SUELI CORREIA LEMES VALEZI
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM CURSOS TÉCNICOS DO
CEFETMT: O CONFLITO ENTRE AS VOZES DOS PROFESSORES
Cuiabá
2005
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SUELI CORREIA LEMES VALEZI
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM CURSOS TÉCNICOS DO
CEFETMT: O CONFLITO ENTRE AS VOZES DOS PROFESSORES
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.
Área de concentração: Estudos Lingüísticos Orientadora: Profª Dra. Maria Inês Pagliarini Cox
Cuiabá
2005
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AGRADECIMENTOS
Agradecer a todos que fizeram parte desta minha conquista constitui uma tarefa
um tanto embaraçosa, pois, em uma lista momentaneamente elaborada, seria
certamente difícil registrar o nome de companheiros que percorreram comigo tanto as
lutas do cotidiano do curso de mestrado, como as que anteciparam meu ingresso nele.
Mesmo assim não poderia deixar de externar minha imensa gratidão:
A Deus, essencialmente, porque dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas, e
ciente de que sem a sua mais preciosa promessa, “Ebenézer”, eu não venceria tantos
obstáculos.
A todos os irmãos em Cristo que materializaram, em suas orações, meu imenso
desejo de ingressar em um Programa de Mestrado.
À professora Dra. Maria Inês Pagliarini Cox que, além de confirmar sua tão
reconhecida e merecida competência, revelou-se uma grande amiga, transmitindo-me
confiança e apoio constante.
Às professoras Dra. Maria Christina Diniz Leal e Dra. Maria Rosa Petroni, pela
disposição em participar da Banca Examinadora e pelas valiosas contribuições no
Exame de Qualificação.
A todos os professores idealizadores e responsáveis pela criação do Mestrado
em Estudos de Linguagem, pelo empenho e perseverança na concretização de um
projeto fecundado e incubado há tanto tempo.
Aos professores-sujeitos desta pesquisa, pela disposição em atender à minha
proposta de trabalho, cedendo-me um espaço em suas práticas discursivas.
Aos colegas de mestrado, pelos bons encontros que aumentaram meu desejo de
conhecer.
À minha grande amiga Silvia Amaral, pela compreensão de meus medos e
angústias, e pelo precioso auxílio profissional desde o início desta minha jornada.
A meus pais, João e Eunice, pela eterna confiança em mim depositada, pelos
sábios ensinamentos e pela manutenção perseverante de minha educação formal.
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Ao meu esposo Marcos, pelos constantes incentivos desde o início de minha
carreira profissional e, principalmente, no cumprimento deste sonho.
E, finalmente, minha gratidão aos meus filhos Suellen e João Marcos, por
compreenderem as minhas constantes ausências em momentos importantes de suas
vidas.
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“O discurso não é vida: seu tempo não é o de
vocês; nele, vocês não se reconciliarão com a
morte; é possível que vocês tenham matado Deus
sob o peso de tudo que lhe disseram; mas não
pensem que farão, com tudo que vocês dizem, um
homem que viverá mais que ele.”
Michel Foucault – Arqueologia do Saber.
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RESUMO
VALEZI, S. C. L. O Ensino de Língua Portuguesa em Cursos Técnicos do CEFETMT: o
conflito entre as vozes dos professores.
Nesta dissertação estão registrados os resultados de uma pesquisa qualitativa,
desenvolvida no contexto do ensino técnico-profissionalizante do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Mato Grosso – CEFETMT, motivada pelos constantes
embates entre professores da área técnica e da área de humanas, em torno do ensino
de Língua Portuguesa nos cursos técnicos de nível médio. A massa de textos,
analisada sob a perspectiva da Análise de Discurso Crítica (ADC), proposta por
Fairclough (2001), resultou de entrevistas semi-estruturadas, observação participante e
pesquisa documental. Buscando analisar as relações entre as práticas sociais e as
práticas discursivas, o estudo procurou mostrar como os professores, tanto da área
técnica quanto de Língua Portuguesa, concebem o ensino de Português nos cursos de
Construções Prediais, Telecomunicações e Hotelaria. Além disso, foram perscrutadas
as vozes que prevalecem nas práticas pedagógicas de ambos os grupos de sujeitos, a
fim de identificar quais são as coerções no processo de elaboração e implantação dos
cursos, bem como o lugar ocupado pelos novos paradigmas do ensino de Língua
Portuguesa. A análise dos dados reafirmou o conflito entre as vozes dos professores,
confirmando a luta dos sujeitos a fim de fazer prevalecer a sua voz em prol da
hegemonia do ensino técnico na instituição, sob as coerções da ideologia neoliberal da
modernidade tardia. Em ambos os grupos de sujeitos, o ensino de Língua Portuguesa
foi significado hegemonicamente pela semântica do discurso da tradição gramatical.
Além disso, as práticas discursivas indiciaram que o regime modular por competências
ainda não desestabilizou o regime disciplinar.
Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica, Ensino técnico-profissionalizante,
Português Instrumental, Novo Paradigma de Ensino de Língua Portuguesa.
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ABSTRACT
VALEZI, S. C. L. Portuguese Teaching in Technical Courses of the CEFETMT: the
conflict among the teachers’ voices.
In this dissertation are registered the findings of a qualitative research, developed
in the context of the technical- professionalizing school of the Federal Center for
Technological Education of Mato Grosso – CEFETMT. The study was motivated by the
existence of frequent struggles among teachers from the technical area and the ones
from human area over the teaching of Portuguese Language in the technical courses of
high school level. The excerpts of the texts resulted of semi-structuralized interviews;
participant observation and documentary research were analyzed under the perspective
of the Critical Discourse Analysis (CDA), proposed by Fairclough (2001). It aims at
analyzing the relations between the social practices and the discursive practices. The
teachers from the areas; technical and portuguese and their conceptions about the
teaching of Portuguese in Hotel Management, Telecommunications and Building
Construction Course were also studied. Moreover the voices flowed from both groups of
subjects in pedagogical environment related to the coercions in the elaboration process
and implantation of the courses, as well as, the occupied space of the new paradigms in
the teaching of Portuguese Language. The analysis of the data reaffirmed the conflict
among the teacher’s voices confirming the struggle of the investigated subjects in order
to take advantage of favor the hegemony of technical education in the institution, under
the coercions of the neoliberal ideology through of delayed modernity. In both groups of
subjects, the education of Portuguese Language was meant as hegemonic type
characterized by the semantics of the traditional grammatical discourse. In addition, the
discourse practical had accused that the unit period based on competences has not
unestablished the disciplinary regimen.
Keywords: Critical Discourse Analysis, technical-professionalizing Education,
Portuguese for Specific Purposes, New Paradigm of teaching of Portuguese Language.
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LISTA DE QUADROS
1. Quadro 01 – Nomes da Instituição
2. Quadro 02 – Cursos Oferecidos pelo CEFETMT
3. Quadro 03 – 1º Módulo de Construções Prediais
4. Quadro 04 – 2º Módulo de Construções Prediais
5. Quadro 05 – 3º Módulo de Construções Prediais
6. Quadro 06 – Resumo dos Regimes de Ensino – Construções Prediais
7. Quadro 07 – Resumo dos Regimes de Ensino – Telecomunicações
8. Quadro 08 – Qualificações do Curso de Telecomunicações
9. Quadro 09 – Certificação do Curso de Hotelaria
10. Quadro 10 – Quadro-resumo da Língua Portuguesa nos regimes de ensino
11. Quadro 11 – A Língua Portuguesa no Curso de Construções Prediais
12. Quadro 12 – A Língua Portuguesa no Curso de Telecomunicações
13. Quadro 13 – A Língua Portuguesa no Curso de Hotelaria
14. Quadro 14 – Roteiro-guia para a entrevista com os professores de Língua
Portuguesa
15. Quadro 15 – Roteiro-guia para a entrevista com os professores/ coordenadores/
gerentes/ dos cursos técnicos
16. Quadro 16 – Conjunto de dados
17. Quadro 17 – Professores de Língua Portuguesa
18. Quadro 18 – Professores/Coordenador/Gerente da Gerência de Tecnologia I –
Área de Eletroeletrônica
19. Quadro 19 – Professores/Coordenador/Gerente da Gerência de Tecnologia II –
Área de Serviços (Hotelaria)
20. Quadro 20 - Professores/Coordenador/Gerente da Gerência de Tecnologia III –
Área de Construção Civil
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 01
CAPÍTULO I
1 O CENÁRIO DA PESQUISA..................................................................................... 07
1.1 História da Instituição.................................................................................... 08
1.2 Os cursos escolhidos.................................................................................... 17
1.2.1 Construções Prediais.......................................................................... 17
1.2.2 Telecomunicações.............................................................................. 22
1.2.3 Hotelaria.............................................................................................. 25
1.3 A Língua Portuguesa nos cursos técnicos.................................................. 27
1.3.1 Carga Horária..................................................................................... 27
1.3.2 Conteúdo Programático..................................................................... 30
CAPÍTULO II
2 BALIZAS METODOLÓGICAS E PROCEDIMENTOS TÉCNICOS........................... 33
2.1 Perguntas de pesquisa............................................................................... 33
2.2 Pressupostos teóricos da pesquisa qualitativa.......................................... 34
2.3 Técnicas e instrumentos de pesquisa......................................................... 38
2.3.1 Observação Participante.................................................................... 38
2.3.2 Entrevistas semi-estruturadas e ocasionais....................................... 39
2.3.2 Pesquisa documental......................................................................... 43
2.4 História natural da pesquisa........................................................................ 44
2.5 O locus e os sujeitos da pesquisa............................................................... 51
CAPÍTULO III
3 BALIZAS TEÓRICAS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE...................................... 56
3.1 Revisitando as noções de discurso, formação discursiva e
subjetividade............................................................................................... 59
3.2 Compreendendo a Análise de Discurso Textualmente
Orientada (ADTO)....................................................................................... 65
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3.2.1 Examinando o discurso como texto.................................................. 66
3.2.2 Examinando o discurso como prática discursiva.............................. 68
3.2.3 Examinando o discurso como prática social..................................... 74
3.3 Entendendo a mudança discursiva como mudança social......................... 79
3.4 Definindo os procedimentos de análise dos enunciados............................ 81
CAPÍTULO IV
4 A ESCUTA DAS VOZES: DIÁLOGO & DUELO........................................................ 83
4.1 Vozes ouvidas na fala de professores da área técnica............................. 87
4.1.1 Os professores da área técnica e o ensino modular
por competências............................................................................. 88
4.1.2 Os professores da área técnica e a concepção
instrumental de língua...................................................................... 105
4.2 Vozes ouvidas na fala de professores de Língua Portuguesa.................. 135
4.2.1 Os professores de português e o ensino modular
por competências............................................................................ 135
4.2.2 Os professores de português e a concepção
instrumental de língua...................................................................... 140
4.2.3 Os professores de português e o novo paradigma
de ensino de línguas........................................................................ 153
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 170
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INTRODUÇÃO
“O peixe seria a última criatura a descobrir a água.” (Clyde Kluckhohn)1
Antes de me tornar professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Mato Grosso (CEFETMT), sensações de deslumbramento e ansiedade quase sempre
me acometiam quando sujeitos faziam referências à Instituição. Nessa época, ela era
conhecida, pela comunidade cuiabana, como ETF ou Escola Técnica, e admirada não
somente pela sua imponência arquitetônica, mas também e, principalmente, pela
qualidade do ensino que ofertava aos alunos de nível médio e profissionalizante. Os
discursos inflamados de elogios contribuíram para que eu envolvesse a instituição
numa aura de positividade em meu imaginário. Devido a isso, crescia em mim o desejo
de fazer parte desse grupo de educadores que tinham o privilégio de trabalhar numa
instituição educacional pública com a credibilidade da ETF.
Contudo, quanto mais aumentava o conceito que fazia da instituição, tanto mais
me julgava despreparada para nela ingressar como professora. Em princípio, meu
desejo soava-me inatingível. Recusei-me a realizar dois concursos públicos e uma
seleção para professor substituto. Foi necessária uma preparação de quase sete anos
para que me encorajasse a pleitear uma vaga no quadro docente do CEFETMT.
Precisava adquirir conhecimentos, prática e aperfeiçoar-me como professora. Esse
processo de amadurecimento foi essencial para a aprovação no concurso público.
Em fevereiro de 1998, tornei-me professora efetiva do CEFETMT e o cenário,
considerado antes inacessível e admirável, desnudava-se aos poucos diante dos meus
olhos, em suas mais variadas facetas. Começava, então, a fase de adaptação e de
compartilhamento das práticas escolares comuns na instituição. Uma delas referia-se
ao regime de ensino adotado pela instituição, que integrava disciplinas do ensino
técnico com disciplinas do ensino propedêutico. Nesse período, causava-me mal-estar
1 Texto original: “The fish would be the last creature to discover water”. (Clyde Kluckhohn, apud Erickson,
1990:83)
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ministrar conteúdos de Língua Portuguesa essencialmente relacionados à Literatura a
alunos de cursos técnicos. Minhas tentativas de despertar-lhes o interesse por
conhecimentos específicos dessa área eram sempre coroadas de frustração. Não
conseguia fazer com que alunos de áreas técnicas como Eletroeletrônica,
Telecomunicações e Construção Civil assimilassem ou até mesmo vissem algum valor
na disciplina que me cabia ministrar.
Não conseguia, eu mesma, compreender o porquê de ensinar Literatura ou
Gramática àqueles alunos. Constantemente me flagrava perguntando-me sobre a
utilidade desses conteúdos para a vida profissional de técnicos que vão atuar no campo
de serviços da eletricidade, da eletrônica, da telefonia e das edificações. A aversão e as
indagações dos alunos dessas áreas em relação ao que estava sendo ensinado eram
constantes e provocadoras. E o argumento da preparação para o vestibular não era
suficientemente persuasivo, pois a maioria dos alunos não tinha esse processo seletivo
como principal objetivo, nem também o argumento de que a Literatura podia tornar a
vida menos árida surtia efeito.
Assim, procurava encontrar meios que me possibilitassem desenvolver um
ensino de Língua Portuguesa voltado para as práticas discursivas das áreas técnicas.
Os conteúdos de Língua Portuguesa que considerava essenciais para os cursos
técnicos eram a revisão gramatical, a exemplo da concordância verbal e nominal, e os
recursos da lingüística textual, como a coesão e a coerência. O texto, quando utilizado
nas aulas, não era o ponto de partida e a finalidade do ensino de Língua Portuguesa.
Dessa forma, os conteúdos e estratégias utilizados na disciplina eram comuns a todos
os cursos técnicos da Instituição, conforme a proposta dada pelos planejamentos de
ensino.
Em 1998, a instituição, atendendo às determinações da Lei 9.394/96, implantou
uma reforma no ensino técnico, separando as disciplinas técnicas das disciplinas de
formação geral. Foram criados, então, o curso de nível médio propedêutico, com
duração de três anos, e os cursos técnicos semestrais, com duração de um ano e meio
ou dois anos. Dessa forma, atendia às exigências da nova LDB que passou a conceber
o ensino de 2º Grau não mais direcionado à qualificação profissional, mas sim como
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preparatório para o trabalho. Nesse período não ministrei aulas nos cursos técnicos.
Trabalhava com turmas que estavam encerrando o antigo regime integrado anual.
Em 2001, uma nova reforma criou os cursos técnicos modulares. Fui chamada
para trabalhar com a nova proposta de ensino por meio de habilidades e competências
e não mais por disciplinas. Aceitei prontamente, pois vislumbrava aí a chance de vencer
minhas frustrações como professora no ensino profissional. Nos cursos técnicos
modulares, a Língua Portuguesa recebeu, pois, uma nova roupagem e passou a ser
vista, definitivamente, como base instrumental de algumas habilidades que objetivam o
aprendizado de produção e leitura de textos, conforme a necessidade técnica
profissional. Os gêneros textuais, para o trabalho com as habilidades, foram escolhidos
pelos professores da área técnica no momento da composição dos projetos, atendendo
às exigências do mercado de trabalho, conforme justificativas dos projetos dos cursos.
Iniciava-se, então, uma convivência mais próxima com a área técnica e, em
especial, com os professores do curso em que atuei – Construções Prediais. No
processo de adaptação a esse novo regime de ensino, não surgiram grandes embates
com os professores no percurso das aulas, das reuniões ou dos encontros casuais nos
corredores ou sala da coordenação. Mostrava-me aberta e disponível às mudanças e
às exigências pedagógicas do curso de Construções Prediais. Consegui vivenciar,
inclusive, experiências interdisciplinares, como ministrar aulas com dois ou três
professores ou presenciar aulas de campo. Entretanto, aos poucos, fui me
incomodando com o modo como os professores da área técnica significavam o ensino
de Língua Portuguesa. Comecei, então, meu processo de estranhamento diante desse
ambiente familiar.
Nesse quadro de mudanças, principalmente diante da transformação de Escola
Técnica Federal em Centro Federal de Educação Tecnológica, presenciei embates
entre os professores de formação técnica e os professores de língua portuguesa. Os
últimos, quando convocados a ministrar aulas nos cursos técnicos, apresentavam
vários obstáculos para evitar assumir as turmas. Diziam preferir trabalhar no ensino
médio, cenário que conheciam bem. Já os professores da área técnica viam o ensino
médio como um nível inferior e com probabilidade de, em pouco tempo, não ser mais
ofertado pela instituição. Assim, devido ao vaticinado término do ensino médio no
16
CEFETMT, os professores de disciplinas de formação geral deveriam se adaptar ao
ensino profissionalizante.
Tais embates instigaram-me a perscrutar as práticas educacionais envolvendo a
Língua Portuguesa nesse cenário essencialmente profissionalizante. Para tanto,
precisava desenhar o projeto de investigação nesse contexto escolar que conhecia
muito bem como professora. Investida do papel de pesquisadora, ansiava por olhar e
descrever esse cenário e os atores que nele atuam por meio de suas práticas
discursivas.
E assim, como fio condutor da pesquisa, vi-me diante de questões que poderiam
orientar meu olhar para os sentidos que perpassam os discursos que circulam entre os
professores da escola. Desejava compreender como os professores da área técnica e
os professores de Língua Portuguesa significavam o ensino de Língua Portuguesa e
quais vozes eram determinantes no processo de elaboração e execução dos planos de
curso. Além disso, via-me inclinada a investigar se o novo paradigma de ensino de
Língua Portuguesa, surgido nas últimas três décadas, provocara mudanças reais na
forma como os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem lidam com a disciplina
no cenário em questão.
Vivenciando essa história de tantas versões, pelo lado de dentro, propus-me a
perscrutar as práticas discursivas acerca da Língua Portuguesa entre os professores
dos cursos técnicos de Construções Prediais, Telecomunicações e Hotelaria. Foram
observados, então, os professores da área técnica e os professores de Língua
Portuguesa que trabalharam ou trabalham nesses três cursos da instituição. A maioria
dos professores do primeiro grupo já exerceu ou ainda exerce atividades
administrativas como Gerência de Área ou Coordenação de Curso. Através deles tive
acesso a dados complementares para a pesquisa.
Para observar as ações do homem no mundo e captar as significações que
atribui a elas, orientei-me pelos caminhos da pesquisa qualitativa. A coleta de dados se
deu através de entrevistas semi-estruturadas e ocasionais, observação participante e
pesquisa documental.
A pesquisa inscreve-se no campo da Análise do Discurso, que concebe a
linguagem como ação e mediação necessária entre o homem e a realidade natural e
17
social, privilegiando os processos de produção de sentido. Contudo, como esse campo
abriga várias tendências, elegi a Análise de Discurso Crítica (ADC), proposta por
Fairclough (2001). O autor serve-se de várias contribuições da Análise de Discurso de
linha francesa para formular uma teoria voltada para a análise das relações entre a
prática social e a linguagem, procurando mostrar que o discurso não apenas é moldado
pelas relações de poder, como também molda os sujeitos em suas relações identitária e
social. Na perspectiva da ADC, os efeitos de sentido estabelecidos nas práticas
discursivas reforçam ou provocam mudanças nas identidades sociais, nas relações
sociais e nos sistemas de conhecimentos e crenças. (Fairclough, 2001). Desse modo,
a ADC propõe uma análise voltada para a mudança discursiva em relação à mudança
social e cultural. Com a criação da Análise de Discurso Textualmente Orientada
(ADTO), o autor inaugura um método de análise lingüística com o objetivo de dar maior
ênfase à luta e à transformação das relações de poder e ao papel que a linguagem
realiza nessas mudanças. Fairclough orienta-se “em direção a um enfoque de língua
que associa a análise de textos (orais e escritos) com a teoria de funcionamento da
linguagem em processos ideológicos, evidenciados nas práticas discursivas” (Silva,
2002: 10). Assim, o discurso, segundo Fairclough (2001), é admitido num quadro
tridimensional, pois é concebido como texto, como prática discursiva e como prática
social.
A dissertação será estruturada em quatro capítulos, além desta Introdução. No
Capítulo I, faço um esboço do cenário da pesquisa, procurando reconstruir a história do
ensino técnico no CEFETMT, bem como relacionar as constantes mudanças às
resoluções do Ministério da Educação. Apresento, também, um painel caracterizador
dos cursos escolhidos para a pesquisa e, por último, o espaço ocupado pela Língua
Portuguesa nos cursos técnicos desde o surgimento da instituição em Cuiabá. No
Capítulo II, delimito os procedimentos metodológicos, explicitando o embasamento
teórico da pesquisa qualitativa de caráter etnográfico. Discorro, ainda, sobre a história
natural da pesquisa, pinçando os episódios relevantes no percurso da investigação.
Finalmente, caracterizo os sujeitos, destacando traços de seu perfil acadêmico e
profissional. No Capítulo III, revisito a Análise do Discurso, focalizando os conceitos-
chave da Análise do Discurso Crítica, na proposição de Fairclough, que balizarão
18
técnica e metodologicamente a interpretação dos textos reunidos no percurso da
pesquisa empírica. Delimito, ainda, os procedimentos de análise que nortearão a leitura
dos enunciados. No Capítulo IV, detenho-me em cada uma das questões reservadas
aos distintos grupos de professores e nos temas que emergiram no percurso
investigativo da massa de textos. Nas Considerações Finais, faço uma convergência
entre as práticas discursivas de ambos os grupos de professores, relacionando as suas
concepções diante dos temas abordados na análise de dados, a fim de responder à
questão sobre o que significa mudar nas práticas pedagógicas e sociais no contexto
observado. Além disso, baseando-me ainda no foco da teoria de Fairclough, a mudança
social, oriento-me pelo aspecto da comodificação, para analisar alguns elementos
lexicais presentes nas novas práticas sociais da instituição.
Capítulo I
O CENÁRIO DA PESQUISA
“O etnógrafo ‘inscreve’ o discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente.” (Clifford Geertz)
Esta pesquisa tem como locus o Centro Federal de Educação Tecnológica de
Mato Grosso (CEFETMT), mais especificamente o contexto educacional que permeia o
ensino técnico da instituição. Como órgão federal, está sujeito às alterações
promovidas pelas instâncias superiores do ensino, como o Ministério da Educação. E
assim, conforme exigências ou simplesmente sugestões dessas instâncias maiores, a
instituição tem sofrido mudanças significativas na reconstituição de seus antigos cursos
técnicos. Além disso, foram implantados novos cursos de nível técnico e, como
condição para se transformar em “centro federal de educação tecnológica”, foram
criados cursos de nível superior tecnológico.
Essas mudanças configuraram o quadro educacional da instituição e deixaram
marcas históricas no transcorrer de sua existência. Com o intuito de melhor conhecer o
cenário da minha pesquisa, traço um painel histórico e organizacional do CEFETMT,
pontuando as mudanças implementadas de acordo com as regulamentações impostas
pelos órgãos federais de educação no país.
Neste capítulo, apresento ainda a história dos cursos analisados em minha
pesquisa em sua configuração atual, bem como a constituição da disciplina de Língua
Portuguesa no quadro das mudanças ocorridas nos cursos com relação ao regime de
ensino, carga horária e proposta de conteúdo a ser ministrado.
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1.1 História da instituição
O CEFETMT existe há 96 anos. Nesse quase um século, muitas transformações
foram atestadas na escrita de sua história. E uma de suas mais recentes e importantes
mudanças foi a passagem de Escola Técnica Federal de Mato Grosso para Centro
Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, ocorrida em 2002.
No entanto, para que se possa compreender melhor a história da instituição, é
preciso iniciar esse relato a partir de sua criação, ocorrida por meio do decreto nº 7.566,
de 23 de setembro de 1909, da Presidência da República, que determinava a
implantação da “Escola de Aprendizes Artífices de Mato Grosso”. Sua instalação no
Estado só ocorreu, definitivamente, em 1º de janeiro de 1910. O objetivo da escola
nesse período era “munir o aluno de uma arte que o habilitasse a ganhar a vida e a se
manter como artífice”, organizando-se pelo modelo europeu:
O sistema de ensino ministrado na Escola de Aprendizes Artífices, no período de 1910 a 1959 era desenvolvido com base no sistema educacional europeu, com aulas de cultura geral onde os alunos aprendiam português, matemática, ciências físicas e biológicas; e cultura técnica com aulas práticas em oficinas de tipografia e encadernação, marcenaria, artes de couro (sapataria), vestuários (alfaiataria) e serralheria. (Paula, 2000: 01)
A rede federal de educação profissional foi criada em 1909, na gestão do
presidente da República Nilo Peçanha. De início, surgiram 19 Escolas Federais de
Aprendizes Artífices. Em princípio, essas instituições foram consideradas um simples
instrumento de política assistencialista, criadas para os “pobres e humildes desvalidos
da sorte”. Desde o surgimento dos primeiros núcleos de formação profissional, as
chamadas “escolas-oficinas”, que se situavam em colégios e residências de padres
jesuítas espalhadas em alguns dos principais centros urbanos do Brasil Colônia, a
educação profissional vem sofrendo mudanças, estimuladas pela demanda tecnológica
das empresas e pela natureza dos serviços que não cessam de se transformar na alta
modernidade. A sua vocação para mudança é realçada no discurso de comemoração
dos 75 anos da escola:
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Vida de progresso e ascensão, moldada dinamicamente na direção dos outros, a Escola Técnica Federal de Mato Grosso, pela própria razão de ser e pelo exemplo, revogou toda e qualquer prescrição originária de pretensões egoísticas ou acomodatícias. (...) Acompanhou, destemidamente e em passos largos de gigante, os estágios crescentes do desenvolvimento. Arrancou-se da fase incipiente, mas já pioneira da Alfaiataria, Marcenaria, Sapataria, Selaria, Serralheria, como Escola de Aprendizes Artífices, para se arrojar, em resposta corajosa, ao desafio agressivo da tecnologia, através do ensino profissionalizante. (Compêndio comemorativo aos 75 anos de Escola Técnica, p. 04)
Registros históricos e documentais atestam que a instituição recebeu várias
denominações desde a sua implantação.
Em 1959 recebeu o nome de “Escola Industrial de Cuiabá”, pela Lei nº 3.552, de
16 de fevereiro de 1959, numa forma de resposta às necessidades criadas pelo
crescente processo de industrialização do país. Diferentemente do modelo europeu,
seguido pela Escola de Aprendizes Artífices, nesse período o modelo imitado foi o
americano. No Compêndio comemorativo dos 75 anos de Escola Técnica, há referência
à adoção desse novo paradigma, admitindo que o ensino dava ênfase à “especialização
em áreas de acordo com o interesse e aptidão do aluno”. (p. 02)
A profissionalização industrial era feita por meio de: 1) cursos ordinários de
aprendizagem industrial, destinados a alunos com idade mínima de 14 anos e com
conhecimento de 2º, 3º e 4º ano primário; 2) curso industrial básico, com caráter de
ginásio industrial; 3) curso extraordinário de qualificação profissional, que objetivava
uma formação profissional de curto prazo, com o mínimo de exigência de cultura geral,
abordando conhecimentos relacionados com trabalhos em oficinas; 4) curso de
aperfeiçoamento destinado a trabalhadores já habilitados em cursos de aprendizagem
ou com conhecimentos técnicos. (p. 02)
Em 1965, a instituição tem seu nome modificado para “Escola Industrial Federal
de Mato Grosso”, pela Lei nº 4.759, de 20 de agosto de 1965. Com a mudança, o foco
do ensino passou a ser uma profissão especializada para atendimento das demandas
do mercado local. Surgem, assim, os cursos de Estradas e Eletrotécnica, de acordo
com a Resolução 41/65. Essa designação durou apenas três anos.
Finalmente, em 1968, a instituição recebeu o nome mais conhecido pela
sociedade cuiabana – “Escola Técnica Federal de Mato Grosso”, instituído pela Portaria
22
de nº 331, de 17 de junho de 1968, assinada pelo então Presidente Artur da Costa e
Silva. Sua vocação principal era ministrar o ensino de 2º Grau, observando os ideais e
fins da Educação Nacional prescritos na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação. Inspirado num modelo mecanicista e tecnicista, o governo
brasileiro promoveu uma reforma no ensino, criando a Lei 5.692/71. Pelas novas
determinações, a instituição deixou de ofertar o 1º Grau, com os cursos ginasiais
industriais, e passou a funcionar apenas com o 2º Grau (Ensino Médio), criando cursos
como Edificações, Secretariado, Agrimensura, Eletrônica, Telecomunicações,
Eletrotécnica e Estradas. A partir de então, a instituição, que recebia apenas alunos do
sexo masculino, promoveu uma abertura para o ingresso de mulheres, principalmente
para o curso recém-criado de Secretariado.
Com essa última lei, promulgada no período dos governos militares em
decorrência das críticas ao elitismo educacional brasileiro, foi instituída a
obrigatoriedade da educação profissional para todos os alunos em nível de 2º Grau. O
Brasil vivia o seu “milagre econômico” e a educação tecnológica da mão-de-obra
empregável apresentava-se como um imperativo.
Desde a sua promulgação, a Lei 5.692 foi alvo de muitas críticas. A
profissionalização em nível de 2º Grau, ao invés de amenizar o elitismo educacional
endêmico no Brasil, fê-lo aumentar, uma vez que a oferta de vagas para a formação
superior em universidades públicas continuou muito aquém da demanda real.
Essas modificações no nome e na vocação da escola refletem as mudanças
ocorridas na Educação Profissional no Brasil, em decorrência do surgimento de novas
leis, alterações de leis e decretos presidenciais, todos respondendo aos imperativos da
ordem econômica vigente.
No transcorrer de sua história, o ensino profissionalizante no Brasil vivenciaria
momentos de insucesso, devido à precariedade dos recursos para a capacitação de
professores e adequação física das escolas de 2º Grau para ministrar as práticas
laboratoriais dos cursos, como se lê no seguinte excerto: “As escolas que já tinham
como finalidade o ensino técnico foram as únicas que não passaram por crises na
implantação da lei, não chegando ao caos em que se encontrava o ensino
profissionalizante no 2º Grau”. (Gomes et alii, 1994: 66).
23
Com o fracasso dessa proposta de universalização da educação profissional em
nível de 2º Grau, iniciou-se uma luta pela extinção dessa obrigatoriedade. Dentre as
críticas a essa lei, uma faz referência ao verdadeiro intuito ideológico que permeava a
sua criação, ou seja, o aumento na oferta de vagas para cursos técnicos refletia
simplesmente uma preocupação com a quantidade de profissionais certificados que
estariam à disposição do mercado profissional e, conseqüentemente, o aumento da
produção industrial e comercial:
Havendo esta continuidade no plano econômico, persiste uma continuidade no plano educacional e, em decorrência, na legislação do ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.024/61), quando substituída pelas leis 5.540/68 (...) e 5.692/71 (do Ensino de 1º e 2º Graus) veio representar somente inovações políticas, pois o cunho humanista cedeu lugar a uma preocupação de aprimoramento técnico, eficiência, produtividade, enfim, a um objetivo de expansão quantitativa. (Ribeiro, 1986 apud Gomes, 1994: 51)
Em resposta a essas críticas, surgiu, então, a Lei 7.044/82, que introduziu o
conceito de “preparação para o trabalho”, ao invés de “qualificação para o trabalho”, tal
como constava na Lei 5.692.
Diante de uma nova realidade social, cultural, econômica e política do país, ou
melhor, diante de um cenário de terceirização dos serviços, eliminação dos cargos
médios de chefia, implantação da filosofia da Qualidade Total e a busca de certificados
de qualidade, surgiu a Lei Federal nº. 8.948/94, que instituiu o Sistema Nacional de
Educação Tecnológica. Em 20 de dezembro de 1996, foi criada a LDB – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sob o nº. 9.394, essa lei apresenta, entre os
seus 92 artigos, quatro que rezam especificamente sobre a Educação Profissional. No
entanto, são encontradas, em vários artigos da Lei, referências à preparação do aluno
para o mundo do trabalho como uma das funções da educação, a exemplo do artigo 2º:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB apud Educação Profissional, 2000: 41) (grifos meus).
24
Essa nova Lei configura a identidade do ensino médio como uma etapa de
consolidação da educação, preparando o educando para o trabalho e a cidadania.
Considera, ainda, que esse nível de ensino constitui a etapa final da educação básica.
Com uma duração mínima exigida de três anos, nessa fase são permitidas atividades
didáticas entre as quais se contemple também uma formação profissional. O artigo 35,
item II, esclarece essa preocupação com a preparação do indivíduo para o mundo do
trabalho já no ensino médio:
Art. 35 - O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidade: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; (...) (p. 51).
Há, ainda, no artigo 36, dois parágrafos que fazem referência à
profissionalização técnica no ensino médio e ao local onde tal formação pode se dar:
§ 2º. O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas. § 4º. A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional. (p. 52).
Um conjunto de artigos – artigos 39, 40, 41 e 42 – trata especificamente da
educação profissional, assim concebida: “não como um nível de ensino, mas como um
tipo de formação que permeia toda a vida do indivíduo em idade profissionalmente
produtiva (...) para atender às pressões e condicionamentos de um mundo profissional
em contínua mudança tecnológica.” (Moreira, 2004: 170).
Os quatro artigos da Lei 9.394/96 que determinam a educação profissional no
país são:
Art. 39 – A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
25
Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Art. 40 – A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. Art. 41 – O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio, quando registrados, terão validade nacional. Art. 42 – As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade. (LDB apud Educação Profissional, 2000: 53).
Atendendo ao que determina o Art. 42, o CEFETMT promove cursos especiais,
ou básicos, de duração variada, com conteúdos diferenciados, para atender às
demandas da comunidade, particularmente daqueles envolvidos com os processos
produtivos, sem exigência de comprovação de grau de escolaridade.
Com a nova LDB, o Ensino Propedêutico foi separado da Educação Profissional
e, em 1998, a Escola Técnica implantou essa reforma, passando então a oferecer:
Ensino Médio (Educação Propedêutica) e Educação Profissional: Nível Técnico, com os
cursos de Secretariado, Edificações, Eletrônica, Eletrotécnica, Telecomunicações,
Agrimensura, Desenho Industrial, Turismo, Refrigeração e Ar Condicionado; e o Nível
Básico, com cursos de Eletricista, Encanador, Recepcionista, Atendente ao Público,
Garçom, Telefonista, Guia de Turismo, Mestre de Obras e outros.
Devido a tantas mudanças em tão pouco tempo, cerca de 9 anos, após 1995 a
instituição chegou a funcionar com 3 matrizes curriculares diferentes: 1) regime
semestral integrado antigo; 2) regime integrado anual; 3) regime integrado por área.
À medida que a sociedade brasileira foi transformando seu setor econômico e
produtivo em decorrência da crescente internacionalização das relações econômicas e
do desenvolvimento e emprego de tecnologias complexas, agregadas à produção e à
prestação de serviços, as empresas passaram a exigir trabalhadores com níveis de
educação e qualificação cada vez mais elevados, polivalentes e capazes de interagir
em situações novas e em constante mutação. Pressionado para suprir a demanda por
26
profissionais adaptados a ambientes laborais cada vez mais abrangentes no que se
refere às novas tecnologias, o ensino técnico não cessa de se renovar e diversificar.
Isso justifica não apenas as constantes alterações nas matrizes curriculares dos cursos,
mas também a criação de novos cursos ou a reestruturação do organograma da
instituição.
Em resposta a esse novo cenário, o governo federal, a partir de 1994, por meio
da Lei n°. 8.948, de 08 de dezembro, começa a transformar as escolas técnicas em
Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Os primeiros foram os de Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.
A Escola Técnica Federal de Mato Grosso foi transformada em CEFET no ano
de 2002, por meio do decreto Presidencial de 16/08/2002, publicado no Diário Oficial de
19 de agosto de 2002, nos termos da Lei nº. 8.948/94. O período de elaboração do
projeto de “cefetização”, considerado um período de transição, foi árduo e marcado por
ansiedades: discussões calorosas mobilizaram o grupo que aceitava a transformação e
o grupo que a rejeitava. Decisões precipitadas, como colocar a placa de CEFET na
frente da instituição e pintar as paredes com as cores azul e branco (comuns aos
CEFETs em todo o Brasil), sem ter sido decretada a mudança via documento
presidencial, foram atitudes intempestivas observadas nesse momento.
A seguir, apresento um quadro-resumo das diversas denominações recebidas
pela instituição e suas respectivas datas de criação, bem como os decretos ou leis que
promulgaram as mudanças e os cursos oferecidos no período:
Quadro 1 – Nomes da Instituição
Ano Nome recebido Decreto/lei/ data Cursos 1910 Escola de
Aprendizes Artífices de Mato Grosso (EAAMT)
Decreto n°. 7.566, de 23 de setembro de 1909.
Ensino primário de primeiras letras, de desenho; ofícios de alfaiataria, carpintaria, ferraria, sapataria, selaria e tipografia.
1937 Liceu Industrial de Mato Grosso
Lei n°. 378, art. 37, de 13 de janeiro de 1937/Circular n°. 1.971, de 05 de setembro de 1941.
idem
27
1942 Escola Industrial de Cuiabá (EIC)
Decreto-lei n°. 4.127, de 25 de fevereiro de 1942.
Cursos industriais básicos de alfaiataria, sapataria, artes de couro, marcenaria, serralheria, tipografia e encadernação
1961 Escola Industrial de Cuiabá (EIC)
LDB n°. 4.024, de 20 de dezembro de 1961.
Curso ginasial industrial de alfaiataria, sapataria, marcenaria, tipografia, linotipia e encadernação
1965 Escola Industrial Federal de Mato Grosso
Lei n°. 4.759, de 20 de agosto de 1965.
Curso ginasial industrial de alfaiataria, sapataria, marcenaria, tipografia, linotipia e encadernação
1968 Escola Técnica Federal de Mato Grosso (ETFMT)
Portaria n°. 331, de 17 de junho de 1968/ Lei 5692, de 11 de agosto de 1971.
Cursos técnicos de 2º Grau, integrado ao propedêutico: Secretariado, Estradas, Eletrotécnica, Edificações, Eletrônica, Agrimensura, Telecomunicações, Desenho Industrial, Turismo, Refrigeração e Ar Condicionado; Cursos básicos como Telefonista, Mestre de Obras e outros.
2002 Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso – CEFETMT
Decreto de 16 de agosto de 2002
Quadro 2
Mais recentemente, em 2003, o MEC propôs mudanças para o aperfeiçoamento
da legislação da educação profissional e tecnológica. Assim, em 2004, o Decreto nº.
5154, de 26 de julho, ao regulamentar quatro artigos da LDB, prevê alternativas de
articulação do ensino técnico de nível médio com o ensino médio. De acordo com o
Decreto, as instituições federais de ensino poderão ofertar cursos de ensino técnico,
ministrando suas disciplinas de duas maneiras: concomitante ao ensino médio ou
subseqüente a este.
28
No entanto, a medida é facultativa, permitindo que a decisão sobre a implantação
dessa nova proposta de estrutura curricular seja de livre escolha dos estados e das
instituições de ensino profissional.
Ainda em 2004, surgem dois novos decretos presidenciais: um deles altera o
artigo 7º da Lei nº 3.860/ 2001, para inserir os 34 CEFETs no sistema federal de ensino
superior; o outro dispõe sobre a organização, diretrizes e estatutos dos centros. Com a
mudança, o sistema federal de ensino brasileiro passa a ser constituído de faculdades,
faculdades de tecnologia, faculdades integradas, institutos e escolas superiores,
centros universitários, universidades e centros federais de educação tecnológica. Ao
ingressar no sistema federal de ensino superior, os CEFETs não abandonam o seu foco
– área tecnológica para a formação profissional de jovens e adultos – mas passam a ter
acesso aos fundos setoriais de pesquisa e de fomento à pós-graduação, incluindo
qualificação docente e expansão dos cursos superiores. O quadro 2 apresenta a oferta
de cursos no CEFETMT em sua configuração atual:
Quadro 2 – Cursos oferecidos pelo CEFETMT:
Nível de Ensino Cursos Nível Propedêutico - Ensino Médio Nível Técnico – Modular por competência
- Construções Prediais - Eletrônica - Telecomunicações - Eletrotécnica - Topografia e Geoprocessamento - Refrigeração e Ar Condicionado - Sistemas de Informação - Química - Secretariado - Hotelaria
Nível Superior Tecnológico
- Controle de Obras - Desenvolvimento de Sistemas para Web design - Automação e Controle
Pós-Graduação Lato Sensu
- Especialização em Geoinformatização no Planejamento das Cidades - Especialização em Redes de Computadores - Especialização em Gestão Ambiental
29
Há projetos para a implantação de novos cursos, principalmente os de Nível
Superior Tecnológico. Quanto à possível transformação do ensino médio propedêutico
em ensino integrado com o técnico, há cogitações, porém, apenas extra-oficiais, ou
seja, os professores fazem referência em suas entrevistas. Alguns deles não descartam
a possibilidade de isso acontecer, no entanto, alegam que é necessário um estudo mais
detalhado sobre o assunto antes de esse novo regime de ensino ser implantado.
1.2 Os cursos escolhidos
O ensino de Língua Portuguesa, com espaços mais ou menos generosos na
grade curricular dos cursos ofertados, sempre se fez presente na instituição. Com o
intuito de investigar as transformações por que passou o ensino de Língua Portuguesa
nos cursos técnicos, selecionei três deles: Construções Prediais, Telecomunicações e
Hotelaria, cada um deles pertencente a uma gerência diferente no período da pesquisa.
1.2.1 Construções Prediais
O curso surgiu em 1972, com o nome de Edificações, de acordo com a
Resolução 4/72, que, sob a égide da 5692/71, regulamentava também o funcionamento
do curso de Secretariado. Foi criado no período em que a educação profissional era
obrigatória no 2º Grau.
A habilitação que o aluno recebia ao final do curso era de Técnico em
Edificações. Ele se tornava um profissional de nível médio, legalmente habilitado para
atuar com o Engenheiro Civil ou Arquiteto em trabalhos de escritório ou ligados
diretamente às obras de construção civil, nas atividades de projeto, planejamento e
consultoria. Podia atuar também em escritório próprio, executando desenhos de
construções, ou em indústrias e comércio de materiais de construção. O Técnico em
Edificações, desde aquela época, devia fazer o registro no CREA, apresentando o
diploma reconhecido pelo Ministério da Educação e do Desporto.
30
Com relação à sua matriz curricular e à sua estrutura de funcionamento, o curso
sofreu várias mudanças desde a sua criação. De início, sob o regime semestral antigo,
o curso era composto de disciplinas do núcleo comum, ou seja, as de formação geral, e
disciplinas de formação especial profissionalizante, totalizando 4.292 horas. De 1972 a
1992, o curso, no período diurno, durava 6 semestres (3 anos) e, no período noturno, 7
semestres (3 anos e meio). Os alunos do turno matutino tinham aulas práticas no turno
vespertino. Ambos os turnos tinham aulas aos sábados.
Em 1993 iniciou-se uma nova grade curricular e o curso passou a ser de regime
anual, com duração de quatro anos. As disciplinas de formação geral e as disciplinas
técnicas continuaram a ser ministradas de maneira concomitante. O aluno, ao final dos
quatro anos, recebia o certificado de conclusão do 2º. Grau, juntamente com a
habilitação de Auxiliar Técnico em Edificações, quando não fazia o estágio; e de
Técnico em Edificações, quando comprovava o estágio feito em empresas.
Uma nova matriz curricular surgiu em 1997, oferecendo ao aluno a possibilidade
de optar pela habilitação somente no 2º ano. O 1º ano era composto de disciplinas da
educação geral e algumas disciplinas da área da construção civil, composta pelos
cursos de Edificações, Agrimensura e Estradas. Esse regime de ensino era
considerado integrado anual por área, pois os alunos, no decorrer dos 3 anos restantes,
continuavam recebendo formação propedêutica e técnica de maneira concomitante.
Esse regime integrado por área teve curta duração. Com a revogação da
obrigatoriedade da profissionalização no 2º Grau, com o advento da nova LDB n° 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, a formação técnica foi separada da formação
propedêutica e, assim, os cursos técnicos passaram a ser considerados de regime pós-
médio. Eles eram ofertados aos egressos do ensino médio e eram de regime semestral.
Na grade curricular aprovada em 17/11/1997, cujo funcionamento deu-se no 1º
semestre de 1998, consta que Edificações tinha a duração de 4 semestres e um total
de 2.400 horas.
Entretanto, o regime semestral pós-médio composto de disciplinas técnicas
funcionou apenas três anos, pois foi logo substituído pelo curso de regime modular, de
acordo com a Resolução nº. 001, de 20 de junho de 2001, acompanhando as
resoluções das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível
31
Técnico – Parecer CNE/CEB número 16/99 e Resolução CNE/CEB número 04/99. Com
a mudança para regime modular por competência, o curso de Edificações teve seu
nome alterado para Construções Prediais. Dividido por módulos, esse curso foi o
primeiro a funcionar na instituição com essa nova estrutura curricular. Isso ocorreu já no
início de 2001, mesmo antes da publicação das determinações legais.
A certificação que o aluno recebe ao cursar Construções Prediais é de Técnico
em Construções Prediais. A carga horária total é de 1200 horas, mais estágio opcional
de 300 horas. Para o ingresso no curso, o aluno necessita ser aprovado num exame de
seleção, que consiste numa prova comum que atesta conhecimentos de Português,
Matemática, Química, Biologia, Física, História e Geografia, ou seja, pré-requisitos
adquiridos nas disciplinas de formação geral do Ensino Médio. Essa prova é feita para o
ingresso dos alunos em todos os cursos técnicos da instituição. Além disso, é possível
ter acesso a ele por meio de transferência, convênio com outras instituições ou
concomitância com o terceiro ano do ensino médio da própria instituição. Feita a
matrícula, o aluno poderá escolher o módulo em que deseja ingressar, desde que
possua os pré-requisitos necessários para o ingresso. Assim, sua matrícula está
condicionada à oferta de vagas no módulo escolhido. A avaliação dos pré-requisitos é
feita por meio de uma entrevista realizada por professores do curso.
A cada módulo que o aluno cursar, receberá certificados de qualificação
diferentes, conforme a sub-função identificada no mundo do trabalho: Desenhista
Projetista; Orçamentista; Mestre de Obras; Mestre de Obras de Manutenção;
Apontador; Encarregado de Obras; Laboratorista; Encarregado de Obras de
Manutenção. Os blocos temáticos que compõem os módulos são organizados de forma
independente, permitindo, assim, serem cursados separadamente e
independentemente da ordem. (Projeto do Curso de Construções Prediais, p. 01).
O profissional Técnico em Construções Prediais poderá atuar no mercado de
trabalho sob a supervisão e orientação de um Engenheiro Civil ou Arquiteto, realizando
trabalhos de escritório ou atividades ligadas diretamente à Construção Civil, como
levantamento de custos de materiais de construção, elaboração de planos de obras,
levantamento topográfico, orientação dos trabalhos do mestre de obras, entre outros.
(Projeto do Curso de Construções Prediais, p. 06).
32
Em sua configuração atual, o curso é dividido em 3 módulos, assim distribuídos:
I. O primeiro módulo, sob o título de “Planejamento e Projeto”, tem carga horária
de 536 horas e confere ao aluno a qualificação de “Desenhista Projetista”. Ele é
subdividido em 3 blocos:
Quadro 3 – 1º Módulo de Construções Prediais
Bloco CH Título 1º 168 horas Nihil 2º 216 horas Desenhista 3º 152 horas Orçamentista
II. O segundo módulo, sob o título de “Execução e Obras”, tem carga horária de
480 horas e confere ao aluno a qualificação de “Mestre de Obras”. Ele é
subdividido em 3 blocos:
Quadro 4 – 2º Módulo de Construções Prediais
Bloco CH Título 1º 164 horas Apontador 2º 200 horas Encarregado de Obras 3º 116 horas Laboratorista
III. O terceiro módulo, sob o título de “Manutenção de Obras”, tem carga horária de
664 horas e confere ao aluno o título de “Mestre de Obras de Manutenção”. Ele é
subdividido em 3 blocos:
Quadro 5 – 3º Módulo de Construções Prediais
Bloco CH Título 1º 164 horas Apontador 2º 384 horas Encarregado de Obras de Manutenção 3º 116 horas Laboratorista
33
Organizado a partir do regime de ensino modular por competência, o curso
apresenta, em sua matriz curricular, não mais disciplinas, mas sim habilidades que
atendem às competências gerais apresentadas na Resolução 04/99 do CNE. As
habilidades são ministradas por professores da área técnica do curso e professores da
formação geral, como de Língua Portuguesa.
Houve época em que o curso funcionou com quatro regimes de ensino
diferentes, pois enquanto uma turma antiga funcionava com uma determinada matriz,
ingressava outra turma organizada sob nova grade curricular. Em resumo, ao longo de
sua história, o curso experimentou diferentes configurações curriculares, apresentadas
no quadro a seguir:
Quadro 6 – Resumo dos regimes de ensino de Construções Prediais
Número Regime de Ensino Anos de Vigência 01 Semestral integrado antigo 1972 a 1992 02 Anual integrado antigo 1993 a 1996 03 Anual integrado por área 1997 04 Semestral pós-médio 1998 a 2000 05 Modular por competência 2001 até a atualidade
Recentemente, em 2003, o MEC propôs mudanças para o aperfeiçoamento da
educação profissional e, em 2004, surge o Decreto número 5.154, sugerindo que haja a
integração do ensino técnico com o ensino médio. Assim, a partir de 2005, os
estudantes poderão se profissionalizar no nível médio por meio da articulação de
disciplinas técnicas e de núcleo comum de forma concomitante; ou ainda de maneira
subseqüente, ou seja, cursar o ensino técnico após terminar o ensino médio. No
entanto, o CEFETMT ainda não sinalizou claramente a sua intenção de implantar esse
novo regime sugerido pelo MEC.
Quando o regime modular foi implantado, o curso de Construções Prediais fazia
parte da Gerência Educacional de Tecnologia III, que administrava também os cursos
de Topografia e Geoprocessamento, Design de Móveis e Química. No ano de 2005,
houve mudanças e a direção distribuiu todos os seus cursos em três grandes
Gerências: Gerência de Ensino Médio, Gerência de Ensino Técnico e Gerência de
34
Ensino Superior. Destarte, o curso de Construções Prediais passou a fazer parte da
Gerência de Ensino Técnico, que está em fase de reestruturação e organização.
1.2.2 Telecomunicações
A criação do curso foi autorizada pela portaria nº. 13, de 14 de março de 1979,
juntamente com Eletrônica e Agrimensura, no período de obrigatoriedade da
profissionalização em nível de 2º Grau, de acordo com a Lei 5692/71.
Diferentemente de alguns cursos que tiveram seu nome alterado no transcorrer
da história da instituição, o curso de Telecomunicações continua com a mesma
denominação. Nos seus primeiros anos de funcionamento, o aluno que recebia o
diploma estaria habilitado para: supervisionar a execução de projetos elaborados por
engenheiros da área eletrônica ou de telecomunicações; controlar, supervisionar e
manter os sistemas de comunicação e de equipamentos já montados; trabalhar em
concessionárias de serviços públicos ligados à telefonia, rádio, telex, teletipos,
telegrafia; assessorar e manipular tecnicamente complexos instrumentais em estações
de rádio, televisão, teletipos, radar, etc.
Como todos os outros cursos, Telecomunicações também sofreu mudanças em
sua matriz curricular e em seu regime de trabalho – semestral/integrado/anual/modular.
Funcionou primeiramente como regime integrado semestral, em cuja matriz curricular
se articulavam as disciplinas do núcleo comum, ou seja, as de formação geral, e as
disciplinas de formação especial profissionalizante, num total de 4.886 horas. Nesse
período o curso tinha a duração de 7 semestres (3 anos e meio) e só funcionava no
período noturno, por não haver disponibilidade de professores para o período matutino.
Esse regime de ensino, considerado semestral integrado antigo, perdurou até 1992. Em
substituição a esse regime, surgiu o regime anual com duração de 4 anos, em 1993.
Em vistas das transformações que estavam ocorrendo na educação profissional,
em decorrência da promulgação da LDB n. 9.394/ 96, a instituição resolveu implantar
uma grade curricular composta de disciplinas comuns oferecidas às turmas que
ingressassem no 1º ano na área de Eletroeletrônica, e disciplinas diferenciadas
35
conforme o curso escolhido a partir do 2º ano: Eletrotécnica, Eletrônica, Refrigeração e
Ar Condicionado ou Telecomunicações. Com essa configuração, ou seja, como regime
anual por área, o curso funcionou apenas em 1997. Esse regime é considerado
também integrado, pois se constituía de disciplinas do ensino propedêutico e do ensino
técnico. No final dos quatro anos, o aluno saía com certificação em nível 2º Grau e
habilitado como Técnico em Telecomunicações.
Com a revogação da obrigatoriedade da profissionalização no 2º Grau, instituída
pela LDB, o curso de Telecomunicações passou a funcionar apenas com disciplinas
técnicas e o seu regime passou a ser considerado pós-médio, pois era oferecido aos
egressos do ensino médio. Dividido em 4 semestres, o curso de nível pós-médio
técnico começou a funcionar no 1º Semestre de 1998 e era composto de 2300 horas,
de acordo com a grade curricular aprovada em 17 de novembro de 1997.
Uma nova alteração o curso ainda sofreria: de regime semestral pós-médio
passou a ser regime modular pós-médio, de acordo com a Resolução nº. 001, de 20 de
junho de 2001, no artigo 2º. Essa configuração modular permanece até o momento. O
quadro a seguir sintetiza os regimes de ensino pelos quais o curso passou.
Quadro 7 – Resumo dos regimes de ensino de Telecomunicações
Número Regime de Ensino Anos de Vigência 01 Semestral integrado antigo 1979 a 1992 02 Anual integrado antigo 1993 a 1996 03 Anual integrado por área 1997 04 Semestral pós-médio 1998 a 2000 05 Modular por competência 2001 até a atualidade
O acesso ao curso de Telecomunicações se faz da mesma forma utilizada para o
acesso ao curso de Construções Prediais, conforme explicitado no item 1.2.1.
De acordo com o projeto do curso, o perfil profissional esperado do aluno, ao
concluir os módulos é: apresentar competências para desempenhar atividades visando
o pleno conhecimento e controle dos sistemas de Telecomunicações; planejar e
executar projetos que envolvam, além dos requisitos da área, competências e
habilidades que lhe proporcionem o controle efetivo dos processos em
36
Telecomunicações e que permitam acompanhar a implementação de obras. (Projeto do
Curso de Telecomunicações, p. 05).
As competências são construídas gradativamente, de acordo com o percurso dos
módulos correspondentes às certificações. Os certificados de profissionalização podem
ser dados conforme a especificidade de cada módulo, se cursados separadamente. O
quadro a seguir demonstra as qualificações oferecidas:
Quadro 8 – Qualificações do curso
Módulo Qualificação CH Módulo 1 Operador dos Sistemas Básicos de
Telecomunicações 315 horas
Módulo 2 Operador dos Sistemas de Transmissão 310 horas
Módulo 3 Operador dos Sistemas de Telefonia 310 horas
Módulo 4 Operador dos Sistemas de Telemática 280 horas
Para a diplomação de Técnico em Telecomunicações, será necessária a
conclusão dos quatro módulos e do estágio curricular obrigatório, totalizando 1.215
horas.
Quando o organograma da instituição passou a ser composto de Gerências de
áreas, o curso fazia parte da Gerência Educacional de Tecnologia I, que administrava
também os cursos de Eletrotécnica, Eletrônica e Refrigeração e Ar Condicionado. Com
as mudanças ocorridas no organograma do CEFETMT, em 2005, todos os cursos
técnicos passaram a fazer parte de um único bloco gerencial, a Gerência de Ensino
Técnico.
1.2.3 Hotelaria
O curso é considerado novo. Criado em 2002, tem, portanto, apenas dois anos
de funcionamento. Até 2004 ele fazia parte da Gerência de Serviços, denominada
Gerência Educacional de Tecnologia II, que reunia ainda os cursos de Informática,
37
Turismo, Secretariado. Sua primeira matriz curricular foi, de imediato, composta de
acordo com o regime Modular por Competência. De acordo com o coordenador do
curso, Hotelaria é totalmente diferente do antigo curso de Turismo, que perdurou por
alguns anos na instituição com o intuito de atender à demanda da área de Turismo e
Hospitalidade. Ao iniciar minha pesquisa, considerava que Hotelaria e Turismo eram os
mesmos cursos e que só havia sido alterada a nomenclatura. Ao longo da pesquisa de
campo, descobri que houve uma suspensão do curso de Turismo por problemas
materiais e humanos para o seu funcionamento satisfatório. O curso poderá retornar,
mas como nível superior tecnológico, segundo o coordenador.
Entretanto, vale ressaltar que, de acordo com os Referenciais Curriculares
Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico (2000), o curso de Hotelaria está
englobado no grupo de atividades econômicas pertencentes à área profissional de
Turismo e Hospitalidade, a qual ocupa-se da prestação de serviços turísticos, de
hospedagem, de alimentação e de eventos.
Portanto, Hotelaria, como uma das especificidades do Turismo, ocupa-se
basicamente com os serviços de hospedagem e de alimentação. O curso ofertado pela
instituição tem como objetivo geral: desenvolver a formação profissional para exercer
atividades operacionais em empresas hoteleiras, com a constituição de competências
comuns à área, que lhe permita compreender e aprender seu processo de produção e
prestação de serviços, e ganhar flexibilidade e versatilidade concernentes ao mundo do
trabalho. Por meio dos seus objetivos específicos, é possível compreender melhor
como será desenvolvida a formação do profissional dessa área. Ei-los: 1) desenvolver
pessoas no ramo da hospitalidade para atender o processo administrativo da empresa;
2) desenvolver as competências específicas da Habilitação Profissional Técnico em
Hospitalidade e das qualificações profissionais de nível técnico (serviços de
hospedagem e serviços de alimentos e bebidas) que compõem o itinerário profissional
e respectivos perfis profissionais de conclusão. (Projeto do Curso de Hotelaria, p. 09).
O aluno que desejar ingressar no curso terá que prestar o exame de seleção
universal para os cursos técnicos e o candidato aprovado ingressará no Curso Técnico
a partir do módulo I, podendo optar pelos módulos II ou III. No caso de sua desistência,
terá direito a receber a certificação dos módulos cursados. De acordo com o projeto do
38
curso, ao final dos três módulos, o aluno receberá o certificado de habilitação de
Técnico em Hotelaria. Há ainda certificações intermediárias, como a qualificação de
Auxiliar em Serviços de Hospedagem, se o aluno cursar os módulos I e II; e a
qualificação de Auxiliar em Serviços de Alimentos e Bebidas, se o aluno cursar os
módulos I e III.
O curso possui um total de 800 horas e está dividido em 3 módulos, assim
distribuídos conforme a qualificação e a respectiva carga horária de cada um:
Quadro 9 – Certificação do Curso de Hotelaria
Módulos Qualificação CH Módulo I Turismo e Hospitalidade 320 horas Módulo II Serviços de Hospedagem 240 horas Módulo III Serviços de Alimentos e Bebidas 240 horas
As competências que o curso espera desenvolver no aluno são: conceber
produtos e serviços de hospitalidade adequados aos interesses, hábitos, atitudes e
expectativas da clientela; organizar espaços físicos de hospedagem e de alimentação,
prevendo seus ambientes, uso e articulação funcional e fluxos de trabalho e de
pessoas; operar a comercialização de produtos e serviços de hospitalidade, com
direcionamento de ações de venda para suas clientelas; desenvolver a comunicação
efetiva com o cliente, por meio de idioma de comum entendimento; avaliar a qualidade
dos produtos, serviços e atendimentos realizados. (Projeto do Curso de Hotelaria, p.
11).
Em 2005, o curso passou a fazer parte da Gerência de Ensino Técnico, em
decorrência das mudanças no organograma da instituição.
1.3 A língua portuguesa nos cursos técnicos
Como o foco de minha pesquisa é a Língua Portuguesa no ensino técnico, deter-
me-ei em sua configuração nos cursos analisados – Construções Prediais,
Telecomunicações e Hotelaria; refazendo, contudo, o percurso histórico da disciplina
39
nos diferentes regimes de ensino pelos quais passaram os cursos técnicos de nível
médio. Na análise das grades equivalentes aos regimes semestral antigo, integrado
antigo, integrado por área, pós-médio e modular por competência, foi possível detectar
diferenças quanto ao espaço e à concepção da disciplina.
Com o intuito de unificar e não repetir informações a respeito do conteúdo
programático e da carga horária de Língua Portuguesa, não farei a divisão por cursos
se os conteúdos da disciplina e a carga horária apresentarem-se iguais para os cursos
técnicos sob o mesmo regime de ensino. Registrarei as mudanças conforme as
diferentes grades curriculares dos cursos de Construções Prediais, Telecomunicações
e Hotelaria. Quando surgirem diferenças entre eles, as informações serão devidamente
separadas por curso.
1.3.1 Carga Horária
Apresento a seguir um quadro-resumo do percurso histórico da disciplina Língua
Portuguesa nos cursos de Construções Prediais (Edificações) e Telecomunicações,
desde a implantação do regime semestral integrado até o regime pós-médio, período
em que o ensino de Língua Portuguesa era proposto diferentemente em cada curso.
Como, no regime modular por competência, as habilidades que envolvem o ensino de
Língua Portuguesa recebem denominações e cargas horárias diferentes, elas serão
apresentadas em quadros separados para cada curso analisado.
Quadro 10 – Quadro-resumo da Língua Portuguesa nos regimes de ensino
Regime de ensino Nome da disciplina
Matéria CH semanal CH total no curso
Semestral integrado antigo
Língua Portuguesa
Comunicação e Expressão
3 aulas no 1º e 2º sem.; 2 aulas no 3º, 4º e 5º sem.
216 horas
Integrado anual antigo
Língua e Literatura
Português 2 aulas em todos os anos
288 horas
40
Integrado por área2
Língua e Literatura
- 4 aulas no 1º ano; 2 aulas no 2º e 3º anos; 1 aula no 4º ano
324 horas
Semestral pós-médio
Redação Técnica3
- 2 aulas no 3º semestre
40 horas
No regime modular por competência, o ensino de Língua Portuguesa organiza-se
por habilidades. Nesse caso há cursos que apresentam nomes semelhantes para
algumas de suas habilidades e há outros que mudam a nomenclatura conforme suas
especificidades.
No curso de Construções Prediais, as habilidades são nomeadas e distribuídas
conforme o quadro abaixo:
Quadro 11 – A Língua Portuguesa no curso de Construções Prediais
Módulo Bloco Habilidade CH Mód. 1 Bloco 1 Redigir Relatórios Técnicos I 16
horas Ler e Interpretar Textos Técnicos em Linguagem Materna
16 horas
Mód. 2
Bloco 1 Redigir Relatórios Técnicos II 14 horas
Ler e Interpretar Textos Técnicos II 14 horas
Bloco 2 Redigir Relatórios Técnicos III 14 horas
Ler e Interpretar Normas Técnicas 12 horas
Bloco 3 Redigir Relatórios Técnicos IV 14 horas
Total da carga horária 100 horas
2 Nesse regime, o aluno optava por um curso apenas no 2º ano – Edificações, da área de Construção
Civil; Telecomunicações, na área de Eletro-Eletrônica. 3 A disciplina intitulada Redação Técnica não era ofertada no antigo curso de Edificações, mas apenas no
curso de Telecomunicações.
41
No curso de Telecomunicações, na mais recente alteração em sua matriz
curricular, foi extinta a divisão de blocos nos módulos e, assim, cada módulo possui
apenas um bloco. As habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa
ficaram assim distribuídas:
Quadro 12 – A Língua Portuguesa no curso de Telecomunicações
Módulo Bloco Habilidade CH Mód. 1 Bloco 1 Interpretar e Redigir Textos da Língua Portuguesa 15
horas Mód. 3 Bloco 1 Interpretar Normas Técnicas e Legislação 10
horas Redigir Relatório Técnico 15
horas Total da carga horária 40
horas
O curso de Hotelaria apresenta três módulos e não há divisão em blocos. Com
relação ao ensino de Língua Portuguesa, há uma única habilidade específica que
requer um profissional com formação em Letras:
Quadro 13 – A Língua Portuguesa no curso de Hotelaria
Módulo Habilidade CH Mód. 1 Elaborar documentos empresariais conforme as normas
técnicas 30 horas
Como visto nos quadros apresentados, a Língua Portuguesa nos cursos técnicos
sofreu alterações não apenas em sua nomenclatura – e isso em conseqüência das
mudanças nas leis da educação, mas também na carga horária. É certo que nos
regimes integrado anual, semestral ou por área, a disciplina Língua Portuguesa era
ofertada com uma carga horária alta pelo fato de pertencer ao núcleo comum e ter que
atender à formação geral do aluno. No entanto, como se verifica, a disciplina sofreu
uma drástica redução de espaço no regime pós-médio tanto semestral quanto modular.
Note-se ainda que a disciplina nem sequer foi ofertada no curso de Construções
Prediais no regime pós-médio semestral, mas retornou no regime modular por
competência.
42
Mesmo reconhecendo a necessidade de o aluno produzir e ler textos em língua
materna, a carga horária de habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa
no regime modular é bastante reduzida em alguns cursos, como o de Hotelaria, por
exemplo, enquanto outros oferecem um número de horas de trabalho maior e mais
distribuído no transcorrer dos módulos, como é o caso de Construções Prediais.
Com relação a esses aspectos conflituosos sobre a disciplina nos cursos,
mostrarei, na análise de dados, alguns motivos apresentados pelos sujeitos para
justificar essas diferenças.
1.3.2 Conteúdo programático
Nos planos de curso do ano de 1993, quando o regime era integrado de quatro
anos, o conteúdo programático proposto era comum para todos os cursos da instituição
e, conforme registros, contemplava aspectos de produção e leitura de textos, regras da
gramática normativa e literatura de acordo com a periodização histórica dos estilos de
época. Com relação à especificidade da produção de textos técnicos, há conteúdos
propostos para o 2º ano: redação oficial de relatório, requerimento, ofício, memorando;
para o 3º ano: currículo, carta comercial e relatório prático; e para o 4º ano: relatório e
redação oficial.
Nos planos de curso de 1997 e 1998, são explicitados os conteúdos comuns
para o ensino propedêutico, como leitura de textos diversos e produção de textos
conforme a antiga divisão de tipologia textual: dissertação, narração e descrição, além
de regras gramaticais e periodização literária. No entanto, já começam a ser incluídos
alguns conteúdos propostos pelos novos paradigmas do ensino de Língua Portuguesa
originários da lingüística textual, como coesão e coerência, intertextualidade, contexto,
gramática de uso. Há ainda referência ao trabalho com textos técnicos científicos, como
resumo, resenha e bibliografia, para o 1º ano; textos técnicos, como relatório e
requerimento, para o 2º ano; textos técnicos, como curriculum vitae, carta comercial e
relatório técnico, para o 3º ano; e textos técnicos, como relatório, requerimento, ata e
cartas, para o 4º ano. O conteúdo nesse período era comum para todos os cursos,
43
exceto para 4º ano de Secretariado, pois sua grade incluía uma disciplina voltada para
a produção de textos específicos da profissão, ou seja, redação técnica.
Desde o período de instituição do regime pós-médio semestral até o momento,
sob regime modular por competência, a disciplina Língua Portuguesa na educação
profissional, pelo fato de não mais ser oferecida no curso para atender a formação
comum ao ensino médio, passou a ser considerada de base instrumental e, portanto,
apenas para atender às necessidades de produção e leitura de textos da área
específica para cada curso técnico. Assim, em Hotelaria são exigidas, dos professores
de Língua Portuguesa, atividades direcionadas à produção escrita de gêneros textuais
próprios do mundo empresarial, como cartas comerciais, ofícios, currículos, relatórios,
etc. Já nos cursos de Telecomunicações e Construções Prediais, é atribuída, ao
professor, a responsabilidade de desenvolver nos alunos habilidades de leituras de
textos técnicos, como as normas comuns utilizadas em cada curso; bem como
atividades que capacitem os alunos a produzirem textos estruturados de acordo com o
gênero relatório técnico. Para tanto, devem ser retomados, durante as aulas das
referidas habilidades (citadas no item 1.3.1), alguns pré-requisitos adquiridos na
formação básica do aluno durante as aulas de Língua Portuguesa no ensino
fundamental e médio, como conhecimento sistêmico da norma padrão da língua
materna. Além disso, o professor de Língua Portuguesa é responsável pelo
fornecimento de conhecimentos referentes à Metodologia da Pesquisa Científica, como
estrutura de relatório e normas da ABNT que regulamentam esse gênero textual.
No capítulo de análise de dados, discutirei detalhadamente aspectos do
conteúdo trabalhado nas habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa, por
meio das experiências relatadas pelos professores durante as entrevistas, e também
das informações obtidas nas observações participantes e na análise de planos de
curso.
Capítulo II
BALIZAS METODOLÓGICAS E PROCEDIMENTOS TÉCNICOS
Se, por um lado, o investigador entra no mundo do sujeito, por outro, continua a estar do lado de fora. Registra de forma não intrusiva o que vai acontecendo e recolhe, simultaneamente, outros dados descritivos. Tenta aprender algo através do sujeito, embora não tente necessariamente ser como ele. Pode participar nas suas actividades, embora de forma limitada e sem competir com o objectivo de obter prestígio ou estatuto. Aprende o modo de pensar do sujeito, mas não pensa do mesmo modo. (Bogdan & Biklen, 1994: 113)
A pesquisa foi desenhada numa perspectiva interpretativa. E isso envolve
observar as ações do homem no mundo e captar as significações que ele atribui a elas.
As práticas linguageiras constituem o objeto de análise e, por meio delas, tem-se um
possível painel dos sentidos que povoam o contexto sócio-histórico-cultural dos sujeitos
observados. Tal estudo não parte de hipóteses a serem testadas, mas de perguntas
gerais que vão sendo afuniladas à medida que a pesquisa de campo progride.
A exposição deste capítulo contempla, além das questões iniciais, o método, as
técnicas, o locus, os sujeitos e a história natural da pesquisa.
2.1 Perguntas de pesquisa
Com o intuito de delinear minimamente o foco da pesquisa, foram propostas
duas perguntas que orientaram meu olhar para a percepção dos sentidos que
perpassam as práticas discursivas dos sujeitos da pesquisa.
45
1ª Pergunta
Como professores da área técnica significam o ensino de Língua Portuguesa nos
cursos de Construções Prediais, Telecomunicações e Hotelaria? Que vozes
prevalecem entre os professores da área técnica ao elaborarem o plano de curso das
habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa?
2ª Pergunta
Como os professores de Língua Portuguesa significam o ensino de língua nos
cursos de Construções Prediais, Telecomunicações e Hotelaria? Que vozes
prevalecem na prática do professor de Língua Portuguesa em sala de aula ao
desenvolver as habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa? Qual é o
lugar do novo paradigma de ensino de Língua Portuguesa nas práticas discursivas em
circulação no contexto observado?
2.2 Pressupostos teóricos da pesquisa qualitativa
A pesquisa orienta-se pelo paradigma qualitativo, uma vez que, como dizem
Denzin & Lincoln (1998), “localiza o observador no mundo”, elege como fonte direta dos
dados o ambiente natural e tem por foco de investigação a perspectiva de significado
dos atores sociais observados:
A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais, interpretativas que tornam o mundo visível. Essas práticas transformam o mundo. Elas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo notas de campo, entrevistas, conversas informais, fotografias, gravações, memórias pessoais. Neste nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa e naturalística do mundo. Isto significa que os pesquisadores qualitativos estudam acontecimentos em seu ambiente natural, buscando fazer sentido ou interpretar fenômenos
46
em termos dos sentidos que os atores fazem deles. (Denzin e Lincoln, 1998: 04)4
Um dos aspectos proeminentes desse tipo de estudo é considerar que o principal
instrumento de coleta de dados é o próprio pesquisador, investido de sua perspicácia
para apreender, através da observação, os significados que os sujeitos tecem sobre o
cotidiano e que atribuem às suas ações e às dos outros. Bogdan e Biklen (1994: 47),
além de salientar essa característica, realçam o aspecto descritivo desse tipo de
pesquisa, ao afirmarem que “os dados recolhidos são em forma de palavras ou
imagens e não de números”. Ao se fazer uma descrição do ambiente observado, tem-
se “a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que
nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de
estudo”. (p. 49).
Outro aspecto que singulariza esse paradigma de pesquisa é a atenção mais
voltada para o processo do que para os resultados ou produtos, uma vez que as
pessoas negociam e constroem os significados nas interações sociais. Sob o ponto de
vista interpretativo, a sociedade e a cultura não existem em estado reificado. Erickson
(1990: 106-107), citando Garfinkel (1967), enfatiza que os membros de um grupo social
ordinário, ou seja, de uma “microcultura”5, não devem ser imaginados como autômatos,
como dopados culturalmente, que agem de maneira mecânica uns em relação aos
outros. Nas suas práticas sociais, os atores são influenciados pelas “regras” culturais,
mas também podem afetá-las, ressignificá-las situacionalmente. As microculturas são
dinâmicas. Nelas as mudanças são constantes. Daí decorre o interesse pelo processo
mais do que pelo produto.
4 Texto original: “Qualitative research is a situated activity that locates the observer in the world. It consists
of a set of interpretive, material practices that make the world visible. These practices transform the world. They turn the world into a series of representations, including field notes, interviews, conversations, photographs, recordings, and memos to the self. At this level, qualitative research involves an interpretative, naturalistic approach to the world. This means that qualitative researchers study things in their natural settings, attempting to make sense of, or to interpret, phenomena in terms of the meaning people bring to them.”(Denzin e Lincoln, 1998: 04) 5 Para Erickson (1990:102), a pesquisa social de cunho interpretativo presume que os significados das
ações compartilhadas pelos membros de um grupo de pessoas que interagem de modo recorrente no tempo são locais. Esses significados locais constituem o que o autor chama de “microcultura”.
47
Nesse tipo de investigação, os dados são analisados de maneira indutiva, pois
não se tem o intuito de confirmar hipóteses pré-concebidas, mas sim realizar uma
interpretação à medida que os dados são recolhidos. (Bogdan e Biklen, 1994: 50).
Assim, a teoria utilizada para a análise das informações é definida durante o processo
investigativo. De posse dos elementos constitutivos da pesquisa, principalmente no que
se refere às perspectivas dos participantes, o cerne da abordagem investigativa é o
significado que as pessoas atribuem ao seu mundo e ao dos outros.
Um dos métodos da pesquisa qualitativa é a etnografia, cujo objetivo primário é
a descrição de culturas. Para tanto, todos os dados coletados no meio natural são
relevantes, pois, de maneira particular e comparativa, cada um deles pode constituir
pistas para a interpretação dos significados. Nesse tipo de pesquisa não se procura
eliminar as possíveis influências do pesquisador no processo investigativo, mas sim
considerar o caráter reflexivo, de forma a encontrar uma solução para esse aspecto
particular da pesquisa social. De acordo com Hammersley & Atkinson (1983), citado por
Detoni (1995), é preciso reconhecer que o pesquisador faz parte do mundo social que
estuda. Em vez de tratar a questão como um viés na pesquisa, deve-se explorá-la, pois
estudar a reação das pessoas à presença do pesquisador pode ser tão informativo
quanto estudar suas reações a outras situações. Assim, a visão êmica do pesquisador
ocorre por meio da observação participante com o intuito de apreender a cultura do
grupo natural observado. Dessa forma, o observador é considerado o “principal
instrumento de coleta de dados”, pois ele convive com o grupo para aprender a
apreender sua cultura.
Com a lente de etnógrafo, o observador procura prestar atenção nas práticas
ocorridas no ambiente estudado e o que elas significam para os atores que compõem a
microcultura. As prováveis reações no comportamento dos atores frente à figura do
pesquisador durante o processo de pesquisa não podem ser ignoradas, pois revelam
significados não descartáveis numa abordagem qualitativa.
Com relação à pesquisa qualitativa no ambiente escolar, o professor, ao vestir-se
da persona de pesquisador, procura ver “a invisibilidade do cotidiano”. É reconhecível a
trivialidade aparente ao se perguntar “o que está acontecendo aqui”. No entanto, não é
trivial se se considerar que “o cotidiano é invisível para quem está imerso nele”, pois
48
quando o ambiente pesquisado nos é familiar, ele é invisível e contraditório. O
antropólogo Clyde Kluckhohn ilustra essa invisibilidade mediante o aforisma: “o peixe é
a última criatura a descobrir a água”. A observação participante do ensino, através de
sua reflexibilidade inerente, ajuda pesquisadores e professores a tornar estranho o que
é familiar e, ao mesmo tempo, reconhecer no que é familiar seu caráter interessante, ou
seja, re-significar o desgastado. (Erickson, 1990).
Além do ambiente interno da instituição escolar, da interação face a face entre
professores de língua materna e professores da área técnica, é necessário perscrutar
as influências externas que interferem nas relações sócio-educacionais no contexto
escolar. Essas influências são o resultado dos discursos dos grupos que controlam
ideologicamente os rumos da educação técnica no país, como o mercado ocupacional,
a elite cultural e lingüística e os órgãos oficiais do governo regulamentadores da
educação.
Embora se admita a existência de regras externas que determinam a interação
em sala de aula e as atividades escolares em geral, é perceptível certo grau de
flexibilidade nas relações entre os profissionais da educação, proveniente da forma
como cada um constrói os sentidos sobre si e sobre os outros. Como as subjetividades
estão presentes na produção de sentidos, há uma reinterpretação do mundo e,
conseqüentemente, a emergência de conflitos que poderão desencadear mudanças
sociais e educacionais. Para a leitura desses sentidos que percorrem as atividades
humanas dentro de um contexto social, a etnografia insiste que seu foco de observação
são as ações e não os comportamentos:
O objeto da etnografia, enquanto pesquisa interpretativa, não é o comportamento (ato físico), mas a ação (ato físico sedimentado e enformado pelos significados partilhados pelos atores sociais engajados na situação social). Isso se dá em virtude das suposições acerca da natureza das causas na vida social. Se as pessoas agem com base em suas interpretações das ações dos outros, então as interpretações mesmas são causais para elas. Isso não é verdadeiro na natureza, e, assim, nas ciências naturais, os cientistas não têm de descobrir os significados do ponto de vista dos atores. A bola de bilhar não interpreta seu ambiente. Mas os homens em sociedade sim, e diferentes homens o interpretam diferentemente. Eles atribuem significados às ações dos outros e agem de acordo com as suas interpretações. Porque tais ações
49
baseiam-se em interpretações, estão sempre abertas à possibilidade de reinterpretação e mudança. (Erickson, 1990: 98)6
Que técnicas e instrumentos servem ao propósito da pesquisa de perfil
etnográfico que objetiva perscrutar as práticas sociais dos sujeitos e desvelar-lhes os
sentidos?
2.3 Técnicas e instrumentos de pesquisa
Uma das especificidades da etnografia diz respeito à utilização de fontes
variadas de dados, diminuindo, assim, o risco da confiabilidade em um único tipo de
dado. Em minha pesquisa, recorri à observação participante registrada em diário de
campo, a entrevistas semi-estruturadas, bem como a fontes escritas pertencentes ao
acervo documental do locus. Ver, ouvir e perguntar são as principais técnicas
etnográficas.
2.3.1 Observação participante
Como o foco de minha pesquisa é o ensino de Língua Portuguesa, considerei
necessário o uso de observação participante para investigar como são realizadas as
práticas pedagógicas e captar os sentidos que as permeiam. Contudo, pude realizar a
observação participante apenas no curso de Construções Prediais, durante as aulas
6 The object of interpretative social research is action, not behavior. This is because of the assumption
made about the nature of cause in social life. If people take action on the grounds of their interpretations of the actions of others, then meaning-interpretations themselves are causal for humans. This is not true in nature, and so in natural science meaning from de point of view of the actor is not something the scientist must discover. The billiard ball does not make sense of its environment. But the human actor in society does, and different humans make sense differently. They impute symbolic meaning to others’ actions and take their own actions in accord with the meaning interpretations they have made. Thus the nature of cause in human society becomes very different from the nature of cause in the physical and biological world, and so does the nature of uniformity in repeated social actions. Because such actions are grounded in choices of meaning interpretation, they are always open to the possibility of reinterpretation and change. (Erickson, 1990: 98). (Trad. Maria Inês Pagliarini Cox).
50
das habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa: Redigir Relatório
Técnico e Ler e Interpretar Textos Técnicos em Língua Materna.
A observação foi realizada nos meses de outubro e novembro de 2004, num total
de 12 aulas, envolvendo as duas habilidades. A turma estava cursando o 1º. Bloco, do
1º Módulo – Planejamento e Projeto. Geralmente são abertas duas turmas desse curso
em cada semestre: uma no período matutino e outra no período noturno. No entanto,
em 2004/02, foi oferecida apenas uma turma no período noturno. Em torno de vinte e
seis alunos estavam freqüentando as aulas observadas, dentre os quais 50% eram
provenientes da concomitância oferecida pela instituição aos alunos que estavam
cursando o 2º e o 3º anos do Ensino Médio. Os outros 50% ingressaram no curso após
aprovação no exame de seleção comum.
Nos cursos de Telecomunicações e Hotelaria, não foi possível realizar a
observação participante, porque as aulas das habilidades que envolvem o ensino de
Língua Portuguesa não foram ministradas no período da coleta de dados – 2º
semestre/2004 e 1º semestre/2005 – devido à falta de professores de Língua
Portuguesa na instituição.
As notas de campo da observação participante foram dados complementares
para compor as práticas pedagógicas dos sujeitos desta pesquisa e serão
referenciadas no percurso da análise interpretativa das práticas discursivas dos
professores.
2.3.2 Entrevistas semi-estruturadas e ocasionais
Para as entrevistas formais, realizei, inicialmente, uma triagem dos professores
com o intuito de selecionar os mais envolvidos e experientes no ensino técnico. Entre
eles, escolhi três professores de Língua Portuguesa que já ministraram aulas em cursos
técnicos e um professor recém contratado pela instituição para trabalhar na educação
profissional e que, portanto, está construindo sua experiência nesse tipo de ensino.
Foram escolhidos, ainda, professores de formação técnica que ministram
habilidades do núcleo profissional específico nos cursos. No caso desses últimos, há
51
uma hierarquia constituída de gerentes e coordenadores para cada curso. Optei por
entrevistá-los já que, além da incumbência de gerir os trabalhos dos cursos, eles nunca
deixaram de ministrar aulas nas habilidades do ensino técnico. E foi pela experiência
como docente que eles puderam contribuir mais ricamente com informações para
minha pesquisa.
No total, entrevistei oito professores da área técnica: os coordenadores e os
gerentes dos cursos de Hotelaria, Telecomunicações e Construções Prediais, além de
dois professores envolvidos na implantação dos cursos modulares desde o início,
assumindo também funções de coordenador e de gerente.
A entrevista com cada professor foi realizada após um contato inicial em que se
buscou assegurar a colaboração dos sujeitos escolhidos e agendar, de acordo com a
disponibilidade dos sujeitos, o encontro para a entrevista propriamente dita. Parti de um
roteiro-guia, mas, à medida que ia percebendo que, em determinadas respostas, o
entrevistado já incluía apreciações referentes a perguntas seguintes, reorientava a
seqüência temática da entrevista. Além disso, se percebia a necessidade de
esclarecimentos acerca de tópicos emergentes no decorrer da entrevista, lançava
outras questões que não estavam no roteiro inicial.
As perguntas do roteiro-guia (quadros 14 e 15) objetivaram colher informações
acerca do perfil acadêmico e profissional de cada professor ouvido. Os dois grupos –
professores de Língua Portuguesa e professores da área técnica – foram inquiridos
quanto à concepção do ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos. Esse tópico-
base foi se desdobrando em questões menores, que permitiram desvelar os sentidos
acerca das práticas educacionais ocorridas nos cursos técnicos.
Com o primeiro grupo, especificamente, procurei perscrutar o modo como os
professores concebem o ensino de Língua Portuguesa tanto no ensino médio quanto no
ensino técnico, com o intuito de perceber pontos convergentes e divergentes entre a
prática nesses dois níveis de ensino. Além disso, questões a respeito da aprendizagem
e do desempenho lingüístico dos alunos auxiliaram-me na composição do perfil do
corpo discente recebido pela instituição, quanto às suas necessidades lingüísticas de
leitura e produção de textos. Procurei saber, ainda, se o professor obteve formação ou
aperfeiçoamento direcionados especificamente para o trabalho nos cursos técnicos, e
52
quais foram as dificuldades encontradas para atuar nesse campo. Finalizando os
tópicos da entrevista, detive-me em questões que focalizaram os aspectos relativos às
mudanças ocorridas no transcorrer da implantação dos diversos regimes de ensino,
como também a respeito da viabilidade quantitativa da carga horária das habilidades
que envolvem o ensino de Língua Portuguesa. Diante dos relatos apresentados, houve
o desvelamento da posição ocupada pelo novo paradigma de ensino de Língua
Materna no trabalho desses professores. O roteiro-guia que orientou a entrevista com
os professores de Língua Portuguesa está apresentado no quadro 14.
Quadro 14 – Roteiro-guia para a entrevista com os professores de Língua Portuguesa
n° Questões
01 Qual a sua formação acadêmica? Graduação e Pós-Graduação?
02 Quantos anos você tem de experiência na Educação?
03 Quantos anos você tem de experiência no CEFETMT?
04 Há quanto tempo você trabalha no curso técnico?
05 Como você concebe o ensino de língua portuguesa?
06 Como você concebe o ensino de língua portuguesa no ensino médio?
07 Como você concebe o ensino de língua portuguesa nos cursos técnicos?
08 O que é necessário o aluno aprender de Língua Portuguesa no(s) curso(s) em que você trabalha/trabalhou para auxiliá-lo na vida profissional?
09 Você obteve formação em algum curso de graduação/especialização/aperfeiçoamento para a atuação no curso técnico?
10 Quais as dificuldades encontradas para a sua atuação na habilidade?
11 Em sua experiência na instituição, você percebeu mudanças na composição dos cursos modulares, ao serem comparados aos antigos regimes integrado e pós-médio?
12 Como você avalia o domínio da língua portuguesa dos alunos dos cursos técnicos (Leitura, escrita, oralidade)?
O segundo grupo de professores foi inquirido também a respeito da concepção
do ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos e, conseqüentemente, foi
esboçada a visão deles sobre o desempenho lingüístico dos seus alunos. Como os
professores entrevistados desempenhavam tanto atividades docentes, como atividades
53
de coordenação e gerência, foram também argüidos sobre as determinações legais e
profissionais decisivas na composição dos cursos e, principalmente, na organização e
distribuição da carga horária das habilidades que envolvem o ensino de Língua
Portuguesa. Procurei saber se, no processo de formação do curso, houve participação
de um professor de Língua Portuguesa e qual é o espaço ocupado pela disciplina tanto
no curso analisado, quanto nos outros da Gerência. Para finalizar, as questões
buscavam depreender a visão dos professores da área técnica acerca das
transformações ocorridas no curso, principalmente a respeito do trabalho desenvolvido
na disciplina de Língua Portuguesa nos diversos regimes de ensino. Considerei
conveniente perscrutar a posição dos professores acerca da possibilidade de retorno ao
antigo regime integrado – ensino propedêutico e ensino técnico ministrados de maneira
conjunta – diante das novas determinações do MEC.
Quadro 15 – Roteiro-guia para a entrevista com os professores/coordenadores/gerentes dos cursos técnicos.
n° Questões
01 Qual a sua formação acadêmica? Graduação e Pós-Graduação?
02 Quantos anos você tem de experiência na Educação?
03 Quantos anos você tem de experiência no CEFETMT?
04 Há quanto tempo você trabalha no curso técnico?
05 Como você concebe o ensino de língua portuguesa? 06 O que você considera importante para o desempenho lingüístico do aluno no
curso técnico? 07 Quais diretrizes educacionais foram seguidas para a criação do curso técnico
em que você trabalha? 08 Quais necessidades do mercado ocupacional foram levadas em conta na
organização das habilidades que envolvem o ensino de língua portuguesa no curso?
09 Quais critérios foram usados para a distribuição da carga horária das habilidades de redigir/ler no curso?
10 Todos os cursos da gerência contemplam habilidades que envolvem o ensino de língua portuguesa? Como é feita a distribuição de carga horária nos blocos/módulos?
11 Quais foram as alterações que o curso sofreu no percurso de sua transformação de nível integrado, pós-médio e modular?
12 Você considera a carga horária escolhida suficiente para desenvolver as habilidades previstas para o curso?
54
13 Houve auxílio de um professor de língua portuguesa na elaboração do plano de curso?
14 Desde quando o curso existe, e quais foram as transformações ocorridas a partir de sua criação?
15 Como você avalia o desempenho lingüístico dos alunos que procuram os cursos técnicos?
16 Como você avalia o possível retorno do regime integrado nos cursos técnicos?
As entrevistas foram gravadas em fita cassete e posteriormente transcritas com a
preocupação de eliminar as marcas de oralidade, exceto quando eram necessárias
para a compreensão do que estava sendo enunciado.
Além das entrevistas agendadas com os sujeitos, também entrevistas informais,
ocasionais, aconteceram no transcorrer da pesquisa. Muitos sentidos foram
apreendidos em conversas casuais tanto com professores que seriam entrevistados por
mim, quanto com outros que não faziam parte do grupo dos sujeitos escolhidos para a
pesquisa.
2.3.3 Pesquisa documental
Para compor esse conjunto de dados, foram reunidas cópias de matrizes
curriculares dos regime integrado semestral e anual, pós-médio e modular dos cursos
de Construções Prediais, Hotelaria e Telecomunicações, cujo acesso foi franqueado
pela Secretaria de Registro Escolar. Procurei também selecionar os planos de curso da
disciplina de Língua Portuguesa do antigo regime integrado e pós-médio semestral.
Para tanto, percorri os arquivos próprios de cada gerência, como também os acervos
particulares de alguns professores. Com relação a esses últimos documentos, houve
dificuldades em localizá-los, pois não havia arquivamento de todos os planos de curso.
Foram cedidos a mim, em disquete, os projetos dos cursos do atual regime modular. E,
assim, esses documentos coletados sobre os cursos foram usados para a análise
comparativa entre os diversos regimes de ensino por que passaram os cursos.
À procura de mais informações sobre as regulamentações dos cursos modulares
técnicos, fui informada da publicação de uma coletânea de livros sobre os parâmetros
55
que orientam a criação e o funcionamento dos cursos. Em contato com a Diretoria de
Ensino, tive acesso aos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional
de Nível Técnico. Selecionei, então, o volume introdutório da coleção e os volumes
dirigidos às áreas profissionais de Turismo e Hospitalidade, Construção Civil e
Telecomunicações.
A Biblioteca Orlando Nigro, situada nas dependências da instituição, também foi
local de coleta de dados. Folheando alguns livros de Língua Portuguesa, tive a atenção
despertada para o material didático utilizado no ensino de língua materna em várias
épocas, o que, de certa forma, me permitiu uma aproximação com o passado do ensino
de Língua Portuguesa na instituição.
Para reconstruir a história da instituição, foi utilizado o acervo da biblioteca:
compêndios comemorativos de aniversário, trabalhos de produção científica
desenvolvidos na instituição ou ainda dissertações de mestrado. Além disso, o arquivo
da instituição, situado no Campus Bela Vista, no bairro de nome homônimo, guarda
documentos importantes sobre o histórico dos cursos e, por isso, foi visitado para a
coleta de alguns dados acerca dos cursos analisados.
2.4 História natural da pesquisa
A motivação para observar a instituição onde trabalho sob a ótica de um
pesquisador surgiu à medida que me aprofundava nas leituras da produção bibliográfica
da Análise do Discurso. Os conceitos e noções incorporados por mim na incursão por
esse campo das ciências da linguagem auxiliaram-me na compreensão das ações dos
professores do curso de Construções Prediais, onde trabalhava. No início, conseguia
conviver “pacificamente” com as práticas exercidas pela maioria deles. No entanto,
intrigava-me a maneira como cada um, por meio de seus discursos, significava a
Língua Portuguesa e, conseqüentemente, influenciava no processo de ensino-
aprendizagem dos cursos técnicos. Com essa demanda interna de pesquisa, ingressei
no Programa de Mestrado da UFMT, no 2º semestre de 2003. Havia, assim, chegado o
momento de sistematizar o processo de investigação nesse contexto escolar que
56
conhecia muito bem como professora. Investida do papel de pesquisadora, ansiava por
olhar e descrever esse cenário e os atores que nele atuam. Era uma oportunidade
ímpar para experimentar o princípio da etnografia escolar que recomenda “estranhar o
familiar”.
No momento de definir o locus da pesquisa, considerei necessário observar não
apenas o curso de Construções Prediais, mas outros dois cursos técnicos:
Telecomunicações, pertencente à Gerência da Área de Eletroeletrônica; e Hotelaria,
pertencente à Gerência da Área de Serviços. Nesses dois últimos cursos escolhidos,
não havia atuado como professora e, por isso, necessitava conhecê-los como possíveis
cenários para estabelecer comparações entre as práticas pedagógicas dos professores.
Por trabalhar na instituição, não precisei de intermediários para realizar o
primeiro contato com os sujeitos da pesquisa. Desde o primeiro contato, fui recebida
com bastante cordialidade: todos se dispuseram a me atender prontamente e a
participar da pesquisa. Claro que alguns agiram de forma “naturalmente” aceitável ao
me olharem de forma surpresa. No entanto, em nenhum momento, houve atitude de
resistência. Entre eles, curiosamente, houve aquele que estabeleceu uma condição
para a entrevista. No primeiro contato que fiz para agendar a entrevista formal, o
professor me perguntou, em tom de brincadeira, “Você vai resolver meu problema com
o professor de Língua Portuguesa? Vai me arrumar um?” (15/10/2004). E no
encerramento da entrevista, novamente ele reforçou o pedido: “Você vai conseguir uma
professora de Português pra mim?” (30/11/2004).
Um caso particularmente merece ser aqui rememorado. O professor-
coordenador do curso de Hotelaria, desde o início, demonstrou prontidão em marcar a
entrevista. Entretanto, vários compromissos seus – muitas vezes na hora marcada para
o nosso encontro – impediam a realização da entrevista. Dentre esses empecilhos,
incluem-se reuniões extraordinárias ou aulas para cobrir a falta de algum outro
professor do curso. Todas as vezes que procurava o professor-coordenador, era
recebida por uma secretária que, via de regra, me interceptava na tentativa de
conversar com ele. Perguntava sempre que assunto eu desejava conversar com o
professor, como se fosse a primeira vez que estava ali. De imediato, ela já me dizia que
ele não poderia me atender, ou seja, ela, de pronto, me “descartava”. Entretanto,
57
quando o professor chegava, via sua presteza em me atender. Efetivamente, ele só
conseguiu me atender quando agendou o encontro em horário extra-escolar, às 18
horas.
Com relação aos professores de Língua Portuguesa, de início, iria entrevistar
apenas aqueles que estivessem ministrando aulas no curso técnico no momento da
pesquisa. Entretanto, tive que mudar a proposta, porque os cursos técnicos analisados
iriam receber uma professora substituta sem nenhuma experiência nesse tipo de
ensino. São os habituais transtornos de percurso em pesquisas no universo da escola
pública, como professores solicitando aposentadoria ou saindo para qualificação. E,
para preencher a lacuna deixada em decorrência da saída desses professores,
contratam-se temporariamente substitutos. Entretanto, o processo seletivo e contratual
desses professores geralmente é lento, o que acarreta atraso no funcionamento normal
das aulas dos cursos. A maioria dos professores que atende as habilidades de
formação geral do curso está lotada na Gerência de Ensino Médio. Após serem
atribuídos os encargos didáticos no ensino médio, alguns professores preenchem a sua
carga horária nos cursos técnicos e tecnológicos. No entanto, não havia nenhum
professor de Língua Portuguesa que tivesse disponibilidade para atender as aulas da
maioria dos cursos técnicos. Por esse motivo foi contratado um professor de Língua
Portuguesa para atender exclusivamente às habilidades que envolvem o ensino da
Língua Portuguesa em todas as três Gerências de Ensino Técnico.
Quando a qualificação profissional no nível médio deixou de ser obrigatória, com
a substituição da Lei 5692/71 pela Lei 7044/82 e, posteriormente, pela LDB nº. 9394/96,
o CEFETMT instituiu o Ensino Médio Propedêutico. Começaram, então, as disputas: os
cursos técnicos remanescentes necessitavam de professores do núcleo comum para
atender a determinadas habilidades e o ensino médio propedêutico também. Além
disso, havia certa resistência, por parte dos professores, em deixar de ministrar aulas
de conteúdos com os quais estavam habituados, devido à sua formação acadêmica e
profissional. Assim, os cursos técnicos quase sempre ficavam para segundo plano, pois
as aulas das habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa eram atribuídas
aos professores apenas para preencher carga horária vaga.
58
No momento de minha pesquisa, os professores que normalmente atendiam os
cursos técnicos estavam em processo de aposentadoria ou então liberados para a pós-
graduação. Destarte, parecia-me mais sensato entrevistar os professores que já tinham
experiência no técnico, mesmo que não estivessem atuando nele no momento da
pesquisa. Entre esses últimos, houve um que já tinha atuado como coordenador da
disciplina de Língua Portuguesa – quando havia essa função na instituição – e que se
prontificou a procurar documentos que serviriam como dados para a minha pesquisa.
As entrevistas da maioria dos doze professores foram efetuadas no período de
outubro a dezembro de 2004, com exceção de três professores. Com um deles,
professor da área de Construção Civil, só consegui agendar um horário para a
entrevista no mês de fevereiro de 2005. Os outros dois, professores de língua
portuguesa, foram entrevistados somente nos meses de fevereiro e março de 2005
pelos seguintes motivos: um deles precisava vivenciar na prática o ensino técnico – e
isso só ocorreu nos meses de novembro e dezembro de 2004, e do outro eu só tive
conhecimento de sua atuação no ensino técnico no final de 2004.
Sobre as entrevistas, é curioso observar a reação das pessoas no momento em
que surge o gravador. No início o meu relacionamento com o aparelho não era muito
íntimo, porém, aos poucos, fui me familiarizando com esse meu companheiro de
pesquisa. Digno de registro, portanto, são os olhares que os entrevistados emitiam ao
me verem com o aparelho. Um dos professores me disse que eu me parecia com o
Cacique Juruna (o índio que ficou famoso como Deputado Federal), porque gravaria a
conversa. Alguns achavam que eu iria registrar por escrito a entrevista. Outros ficavam
à vontade diante do gravador. Apesar das reações-surpresa, aos poucos todos
conseguiram se esquecer do aparelho e expressarem-se com naturalidade a partir das
duas ou três primeiras perguntas. Tão naturalmente agiram determinados informantes
que se prolongavam entusiasticamente em seus relatos e exposições. Houve professor
que se esqueceu das horas. E esse entusiasmo também era contagiante, pois eu
acabava enveredando pelas histórias do professor e, por fim, estendia-me nas
perguntas para tirar as dúvidas e conhecer mais da instituição. Devido a isso, há
entrevistas de duas horas de duração.
59
Incluí, entre os instrumentos de pesquisa, a observação participante em sala de
aula. Decidi observar algumas aulas das habilidades do ensino de língua portuguesa
nos cursos escolhidos. Consegui realizar as observações apenas no curso de
Construções Prediais, devido ao fato de essas habilidades serem trabalhadas no início
do curso, ou seja, no primeiro bloco do primeiro módulo. Como uma turma do referido
curso, no período noturno, estava começando em outubro, pude realizar as
observações. No entanto, não me foi possível observar os cursos de Hotelaria e
Telecomunicações: as aulas das habilidades que envolvem o ensino de língua materna,
não puderam ser realizadas em novembro e dezembro de 2004, por não haver
professores disponíveis, como já foi dito.
Para captar a microcultura da sala de aula, iniciei essa atividade no dia 20 de
outubro de 2004, assistindo às duas primeiras aulas no período noturno. Por meio de
anotações de campo, fui registrando todos os acontecimentos em sala: meu foco era a
prática do professor.
Durante o período de observação, tive várias conversas com a professora de
Língua Portuguesa antes, depois e durante as aulas. Situar-me no fundo da sala
significou olhar os atores nesse cenário sob a ótica instigante do investigador. Nesse
momento eu não era a professora e eles não eram os meus alunos. Eu era, nesses
momentos, a pesquisadora e eles a fonte de dados para meu estudo. De acordo com a
teoria de Bakhtin7, eu estava imbuída da prática de um gênero discursivo diferente, pois
a situação de interação entre mim, os alunos e a professora certamente não era a
mesma de uma aula comum. O tema que circulava nessa prática social de pesquisa
proporcionava certos sentidos diferentes daqueles surgidos em uma aula com os atores
comuns, pois o meu olhar provinha de uma outra posição situacional. Sobre esse
aspecto recorro novamente a Bakhtin, citado por Brait (2002: 17): “o que vemos é
governado pelo modo como vemos e este é determinado pelo lugar de onde vemos”.
Todavia, é necessário registrar que, mesmo não ocupando a posição real de
professora nos momentos das observações, alguns sujeitos me consideravam como tal,
7 Para Bakhtin (2000: 279), cada esfera da atividade humana produz seus enunciados de forma
relativamente estável e atende às condições específicas e às finalidades de cada uma dessas esferas. Para o professor e os alunos, o gênero discursivo era a aula propriamente dita, pois a finalidade era o processo ensino-aprendizagem, mas para mim, pesquisadora, o gênero era pesquisa, pois a finalidade era a coleta de dados.
60
pois eram meus alunos no período matutino, no 3º ano do Ensino Médio, ou já tinham
assistido às minhas aulas em outros anos e, por terem reprovado ou desistido, estavam
retornando ao curso. Dessa forma, eu era vista como alguém familiar por alguns e, por
outros, como totalmente estranha. Vale relembrar que existe, na instituição, a figura da
concomitância, ou seja, os alunos que freqüentam o ensino médio têm direito a se
profissionalizar, em outro período de aula, em um curso técnico de sua preferência,
seguindo critérios de seleção atrelados ao histórico de notas dos dois ou três últimos
anos do ensino médio.
Foram observadas seis jornadas escolares, perfazendo o total de doze aulas. O
número é reduzido, porque a carga horária da habilidade também o é. Geralmente ela
equivale a 32 horas para as habilidades de Redigir Relatório Técnico e Ler e Interpretar
Textos Técnicos em Língua Materna.
As visitas à biblioteca foram deveras instigantes em minhas reflexões acerca do
ensino da língua. Seu acervo é antigo e quase não há atualização de obras. Entre as
antiguidades, há os livros de Língua Portuguesa que me ajudaram a reconstruir a
história da disciplina na instituição. Sabendo que os livros didáticos foram criados para
auxiliar e até mesmo determinar o trabalho do professor, é possível admitir que eles
tenham orientado as aulas de Língua Portuguesa na instituição. Por meio da análise
dos textos e das propostas de exercícios de alguns desses livros, pude realizar
comparações entre o ensino de hoje e o ensino das décadas de 1960 e 1970. No que
se refere aos textos, a diferença entre eles é visível.
Com o objetivo de preencher lacunas informativas sobre os cursos analisados no
que se referia aos anos de funcionamento de suas grades curriculares, procurei alguns
professores e funcionários da instituição, que ocuparam funções no departamento de
ensino nas décadas de 1980 e 1990, período em que os cursos sofreram um maior
número de mudanças, para que me ajudassem a resolver o quebra-cabeça. Entre eles
houve aquele que, deparando-se com a grade do curso de Edificações do antigo regime
integrado semestral, dos anos 80, apresentou um ar de nostalgia e disse “Que
saudade!”. Quando argüido sobre esse sentimento, justificou dizendo que o curso
naquela época funcionava de verdade, pois começava com 40 alunos e terminava com
o mesmo número. O professor disse-me, ainda, que foi nesse período que a escola
61
começou a receber alunas, devido à criação do curso de Secretariado e, assim, tornou-
se “mais bonita” ao mudar o cenário antes exclusivamente masculino.
Com relação às informações de que necessitava, não tive muito sucesso, porém
fui orientada a procurar o acervo da escola, a fim de encontrar uma pasta do antigo
Departamento de Ensino que atenderia às minhas necessidades de pesquisa.
Resolvidos os entraves burocráticos para o meu acesso ao local e, acompanhada por
um antigo funcionário do arquivo, vasculhamos as prateleiras empoeiradas e
desorganizadas, sem novamente conseguir colher os dados que faltavam. No entanto,
a minha visita não foi totalmente em vão, pois encontrei planos de curso da disciplina
de Língua Portuguesa de alguns antigos regimes da escola e pude analisá-los.
Em minha pesquisa de campo, através da observação participante, das
entrevistas, das conversas casuais e da reunião de documentos, cheguei a um volume
considerável de dados (ver quadro abaixo), a uma massa de textos que será
examinada na perspectiva da ADC.
Quadro 16 – Conjunto de Dados
Tipos de dados Quantidade Entrevistas com professores de Língua Portuguesa
4 entrevistas
Entrevistas com professores, coordenadores e gerentes da área técnica
8 entrevistas
Sessões de observação participante
6 sessões (total 12 aulas)
Projetos dos cursos modulares por competência
1 projeto de cada curso escolhido (em disquete): - Construções Prediais - Hotelaria - Telecomunicações
Cópias de grades curriculares de regimes antigos
- Curso de Edificações: • Regime integrado semestral (diurno e
noturno) • Regime integrado anual • Regime integrado anual por área • Regime semestral pós-médio
- Curso de Telecomunicações: • Regime integrado semestral (noturno) • Regime integrado anual
62
• Regime integrado anual por área • Regime semestral pós-médio
Cópias de grades curriculares do regime modular por competência
- Construções Prediais – aprovada em 18/09/2003 - Telecomunicações – aprovada em 25/03/2003 - Hotelaria – aprovada em 25/03/2003
Cópias de documentos oficiais - Decreto Presidencial de 16/08/2002 – implantação do CEFETMT - Boletim eletrônico semanal da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – 23/09/2004 - Memorando n°. 24/DE, de 20/02/2001, sobre a atribuição de atividades aos gerentes, coordenadores e professores. - Resolução n°. 001, de 20/06/2001, sobre a homologação dos Cursos Modulares - Ordem Administrativa n° 103/GD/96, de 21/11/1996, sobre a codificação dos cursos de regime integrado anual por área
Folders informativos/propagandísticos sobre os cursos ofertados
- 1 folder da Educação Profissional de nível Técnico e Tecnológico – 2003 - 1 folder do Exame de Seleção do Ensino Médio – 2005. - 1 folder do Exame de Seleção do Nível Técnico - 2005
Ementários e Planos de Curso de Língua Portuguesa
- Ementário de 1990 – todos os cursos técnicos - 1º, 2º, 3º e 4º anos de 1993 – todos os cursos técnicos - 1º, 2º, 3º e 4º anos de 1997 – todos os cursos técnicos - 1º, 2º, 3º anos de 1998 – todos os cursos técnicos - 4º ano de 1998 – curso de Turismo - 4º ano de 1998 – curso de Secretariado - 1º módulo 2003/01 – curso de Hotelaria
Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico
Volumes: - Introdução - Área Profissional: Construção Civil - Área Profissional: Telecomunicações - Área Profissional: Turismo e Hospitalidade
63
2.5 O locus e os sujeitos da pesquisa
O Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, em sua
configuração atual, apresenta um contexto educacional peculiar, pois sua oferta de
cursos é variada, contemplando tanto o nível médio técnico e propedêutico, quanto o
nível superior tecnológico. Como todas as informações que julguei necessárias a
respeito do locus da pesquisa já foram apresentadas no capítulo 1, deter-me-ei na
caracterização dos dois grupos de professores que compõem o universo de sujeitos
observados e ouvidos à guisa da apreensão dos sentidos que envolvem atualmente o
ensino de Língua Portuguesa nos cursos de Construções Prediais, Telecomunicações e
Hotelaria.
O primeiro grupo foi formado por quatro professores de Português. Como
ministrar aulas nos cursos técnicos quase sempre foi visto como algo a ser evitado
pelos professores de Língua Portuguesa, uma vez que os conhecimentos exigidos não
são contemplados na formação acadêmica de Letras, tive dificuldades para escolher os
professores de minha área. Nos meses que antecederam a pesquisa, havia uma
professora que estava trabalhando nos cursos técnicos analisados. No entanto, ela
decidiu deixar a instituição no decorrer do 2º semestre de 2004. Portanto, tive que
esperar nova contratação. De início resolvi, então, entrevistar dois professores que
haviam trabalhado nos cursos técnicos analisados, mas deixaram de ministrar aulas
nesse nível de ensino. Além desses docentes, posteriormente escolhi um outro
professor com experiência nos cursos escolhidos, mas que, no momento, está
trabalhando nos cursos superiores de tecnologia. Finalmente, com a contratação de um
novo professor substituto, que assumiu as aulas no mês de outubro, pude terminar as
atividades de coleta de dados. Entretanto, a entrevista só ocorreu no mês de março de
2005, pois aguardei o período de adaptação e construção da experiência desse
professor nos cursos.
O segundo grupo foi formado por oito professores da área técnica. Com o intuito
de observar os significados em torno do ensino da Língua Portuguesa em cada uma
das Gerências, elegi o professor-coordenador e o gerente de cada curso, bem como
dois outros professores que acompanharam diretamente o processo de idealização,
64
elaboração e implantação dos cursos modulares por competência, ora como gerentes,
ora como coordenadores de curso, ora como orientadores em reuniões preparatórias
para a formação dos professores em consonância com a nova configuração dos cursos
técnicos. Mesmo ocupando os cargos de coordenador ou gerente, os professores
entrevistados sempre continuaram ministrando aulas nos cursos técnicos.
A seguir serão apresentados quatro quadros com a relação dos sujeitos
investigados, referidos por um nome fictício, a fim de resguardar suas identidades. Será
apresentada a formação acadêmica em nível de graduação e pós-graduação dos
sujeitos, bem como a sua experiência na educação e na instituição.
Quadro 17 – Professores de Língua Portuguesa:
Nº Professor Graduação Pós-graduação Experiência na Educação
Experiência na Instituição
01 Ana Letras Especialização 20 anos 12 anos 02 Marta Letras Especialização 30 anos 14 anos 03 Pedro Engenharia Civil
Letras Especialização 35 anos 28 anos
04 Luciana Letras Mestranda 16 anos 6 meses
Quadro 18 – Professores/Coordenador/Gerente da Gerência de Tecnologia I – Área de Eletroeletrônica: Nº Professor Graduação Pós-graduação Experiência na
Educação Experiência na Instituição
01 Sérgio Licenciatura em Eletricidade
Especialização 22 anos 22 anos
02 César Licenciatura em Eletrônica
Especialização 19 anos 19 anos
03 João Engenharia Elétrica
Doutorado 27 anos 12 anos
Quadro 19 – Professores/ Coordenador/Gerente – Gerência de Tecnologia II – Área de Serviços (Hotelaria):
65
Nº Professor Graduação Pós-graduação Experiência na Educação
Experiência na Instituição
01 Francisco Engenheiro Civil Especialização 30 anos 26 anos 02 Diego Bacharelado em
Turismo Especialização 08 anos 02 anos
Quadro 20 – Professores/ Coordenador/Gerente – Gerência de Tecnologia III – Área de Construção Civil: Nº Professor Graduação Pós-graduação Experiência
na Educação Experiência na Instituição
01 Carlos Engenharia Civil Licenciatura em Construção Civil
Especialização 24 anos 24 anos
02 Felipe Engenharia Civil Doutorado 26 anos 26 anos 03 Antônio Pedagogia
Licenciatura em Topografia
Especialização 33 anos 31 anos
A maioria dos sujeitos foi aluno da escola. Dentre os 12 professores, 07 são ex-
alunos da instituição. Esse perfil docente se repete nos demais cursos.
No universo da pesquisa qualitativa, o pesquisador constitui um dos principais
instrumentos de coleta de dados. Assim, como pesquisadora, sou considerada um dos
sujeitos da pesquisa. Mas não só por isso, porque a experiência que obtive como
professora nos cursos técnicos, tanto no antigo regime integrado anual, quanto no atual
regime modular por competência no curso de Construções Prediais, foi decisiva na
composição das questões da entrevista e no contato com os entrevistados. A minha
inserção no CEFETMT colaborou para o meu acesso a documentos, planos de curso e
grades curriculares que compõem o acervo de dados de minha pesquisa. Muitos
desses textos, inclusive, provêm do período em que trabalhei no ensino técnico, de
1998 a 2003. Os outros dados foram coletados no período da pesquisa, de 2004 a
2005. Além disso, a minha prática pedagógica nos cursos técnicos e o meu contato
com os professores dessa área proporcionaram dados relevantes a serem
considerados no processo de interpretação de dados.
66
A metodologia de análise, balizada pela teoria da Análise de Discurso Crítica
(ADC), será explicitada no item 3.4, ao final do Capítulo 3, por considerar pertinente, em
primeira instância, discorrer sobre os conceitos nucleares da ADC, que me orientarão
na leitura de dados, para, então, definir os critérios para o recorte dos enunciados da
massa de textos coletados, assim como os critérios para a sua interpretação.
Capítulo III
BALIZAS TEÓRICAS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
“O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (...) a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de idéias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas.” (Norman Fairclough)
As questões em torno de que esta pesquisa se concentra focalizam os sentidos
que envolvem as práticas de ensino de Língua Portuguesa em cursos técnicos
profissionalizantes ofertados pelo CEFETMT em sua atual configuração, conforme
explicitado no capítulo 1. Destarte, a análise de discurso, por privilegiar o estudo do
significado no uso da linguagem como prática social, se apresenta como uma referência
teórica e metodológica possivelmente adequada para a leitura da massa de textos
obtida através da pesquisa empírica. O que me leva a apostar nessa via de acesso ao
corpus como apropriada e pertinente para desenredar o complexo de discursos que
circulam nessa esfera de atividade social é a concepção de significado como produção
histórico-social, para além das palavras em si mesmas. Os sentidos circulam através
dos signos, mas não são imanentes a eles.
Tomar a linguagem como discurso significa, simultaneamente, assumir uma
concepção interacionista de linguagem que, nos termos de Brandão (1997), é uma
prática atravessada por toda sorte de relação social atestada num contexto histórico
dado:
A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (...) e nem natural, por isso o
68
lugar privilegiado de manifestação da ideologia. (...) Como elemento de mediação necessária entre o homem e sua realidade e como forma de engajá-lo na própria realidade, a linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais. (p. 12)
A análise de discurso tem, por objeto de estudo, os significados que são
construídos pelo/no uso da língua, sob as condições sócio-históricas dadas. Assim,
considera que os sentidos são produzidos pelos sujeitos enquanto membros de uma
comunidade social e discursiva. Relacionar “a linguagem à sua exterioridade”, ao se
perguntar pelos sentidos, é a perspectiva de interpelação visada pelo analista do
discurso. Para esclarecer melhor a função da análise do discurso, recorro a Orlandi
(2001):
A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. (...) Na análise do discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e de sua história. (p.15)
A Análise de Discurso não é um campo disciplinar homogêneo. Sob esse rótulo
abrigam-se várias tendências, comumente agrupadas em duas correntes designadas
como européia (ou francesa) e americana (ou anglo-saxã), distinguindo-se pelos tipos
de discurso que privilegiam, pelos métodos empregados, pelas alianças com outras
disciplinas das ciências humanas e sociais e pelos propósitos analíticos8. Uma outra
classificação que está se patenteando é a que agrupa as várias abordagens de análise
de discurso em não-críticas e críticas. As primeiras subsumem que a estrutura e as
relações sociais se refletem no discurso e as segundas que o discurso é tanto moldado
quanto molda as relações de poder numa dada formação sócio-histórica-ideológica. As
abordagens críticas postulam uma relação dialética e não unilateral entre práticas
discursivas e práticas sociais.
A Análise de Discurso Crítica teve início na década de 70, ao desmembrar-se da
Lingüística Crítica. A publicação de Language and Control, em 1979, trabalho assinado
por Fowler, Kress, Hodge e Trew, fomentou a discussão entre “lingüistas e
8 Um retrato mais complexo das diferenças que individualizam essas duas correntes encontra-se
disponível em Maingueneau (1997).
69
pesquisadores da linguagem que se interessavam pela relação entre o estudo do texto
e os conceitos de poder e ideologia”. (Magalhães, 2005: 2).
Contudo, a consolidação de uma Análise de Discurso Crítica foi promovida por
Fairclough, na década de 80, ao inaugurar a expressão “análise de discurso crítica”, na
Universidade de Lancaster. Patenteia-se, assim, a vertente de “estudos de textos e de
eventos em diversas práticas sociais”, inovando teórica e metodologicamente a
descrição, interpretação e explicação da linguagem no contexto sócio-histórico.
(Magalhães, 2005: 03).
O que principalmente caracteriza a Análise de Discurso Crítica (ADC) é a sua
insistência na possibilidade de o discurso contribuir para a transformação da sociedade
e não apenas para a sua reprodução. Dessa forma, a ADC assume seu caráter
militante de crítica ideológica. Diante dessa vocação, a ADC focaliza, sobremaneira, as
contradições patentes nas práticas discursivas que sinalizam que há mudanças em
curso. Afinal, as “práticas discursivas em mutação são um elemento importante na
mudança social” (Fairclough, 2001: 82).
Neste estudo, opto pela ADC na proposição de Fairclough (2001). Examinando
de perto a proposta do lingüista inglês, noto que ele estabelece um diálogo com todas
as vertentes da AD (Análise de Discurso), salientando os pontos de convergência e
divergência entre elas. O diálogo é mais intenso com Foucault e Pêcheux, os dois
pilares da Análise de Discurso Francesa.
Fairclough serve-se de vários conceitos propostos por Foucault, demarcando,
contudo, as suas diferenças em relação ao autor. Dois aspectos diferenciam a AD
proposta por Fairclough daquela proposta por Foucault. O primeiro deles está
relacionado com a ênfase que o lingüista britânico dará à análise textual, inexistente em
Foucault, cuja preocupação era outra – a constituição discursiva das ciências humanas
e sociais. A essa lacuna, Fairclough responde com sua teoria intitulada Análise de
Discurso Textualmente Orientada (ADTO). O segundo aspecto se refere à impressão
dominante de uma leitura que põe as “pessoas desamparadamente assujeitadas a
sistemas imóveis de poder” (p. 83). Por esse motivo, Fairclough dará ênfase ao estudo
das lutas, das resistências e das mudanças sociais no e pelo discurso.
70
Segundo Magalhães (2005: 03), com a criação de um método para a Análise do
Discurso, Fairclough procura “explicar por que cientistas sociais e estudiosos da mídia
precisam dos lingüistas”. A relação entre as teorias sociais e as teorias lingüísticas
imprime à ADC um caráter transdisciplinar. A transdisciplinaridade da ADC apresenta,
como “foco específico”, “a relação entre o mundo social e a linguagem”. Para tanto, aos
analistas dessa vertente é permitido estabelecer relações com outras áreas das
ciências sociais, procurando contribuições auxiliares à análise de problemas inerentes à
modernidade tardia. (p. 04). Admitindo, portanto, que o “lingüístico é social”, a ADC
concebe “o discurso como forma de ação e como forma de representação”. Orientando-
se por essa concepção, Magalhães (2005: 05) afirma que “agimos discursivamente,
como também representamos discursivamente o mundo (social) a nossa volta”.
Este capítulo, organizado em quatro seções, comportando subseções no item
3.2, concentra-se na explicitação da concepção tridimensional do discurso, apresentada
por Fairclough (2001). Contudo, quando oportuno e necessário, recorrerei às
contribuições de outros autores, também mencionados na obra de Fairclough.
3.1 Revisitando as noções de discurso, formação discursiva e subjetividade
O “discurso” é diversamente compreendido pelas várias tendências da AD.
Tendo já explicitado minha opção pela proposta da ADC, considero pertinente assumir
as definições atribuídas a “discurso” por Fairclough (2001). Esse autor reconhece como
difícil a tarefa de conceituar discurso, porque há muitas “definições conflitantes e
sobrepostas, formuladas de várias perspectivas teóricas e disciplinares”. Numa primeira
aproximação, o autor relembra que “discurso” é mais comumente usado “como
referência a amostras ampliadas de linguagem falada e escrita” e que “esse sentido de
‘discurso’ enfatiza a interação entre falante e receptor (a) ou entre escritor (a) e leitor
(a); portanto, entre processos de produção e interpretação da fala e da escrita, como
também o contexto situacional do uso lingüístico”. (p. 21)
Ao usar o termo discurso, Fairclough (2001: 90) subsume o uso da linguagem
como uma prática social e não como resultado de uma atividade exclusivamente
71
individual. Além disso, o discurso deve ser entendido não como efeito de variáveis
situacionais ou o resultado do contexto de enunciado em seu sentido estrito. Para tanto,
há que se considerar que o discurso é “um modo de ação e de representação”, em que
os sujeitos atuam não apenas sobre o mundo, mas sobre os outros também; e que há
“uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social”. Fairclough retoma a
discussão que Foucault faz sobre a formação discursiva de objetos, sujeitos e conceitos
como resultantes do amoldamento e das restrições designadas pela estrutura social,
para considerar que os discursos são constitutivos de práticas sócio-político-
ideológicas.
O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado. (...) Podemos distinguir três aspectos dos efeitos construtivos do discurso. O discurso contribui, em primeiro lugar, para a construção do que variavelmente é referido como “identidades sociais” e “posições de sujeito” (...). Segundo, o discurso contribui para construir as relações sociais entre as pessoas. E, terceiro, o discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e crença. (Fairclough, 2001: 91).
Em relação aos três efeitos construtivos do discurso, o autor ancora-se no
arcabouço teórico de Halliday (1978), acerca das funções da linguagem. Para uma
compreensão geral da estrutura lingüística, Halliday identifica três funções: ideacional,
interpessoal e textual. Sob a primeira função, a linguagem “serve para a manifestação
de ‘conteúdo’”, isto é, serve para a expressão da “experiência que o falante tem do
mundo real, inclusive do mundo interior de sua própria consciência”. Sob a segunda
função, a linguagem é responsável por “estabelecer e manter as relações sociais: para
expressão de papéis sociais, que incluem os papéis comunicativos criados pela própria
linguagem”. Sob a terceira função, a linguagem “capacita o falante e o escritor a
construir ‘textos’, ou passagens encadeadas de discurso que sejam situacionalmente
apropriadas”. (Halliday, 1976: 137).
Fairclough reconhece as três funções, porém subdivide a função interpessoal em
“identitária e relacional”. As quatro funções são assim conceituadas pelo autor:
A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso, a função relacional a como as
72
relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas, a função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos, entidades e relações. (...) a função textual (...) diz respeito a como as informações são trazidas ao primeiro plano ou relegadas a um plano secundário, tomadas como dadas ou apresentadas como novas, selecionadas como “tópico” ou “tema”, e como partes de um texto se ligam a partes precedentes e seguintes do texto, e à situação social “fora” do texto. (Fairclough, 2001: 92) (grifos meus).
À guisa de aprofundamento do conceito de discurso, tal como formulado por
Fairclough, é importante ressaltar que, para ele, o discurso não apenas representa o
mundo, como também é o mundo, ou preferencialmente deve ser. E esse mundo é
enformado pelas identidades e relações sociais, as quais, por sua vez, moldam os
diferentes papéis que devem assumir os sujeitos sociais. Contudo, Fairclough sublinha
que os discursos não somente representam e reproduzem uma dada ordem social, mas
podem também ser projetivos, fomentando e antecipando mudanças que engendrem
outros mundos livres das misérias sociais da modernidade tardia. A interdependência
entre o discurso e o tecido social é assim explicitada por Fairclough (2003):
Vejo o discurso como uma forma de representar aspectos do mundo – os processos, as relações e estruturas do mundo material, os pensamentos do “mundo mental”, sentimentos, crenças e assim por diante, e o mundo social. Aspectos particulares do mundo podem ser representados diferentemente, assim geralmente temos de considerar a relação entre diferentes discursos. Discursos diferentes são diferentes perspectivas sobre o mundo e estão associados a diferentes relações que as pessoas têm com o mundo que, por sua vez, dependem de sua posição no mundo, suas identidades sociais e pessoais e das relações sociais estabelecidas com as outras pessoas. Discursos não somente representam o mundo, como ele é (ou mais exatamente como ele é visto), mas são também projetivos, criativos, representando mundos possíveis que são diferentes do mundo real e ligados a projetos para mudar o mundo em direções específicas9. (p. 124)
9 Texto original: I see discourses as ways of representing aspects of the world – the processes, relations
and estructures of the material world , the ‘mental world’ of thoughts, feelings, beliefs and so forth, and the social world. Particular aspects of the world may be represented differently, so we are generelly in the position of having to consider the relationship between different discourses. Different discourses are different perspectives on the world, and they are associated with the diferent relations people have to the world, which in turn depends on their positions in the world, their social and personal identities, and the social relationships in which they stand to other people. Discourses not only represent the world as it is (or rather is seen to be), they are also projective, imaginaries, representing possibile worlds which are different from the actual world, and tied in to projects to change the world in particular directions. (Fairclough, 2003: 124) (Trad. Maria Inês Pagliarini Cox).
73
Fairclough entende que o discurso é uma prática social, e esta, por sua vez,
orienta-se por determinações econômicas, políticas, culturais e ideológicas. O autor
acredita que o discurso possa funcionar como prática econômica, o que pode ser
exemplificado por meio da análise sobre o poder de persuasão que a linguagem verbal
e não-verbal de uma propaganda imprime ao produto, transformando-o em sucesso de
venda. O discurso como prática política é o que determina que as relações de poder
sejam estabelecidas, mantidas ou transformadas nas relações sociais. E, por último, o
discurso como prática ideológica é responsável pela constituição, manutenção e
também transformação dos significados de mundo atribuídos às diversas posições nas
relações de poder. No entanto, deve-se considerar que essas dimensões do discurso
não podem ser vistas separadamente, pois a ideologia resulta dos significados
construídos nas relações de poder, tanto como dominação, quanto como luta.
(Fairclough, 2001: 94). O discurso como prática econômica, o discurso como prática
política e o discurso como prática ideológica estão interligados, pois as práticas
discursivas da modernidade, aliás de qualquer época, voltam-se para os interesses
econômicos da classe dominante; e como esta, por sua vez, é representada pela classe
política – considerada categoria superior – procurará manter seu domínio.
Conseqüentemente, os discursos serão atravessados predominantemente pelos
sentidos produzidos pela ideologia dominante que justificam certas relações de poder e
dão sustentação a certas ordens econômicas. Contudo, na arena política onde o poder
é disputado, há não apenas a reprodução das relações existentes na sociedade, mas
também a possibilidade de transformação dos papéis sociais por meio das práticas
discursivas. O discurso, em sua determinação social, “é reflexo de uma realidade
social mais profunda”, e a construção do social no discurso emana do fato de que o
discurso resulta ideologicamente do social. (Fairclough, 2001: 92).
Dessa forma, compreende-se que o discurso, ao ser moldado pelas relações de
poder e ideologia, representa o mundo construído por práticas sociais concretas e,
assim, produz os significados que circulam entre os sujeitos também socialmente
constituídos. Os sujeitos assumem os seus papéis sociais e as suas relações dão forma
e sentido ao mundo. E, assim, ao se investir em uma dada posição social, o sujeito será
74
determinado por uma ou mais formações ideológicas, as quais se materializam em
formações discursivas.
Na constituição da ADC, Fairclough se serve das contribuições de Foucault
acerca da “relação entre discurso e poder, da construção discursiva de sujeitos sociais
e do conhecimento e funcionamento do discurso na mudança social”. (p. 62). Apesar de
reconhecer que as análises que Foucault faz dos discursos têm como base as
formações discursivas das ciências humanas, Fairclough afirma que a teoria de
Foucault é adequada para analisar qualquer tipo de discurso. (p. 64). Um dos conceitos
de que se apropria é o de formação discursiva:
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva. (Foucault, 2004: 43)
Apesar de criada por Foucault, foi com Pêcheux que a noção de formação
discursiva passou a fazer parte da análise do discurso no campo da lingüística. Partindo
do marxismo althusseriano, Pêcheux articula as formações discursivas às formações
ideológicas que circulam numa dada formação social, presidindo as relações entre as
pessoas:
Toda “formação social”, passível de se caracterizar por uma certa relação entre classes sociais, implica a existência de “posições políticas e ideológicas, que não são o feito de indivíduos, mas que se organizam em formações que mantêm entre si relações de antagonismo, de aliança ou de dominação”. “Essas formações ideológicas incluem uma ou várias formações discursivas interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito (...) a partir de uma posição dada numa conjuntura dada”. (Pêcheux, 1990, apud Maingueneau, 2000: 68).
Nas pegadas de Foucault e Pêcheux, Maingueneau (2000: 68) define “formação
discursiva” como “sistema de regras que funda a unidade de um conjunto de
enunciados sócio-historicamente circunscrito”. Considera que, “para uma sociedade,
uma posição e um momento definidos apenas uma parte do dizível é acessível, que
esse dizível forma sistema e delimita uma identidade”. Segundo o autor, fala-se em
formação discursiva para designar “uma certa conjuntura histórica”, como o discurso
75
comunista, o discurso de uma dada ciência, ou o discurso político, etc. A formação
discursiva é marcada pelo agrupamento de posições ideológicas inter-relacionadas.
Maingueneau ainda faz referência a dois modos de compreender as formações
discursivas – como independentes umas das outras ou como interdependentes:
A maneira pela qual apreendemos as formações discursivas oscila entre uma concepção contrastiva, em que cada uma é pensada como um espaço autônomo que pomos em relação com os outros, e uma concepção interdiscursiva, para a qual uma formação discursiva só se constitui e se mantém através do interdiscurso. (Maingueneau, 2000: 69)
Atualmente, a hipótese da interdependência desabona a concepção da formação
discursiva como um bloco fechado e estático, argumentando que ela seja
constantemente atravessada por outros discursos engendrados por diferentes
formações discursivas. Por esse motivo, é-se levado a afirmar o primado do
interdiscurso sobre a formação discursiva e admitir que todo discurso é heterogêneo, ou
seja, atravessado por vozes outras.
Fairclough considera essencial mobilizar as noções de subjetividade, identidade
social e domínio do eu e, incisivamente, solicita que essas questões sejam trabalhadas
com mais afinco por disciplinas cujo foco seja o discurso e a linguagem. Para tanto
adotou a posição de Foucault por este aceitar que a prática discursiva exerce influência
sobre a formação do sujeito social. No entanto, a posição da AD francesa acerca do
“assujeitamento” não é totalmente aceita por Fairclough, pois ele considera que as
práticas sociais, além de serem afetadas pelas identidades pré-estabelecidas, afetam
também os sujeitos dentro da interação social.
Em termos da linguagem, é largamente admitido nessas disciplinas que a identidade social da pessoa afetará a forma como ela usa a linguagem, mas há pouca percepção do uso de linguagem – práticas discursivas – afetando ou moldando a identidade social. A subjetividade e a identidade social são questões secundárias nos estudos de linguagem, geralmente não indo além de teorias de expressão e significado expressivo: a identidade (origem social, gênero, classe, atitudes, crenças, e assim por diante) de um(a) falante é expressa nas formas lingüísticas e nos significados que ele(a) escolhe. (Fairclough, 2001: 70)
76
A concepção de subjetividade constitui um dos principais pontos de divergência
entre a Análise de Discurso Crítica e a Análise de Discurso de linha francesa. E essa
diferença fundamental vai justificar a posição dialética entre discurso e subjetividade na
construção da teoria de Fairclough – a Análise de Discurso Textualmente Orientada.
3.2 Compreendendo a Análise de Discurso Textualmente Orientada (ADTO)
Na constituição da ADTO, Fairclough assimila algumas das perspectivas e
percepções veiculadas pelos trabalhos arqueológicos de Foucault. Contudo, observa
que há diferenças essenciais entre elas, como já assinalei em 3.1. A Análise de
Discurso proposta por Foucault “não inclui a análise discursiva e lingüística dos textos”
(Fairclough, 2001: 82). Foucault se concentrou na questão filosófica da análise do
discurso, não contemplando aspectos estritamente lingüísticos. Fairclough procura
suprir essa lacuna. Ele considera necessário atribuir maior atenção à materialidade
lingüística, ou seja, ao texto. No entanto, insiste que valorizar a análise textual não deve
significar um retorno à dimensão puramente lingüística.
Eu não estou sugerindo uma redução da análise do discurso à análise textual ou lingüística. A questão é antes se a análise incluiria instâncias concretas do discurso. Quando elas são incluídas na ADTO, elas seriam sujeitas não apenas às formas lingüísticas de análise textual, mas à análise em três dimensões: análise do texto, análise dos processos discursivos de produção e interpretação textual (incluindo a questão de quais tipos e gêneros de discurso são tomados e como eles são articulados) e análise social do evento discursivo, em termos de suas condições e efeitos sociais em vários níveis. Assim, o que eu defendo é a análise textual em conjunção com outros tipos de análise, e a principal questão é se exemplos específicos (e textos) seriam analisados. (Fairclough, 2001: 82)
A ADTO parte, pois, de uma concepção tridimensional do discurso, pois o vê
como texto, como prática discursiva e como prática social. O quadro a seguir, extraído
de Fairclough (2001: 101), mostra, visualmente, como o autor pensa o encaixamento
das três dimensões do discurso:
77
Fairclough parte da idéia de que os textos, produzidos pelas práticas discursivas
como forma de materialização das práticas sociais, podem indicar processos de
mudança social. E o objetivo principal do autor é fazer da ADTO um quadro teórico
adequado para a pesquisa científica e social e, sobremaneira, para o estudo da
mudança social. (p. 89)
3.2.1 Examinando o discurso como texto
Interpretando, portanto, o texto como dimensão do discurso, Fairclough (2001)
defende a realização de uma análise propriamente dita dos aspectos lingüísticos da
produção discursiva. Seu propósito é tentar mostrar que a mudança social ocorre por
meio das transformações promovidas pelas práticas discursivas. De acordo com o
autor, a “análise textual pode ser organizada em quatro itens: ‘vocabulário’, ‘gramática’,
‘coesão’ e ‘estrutura textual’”. Esses itens são vistos em escala ascendente: o
“vocabulário trata das palavras individuais, a gramática das palavras combinadas em
orações e frases, a coesão trata da ligação entre orações e frases e a estrutura textual
trata das propriedades organizacionais de larga escala dos textos” (p. 103). Há ainda
referência a outros três itens que o autor não usará na análise textual, mas na análise
da prática discursiva. São eles: os atos de fala, a coerência, a intertextualidade.
Fairclough especifica cada um desses itens no transcorrer de sua discussão
teórica. Com relação ao vocabulário, há uma particularidade relevante a ser observada
Prática social
Prática discursiva
Texto
78
na análise de textos: a “lexicalização” e a “relexicalização”. Dessa forma, é possível
verificar a possibilidade de mudança social promovida pelo aspecto vocabular de um
texto. Segundo o autor, ao tratar desse assunto, deve-se levar em consideração que os
“diferentes modos de ‘lexicalizar’ domínios de significado podem envolver sistemas de
classificação ideologicamente diferentes, assim há interesse em como as áreas da
experiência podem vir a ser ‘relexicalizadas’ em princípios classificatórios diferentes”.
(p. 49)
Para exemplificar essa questão, o autor faz referência a um aspecto de
“relexicalização” presenciado pelas novas práticas discursivas da educação da pós-
modernidade, que renomeiam os aprendizes de uma sala de aula como “consumidores”
ou “clientes” e ofertam os cursos sob a terminologia de “pacotes” ou “produtos”. É
possível, ainda, fazer referência às instituições educacionais ou mesmo às promotoras
de cursos de qualificação e atualização, que, em seus folders propagandísticos, em vez
de mencionarem o pagamento de “mensalidades”, empregam o termo “investimento”. E
assim, o discurso educacional passa a ser traduzido pelo modelo do mercado, elegendo
um léxico próprio das relações de compra e venda entre os seres humanos,
substituindo as relações próprias do processo ensino-aprendizagem. Esse processo de
“empacotar” a educação e vendê-la como mercadoria é chamado de “comodificação”.
Segundo Fairclough, o termo foi empregado por Marx, ao notar “os efeitos da
comodificação sobre a língua”, por meio de exemplos como o emprego da palavra
“mãos” para tratar as pessoas e, dessa forma, torná-las mercadorias úteis para produzir
outras mercadorias dentro do contexto industrial. (p. 255).
A comodificação é o processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vêm não obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias. (p. 255)
Assim, sob a égide do capitalismo tardio, a ordem do discurso mercadológico
coloniza todas as demais ordens de discurso, marcando-se, sobremaneira, no léxico
das línguas faladas em todas as esferas de atividades sociais.
79
3.2.2 Examinando o discurso como prática discursiva
Para explicar a concepção de discurso como prática discursiva, Fairclough inicia
apresentando os três aspectos que a envolvem: processos de produção, distribuição e
consumo textual. O autor acrescenta que não se pode conceber a prática discursiva em
oposição à prática social, mas sim que a primeira é um aspecto particular da segunda:
“Prática discursiva” (...) não se opõe a “prática social”: a primeira é uma forma particular da última. Em alguns casos a prática social pode ser inteiramente constituída pela prática discursiva, enquanto em outros pode envolver uma mescla de prática discursiva e não-discursiva. A análise de um discurso particular como exemplo de prática discursiva focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual. Todos esses processos são sociais e exigem referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares nos quais o discurso é gerado. A produção e o consumo são de natureza parcialmente sociocognitiva, já que envolvem processos cognitivos de produção e interpretação textual que são baseados nas estruturas e nas convenções sociais interiorizadas. (Fairclough, 2001: 99)
Os processos de produção, distribuição e consumo textual são variáveis de
acordo com os diferentes tipos de discurso, já que estes são determinados por fatores
sociais. Para a “produção”, há que se considerar o aspecto da individualidade do
produtor. No entanto, o contexto social específico também delimita as escolhas. Com
relação a “distribuição e consumo textual”, vale lembrar que os textos desempenham
sua função sócio-comunicativa de acordo com o seu contexto social de produção. Além
de considerar que tanto o consumo quanto a produção sejam coletivos ou individuais, é
necessário ressaltar a natureza funcional de cada texto, porque há produções que são
registradas, arquivadas e relidas durante uma determinada data – como, por exemplo,
ofícios – e outros perpetuados pela literatura ou pela história – como os poemas de
Homero e os feitos de Alexandre; e há produções transitórias de duração diária, como
certas notícias e e-mails.
Além disso, o suporte de transmissão de cada texto pode ser simples ou
complexo, como um bate-papo, que circula tanto rapidamente por meio da produção
oral entre dois interlocutores, quanto por meio de produção escrita caracterizada por
códigos específicos dentro de uma rede mundial, a internet, cujo número de
80
interlocutores é muitas vezes indeterminado. Nesse último caso, a distribuição do texto,
considerado simplesmente como um bate-papo, é totalmente diferente do primeiro
caso, pois a necessidade de ter acesso e domínio de um aparato tecnológico muda
totalmente as condições de produção e de distribuição textual.
As práticas discursivas seguem determinadas convenções que caracterizam os
tipos de discurso, ou melhor, os gêneros do discurso. Fairclough reconhece que a teoria
bakhtiniana dos gêneros do discurso permite considerar que a prática social não
apenas seja limitada pelas convenções, como também possibilita mudança e
criatividade. Fairclough, num diálogo com Bakhtin, define “gênero como um conjunto de
convenções relativamente estável que é associado com, e parcialmente representa, um
tipo de atividade socialmente aprovado”, e reforça dizendo que um “gênero implica não
somente um tipo particular de texto, mas também processos particulares de produção,
distribuição e consumo de textos”. (p. 161)
A propósito dos gêneros, desviando-me um pouco do percurso traçado por
Fairclough, recorro a Bakhtin (2000) e Maingueneau (2004). Bakhtin afirma que a cada
esfera de atividade humana correspondem certos usos de linguagem. Esses usos, ele
designa como gêneros, propondo uma teoria auxiliar que se ancora no tripé – tema,
composição e estilo:
A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera de atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -, mas também, sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos de gêneros do discurso. (Bakhtin, 2000: 279)
Os gêneros estão presentes no cotidiano das pessoas como um mecanismo de
estruturação econômica de informações. Isso quer dizer que, quando o sujeito escolhe
81
um gênero ou é introduzido automaticamente em uma determinada situação sócio-
discursiva, ele precisa estar imbuído das convenções que regulam o gênero. Tais
convenções se encontram no espaço do já-dito, já-constituído, portanto, não precisam
ser explicitadas pelos atores sociais. Por esse motivo, Maingueneau (2004: 63),
fazendo referência a Bakhtin, afirma que o domínio de um gênero de discurso “constitui
um fator de economia cognitiva”, que é condição da troca verbal:
Aprendemos a moldar nossa fala pelas formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos logo, desde as primeiras palavras, descobrir seu gênero, adivinhar seu volume, a estrutura composicional usada, prever o final, em outras palavras, desde o início somos sensíveis ao todo discursivo (...) Se os gêneros do discurso não existissem e se não tivéssemos o domínio deles e fôssemos obrigados a inventá-los a cada vez no processo da fala, se fôssemos obrigados a construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria impossível. (Bakhtin, 2000: 63)
A escolha de um gênero certamente já está pré-determinada pela função
discursiva. Assim, a materialização de um discurso por meio de um gênero faz parte da
garantia dos sentidos de um texto.
Apesar de a classificação triádica de Bakhtin – tema, estilo, estrutura
composicional – ser considerada necessária para a análise dos gêneros, foi na teoria
de Maingueneau (2004: 66) que encontrei uma caracterização mais detalhada para
compreender melhor os critérios e as condições de êxito para a realização de um
gênero discursivo. Segundo o autor, um gênero de discurso deve ter uma finalidade
reconhecida, ou seja, uma função deve ser cumprida dentro de uma situação sócio-
comunicativa. Além disso, ao se reconhecer um gênero discursivo, estabelece-se o
estatuto de parceiros legítimos, pois já estão pré-determinados os papéis que
desempenharão o enunciador e o co-enunciador. São também aceitos como legítimos
“o lugar e o momento”, englobando os espaços convencionais, a periodicidade, a
duração de encadeamento, a continuidade e a validade. Há ainda o reconhecimento de
que todo gênero discursivo é veiculado por “um suporte material” e, ao ser
materializado, obedece a certa “organização textual”.
Além das cinco características, Maingueneau recorre a outros três elementos: o
“contrato” que se estabelece entre enunciador e co-enunciador; o “papel” dos parceiros
82
diante de uma condição determinada; e o “jogo”, pois requer a obediência a regras pré-
estabelecidas.
Sobre esse último aspecto, Maingueneau ressalta a possível ocorrência da
flexibilização das regras do discurso, diferentemente das que regem um jogo comum.
Como as regras dos gêneros do discurso não são totalmente rígidas, eles podem se
transformar. E admitir a não-estaticidade dos gêneros faz parte também da teoria
bakhtiniana, assinalada na afirmação de que eles constituem “tipos relativamente
estáveis de enunciados”. O modalizador “relativamente” sinaliza a propensão à
mudança como traço inerente aos gêneros discursivos.
Esse potencial criativo dos gêneros ocorre devido às transformações da
sociedade e às mudanças nos contextos de produção. E essa noção de instabilidade do
gênero se relaciona à possibilidade de mudanças nas práticas discursivas dos sujeitos.
Fairclough (2001) afirma que os textos que circulam por meio das práticas
discursivas podem ser transitórios e esquecidos. No entanto, reconhece que há textos
que são transformados em outros textos. Esse processo de dialogar com um texto por
meio da retomada de seus fragmentos, recebe o nome de “intertextualidade”.
Considerada fator de produção de sentido no processo de interpretação de um texto, a
intertextualidade é vista como um dos elementos essenciais dentro do quadro analítico
da ADC. O autor adota esse termo, primeiramente empregado por Kristeva no final dos
anos 60, quando ela apresentou, no ocidente, seus trabalhos sobre a teoria
bakhtiniana. Evidencia-se, desse modo, uma preocupação com o caráter dialógico da
linguagem, que tanto influenciou as teorias posteriores a Bakhtin, em especial a teoria
crítica da análise do discurso.
Para Bakhtin, todos os enunciados, tanto na forma oral quanto na escrita, do mais breve turno numa conversa a um artigo científico ou romance, são demarcados por uma mudança de falante (ou de quem escreve) e são orientados retrospectivamente para enunciados de falantes anteriores (sejam eles turnos, artigos científicos ou romances) e prospectivamente para enunciados antecipados de falantes seguintes. Desse modo, “cada enunciado é um elo na cadeia da comunicação”. (Fairclough, 2001: 134)
83
Para Fairclough, há dois tipos de intertextualidade: manifesta e constitutiva. Em
suas análises, utiliza o termo “intertextualidade” tanto para um tipo quanto para outro,
quando não há necessidade de distinção. Contudo, ele elege o novo termo
“interdiscursividade” para se referir exclusivamente à intertextualidade constitutiva. Vale
lembrar que o conceito de interdiscursividade foi proposto por Maingueneau (1997).
Segundo Maingueneau (1997), “interdiscurso” constitui o espaço em que as
formações discursivas se relacionam e determinam os sentidos constituídos pelo
caráter dialógico do discurso. Em relação a esse espaço, a Análise do Discurso
formulará hipóteses para desvelar os sentidos que não estão explícitos na superfície da
enunciação, porém são reconhecíveis pela heterogeneidade constitutiva do discurso.
Mesmo considerando o espaço onde se produzem os sentidos como heterogêneo, não
se pode deixar de admitir a existência de controles, de coerções impostas pela
formação ideológica a que a formação discursiva se articula. Maingueneau é incisivo
em dizer que uma “formação discursiva” é definida “a partir do seu interdiscurso, e não
o contrário”.
O interdiscurso consiste em um processo de reconfiguração incessante no qual uma formação discursiva é levada (...) a incorporar elementos pré-construídos, produzidos fora dela, com eles provocando sua redefinição e redirecionamento, suscitando, igualmente, o chamamento de seus próprios elementos para organizar sua repetição, mas também provocando, eventualmente, o apagamento, o esquecimento ou mesmo a denegação de determinados elementos. (p. 113).
A imbricação com o interdiscurso é sempre constitutiva da formação discursiva,
podendo ser mostrada ou não. Apropriando-se dos conceitos de “heterogeneidade
mostrada e constitutiva” de Authier-Revuz (1982)10, Maingueneau elege o conceito de
“heterogeneidade mostrada” para referir-se às “manifestações explícitas, recuperáveis a
partir de uma diversidade de fontes de enunciação”, e o conceito de “heterogeneidade
constitutiva”, para referir-se à heterogeneidade que “não seja marcada em superfície,
mas que a AD pode definir”. (Maingueneau, 1997: 75).
10
Authier-Revuz (1990:32) considera que “heterogeneidade constitutiva do discurso e heterogeneidade mostrada no discurso representam duas ordens de realidade diferentes: a dos processos reais de constituição dum discurso e a dos processos não menos reais, de representação, num discurso, de sua constituição”.
84
Maingueneau faz um levantamento das marcas explícitas que definem a
heterogeneidade: a polifonia, a pressuposição, a negação, o discurso relatado, o
emprego das aspas, o metadiscurso do locutor, a parafrasagem, o discurso indireto
livre, a ironia, citação de autoridade, citação de provérbio ou de slogan, imitação e o
uso de pastiche 11.
E, assim, considerando que há sempre uma relação entre os discursos e que
não há formação discursiva monolítica, recorro ao termo “interdiscurso” para me referir
ao caráter implícito e explícito da heterogeneidade inerente aos discursos.
Entre os termos interdiscursividade e intertextualidade, Fairclough opta pelo
último. Para ele, esse fator de produção de sentido constitui uma das maiores
preocupações de sua teoria, porque está em consonância com a proposta da ADTO,
uma análise de discurso centrada nos textos:
Intertextualidade é basicamente a propriedade que tem os textos de ser cheios de fragmentos de outros textos, que podem ser delimitados explicitamente ou mesclados e que o texto pode assimilar, contradizer, ecoar ironicamente, e assim por diante. (Fairclough, 2001: 114).
Ao se realizar o processo de retomada de textos historicamente constituídos,
pode ocorrer a reatualização de convenções preestabelecidas de forma normativa ou
também de forma criativa. Dependendo da fonte intertextual de interpretação, pode-se
dizer que o locutor fez suas escolhas conforme a sua aceitação ou não-aceitação do
que foi dito e, portanto, pode haver mudanças.
As marcas textuais evidenciadas por Fairclough no processo de reconhecimento
da intertextualidade manifesta são: 1. as pressuposições, ou seja, aquilo que está
implícito sob a superfície do que está posto; 2. a negação, considerada um tipo
particular de pressuposição, pois no espaço do que está sendo negado há a
incorporação de outro texto; 3. o metadiscurso, concebido como uma forma de
distanciamento do que está sendo dito por parte do locutor e isso pode ocorrer por meio
da metáfora ou mesmo da paráfrase; 4. a ironia, pois, ao dizer algo com o intuito de
passar um sentido contrário ao que está sendo enunciado, é perceptível a presença de
um outro enunciado.
11
Maingueneau (1997) explicita detalhadamente cada uma dessas marcas da heterogeneidade.
85
Contudo, para se referir à intertextualidade constitutiva, o autor emprega o termo
“interdiscursividade”, no intuito de estender a “intertextualidade em direção ao princípio
da primazia da ordem de discurso” (p. 114).
(...) o princípio da interdiscursividade se aplica a vários níveis: a ordem de discurso societária, a ordem de discurso institucional, o tipo de discurso, e mesmo os elementos que constituem os tipos de discurso. Além disso, a adoção de um modelo hegemônico aponta para a mesma direção, levando a uma visão das ordens de discurso como equilíbrio instável, consistindo de elementos que são internamente heterogêneos – ou intertextuais em sua constituição. Os limites entre os elementos estão constantemente abertos para serem redesenhados à medida que as ordens de discurso são desarticuladas e rearticuladas no curso da luta hegemônica. (p. 159)
Finalmente, Fairclough propõe que a análise da prática discursiva reúna a
“microanálise” e a “macroanálise”. A primeira é comumente usada pela análise da
conversação e indica o processo de explicação da produção e da interpretação dos
textos “com base nos recursos dos membros12”. A segunda procura conhecer “a
natureza dos recursos dos membros, como também das ordens de discurso”. Para o
autor, portanto, a macroanálise refere-se à dimensão do discurso como prática social, e
a microanálise está intimamente ligada à dimensão do discurso como prática discursiva.
Ambas as análises estão inter-relacionadas, pois a prática social é responsável por
determinar “os macroprocessos da prática discursiva e são os microprocessos que
moldam o texto”. (p. 115)
3.2.3 Examinando o discurso como prática social
Para explicar a terceira dimensão do discurso, ou seja, o discurso como prática
social, Fairclough discute os conceitos de “ideologia” e “hegemonia”. Recorre às
contribuições do marxismo nas leituras de Althusser e Gramsci, por considerar que a
teoria de ambos é rica para a análise de discurso como prática social:
12
Pela Análise da Conversação, “recursos dos membros” são os elementos do contexto imediato: os interlocutores – o eu e o tu; o aqui e o agora (espaço/tempo).
86
Discutirei o conceito de discurso em relação à ideologia e ao poder e situarei o discurso em uma concepção de poder como hegemonia e em uma concepção da evolução das relações de poder como luta hegemônica. (Fairclough, 2001:116)
O filósofo marxista Althusser é responsável pelo desenvolvimento de uma teoria
das ideologias que constitui uma das bases da Análise de Discurso Francesa. Althusser
(1985) discute algumas teses que dão norte à sua concepção de “ideologia”.
Primeiramente, ele afirma que a “Ideologia não tem história” (p. 82). O que significa
dizer que “a ideologia não tem história”? Significa dizer que, ao se estruturar e
funcionar, a ideologia se apresenta como omnihistórica, como imutável, como eterna,
como o sempre-já-assim que apaga a historicidade da estratificação social. (p. 84). Na
segunda tese, Althusser afirma que a “ideologia é uma representação da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” (p. 85). Já na
terceira tese, o filósofo admite que “uma ideologia existe sempre em um aparelho e em
sua prática ou práticas” e que “esta existência é material” (p. 89).
Althusser ainda relaciona a ideologia ao “inconsciente pelo viés da interpelação
dos indivíduos em sujeitos” (Charaudeau, 2004: 267). Como o próprio Althusser
enuncia: “toda ideologia interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concretos,
através do funcionamento da categoria de sujeito”. Isso indica que “só há ideologia pelo
sujeito e para os sujeitos”. (Althusser, 1985: 96).
Entretanto, em sua concepção de “sujeito”, Althusser nega a afirmação do senso
comum que diz serem os sujeitos “livres” e “constituintes” na história. Segundo ele, os
agentes da história só podem ser admitidos como tais se forem vistos, antes de tudo,
como sujeitos.
Todo indivíduo humano, isto é, social, só pode ser agente de uma prática se se revestir da “forma sujeito”. A “forma-sujeito”, de fato, é a forma de existência histórica de qualquer indivíduo, agente das práticas sociais: pois as relações sociais de produção e de reprodução compreendem, necessariamente, como parte “integrante”, aquilo que Lênin chama de “relações sociais jurídico-ideológicas”, as quais, para funcionar, impõem a todo indivíduo-agente a forma de “sujeito”. Os indivíduos-agentes, portanto, agem sempre na forma de sujeitos, enquanto sujeitos. Mas o fato de que sejam necessariamente sujeitos não faz dos agentes das práticas sociais-históricas “o” nem “os” sujeito(s) da história (...). Os agentes-sujeitos só são ativos “na” história
87
sob a determinação das relações de produção e de reprodução, e em suas formas. (Althusser, 1978: 67)
Aproveitando as bases teóricas provenientes dos trabalhos sobre ideologia,
principalmente os de Althusser, Fairclough concebe “ideologias” como “representações
de aspectos do mundo que podem ser revelados para contribuir no estabelecimento,
manutenção e mudança social nas relações de poder, dominação e exploração” 13.
(Fairclough: 2003: 09).
Em sua proposta de Análise de Discurso, Fairclough, reafirma a teoria de
Althusser, retomando e reescrevendo os seguintes postulados: 1º - o discurso é uma
forma de existência material da ideologia e é por intermédio das práticas discursivas
que as ideologias são passíveis de investigação; 2º - a ideologia interpela os indivíduos
em sujeitos; 3º. Os aparelhos ideológicos de estado (AIEs) são instâncias da luta de
classes e, conseqüentemente, da luta no discurso.
Apesar de ser influenciado por Althusser, Fairclough não concorda com a visão
de ideologia como cimento social universal, aceitando apenas o aspecto de reprodução
de uma ideologia dominante. Fairclough admite que a ideologia signifique a realidade e
que seja construída por meio das práticas discursivas no processo de reprodução e
transformação das relações de poder. Entretanto, considera que esse aspecto do
engessamento das ideologias não deve ser muito ressaltado, porque é possível haver
transformação por meio da luta ideológica veiculada pelas práticas discursivas,
resultando numa possível remodelagem das relações de dominação. (Fairclough, 2001:
117).
Fairclough não discorda que as coerções ideológicas que permeiam as práticas
sociais sejam majoritariamente inconscientes, contudo, não imagina os sujeitos como
dopados ideológicos sem chance de tomar consciência do processo de dominação.
Contrário à posição de Althusser, considera que os sujeitos podem agir de forma
autônoma, assumindo uma postura crítica e oposta às práticas ideológicas. Assim,
defende uma posição dialética entre “o sujeito efeito ideológico” e “o sujeito agente”,
13
Texto original: Ideologies are representations of aspects of the world which can be shown to contribute to establishing, maintaining and changing social relations of power, domination and exploitation. (Fairclough, 2003: 09). (Trad. Sueli Correia Lemes Valezi)
88
entre heteronomia e autonomia. Aposta que o sujeito não só estrutura as suas práticas
de modo engessado, mas também aja de forma criativa diante delas. (p. 121).
Fairclough vê o conceito de “hegemonia” de Gramsci como muito apropriado à
sua concepção de discurso. O conceito de hegemonia incita-o a pensar em “um modo
de teorização da mudança em relação à evolução das relações de poder que permite
um foco particular sobre a mudança discursiva, mas ao mesmo tempo um modo de
considerá-la em termos de sua contribuição aos processos mais amplos de mudança e
de seu amoldamento por tais processos”. (p. 122).
Gramsci lança mão do conceito de hegemonia, primeiro para designar o sistema
de alianças que a classe operária precisa organizar para destituir o Estado burguês e
funcionar como “base social do Estado dos trabalhadores”. Posteriormente, ele usa o
termo para designar “o modo pelo qual a burguesia estabelece e mantém sua
dominação”. Para tanto, a classe dominante mantém seu poder por meio de uma
organização de força, como também por meio de liderança moral e intelectual,
aceitando concessões limitadas pelo grupo social. Gramsci afirma, ainda, que a classe
hegemônica é verdadeiramente política, porque ultrapassa os seus interesses
particulares imediatos para representar o avanço universal da sociedade. De acordo
com Gramsci, uma hegemonia só será totalmente desenvolvida se houver
consentimento ativo em função da coletividade do grupo. Para ele, a hegemonia “não
se reduz à legitimação, falsa consciência, ou instrumentalização da massa da
população”, pois pode usar elementos de sua visão de mundo em contraposição à
ideologia dominante. (Bottomore, 1988). Na concepção de Gramsci, o estabelecimento
de alianças entre as esferas sociais é um sinal de instabilidade hegemônica.
Nas condições modernas, (...) uma classe mantém seu domínio não simplesmente através de uma organização específica da força, mas por ser capaz de ir além de seus interesses corporativos estreitos, exercendo uma liderança moral e intelectual e fazendo concessões, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados num bloco social de forças (...). (Bottomore, 1988: 177)
Fairclough vê o diálogo com Gramsci como promissor por este admitir a
existência de um “complexo ideológico” no espaço da ideologia. Por haver, então,
“formações conflitantes sobrepostas ou cruzadas”, a ADC considera a possibilidade de
89
esses “complexos ideológicos” serem “estruturados e reestruturados, articulados e
rearticulados”, formando, assim, o conceito de “luta hegemônica em termos de
articulação, desarticulação e rearticulação de elementos”. Enfim, o conceito de
hegemonia mais do que o de ideologia focaliza a luta incessante para a manutenção do
poder, quer dizer as classes sociais não preexistem à luta, elas só existem na/pela luta.
O conflito e, portanto, a mudança é uma força que não dá trégua àqueles que detêm o
poder. O fantasma do Outro precisa ser diuturnamente afastado. (Fairclough, 2001:
123).
O conceito de hegemonia nos auxilia nessa tarefa, fornecendo para o discurso tanto uma matriz – uma forma de analisar a prática social à qual pertence o discurso em termos de relações de poder, isto é, se essas relações de poder reproduzem, reestruturam ou desafiam as hegemonias existentes – como um modelo – uma forma de analisar a própria prática discursiva como um modo de luta hegemônica, que reproduz, reestrutura ou desafia as ordens do discurso existentes. Isso fortalece o conceito de investimento político das práticas discursivas e, já que as hegemonias têm dimensões ideológicas, é uma forma de avaliar o investimento ideológico das práticas discursivas. A hegemonia também tem a virtude notável no presente contexto de facilitar o estabelecimento de um foco sobre a mudança. (...) (p. 126)
Fairclough acredita que a luta hegemônica é o móvel da mudança social e
cultural. As transformações são possíveis, porque “o poder de uma classe ou grupo (...)
não é permanente, mas instável”, segundo Leal (2005: 78). A autora explicita ainda que
“a hegemonia entende as relações de dominação baseadas no consentimento e não na
coerção e implica a naturalização e a construção do senso comum”. Na luta pela
“construção, rompimento ou manutenção do poder”, as relações sociais são travadas
por meio de alianças materializadas na e pela linguagem. Por isso, Fairclough propõe
uma Análise de Discurso Textualmente Orientada das práticas discursivas,
considerando que as mudanças sociais possam se inscrever nos textos. Admitindo,
portanto, que as práticas sociais registram constantes lutas hegemônicas e que elas
podem ser descritas e interpretadas, propus-me a perscrutar um embate histórico entre
dois grupos de professores sob a égide de uma mesma ordem de discurso: os
professores da área de humanas – Língua Portuguesa – e os professores da área
técnica.
90
3.3 Entendendo a mudança discursiva como mudança social.
O foco da ADC é analisar a mudança discursiva em relação à mudança social e
cultural. De acordo com Fairclough, as mudanças ocorrem por meio de motivações
geradas pela problematização que os produtores do discurso fazem ao se depararem
com as convenções sociais. Diante de um dilema, os sujeitos podem inovar ou até
mesmo criar possibilidades de ações que possam promover formas diferentes de
adequação às convenções e, assim, contribuir para a mudança no evento discursivo.
Fairclough desenvolve sua teoria com base na ADTO, elegendo o termo
intertextualidade para se referir à historicidade inerente à produção e interpretação
textual. Esse caráter retrospectivo dos textos é privilegiado pelo autor, pois, ao se reunir
“convenções existentes em novas combinações”, é possível haver criatividade e,
conseqüentemente mudanças. (Fairclough, 2001: 127). Entretanto, a reprodução
inventiva de enunciados já-ditos é restringida e condicionada pelas relações de poder,
por isso o autor considera importante vincular intertextualidade com hegemonia:
A combinação da teoria da hegemonia (...) com a intertextualidade é produtiva. Não só se pode mapear as possibilidades e as limitações para os processos intertextuais dentro de hegemonias particulares e estados de luta hegemônica, mas também conceituar processos intertextuais e processos de contestação e reestruturação de ordens de discurso como processos de luta hegemônica na esfera do discurso, que têm efeitos sobre a luta hegemônica, assim como são afetados por ela no sentido mais amplo. (p. 135)
Inicialmente Fairclough propõe fazer um estudo crítico partindo da dimensão
textual do discurso, reconhecido como “descrição”. Para tanto é necessário examinar o
vocabulário, a gramática, a coesão, a estrutura textual, incluindo o gênero discursivo, a
ordem do discurso e a tomada de turno. Esses elementos constituem as marcas
textuais que levarão à análise da reprodução de formas pré-estabelecidas ou da
remodelagem criativa dessas formas.
A mudança deixa traços nos textos na forma de co-ocorrência de elementos contraditórios ou inconsistentes – mesclas de estilos formais e informais, vocabulários técnicos e não-técnicos, marcadores de autoridade e familiaridade, formas sintáticas mais tipicamente escritas e mais tipicamente faladas, e assim por diante. (p. 128)
91
O levantamento dessas marcas textuais, que indicam mudanças nas práticas
discursivas, permitirá ao analista perscrutar possíveis transformações nas ordens de
discurso e, conseqüentemente, fomentar o reconhecimento de novas hegemonias
discursivas.
À medida que os produtores e os intérpretes combinam convenções discursivas, códigos e elementos de maneira nova em eventos discursivos inovadores estão, sem dúvida, produzindo cumulativamente mudanças estruturais nas ordens de discurso: estão desarticulando novas ordens de discurso, novas hegemonias discursivas. Tais mudanças estruturais podem afetar apenas a ordem de discurso ‘local’ de uma instituição, ou podem transcender as instituições e afetar a ordem de discurso societária. (p. 128)
Como exemplo de mudança na ordem discursiva societária, recorro às novas
práticas discursivas a respeito do ensino de língua portuguesa. A demanda pela
aprendizagem da norma padrão da língua materna, resultante das exigências do
mercado de trabalho e de concursos públicos, tem promovido uma corrida pela criação
de cursos de língua portuguesa moldados em “pacotes”, cujo objetivo é atender a essa
“clientela” específica. Com o surgimento de escolas direcionadas à preparação para
concursos públicos, os centros de idiomas, para ampliar a oferta de seus “produtos”,
estão propagandeando cursos de “português para brasileiros”.
Para se fazer uma “investigação da mudança discursiva”, Fairclough considera
necessário alternar as análises tanto no que se refere ao evento discursivo quanto no
que se refere às mudanças estruturais. Essa segunda etapa de estudo é denominada
“interpretação” e é formada por dois níveis:
O primeiro procura dar um sentido aos traços da construção textual vendo-os como elementos da prática discursiva e como “traços” do processo de produção e “pistas” do processo de interpretação do texto. O outro nível de interpretação tem por objetivo apresentar o discurso como parte de um processo social. Neste nível, examina-se que relações de poder contribuem para moldar o discurso, que elementos da bagagem cultural do falante têm características ideológicas e como o discurso está posicionado quanto às relações de poder, sustentando-as ou transformando-as. (Leal, 2003: 143)
92
Dessa forma, a Análise de Discurso Crítica operacionaliza-se como ADTO, já
que para o autor as mudanças sócio-culturais se concretizam por meio das estruturas
lingüísticas e suas possíveis combinações dentro do co-texto, de acordo com as
inovações promovidas pelos sujeitos do discurso.
Portanto, não se pode negar que os sujeitos sejam moldados por posições
sociais previamente estabelecidas por convenções. Entretanto, Fairclough afirma que,
mesmo os sujeitos sendo moldados, eles podem atuar como agentes sociais de
maneira criativa.
3.4 Definindo os procedimentos de análise dos enunciados
Diante do volumoso acervo de textos coletados por meio da observação
participante, das entrevistas e da pesquisa documental, procedi a um recorte, orientada
pela emergência de alguns subtemas que convergem em torno do conflito de vozes
entre a área de humanas e a área técnica. Entre os subtemas, destacam-se o ensino
por competências, a concepção instrumental de língua e o novo paradigma do ensino
de língua portuguesa, destrinçados em subitens do Capítulo IV.
Focalizei, sobremaneira, os textos resultantes das entrevistas, por julgá-los mais
reveladores. Todavia, não desconsiderei os textos da pesquisa documental, pois eles
foram essenciais tanto para a construção do cenário da pesquisa (Capítulo I), quanto
para a compreensão de dados sobre a instituição e sobre as transformações por que
passou a educação profissional no Brasil, referenciadas pelos sujeitos. Além disso, por
meio das resoluções, pude confirmar quais são as coerções legais provenientes dos
órgãos oficiais que regulamentam a educação profissionalizante no país.
Na análise lingüística orientei-me pelos critérios relacionados à concepção de
intertextualidade manifesta, proposta por Fairclough (2001), como representação do
discurso, pressuposição, negação, metadiscurso e interdiscursividade. E recorria a
esses critérios conforme eram necessários para o desvelamento dos sentidos dos
enunciados.
93
Na análise das relações sociais entre sujeito-entrevistado e sujeito-pesquisador e
na construção das identidades sociais foram utilizadas categorias como: polidez,
modalidade e ethos, identificadas como constitutivas da função interpessoal proposta
por Halliday (1978) e dividida por Faiclough (2001) em função relacional e identitária.
Na análise da modalidade procurei explicitar algumas marcas lingüísticas que revelam
atitudes do sujeito diante daquilo que está enunciando, segundo Koch (2002).
Se, num primeiro nível de análise, os elementos intratextuais ganham relevo,
num segundo, busco apreender a trama interdiscursiva que ressoa nos enunciados
presentes. Essa trama interdiscursiva é articulada, num terceiro nível de análise, ao
complexo das formações sócio-histórico-ideológicos em seu jogo contraditório.
Capítulo IV
A ESCUTA DAS VOZES: DIÁLOGO & DUELO
A opção por ancorar a análise da massa de textos reunida pela pesquisa na
Análise de Discurso Crítica deve-se ao fato de essa disciplina ter, como propósito, a
construção de interpretações. Além disso, a ADC rejeita a idéia de que atribuir sentidos
aos textos seja uma ação neutra e unidimensional. Desse modo, as interpretações
construídas por intermédio dos textos que recolhi não devem ser consideradas como
definitivas e únicas, uma vez influenciadas pelas formações discursivas que me
interpelam em minha atividade enunciativa. Como pesquisadora, sou participante da
prática social com os sujeitos e, conseqüentemente, estou envolvida na produção dos
discursos. As técnicas usadas na coleta de dados – entrevistas semi-estruturadas e
observação participante – enredam pesquisador e pesquisados numa interação que
certamente modifica a perspectiva de um e de outros.
Como diz Fairclough (2001: 246), “o analista de discurso não está acima da
prática social que analisa”, está envolvido nela, contribuindo para a sua realização e ao
mesmo tempo sendo influenciado por ela. O autor tece, ainda, considerações
relevantes sobre a atividade de analisar discursos. Afirma que esse tipo de análise
produzirá novos textos, os quais terão uma distribuição social diferente, já que
constituem outros textos. Além disso, “o discurso da análise como qualquer outro
discurso”, resultante também de uma prática social, relaciona-se de maneira dialética
com uma dada ordem de discurso. Isso quer dizer que o discurso se posiciona “em
relação a lutas hegemônicas” e está “aberto para ser investido ideológica e
politicamente” (p. 246).
Sabendo que apenas uma parte do dizível é acessível, propus-me a perscrutar o
espaço do dito e do não-dito nas práticas discursivas dos sujeitos, as quais se
materializam na forma de textos. De acordo com Fairclough (2001: 282), a análise do
discurso deve seguir uma progressão que envolva a micro e a macroanálise. O analista
95
de discurso deve, inicialmente, na análise das práticas discursivas, focalizar a
intertextualidade e a interdiscursividade. Em seguida, deve proceder à análise dos
textos como discurso para, finalmente, proceder à análise do discurso como prática
social. Essa seqüência não é seguida mecanicamente, pois o analista tende a circular
da interpretação da prática discursiva para a descrição do texto e voltar à interpretação.
Além disso, ambas as fases – descrição e interpretação – serão realizadas “à luz da
prática social em que se situa o discurso”. (p.82)
Adoto, pois, essa abordagem tridimensional em que a análise textual se remete
para a prática discursiva e essa para a prática social. A ADC atribui um caráter
descritivo ao procedimento utilizado para a análise textual e um caráter interpretativo às
partes que tratam da análise da prática discursiva e da prática social.
Os sujeitos, como atores de uma prática social circunscritos a uma determinada
situação sócio-histórica, são interpelados por uma ou várias formações discursivas no
espaço do interdiscurso. As coerções existentes nas formações discursivas permeiam a
prática discursiva, definindo o sujeito e suas relações sociais. O processo de descrição
dos textos e de interpretação das práticas discursivas dos sujeitos desta pesquisa
permitirá delinear as possíveis formações discursivas que estão engendrando a
produção dos discursos.
Apoiando-me em Maingueneau (1997), destaco as coerções institucionais que,
fantasmaticamente, presidem a atividade enunciativa dos sujeitos, fazendo aflorar
conflitos históricos cristalizados. Os sujeitos são levados a silenciar certas posições,
temendo dizer algo que não deva ser dito. Esse “controle” do dizer indicia-se no
conjunto de enunciados abaixo em que Marta manifesta, através de expressões
interjetivas, seu temor em ser “sincera”. Como se sabe falando num espaço enunciativo
conflituoso, antes de expressar sua posição, busca assegurar-se de que o pesquisador
(também seu colega de trabalho) será seu cúmplice. As perguntas de Marta “Ai, ai, ai, e
agora posso falar?”, “Menina, isso não vai comprometer?” funcionam como um pedido
de confirmação da cumplicidade por ela atribuída ao pesquisador.
P: OK. Bom, na sua experiência na instituição o que você observou de mudança na composição dos cursos modulares? Se você for comparar o integrado, pós – médio e o modular? (risos)
96
Marta: Ai, ai, ai, e agora posso falar? P: Pode falar! Marta: Menina, isso não vai comprometer? P: Não. Mas é a sua percepção diante da... se houve mudança ou se continua a mesma coisa. Marta: Bom, eu percebi assim: pra minha, naquilo que eu trabalhei ficou isolado do mesmo jeito. (Entrevista, 29/10/2004)
No espaço enunciativo coberto por minha pesquisa, há um conflito de discursos
acerca da vocação do ensino médio: ser propedêutico ou ser técnico-profissionalizante.
Professores de Língua Portuguesa, a exemplo de Marta, geralmente filiam-se ao
discurso que diz ser a vocação da instituição a formação geral e propedêutica,
defendendo que a formação profissional deve ocorrer na universidade. Já os
professores das áreas técnicas enunciam, interpelados pelo discurso que diz ser a
vocação dos CEFETs a qualificação técnico-profissionalizante, a preparação para o
ingresso imediato no mundo do trabalho. No excerto a seguir, tal conflito é indiciado na
fala de Antônio, um professor da área técnica que insiste em evocar de sua memória
discursiva, construída pela experiência como aluno e depois como professor, a
“essência” do CEFETMT. Esse sentido é enunciado por meio de uma questão que o
próprio professor formula e responde incisivamente em seguida: “Qual é a essência
dessa escola? Cursos técnicos, cursos tecnológicos”. É feita ainda uma crítica aos
professores do ensino médio por estes conceberem o ensino propedêutico como a
essência da instituição. A existência de um conflito entre os professores de ambas as
áreas está posto de forma acentuada, pois é triplamente enunciado. Além disso, o
caráter histórico desse conflito é produzido pelo advérbio temporal “sempre” em
“sempre existiu” e pela locução verbal “vai existir”, indiciando, explicitamente, a crença
de que o conflito terá sua permanência garantida na instituição.
Nós somos uma Escola Técnica Federal de Mato Grosso, Centro Federal de Educação Tecnológica. Qual que é a essência dessa escola? Cursos técnicos, cursos tecnológicos.(...) alguns colegas do ensino médio às vezes entendem o contrário, acham que o ensino médio é que é... Não é, a essência da escola é técnica. Mas (esse conflito) sempre existiu, vai existir. Sempre existiu, sempre existiu. Eu estou aqui desde
97
1974 como professor, desde 1966 como aluno, eu estudei aqui, fui aluno daqui. (Entrevista - Antônio, 28/02/2000).
Indícios da existência do conflito entre a área técnica e a propedêutica também
emergem na voz do professor César, no momento em que revela as dificuldades de se
conseguir um professor para trabalhar com as habilidades que envolvem o ensino de
Língua Portuguesa. No enunciado a seguir, César expõe uma de suas ações na
tentativa de protelar o problema da falta de professor de português no curso: “fecho a
turma pra eles inapto em todo mundo”. Nesse momento, o professor sucumbe às
coerções administrativas e pedagógicas da instituição, como tempo limite de duração
do curso e carga horária a ser cumprida. Se num determinado módulo já foram dadas
quase todas as habilidades, é preciso permitir a progressão do curso. Para ingressar
em um novo módulo, o aluno necessita renovar a matrícula; no entanto, o sistema de
registro acadêmico da escola não aceita a rematrícula se a planilha de avaliação dos
alunos não for preenchida com os conceitos de apto ou inapto para todas as
habilidades. Para resolver essa questão, o professor decide, então, atribuir o conceito
de “inapto” para as habilidades de leitura, interpretação e produção de texto, mesmo
que elas não tenham sido ministradas. A ânsia de César por arrumar um professor de
português é indiciada pelo verbo “agarrar” em “quando aparece o professor eu agarro o
professor...”, demonstrando a necessidade urgente de resolver o problema do curso
quanto ao fechamento das habilidades. Na voz do professor César, o embate entre as
áreas e o seu conseqüente distanciamento é posto no momento em que ele relata a
não disponibilidade de professores de português para atender o curso técnico em que
trabalha.
Professora, não estou conseguindo nem professor de Língua Portuguesa. pra dar aula. Estou com 3 turmas atrasadas. (...) Já tão quase formando e não tiveram Português que teria que ser dado no 1º. Módulo. (...) É. Eles tão todos inaptos naquela habilidade, porque tem de fechar a habilidade senão não sai a matrícula para o próximo módulo. (...) Eu fecho a turma pra eles inapto em todo mundo. (...) Senão o sistema não fecha a turma. (...) Aí, quando aparece o professor eu agarro o professor e aí eu dou a turma e faz alteração de nota. (Entrevista – César, 30/11/2004)
98
Os vários discursos que circulam no espaço enunciativo por mim estudado foram
se engendrando historicamente, desde a experiência vivida nos cursos de graduação e
pós-graduação pelos professores de português (professores da área de humanas) e
pelos professores das áreas técnicas até a experiência profissional no campo da
educação não apenas no CEFETMT, mas também em outras instituições de ensino.
Como a dicotomização do ensino na instituição foi construída a partir do
momento em que o MEC e a administração da escola instituíram o ensino médio,
separado do ensino técnico, era de se esperar uma relação conflituosa entre os dois
grupos. De um lado, tem-se a área de humanas, o curso de Letras e, de outro, a área
tecnológica da Engenharia Elétrica, Eletrônica e Civil e a área de serviços como
Turismo e Secretariado. As práticas educacionais de cada grupo contribuem ainda mais
para reforçar as diferentes concepções acerca do ensino de Língua Portuguesa.
Por considerar a existência desses grupos que se enredam em batalhas
ideológicas a respeito da principal função do CEFETMT, optei por organizar a análise
em duas seções. Na primeira seção, faço a análise do discurso do grupo de
professores da área técnica com base na questão que o focaliza e em dois temas
primordiais que emergiram da análise dos enunciados: o ensino por competências e a
concepção instrumental de língua. Na segunda, faço análise do discurso do grupo de
professores de Língua Portuguesa, direcionando-me também pela pergunta de
pesquisa que o focaliza, desmembrada em três núcleos temáticos: o ensino por
competências, a concepção instrumental de língua e o novo paradigma de ensino de
língua.
4.1 Vozes ouvidas na fala de professores da área técnica
Nesta seção, procuro responder a questão relativa ao grupo de professores da
área técnica, buscando apreender os sentidos que atribuem ao trabalho com a Língua
Portuguesa nos cursos técnicos:
99
• Como professores da área técnica significam o ensino de língua nos
cursos de Construções Prediais, Telecomunicações e Hotelaria? Que
vozes prevalecem entre os professores da área técnica ao elaborarem o
plano de curso das habilidades que envolvem o ensino de Língua
Portuguesa?
Uma leitura aproximativa do conjunto de textos produzidos pelos professores da
área técnica trouxe à tona algumas temáticas relevantes para o tratamento desta
questão. Duas delas se impuseram: a relação com o ensino por competências e
habilidades e a relação com o português instrumental para as áreas técnicas.
4.1.1 Os professores da área técnica e o ensino modular por competências
O CEFETMT, como instituição federal que, desde sua fundação atendeu à
demanda da população por qualificação profissional, construiu uma história moldada
pelas leis que regulamentam a educação profissional no país. Em sua mais nova
reformulação, consubstanciada pelo Decreto n° 2.208, de 17 de abril de 1997, que
regulamenta o § 2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei 9.394/96, o ensino técnico
deve ser organizado separadamente do ensino médio propedêutico. Tal proposta de
separação não alterou os ânimos dos professores tanto quanto a publicação das
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico em 2000.
De acordo com elas, os cursos técnicos devem se organizar por competências e não
mais por conteúdos; os currículos não devem ser mais vistos como um “conjunto
regulamentado de disciplinas”, e sim como um “conjunto integrado e articulado de
situações-meio, pedagogicamente concebidas e organizadas para promover
aprendizagens profissionais significativas”. Em termos textuais, uma das mudanças
anunciadas promete a substituição do propósito de “cumprimento do currículo”, pela
“geração das Competências Profissionais Gerais”. (Referenciais Curriculares, 2000:11).
De acordo com as Diretrizes, a “nova educação profissional desloca o foco do
trabalho educacional do ensinar para o aprender, do que vai ser ensinado para o que é
100
preciso aprender” (Referenciais Curriculares, 2000: 10). Para tanto, os currículos do
ensino técnico, cujo foco eram os conteúdos, são substituídos pelos currículos por
competências a serem construídas pelo sujeito-aprendiz. Assim, os conteúdos, antes
considerados o núcleo do trabalho educacional, passam a ser “insumos ou suportes de
competências”. (p. 10).
O artigo 6º, da Resolução CNE/CEB n° 04/99, define competência profissional
como “a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e
habilidades necessários para o desenvolvimento eficiente e eficaz de atividades
requeridas pela natureza do trabalho”. O parágrafo único desse artigo, encarrega-se de
desdobrar os três tipos de “competências requeridas pela educação profissional: I –
competências básicas, constituídas no ensino fundamental e médio; II – competências
profissionais gerais, comuns aos técnicos de cada área; III – competências profissionais
específicas de cada qualificação ou habilitação”. (Referenciais Curriculares, 2000: 108).
Para a aquisição das competências, consideradas ações e operações mentais,
são articulados os conhecimentos (o saber) em conjunto com as habilidades (o saber-
fazer) e as atitudes (o saber-ser). Isso envolve a operacionalização de informações por
meio de ações elaboradas cognitivamente e socioafetivamente, construídas com base
em “referenciais estéticos, políticos e éticos”. (p.10).
Diante das coerções legais institucionalizadas pelos Referenciais Curriculares da
Educação Profissional, a instituição, sob pena de não ver seus cursos reconhecidos
pelo MEC, reformula os currículos. Assim, todos os cursos técnicos da instituição,
objetivando formação profissional, têm suas grades curriculares organizadas em
habilidades e competências que atendam às especificidades técnicas de áreas como
Serviços, Engenharia e Eletro-eletrônica. A formação dos técnicos compreende, além
das habilidades específicas da área profissional, habilidades de um núcleo comum
visando à superação de lacunas de aprendizagem deixadas no período de formação do
ensino básico. Para ministrar as habilidades da formação geral, são requisitados os
professores lotados na Gerência de Ensino Médio. As habilidades relativas à Língua
Portuguesa fazem parte desse núcleo de formação geral.
Tais mudanças nos currículos, em nível da letra, perfilam uma revolução nas
práticas pedagógicas e discursivas dos professores. O conflito histórico existente entre
101
o grupo de professores do ensino propedêutico, em especial o grupo de professores de
Língua Portuguesa, e o grupo de professores do ensino técnico é potencializado por
essas mudanças que separam radicalmente a formação geral e a formação técnica.
A necessidade de alterar a prática pedagógica para adaptar-se ao novo regime
modular é maior entre o grupo de professores da área técnica, pois, como todos os
cursos técnicos adotaram essa mudança, o professor só poderá dar continuidade às
suas práticas pedagógicas se se adequar a esse novo regime. A resistência à mudança
pode acarretar uma redução de sua área de atuação profissional.
As práticas discursivas dos professores da área técnica, resultantes de uma
formação acadêmica e profissional tecnicista voltada para o mundo do trabalho,
evidenciam concepções mais marcadas pelas coerções legais referentes ao ensino
modular por competências. Entretanto, os enunciados produzidos sinalizam uma luta
hegemônica, pois há vozes que reconhecem a existência, mesmo que
esporadicamente, de um trabalho integrado entre as habilidades e voltado para o
desenvolvimento de competências; e há vozes que indiciam a resistência à mudança,
sinalizando a inexistência de uma prática pedagógica efetivamente articulada para
atingir esse alvo.
No excerto a seguir, o professor César, ao ser argüido sobre as alterações
ocorridas após a implantação do regime modular, introduz sua crítica por meio do verbo
modal “acho”, evidenciando, assim, o caráter subjetivo de sua avaliação, ao afirmar que
o “modular” foi “o grande problema”. O emprego do artigo especificador “o” e do adjetivo
“grande” ressalta o caráter de centralidade e intensidade do substantivo “problema”. Em
seguida, ecoa uma avaliação generalizada sobre a inexperiência dos professores diante
do novo regime de ensino, sinalizada pelo pronome indefinido “ninguém”, que redunda
em duas seqüências enunciativas “ninguém sabia o que era modular” e “ninguém sabia
como o modular funcionava”. Um reforço a esse sentido aparece duplamente sinalizado
pelo advérbio “não” em “não sabia não”. No enunciado seguinte, o professor retoma a
sua avaliação crítica, a fim de dizer que o desconhecimento do regime modular não foi
ainda superado e isso está explícito pela alteração do verbo “saber”, antes empregado
no tempo “pretérito imperfeito” (sabia) e, depois, no tempo “presente” (sabe). Quando o
professor usa o pronome “nós”, atribuindo um sentido de coletividade à sua voz, ele
102
substitui o verbo “sabia/sabe”, pelo verbo “teria”, de sentido mais imperativo, com o
intuito de afirmar que existe uma compreensão interiorizada sobre o funcionamento do
modular, no entanto, a sua efetivação adequada não acontece devido à falta de
“estrutura física”. A concepção que o professor atribui ao regime modular por
competência ancora-se na proposição de “turmas apadrinhadas, com um professor só,
professor teria que começar com aquela turma e ir até o final”. Sua proposta de
apadrinhamento levaria a uma reestruturação do regime modular, pois o envolvimento
de outros professores só ocorreria conforme a necessidade de conhecimentos das
turmas. Desse modo, determinados professores que não assumissem o papel de
“padrinho” de uma turma cumpririam a função de consultor no curso. Para justificar
essa posição, César incorpora a fala do outro por meio do discurso indireto “o sistema
modular diz que eu posso chamar um professor, o professor vem, corrige aquela falha,
vai embora”. Dessa forma, a representação do discurso14 constitui uma forma de
garantir que a proposta feita por ele tem amparo legal e não é uma invenção particular.
Entretanto, para que essa proposta se realize é preciso um “laboratório exclusivo pra
cada turma”. Ecoa, nesse enunciado, um retorno à crítica feita anteriormente à
instituição, pois no que está posto em “teria que ser um laboratório praticamente
exclusivo pra cada turma”, pressupostamente está dito que o número de laboratórios é
insuficiente. Para tanto, o CEFETMT precisaria de reestruturação física para que a sua
proposta pudesse ser implantada de fato. A frase final coroa o sentido de inviabilidade
do sistema modular, tal como concebido por César.
(...) mas acho que o grande problema foi quando mudou pra modular, ninguém sabia o que era modular, ninguém sabia como o modular funcionava; não sabia não... (...) É, não é que não sabia, ninguém sabe como é que o modular funcionava, a verdade é essa. Nós até sabemos como o modular teria que funcionar; a maioria de nós tem consciência, a questão é que nós não temos estrutura física pra isso. Teria que ser o quê: turmas apadrinhadas, com um professor só, professor teria que começar com aquela turma e ir até o final, e ao longo do caminho, chamando os outros professores necessários conforme a dificuldade das turmas, íamos ter laboratórios exclusivos. (...) Teria que ser um laboratório praticamente exclusivo pra cada turma, você tá desenvolvendo uma habilidade, você sente uma dificuldade em um item,
14
Fairclough retoma as concepções de Bakhtin sobre “discurso relatado”, para escolher, em seguida, a expressão “representação do discurso” para designar o discurso dito por um sujeito e materializado em um outro enunciado.
103
o sistema modular diz que eu posso chamar um professor, o professor vem, corrige aquela falha, vai embora, o professor continua acompanhando a turma pra atingir o objetivo. Nós não temos condições pra fazer isso. (Entrevista – César, 30/11/2004).
No excerto seguinte, o professor César continua sua crítica à prática educacional
que vigora no curso modular, destacando outros aspectos. Ele admite mudanças entre
a prática de trabalho com habilidades e a prática de trabalho com disciplinas em “não
chega a ser como a antiga disciplina, é um meio termo”. Contudo, são mudanças ainda
não consolidadas que fazem o novo regime tender a funcionar como o antigo regime
por disciplinas, e menos como “habilidade mesmo”. O emprego do advérbio de
intensidade “mesmo” reaparece, quando César registra, por meio do relato de sua
experiência no início da implantação do regime modular, a sua concepção do que seja
trabalhar por habilidade. No enunciado “sistema tipo modular mesmo”, o termo “tipo”
funciona como metadiscurso, pois o professor procura apresentar a sua concepção de
regime modular “mesmo”. Para ele, o “modular mesmo” deve se constituir de um
trabalho integrado entre vários professores, semelhante ao que era feito, quando ele
“catava” vários professores para ministrar uma “habilidade só”. Contudo, essa
responsabilidade coletiva por uma única habilidade não garantiu um trabalho conjugado
na prática de sala de aula, pois os professores “não chegavam a estar o mesmo tempo
na sala”. A proposta de trabalho com projetos é aceita pelo professor, no entanto, no
enunciado “não dá muito pra trabalhar em cima do projeto”, ele diz, através do advérbio
intensificador “muito”, que esse tipo de encaminhamento pedagógico é parcialmente
comprometido. Para justificar a dificuldade desse tipo de trabalho, ele traz à tona a
concepção de que o ensino técnico se tornará acessível ao aluno quando ele adquirir o
“pré-requisito técnico antes”. Pressupõe-se, então, que as lacunas de aprendizagem
deixadas pelo ensino básico devam ser superadas com o ensino de conteúdos. Dessa
forma, o enunciado do professor indicia que o curso em que trabalha, mesmo com o
rótulo de regime modular por competência, continua com o tradicional ensino de
conteúdos em disciplinas estanques. Não há referências, portanto, ao novo paradigma
da educação profissional que vê o currículo como “um conjunto integrado e articulado
em situações-meio”, de acordo com os Referenciais Curriculares.
104
(...) Não chega a ser como a antiga disciplina, é um meio termo; mas está mais pra antiga disciplina do que como habilidade mesmo. No início nós intentamos montar um sistema tipo modular mesmo com vários, eu catava, às vezes, quatro professores dando uma habilidade só. Não chegavam a estar o mesmo tempo na sala, mas compunham a mesma habilidade. (...) Trabalhando em cima de projetos. Não dá muito pra trabalhar em cima do projeto, que como é uma área muito técnica, se eu não fizer um pré-requisito técnico antes, não tem como eu dar um projeto na mão dele, então essa era uma outra dificuldade (...) (Entrevista – César, 30/11/2004).
Na voz do professor Sérgio, no enunciado a seguir, percebi um certo otimismo
em relação ao ensino modular, pois, ao compartilhar a sua experiência construída no
antigo regime integrado15 e compará-la aos regimes posteriores, como o pós-médio16 e
o modular, ele admite mudanças na prática pedagógica dos professores. No enunciado
“às vezes as áreas não conversavam entre si”, o professor diz que, no regime
integrado, o diálogo entre os professores da área técnica e os professores da área de
formação geral era insuficiente para que houvesse um “intercâmbio” entre eles. Foi
somente “a partir do pós-médio” que a relação entre as áreas passou a existir. No
entanto, a iniciativa para essa aproximação no ensino modular partiu da área
propedêutica e não da área técnica, pois foram “os professores de Língua Portuguesa,
de Língua Inglesa” que procuraram os professores da área técnica – representados na
voz do professor Sérgio – a fim de elaborarem uma “apostila” para o trabalho nos
cursos da Gerência. Quando o professor diz “pra saber exatamente o que é necessário
ser ministrado para o aluno em função do curso técnico”, o modalizador “exatamente”
evoca o discurso pragmatista que permeia a educação profissionalizante. O ensino de
Língua Portuguesa deve guiar-se por esse princípio, cuidando que as especificidades
técnicas de conteúdo sejam atendidas. Ao dizer “que nós deveríamos ter professores
de Língua Portuguesa, de Matemática, de Língua Inglesa lotados nas Gerências”, o
professor propõe a presença exclusiva de professores de certas disciplinas de
formação geral para atender aos cursos técnicos. No enunciado “eu acho que o
trabalho seria melhor ainda”, o verbo modal “acho” expressa crença do professor em
resultados de aprendizagem satisfatórios e o advérbio “ainda” traz, como pressuposto,
15
A definição de regime integrado foi contemplada no item 1.2.1, na descrição do curso de Construções Prediais. 16
A definição de regime pós-médio foi também contemplada no item 1.2.1.
105
o reconhecimento de que já existe um bom trabalho, mas que ele pode ser melhor,
pois, lotado exclusivamente nas Gerências de Ensino Técnico, o professor de formação
geral “teria mais tempo de preparar material” e aplicar melhor o conteúdo ao perfil
profissional dos alunos. A sua fala é incisiva diante dessa proposta, pois ele usa
duplamente o modalizador adverbial “com certeza” para manifestar sua convicção
diante do julgamento que faz de um futuro trabalho do professor. Todavia, o uso do
condicional em “se ele (professor da área geral) quisesse ficar disponível nas
gerências”, traz à tona o conflito entre os professores do ensino propedêutico e os
professores do ensino técnico-profissionalizante, patenteando a resistência dos
primeiros em sujeitar-se ao paradigma educacional dos segundos.
O que existia no integrado é que às vezes as áreas não conversavam entre si, tá, o professor que dá aula de Telecomunicações, de microondas, de antenas às vezes não conversava com o professor que dava aula de Língua Portuguesa, então não existia um intercâmbio entre os professores. A partir do pós-médio já passou haver um intercâmbio maior entre os professores tanto é que hoje nós temos os professores de Língua Portuguesa, de Língua Inglesa que vêm e montam o material dele, a apostila junto com os professores da área técnica, pra saber exatamente o que é necessário ser ministrado para o aluno em função do curso técnico. Então isso hoje acontece, tanto é que nós temos alguns professores, e defendemos também que nós deveríamos ter professores de Língua Portuguesa, de Matemática, de Língua Inglesa lotados nas Gerências, que eu acho que o trabalho seria melhor ainda, porque hoje nós temos professores... (...) Disponível. Hoje o professor de Língua Portuguesa, de Língua Inglesa, de Matemática ele trabalha no Ensino Médio e trabalha nas Gerências, então se ele quisesse ficar disponível nas Gerências com certeza ele teria mais tempo de preparar material, com certeza a aula seria melhor, o conteúdo seria melhor aplicado para os alunos. (Entrevista – Sérgio, 28/10/2004)
No enunciado a seguir, o professor Sérgio, ao comparar o regime modular com o
regime pós-médio, afirma que não há grande diferença entre eles, pois o que mudou foi
a adoção da terminologia “habilidades”, ou seja, o invólucro do curso. No entanto, diz
que a prática pedagógica dos professores continuou sendo a mesma do regime pós-
médio. Portanto, a hegemonia do regime disciplinar ainda opera no curso.
(...) o pós-médio é bastante parecido com o modular. Em termos estruturais são bastante parecidos. Na verdade o que aconteceu aí foi o seguinte: foi colocado um curso modular e você coloca já as habilidades
106
que os alunos devem fazer, mas grande parte dos professores trabalha da mesma maneira que vinham trabalhando no pós-médio. (Entrevista – Sérgio, 28/10/2004)
Quando argüido sobre o trabalho integrado entre os professores, Sérgio revela
sua crença na existência de uma integração, ao usar o modalizador “com certeza” para
introduzir o exemplo – já citado em um outro momento da entrevista – da professora de
Língua Inglesa que contatou os professores da área técnica para elaborar o seu
material didático. Ele admite que há “troca de informações entre os professores”,
porém, assume, em sua fala, a inexistência de uma ação pedagógica conjunta entre
vários professores na prática de sala de aula.
Sim, com certeza, nós temos exemplo aí da professora de Língua Inglesa que ela fez o material dela, duas professoras de Língua Inglesa com vários professores de Eletrônica, professores de Telecomunicações. Com relação a entrar dois, três professores (...) na mesma sala nós não temos essa experiência (...). O que tem é o seguinte: é a troca de informações entre os professores. (Entrevista – Sérgio, 28/10/200)
O professor Sérgio concebe de maneira mais otimista as práticas pedagógicas
ocorridas no curso em que trabalha, mas reconhece que elas seriam melhores se
houvesse uma mudança na distribuição dos encargos didáticos dos professores da
área de formação geral, que passariam a funcionar como professores das gerências
específicas.
Diferentemente de Sérgio, o professor Francisco não é muito entusiasta em
relação ao desenrolar do trabalho pedagógico nos cursos técnicos modulares. No
enunciado a seguir, na voz de Francisco, surgem as marcas das coerções legais a que
os cursos técnicos estão sujeitos. Na resposta à questão sobre quais foram as
determinações legais seguidas na elaboração da grade curricular do curso em que
trabalha, o professor estabeleceu uma comparação entre a lei 5692/71 e a atual lei de
Diretrizes e Bases, a 9.394/96. Em “antigamente, sempre houve abertura para a
discussão”, o professor deixa pressuposto que a lei 9.394/96 exerce maior coerção
sobre a reconfiguração curricular dos cursos do que a 5692/71. Efeitos de sentido
semelhantes são retomados no que está posto em “na 5692 você podia até ampliar
mais, agora houve uma limitação”, indiciados pelo verbo “ampliar”, que produz uma
107
avaliação otimista da lei 5692, e o termo “limitação”, que avalia a restrição quantitativa
do currículo instituído pela nova lei . As diferenças a que o professor faz referência se
relacionam à carga horária, porque considera que, pela antiga lei, ela era “muito
grande”, mas que na nova LDB é restringida para que o excesso de conteúdos não
ultrapasse o “nível técnico”. Na voz do professor ressoa a voz dos Referenciais
Curriculares da Educação Profissional que estabelece as cargas horárias mínimas para
cada curso: 800 horas para Turismo e Hospitalidade e 1200 horas para Construções
Prediais e Telecomunicações (p.111). Contudo, para o professor, essa redução da
carga horária não se configura como o maior problema para o curso modular. Esse
“não-dito” é dito pelo enunciado “o que traz mais dificuldade e que as pessoas não
aceitam, ou se aceita ainda tem dificuldade de desenvolver uma estruturação de
conteúdos, que é sair do regime disciplinar para o regime de aquisição de
competências”, em que o determinante “o” explicita o que é efetivamente “mais”
problemático no currículo “modular por competências”. De acordo com o que está
posto, há professores que criam certa resistência ao regime modular por competências.
Já os que “aceitam”, não conseguem se libertar do regime por disciplinas. O apego dos
professores ao “regime disciplinar” é exemplificado no que está dito em seguida,
quando Francisco enuncia o isolamento pedagógico dos professores no curso. Ao dizer
que “o professor recebe o encargo didático dele e trabalha sozinho praticamente”, o
modalizador “praticamente” cumpre o papel de dizer que o trabalho integrado no curso
é inexpressivo. A referência a uma interação esporádica entre os professores está
enunciada em “nós vemos uma situação ou outra, um professor entrosando com outro”,
e reforçada pelo operador argumentativo adversativo “mas” em “mas isso não é muito
comum”.
Antigamente, sempre houve abertura para discussão. A questão é que muitas vezes você fica limitado porque a lei discorre. No caso, por exemplo, na 5692, você podia até ampliar mais, agora houve uma limitação. Nós tínhamos curso, por exemplo, com Carga Horária muito grande na época da 5692. Com essa nova lei de diretrizes e bases há um limite porque às vezes você começa a colocar conteúdo que começa a sombrear e acabam colocando o aluno refém de uma excessiva quantidade de conteúdo que não vai trazer qualificação. E a qualificação tem um limite pra ser atingida. No nível técnico, o próprio nível já está dizendo – nível técnico. Se você começa a colocar conteúdo acima que
108
esse nível pede, então você já teria que ter então o curso superior. O que hoje traz mais dificuldade e que as pessoas não aceitam, ou se aceita ainda tem dificuldade de desenvolver uma estruturação de conteúdos, que é sair do regime disciplinar para o regime de aquisição de competências, que é um pouquinho diferente, você sabe disso, você tem trabalhado, sabe disso, difere muito do regime disciplinar. (...) Na verdade, os cursos modulares que trabalham por aquisição de competências pedem esse tipo de participação, que no CEFET até hoje eu não vi. Porque o professor recebe o encargo didático dele e trabalha sozinho praticamente. A gente, nós vemos uma situação ou outra, um professor entrosando com outro, mas isso não é muito comum. (Entrevista – Francisco, 26/10/2004)
Em um outro trecho da entrevista, o professor Francisco apresenta a sua crença,
modalizada pelo verbo “acho”, para explicar o motivo da dificuldade da efetivação do
novo regime. Para ele, a resistência do ensino por disciplinas se deve à sua longa
tradição, ou seja, passou pela prova da história e, se resistiu, é bom. Isso justifica a
avaliação positiva que o professor faz em “porque ele realmente é bom”. A resistência
do professor ao regime modular é enunciada em “qualquer outra tentativa se trata
simplesmente de, vamos dizer assim, um remédio passageiro, pra curar sintoma só”.
Por meio de metáforas da área médica, “remédio”, “curar” e “sintoma”, o professor
enuncia que o curso modular, separado da “educação propedêutica”, cumpre o papel
de apenas aliviar momentaneamente a necessidade de uma rápida qualificação
profissional, atendendo, assim, a uma “demanda social”. A metáfora “remédio” aparece
também quando o professor apresenta a sua preferência pelo regime disciplinar em “o
remédio disciplinar sem dúvida é melhor”. O emprego do advérbio modalizador “sem
dúvida” indicia um alto grau de comprometimento com a avaliação positiva que o
professor faz do regime disciplinar ao usar o adjetivo “melhor”. Entretanto, o operador
argumentativo “só que” indica que o melhor, contraditoriamente, não é o que pode ser
feito, porque o melhor demora mais para ser feito. E a clientela potencial para os cursos
de educação tecnológica precisa de entrar logo no mercado de trabalho, abreviando
seu tempo de formação.
(...) eu acho que o regime disciplinar tem mais de 500 anos, desde a Idade Média até agora, e se ele tem cinco séculos é porque ele realmente é bom, e qualquer outra tentativa se trata simplesmente de, vamos dizer assim, um remédio passageiro, pra curar sintoma só. O remédio disciplinar sem dúvida é melhor, só que ele leva muito tempo.
109
Aí você entra com uma demanda social, como fazer para que esse aluno fique mais tempo, sem que ele tenha que sair da escola em busca de emprego, então veio a tentativa de se criar uma separação, uma dicotomia total entre a chamada educação propedêutica, ensino médio, e a educação tecnológica. E aí é possível diminuir esse tempo,. (Entrevista – Francisco, 26/10/2004)
Na voz do professor João, reaparece a proposta apresentada por Sérgio
referente à lotação de professores da área de formação geral nas gerências de ensino
técnico. Seria uma forma, segundo o professor, de fazer com que a prática pedagógica
deixasse de ser “isolada”. Ele propõe, ainda, que o trabalho do professor de Língua
Portuguesa se mantivesse “ao longo do curso”. Em nível de pressuposto, o professor,
ao enunciar “não é só em momentos específicos”, diz que o ensino dos conteúdos de
formação geral, da maneira como se configura em habilidades distribuídas
esporadicamente no curso, não satisfaz às necessidades da formação técnica. Para
ele, o ensino por competências deve ser processual.
(...) a minha proposta é que cada gerência tivesse um professor de Língua Portuguesa, um professor da área de Matemática, um professor da área de Física, enfim, pra que ele tivesse (formação) específica, acompanhando, não é um trabalho assim isolado, que fosse um trabalho sistematizado, que seja, que fosse acompanhado ao longo do curso, não é só em momentos específicos, mas que fosse um processo mais continuado... (Entrevista – João, 14/12/2004)
No enunciado a seguir, João expressa a sua crença em favor do ensino por
competências, defendendo a necessidade de definição de um “modelo” para o sucesso
desse regime curricular, porque há “várias vertentes”. Ele cita dois modelos de
competência, cujo foco pedagógico vincula-se a teorias educacionais: uma de Piaget e
outra de Skynner. Percebe-se a tentativa de o professor modalizar o seu dizer em
relação à denominação de “modelos de competência”. No trecho “Então eu,
particularmente, acredito muito nesse modelo de ensino por competências”, a
conjunção de signos “eu + particularmente + acredito”, indiciam a íntima relação do
locutor com o que está sendo dito, e o advérbio modal “muito” tem a função de reforçar
sua predileção por esse modelo de ensino. Além disso, o “particularmente” pode
significar também que o professor não se inclui entre aqueles que desacreditam no
ensino por competências, uma voz corrente naquele espaço enunciativo.
110
(...) porque quando se fala a questão de competências, ela tem várias vertentes: tem a competência quando se fala no sentido piagetiano, de construção; tem a própria competência no sentido skyneriano, de você ali está estímulo-resposta. Então tem, então tem vários modelos, vamos dizer assim, do que seja competência. E o Brasil incorporou...(...) Então há que se definir um modelo de competência. Então eu, particularmente acredito muito nesse modelo de ensino por competências, sou... (Entrevista – João, 14/12/2004)
A interpretação dada pelo professor ao termo competência encontra-se no
enunciado a seguir. Como ele admite que o sentido de competência seja “polissêmico”,
é preciso escolher uma concepção que norteie a prática pedagógica. A que ele assume
está enunciada em “eu defendo o modelo de formação por competência integral”, e isso
significa que a “formação técnica” não é a única a ser desenvolvida, mas é preciso dar
ao aluno “a formação humanística”, portanto, “uma formação integral”. Seu discurso,
nesse caso, revela sua trama interdiscursiva, pois há um atravessamento das vozes
tanto da ordem do discurso tecnicista quanto da ordem do discurso das ciências
humanas. Sua filiação a esse segundo grupo dá-se no enunciado “então esse modelo
que eu defendo, é competência construída, não é? Eu não dou competência pra
ninguém (...) ele que constrói”, pois nele está incorporado um conceito piagetiano,
confirmado, em seguida, quando a pesquisadora lhe pergunta se o conceito que
defende é de Piaget.
João: Então o que tem que se fazer é...ele é um conceito polissêmico, com vários significados; então nós temos que incorporar exatamente qual a vertente que nós queremos. Eu defendo o modelo de formação por competência integral. Quer dizer, ele tem que ter a formação técnica, mas paralelamente, ou concomitantemente à formação humanística. Então ele tem que ter a sua formação integral. Então é esse modelo que eu defendo, é competência construída, não é? Eu não dou competência pra ninguém. (...) Ele que constrói. P: Aí seria piagetiano. João: Piagetiano, exatamente. É o conceito que eu defendo. (Entrevista – João, 14/12/2004)
Para o professor João, conforme está posto no excerto a seguir, o
desenvolvimento de competências deve ser o foco do ensino técnico,
111
independentemente do regime de ensino. Nos enunciados “eu penso que os conteúdos,
os nossos conteúdos, as nossas disciplinas, elas só têm sentido se forem pra
desenvolver competências” e “o objetivo final seja o desenvolvimento de
competências”, o elemento “só”, usado no primeiro enunciado e o sintagma nominal
formado por “o + objetivo + final”, usado no segundo enunciado, traduzem uma
avaliação bastante significativa sobre o ensino por competências e expressam o
verdadeiro alvo dos conteúdos a serem trabalhados nos cursos. Entretanto, para que
esse tipo de ensino obtenha bons resultados na formação do indivíduo é necessário
que as competências sejam ações articuladas segundo o tripé “saber, fazer e ser”, dizer
que entretém uma relação intertextual com o texto legal aqui referido como Referenciais
Curriculares. No enunciado seguinte, o professor João, quando argüido sobre a
possibilidade de haver um retorno ao antigo regime integrado17, peremptoriamente
afirma que o antigo regime era integrado “só de nome”. No enunciado “mas nunca havia
nenhuma integração propriamente dita entre as várias áreas”, há uma conjunção de
modalizadores adverbiais – “nunca”, “nenhuma”, “propriamente dita” que expressam um
elevado grau de certeza a respeito da avaliação negativa que faz sobre a integração
entre as disciplinas. A referência sobre a inexistência de um trabalho efetivamente
integrado no antigo regime reaparece nos adjetivos “fragmentadas” e “estanques” que
funcionam como caracterizadores das antigas disciplinas. Para apresentar a sua
concepção acerca do que seja um trabalho integrado, o professor faz uso, repetidas
vezes em sua fala, do modalizador adverbial “realmente” e de seu adjetivo-base “real”,
acentuando, assim, o significado do termo “integrado”. Na tentativa de conferir maior
clareza ao sentido da palavra, ele introduz o sinônimo “conjuminado”, cujo sentido de
“ligado, unido, combinado” explicita mais enfaticamente a sua concepção. O professor
admite a possibilidade de retorno do ensino integrado18, desde que a “formação
integral” do aluno seja garantida por meio da efetiva integração entre as áreas técnica e
humana.
Eu, pra mim é o seguinte, eu penso que os conteúdos, os nossos conteúdos, as nossas disciplinas, elas só têm sentido se forem pra
17
Sobre o antigo regime integrado, ver item 1.2.1. 18
No item 1.2.1 faço referência à lei que prevê o retorno ao ensino integrado.
112
desenvolver competências. Agora isso independe de que seja modelo integrado, de que seja modular, de que seja por ciclos, enfim, mas só tem sentido se for pra desenvolver competências. Se for integrado, tudo bem; então eu não vejo que seja este ou aquele modelo, mas desde que o objetivo final seja o desenvolvimento de competências, e lembramos sempre que quando se fala em competência “saber, fazer e ser”, então aí sim eu vejo que o ensino por competências teria um significado muito grande na formação do indivíduo. (...) Eu acho que tem que ser realmente integrado, porque o que tinha antes era integrado só de nome, mas nunca havia nenhuma integração propriamente dita entre as várias áreas. (...) Eram (disciplinas) fragmentadas, estanques. Então tem que ser integrado, realmente digo integrado, vamos dizer assim, conjuminado. (...) Uma integração realmente entre as várias áreas, e somente essa integração real entre as várias áreas vai possibilitar o que eu disse: a formação integral do indivíduo, tanto a formação técnica, como a formação humanística. Então assim eu vejo o retorno do ensino integrado. (Entrevista – João, 14/12/2004)
Um pequeno histórico sobre os motivos que levaram o MEC a adotar o ensino
por competências é apresentado na voz do professor Felipe, ao discorrer sobre as
motivações que levaram à mudança do regime do curso, transformando-o em modular.
Para Felipe, há dois motivos para tal remodelação: a “necessidade regional” e a
“determinação legal”. Detalhando o percurso criador desse segundo motivo, o professor
faz uso do modalizador “por incrível que pareça”, produzindo um sentido de admiração
diante do que está sendo dito e, apresentando, em nível de pressuposto, a concepção
de que geralmente as idéias em educação são fecundadas pelas “autoridades” que a
representam. De acordo com o professor, a motivação para a criação de um ensino por
competências surgiu das exigências do mercado de trabalho, representado pela voz
dos sindicatos. O discurso desse grupo é representado, na forma de heterogeneidade
mostrada, por meio do discurso indireto livre e, assim, pela voz do professor Felipe, as
centrais sindicais avaliam negativamente o ensino desenvolvido nas escolas, dizendo
que o privilégio dado à teoria não atendia às necessidades do mercado de trabalho. A
crítica baseia-se principalmente na ausência do trabalho prático na escola, relegando à
fábrica a função do ensino técnico. O professor assume coletivamente a
responsabilidade por essa falha no aprendizado do aluno, ao dizer que a “gente se
negou sempre ao fazer”. Na representação do discurso das centrais sindicais, a
dicotomia “teoria” e “prática” é apresentada como devendo ser integralmente
contemplada na formação do técnico. Assim, no enunciado “a gente quer saber fazer e
113
saber o que está fazendo”, tem-se um resumo da concepção do que seja o profissional
de nível técnico, e essa re-significação, por sua vez, fomentou a criação do ensino
baseado no “saber” e no “fazer”, ou seja, no desenvolvimento de competências. Nesse
conflito de vozes – sindicatos, instituição de ensino, governo federal – prevalece a voz
que representa o grupo que mobiliza a economia no país, as empresas e o mercado de
trabalho. Nessa luta hegemônica, identificada no discurso do MEC e representada pela
voz do professor em “olha, finalmente a gente deve dar ouvidos a esse pessoal”, há
uma mudança aparente nas relações coercitivas. Mesmo que as sugestões de melhoria
do ensino tenham vindo das práticas discursivas do grupo de trabalhadores, elas são
um eco da voz da elite econômica do país. Em vez de as empresas despenderem
tempo na formação prática do indivíduo, delegaram, às instituições de ensino, essa
função, com respaldo legal dos Referenciais Teóricos elaborados pelo MEC.
O curso mudou por 2 razões: a 1ª, porque havia uma necessidade regional, a 2ª, porque havia também uma determinação legal, agora a determinação legal, ela não nasceu das autoridades da educação; por incrível que pareça ela nasceu das oficinas; o pessoal das centrais sindicais é que começou a se queixar. As centrais sindicais: a CUT, a CGT (?), a Força, a Central Social de Sindicatos, esse pessoal começou a reclamar. “Olha... (...) Que que adianta a gente ir lá na sua escola, a gente estuda, estuda, estuda e depois tem que aprender na fábrica? Puxa (?), isso não serve pra nós. (...) A sua escola não resolve o nosso problema, nós queremos aprender fazer e a escola só ensina filosofia, teoria, teoria, teoria.” Aquilo... (...) Principalmente nas escolas técnicas. Aquilo que a gente discursava de que a teoria devia estar reunida com a prática, que nós deveríamos não ter uma teoria e prática, a gente devia ter uma práxis, era discurso de professor. O pessoal saía dos nossos cursos técnicos e não sabia fazer. (...) Só teoria. Por mais que a teoria se relacionasse ao fazer, fosse, é, vamos dizer assim, pertinente ao fazer, mas a gente não, a gente se negou sempre ao fazer, e o pessoal das centrais sindicais começou a se queixar: “não, nós precisamos saber a teoria, mas também nós precisamos fazer. Nós não queremos ser fazedores e nem queremos ser sábios, a gente quer ser técnico. A gente quer saber fazer e saber o que está fazendo.” (...) Essa motivação chegou ao Congresso Nacional, chegou ao Ministério da Educação e um dia alguém disse assim: “Olha, finalmente a gente deve dar ouvidos a esse pessoal. Vamos mudar a forma de ensinar”. E daí começou a se pensar na Educação baseada em competências, que é uma coisa que acontece na prática de treinamento das empresas. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
114
Segundo o professor Felipe, de acordo com o enunciado a seguir, os conceitos
de “competência e habilidade” foram assimilados pelo Ministério da Educação e
estendidos para todos os níveis de ensino. Entretanto, ele considera que, como “prática
pedagógica”, foi a Educação Profissional quem mais absorveu a concepção de ensino
por competências. Entretanto, o enunciado seguinte é bastante revelador, pois ele,
detendo-se, reflexivamente, no termo “aproximar-se” que aparecera no enunciado
anterior, destaca a dificuldade de absorção do modelo e a resistência a ele no meio
acadêmico. Felipe avalia que a Educação Profissional, mesmo tendo conseguido
desenvolver uma prática mais similar ao ensino por competências, ainda não o realiza
de maneira satisfatória. O motivo para isso é apresentado no enunciado “porque há
uma resistência forte no meio acadêmico”, cujo sintagma nominal “resistência forte” faz
ecoar a voz hegemônica da ordem de discurso escolar. Em seguida, ele diz que “uma
minoria muito pequena das instituições educacionais entenderam o que é educação por
competência”. Esse “quase” fracasso, indicado na expressão “uma minoria”,
intensificada semanticamente pelos termos “muito + pequena”, é atribuído à falta de
compreensão sobre o que seja verdadeiramente um ensino por competências e ao
“comodismo” dos professores. Representando a voz daqueles professores que
trabalham isoladamente, o professor produz um enunciado com marcas de discurso
direto em “vou lá, dou minha aula e que se dane o aluno”. O léxico usado nessa fala
denuncia uma avaliação incisiva feita aos professores que agem
descompromissadamente com o ensino. Sua defesa em favor do ensino por
competências é claramente expressa em “o que interessa é que você desenvolva
competências”, e, para tanto, não importa de que forma ele aconteça, seja por meio de
“didática de projeto”, ou por “ensino tutorial”, ou ainda “projeto orientado”.
Interdiscursivamente, Felipe compartilha a mesma crença do professor João, pois, em
suas práticas discursivas, há um peremptório favoritismo em relação ao ensino
direcionado exclusivamente ao desenvolvimento de competências, sem se
preocuparem com a estratégia pedagógica para atingir esse objetivo.
(...) O MEC acabou se apropriando desses conceitos (habilidades e competências). (...) Mas para a prática pedagógica, quem está mais se aproximando por ora é o pessoal da Educação Profissional. Mais se aproximando, porque há uma resistência forte no meio acadêmico...(...)
115
Ainda não conseguimos. Uma minoria muito pequena das instituições educacionais entenderam o que é educação por competência, porque é muito cômodo continuar trabalhando grade curricular. É muito cômodo: “vou lá, dou minha aula e que se dane o aluno”. Na medida que eu preciso mudar pra educação por competência, que eu tenho que integrar, qual é a estratégia que eu vou usar: didática de projeto, ensino tutorial, projeto orientado, enfim, não interessa. O que interessa é que você desenvolva competências. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Para que a sua proposta de ensino seja efetivada, Felipe sugere uma
reestruturação escolar, principalmente entre os professores. De forma positiva, ele os
avalia como capacitados, no entanto, é preciso que assimilem “o conceito de
competência” por meio de “discussão”. Para enunciar a respeito dessa necessidade,
Felipe faz uso do modalizador “assim” em “eu diria assim”, na tentativa de suavizar a
sugestão que apresenta para a melhoria das práticas pedagógicas.
A escola teria que se organizar e os professores precisariam de ser é, não diria capacitados, porque não é a questão de capacidade, eles têm a capacidade. Eu diria assim, que eles precisam de passar por uma discussão ampla do conceito de competência. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Em seguida, ao avaliar o atual funcionamento do curso técnico modular, Felipe
menciona o motivo pelo qual o processo de mudanças não está evoluindo. Para tanto, o
professor produz um discurso atravessado por concepções extremamente tecnicistas,
as quais consideram que as ciências ligadas ao pensamento filosófico não podem
ocupar lugar de destaque, como aconteceu com o atual governo que “levou para o
Ministério da Educação os pensadores da Educação”. Felipe expressa uma atitude de
reprovação diante desse grupo de pensadores e esse sentido está indiciado no
enunciado “todos eles extremamente preocupados com os conhecimentos filosóficos,
teóricos, negando a realidade sindical”. Ao usar o modalizador adverbial
“extremamente”, o professor considera que a excessiva preocupação desses
pensadores com a Filosofia os impede de uma maior aproximação com as
necessidades do trabalhador. Desse modo, as mudanças no ensino profissional, em
vez de continuarem acontecendo, estagnaram ou se processam lentamente. Essa
oscilação relativa ao processamento das mudanças está posta primeiramente pelo
verbo “parou”, indicando uma estagnação, e depois pela conjunção dos signos “está +
116
caminhando + muito + devagar” e “avanços + muito + lentos”, que indiciam a
continuidade das mudanças, porém não no ritmo esperado.
E com a mudança de governo há sempre uma preocupação política e, por incrível que pareça, a mudança de governo levou para o Ministério da Educação os pensadores da Educação. Todos eles extremamente preocupados com os conhecimentos filosóficos, teóricos, negando a realidade sindical. (...) Não, não vai haver um retrocesso, mas a gente parou, quer dizer, o processo está caminhando muito devagar, os avanços são muito lentos... (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Diante de tantas vozes que emergem na defesa do ensino por competências,
respaldadas pela lei e estimuladas pelas recentes deliberações sobre a educação
profissional, há uma crença comum sobre a eficácia desse regime de ensino.
Entretanto, essa aceitação aparente nas práticas discursivas não conseguiu ainda
desestabilizar a força hegemônica do ensino organizado por disciplinas. A luta por
mudanças nas práticas pedagógicas é reconhecida na voz dos professores, no
momento em que eles idealizam o novo regime, mas admitem que os atuais cursos
técnicos da instituição não estão efetivamente desenvolvendo o ensino modular por
competências. O que principalmente emperra a efetiva implantação do currículo por
habilidades e competências é a incompreensão desse novo paradigma pela maioria dos
professores que não conseguem se afastar do regime curricular por disciplina,
conforme enunciam reiteradamente as vozes dos professores da área técnica. O
paradigma modular por competência é constantemente atravessado pelo paradigma
disciplinar. Além disso, o eterno conflito que timbra, também no CEFETMT, a interação
entre a área de humanas e a área técnica desponta como uma razão a mais para que
haja pouca disposição em compreender a nova proposta e em colaborar, ou seja, em
“somar” com seus idealizadores. Enfim, os professores de Língua Portuguesa, como
outros professores da área geral, são significados como resistentes ao paradigma de
formação por competência.
117
4.1.2 Os professores da área técnica e a concepção instrumental de língua
O ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos do CEFETMT, ancorado nos
Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico, faz-se
segundo uma orientação nitidamente instrumental. No entanto, nos planos de curso
analisados há uma variação quanto à classificação do conhecimento sistêmico da
língua como base instrumental, pois ora é apresentado como base científica, a exemplo
do curso de Hotelaria, ora como base instrumental, a exemplo do curso de Construção
Predial.
A compreensão acerca da instrumentalização da língua para atender à formação
do profissional pauta-se na crença de que o aluno recém-chegado ao curso técnico já
tenha recebido, na educação básica, as competências gerais de leitura e de produção
de textos de forma satisfatória. Isso inclui conhecimentos relativos aos diferentes níveis
de linguagem e ao domínio da norma padrão da língua. Caberia, então, ao aluno,
acionar essas bases para “ler e interpretar textos técnicos em linguagem materna” e
“redigir relatórios técnicos”.
Nas Diretrizes Curriculares do Ensino Técnico, são reconhecidas, como bases
instrumentais, “habilidades mentais, psicomotoras e de relação humana, gerais e
básicas” e o “o domínio de linguagens e códigos”. As bases instrumentais, associadas
às bases científicas, constituem requisitos para que o aluno se aproprie das bases
tecnológicas e desenvolva as competências e habilidades dos cursos. No entanto, os
referenciais não especificam com clareza essas bases, o que provoca a indefinição
sobre o que ensinar nas habilidades de Língua Portuguesa nos planos de curso. O
enunciado a seguir traz o reconhecimento da necessidade de uma publicação que
explicite as bases científicas e instrumentais. No excerto “quadros de bases científicas
e instrumentais serão posteriormente publicados”, está firmado o compromisso de
elaboração de um material complementar para que sirva de referência para o
tratamento da articulação entre a educação básica e a profissional nas propostas
curriculares.
(...) quadros de bases científicas e instrumentais serão posteriormente publicados para oferecer referências para que se estabeleçam as
118
ligações específicas entre os currículos da educação básica e os da educação profissional na área objetivada, subsidiando processos seletivos ou de caracterização de candidatos e a organização de possíveis módulos curriculares destinados ao nivelamento ou à recuperação dessas bases prévias. (Referenciais Curriculares, 2000: 27).
Na espera desse material complementar e diante da indefinição dos referenciais
curriculares sobre as bases instrumentais que fundamentem a área de “Códigos e
Linguagens”, coube, aos professores que elaboraram os projetos dos cursos técnicos
modulares, a definição dos conhecimentos a serem aplicados nas habilidades que
envolvem o ensino de Língua Portuguesa. De qualquer modo, essas habilidades
assumem um caráter instrumental, pois são admitidas como um dos componentes do
conjunto de saberes “integrados e acionados em situações-meio”. Os conhecimentos
sobre a língua direcionam-se para as especificidades das práticas discursivas tanto
orais quanto escritas de cada esfera de atividade profissional e elas são referenciadas
pelos professores da área técnica, nos momentos em que explicitam o porquê de
incluírem habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa nos cursos. A
ordem discursiva, vivenciada por eles como profissionais das áreas técnicas e
tecnológicas, define a concepção desse grupo de professores sobre o ensino de
línguas. Isso explica, por exemplo, a distribuição que foi feita das bases instrumentais
da área de linguagens em duas habilidades distintas, partindo do pressuposto de que a
atividade de produção de relatórios técnicos seja separada da leitura e vice-versa. Essa
dicotomia resulta da concepção que os professores enunciam sobre o ensino de Língua
Portuguesa no curso técnico.
Na voz do professor Felipe, há uma posição claramente definida sobre a divisão
da Língua Portuguesa. A particularidade de sua concepção é marcada pela conjunção
dos signos “eu + vejo” e o estreitamento desse conceito é duplamente modalizado pelos
advérbios “assim” e “restritamente”. Dessa forma, o professor faz uso de uma prática de
polidez, pois reconhece que a área de conhecimento sobre a qual fora convidado a
opinar é de domínio da pesquisadora e, portanto, restringe a sua opinião ao campo da
“Educação Profissional”. De acordo com o professor, a Língua Portuguesa é separada
em “duas vertentes”, “a comunicação falada” e “a comunicação escrita”. Na primeira
119
vertente são incluídas as especificidades do léxico da variante lingüística dos
profissionais da área técnica, “o jargão técnico”, subentendendo-se que ela é
assimilada no exercício da profissão. O professor emprega o elemento “mesmo”,
acentuando, assim, o valor dado à segunda vertente, a qual, em seguida, é
dicotomizada em “leitura e interpretação de textos”. A forma como o professor concebe
a “comunicação escrita” explica o motivo de o ensino de Língua Portuguesa ser
separado em duas habilidades: “ler e interpretar textos técnicos e redigir relatórios
técnicos”.
(...) eu vejo a Língua Portuguesa com duas vertentes e falando assim restritamente na Educação Profissional, no curso técnico: uma é a questão da comunicação falada, do operário, do técnico, do engenheiro, deles se comunicarem e ter uma linguagem acessível, quer dizer, uma coisa é o formalismo do jargão técnico, e a outra é a comunicação mesmo, então acho que essa questão da comunicação tem se colocado como bastante importante ultimamente. A outra vertente é da comunicação escrita e nessa a gente tem dois aspectos: um, da leitura e interpretação de textos. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Segundo o professor Felipe, no excerto a seguir, houve “mudanças” nas práticas
discursivas dos profissionais das áreas técnicas, mudanças qualificadas como
“grandes”. Estabelecendo um paralelo entre as “comunicações de hoje” com as de
“quinze anos atrás”, “dez anos atrás”, o professor admite “evolução” nas práticas
profissionais dos técnicos, pois houve incremento das atividades de “leitura,
interpretação e aplicação” de textos técnicos. Conseqüentemente, a produção de textos
também está sendo mais requisitada nesse mercado de trabalho. Quer dizer, antes, os
técnicos não eram requisitados a ler e escrever, hoje, sim. Nas sociedades em que há
uma forte divisão de trabalho é inesperado que quem é “só um técnico”, um “sujeito que
tá na obra”, tenha que ler/interpretar e escrever textos. Em nível de não-dito, esse
enunciado atualiza a ideologia capitalista da divisão do trabalho em técnico (manual) e
intelectual. Até bem pouco tempo atrás, ler e escrever eram competências de
intelectuais, mas, com as novas exigências de um mercado de trabalho que não cessa
de se renovar e demandar um processo de qualificação permanente, cada vez mais as
habilidades de leitura, interpretação e produção de textos são exigidas também dos
técnicos. Essa mudança no mercado de trabalho produziu a necessidade de inserção
120
do ensino de Língua Portuguesa Instrumental para atender ao perfil do novo
profissional.
A construção civil, aliás, todas as áreas técnicas, elas sofreram mudanças grandes. As comunicações hoje, elas são bastante diferentes do que eram há quinze anos atrás, há dez anos atrás; elas vêm evoluindo no sentido que você tem muito mais textos para ler, interpretar e aplicar. Igualmente se eu tenho que ler um texto, interpretar e aplicar, óbvio que eu tenho que produzir um texto. Então o profissional hoje ele é requerido também para escrever textos técnicos. “Mas é só um técnico, é o sujeito que tá na obra”. É, é esse profissional mesmo, ele está sendo requerido pra ler, interpretar e escrever textos técnicos. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Felipe, evocando, sua experiência na área, afirma que do técnico não era exigida
nem a alfabetização até os anos 70. O professor atribui um sentido pejorativo às
antigas atividades desses profissionais, ao nomeá-las pelo termo “coisinhas”. Essa
depreciação é duplamente dada pelo termo “coisa”, de sentido indefinido, e pela adição
do sufixo “–inhas”, revestido de um efeito de sentido pejorativo nesse enunciado. As
mudanças nas práticas sociais e discursivas dos técnicos surgiram a partir da década
de 90, quando teve início a produção de “pequenos documentos”. Nessa fase inicial de
mudança, de acordo com o professor, não havia necessidade de adequação do registro
lingüístico para a produção escrita, pois, como os documentos eram “quase informais”,
bastava usar a linguagem familiar, o nível “coloquial”, que, assim, a comunicação se
efetivava. Ao usar o operador argumentativo “mas”, o professor introduz a sua
concepção de mudança: a introdução gradativa da linguagem formal no meio da
construção civil, de acordo com a experiência mais próxima do professor, e também na
“área técnica”. Para o professor, essa mudança não se refere exclusivamente ao léxico
da linguagem técnica, ou seja, “ao jargão técnico”, mas aos recursos lingüísticos
responsáveis pela clareza interpretativa dos textos. A falta de domínio dessa “estrutura
lingüística” é responsável pelos equívocos na comunicação escrita, de acordo com o
que está posto por meio do discurso direto relatado “Ah, eu escrevi assim, mas o fulano
entendeu assado”. Há uma preocupação do professor com a exatidão das palavras no
texto produzido pelos técnicos. Aliás, a preocupação em conter a polissemia da
linguagem que pode dar lugar a mal-entendidos é uma tópica constante entre os
121
professores da área técnica. O português instrumental precisa ser monossêmico. Essa
preocupação com a exatidão no uso das palavras é própria de uma concepção de
linguagem como expressão do pensamento que visa à coincidência entre o dizer e o
pensar. Se a “exteriorização desse pensamento não for traduzida por meio de uma
linguagem articulada e organizada” (Travaglia, 2000: 21), a comunicação exata não se
efetivará.
(...) Até a década de 70 se ele fosse analfabeto não faria diferença. (...)De qualquer jeito, trabalharia na área técnica. Ele precisaria ser, realmente, fazer as coisinhas que ele tinha que fazer lá. Na década de 90, o pessoal começou a produzir pequenos documentos, quase informais e aí a linguagem coloquial rolava e não tinha nenhum problema, as pessoas se entendiam. Mas da década de 90 pra cá o formalismo vem cada vez mais tomando conta das obras. E eu falo de obras porque a minha experiência é com obras, mas é caso geral, área técnica... (...) isso vai além do jargão técnico propriamente dito, porque existe toda uma estrutura lingüística que você precisa dar suporte, as pessoas começaram a descobrir que: “Ah, eu escrevi assim, mas o fulano entendeu assado”. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Em outro trecho da entrevista, ao explicitar as necessidades lingüísticas do aluno
que ingressa no curso técnico, novamente os sentidos relacionados à concepção de
linguagem como expressão do pensamento reaparecem na fala de Felipe que faz
referência à necessidade de se estruturar o pensamento “na hora de se comunicar”. Ele
admite que o aluno tenha essa estrutura, no entanto, não “sabe se comunicar”. O
domínio da habilidade de organização do pensamento é atribuído ao professor de
Língua Portuguesa. Assim, além de ajudar o aluno a desenvolver essa habilidade, deve
ajudá-lo a sistematizar as informações adquiridas nas aulas técnicas. Para tanto, deve-
se ensinar a produzir textos em “forma de relatório”, cuja estrutura se assemelha à da
“monografia”. Essa classificação é assumida pela pesquisadora em um outro momento
da entrevista e retomada, na voz do professor, através do enunciado “como você diz”.
Há um ponto essencial a ser observado na fala do professor: o uso da expressão
“construa junto com”, em vez de “ensine”, para se referir ao trabalho que deve ser feito
com o aluno. No predicado “construa junto com o professor”, ressoa
122
interdiscursivamente a voz dos novos paradigmas educacionais, traduzidos nos
Referenciais Curriculares da Educação Profissional19.
(...) são duas coisas que a gente espera que o aluno construa junto com o professor de Língua Portuguesa: uma é essa estrutura de pensamento na hora de se comunicar, ele sabe, mas ele não sabe comunicar, porque ele tem uma estrutura de pensamento organizado e o professor de Língua Portuguesa tem essa habilidade, essa capacidade de organizar as idéias da gente e sistematizar. E a outra é de realmente dar forma ao relatório. Produzir essa forma, de monografia, como você diz, é que é uma coisa que não tá presente no profissional, ele simplesmente se preocupa em reunir as informações, mas não preocupa... (...) em sistematizar, exatamente. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
No enunciado a seguir, sinaliza-se uma mudança social, pois novas práticas
sociais estão sendo requisitadas no meio profissional. Para atender a essa nova
demanda, é preciso desenvolver atividades pedagógicas que promovam a assimilação
de uma linguagem mais exata, articulada em uma forma preestabelecida de acordo
com um relatório-modelo. A fala do professor Felipe é atravessada pelo discurso
empresarial do mundo globalizado, pois as práticas discursivas exigidas do novo
profissional devem, efetivamente, eliminar as dificuldades de interpretação e,
conseqüentemente, reduzir os custos de um empreendimento, como “perda de tempo”
e “erros graves”. Havendo, portanto, essa preocupação com o texto escrito, novas
práticas discursivas “começaram a tomar conta nas obras”. O professor valoriza essas
práticas com base na freqüência com que elas ocorrem, porque, se “quase que
diariamente a gente tem relatórios técnicos”, há necessidade de se preocupar mais com
a aplicação e o aperfeiçoamento dessa atividade. Houve também mudança quanto ao
modelo utilizado para sistematizar a comunicação entre os trabalhadores no canteiro de
obras. O professor desmerece o antigo modelo, pois, ao se referir a ele, avalia-o com o
adjetivo “mero” e com o sufixo “-inho”, adicionado ao substantivo “formulário”,
conferindo, assim, um sentido pejorativo ao relatório que antes era praticado
burocraticamente. Para Felipe, o formulário que requer apenas um simples
preenchimento de lacunas continuará existindo, entretanto, ele está deixando de
19
“A ênfase anterior nos conteúdos do ensino transfere-se para as competências a serem construídas pelo sujeito que aprende” (Referenciais Curriculares, 2000: 10).
123
atender às necessidades atuais das empresas. As exigências do meio empresarial
relacionam-se ao plano qualitativo das informações contidas nos relatórios, ou seja,
elas precisam ser detalhadas, como é dito em “de quê, com quem, com quantos
operários, tava sol, tava chuva”, a fim de cumprir a função de representar com exatidão
a real situação da obra executada. As informações exatas são fundamentais na gestão
inteligente dos gastos e no cumprimento do cronograma de execução, metas visadas
por todo empresário.
Pra tirar dúvida e aí acabava gerando despesa, perda de tempo, erros graves na obra. Então começou-se a preocupar com formalizar, com escrever, com tomar cuidado no que escrever, que as coisas poderiam ter outro sentido dependendo da forma como escrevesse; e nessa época, no final da década de 80, início da década de 90, os relatórios técnicos eles começaram a tomar conta nas obras. Quase que diariamente a gente tem relatórios técnicos e antes esses formulários eles eram meros, desculpe, esses relatórios eles eram meros formulários. Quer dizer, você tinha um formulariozinho, preenche ali, tá pronto. (...) O formulário eu acho que ele vai sempre existir, porque ele reúne... (...) Ele reúne as informações, mas cada vez mais você tem que começar dar informações qualitativas e interpretativas acerca daquele formulário. Produziu-se 50m², de quê, com quem, com quantos operários, tava sol, tava chuva; enfim você começa a trazer mais informações que te permitem avaliar realmente aquilo que você tá relatando. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
Conforme o enunciado a seguir, as mudanças ocorridas no gênero relatório
técnico foram motivadas por um grupo restrito de professores habituados também à
prática do relatório científico. Em “a gente tem alguns professores, poucos, é bem
verdade, mas tem alguns professores”, há vários elementos modalizadores que
cumprem o papel de restringir o número de professores enquadrados nesse grupo: o
sentido de redução produzido pelo pronome adjetivo “alguns” é reforçado pelo advérbio
“poucos” e confirmado pela perífrase verbal “é bem verdade”. Para Felipe, há apenas
um número reduzido de professores que tem a prática da produção científica e foram
eles, então, os responsáveis por identificar as semelhanças entre um relatório científico,
próprio do meio acadêmico, e o relatório técnico, produzido nas empresas. E, assim,
chegaram à conclusão de que esses modelos eram “rigorosamente o mesmo”. As
diferenças percebidas referem-se à linguagem, pois para a produção do relatório
124
científico há uma cobrança maior quanto ao “rigor” das palavras, e com a estrutura
composicional do gênero. Já no relatório técnico há uma “simplificação” da linguagem,
no entanto, não se pode dizer que as mudanças no nível lingüístico dos dois modelos
de relatório tenham sido significativas, e isto está posto em “é um pouco mais simples”
e retificado em “não é muito mais simples”. Em seguida, Felipe explicita algumas das
mudanças quanto à estrutura e ao conteúdo a ser exigido em cada uma das divisões do
relatório técnico: do mesmo modo como a produção científica, “os relatórios comerciais”
requerem a “revisão de literatura”, entretanto ela é reduzida. A necessidade de uma
“base científica” encontra justificativa no meio comercial, que sofre coerções
mercadológicas dos clientes e de atuais órgãos de controle de qualidade, como o
“código de defesa do consumidor”. A necessidade de amparar-se em argumentos
convincentes diante de um mercado cada vez mais exigente provoca mudanças no
gênero relatório técnico, que hoje também se vale do rigor da ciência. Assim, é exigida
a padronização e o embasamento científico nos relatórios produzidos nas empresas e
essa coerção é transferida para as práticas pedagógicas das instituições responsáveis
pela formação do sujeito profissional.
É, na verdade a gente usa aqui no Cefet essa estrutura mais de monografia um pouco por conta da formação de alguns professores, quer dizer, a gente tem alguns professores, poucos, é bem verdade, mas tem alguns professores que produzem também relatórios científicos e esses professores eles começaram a perceber o seguinte: que o relatório técnico e o relatório científico são rigorosamente o mesmo. O que que muda? O rigor das palavras, ah... (...) No científico é mais rigoroso, no científico o pessoal se preocupa mais com a estrutura “não isso tem que vir antes, aquilo tem que vir depois”. E o pessoal no meio técnico comercial não se preocupa tanto com a seqüência que as coisas aconteçam, desde que eles estejam lá presente. (...) É um pouco mais simples. Não é muito mais simples, é um pouco mais simples. O que acontece é que nos relatórios comerciais você negligencia revisões bibliográficas, revisão de literatura. Normalmente se colocar lá dois, três parágrafos, 10 linhas, é só realmente pra citar onde está a base científica. No relatório científico não, isso vai a fundo; mas mesmo nos relatórios comerciais hoje você ainda encontra uma base científica; o pessoal não tá abrindo mão disso, porque, sobretudo agora que você tem código de defesa do consumidor que começa a cobrar do profissional, da empresa, padrões. “Ah, de onde você tirou isso, porque que é assim?”. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004).
125
Na voz do professor, no excerto seguinte, há confirmação de mudanças nas
práticas profissionais, admitidas como de responsabilidade das instituições de ensino,
mas também como resultantes de coerções do mundo empresarial. As vozes desse
grupo social respondem à preocupação em diminuir os problemas financeiros
decorrentes das ambigüidades semânticas de seus textos. Esse sentido está posto por
meio de representação do discurso das empresas em “ah, mandou uma comunicação
assim, o sujeito entendeu assado”. A aceitação, por parte desse grupo, do novo modelo
de relatório originário do meio acadêmico aconteceu em decorrência dos bons
resultados na comunicação, ou seja, “começou a responder academicamente com
solução pra esse problema, as soluções foram bem vindas”. A promoção do relatório
técnico acontece inclusive no setor de marketing de algumas empresas, conforme o
exemplo apresentado pelo professor, que teve a oportunidade de presenciar o uso de
um relatório técnico como estratégia comercial da empresa de produtos de beleza
“Natura”. A empresa utilizou, como publicação de caráter propagandístico, um relatório
produzido pelos engenheiros responsáveis pela construção de uma fábrica-sede. O
professor finaliza o enunciado, admitindo que a habilidade de sistematizar informações
é própria de professor, é, como ele diz, “vício de professor”. E esse “vício” está
promovendo mudanças benéficas junto às práticas discursivas empresariais.
Entretanto, o modelo de relatório acadêmico ou técnico sofre adequações conforme o
estilo de cada empresa, além de não apresentar “o rigor científico” próprio do modelo
de origem.
(...) há uma mudança no meio profissional. Agora essa mudança foi produzida pelo meio acadêmico porque encontrou um anseio no meio profissional. O meio comercial precisava se expressar melhor, tava com problemas, tinha muitas dificuldades, tavam resultando em muitos processos pras construtoras, processos judiciais por conta de erros de execução, erros, dúvidas do que foi feito. (...) Prejuízos financeiros por erro de comunicação. “Ah, mandou uma comunicação assim, o sujeito entendeu assado”. Eles começaram, eles tinham problemas e na medida em que você começou a responder academicamente com solução pra esse problema, as soluções foram bem vindas. Eu tenho um relatório agora dessa semana que eu participei de um Congresso, vi um relatório que é comercial, de uma empresa chamada Natura, que produz cosméticos. Ela usou um relatório técnico como marketing da sua empresa. Se você perceber e fala: “Nossa, mas que gostoso de ler esse relatório, que é uma (?)”. Claro, eles deram uma arrumadinha pro
126
pessoal de marketing. Mas ele não fugiu do padrão técnico em momento nenhum. Cuidado com as referências bibliográficas, cuidado com a fundamentação... (...) É um livro, eles publicaram um livro. (...) Eles publicaram um livro com um relatório técnico. (...) O relatório técnico foi entregue pra empresa ao final da obra e aí a empresa disse assim: “Aqui tá uma oportunidade de marketing”. Então colocaram alguns competentes de marketing, mexeram um pouquinho na apresentação de forma que aqueles desenhos pesados dos engenheiros foram estilizados pelo pessoal de marketing; mas se você pegar o relatório técnico que deu origem à publicação, praticamente o texto é o mesmo. “Foi um engenheiro que escreveu isso?” Foi um engenheiro. (...) De acordo com o estilo dele, claro. Não há o rigor científico, nem o estilo científico de produzir monografia, mas as informações todas estão lá e isso é o que interessa no meio comercial, no meio técnico. Essa questão de sistematizar eu diria pra você que realmente é o vício de professor. Que tá produzindo, de uma certa forma, um benefício para o meio profissional, porque as pessoas estão se apropriando deste formato e tão produzindo documentos consistentes. (Entrevista – Felipe, 06/12/2004)
No enunciado a seguir, a concepção construída pelo professor João acerca do
ensino de Língua Portuguesa parte de sua valorização atribuída à área de linguagens.
A prática discursiva do professor é marcada pela subjetividade, garantindo um alto grau
de comprometimento do locutor com o que está sendo dito. Além do verbo “acho” no
trecho “eu acho fundamental”, há também um uso duplo do pronome “eu”, intensificado
pelo elemento “particularmente”. Essas marcas são empregadas no enunciado como
introdutórias da avaliação que o professor faz de sua prática pedagógica, realçando as
habilidades lingüísticas que os alunos precisam assimilar para a produção dos
relatórios. A primeira delas é o domínio do vocabulário técnico, imprimindo, ao ensino
de Língua Portuguesa, um caráter instrumental. Entretanto, percebe-se que a outra
habilidade, produzir texto “coerente” e “coeso”, é efeito de um processo de interpelação
pelo discurso do novo paradigma do ensino de línguas generalista. Para desenvolver
esse quesito, João conclama a participação do professor da área de linguagens: “eu
sinto falta desse trabalho através da área da Língua Portuguesa, ou das
comunicações”. E o trabalho do professor de Língua Portuguesa deve ser direcionado
para as especificidades da profissão, ou seja, atividades “aplicadas” conforme as
necessidades da formação técnica de cada área profissional existente na instituição.
Assim como deve haver “Física pra Eletrotécnica, Física pra Construção Civil, Física
pra Serviços”, deve haver uma Língua Portuguesa específica para cada curso.
127
Agora, especificamente como você perguntou a questão da língua, eu acho fundamental. Eu, particularmente, eu sempre exijo nos meus relatórios que o aluno use tanto a linguagem técnica adequada, o vocabulário técnico adequado, porque os relatórios são relatórios técnicos e a questão também da coesão e coerência, tem que ter isso; quer dizer, não é só usar o vocabulário técnico, mas tem que ser coeso, coerente, e isso eu sinto falta desse trabalho através da área da Língua Portuguesa, ou das comunicações em si voltada para a parte técnica. (...) Então tem que ser uma coisa aplicada. Então eu tenho que ter Física pra Eletrotécnica, Física pra Construção Civil, Física pra Serviços, e a mesma coisa é a questão da língua: tem que ter a Língua Portuguesa voltada para as áreas específicas. (Entrevista – João, 14/12/2004)
Na seqüência da entrevista, João volta aos quesitos lingüísticos reivindicados
para a produção de um bom relatório técnico: “vocabulário técnico”, “coesão”,
“coerência”, vinculando-os, então, à inteligibilidade do texto, pois o leitor precisa
compreender claramente o que está sendo exposto para, se necessário, desenvolver o
trabalho técnico descrito no relatório. Esse sentido circula, em nível de posto, em “é que
qualquer outra pessoa que pegue pra ler, ela entenda aquele relatório e talvez saiba até
desenvolver aquilo que está no relatório”. Na concepção do professor, a compreensão
de um texto é de plena responsabilidade do produtor. Ao dizer “qualquer pessoa que
pegue pra ler”, o professor pressupõe que todos os leitores são iguais e meros
decodificadores de um código, não importando seu conhecimento de mundo e sua
competência lingüística para atribuir sentidos ao que lê. Quem deve ter a preocupação
da inteligibilidade do texto é o seu produtor. João acrescenta uma outra base
instrumental para o ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos que está
relacionada especificamente a área da metodologia científica. O conceito de relatório
técnico adotado pelo professor está intimamente ligado ao gênero discursivo
“monografia”, estruturado em: “pré-texto, introdução, desenvolvimento e conclusão”. O
desenvolvimento desmembra-se em “fundamentação teórica”, “materiais utilizados”,
“procedimento”. Para tanto, é preciso dar uma “seqüência lógica” à estrutura do
relatório, concebida por ele como “coerência”. Também na fala de João reaparece a
preocupação com a exatidão da linguagem em relação ao conteúdo, referida pela
expressão “seqüência lógica”. Quer dizer, a linguagem do relatório precisa ser
128
suficientemente exata para permitir a replicação da experiência e do procedimento
técnico se necessário for.
Então é... (...) Exatamente. O que a gente espera é isso, que já que os relatórios são técnicos, então ele tem que ter o vocabulário técnico e tem que ter também a questão da coesão, da coerência no desenvolvimento desse relatório em si. Quer dizer, o corpo do relatório tem que ser um corpo coeso, porque qual que é a função de um relatório: é que qualquer outra pessoa que pegue pra ler, ela entenda aquele relatório e talvez saiba até desenvolver aquilo que está no relatório. Então por isso tem que ter realmente essa questão da Língua Portuguesa. voltada pra área técnica (...). Eu já cobro essa questão do relatório. Eu tenho mais ou menos um modelo de relatório padrão técnico (...) introdução, referencial, exatamente, nesse sentido. Então ele tem que desenvolver... (...) É mais ou menos assim: a introdução, isso já no texto, sem falar na questão do pré-texto. E seria a introdução, o desenvolvimento e a conclusão. (...) Dentro do desenvolvimento ele faz a fundamentação teórica, ele trabalha materiais utilizados, citando todos os equipamentos; ele tem que fazer a citação da tensão de corrente, até do tipo de aparelho, se é corrente alternada, corrente contínua, por exemplo, então ele tem que fazer toda a especificação técnica desse material. Ele tem que fazer o procedimento, como se desenvolver aquela experiência, aí que entra também a Língua Portuguesa, então ele tem que dar a coerência nisso aí, uma seqüência lógica nisso aí, e... (Entrevista – João, 14/12/2004)
O professor João, ao avaliar as atuais práticas pedagógicas nos cursos
profissionais, admite a necessidade de elo entre a área técnica e a área de formação
geral para desenvolver melhor a “questão da linguagem”, introduzida nos cursos
técnicos desde a implantação do regime semestral pós-médio, ocorrida em “2000”.
Esse trabalho integrado deve acontecer conforme a necessidade identificada pelos
professores da área técnica. Perpassa, portanto, na voz de João, a concepção de que o
professor de Língua Portuguesa precisa estar disponível para atender aos chamados
dos professores da área técnica, à maneira de um “consultor” para assuntos
lingüísticos. Todavia, a efetivação desse elo entre as áreas é admitida como inexistente
devido à falta de empenho da instituição. Inicialmente, o professor diz, em nível de
pressuposto, que “a escola” está preocupada com uma integração entre as práticas
pedagógicas de ambas as áreas, porém não toma providências para que isso aconteça.
Ou, como o professor diz, não formula uma proposta. Assim sendo, a formação do
profissional fica comprometida. Para que esse quadro de entraves administrativos seja
129
minimizado, João sugere, num enunciado modalizado pelo sentido hipotético dos
verbos “seria” e “tivesse”, uma ação compartilhada também por outras vozes da área
técnica: a disponibilização de um professor de Língua Portuguesa para cada gerência,
uma espécie de professor de Língua Portuguesa de plantão para as emergências.
(...) De se tá introduzindo essa questão da linguagem dentro da área técnica. E nesses últimos anos, principalmente de 2000 pra cá, os alunos que já estão aqui dentro, eles têm evoluído, ao longo do curso, através desse trabalho, mas também tá na questão de o próprio professor chamar alguém, ele sente a necessidade, ele chama alguém da área de línguas pra vir fazer o trabalho. Quer dizer, a escola em si não tá muito, não digo preocupada, mas não tá tentando fazer esse elo que necessita da área técnica com a área de formação geral, principalmente no que diz respeito às linguagens. Então acho que tinha que ter uma proposta, partir de uma proposta da escola. (...) ainda não é satisfatório. Teria que ser um trabalho mais sistematizado. (...) O bom seria que cada gerência tivesse um professor à disposição. (Entrevista – João, 14/12/2004).
O professor, a seguir, explicita sua proposta para a Língua Portuguesa nos
cursos técnicos, partindo da observação de que a carga horária destinada à habilidade
de produzir relatórios técnicos é insuficiente. O professor critica também o fato de a
Língua Portuguesa ser oferecida de modo “estanque”, em “um momento”, quer dizer,
isoladamente. João propõe que essa habilidade aconteça de maneira contínua em todo
o curso, como está posto em “deveria ser um processo ao longo de todo o curso”. A
proposta apresentada pelo professor é abrandada pelo modalizador “eu acho” e pelo
uso reiterado do tempo verbal de sentido hipotético. Entretanto, esse abrandamento é
quebrado no enunciado em seguida, quando a expressão “tem que ser” confere, ao que
é dito, um tom mais incisivo. “Tem que” é um modalizador que indica obrigatoriedade.
Não, ela é bem estanque, é um momento. Existe um momento específico lá no início, e com uma carga horária muito pequena, em torno de 12 a 15 horas (...). Muito insuficiente. Além de ser insuficiente eu acho que não deveria ser somente momentos, eu acho que deveria ser um processo ao longo de todo o curso. Então desde o início, desde o 1º Módulo, ou 1º Bloco, como a gente tá usando hoje, até lá o final. Então tem que ser um acompanhamento ali constante. (Entrevista – João, 14/12/2004).
130
Diante da questão acerca da existência de um trabalho integrado entre as áreas,
o professor admite que a sua efetivação ainda não ocorreu da maneira como ele o
concebe, pois não houve o acompanhamento de um professor de Língua Portuguesa
durante “todo o curso”. Um dos entraves apontados por João para o desenvolvimento
das atividades pedagógicas integradas provém da omissão do próprio CEFETMT, já
que é ele o responsável por oferecer “condições” de trabalho aos professores. Para
enunciar essa explicação, o professor reage emotivamente por meio do modalizador
“infelizmente”, produzindo um efeito de desaprovação diante do que está sendo dito. Na
voz de João, há um compartilhamento de discursos, pois o reconhecimento da
inexistência de um trabalho integrado é generalizado na voz dos professores
entrevistados. O desejo do professor de realizar um trabalho verdadeiramente integrado
com o professor de Língua Portuguesa expressa-se no enunciado “mas eu gostaria de
fazer um trabalho bem integrado” e repetido duas vezes na seqüência. Há, ainda, uma
preocupação em acentuar o “trabalho integrado” com o emprego do advérbio “bem”,
com o intuito de explicitar seu anseio por aplicar uma prática pedagógica que se
desenvolva além do básico exigido pela maioria.
É, diretamente assim com o professor (de português), não. Eu já tive assim momentos de tá sentando com o professor de português e de inglês também, mas não que ele tenha me acompanhado ao longo de todo o curso. Infelizmente até por questões da própria escola não oferece essa condição pra gente. Mas eu gostaria de fazer um trabalho bem integrado; pelo menos ao longo de um período, de um módulo que eu tivesse trabalhando eu gostaria de fazer um trabalho bem integrado e bem contínuo com alguém da Língua Portuguesa e da Língua Inglesa também que eu utilizo muito. (Entrevista – João, 14/12/2004).
Os professores da área técnica são unânimes em conceber o ensino de Língua
Portuguesa como importante e necessário, desde que em sentido instrumental, ou seja,
desde que promova satisfatoriamente a aprendizagem de práticas de leitura e escrita
específicas do campo de atuação profissional. Constantemente, evocam as tópicas do
“o aluno não sabe ler”, “o aluno não sabe escrever”, “não sabe expressar suas idéias”, a
exemplo dos professores Sérgio e Carlos. O professor Sérgio diz que a falta da
habilidade de leitura dificulta o desenvolvimento de duas importantes atividades no
curso, como “ler manuais técnicos” e “redigir relatórios técnicos”. Em nível de
131
pressuposição, ele diz não esperar uma produção muito elaborada, com primor formal e
lingüístico, pois aceita a característica da simplicidade para esse gênero discursivo.
Além da escrita, o professor ressalta a necessidade de desenvolver a oralidade do
aluno, porque uma das competências a serem exigidas do profissional é a
comunicabilidade com o cliente. Ao se referir a essa exigência, o professor constrói
vários enunciados repetindo a conjunção dos signos “tem que”, imprimindo, assim, o
sentido de obrigatoriedade para essa competência. Na conclusão de sua fala, iniciada
pelo advérbio “então”, o professor reforça o valor que atribui às competências de
produção de texto e de comunicação oral com o uso do advérbio “bastante”,
intensificando o sentido do adjetivo “importante”.
A Língua Portuguesa nos cursos técnicos hoje é muito importante porque nós temos uma gama de alunos que vêm pra escola, e às vezes não sabe nem ler e aí no curso técnico o aluno faz o curso técnico e ele precisa de redigir lá relatórios, é...ler manuais técnicos e fazer o quê, relatório, e às vezes o aluno não tem condições. Então é muito importante a Língua Portuguesa nos cursos técnicos exatamente pra ele, pelo menos aprender fazer um relatório, mais simples que seja, mas ele sabe fazer um relatório. (...) Os dois itens são importantes, tanto a escrita quanto a oralidade, porque o aluno ele precisa de atender público, ele precisa de conversar com as pessoas, vamos supor que ele vai numa empresa fazer manutenção de uma impressora, manutenção de um equipamento numa central telefônica, então ele tem que saber conversar com a pessoa, então ele tem que também saber falar, então não é só a escrita como falar, porque ele tem que falar com as pessoas o que aconteceu e tem que passar pro papel também, então os dois itens são bastante importantes. (Entrevista – Sérgio, 28/10/2004)
Já Carlos, de acordo com o que está posto no excerto a seguir, ressalta a
competência lingüística escrita do aluno, pois considera essencial a produção de
relatórios no ensino técnico. O professor tem a preocupação de exemplificar a
inabilidade do aluno com a escrita, ao citar um dos usos mais corriqueiros da linguagem
dentro da instituição – o “processo”, considerado um expediente utilizado por todos os
sujeitos sociais desse estabelecimento público, inclusive os alunos. No enunciado “o
aluno não tem articulação nenhuma pra escrever”, há uma avaliação depreciativa
enfática da competência lingüística do aluno, expressada pelo pronome adjetivo
“nenhuma”. O professor enuncia uma concepção bastante comum a respeito da escrita
em “escrever mesmo é uma questão de talento”, ou seja, o indivíduo é dotado de uma
132
aptidão natural para a produção escrita. É a repisada teoria da escrita como dom,
inspiração e não como transpiração, trabalho. Em outros trechos da entrevista, Carlos
emprega o termo “dom” em substituição a “talento” para se referir a essa questão. Há,
no enunciado a seguir, uma dicotomização entre “escrever certo” e “escrever errado”. O
professor usa o conceito de “certo” para a escrita que obedece às regras ortográficas e
“errado” para a que apresenta problemas quanto a esse item gramatical. Entretanto, o
professor desvincula a “inteligibilidade” da escrita “certa” ou “errada”, no sentido restrito
que dá a esses termos. O professor diz que o aluno, mesmo não obedecendo à
correção ortográfica, pode apresentar clareza em seu texto e, por conseguinte, ser
compreendido pelo leitor. Por outro lado, o aluno pode não cometer “nem um errinho”,
“escrever certo”, mas não “escrever nada” inteligível. Se o critério da inteligibilidade não
é atendido, corre-se o risco de despender tempo para retornar ao produtor do texto e
exigir-lhe esclarecimentos orais quanto ao que foi escrito no processo. Quer dizer, na
opinião do professor, o texto escrito precisa ser suficientemente inteligível para se
tornar livre de seu contexto de produção, independente de seu enunciador. Essa
qualidade precisa ser cultivada pelo professor de português. Esse sentido está posto
em “liga pra ele e fala pra ele vir aqui pra ele explicar o que ele quer”, enunciado que
representa a voz de um sujeito investido de uma autoridade administrativa, como
coordenação ou gerência, responsável por emitir a ordem de convocação do aluno.
Para Carlos, o papel do professor de Língua Portuguesa no curso técnico resume-se na
correção ortográfica e na estruturação dos relatórios. No final deste enunciado ecoa, na
fala de Carlos, tal como na do professor Sérgio, a mesma perspectiva de significar a
participação do professor de Língua Portuguesa nos cursos técnicos. Além de corrigir a
parte da ortografia, cabe ao professor de Língua Portuguesa “dar uma noção básica (...)
daquela espinha, da estrutura do relatório”, para que o aluno possa fazer um relatório
decente. Quer dizer, ao mesmo tempo em que a Língua Portuguesa é vista como uma
competência importante na formação do técnico, a atuação do professor de português é
minimizada.
O aluno que trabalha com o ensino técnico ele tem que fazer muitos relatórios. Então fazer relatório o cara tem que saber escrever, desenvolver a escrita. Porque a gente percebe aqui nitidamente (?) quando você recebe um processo, qualquer coisa pedindo alguma coisa,
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o aluno não tem articulação nenhuma pra escrever. Então a técnica de redigir pelo menos o básico; escrever mesmo é uma questão de talento, eu penso assim. Tem gente que escreve errado, mas você consegue entender o que ele tá querendo. E outros que escrevem certo, mas não escrevem nada, não tem um errinho de português. Mas não está escrevendo nada, entendeu? Ele fala, fala, você tem que chamar aqui ele, e falar assim, olha, “liga pra ele e fala pra ele vir aqui pra ele explicar o que ele quer”. Não sabe nada, não consegue nada. Então o que a gente pede para os professores aqui hoje é pra que eles, além de corrigir a parte de ortografia, tal, tem que dar uma noção básica, técnica, pra que o aluno possa fazer um relatório decente, é que...dentro daquela espinha, estrutura do relatório, que ele quer escrever. (Entrevista – Carlos, 29/10/2004).
No enunciado a seguir, Carlos define detalhadamente a principal prática de
produção escrita do profissional da área de Construção Civil, o livro de obra,
considerado um “documento” de registro diário de informações sobre o andamento da
obra. O professor, ao formular a questão “não sei se você sabe”, em nível de
pressuposto diz que a pesquisadora desconhece essa prática discursiva, e reforça esse
sentido no final do enunciado, quando formula a questão “Você nunca viu esse
modelo?” e se oferece para mostrar um exemplar do livro de obra em “Posso trazer pra
você ver o modelo dele”. Como que para me apresentar o gênero em pauta, o professor
discorre sobre suas características. Primeiramente, o professor apresenta um possível
produtor desse gênero, definido pela função que exerce – “fiscal” de obra. Em seguida,
os enunciados que relatam a atividade desse profissional resumem um dito que se
refere ao tempo e aos erros de execução, bem como às sugestões para o andamento
normal da obra. Os professores da área técnica atribuem a classificação de “relatório”
para o gênero discursivo praticado na obra, com base na estrutura tipológica acionada
no processo de produção: o relato das atividades do cotidiano profissional. Para essa
prática discursiva não importa o grau de formação acadêmica, pois, de acordo com o
professor, “o engenheiro produz, o técnico produz”. Para realizar esse registro, o
profissional não conta com nenhum formulário de apoio. Tem que saber registrar o que
viu discursivamente, já que não tem nada de “marcar com x”. O relatório assume a
função de veículo de “comunicação oficial” entre ambos os profissionais.
Registro, documento, tal, em obra é isso aí. Todos os dias. Você entra numa obra, o cara tem um livro de obras, não sei se você sabe?(...) Tem um livro de obras. Então eu vou fazer uma visita numa obra, me contrata
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pra fazer uma visita na obra. Hoje chego lá, eu sou fiscal, eu vou fazer diariamente uma visita. Eu tenho que chegar lá e escrever o que que eu vi, se o cronograma tá em dia, o que que eu tenho que fazer pra acompanhar o cronograma, o que que eu encontrei de errado, com relação à segurança do trabalho, com relação à parte técnica de execução, de manutenção, de prevenção, de acidente do trabalho. Todos os aspectos têm que ser escrito no relatório. (...) O engenheiro produz, o técnico produz. (...) Todos os dias têm que produzir relatório. (...) É um livro que você vai registrando o ocorrido diariamente. Não tem, é..., marcar com x não, não tem nada disso não. Não tem formulário pra preencher, não. (...) Ele chega ali, “em visita à obra tal...” (...) Ele relata o que que ele encontrou, os problemas que ele encontrou ali, com relação à segurança do trabalho, quer dizer, no caso específico deste. Nos casos, por exemplo, dos relatórios técnicos de produção, aí ele vai falar sobre o cronograma, se está em dia, se não está em dia, né, vai fazer sugestão pra que ele possa acelerar a obra, trabalho em turnos especiais, reforçar a equipe de trabalho, aumentar o número de maquinários, tem que fazer alguma sugestão. E o engenheiro da obra que tá fazendo a produção vai ter que responder isso aí. Então ali é um processo de comunicação legal, que fica gravado, registrado. Você nunca viu esse modelo? Posso trazer pra você ver o modelo dele. (Entrevista – Carlos, 29/10/2004)
No enunciado a seguir, Carlos delineia o ensino de Língua Portuguesa com
vistas a uma prática instrumental, ou seja, voltada para as práticas de leitura e
produção de textos técnicos. Na voz do professor há um transbordamento do discurso
tecnicista, pois ele descarta a leitura de textos, cujo conteúdo não seja exclusivamente
direcionado à formação do profissional. Carlos demonstra seu apreço pelos gêneros
literários em construções frasais com orações reduzidas “ler um livro de poesia” e “ler
livro de poesia”, qualificadas, respectivamente, pelos adjetivos “bom” e “maravilhoso”.
Entretanto, por meio do articulador argumentativo “mas”, ele se opõe a essa prática de
leitura para os técnicos, pois eles necessitam ler “revista técnica desde pequeno, desde
cedo” e não textos que deixam “coisas por baixo do pano”, indicando que a “música”,
por exemplo, é um tipo de texto carregado de sentidos implícitos e, portanto, não
atende ao critério de objetividade exigido no relatório. O professor apresenta uma
concepção não muito precisa de “parágrafo”, “texto” e “relatório”. Ele vê os dois
primeiros como a “mesma coisa” e também não discerne bem a diferença entre texto e
relatório, admite que o “relatório” é mais específico. Por isso, acredita que um
competente produtor de “textos”, será também um competente produtor de “relatório”, já
que considera a produção de textos mais “sofisticada” do que a produção de relatórios.
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Ler e interpretar texto técnico, por exemplo. A escola tinha que assinar um monte de revista técnica, por exemplo. E o aluno passar a fazer todas as práticas de leitura, não, é certo que ler um livro de poesia é bom, eu acho maravilhoso ler livro de poesia, eu compro livro de poesia; mas eu acho que o aluno tem que aprender a ler o que interessa pra ele e se ele começar a aprender revista técnica desde pequeno, desde cedo, ele vai criar esse hábito, certo? (...) O relatório tem que ser assim, né, objetivo, ele não tem que tá colocando coisas por baixo do pano, como uma música, como um... (...) Então tem redação de parágrafo e ler e interpretação de textos. (...) É redação de relatório, eu falo de parágrafo porque pra mim é a mesma coisa. (...) Só que o termo relatório é mais específico. Mas o cara que escreve, por exemplo, texto, escreve relatório. (...) Tem uma diferença aí, mas é, a pessoa consegue. Eu acho que o texto é mais sofisticado que o relatório. (Entrevista – Carlos, 29/10/2004)
A concepção que César apresenta acerca do ensino de Língua Portuguesa nos
cursos técnicos é atravessada pelo conceito de linguagem como expressão do
pensamento, conforme está enunciado a seguir. Em sua justificativa da necessidade de
“leitura e interpretação” pelos alunos, o professor baseia-se no desempenho lingüístico
insatisfatório demonstrado por eles. O professor associa a dificuldade da escrita com a
dificuldade de expressão da idéia: “ele, às vezes, até pensa corretamente, mas na hora
que ele vai transportar isso pro papel, não sai nada. Então eles não sabem expressar a
idéia”. No trecho seguinte, o professor reitera essa concepção de linguagem e confirma
o caráter instrumental da Língua Portuguesa, ao considerar como “básico” na
aprendizagem “a comunicação verbal e escrita”. Também para César, o problema não é
pensar, o problema é expressar oralmente ou por escrito o que pensa, o problema é a
sincronia entre o pensamento e a linguagem, uma questão inerente à concepção de
linguagem como expressão do pensamento. Diante da súplica “por favor, ensina eles a
ler”, dirigida ao professor de Língua Portuguesa, ao ingressar no curso técnico, César
atribui um alto valor à leitura, considerando-a essencial no processo de aprendizagem.
Entretanto, sua concepção de leitura é bastante restrita, pois considera que saber ler é
ter fluência oral, conforme o que está posto no exemplo sobre a soletração na leitura do
aluno formando.
Nessa 1ª parte, que é a parte de leitura e interpretação, eu falo para os professores o seguinte: “por favor, ensina eles a ler”. Eu preciso que
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eles saibam ler. Eles chegam aqui eles não sabem ler, eles não sabem interpretar, eles não sabem escrever. Ele às vezes até pensa corretamente, mas na hora que ele vai transportar isso pro papel, não sai nada. Então eles não sabem expressar a idéia, não tem nenhuma noção disso. (...) O básico que ele tem que saber é comunicação verbal e escrita, saber expressar uma idéia, colocar uma idéia no papel, seria o básico. (...) Não, textos... no geral. Primeiro que alguns já têm dificuldade de ler. Nós já pegamos alunos aqui que literalmente não sabiam ler. Teve aluno que quase formando, um professor mandou ler um texto e ele começou a soletrar. Mas como é que passou? Carona, né. Vai passando trabalhos aqui, trabalhos ali, e... cola na prova. Essas coisas acontecem. (Entrevista – César, 30/11/2004)
Além da leitura, o professor aponta a produção de relatórios como outra
habilidade a ser desenvolvida com o aluno. Para tanto, um modelo de relatório foi
estabelecido apenas na nova grade do curso, e esse, por sua vez, emprega também a
mesma estrutura de que fala o professor Felipe, pois ambos seguem “os modelos da
ABNT”, que são semelhantes à monografia. César ressalta os aspectos essenciais do
relatório a serem trabalhados, elencando, exclusivamente, conteúdos específicos da
disciplina de Metodologia Científica, como “resumo”, “bibliografia”, “anexo”. César
restringe o sentido de ensinar o aluno a escrever, relembrando o objetivo das
habilidades de ler e produzir relatórios como essencialmente instrumental.
Olha, até hoje nós não temos seguido nenhum modelo (de relatório). (...) Nós pedimos pra seguir o modelo do relatório de estágio, mas agora na grade o enfoque vai ser os modelos da ABNT. Então o enfoque, quando chegar na parte de relatório, não seria nem tanto ensinar a escrever, seria pegar aqueles conceitos do relatório da ABNT e fazer ele entender o que é um resumo, como se faz um resumo, todas aquelas partes do relatório. (...) Uma monografia, as partes da monografia, como é que faz uma bibliografia, um anexo. (Entrevista – César, 30/11/2004)
No enunciado a seguir, a exigência da produção de relatórios técnicos é
referenciada também na voz do professor Antônio. Entretanto, ele traz, em sua fala,
exemplos de outros gêneros técnicos que exigem a produção escrita do profissional da
área da Construção Civil: “a prestação de contas” e a “proposta de serviço”. Para
ressaltar o sentido de obrigatoriedade dessas práticas discursivas da área, os
enunciados são construídos com a modalização “tem que ser”. Por esse motivo, se o
profissional não souber “escrever” ele estará fora do mercado de trabalho, conforme diz
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em “se a pessoa não sabe escrever, ele está fadado ao insucesso”. As motivações
para a produção de relatórios nascem nas empresas, de acordo com o relato do
exemplo do professor que entrou em contato com uma empresa do ramo da
Construção Civil para fazer uma sondagem sobre a atuação dos egressos do
CEFETMT. E, ao responder à questão elaborada pela pesquisadora sobre a recorrência
da produção do relatório, o professor demonstra certo entusiasmo, expresso
principalmente pelo adjetivo “gratificante”, no final do enunciado, e também ao relatar a
atitude da empresa em acatar o modelo adotado pela instituição de ensino. O modelo e
o objetivo do relatório são ditos por meio de enunciados estruturados com marcas de
discurso direto, inclusive com verbos dicendi, com a função de representar a voz do
engenheiro da empresa: “Ele falou: ‘Nós precisamos que a pessoa relate o que existe
na obra... ’”, e do professor no momento da visita à empresa: “Eu falei: ‘Que forma esse
relatório?’ ”.
Então a gente trabalhava bastante assim integrado e nós vimos a necessidade que nós temos da Língua Portuguesa. Por quê? A nossa área de Construção Civil, qualquer tipo de participação no mercado hoje de profissional tem que ser através de escrita, tem que ser através de relatórios, tem que ser através de prestação de contas, tem que ser através de uma proposta de serviço, e se a pessoa não sabe escrever, ele está fadado ao insucesso. Isso é óbvio. E é óbvio que você tem que seguir normas e isso nós trabalhamos aqui na Língua Portuguesa. (...)É por aí mesmo. Eu, inclusive, tive a preocupação de conversar com uma pessoa da empresa Plaenge, que é um ex-aluno nosso do antigo curso de Edificações, é um engenheiro responsável por várias obras, e eu tava conversando com ele sobre essa questão: como é que nossos ex-alunos, funcionários deles tão trabalhando em termos de verificar determinado problema na obra. Ele falou: “Nós precisamos que a pessoa relate o que existe na obra. Não adianta ele chegar, verificar e falar pra mim. Ele vai relatar, vai escrever e vai assinar”. Eu falei: “Que forma esse relatório?”. “Relatório técnico”. (...) Ele me apresentou um relatório dentro do padrão, dentro da norma, que os dirigentes gostaram da forma. Então isso é gratificante. (Entrevista – Antônio, 28/02/2005)
No enunciado a seguir, Antônio enuncia algumas de suas crenças em relação à
língua. Ele concebe o bom uso da oralidade como conseqüência da escrita e da leitura.
Esse sentido enuncia-se por meio da alternância de ambas as competências: “escreve
e lê”, “lê e escreve”, as quais tornarão a “oralidade mais fácil”, “(...) o comum é que se
você sabe escrever, você sabe falar”. A crença do primado da escrita em relação à
138
oralidade é uma crença arraigada entre aqueles que falam interpelados pelo discurso
da tradição gramatical. Antes de enunciar essa crença, o professor, lançando mão de
uma estratégia de polidez como forma de proteção da face, antecipa que não pertence
à área de Língua Portuguesa. Essa antecipação o protege de uma avaliação mais
crítica por parte da pesquisadora, uma professora da área de Letras. Além disso, há
três frases construídas com verbos “de sentir”, que expressam o caráter particular de
sua avaliação: “eu vejo”, duplamente usado no enunciado, e “eu penso”.
Eu vejo que a questão da oralidade é, de certa forma, se você, eu penso assim, não sou da área de Língua Portuguesa, mas eu vejo assim, se você escreve e lê, ou lê e escreve, a oralidade é mais fácil você adequar. (...) Que tem pessoas que não sabem escrever, sabem falar. Mas o comum é se você sabe escrever você sabe falar, entendeu? Então eu vejo nesse aspecto e lá numa concorrência, numa troca de coisas, a pessoa, a participação oral dele é menor do que a escrita. Então o relatório expressa tudo. (Entrevista – Antônio, 28/02/2005)
No enunciado seguinte, o professor Diego diz que, no curso em que trabalha,
que se configura como “prestação de serviço”, as competências exigidas relacionam-se,
em maior grau, à oralidade, conforme o que enuncia em “é imprescindível o ensino da
língua tanto escrita como falada, principalmente”, cujo advérbio “principalmente” cumpre
a função de intensificar o valor da oralidade. A importância dada a esse aspecto da
linguagem deve-se ao fato de que a variante lingüística dos alunos da cidade é
imprópria para “o tratamento técnico” do profissional. O professor, de maneira polida,
enuncia certo apreço pela variante cuiabana, ao admitir que não vê nela “um defeito” e
tece alguns elogios, como “eu acho lindo o modo de falar daqui do mato-grossense” e
“essa variante que eu acho espetacular”. Entretanto, esse apreço cessa, ao tratar das
exigências das práticas discursivas próprias da profissão de Turismo e Hotelaria. Ao
empregar o operador argumentativo “mas” em “mas na hora que eu preciso para o
tratamento técnico o aluno tem um pouco de dificuldade de se desprender dessa raiz
dele”, o professor, evocando um sentido de oposição, descarta a possibilidade de o
profissional de sua área usar a variante cuiabana universalmente. As funções ligadas a
esse mercado de trabalho exigem o domínio de uma norma lingüística padrão para que,
no momento do atendimento, os falantes de qualquer região compreendem “a
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mensagem”. Nesse caso, a voz do professor é atravessada pela concepção da
linguagem como meio de comunicação.
Pra nós que trabalhamos com prestação de serviço, que a gente trabalha com comunicação o tempo todo, a gente está trabalhando o nosso instrumental de trabalho é o ser humano, na realidade. Então é imprescindível o ensino da língua tanto escrita como falada, principalmente. Nós temos, eu encaro, porque eu não sou daqui, então eu vejo que eu tenho, então isso pra mim é mais claro, eu vejo uma dificuldade muito grande na questão da oralidade dos alunos daqui, na questão, existe a questão cultural que eu não vejo isso um defeito, muito pelo contrário, eu sempre valorizei, porque eu acho lindo o modo de falar daqui do mato-grossense. (...) Essa variante que eu acho espetacular, mas na hora que eu preciso para o tratamento técnico o aluno tem um pouco de dificuldade de se desprender dessa raiz dele. (...) Então é uma coisa que é estranha pra gente, então tem que ter uma linha padrão de atendimento, onde qualquer pessoa, de qualquer lugar entenda a mensagem. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
Para Diego, o uso da variante regional pelo profissional da área hoteleira seria
aceitável no projeto de um hotel hipoteticamente descrito e sugerido no enunciado
abaixo. Nele, o “cuiabanês” seria usado como mercadoria exótica para ser exibida ao
turista. Mesmo assim, o professor não exime o técnico da responsabilidade de assimilar
uma “linha mestra de atendimento”, pois há uma pretensão de se preparar o
profissional para atuar em qualquer região do país. Para tanto, a comunicação deve
primar pela correção, eliminando os “vícios de linguagem”, “as gírias”, “as expressões
idiomáticas”. Como língua normal de interação técnica, o falar cuiabano não é
aconselhável, mas como mercadoria exótica, sim.
Diferente do que a gente tem essa oralidade nossa aqui, eu já estimulo dentro da Hotelaria, dentro da Hotelaria eu já estimulo. Eu já sugeri aos alunos, a gente vai começar a fazer o ano que vem de um hotel onde se fale o cuiabanês. (...) onde o hóspede chegue no hotel, ele receba um dicionário, como já existe, onde todos os funcionários num primeiro momento, num primeiro contato com o hóspede eles falem a língua cuiabana, então isso vai estimular os hóspedes a conhecerem a cultura, na realidade. Então por isso que eu acho super importante, ele tem que saber uma linha mestra de atendimento, um padrão onde eu possa colocá-lo em qualquer lugar no Brasil pra trabalhar, onde que ele consiga se comunicar de uma maneira correta, livre de vícios de linguagem, de gírias, de expressões idiomáticas que a gente tem em todas, em cada região. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
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O enunciado “Então eu andei e morei fora do país também. Então eu escutei
coisa de tudo quanto é lugar, então eu tenho um ouvido um pouco mais treinado”,
cumpre a função de delinear uma posição de autoridade diante de sua percepção
auditiva para identificar as características fonéticas das variantes lingüísticas. Como já
esteve em muitos lugares no Brasil e fora do país, ou seja, como teve contato com
muitas variantes, ele admite estar numa posição favorável para avaliar o “cuiabanês”. O
ethos de Diego é manifestado nesse trecho por meio de uma exposição franca de sua
imagem, particularizada pelo modalizador verbal “acho”, que se reitera no enunciado
para qualificar “a expressão do mato-grossense” como “curiosa”. No entanto, mesmo
que a variante cuiabana “chame a atenção do professor”, o operador argumentativo de
oposição “mas”, empregado em seguida, deixa transparecer, em nível de pressuposto,
que ela é “errada” ou “inadequada” para o mundo do trabalho. Em sua voz há um
atravessamento de sentidos próprios à ideologia purista, pois, para ele, não basta a
correção na língua, é preciso “ter uma língua ideal”. Nesse momento, entra em cena o
ensino de Língua Portuguesa, que cumprirá a função de fornecer ao aluno essa “língua
ideal”. A ridicularização de um traço fonético particular da variante cuiabana aparece na
evocação de uma cena escolar em que o professor responde a uma questão de um
aluno que, ao perguntar, apresenta o fenômeno do rotacismo em sua fala. O fenômeno
do rotacismo – a troca do /l/ pelo /r/ - é considerado pelo professor como um problema
de “dicção”. O senso comum dos imigrantes acerca desse traço lingüístico,
característico do falar cuiabano nativo, permeia os enunciados produzidos por Diego.
Como é habitual entre a maioria dos imigrantes, também Diego avalia negativamente
um traço que, além de “indicador”, é ainda “marcador social”. Provavelmente, no hotel
onde o cuiabanês seria permitido, o rotacismo seria interditado, uma vez que se trata de
um traço estigmatizado por estar associado a analfabetismo, caipirismo, etc. Nesse
caso, o que era “curioso” vira “dificuldade” e “entrave” ao sucesso na profissão.
Então eu andei e morei fora do país também. Então eu escutei coisa de tudo quanto é lugar, então eu tenho um ouvido um pouco mais treinado. E aqui que eu acho curioso, eu acho a expressão aqui do mato-grossense, eu acho ela curiosa, na realidade, ela me chama a atenção; mas, por outro lado, dentro do trabalho eu preciso de ter uma comunicação correta, correta não, ideal, onde todos consigam entender na realidade. Então eu acho que o ensino da língua é muito importante.
141
Eu tenho um problema de acesso de alunos que tem dificuldades em dicção, por exemplo. Que já faz parte do linguajar daqui trocar o /l/ pelo /r/, e às vezes tá escrito uma palavra “flor”, por exemplo, eu já tive aluno lendo “fror”, sabe? Então eles não se atentam pra isso. Então a gente tem oh: “Cuidado com isso”. Um aluno uma vez perguntou: “Quando é que eu vou receber meu ‘diproma’?”. Aí eu falei: “Nunca, o seu ‘diproma’ não vem nunca, mas o seu ‘diploma’ daqui a uma semana você já está pegando, tranqüilamente”. Aí então eu sempre chamo a atenção. (...) É um entrave. É um entrave pra ele. Eu acho que ele tem, a dificuldade que a gente tem é fazer ele distinguir esses dois lados da língua, na realidade, os dois lados. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
As questões referentes à oralidade ocupam um espaço privilegiado na voz do
professor Diego, e, por conseguinte, deve ser trabalhada primordialmente nas aulas de
Língua Portuguesa do curso de Hotelaria, no sentido de eliminar “vícios de linguagem”.
Apenas em um “segundo” momento entra em cena a produção escrita, tida como
necessária para atender às práticas discursivas do profissional. Em sua voz aparecem
referências ao gênero relatório, comumente abordado por todos os outros sujeitos da
pesquisa, e aos gêneros discursivos classificados como “documentos”. Conforme
explicita o enunciado a seguir, os responsáveis por estabelecer modelos para a
produção de relatórios são os “hotéis” e cada qual formula o seu, sem, contudo, fugir
muito da estrutura habitual. A função comunicativa do relatório é semelhante à do livro
de obras da construção civil, pois em ambos o relator discorre sobre os problemas
encontrados e as sugestões para solucioná-los.
Tem, já temos já uma bibliografia já. Já uma bibliografia já. Já temos profissionais especializados nessa área. Então eu adoto esses livros na realidade, a gente faz, existe a ementa na qual eu apresento o professor que começa na questão da oralidade. Já começa com essa questão. Primeiro o professor vai trabalhar a questão da oralidade, da dicção do aluno, na pronúncia correta das palavras, em tentar eliminar um pouco desses vícios. E no segundo momento eles utilizam a Língua Portuguesa aplicada na área de trabalho deles que, no caso, é elaboração de documentos, é elaboração de relatórios. Eles fazem, eles são obrigados a fazer esse material, então eles têm que fazer muito documento escrito. (...) Existem modelos. Cada hotel tem o seu, cria o seu modelo. Cada hotel cria o seu modelo, mas existe uma estrutura mais ou menos semelhante, que varia de hotel para hotel, que é baseado nas normas de administração, na realidade, né, a gente vai fazer verificação de ameaças que tão acontecendo, verificação de pontos fortes naquele momento, dificuldades que tão sendo enfrentadas, sugestão de soluções; então isso precisa de uma parte escrita e isso
142
precisa ser delegado também com a equipe de trabalho. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
O caráter instrumental da Língua Portuguesa é delineado no enunciado a seguir,
quando o professor discorre sobre a habilidade responsável por trabalhar a produção
de textos: “elaborar documentos empresariais conforme normas técnicas”, pois nela
estão expressas as práticas discursivas específicas do profissional da área hoteleira.
Mesmo existindo uma única habilidade com essa função, Diego admite que a produção
de “documentos” e de “relatórios” se desenvolva “em todas as outras disciplinas”, como
também no decorrer dos módulos. Desse modo, a responsabilidade pela produção
escrita é dividida com todos os professores do curso.
O nome da habilidade no nosso curso (pausa) ela se chama “elaborar documentos empresariais conforme normas técnicas”, tá, existe uma normatização. (...) E entram vários tipos de documentos. Eu começo justamente na parte oral e depois eu trabalho com essa elaboração de documentos, os alunos fazem, e eu faço eu peço pro professor distribuir entre todas as outras disciplinas também, que eu, onde seja cobrado relatório em todas as habilidades justamente pra ele treinar não só naquele momento da Língua Portuguesa, mas em todas as habilidades. (...) Em todos eles (módulos) eu exijo relatórios o tempo todo. Todas as visitas técnicas eles são obrigados a fazer uma redação. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
De acordo com Diego, o trabalho instrumental com a Língua Portuguesa é
comprometido devido à falta de professores com formação especializada para atender
o curso de Hotelaria. Diego auxilia o professor de Português com base em sua
experiência construída empiricamente. A fala de Diego revela não haver uma formação
adequada para o trabalho pedagógico no curso, mas sim um “treinamento” improvisado
por ele mesmo, a fim de familiarizar o professor de português com as especificidades
dos gêneros discursivos próprios da esfera de atividade hoteleira. O professor avalia,
de forma depreciativa, o ensino prescritivo e metalingüístico da Língua Portuguesa ao
enunciar “o aluno não quer saber: hoje foi um dia ensolarado, predicado e sujeito”, em
que os elementos “predicado e sujeito” referem-se, metonimicamente, à gramática
tradicional. Nesse enunciado, ecoa a voz do professor de Língua Portuguesa, sob a
forma de representação do discurso da tradição gramatical: “hoje foi um dia ensolarado,
predicado e sujeito”. Através dessa frase, Diego refere-se à inutilidade do ensino de
143
língua nos moldes habituais. Para que serve dizer “hoje foi um dia ensolarado”? Para
que serve estudar “sujeito” e “predicado”? A reivindicação se faz em cadeia: o mercado
de trabalho reivindica dos centros de formação tecnológica o domínio da língua
instrumental, os centros reivindicam das gerências dos cursos, as gerências reivindicam
dos professores técnicos, os professores técnicos reivindicam dos professores de
Língua Portuguesa que são cobrados, na ponta da linha, pelos alunos.
Eu não tive ajuda porque eu não tinha professor especializado na área, um professor que conhecesse, que dominasse esse conhecimento. Então foi mais da minha experiência que eu tive na época de curso, no meu processo de formação, baseado na experiência, que foi feita comigo, da época que eu fui treinado pra isso e tentar aplicar aqui, mas eu não tive no momento ajuda de um professor específico, porque eu não encontrei professor, tive dificuldade de encontrar professor pra aplicar esse conhecimento em Hotelaria, a gente ainda tem essa questão ainda, que os professores que passaram pelo curso tiveram que fazer um treinamento antes comigo: 1º pra aprender o que que é o hotel, porque os alunos cobram da Língua Portuguesa aplicada na realidade deles de trabalho. O aluno não quer saber: “hoje foi um dia ensolarado, predicado e sujeito”. Não, eles querem um exemplo aplicado da língua já diretamente dentro do hotel. Então na realidade os professores daqui não tinham conhecimento, eu tive que fazer um treinamento com vários professores ainda, continuo fazendo até hoje, mas como a gente já senta mais cedo eu converso com os professores. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
O conflito entre os profissionais leigos e os profissionais técnicos é representado,
na voz de Diego, sob a forma de um relato em que são apresentadas algumas
discordâncias entre ele, professor da área técnica, e uma professora de Língua
Portuguesa, sobre o uso de alguns termos próprios do jargão técnico, como “estada e
estadia”, “translado e traslado”. Há, na fala do professor, certa resistência às mudanças
que ocorrem na língua. Mesmo sabendo que elas já foram dicionarizadas devido à
recorrência do uso, Diego é peremptório em defender a forma estabelecida pelos
especialistas do Turismo. E assim, usa-se “estada” para se referir aos hóspedes de um
hotel e “estadia” para a permanência de veículos em um estacionamento. Já “translado”
é usado para se referir ao transporte de seres não viventes e “traslado” para “pessoas
vivas”. No enunciado “se eu tiver fazendo um documento técnico para uma outra
pessoa formada na mesma área que eu, e coloco um ‘translado’, eu tô gerando um erro
144
de informação, eu tô deturpando a informação na minha área de trabalho”, a
obrigatoriedade do uso dos termos em conformidade com os seus sentidos habituais
numa esfera de atividade vem indiciada pela conjunção dos elementos “erro + de +
informação” e do verbo “deturpando”. Como se vê, há uma preocupação acentuada, na
voz do professor, com relação ao emprego de uma linguagem essencialmente técnica
nas práticas discursivas dos profissionais do ramo hoteleiro.
(...) Inclusive eu já tive problemas com professores de português em relação a isso. Eu tive agora em setembro dando um mini-curso, uma professora de português estava fazendo o curso e ela começou a discutir comigo... (...) tinha uma professora como aluna e eu tava discutindo alguns termos técnicos para Hotelaria, por exemplo, a diferença entre “estada” e “estadia”, onde eu utilizo muito material com os alunos, que eu mostro “olha o estadia”, “estadia” pra Hotelaria não é a pessoa ficar hospedada no hotel. Pra nós de Hotelaria, “estadia” é o tempo que o carro tá ali na vaga, no estacionamento, é o navio ali parado no porto. Agora pra nós que trabalhamos com hotel é “estada”. Aí outra dúvida que surgiu: translado ou traslado? Segundo a professora, pelo dicionário Houaiss, hoje, ele aceita ou uma ou outra, tanto faz, tanto faz. (...) O traslado é para pessoas vivas, translado, se eu tô transportando objeto, se eu tô transportando pra nós de Turismo, transportando um corpo, de uma pessoa morta. Então aí que começou a discussão, porque ela, segundo o dicionário, aceita-se com uma ou outra, mas eu, como profissional da área, como técnico, eu não posso aceitar uma versão a outra. (...) Então gerou um certo conflito e eu fui obrigado a falar: “Bom, tudo bem, o dicionário aceita, a Língua Portuguesa aceita, porque o leigo fala isso; a população fala desse jeito, mas nós, se eu tiver fazendo um documento técnico para uma outra pessoa formada na mesma área que eu, e coloco um “translado”, eu tô gerando um erro de informação, eu tô deturpando a informação na minha área de trabalho. (Entrevista – Diego, 30/11/2004)
Os efeitos de sentido produzidos pelos enunciados aqui analisados indiciaram
que a formação discursiva que os professores atualizam predominantemente quando
falam é a tecnicista. Por conseguinte, as concepções e crenças construídas no
exercício de profissões técnicas são acionadas nos momentos em que se estabelecem
as bases instrumentais para as habilidades que envolvem o ensino de Língua
Portuguesa nos cursos analisados. As práticas discursivas construídas pelos
professores em torno do ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos revelam um
processo de interpelação pelo discurso hegemônico capitalista. No universo da
educação profissionalizante, o poder econômico não encontra resistência alguma para
145
impor o perfil de técnico que lhe interessa absorver no mercado de trabalho. Para não
perder espaço, o CEFETMT mobiliza-se no sentido de promover práticas pedagógicas
coercitivamente instituídas para que os alunos obtenham formação qualificada de
acordo com as novas tecnologias e as novas exigências do mercado. A sincronia entre
as demandas do mercado de trabalho e a educação formal é uma meta sempre
almejada pelo ensino técnico profissionalizante.
Dentre as crenças sobre a linguagem que, interdiscursivamente, ecoam na voz
dos professores da área técnica, algumas merecem destaque devido ao seu caráter
extremamente restritivo e retrógrado. Essas crenças, por sua vez, acabam dando o tom
ao trabalho do professor de Língua Portuguesa, pois ocupam um espaço maior nas
práticas discursivas dos cursos. Se há vozes que concebem o trabalho da produção
escrita como uma simples atividade de correção ortográfica, o papel do professor de
Língua Portuguesa resume-se à revisão textual, assemelhando-se à função dos
corretores ortográficos dos programas de computador. Ou ainda, se ler é uma prática
concebida apenas como um processo de decodificação, espaços não serão abertos ao
aluno para que ele construa experiências de produção de leitura. Ao aluno cabe a tarefa
de se submeter a leituras previamente decodificadas pelo professor há anos. Dessa
forma, se o sujeito-aluno não consegue “interpretar” um texto, é porque ele “não sabe
ler”, ou seja, é inapto em tal habilidade. Se ler poesia, letra de música, textos literários
em geral, é perder tempo, então, ao professor de português cabe a advertência para
que ele não desvie das leituras técnicas, como se um pouco de arte não fizesse falta
para amenizar o stress do cotidiano do trabalho e para humanizar as relações sociais.
As práticas pedagógicas realizadas nas habilidades que envolvem o ensino de
Língua Portuguesa são concebidas, portanto, como base instrumental, porque se
direcionam para o desenvolvimento exclusivo de atividades que objetivem o ensino da
leitura de textos técnicos, principalmente as normas da ABNT, e o ensino da produção
de gêneros discursivos técnicos, como os relatórios técnicos. Para tanto, na voz dos
professores da área técnica, ecoam exigências que ora privilegiam um ensino
prescritivista, topicalizando conteúdos gramaticais, como concordância verbal e
nominal, e ora privilegiam conteúdos da área de metodologia da pesquisa científica.
146
As exigências inerentes ao ensino prescritivista, ancoradas na concepção de
linguagem como expressão do pensamento, denunciam uma preocupação com os
conteúdos e a forma como são expressos nos textos. A essa função da linguagem,
Halliday (1976) e Fairclough (2001) atribuem a classificação de “ideacional”. Inclui-se,
nessa função, a necessidade de produzir textos que atendam à exigência da exatidão
semântica, através do emprego de um jargão exclusivamente técnico, desviando-se
totalmente do caráter polissêmico das palavras. Essa, por assim dizer, suposta
inadequação da linguagem para exprimir o conteúdo das ciências não é nova. Ela
acabou gerando a proposição das chamadas linguagens formais, livres das
ambigüidades das línguas naturais.
4.2 Vozes ouvidas na fala de professores de Língua Portuguesa
Nesta segunda seção, percorro o conjunto de enunciados produzidos pelos
professores de Língua Portuguesa, na tentativa de responder a questão relativa a esse
grupo, perscrutando os sentidos conferidos ao trabalho com a Língua Portuguesa nos
cursos técnicos:
• Como os professores de Língua Portuguesa significam o ensino de língua
nos cursos de Construções Prediais, Telecomunicações e Hotelaria? Que
vozes prevalecem na prática do professor de Língua Portuguesa em sala
de aula ao desenvolver as habilidades que envolvem o ensino de Língua
Portuguesa? Qual é o lugar do novo paradigma de ensino de Língua
Portuguesa nas práticas discursivas em circulação no contexto
observado?
Do mesmo modo como os enunciados produzidos pelo grupo de professores da
área técnica convergiram para sentidos relativos a dois temas – o ensino por
competências e o caráter instrumental da Língua Portuguesa nos cursos técnicos,
reúno os enunciados do grupo de professores de português, atenta a essas duas
147
temáticas. Acrescento, ainda, uma terceira subseção que diz respeito ao novo
paradigma do ensino de Língua Portuguesa, a fim de responder qual o lugar que ele
ocupa nas práticas pedagógicas do ensino técnico no CEFETMT.
4.2.1 Os professores de português e o ensino por competências
Como exposto no item 4.1, atualmente todos os cursos técnicos da instituição
contemplam habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa. Para tanto, são
requisitados os professores com formação em Letras, lotados na Gerência de Ensino
Médio, para atender à grande demanda da área. Chamados a atender cursos da área
técnica, os professores de Língua Portuguesa vêem-se diante de um desafio incomum
à sua prática docente: adaptar-se às exigências de qualificação voltada para o perfil
profissional exigido pelo mercado de trabalho e norteador das propostas curriculares
dos cursos.
Diante da nova organização curricular por habilidade, os professores de Língua
Portuguesa vêem-se instados a entrar num universo desconhecido que, entre outras
mudanças, postula o trabalho integrado entre as habilidades e, portanto, entre os
professores que implementam tais mudanças. No entanto, a simples proposição de um
currículo por habilidade não consegue desestabilizar a prática social hegemônica no
mundo da educação formal – a organização curricular por disciplina.
A voz dos professores de Língua Portuguesa, nos enunciados seguintes, indicia
a permanência de um ensino ainda fragmentado à maneira daquele organizado em
disciplinas isoladas. O trabalho articulado, cujo alvo é o desenvolvimento de
competências por meio de habilidades compartilhadas em “situações-meio”, ocorre
muito esporadicamente.
Quando perguntei a Marta sobre as mudanças ocorridas na composição dos
cursos modulares, ela disse, conforme o enunciado a seguir, que o trabalho com as
habilidades não superou o isolamento disciplinar dos outros regimes e não houve
integração entre as habilidades. Lembrou-se de uma única experiência de trabalho
148
articulado com professores da área técnica, de trabalho “em equipe”. A professora, ao
usar repetidas vezes o termo “isolado” e suas variantes, reforça os sentidos acerca da
prática educacional que vigora no curso em que trabalhou. Na fala de Marta ecoa
também o conflito entre as reformas promovidas pelos órgãos reguladores do ensino no
Brasil e a implementação dessas reformas – reformas que parecem estar condenadas a
não sair do papel. Marta parece dizer que ainda não foi dessa vez que teoria e prática
se encontraram. Percebe-se certa relutância da professora em explicitar a sua leitura da
própria experiência no modular. Há todo um esforço para modalizar o dizer no sentido
de torná-lo menos incisivo. Dizer “Ficou muito assim, ficou muito no papel, muito na
teoria” é menos peremptório do que dizer “Ficou no papel, na teoria”. Também o uso de
“Eu acho que...”, antes de “ficou foi a mesma coisa”, cumpre o papel de amenizar a
dureza da avaliação de que “nada mudou”. Efeitos de sentido semelhantes são
produzidos pelo enunciado “Ainda não, ainda precisa mais um tempo aí pra...”. A
expressão “ainda não” projeta o “trabalho conjunto” como algo possível. Em nível de
pressuposto, o “ainda não” diz: no passado e no presente a tão almejada
interdisciplinaridade não se realizou, mas no futuro pode ser que se realize.
(...) naquilo que eu trabalhei ficou isolado do mesmo jeito. (...) Que nem sistema modular, continua assim, bom o organograma , né, foi feito, várias disciplinas, mas a parte de redação oficial que deveria trabalhar em equipe ela continuou sendo trabalhada ali. (...) Isoladamente. Isoladamente, assim eu, os textos eram voltados para o curso. Abriu aí. Mas não houve essa interação entre as outras habilidades. (...) Uma vez. Então houve essa interação, mas foi só aí, mais nada. (...) Então eu senti essa dificuldade, não houve essa interação. (...) Ficou muito assim, ficou muito no papel, muito na teoria. (...) Eu acho que ficou, foi a mesma coisa. Você entendeu? (...) Mas o pós-médio também a proposta era trabalhar em conjunto, mas não. Chegou o modular também, a proposta era essa. (...) Ainda não, ainda precisa mais um tempo aí pra... (Entrevista - Marta, 29/10/2004)
Também os enunciados de Ana indiciam a raridade da experiência de trabalho
interdisciplinar, ou melhor, da interação entre as habilidades. No espaço do não-dito, na
pressuposição do advérbio denotador de exclusão “só”, expresso em duas afirmativas:
“Tivemos... só uma única vez” e “Foi só uma experiência”, há indícios de uma prática
ainda enraizada no modelo disciplinar. Uma conjunção de signos constrói o sentido de
raridade da prática articulada entre as habilidades. Há, por assim dizer, uma saturação
149
desse sentido nos alinhamentos dos signos “só + uma + única” ou “só + uma” ou “uma
+ única”.
(...) Tinha uma outra professora, que ela trabalhava a matéria, a habilidade que se chamava... é...técnicas de...comunicação, oralidade, como falar em público, trabalhava essa parte e eu trabalhava a produção; mas aí às vezes a gente fazia um trabalho assim, como poderia dizer pra você? (...) Um trabalho interdisciplinar. Eu e ela na sala ao mesmo tempo. (...) Tivemos... só uma única vez. Depois ela saiu da escola. Foi só uma experiência, foi uma única vez, porque foi no ano que a professora saiu da escola e aí eles já até um certo tempo eles não tiveram mais essa habilidade, porque a escola não tinha professor. (Entrevista – Ana, 26/10/2004)
O professor Pedro, ao responder a questão acerca das diferenças entre o regime
integrado e o regime modular, diz que atualmente “pelo menos” está havendo a
preocupação com o trabalho conjugado entre as habilidades. Quando Pedro diz, como
posto, antes “era mais isolado”, ele diz, como pressuposto, que o isolamento ainda não
foi superado. Os enunciados seguintes reforçam esse sentido de mudança em
construção. No entanto, afirma que a prática da interdisciplinaridade não se efetivará de
forma imediata, pois reações adversas surgem até mesmo entre os alunos. Quando
consegue, no evento de sala de aula, articular diferentes habilidades, o professor
enfrenta o questionamento dos alunos sobre a “legalidade” de se trabalhar “assuntos”
que não sejam “específicos” da disciplina. Moldados pela prática educacional do
engavetamento dos conteúdos em caixinhas individuais – as disciplinas – os alunos
reagem negativamente às tentativas de diálogo entre as habilidades.
(...) Era mais isolado. Hoje tá havendo essa preocupação pelo menos. Os resultados talvez seja processual, a gente ainda vai ver pela frente, mas há uma preocupação da interdisciplinaridade, de que esses textos sejam trabalhados assim de forma homogênea; é... assuntos transversais que passam pelas mais diferentes habilidades. (...) Hoje a gente leva algumas frentes, às vezes até o aluno questiona sobre a legalidade demonstrando: “Mas ah, (?) isso não é específico da disciplina”, e não essa multiplicidade de possibilidades que hoje as disciplinas, as habilidades permitem. (Entrevista – Pedro, 09/02/2005)
150
Com relação à prática pedagógica articulada em torno de um trabalho integrado,
como deve se configurar no ensino por competências, não presenciei nenhuma aula, no
período da observação participante, em que mais de um professor atuasse
conjuntamente. Nem ao menos quando a prática de sala de aula tinha, como objetivo,
produzir o relatório solicitado pelos professores das habilidades técnicas, como um dos
requisitos principais de avaliação para encerramento do primeiro bloco.
A professora Luciana, responsável por ministrar as aulas observadas, confirma,
em sua entrevista, a ausência de um trabalho integrado entre as habilidades de leitura e
produção de textos e as habilidades técnicas. Luciana retoma a afirmativa feita pela
pesquisadora, ao dizer “é mais ou menos o que você disse”, para explicitar que sua
experiência assemelha-se àquela apresentada na questão dada antes de sua resposta
e posta no excerto “criam a habilidade e deixam você agir sobre”, indiciando que a
autoria da habilidade é atribuída a sujeitos referenciados desinencialmente pela terceira
pessoa do plural em “criaM”, retomando anaforicamente “os professores da área
técnica”, já citados na entrevista. Dessa forma, a criação da habilidade está garantida.
Entretanto a sua efetivação fica a cargo exclusivamente do professor de Língua
Portuguesa, como está posto em “então você é que vai ver o que vai fazer” e repetido
em “o que vai ensinar”. Há um hiato entre a concepção do curso por competências
integradas e sua execução fragmentada. Não há, portanto, sentidos que indiciam algum
tipo de trabalho integrado.
Olha, é mais ou menos o que você disse, (os professores da área técnica) criam a habilidade e deixam você agir sobre. Então aí você é que vai ver o que você vai fazer, o que você vai ensinar. É por aí mesmo. (Entrevista – Luciana, 01/03/2005)
Os sentidos que circulam no conjunto de enunciados produzidos por Marta, Ana,
Pedro e Luciana engendram-se por intermédio de um interdiscurso em que a prática
educacional disciplinar e o discurso que lhe dá sustentação encontram-se numa relação
contraditorial com a prática educacional por competência e habilidade e seu respectivo
discurso. Há um constante embate entre essas vozes. As vozes da tradição disciplinar
e as vozes da inovação soam juntas, uma desterritorializando a outra.
151
Devido a essa oscilação entre as práticas pedagógicas, o conflito entre as áreas
técnica e propedêutica é potencializado. E o professor de Língua Portuguesa,
enfraquecido diante do discurso pragmático da área técnica, sente-se incapaz de uma
prática inovadora que promova melhores resultados para o curso. A voz do professor
de português comumente ocupa menor espaço nos cursos técnicos, pois, além de sua
carga horária ser reduzida em cada curso, ele raramente tem a garantia de contar com
o apoio ou a troca de experiências com outro professor de português.
Os sentidos apontados nessa prática social conduzem-me a uma análise da
função interpessoal de Halliday (1976), de acordo com o desmembramento proposto
por Fairclough (2001), em função identitária e função relacional. Nas práticas
discursivas, a primeira função está relacionada à reprodução dos diferentes papéis
imputados ao professor de Língua Portuguesa e ao professor da área técnica.
Conseqüentemente, estabelece-se a identidade social de cada um deles. Devido à falta
de um maior estreitamento comunicativo entre os professores de ambas as áreas, a
função relacional da linguagem fica comprometida e, com efeito, não se efetiva de fato
o trabalho integrado voltado para o desenvolvimento das competências postuladas
pelos currículos dos cursos técnicos.
4.2.2 Os professores de português e a concepção instrumental de língua
Os professores de Língua Portuguesa parecem estar conscientes de que o
ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos deve se fazer de maneira
instrumental, pois todos mencionam as habilidades de leitura, interpretação e produção
de textos técnicos da área profissional dos cursos em que trabalharam. Entretanto, ao
esmiuçarem a prática de sala de aula, o que ganha relevo é o trabalho com conteúdos
formais da gramática tradicional (análise sintática, concordância verbal e nominal,
colocação de pronomes, pronomes em geral), da Lingüística e Teoria da Comunicação
(funções da linguagem e elementos da comunicação) e da Lingüística Textual (coesão,
coerência, qualidades do texto como clareza, concisão, objetividade). Os modelos de
textos que circulam nas práticas profissionais dos cursos técnicos de Turismo e
152
Hospitalidade, Construções Prediais e Telecomunicações são citados pelos
professores, porém o trabalho pedagógico relatado pelos sujeitos entrevistados nem
sempre parece centrar-se em atividades que privilegiem os modelos requeridos.
No enunciado a seguir, o professor Pedro faz referências ao ensino de Língua
Portuguesa e sua importância para o curso técnico, citando algumas práticas
linguageiras dos profissionais da área de construção civil. Ele afirma que a Língua
Portuguesa é o principal código lingüístico usado para a comunicação oral ou escrita no
curso técnico. Para justificar a necessidade de o profissional da área de Construção
Civil “dominar a Língua Portuguesa”, o professor mencionou “o registro de ocorrências”
no “livro de obra”, veículo de comunicação entre os técnicos e o engenheiro
responsável pela obra. O professor, ao intensificar o substantivo “importância” com o
adjetivo “vital”, marca enfaticamente sua posição valorativa em relação ao domínio da
comunicação que deve ser “fácil” para que o técnico consiga “se fazer entender” pelos
interlocutores. O termo “fácil” remete-se, nesse contexto, ao sentido de inteligível,
compreensível. A concepção do professor acerca da exatidão interpretativa
característica dos textos técnicos é marcada pelo adjetivo “correta” no enunciado “como
a sua correta interpretação também dos textos”. Nesse mesmo enunciado aparece o
advérbio “também”, indiciando que aos técnicos é atribuída igualmente a
responsabilidade de “interpretação dos textos”.
(...) todo curso técnico, ele tem uma linguagem, tem uma comunicação. Essa comunicação evidentemente que é em Língua Portuguesa, então é fundamental, para a própria clareza da técnica específica a língua portuguesa ela é fundamental tanto na sua oralidade quanto na escrita, num livro de obra, o técnico tem que tá registrando as ocorrências. Para tanto ele precisa, é de vital importância ele dominar a comunicação fácil pra se fazer entender e também fazer o registro das ocorrências. (...) É, todos os fatos significativos, né, deve ser registrado, porque a obra, por exemplo, ela tem um prazo de execução, então as razões pra estudo dessa dilatação do prazo vai ser em cima do registro do livro, é importante. (...) muito importante é a produção de texto, como a sua correta interpretação também dos textos. (Entrevista – Pedro, 09/02/2005).
Entretanto, no excerto a seguir o professor Pedro, ao esmiuçar os recursos
necessários para que a leitura e a produção de textos se efetivem, não faz referências
ao trabalho com os gêneros discursivos que circulam na esfera de atividade
153
profissional; menciona, antes sim, conteúdos referentes à lingüística textual, como
“coesão e coerência”, e às qualidades do texto, como “clareza e certeza”. Para o
desenvolvimento da “clareza” do texto e da resolução de “dúvidas gramaticais”, o
professor sugere a inclusão do estudo da Lógica. Justificar a importância dessa ciência
grega nos estudos gramaticais, afirmando que ela “trabalha muito forte” as questões
relativas à compreensão das relações de sentido estabelecidas pelas orações
subordinadas e orações coordenadas, traz de volta a voz dos antigos gramáticos
gregos que propagaram a concepção de que a Lógica é uma ciência capaz de explicar
o funcionamento de todas as línguas. E assim, engendra-se, na prática discursiva do
professor, um atravessamento pelo discurso racionalista, que concebe a linguagem
como expressão do pensamento.
Para tanto ele deve conhecer bem os elementos de coesão, de coerência, de clareza, de certeza, e se o texto for informativo eu entenderia até que ele tem que dominar um pouquinho o raciocínio para saber se aquelas informações, se aquele raciocínio, ele tá consistente ou inconsistente. Além de fazer um estudo de verdade sobre as afirmações e negações nele contidas. (...) Ao fazer com que os textos fossem mais é... racionais, que a conclusão fosse sustentada no desenvolvimento apresentado pelo aluno. Então isso é uma ferramenta que eu ando utilizando e tenho, tenho encontrado bons resultados, receptividade. E ela também oferece base a outras disciplinas, facilita a interdisciplinaridade. Outra característica também, as dúvidas, muitas dúvidas gramaticais elas são resolvidas com elementos de Lógica e traz clareza, tipo, por exemplo, pra gente compreender uma adjetiva restritiva, uma adjetiva explicativa, a relação de causa e efeito, muito importante o fortalecimento que a Lógica nos dá nesses... (...) Todos os textos, todos os textos a presença da lógica você vai encontrar, inclusive aquelas idéias coordenadas, adição, alternância, é, conclusão, explicação e adversativas, mas essa questão a Lógica trabalha muito forte. (...) (Entrevista, Pedro, 09/02/2005).
No enunciado seguinte, o professor relata os resultados do trabalho com a
Lógica em sua prática de sala de aula. Ao afirmar que esse conhecimento proporciona
maior clareza aos estudos acerca da expressão oral e escrita, comparando-se às
gramáticas, o professor sugere a substituição de “ferramentas” para as bases
instrumentais do ensino de Língua Portuguesa. E, assim, em vez de estudar gramática,
estuda-se Lógica. De acordo com a sua experiência, a utilização dessa nova
“ferramenta” trouxe maior facilidade na prática educacional. Para reforçar o seu ponto
154
de vista, o professor modaliza o seu enunciado com adjetivos valorativos para se referir
à Lógica, como “importante” e “boa”, e ainda intensifica o sentido antepondo o advérbio
“muito” a ambos os termos.
Desde 92 eu tenho observado, inclusive, por exemplo, no caso de alternância “ou”, a Lógica, dá uma importância tão grande ao “ou”, ou forte, ou fraco (?), essa questão de inclusão e exclusão; casos que na oralidade isso ocorre, oralidade, escrita, expressão. Fica muito mais claro com esse conhecimento do que os que contêm normalmente nas gramáticas. Eu achei muito mais facilidade. (...) Porque serve para além da Língua Portuguesa e para outras disciplinas também. Auxilia em tudo, na técnica de, na habilidade de definição a Lógica ajuda também, fazendo com que o aluno tenha consciência dos conceitos, da sua abrangência, da sua restrição, muito importante, uma ferramenta muito boa. (Entrevista – Pedro, 09/02/2005)
Quando perguntei à professora Luciana sobre como foi desenvolvido o trabalho
com as habilidades que envolvem o ensino de Língua Portuguesa nos cursos técnicos,
ela relatou a sua experiência separando as duas habilidades do Curso de Construções
Prediais (1 – Redigir Relatórios Técnicos e 2 – Ler e Interpretar Textos Técnicos em
Língua Materna), a fim de estabelecer uma comparação entre elas e apresentar as
dificuldades e as facilidades encontradas. Inicialmente, a professora acentua a sua
facilidade para trabalhar a habilidade 2. No enunciado “na interpretação de texto, assim,
não tive nenhuma dificuldade didaticamente falando”, o emprego do advérbio “não” e do
pronome indefinido “nenhuma”, indicia uma negação20 pleonástica com o intuito de
enfatizar a sua habilidade didática (construída por meio de sua experiência nos
cursinhos pré-vestibulares), no trabalho com a “interpretação de texto”. Ao mesmo
tempo, deixa subentendidas as dificuldades com a outra habilidade com a qual
trabalhou. Desse modo, antecipa a proposição subseqüente que apresenta,
implicitamente, o seu despreparo para ministrar as aulas da habilidade de Redigir
Relatórios Técnicos. Esse sentido foi ainda enfatizado pelo emprego do substantivo
“forte”, funcionando como um qualificador para a atividade de interpretação de texto. As
dificuldades no trabalho com a habilidade de Redigir Relatórios Técnicos aparecem na
voz da professora por meio de relatos sobre as suas práticas de preparação para as
20
Fairclough (2001: 156) afirma que as frases negativas indiciam uma intertextualidade manifesta, pois “carregam tipos especiais de pressuposição” ao incorporar outros textos para a contestação ou rejeição.
155
aulas no curso. Na expressão “sentar realmente” há o emprego do verbo “sentar”,
indicando, metonimicamente, a ação de preparação prévia, e o advérbio modalizador
“realmente”, reforça o sentido de que essa ação foi feita com afinco. Sobre a sua fase
preparatória na instituição, a professora enuncia, metaforicamente, sua ação por meio
da expressão “correr atrás das normas”, indicando que, para ter acesso aos conteúdos
trabalhados no curso, ela precisou tomar a iniciativa de maneira rápida. A linguagem
técnica constituiu uma das maiores dificuldades para a professora, pois as
especificidades semântico-lexicais da linguagem da construção civil, como “perfuração
a trado” não faziam parte de seu acervo vocabular. Esse completo desconhecimento do
campo lexical técnico, como nomes de operações e equipamentos, é sinalizado pelo
advérbio “totalmente”, que funciona como intensificador do adjetivo “diferente”. A
assimilação da linguagem técnica ocorreu por meio de “leituras” e com o auxílio de
professores que já haviam trabalhado no curso. Minha ajuda foi referenciada na
expressão “você me auxiliou muito”. A professora compara o grau de dificuldade da
linguagem técnica com o das “normas” técnicas, a fim de afirmar que a assimilação do
conhecimento sobre estas demandou menos tempo.
(...) com Topografia. É habilidade 1 e 2, que era Redigir e Fazer a Interpretação de Texto. Na interpretação de texto, assim, não tive nenhuma dificuldade didaticamente falando, porque é o meu forte, que eu trabalho muito questão pra vestibular. (...) Redigir relatórios técnicos eu tive que sentar realmente, correr atrás das normas. Você me auxiliou muito. (...) tive que realmente fazer leituras, ir atrás, entrei em contato com um monte de palavras novas, assim, uma linguagem totalmente diferente, acho que o maior problema da questão da redação técnica é a linguagem, não é nem tanto as normas porque as normas você interioriza bem rápido, mas a linguagem, né...(...) O vocabulário diferente, saber o que é um, uma perfuração a trado, saber, sabe, detalhes. (...) O nome dos equipamentos pra corrigir tanto ortografia, quanto, assim, essa é a dificuldade. (Entrevista – Luciana, 09/02/2005).
A professora Luciana, no enunciado seguinte, evoca estratégias motivadoras que
criou para ensinar Língua Portuguesa. Nas aulas do curso de Construções Prediais, ela
fez uso de algumas dessas criações metodológicas que, para ela, promovem um
trabalho de “maneira bastante dinâmica”. A professora cria histórias, como a de “Vânia
Pecessá”, relacionando os seus personagens a regras gramaticais, a exemplo das
156
“classes de palavras”. No excerto a seguir, ela conta, rapidamente, como é construída
essa relação entre personagens e terminologia gramatical, objetivando “motivar o
aluno”. Além das histórias, a professora criou regras para o ensino da gramática
normativa.
Eu tento trabalhar assim de uma maneira bastante dinâmica, a Língua Portuguesa, crio muitas regras, inclusive gramaticais pra tá passando isso pro aluno. (...) Por exemplo, um exemplo, vou trabalhar classe de palavras, eu crio toda uma história e aí na minha história tem a menina que chama Vânia. A Vânia Pecessá é uma, são todas as classes de palavras e aí você vai...(...) Parto (da história), mas é assim uma coisa muito pessoal. (...) É muito pessoal e aí a Vânia tem filha que dá nome, origem aos advérbios, a filha dela namora e tem o telefone do namorado que são as preposições, então você vai criando todo um contexto ali pra ver se motiva, se incentiva o aluno pelo menos a ficar curioso, pelo assunto. Mas eu gosto mesmo... (...) Tenho muitas regras, tenho muitas regras verbais, tenho muita coisa.(?) (Entrevista – Luciana, 09/02/2005).
Durante a observação da aula do dia 20/10/2004, presenciei a explanação de
uma das estratégias usadas por Luciana para ensinar gramática. A habilidade a ser
trabalhada nesse dia era “Redigir Relatório Técnico”. Inicialmente, a professora explicou
aos alunos porque era necessário fazer revisão gramatical. Para ela, “conhecer
gramática era uma forma de ‘adentrar’ no conteúdo de produção textual, ou seja, o
relatório técnico”. A revisão gramatical havia sido iniciada na aula anterior à observada,
de acordo com o relato de um aluno com quem conversei no final dessa aula. Ele disse
que foi apresentada uma revisão das orações coordenadas e subordinadas e a
comprovação desse fato se deu durante a aula observada, pois a professora retomou
esse conteúdo gramatical, distribuindo no quadro uma relação de conjunções. Para
tanto, ela lançou mão de uma de suas criações, lembrando macetes de cursinho pré-
vestibular. As conjunções subordinadas adverbiais foram distribuídas na lista conforme
a classificação circunstancial. Como há seis tipos de conjunções iniciadas com a letra
“c” (concessiva, causal, condicional, conformativa, consecutiva, comparativa), um com a
letra “t” (temporal), um com a letra “p” (proporcional) e um com a letra “f” (final), foi
apresentado no quadro uma lista-código de acordo com a classificação das conjunções:
6C, 1T, 1P, 1F. Após a explanação, a professora solicitou aos alunos a formulação de
frases que exemplificassem o conteúdo explicado sobre as conjunções coordenadas e
157
subordinadas. Os exemplos dados pelos alunos foram sendo listados no quadro de
forma a utilizar as conjunções para mostrar as relações de sentido estabelecidas pelas
conjunções. Os alunos fizeram muitas perguntas durante essa aula, demonstrando o
quão abstrato estava sendo o assunto. Para fixar esse conteúdo gramatical, a
professora propôs um exercício, no quadro, solicitando que o aluno reunisse “pares de
orações usando uma conjunção coordenada ou subordinada”, conforme o exemplo “O
Brasil é um país rico. A maioria da população é pobre”. Após várias tentativas de
acerto, um único aluno de concomitância respondeu que a conjunção adequada era
“mas”. Diante da resposta do aluno, a professora explicou a relação de sentido da
conjunção coordenativa adversativa e reescreveu as orações, formando um período
composto.
Nessa aula ainda houve explicações sobre os pronomes, cuja classificação foi
apresentada também através de uma outra lista-código. Além disso, a professora
explicou o conteúdo sobre a colocação pronominal – próclise, mesóclise e ênclise, por
meio de exemplos apresentados no quadro. O assunto acerca dos pronomes de
tratamento foi postergado para o momento específico do trabalho com o relatório
técnico.
No excerto a seguir, a professora Luciana justifica sua escolha de certos
conhecimentos da gramática normativa para as aulas da habilidade de Redigir Relatório
Técnico, com base em algumas motivações relacionadas às dificuldades dos alunos no
domínio da produção escrita e às necessidades lingüísticas exigidas pelo curso. Na
atividade enunciativa da professora, ecoa a voz dos gramáticos tradicionalistas que
pregam a necessidade do estudo da gramática para o bom uso da língua. No
enunciado há o reconhecimento de que essa prática é “restrita” e está relacionada ao
conceito de linguagem “como expressão do pensamento”. Segundo ela, o ensino
prescritivo da língua é necessário para que o aluno assimile a norma culta exigida pelo
relatório técnico, assim, é preciso “dar uma geral na gramática”. Para expressar sua
concepção sobre o desempenho lingüístico do aluno, a professora faz uso do recurso
“assim”, buscando atenuar a avaliação que faz do aluno. Mesmo admitindo que a
produção escrita do aluno é influenciada pela oralidade, o modalizador adverbial
“quase”, em “quase sem nada”, deixa pressuposto que o aluno ingressa na escola pelo
158
menos com um mínimo de conhecimento sobre a língua; e ainda reforça essa
pressuposição com o advérbio modalizador “praticamente”, em “escrevendo
praticamente como fala”. Para suprir essas lacunas de aprendizagem da língua, a
professora especifica alguns conteúdos que irão cumprir essa função, como “regrinhas
de concordância, de adequação vocabular”. Mas ela admite que o conteúdo trabalhado
não foi suficiente, pois a carga horária da habilidade é pequena. Além disso, a
professora enuncia a sua inexperiência no ensino técnico por meio da expressão “eu
também estava chegando”. A sua crença em um “trabalho muito melhor” no curso é
sinalizada pelos modalizadores verbais “acredito” e “acho”. No final desse excerto há
uma marca explícita de intertextualidade, que Fairclough (2001) denomina de
“representação do discurso”. No enunciado oral “olha, é isso que você tem que fazer”, a
voz da instituição funde-se à voz da professora. A separação entre o discurso
representador e o discurso representado foi demarcada pela mudança de entonação. A
menção na forma de discurso direto é algo bastante revelador, pois a demarcação
explícita da voz dos sujeitos representantes do CEFETMT indica sua discordância
diante da prática da instituição no momento de seu ingresso, via concurso, ao dizer “o
que deve ser feito”, sem indicar “como dever ser feito”. Desse modo, a responsabilidade
pelo trabalho insatisfatório na disciplina não pode ser atribuída apenas à professora,
mas também à instituição.
(...) Porque o que que eu tentei fazer? Eu tentei mesclar gramática, que é um conhecimento da língua, e daí já tendo aquela visão bem restrita da língua como expressão do pensamento mesmo. (...) uma vez que você recebe o aluno, assim, quase sem nada, é, escrevendo praticamente como fala e aí você vem com aquela visão, assim, o que fazer? Vou ter que dar uma, uma geral na gramática, porque o relatório vai exigir a norma culta, as regras. Aí eu tentei tá mesclando o relatório com gramática. (...) Assim, muitas regrinhas de concordância, de adequação vocabular, sim, mas ainda é pouco; porque foram 20 aulas, é muito poucas aulas, é, eu também estava chegando, eu acredito que o trabalho ele vai melhorar; com essa próxima turma eu acho que dá pra fazer um trabalho muito melhor, porque simplesmente você passa no concurso e fala: “Olha, é isso que você tem que fazer”. (Entrevista – Luciana, 09/02/2005).
A seguir, a professora Marta, ao expor a sua concepção sobre a Língua
Portuguesa no ensino técnico, parte do pressuposto de que o aluno, quando ingressa
159
no curso, não adquiriu vivencialmente a prática de produção dos tipos de textos, como
“documentos”, próprios da área de serviços. A referência classificatória dos textos que
circulam nas práticas discursivas dessa atividade profissional aparece sob a
terminologia de “tipologia textual”; e a sua assimilação ocorre no processo de
reconhecimento e diferenciação dos modelos de documentos oficiais. Além da
identificação, é necessário conhecer a “finalidade” dos documentos oficiais.
Inicialmente, no enunciado “no ensino técnico eu notei assim que houve uma
mudança”, há referência ao estágio anterior em que o aluno se encontrava e o estágio
posterior ao aprendizado dos modelos de textos, e esse sentido foi produzido pelo
verbo “houve”, cujo tempo indica que a ação expressa por ele já foi finalizada. No
entanto, a professora, ao usar o termo “assim”, modaliza a afirmativa, demonstrando
incerteza diante do que enuncia. Com a melhoria dessa competência textual, a
professora considera necessário, então, suprir as “dificuldades”, “a limitação” do aluno
quanto à “escrita”. Nesse momento, no espaço do interdiscurso, entra em cena o
discurso empresarial, permeando a voz da professora, ao apresentar as qualidades da
escrita demandadas pelo mundo globalizado. O operador argumentativo “mas”, no
enunciado “mas ele continua com a dificuldade da clareza”, marca uma oposição
semântica decisiva em relação à competência lingüística citada anteriormente. Além
disso, o verbo “continua” indica, como pressuposto, que o aluno já apresentava a
“dificuldade da clareza”. Outras qualidades exigidas pelas práticas discursivas da esfera
de comunicação empresarial são apresentadas no enunciado “e depois o que foi
melhorando ele trabalhava com a linguagem, a clareza, a objetividade, a concisão”.
Esse conteúdo, considerado necessário para a eficácia do texto empresarial, aparece
como preferencial, na voz da professora, quando ela se refere a seu trabalho em sala
de aula, empregando o advérbio intensificador “muito”. No final desse excerto, ela
assinala o trabalho insistente com “a clareza”, através do uso da forma “tenho
trabalhado”, uma espécie de presente contínuo. Esse trabalho tem repercussões nas
outras disciplinas.
(...) No ensino técnico eu notei assim que houve uma mudança, porque os alunos não tinham muita experiência pra trabalhar essa parte de documentos, redação de documentos, então tanto o ensino médio
160
quanto a educação profissional, eles têm dificuldade para escrever, tem dificuldade, é muito limitado. Mas o que facilita na parte de redação, porque é um modelo de documentos, mas ele continua com a dificuldade da clareza. Então o que eu trabalho, é, no início eles não tinham noção nenhuma como se faz um ofício, nem diferenciar. (...) Nem tipos, tipologia textual, assim, o que que é um ofício, pra que que é, qual a finalidade. Então ajudou bastante a ele já ter esse conhecimento, e depois o que foi melhorando ele trabalhava com a linguagem, a clareza, a objetividade, a concisão. Então eu tenho trabalhado muito isso. E isso daí tem ajudado muito em outras disciplinas também, que aí ele olhe horizontes pra ele trabalhar essa clareza no texto que ele tem dificuldade. (Entrevista – Marta, 29/10/2004).
O trabalho desenvolvido pela professora nos cursos técnicos concentra-se na
produção escrita, pois ela considera ser essa a “parte” que lhe cabe, ou seja, trabalhar
com os tipos de textos que circulam nas práticas profissionais nas quais atuarão os
alunos. Além disso, no excerto “sem uma comunicação dupla, outros sentidos”, o
interdiscurso ganha espaço, pois nele há um atravessamento da voz do discurso
pragmático, que privilegia a “comunicação” monossêmica. Para Marta, as áreas de
Hotelaria e Gestão exigirão o desenvolvimento de qualidades comunicativas que
promovam a “rapidez da comunicação”, como a “objetividade”, a “praticidade”, a
“exatidão” (sinônimo para “direto”). Para reforçar o sentido da precisão, há o emprego
do intensificador adverbial “bem”, anteposto, triplamente, diante dessas qualidades
exigidas para a comunicação escrita. A repetitiva menção a essas características marca
explicitamente a coerção que o mundo empresarial exerce sobre a sua prática de sala
de aula. A preocupação com a velocidade da comunicação, no sentido de reduzir o
tempo e aumentar os lucros, é um discurso reproduzido e perpetuado pelas práticas
sociais do universo capitalista. Esse sentido é rememorado no excerto “melhorar a
rapidez da comunicação entre os próprios funcionários da empresa”. O discurso
tecnicista ressoa fortemente na fala de Marta.
(...) Então eu trabalho mais com a escrita, então na minha parte que é redação técnica, oficial, ou empresarial ajudou muito, houve um crescimento, assim foram mais objetivos, conseguiram colocar no papel exatamente o que eles queriam passar, além de estar (...?) sem uma comunicação dupla, outros sentidos. (...) especificamente na Educação profissional? (...) Olha, é, porque todo o curso, o curso de Hotelaria, ou de Gestão tá voltado pra eles pro mundo do trabalho. Então eles vão ter
161
contato com o público, com as empresas, então o que que ajuda esse curso ele abre horizontes assim, pra ele ser bem objetivo, bem prático, bem direto e melhorar a rapidez da comunicação entre os próprios funcionários da empresa. (Entrevista – Marta, 29/10/2004)
Quando perguntei a Marta sobre as orientações recebidas pelos professores da
área técnica para o trabalho com as habilidades que envolvem o ensino de Língua
Portuguesa no curso, ela introduziu sua fala, conforme o enunciado a seguir, com o
pronome “eles”, sinalizando o distanciamento entre os professores da área técnica e
ela, professora de português. O pronome de terceira pessoa do plural, e não de
primeira “nós”, ainda sugere a sua auto-exclusão do grupo a que se refere. Segundo o
enunciado, “eles apresentaram os objetivos gerais, qual que era a proposta”, houve um
contato inicial entre as áreas técnica e de língua portuguesa. No entanto, há um
silenciamento quanto a essas orientações e, de imediato, o articulador enunciativo de
oposição “só que” indica que sua atuação resultou de reflexões pessoais acerca das
práticas discursivas no mundo do trabalho. Com o advérbio “assim”, a professora
aciona, na sua memória discursiva, a idéia-chave que foi o ponto de partida para
construir sua prática. Essa idéia-chave aparece como discurso representado, porém
sem as marcas formais do discurso direto ou indireto. Dessa forma, dissolve-se, na voz
da professora, a voz do outro, contribuindo para uma ambivalência de vozes21; pois, ao
trazer para o momento da entrevista uma concepção construída em outro contexto
discursivo, a professora considera ser a autora da idéia de que é necessário voltar-se
para o campo de atuação do curso de Hotelaria e, a partir daí, selecionar “textos”
relacionados ao “contexto” dos alunos de acordo com as especificidades do curso. Da
mesma maneira, a professora desenvolve a sua prática nos outros cursos técnicos e,
para tanto, cita o curso de Gestão. Partindo da suposição de que uma das
competências da secretária seja o “atendimento ao público”, é preciso ensinar sobre
“postura” às alunas. Nesse caso, a professora admite entrar em alguns conhecimentos
pertencentes à habilidade “técnica de comunicação”, que, em outro momento da
entrevista, diz ser de responsabilidade de outro professor. Novamente ela traz a
concepção tecnicista da objetividade que os alunos necessitam desenvolver para o
“atendimento ao público”. No final deste excerto, a professora demonstra sua
162
preocupação em saber se realmente as informações dadas estavam atingindo o
objetivo de minha pesquisa. Com a tripla repetição do verbo dicendi “falei”, ela sintetiza
a sua prática discursiva no momento da entrevista, considerando-a repetitiva e longa. A
avaliação negativa que faz de sua exposição é produzida pela anteposição do advérbio
“não” ao verbo “falei”. E assim, somente depois de meu aval, ela mudará ou não a
seqüência enunciativa da entrevista. Nesse caso, a professora recorre à polidez22 na
linguagem, pois, para proteger a sua face, ela necessita saber se está sendo
compreendida e não está sendo cansativa.
Eles apresentaram os objetivos gerais, qual que era a proposta. Só que eu trabalhei sempre assim: bom, então o curso de Hotelaria ele tá voltado para a rede Hotelaria, pro Turismo, pra tudo isso. Então os textos eu tento trabalhar especificamente dentro do contexto deles, pra ficar bem concreto. Já a turma de Gestão, então a Secretária ela já tem que ter a facilidade, vamos supor o atendimento ao público, ela tem que ter essa postura. Eu acabo entrando um pouco na técnica de comunicação. Eu entro. E aí quando eu entro na parte do texto essa objetividade que eles têm que ter, que não têm. (pausa). Onde nós paramos aí. Falei, falei, falei, e não falei. (Entrevista – Marta, 29/10/2004).
Após minha aprovação acerca das informações dadas, Marta, no excerto a
seguir, reforça a sua concepção sobre o ensino de Língua Portuguesa nos cursos de
Hotelaria e Gestão, citando novamente algumas das características que a linguagem
dos profissionais dessa área deve apresentar, como “clareza”, “simplicidade”,
“objetividade”, “precisão vocabular”. Esse constante retorno ao discurso empresarial e
às suas exigências lingüísticas resulta da formação discursiva da professora, construída
por cursos preparatórios oferecidos por um órgão representante da voz do universo
empresarial, o Sebrae. Além dele, sua preparação para o trabalho ocorreu em
encontros nacionais de professores de Língua Portuguesa dos CEFETs. Nesse
enunciado aparece a concepção do ensino de Língua Portuguesa na Educação
Profissional, com o emprego institucionalizado do termo “Português Instrumental” e a
especificidade dos tipos de textos trabalhados no curso, como os “documentos
técnicos”.
21
Sobre ambivalência de voz, ver análise feita por Fairclough, 2001:141. 22
Fairclough, 2001: 203.
163
Sobre essa falta de clareza na comunicação escrita do aluno do ensino técnico, ainda mais Hotelaria, Gestão. É um curso totalmente voltado para o público. Eles têm que ter essa clareza (...), a simplicidade na linguagem, a comunicação bem objetiva e eles não tinham essa noção. Eles eram assim confusos na hora de se comunicar, a precisão vocabular tudo isso entra, então essa parte dessa disciplina que eu trabalhei ela ajuda muito isso, abre, eles ficam mais perceptivos. (...) Eu fiz curso lá no Sebrae de Redação Empresarial. Fiz também de Relações Interpessoais e fiz de Técnicas de Comunicação. (...) E também nesses encontros de professores. Eu fiz um quando nós fomos pra Manaus também teve. Era Português Instrumental. Eles usaram esse termo. Pegaram (...) Também era pra trabalhar documentos técnicos, voltados para a Educação Profissional. (Entrevista – Marta, 29/10/2004)
Nos enunciados apresentados, o uso instrumental da Língua Portuguesa nas
diversas atividades profissionais aparece, de forma explícita, na voz de Marta, ou de
forma implícita, nas vozes de Luciana e Pedro. No entanto, ao relatarem a prática
desenvolvida em sala de aula, eles demonstram a predominância de um trabalho
meramente formal com a língua. A revisão gramatical, os conceitos da teoria da
comunicação e da lingüística textual parecem ganhar a cena da sala de aula tanto na
voz dos professores no momento das entrevistas, quanto nas aulas observadas.
O enunciado “Onde que eu estou, que que eu tô fazendo aqui perdida mesmo no
meio do caminho?”, traz as marcas do discurso representado diretamente. E a voz que
a professora representa em seu discurso é a sua própria, formulada à maneira de
diálogo consigo mesma numa atitude reflexiva acerca das práticas educacionais na
instituição. Por meio da dêixis “aqui”, a professora situa O CEFETMT em seu discurso.
Esse chamamento para uma prática educacional efetiva aparece no viés do pronome
“você”, usado como recurso lingüístico para compor a função imperativa do enunciado.
O interlocutor ouvinte a que o pronome “você” se refere não é outro senão a própria
Luciana.
Se você não correr atrás ou não for esperta, você fica: “Onde que eu estou, que que eu tô fazendo aqui perdida mesmo no meio do caminho?” (Entrevista – Luciana, 01/03/2005)
Pelo que está posto nos enunciados, as mudanças nas práticas pedagógicas
relativas à Língua Portuguesa nos cursos técnicos, de forma a reverter o esvaziamento
164
do português instrumental, só acontecerão se houver um trabalho fortemente integrado
com os professores das áreas técnicas. E, como a formação acadêmica e profissional
dos professores de Língua Portuguesa não os prepara para um trabalho dessa
natureza, à instituição cumpre o papel de preparar esses professores para atuar nos
cursos técnicos. Essa determinação vem expressa nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico. Porém, como sempre, esse
aspecto da mudança é ignorado.
(...) Não se pode falar em desenvolvimento de competências em busca da polivalência e da identidade profissional se o mediador mais importante desse processo, o docente, não estiver adequadamente preparado para essa ação educativa. (...) Pressupondo que este docente tenha, principalmente, experiência profissional, seu preparo para o magistério se dará em serviço, em cursos de licenciatura ou em programas especiais. Em caráter excepcional, o docente não habilitado nestas modalidades poderá ser autorizado a lecionar, desde que a escola lhe proporcione adequada formação em serviço para esse magistério. Isto porque, em educação profissional, quem ensina deve saber fazer. Quem sabe fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar. (...) A formação inicial deve ser seguida por ações continuadas de desenvolvimento desses profissionais. Essa educação permanente deverá ser considerada não apenas com relação às competências mais diretamente voltadas para o ensino de uma profissão. (Referenciais Curriculares, 2000: 105) (grifos meus)
O professor não pode ensinar algo se não estiver “adequadamente preparado”.
Primeiramente, ele deve aprender não apenas “como” ensinar, mas principalmente “o
que” ensinar. Essa construção da prática pedagógica seria menos árdua e demorada se
a instituição estivesse promovendo ações apropriadas no seu projeto pedagógico desde
a implantação dos cursos técnicos, a fim de preparar o docente para as especificidades
do trabalho com a educação profissional. Além disso, nos cursos de formação dos
professores devem ser promovidas reflexões sobre as novas práticas pedagógicas. É
uma forma de garantir que as habilidades se efetivem interdisciplinarmente entre os
professores de Língua Portuguesa e os da área técnica.
165
4.2.3 Os professores de português e o novo paradigma de ensino de línguas
Para analisar a relação de professores de português do CEFETMT com o novo
paradigma de ensino de línguas, re-visito, na história da idéias lingüísticas, as três
principais concepções da linguagem: linguagem como expressão do pensamento,
linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como interação social.
A primeira concebe a linguagem como expressão do pensamento e é nuclear
aos estudos gramaticais que se desenvolveram de mãos dadas com a tradição
filosófica greco-romana, principalmente com a lógica. De acordo com essa concepção,
a linguagem precisa exprimir adequadamente o pensamento. Acredita-se que se “as
pessoas não conseguem se expressar é porque não pensam” (Geraldi, 2001: 41).
Aqueles que professam essa concepção de linguagem acreditam que a única língua
que se presta à expressão do pensamento é a língua padrão. Por exemplo, uma frase
sem concordância verbal e nominal é vista como deturpando a coerência lógica do
pensamento. Para essa concepção, o texto não é visto dentro de situação sócio-
comunicativa, ou seja, não importa “para quem se fala, em que situação (onde, como,
quando) e para que se fala.” (Travaglia, 2000: 22). O texto é visto como uma somatória
de frases, já que as unidades básicas da língua são a palavra e a frase.
A segunda concepção vê a linguagem como instrumento de comunicação,
compreendendo a língua como um código virtual composto de signos combinados por
regras que permitem a transmissão de uma mensagem de um emissor para um
receptor. Essa concepção está ligada à teoria da comunicação. Conceber a linguagem
como meio de comunicação é admitir a existência de alguns elementos que compõem o
ato comunicativo: a “mensagem” é transmitida de um “emissor” para um “receptor”,
utilizando-se de um “código” e um “canal”. Para que a comunicação se efetive, é
preciso que o receptor decodifique os sinais codificados, ou seja, transforme o código
em mensagem. Portanto, o código precisa ser compartilhado pelo emissor e pelo
receptor. (Travaglia, 2000: 22).
A terceira concepção de linguagem a vê como interação social. Segundo essa
concepção, o indivíduo não faz uso da linguagem apenas como exteriorização do
pensamento ou transmissão de informações de um emissor a um receptor. O indivíduo,
166
ao produzir linguagem, interage com o outro, realiza ações, e se constitui como sujeito
sócio-histórico em uma situação de comunicação. (Travaglia, 2000: 23). Se a
concepção de linguagem como comunicação permitiu o florescimento da lingüística
imanente, aquela de linguagem como interação social engendrou a lingüística
discursiva que reabsorve, como objeto de estudo, as condições sócio-históricas
constitutivas dos usos da linguagem.
O novo paradigma do ensino de língua portuguesa ancora-se na terceira
concepção, promovendo profundas mudanças tanto no que se refere a “o que ensinar”,
quanto a “como ensinar”. Na década de 1990, esse paradigma ganhou um versão
oficial por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que propõem uma
reforma curricular dos níveis médio e fundamental de ensino. Entre as bases teóricas
referenciadas pelos parâmetros para a área de códigos e linguagens, destaca-se o
conceito de língua, entendida como “linguagem que constrói e ‘desconstrói’ significados
sociais (...), situada no emaranhado das relações humanas nas quais o aluno está
presente e mergulhado” e ligada a um “contexto social”. Em complemento ao conceito,
língua é reconhecida como “dialógica” e, por isso, “não há como separá-la de sua
própria natureza, mesmo em situação escolar”. O estudo da Língua Portuguesa integra-
se à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e recebe um caráter
transdisciplinar no currículo. (PCN: Ensino Médio, 1999: 35).
O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa, no Ensino Médio, deve pressupor uma visão sobre o que é linguagem verbal. Ela se caracteriza como construção humana e histórica de um sistema e comunicativo em determinados contextos. Assim, na gênese da linguagem verbal estão presentes o homem, seus sistemas simbólicos e comunicativos, em um mundo sócio-cultural. (PCN – Ensino Médio, 1999: 36).
Os Parâmetros, ao esmiuçarem os conhecimentos que devem ser privilegiados
pela nova organização curricular, recorrem às disciplinas lingüísticas surgidas nas
últimas décadas, dentre elas a Lingüística Textual, a Análise de Discurso e a
Sociolingüística. Postulando que a aprendizagem da língua se faz pelo uso e não pelo
domínio prévio da forma, os PCNs propõem que o conteúdo das aulas de Língua
Portuguesa sejam os gêneros discursivos entendidos como tipos relativamente estáveis
167
de enunciados que ocorrem nas diversas esferas de atividades sociais. Se os gêneros
são o conteúdo do ensino, os textos são a unidade de trabalho pedagógico. Na
perspectiva discursiva, “o texto só existe na sociedade e é produto de uma história
social e cultural”. Dessa forma, o homem é visto “como texto que constrói textos”.
(PCNs – Ensino Médio, 1999: 38). Essa concepção de texto lembra aquela de
Fairclough (2003: 124) sobre o discurso: “o discurso não apenas representa o mundo,
como ele é o mundo”. O texto, como materialização das práticas discursivas e das
práticas sociais, representa e significa o mundo.
As práticas discursivas dos professores de português, materializadas nos
enunciados analisados a seguir, traduzem concepções que ora se filiam à concepção
da linguagem como expressão do pensamento, ora se filiam à concepção de linguagem
como comunicação. Todavia, sentidos atravessados pela terceira concepção e,
conseqüentemente, alinhados com o novo paradigma do ensino de Língua Portuguesa
só surgiram quando suscitados pela pesquisadora.
Em sua resposta à questão sobre o ensino de Língua Portuguesa, a professora
Ana, no excerto a seguir, reproduz a voz do senso comum ao expressar o tão
conhecido e repetido valor que os sujeitos atribuem à língua em “É importante. Pra mim
ela é importantíssima...”. Esse sentido é ressaltado pela redundância do termo
“importante”, e pelo emprego do adjetivo no grau superlativo, na segunda vez em que é
enunciado, revelando, assim, uma entusiástica avaliação do significado da língua. Essa
valorização estende-se especificamente à vida profissional do sujeito, sem distinção da
“carreira”. No espaço do interdiscurso, a professora é interpelada por duas concepções
da linguagem: a primeira que a vê como expressão do pensamento, que a faz enunciar
acerca da necessidade de o sujeito-profissional “falar bem”, e a segunda que a vê como
meio de comunicação, que a faz enunciar acerca da necessidade de “aprender a se
comunicar”. Entretanto, prevalece a primeira concepção, pois Ana encerra sua fala
dizendo que o aluno tem que “aprender a se comunicar bem, tem que ter domínio da
língua também”, em que aparece tanto o termo “bem”, adjetivo comumente evocado
pela gramática normativa, que privilegia a correção lingüística, quanto a conjunção de
signos “tem que ter”, que cumpre o papel de reafirmar a obrigatoriedade do “domínio da
língua” para a comunicação do profissional.
168
É importante. Pra mim ela é importantíssima... na vida profissional, na carreira, independente da carreira que você vai seguir a Língua Portuguesa ela é importante. Tem que falar bem, aprender a se comunicar, então aprender a se comunicar bem, tem que ter domínio da língua também. (Entrevista – Ana, 26/10/2004)
Para apresentar a sua concepção de língua, Marta, de acordo com o que está
posto no enunciado a seguir, divide os alunos com os quais trabalhou em dois grupos,
classificados conforme o grau de domínio da linguagem. De um lado, são colocados
aqueles, cuja avaliação de “muito bons” é assim justificada: “redigem bem, falam bem,
fluem bem na linguagem”. Nesse enunciado, a professora enuncia interpelada pelo
discurso da gramática normativa, pois acentua o domínio de uma expressão escrita e
uma expressão oral produzidas com uma linguagem articulada e organizada, ou seja,
fluente. O mesmo adjetivo usado por Ana – “bem” – é usado por Marta, ecoando,
portanto, a preocupação com a correção da língua segundo a norma padrão. Por meio
do operador argumentativo adversativo “mas”, Ana introduz sua avaliação sobre o
grupo que se encontra em oposição ao primeiro. De acordo com sua concepção, os
alunos do segundo grupo apresentam “dificuldade até de coordenação motora, até pra
escrever ele tem dificuldade”. Nesse excerto, o modalizador “até” produz um efeito de
depreciação em relação àqueles alunos que não superaram sequer a primeira das
habilidades desenvolvidas na fase da alfabetização. A dificuldade de escrever do aluno
é resumida pelo enunciado “comete erros crassos”, em que o adjetivo “crassos”
expressa um valor pejorativo, indiciando uma filiação sem resistência ao discurso da
tradição gramatical. A diferença entre os dois grupos de alunos resulta também da
diferença de “faixa etária” e da descontinuidade na educação formal. A
heterogeneidade das turmas deve-se também a um outro importante fator: o nível de
escolaridade. Segundo Ana, existem “alunos que já estão fazendo Turismo, já fazem
faculdade”. Assim, em uma mesma turma são encontrados alunos recém saídos da
educação básica ou em processo de conclusão, e há outros que já são acadêmicos de
um curso universitário da mesma área do curso técnico que estão freqüentando. Num
processo educacional efetivamente orientado pelo novo paradigma, a heterogeneidade
da turma não seria interpretada negativamente, já que a interação entre diversos pode
favorecer uma troca criativa em que todos saem ganhando.
169
Não é uma turma homogênea. A gente percebe assim muita diferença de aluno pra aluno. Tem alunos que são muito bons, redigem bem, falam bem, fluem bem na linguagem. Mas outros a gente sente que ele tem dificuldade até de coordenação motora, até pra escrever ele tem dificuldade, ele comete erros “crassos”. Então há uma diferença muito grande. E mesmo na idade, a faixa etária também. (...) Então, porque eles ficaram muito tempo afastados da escola, aí eles vêm porque eles querem arrumar um emprego. Então há essa dificuldade, mas isso a gente percebe que é a minoria. A minoria que é assim, a maioria já tem um nível melhor, principalmente quando é o curso de Hotelaria, que já vêm alunos que já estão fazendo Turismo, já fazem faculdade. (Entrevista – Ana, 29/10/2004)
Nos enunciados em que o professor Pedro se manifesta sobre o ensino da
Língua Portuguesa também ressoa a voz do senso comum: “é fundamental a língua
portuguesa no ensino médio”, considerando, portanto, a necessidade de ser ela
trabalhada com o objetivo de orientar o aluno na “escolha da profissão”. O interdiscurso
que permeia a atividade enunciativa de Pedro manifesta-se através da menção à língua
como “meio de comunicação, de se expressar”, em que duas concepções da linguagem
antagônicas são colocadas lado a lado sem qualquer sinalização da parte do
enunciador que denote a consciência da contradição.
É fundamental a Língua Portuguesa no ensino médio, é... pra clareza, até pra própria escolha da profissão. Se ela domina bem a Língua Portuguesa, ela vai ter facilidade em qualquer profissão que ela venha a escolher, então é muito importante o ensino de Língua Portuguesa no ensino médio. E sem contar que é o meio de comunicação, de se expressar, a sua ordem, as suas emoções, manipular todas as informações através da Língua Portuguesa. (Entrevista – Pedro, 09/02/2005)
Entretanto, a predominância da concepção da linguagem como expressão do
pensamento vem enunciada no excerto a seguir. O professor faz uma defesa do estudo
da Língua Portuguesa, pela Lógica. Além de defender a aplicação da Lógica no ensino
da gramática normativa, como foi apresentado no item 4.2.2, o professor considera-a
necessária para o estudo da “dissertação”, que entende como “redação básica”, cuja
estrutura compõe-se de “introdução, desenvolvimento e conclusão”. Dessa forma, a
tipologia clássica de texto dissertativo, emerge na voz do professor relida pelo viés da
Lógica em que a conclusão precisa ser um raciocínio “consistente” em relação ao
170
desenvolvimento. Pedro reflete, pois, sobre o ensino de língua interpelado pelo discurso
da tradição gramatical que se engendrou em torno da concepção de língua como
expressão do pensamento nos meandros da filosofia racionalista.
E depois ela (Lógica) trabalha a questão do raciocínio e até fico pensando mesmo quando nós trabalhamos com dissertação que é uma redação básica: introdução, desenvolvimento e conclusão, se essa conclusão ela realmente necessita advir do desenvolvimento, ou se é um raciocínio às vezes inconsistente em que se desenvolve uma idéia e conclui outra. Então nesse sentido o curso de Lógica filosófica me ajudou muito. (Entrevista – Pedro, 09/02/2005)
No excerto a seguir, a professora Luciana responde à questão sobre as
necessidades lingüísticas de aprendizagem do aluno. Luciana parece sensível ao
discurso do novo paradigma de ensino de Língua Portuguesa. Ela contrapõe aos
critérios de certo (“isso pode”) e errado (“isso não pode”) àqueles de adequado e
inadequado que visa à sincronia entre o registro lingüístico e a situação de uso. A
negação funciona interdiscursivamente, pois, em nível de pressuposto, evoca o
conceito de “certo” e de “errado” na língua, comum ao discurso normativo. A menção à
“adequação vocabular” vem expressa por meio do operador argumentativo adversativo
“mas”, demonstrando sua concepção de ensino-aprendizagem de Língua Materna
como desenvolvimento da competência comunicativa.
Olha, eu acredito que se ele sair daqui com uma visão já de, do que é linguagem e adequação vocabular; não de que isso pode e isso não pode, mas de se adequar a linguagem a determinado contexto, eu acho que já vai tá, assim, de bom tamanho. (Entrevista – Luciana, 01/03/2005)
O discurso hegemônico sobre a necessidade de dominar a norma culta da
língua, como um dos requisitos para a ascensão social do sujeito, atravessa a voz de
Luciana. O embate entre a voz daqueles que defendem essa concepção e a voz
daqueles que a condenam aparece em forma de interdiscurso, em que ambas as vozes
ecoam contraditoriamente em “por que ensinar, por que não ensinar gramática, tal”. O
conflito é também explicitamente reconhecido na expressão “essa é uma discussão
muito antiga”. A opção pelo ensino de gramática está dito em “eu acho que a gente
171
deve sim ensinar e possibilitar ao nosso aluno a inserção que a elite, a norma culta é da
elite”, em que a junção do verbo modal “deve” e do advérbio “sim” evoca o sentido de
necessidade do ensino da norma padrão da língua. Entretanto, a professora demonstra
certa preocupação em proteger-se de sua concepção ainda arraigada ao pensamento
gramatical. A prática da polidez é sinalizada no trecho “pode ser que eu esteja errada,
mas ainda penso assim”, em que Luciana antecipa a voz de uma possível
desaprovação, para, em seguida, contrapor-se a ela por meio do articulador temporal
“ainda”, indicando sua filiação ao ensino prescritivista. Por meio do verbo de sentir
“penso”, demonstra tratar-se de uma posição “particular”. Também no modo de
significar a oralidade, Luciana o faz espartilhada pelo discurso da tradição gramatical.
Desde que a Lingüística moderna emergiu no cenário das ciências humanas no início
do Século XX, ninguém mais ousa pensar que a oralidade é desregrada, a não ser que
não se tenha tirado a cabeça para fora da bacia semântica do discurso gramatical.
(...) minha visão de norma culta é a seguinte: por que ensinar, por que não ensinar gramática, tal. Essa é uma discussão muito antiga, você é da área sabe disso. (...) Eu acho que a gente deve sim ensinar e possibilitar ao nosso aluno a inserção que a elite, a norma culta é da elite. Então a inserção a esse mundo, ele tem que dominar essa linguagem até mesmo pra estar inserido na, num outro patamar. Pode ser que eu esteja errada, mas eu ainda penso assim, ainda penso que a gente tem que não ignorar de tudo, sabe, a gramática, trabalhar sim a gramática, trabalhar os níveis de linguagem, pra que ele perceba e se adeque às situações. (...) porque pra falar não tem regras, mas pra escrever... e aí ele vai ter que saber. (Entrevista – Luciana, 01/03/2005)
Os conceitos de “certo” e de “errado” permeiam o enunciado a seguir. Luciana
compartilhou uma experiência pedagógica em um curso técnico, que consistiu em
propor às alunas uma coleta de textos produzidos nos departamentos administrativos
do CEFETMT, para serem analisados como modelos de gêneros discursivos usados
nas secretarias. Em sua avaliação das amostras coletadas, a professora lança mão da
metáfora “pérolas”, para se referir aos textos que apresentam inadequações quanto à
linguagem e à estrutura. Quando argüida sobre os tipos de “pérolas” encontradas nos
textos, a professora fez alusão aos “erros gritantes”, qualificados como falta de
“adequação vocabular”, desrespeito às “regras gramaticais” e à “estética”. Nesse
172
enunciado, o conceito folclórico23 de “erro”, institucionalizado pela gramática normativa,
atravessa o discurso da professora de forma a criar um embate com a noção de
adequação vocabular que ela apresentou no enunciado, anteriormente citado, “não de
que isso pode e isso não pode, mas de se adequar a linguagem a determinado
contexto”, em que parece assumir a postura de que o uso da língua amolda-se à
situação comunicativa. No excerto: “é funcionários dizendo que requerimento e
memorando é a mesma coisa”, há uma avaliação de Luciana sobre o desconhecimento
dos funcionários da instituição acerca dos tipos de documentos comuns a essa esfera
de atividade profissional. A justificativa para todos os problemas lingüísticos e
discursivos encontrados nos textos das amostras é dada em “A maioria das pessoas
que trabalham em Secretaria não tem formação”, em que emerge uma estratégia de
condescendência diante da falta de preparação formal dos funcionários da instituição.
(...) eu levei elas nas secretarias do Cefet mesmo e elas fizeram um levantamento textual, de que textos da área dela são produzidos aqui nas Secretarias. Arrumamos algumas pérolas. (...) Elas colheram as amostras. (...) E, assim, tem algumas pérolas que tem que perceber. A maioria das pessoas que trabalham em Secretaria não tem formação. Então a gente tem que tá entendendo até isso. (...) Porque assim, erros gritantes, inclusive de linguagem, sabe? (...) De adequação vocabular, de uso mesmo das regras gramaticais, de estética, sabe? (...) É funcionários dizendo que requerimento e memorando é a mesma coisa. (Entrevista – Luciana, 01/03/2005)
Os efeitos de sentido produzidos nos enunciados criam um consenso, entre os
professores de português, quanto à predominância de um ensino ainda prescritivista da
Língua Portuguesa. A hegemonia do discurso da gramática normativa é desvelada na
voz que emerge a favor do ensino da Lógica, na voz que defende o “falar e escrever
bem” e na voz que explicitamente se levanta em favor do ensino de regras gramaticais.
Apesar de haver certo reconhecimento da necessidade de um trabalho com
textos que circulam nas esferas de atividades dos profissionais, não identifiquei, nem
nas entrevistas, nem nas aulas observadas, nenhuma prática pedagógica que
apresentasse uma aproximação efetiva dos novos paradigmas do ensino de Língua
23
Segundo Bagno (2001:25), “a principal (e pior) conseqüência do elitismo e do caráter não-científico da Gramática Tradicional foi o surgimento da noção folclórica de “erro” (...) tudo o que não estivesse de
173
Portuguesa. Na prática pedagógica dos professores, há circulação de textos dentro da
sala de aula, porém não como exemplares de um gênero. O caminho percorrido pelos
professores não se inicia primordialmente pelos gêneros discursivos das esferas de
atividades profissionais dos cursos técnicos, mas sim por conteúdos habituais do
paradigma tradicional que, diferentemente da orientação dos Parâmetros, assenta o
ensino de língua materna na forma e não no uso, detendo-se exclusivamente na forma
da língua padrão. O texto também pode aparecer como pretexto para discussão de
questões relacionadas ao curso. É escolhido pela temática e não pelo gênero.
A menção a um trabalho subsidiado pela teoria dos gêneros discursivos só
aparece na voz de um dos professores de Língua Portuguesa quando é incitado a falar
sobre o assunto pela voz da pesquisadora. A professora inicialmente enuncia “eu
trabalho com gêneros”, que expressa uma atitude de certeza diante de sua resposta.
No entanto, em seguida ela demonstra dúvida em relação à sua prática pedagógica ao
usar o verbo modal “acho” em “eu acho que trabalho com gêneros”. Luciana reconhece
que a teoria sobre os “gêneros textuais” é necessária para a compreensão da
“tipologia”. Entretanto, diante do que enuncia, não é possível concluir, apenas pela
expressão “tipologia propriamente dita”, sobre a concepção de gênero assumida pela
professora24. As referências a esse tema no enunciado só me permitem excogitar que o
termo “tipologia” é adotado pela professora como sinônimo de “gêneros” 25.
P: (...) Você poderia até pensar que é uma possibilidade de trabalho com gêneros textuais, não é isso? Luciana: É o que eu te falei, porque apesar de trabalhar com fôrma de texto, estrutura, porque só muda o assunto, a estrutura é a mesma, a estética, a formatação, mesmo; eu trabalho com gêneros, eu acho que
acordo com a régua da GT, tudo que escapasse de seu sapatinho de cristal, era considerado “errado”, “feio”, “estropiado”, “deselegante” etc. 24
Para Marcuschi (2002: 22), a expressão tipologia textual é usada para “designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. 25
Há certa polêmica entre os lingüistas que trabalham com a teoria sobre os gêneros discursivos, principalmente quando o objetivo é tentar esmiuçar as proposições adotadas por Bakhtin (2002). No entanto, como adotei a teoria da ADC, considero pertinente optar pela concepção de Fairclough (2001: 106): “tipos de texto” ou “estrutura textual diz respeito à ‘arquitetura’ dos textos”; são “convenções de estruturação”, ou melhor, “as maneiras e a ordem em que os elementos ou os episódios são combinados” na construção de um texto.
174
trabalho com gêneros, porque, memorando, ofício, CI, AI, Carta Aberta, Requerimento, Portaria, são gêneros, né? P: Mas seria possível dizer que esse conhecimento sobre os gêneros textuais está te ajudando, (...)? Luciana: Com certeza, tá me ajudando bastante entender tipologia propriamente dita e aí inserir o aluno nessa questão de gêneros diferenciados, porque o que a secretária vai trabalhar é com uma gama aí de, de... (gêneros). (Entrevista – Luciana, 01/03/2005)
Diante da análise da conjuntura em que se situa o ensino técnico-
profissionalizante e após perscrutar as práticas discursivas dos professores de Língua
Portuguesa, não há como negar que a prática pedagógica das habilidades que
envolvem o ensino de português está na contramão do novo paradigma de ensino de
língua e, por isso, não está atendendo às necessidades de aprendizagem da leitura e
da produção de textos do ensino técnico. É possível que os professores de Língua
Portuguesa compreendam que, nas habilidades em que trabalham, é preciso
desenvolver atividades com os gêneros específicos da área técnica, porém não estão
suficientemente preparados para implementar, sozinhos, um trabalho dessa natureza. É
necessário partir do pressuposto de que os currículos dos cursos técnicos por
competência têm, em seu bojo, habilidades que busquem, como objeto de ensino, o(s)
gênero(s) discursivo(s) demandado(s) pela área profissional contemplada pelo curso.
Para tanto, é preciso que o ensino de Língua Portuguesa deixe ter como foco “o saber a
respeito da língua” e passe a ter como objetivo primordial o desenvolvimento da
competência genérica.
Mesmo que os professores da área técnica não tenham conhecimento sobre a
teoria dos gêneros discursivos, eles seguem a orientação do mundo do trabalho,
baseando-se nas práticas discursivas de cada esfera de atividade profissional. Isso
quer dizer que o profissional da área técnica, ao ingressar em uma empresa, não será
designado a discorrer sobre regras lingüísticas, ou ainda escrever textos estruturados
aleatoriamente, mas sim a produzir textos moldados pelos gêneros discursivos comuns
à profissão, e que atendam, principalmente, às necessidades dos atores sociais
envolvidos nas situações sócio-comunicativas.
175
Assim, a formação do professor de português precisa contemplar
conhecimentos básicos, como teoria dos gêneros discursivos e, primordialmente, o(s)
gênero(s) discursivo(s) em uso nos cursos, incluindo as características que o(s)
definem, como a estrutura composicional, a situação sócio-comunicativa, o conteúdo, o
estilo e a função26. Para tanto, não bastam apenas cursos generalistas de formação na
área de linguagens. É essencial a participação dos professores da área técnica no
compartilhamento dos gêneros discursivos a serem trabalhados nas habilidades que
envolvem o ensino de português, disponibilizando modelos de textos que geralmente
são incomuns às práticas discursivas dos professores de português.
26
Concepção adotada por Marcuschi (2002: 23).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percorridas todas as etapas desta pesquisa, o que teria a dizer sobre os sentidos
que envolvem o ensino de língua portuguesa em cursos técnicos do CEFETMT. Que
vozes podem ser ouvidas da boca daqueles que falam como técnicos e daqueles que
falam como professores de português? Qual é o ethos do enunciador-professor de
português? Qual é o ethos do enunciador-professor/gerente da área técnica?
A noção de ethos designa o tom que o enunciador assume ao falar. Conforme
Maingueneau (2004: 98), “o tom dá autoridade ao que é dito” e “permite ao leitor
construir uma representação do corpo do enunciador”. O que essa noção de ethos me
permite inferir, como leitora que escutou as vozes, entusiásticas ou reprimidas, dos
sujeitos, converteu-as em letras e as examinou sob as lentes da Análise de Discurso
Crítica?
É possível dizer que professores da área técnica constroem, como enunciadores,
um ethos de confiança e segurança em relação ao como se pronunciam acerca da
orientação instrumental dada à língua portuguesa. É possível dizer também que os
professores de língua portuguesa constroem um ethos de desconfiança e insegurança
ao enunciarem sobre o caráter instrumental da língua nos cursos técnicos. Se os
primeiros se apresentam como fiadores do ensino instrumental, os segundos se dizem
“perdidos no meio do caminho”.
Estrangeiros no continente dos cursos técnicos, os professores de português se
apresentam como “peixes fora d’água”. São acometidos de um mal-estar que os faz
esconjurar a possibilidade de virem a trabalhar nos cursos técnicos. Suas vozes,
geralmente mais afinadas com uma concepção humanista de educação, revelam-se
inaudíveis no meio do discurso tecnicista altissonante. Quando se pronunciam, não é
para protestar sobre o banimento da poesia nos cursos técnicos, ou sobre a redução
drástica da carga-horária destinada à língua, ou sobre o lugar menor atribuído ao
professor de português transformado em mero corretor ortográfico, mas,
paradoxalmente, para reclamar uma formação que os capacite a implementar
eficientemente a proposta tecnicista.
177
Essa postura, à primeira vista estranha, torna-se compreensível à luz do conceito
de hegemonia que concebe as batalhas pelo poder nas sociedades capitalistas como
batalhas simbólicas que envolvem não a força bruta, mas o consentimento e a
aquiescência. Na arena dos cursos técnicos, os professores de português “consentem”
em significar a educação e o ensino de língua materna pelo viés do discurso neoliberal
que dá sustentação à ordem econômica capitalista na modernidade tardia – um
capitalismo global irrestrito que, ideologicamente, transforma todos aqueles que vivem
no planeta Terra, independentemente de suas pertenças étnicas, raciais, políticas e
religiosas, em sujeitos “igualmente livres” para comprar e vender. Sob a ordem do
capitalismo global irrestrito, não importa quem somos. Somos todos consumidores!
Consumimos bens materiais e agora, mais do que nunca, bens imateriais, já que todas
as ordens de discurso foram colonizadas pelo discurso mercantil.
Fairclough (2001: 255) refere-se a esse processo de colonização de ordens de
discursos institucionais e societárias por discursos da ordem da economia de mercado
pelo termo comodificação. Segundo o autor, a comodificação vem fazendo a lógica da
economia de mercado penetrar e se apoderar de domínios e instituições sociais que
nunca estiveram associadas à produção, distribuição e consumo de mercadorias, como
as instituições educacionais, por exemplo, que transformaram alunos em “clientes” e
falam não mais em custos mas em “investimento”. Tal conceito parece-me bastante
fértil para ancorar uma reflexão sobre o que li nos enunciados produzidos pelos sujeitos
que participaram desta pesquisa.
Sinto-me inclinada a dizer que a alma do CEFETMT encontra-se dominada pelo
discurso educacional comodificado27. O aspecto mais visível dessa comodificação
encontra-se na reorganização administrativa da instituição nos moldes de uma empresa
do mundo dos negócios. Os antigos setores administrativos e pedagógicos da escola,
antes designados “diretorias”, passaram agora a ser nomeados como “gerências”
(Gerência de Ensino, Gerência de Ensino Superior, Gerência da Área de Tecnologia I,
Gerência da Área de Tecnologia II, Gerência da Área de Tecnologia III, Gerência de
27 O termo “discurso educacional comodificado” foi cunhado por Fairclough (2001: 256)
178
Ensino Médio28). Completando essa relexicalização dominada pela ordem do discurso
econômico, os diretores passaram a se dizer “gerentes”.
Também a organização curricular dos cursos técnicos é timbrada pelo discurso
educacional comodificado. Os cursos são estruturados não mais por semestres ou
anos letivos, mas por módulos que podem ser cursados independentemente, permitindo
inclusive certificações parciais, numa resposta rápida às demandas do mercado de
trabalho que precisa de trabalhadores qualificados, mas nem tanto, já que os muito
qualificados não se sujeitam a vender barato sua força de trabalho.
Os módulos são organizados por meio de competências e habilidades e não por
disciplinas. Disciplinas produzem “saber”, ao passo que habilidades produzem “saber
fazer”. O mercado de trabalho precisa de técnicos que saibam fazer e não apenas
teorizar. Como um dos sujeitos bem lembrou, os termos “competência” e “habilidade”
remetem-se ao discurso do mundo empresarial. Fairclough (2001: 257) chama a
atenção para a coexistência de sentidos contraditórios no termo habilidade que “parece
ajustar-se tanto a uma visão individualista e subjetiva da aprendizagem como a uma
visão objetiva de treinamento”. O primeiro sentido realça a potencialidade individual
inata, mas suscetível de aperfeiçoamento; o segundo destaca a possibilidade de se
desenvolver uma habilidade onde ela não existe por meio de treinamentos
institucionalizados iguais para todos. Se todos têm igual oportunidade, o fracasso ou o
sucesso é responsabilidade de cada um. Dessa forma, o Estado se livra do ônus da
miséria social. Quer inata quer aprendida, a habilidade é pensada como atributo de
indivíduos e assim, num ou noutro sentido, reforça a ideologia neoliberal, enquanto
projeto político que ordena as relações sociais de acordo com as demandas do
capitalismo global.
Segundo Fairclough (2001: 257-258), o termo habilidade permite a divisão em
unidades descontínuas que podem ser “ensinadas e avaliadas separadamente e podem
ser compradas e vendidas como artigos distintos na variedade de mercadorias
disponíveis no mercado educacional”. Não é outra a orientação que preside a
28
Essa organização estava em vigor no período da pesquisa, porém ela já foi reformulada. Hoje a instituição está organizada em: Gerência de Ensino, Gerência de Educação, Gerência do Ensino Superior Tecnológico, Gerência do Ensino Técnico, Gerência do Ensino Médio. Com isso, tem-se mais um sinal de que as mudanças no CEFETMT procuram seguir um ritmo semelhante ao do mundo capitalista.
179
organização dos currículos dos cursos técnicos cujos professores ouvi. Como foi
mencionado acima, treinado num conjunto de habilidades, o aprendiz já pode ser
certificado como competente para exercer determinadas funções de um pacote maior.
Não é necessário concluir todos os módulos para ter direito à certificação. Essa lógica é
boa para o mercado que remunera por domínio de competência e titulação e, assim,
pode pagar menos; é boa para a instituição que praticamente não tem evasão escolar;
é boa para o país que melhora seus índices no ranking internacional de qualificação
profissional, fortalecendo-se como economia em desenvolvimento. Enfim, a ordem
capitalista vigente sai fortalecida em todos os níveis.
A comodificação também se faz presente no afunilamento das habilidades
lingüisticas em “ler e interpretar textos técnicos” e “redigir relatórios técnicos”, ou seja,
na redução da língua à condição de instrumento da profissão. Não quero com isso
significar que tais habilidades não sejam relevantes em tais cursos, quero apenas
refletir sobre a exclusividade delas, como se o técnico, uma vez técnico, fosse técnico
vinte e quatro horas por dia. No mundo da vida, além de técnicos, somos pais, filhos,
irmãos, namorados, amigos, eleitores, cidadãos etc. E em cada esfera de atividade
social em que nos encontramos, somos instados a atualizar diferentes gêneros
discursivos. Assim, é compreensível que se reafirme a vocação da escola de realizar a
formação técnica. Contudo, o que se estranha é que a educação do técnico só pense
no técnico como técnico, só enxergue a dimensão do trabalho. O técnico não tem
direito de respirar, apenas de transpirar? Não tem direito à poesia, à musica, ao
cinema, ao bate-papo descontraído, à revista, ao jornal etc. E o que dizer de sua
participação nas mais diversas práticas sociais? Assim pensada, a educação produz
indivíduos profissionalmente dopados que podem ser bons técnicos, mas péssimos
cidadãos. Qualquer que seja o espírito da educação, técnica ou propedêutica, o ensino
de língua portuguesa não pode perder de vista seu compromisso em desenvolver
amplamente a competência genérica29 dos alunos no espaço-tempo vivido na escola,
ainda que privilegie esse ou aquele gênero. Muitos locutores são estigmatizados,
discriminados e excluídos “porque não sabem se comunicar com facilidade em certos
29 Competência genérica consiste em se comportar como convém nos múltiplos gêneros de discurso. (Maingueneau, 2004: 43)
180
gêneros de discurso socialmente valorizados” (Maingueneau, 2001: 44). Esses
locutores não prescindem da escola para expandir sua competência genérica.
Finalmente, uma última instância da comodificação do discurso educacional no
CEFETMT está presente no reformismo que marca toda a história da instituição. É
próprio da ideologia liberal e do regime capitalista acreditar em progresso material e
espiritual. Tudo o que vem depois é avaliado como melhor, justificando, portanto, a
substituição do velho pelo novo, sem qualquer avaliação mais conseqüente. Esse modo
de conceber o novo é bastante familiar e aceito como natural por aqueles que se
alinham com as ciências exatas e as áreas tecnológicas, mas incomum entre aqueles
que se abrigam no continente das ciências humanas que vêem tanta atualidade em
Heráclito, Aristóteles e Platão quanto em Foucault, Pêcheux e Fairclough, por exemplo.
Aliás, é essa crença no progresso, essa crença de que a mercadoria nova é melhor do
que a velha, que alimenta o consumismo e segue reproduzindo a ordem econômica
capitalista.
Vale dizer que tais aspectos da comodificação aqui apontados não são
exclusivos do CEFETMT. Certamente eles podem ser atestados em outras instituições
de ensino técnico. Na verdade, todas as mudanças implementadas no CEFETMT foram
motivadas por resoluções educacionais de alcance nacional. Destarte, seus efeitos
podem ser sentidos em outros CEFETs. Tais resoluções, por sua vez, estão
sincronizadas com o perfil de mercado de trabalho de um capitalismo global irrestrito.
Assim, diante de tantas coerções, qual o significado das incontáveis mudanças no
CEFETMT? Mudar significa não mudar, significa perpetuar os sentidos da ideologia
liberal, significa adequar-se à ordem econômica capitalista tal como se configura na
modernidade tardia. Mudar significa mudar para não mudar, para tudo ficar como está.
Acredito que todos esses sentidos acerca do ensino de língua portuguesa no
CEFETMT vieram à tona porque examinei os textos sob a ótica da Análise do Discurso
Crítica que não se compraz em “descrever” os fenômenos de linguagem no melhor
espírito positivista das ciências exatas que a lingüística procurou imitar na primeira
metade do século XX, enquanto se constituía como ciência. Como assinala
Rajagopalan (2003: 124), para essa lingüística imanente positivista “interferir” no
fenômeno estudado a pretexto de recomendar certos comportamentos lingüísticos ou
181
de influenciar as tomadas de decisão na esfera do planejamento lingüístico é uma
atitude condenada e veementemente rechaçada. Contudo, nos últimos quarenta anos,
uma outra lingüística vem se engendrando, essa, cética de sua suposta “neutralidade”,
sabe que “fazer ciência também é uma prática social” (Rajagopalan, 2003: 128), que
pode reforçar certas ordens econômicas, sociais e políticas ou enfraquecê-las,
desestabilizá-las e até mudá-las. Não fossem as luzes da Análise de Discurso Crítica,
não teria vislumbrado que, sem quebrar a lógica dos nós humanistas-eles tecnicistas,
nossos diálogos não passarão de conversa de surdo. Estaremos fadados a
interincompreensão30, poderemos nos reformar ao infinito, mas não mudaremos nada
jamais.
30
O termo “interincompreensão” é usado aqui no sentido que Maingueneau (2005: 103) lhe confere. Segundo o autor, “cada discurso é delimitado por uma grade semântica que, em um mesmo movimento, funda o desentendimento recíproco. Cada discurso repousa, de fato, sobre um conjunto de semas repartidos em dois registros: de um lado, os semas “positivos”, reivindicados; de outro, os semas “negativos”, rejeitados. A cada posição discursiva se associa um dispositivo que a faz interpretar os enunciados de seu Outro traduzindo-os nas categorias do registro negativo de seu próprio sistema. A esse desentendimento recíproco Maingueneau atribui o nome de “interincompreensão”.
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