trabalhistas e a tentativa
de organizar uma ramificação das Ligas Camponesas em localidades próximas ao perímetro
urbano de Parnaíba, me refiro a falas como a de uma figura ligada à política local, disputando
cargos eletivos, médico atuante na cidade: Dr. Cândido Athayde. Quando, em entrevista
concedida junto à Fundação CEPRO22, localizada no levantamento para esta pesquisa, este,
quando perguntado sobre como a cidade viu o golpe de 1964, responde:
Àquela época todo mundo estava motivado pelas idéias que apareciam lá no
Rio de Janeiro, mas não refletia aqui. No nosso meio, não tinha repercussão
nenhuma aquele governo e aquelas ideias que o Jango andou deixando que
aqueles soldados e aqueles sargentos, aqueles cabos, fizessem aquele
movimento. Aquilo foi que assombrou os proprietários, os industriais no sul.
Não chegou até nós! [grifo nosso]23
Ao apontar que “essas ideias” não chegaram até nós, o médico indica que em Parnaíba,
não se sentiu o reflexo das organizações sindicalistas, de que não foram perceptíveis na cidade
os impactos de toda a política de mobilização dos trabalhadores às vésperas do golpe de 1964.
Para o médico, Parnaíba passou incólume aos efeitos do golpe civil-militar de 1964, pois esta
cidade seria indiferente aos eventos políticos do centro-sul: “Há um problema interessante; o
parnaibano é muito introvertido”(ATHAYDE, 1984.). É preciso, portanto, colocar em
evidência as “memórias subterrâneas”. Dar voz aos trabalhadores que, em um contexto de
ampliação das formas de organização sindicalistas, influenciadas pela possibilidade de uma
21 FICO, 2014. 22 Trata-se da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí – CEPRO. Localizada em Teresina,
que possui acervo de entrevistas gravadas com personagens do quadro político piauiense 23 ATHAYDE, Cândido de Almeida. Entrevista concedida ao Núcleo de História Oral da Fundação Centro de
Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí - CEPRO. Em 17 de janeiro de 1984
reforma profunda nas estruturas produtivas no Brasil, as ditas “Reformas de Base” ousaram
se mobilizar e dar corpo às suas pautas políticas. Marceneiros, pintores, estivadores, operários
dos “Moraes”, trabalhadores das mais diversas atividades urbanas, bem como das
comunidades rurais que circundam Parnaíba, pagaram caro por sonhar tão alto, com uma
melhor distribuição de renda e trabalho. O preço foi a repressão que se abateu sobre estes,
logo após a efetivação do golpe de 1964 no Brasil.
REFERENCIAS:
BRASIL NUNCA MAIS. Brasil Nunca Mais Digit@l. BNM nº 340, 1964. Disponível em:
http://www.prr3.mpf.gov.br/bnmdigital/
BRASIL NUNCA MAIS. Brasil Nunca Mais Digit@l. BNM nº 185, 1964. Disponível em:
http://www.prr3.mpf.gov.br/bnmdigital/
COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: Documentos, disponível em: < www.cnv.gov.br
>. Acesso em: 12 dez. 2015.
FICO, Carlos. 50 anos do golpe: balanço. Novembro de 2014. Texto retirado do site Brasil
Recente. http://www.brasilrecente.com/2014_11_01_archive.html. Acesso em 10/09/2016
Livros/textos:
ARAÚJO, José Luís Lopes de. O rastro da carnaúba no Piauí. In: Revista Mosaico, v.1, n.2,
p.198-205, jul./dez., 2008, 198-205.
BARROS, Jesualdo Cavalcanti. Tempo de contar (o que vi e vivi nos idos de 1964). Teresina:
Gráfica do povo, 2006.
D’ARAÚJO, Maria Celina. Sindicatos, carisma e poder. O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro,
Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB. Do getulismo ao reformismo. 1945-1964. São
Paulo, Marco Zero, 1989.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Jeneiro, v.
2, n. 3, p. 3-15, 1989.
RÉMOND, René. Por que a história política? Revista de Estudo históricos, Rio de Janeiro,
vol.07, n.13, 1994, p.07-19.
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia populista.
Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n.2, jun. 1994.
FERREIRA, Jorge; GOMES, Ângela de Castro. 1964: O golpe que derrubou um presidente,
pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2014.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo, Ática. 1989
MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). Culturas políticas na História: novos estudos. BH: Argumentum,
2009.
______________________. Em guarda contra o “perigo vermelho”. O anticomunismo no Brasil
(1917-1964). São Paulo, Perspectiva/FAPESP, 2002.
Entrevistas:
ATHAYDE, Cândido de Almeida. Entrevista concedida ao Núcleo de História Oral da
Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí - CEPRO. Em 17 de janeiro de
1984.
Jornais:
Jornal Estado do Piauí, Teresina-PI, edições: (1961, 1963);
Jornal Folha da Manhã, Teresina-PI, edições: (1960-1964);
Jornal Gazeta do Piauí. Parnaíba-PI, edições: (1955-1965)
Jornal do Comércio, Teresina-PI, edições: (1960-1964);
Jornal do Piauí Teresina-PI, edições: (1955, 1957, 1961- 1962, 1968-1969);
Jornal O Dia, Teresina-PI, edições: (1959-1964)
Jornal O Norte. Parnaíba-PI, edições: (1944-1964)