Naiara Conservani Schmidt
CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da
Cidade de Marília-SP
Marília 2009
Campus de Marília
Naiara Conservani Schmidt
CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da
Cidade de Marília-SP
Monografia apresentada à banca
examinadora representada pelos
professores do curso de Ciências Sociais,
sob orientação do Prof. Dr. Luis Antônio
Francisco de Souza, para a obtenção do
título de Bacharel em Ciências Sociais.
Marília
2009
Campus de Marília
Ficha Catalográfica Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília
Schmidt, Naiara Conservani. S349c Canaã : a nova terra prometida pelos condomínios
fechados da cidade de Marília-SP / Naiara Conservani Schmidt. – Marília, 2009.
118 f. ; 30 cm.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2009.
Orientador: Dr. Luís Antônio Francisco de Souza.
1. Fortificação. 2. Segregação urbana. 3. Condomínio (Habitação). I. Autor. II. Título.
CDD 301.36
NAIARA CONSERVANI SCHMIDT
CANAÃ: A Nova Terra Prometida Pelos Condomínios Fechados da
Cidade de Marília-SP
Banca Examinadora
____________________________________
Prof. Dr. Luís Antônio Francisco de Souza
(Orientador UNESP/Marília)
____________________________________
Prof. Dr. Edemir de Carvalho
(UNESP/Marília)
____________________________________
Prof. Dra. Mirian Cláudia Lourenção Simonetti
(UNESP/Marília)
Marília, 11 de janeiro de 2009.
Essa monografia se originou da pesquisa de iniciação científica financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) através do
processo nº 2008/10834-8
Aos meus queridos, Cleide e Álvaro Conservani.
AGRADECIMENTOS
Esse trabalho foi realizado com a colaboração de algumas pessoas
imprescindíveis, às quais devo meus sinceros agradecimentos. Em primeiro lugar, meu
orientador Professor Luis Antônio Francisco de Souza, com quem compartilhei toda a
trajetória dessa pesquisa e que me ajudou com todas as pedras que se colocaram em
meio ao caminho de sua realização. Agradeço também à Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP que financiou esta pesquisa e também aos
colegas da FATO da UNESP de Marília-SP que colaboraram com alguns materiais para
esse trabalho.
Sou também grata a minha família que me apoiou de forma especial nesse
momento aceitando minhas escolhas e respeitando meus caminhos. Agradeço também
aos meus amigos que estiveram ao meu lado nesse momento me apoiando e tendo
paciência com minhas crises. À todos muito obrigado pelo apoio.
RESUMO
Nas grandes e médias cidades do mundo é possível observar uma nova forma de organização do espaço urbano, que apresenta dentre outras características a forte presença de condomínios residenciais e comerciais fechados, tanto horizontais como verticais. A presença desse tipo de construção vem crescendo a cada ano nas cidades brasileiras e o setor imobiliário faz investimentos cada vez maiores nesse segmento altamente lucrativo. Seus anúncios publicitários podem ser encontrados espalhados pelas grandes e médias cidades brasileiras com facilidade. Neles as ofertas são de uma vida tranqüila e agradável, na qual os riscos e as imprevisibilidades do mundo contemporâneo podem ser deixados do lado de fora dos muros sempre que desejar seu morador. Tendo em vista as características desse novo processo urbano o presente estudo tem por objetivo investigar o caso específico da cidade de Marília, que se insere nessa lógica, juntamente com outras cidades de porte médio, com o processo de interiorização desses empreendimentos imobiliários, que vêem nas regiões do interior uma opção rentável para seus negócios. Diante disso, pretende-se investigar um processo novo de fortificação identificado em Marília. A partir disso pretende-se compreender de que forma isso se reflete nas formas de sociabilidade e na reorganização do espaço urbano. Marília se mostra como um objeto pertinente na medida em que seu processo de urbanização contém desde seu início a presença da separação dos espaços, seja por seus motivos naturais, quanto por seus motivos econômico-sociais e políticos. Sendo a questão chave, a ser perseguida no presente estudo, a reorganização dos espaços urbanos, a busca por segurança e por um modo de vida supostamente comunitário e seletivo, um vetor para o crescimento imobiliário e para o crescimento dos guetos voluntários (cf. Bauman, 1999).
PALAVRAS-CHAVE: Fortificação; segregação urbana; condomínios horizontais.
ABSTRACT
In big and medium cities in the world you can see a new form of organization of urban space, which provides among other features the strong presence of residential condominiums closed, both horizontal and vertical. The presence of this type of construction has been growing each year in Brazilian cities and real estate investment is growing in this highly profitable segment. Your advertisements can be found scattered throughout the large and medium-sized Brazilian cities with ease. In these deals are a nice and quiet life, in which the risks and unpredictability of the contemporary world can be left outside the walls where you want your neighbor. Given the characteristics of this new urban process in the present study aims to investigate the specific case of the city of Marília, which fall within this logic, along with other mid-sized cities, with the process of internalization of these real estate projects, they see in hinterland a profitable option for your business. Given this, we intend to investigate a new process of fortification identified in Marília. From this you want to understand how this is reflected in the forms of sociability and the reorganization of urban space. Marília shown as an object relevant to the extent that the process of urbanization has since its inception the presence of the separation of spaces, whether for its natural reasons, as reasons for their economic and political aspects. Since the key issue to be pursued in the present study, the reorganization of urban space, the search for security and a way of life supposedly Community and selective vector for a real estate growth and the growth of ghettos volunteers (see Bauman , 1999).
KEY WORDS: Fortification; urban segregation; condominiums.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela I: Construções em Marília ( Zona Urbana): 1928-1946.............................................50
Tabela II: População do município de Marília 1934-1980......................................................51
Tabela III: Distribuição da População de Marília com relação à ocupação de 1934...........54
Tabela IV: Participação dos setores da economia no Produto Interno Bruto (PIB) de Marília no ano de 2007...............................................................................................................56
Tabela V: Evolução Populacional da cidade de Marília-SP...................................................57
Tabela VI: Delitos selecionados, Município de Marília Taxas por 100 mil habitantes........87
Mapa I: Zoneamento do município de Marília-SP..................................................................58
Mapa II: Localização dos enclaves fortificados no município de Marília-SP.......................91
Figura I: Maquete do condomínio fechado Valle do Canaã...................................................80
Figura II: Viver Aquarius..........................................................................................................85
Figura III: Condomínio fechado do tipo horizontal da zona leste do município de Marília-SP.................................................................................................................................................86
Figura IV: Material Publicitário do condomínio fechado Portal da Serra...........................86
Figura V: Zona Leste de Marília-SP........................................................................................95
Figura VI: Zona Leste de Marília-SP.......................................................................................95
Figura VII: Zona Leste de Marília-SP.....................................................................................96
Figura VIII: Zona Oeste de Marília-SP...................................................................................97
Figura IX: Zona Oeste de Marília-SP......................................................................................97
Figura X: Zona Oeste de Marília-SP........................................................................................99
Figura XI: Zona Oeste de Marília-SP....................................................................................100
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................11
CAPÍTULO I..............................................................................................................................17
1.1 Cidade: uma discussão acerca do urbano............................................................17
1.2 Espaço urbano versus o processo de globalização...............................................21
CAPÍTULO II – Marília: “Símbolo de Amor e Liberdade ”..................................................43
2.1 A Formação da “Califórnia Paulista”...................................................................43
2.2 Marília: “Capital Nacional do Alimento...............................................................55
2.3 Marília: Algumas camadas....................................................................................62
CAPÍTULO III – Cidade: Insegurança e Fortificação..........................................................67
3.1 Os Enclaves Fortificados........................................................................................67
3.2 A Canaã Mariliense................................................................................................77
3.3 A Marília do outro lado dos muros.......................................................................94
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................102
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA.......................................................................................105
ANEXOS...................................................................................................................................108
Anexo I – Mapa da Zona Leste de Marília-SP.........................................................108
Anexo II – Mapa da Zona Oeste de Marília-SP.......................................................109
Anexo III - Material Publicitário de alguns empreendimentos imobiliários que se
enquadram no tipo Condomínio Fechado Horizontal de Marília-SP…………....….........110
Anexo IV - Imagens do Bairro Parque das Vivendas e Jardim Universitário –
Zona Oeste de Marília-SP…………………………………………………………………...116
11
INTRODUÇÃO
As cidades brasileiras vêm sofrendo transformações em suas estruturas urbanas
por motivos que acompanham as transformações ocorridas no país. A recente
industrialização é uma das transformações significativas que teve um impacto direto nas
grandes cidades, sobretudo a cidade de São Paulo que apresentou um inchaço urbano
marcado pela falta de políticas públicas e planejamento urbano. De forma semelhante e
mais recentemente, outras cidades brasileiras sofreram os impactos dessas
transformações, tendo implicações importantes na sociabilidade e na qualidade de vida
dos seus moradores.
As mudanças recentemente sofridas pelas cidades brasileiras caracteriza-se
dentre outras coisas pela perda da função de espaços públicos destinados à práticas
coletivas e a criação de locais específicos para essas atividades. Assim, nota-se que se
torna cada vez mais freqüente a degradação desses espaços, vistos em geral como locais
de alto risco. Ao mesmo tempo, locais específicos para atividades de lazer e comerciais,
como clubes e shoppings se espalham. Por fatores que se relacionam com a questão da
segurança, do mercado imobiliário e também de novos estilos de vida identificados nos
centros urbanos brasileiros, regiões centrais das cidades passam a ser evitados como
locais destinados à moradia o que promove a expansão para as regiões periféricas e,
também a verticalização das cidades.
Outra mudança significativa observada nas grandes e médias cidades brasileiras
é a presença de condomínios fechados que provocam transformações sócio-espaciais no
meio urbano e trazem novas formas de sociabilidade entre os indivíduos, tanto entre
aqueles que optaram em habitar esses espaços como aqueles que se vêem deles
separados por seus muros. Juntamente com esse processo de fortificação das cidades
está o processo de periferização, ambos relacionados.
De um lado, apresentam-se os enclaves fortificados (Caldeira 2000) que se
expandem pelas cidades brasileiras como um novo estilo de vida, que traz consigo uma
rotina de portões, guaritas, identificação, sistemas de câmeras de vigilância e uma
preocupação constante com a segurança. Esses espaços privados ocupados pelas elites
apresentam-se como uma busca da liberdade que já não existiria mais nos centros
urbanos. Dessa forma, os processos de pefirerização e de fortificação alteram as
experiências dos indivíduos com a cidade. A forma como estes a vivem e a
12
compreendem passa a ser marcado pela presença de locais privados que está relacionado
ao poder aquisitivo, e também às barreiras físicas, o caso dos muros, por exemplo, que
se erguem pelas cidades. Assim, esses locais restritos promovem uma nova forma de
segregação.
Esse recente fenômeno, que se intensificou no Brasil na década de 1990, está
ligado a questões já antigas da história do país, como a má distribuição de renda e as
grandes desigualdades sociais entre classes. Mas também se relaciona a questões mais
recentes como a acelerada urbanização sem planejamento - realidade da maior parte das
cidades brasileiras - além da sensação de insegurança, tão explorada pela mídia e
utilizada pelo mercado de segurança privada, bem como pela questão da violência. Há
forte relação causal entre essas questões, ao mesmo tempo em que ambas refletem o
esvaziamento do espaço público promovido pela transferência de responsabilidades de
domínio público para o privado na gestão do espaço urbano.
Diante do sentimento de insegurança, fundamentado no medo de um mal
próximo a ocorrer, e de uma virtual negligência do Estado com os serviços básicos e
necessários, o mercado cria ofertas que abarcam hoje uma infinidade de bens e serviços
que são imprescindíveis à vida digna do cidadão. São sistemas de segurança, planos de
saúde, clubes e espaços privativos destinados ao lazer, instituições de ensino privado,
que se estende desde o ensino fundamental até o superior, e tudo mais quanto os
recursos financeiros disponíveis tenham o poder de adquirir. Tal processo faz parte da
ação de privatização dos serviços públicos e da segurança que está relacionado com a
crise no modelo do Estado de Bem-Estar Social, o qual não é mais mantenedor do
conjunto de serviços necessários a vida digna dos cidadãos.
Indivíduos estabilizados financeiramente e com um padrão de vida elevado, que
compõem a classe média e alta, são os principais usuários desse tipo de estratégia, bem
como o grupo que mais se protege por meio de dispositivos de segurança. Pretendem
viver em ilhas de segurança: locais restritos de uma aparente vida tranqüila e perfeita.1
Desse modo, cria-se um problema de cidadania, já que a negligência do Estado frente
alguns serviços, bem como a privatização desses, exclui uma parcela da população que
não terá acesso a eles por falta de recursos financeiros.
1 As notícias evidenciam que, no entanto, há uma tendência crescente de barateamento da segurança
privada, tornando-se assim acessível a outros grupos sociais.
13
A utilização de sistemas de segurança como uma alternativa a violência urbana
e, a escolha por uma moradia em locais fechados como os condomínios, além de
contribuírem para o sentimento de segurança e tranqüilidade, produz o isolamento entre
os indivíduos que compõem a cidade e entre suas diversas regiões. Assim a cidade
torna-se um espaço que promove o distanciamento entre indivíduos e grupos. Os medos
e a insegurança emergem como elementos constitutivos da vida moderna (GIDDENS
2000).
No caso da cidade de Marília, que é cortada por vales e paredões rochosos, a
separação de bairros economicamente distintos se dá de forma mais acentuada pelas
próprias características do relevo da região que impede o acesso de algumas áreas por
vias de acesso direto. Analisando historicamente a configuração espacial da cidade
observa-se que a segregação econômico-espacial tem suas bases no processo de
urbanização que se intensificou na década de quarenta com o inicio da industrialização
da região. Nesse período, foram se formando loteamentos nas regiões periféricas da
cidade de forma indiscriminada e com caráter especulativo, já que apenas na década de
setenta é que foram criadas as primeiras leis municipais de ocupação e utilização do
solo (DELICATO 2004).
Os primeiros condomínios fechados foram instalados em Marília na década de
1980, no mesmo período em que começaram a se formar a forma de habitação
classificada como favelas. Tanto em um caso como em outro o poder público municipal
manteve-se distante e negligente, regularizando essa situação apenas tardiamente,
quando a situação já era incontornável.
Como se observa o modelo de construção residencial fechado está se
interiorizando, trazendo os padrões residenciais das capitais para as cidades médias.
Essa é uma tendência que parece estar agradando seu público alvo – a classe média e
alta - pois traz a possibilidade de ter momentos de lazer também garantidos pelo aparato
de segurança e monitoramento que um residencial fechado oferece. Além disso, o
momento destinado ao lazer é realizado no convívio apenas daqueles que se deseja o
que descarta, aparentemente, qualquer desconforto e insegurança. O princípio desses
empreendimentos é: segurança, conforto, lazer, alto-padrão, áreas relativamente
afastadas, fácil acesso e proximidade de áreas verdes.
O comportamento das classes média e alta de Marília contrasta com os índices
de crime violento da cidade. Tal fenômeno pode estar relacionado à questão da
14
percepção do risco que pode não estar diretamente relacionado ao risco real, assim a
experiência individual e coletiva se norteiam em seus próprios padrões, o que em uma
comparação direta entre realidades distintas de resultados semelhantes podem distorcer
as possíveis conclusões. Assim, um comportamento observado entre os habitantes de
uma cidade como São Paulo, que convivem cotidianamente com altos índices de
violência, trânsito caótico, problemas sociais, e sua opção em morar em um condomínio
fechado pode parecer justificável. Entretanto, o mesmo comportamento verificado entre
os moradores de uma cidade como Marília, que apresenta esses problemas em bem
menores proporções merece ser compreendido e explicado. É preciso levar-se em
consideração as especificidades sócio-culturais de cada caso considerado, bem como
entender como os indivíduos vivenciam sua realidade imediata. Assim, a construção do
medo e do sentimento de insegurança pode acometer os habitantes de Marília e também
os de São Paulo ou de qualquer outra cidade sem que eles vivenciem a mesma realidade.
Juntamente com a realização de desigualdades sociais deve-se buscar
compreender o crescente número de muros e barreiras que se erguem a cada dia, nos
mais diversos lugares do mundo, pois, a emergência deles não se vincula apenas a
questões de segurança, mas liga-se também a construção de uma nova forma de habitar
e viver a cidade. Isso coloca a presença de residenciais fechados como forma de
distinção social e meio produtor de segregação sócio-espacial. Tipos de construções que
lembram fortalezas medievais inseridas no contexto do processo de globalização, o qual
possibilita o contato entre diversas possibilidades, mas que ao mesmo tempo intimida e
provoca distâncias e fechamentos.
Dessa forma, tanto nas relações individuais como na organização do espaço
urbano o que se observa é o aumento progressivo das desconfianças com relação ao
outro9, as relações tendendo a serem mais distanciadas e superficiais, pois, o outro
enquanto desconhecido é também imprevisível e uma possível ameaça. Dessa maneira,
a diversidade e a pluralidade são colocadas como risco, originando a promoção e a
difusão de desigualdades entre indivíduos e grupos de indivíduos. Evidentemente, não
se trata mais dos riscos tradicionais de que fala Giddens (2000), mas de riscos para os
quais os cálculos dos seguros não apresentam alternativas senão a recusa ao contato
direto.
9
Para uma discussão mais ampliada dessa questão da emergência da sociedade do risco e da crise da
modernidade, ver Giddens 2000.
15
Diante disso, o presente estudo busca compreender de que maneira isso se
realiza na cidade de Marília-SP, compreendendo as especificidades desse processo
recente nesse contexto e, buscando, portanto, seus possíveis determinantes e
conseqüências nas relações sócio-espaciais já estabelecidas nesse território e as novas
formas decorrentes do processo de fortificação aqui observadas.
Para isso essa pesquisa possui em seu primeiro capítulo uma breve discussão
teórica acerca da questão urbana e o processo de globalização e a relação deste com o
processo de fortificação observado nas cidades contemporâneas. No segundo capítulo o
processo de formação do município de Marília é analisado de forma a compreender sua
forma de ocupação atual. Assim, diante das análises e discussões realizadas nos dois
primeiros capítulos o presente estudo tem como terceiro capítulo a análise das
particularidades do processo de fortificação no município de Marília-SP e as
implicações que este provoca na organização sócio-espacial do município.
Considerações acerca do objeto
A tentativa de compreender sociologicamente o fenômeno dos condomínios
fechados como elementos que compõe as paisagens urbanas contemporâneas e a
expansão do mercado de segurança privada em Marília produz uma demanda de
investigação que não se restringe a essa delimitação específica desse espaço e tempo.
Pois, esse fenômeno aqui observado mostra-se inter-relacionado com outros fenômenos
que, assim como ele, possuem caráter não estático o que torna seu isolamento como
uma unidade autônoma, um erro metodológico para sua compreensão.
Por esse motivo faz-se necessário buscar compreendê-lo enquanto objeto
inserido em um complexo de relações, de tal modo que a simples discrição de uma
paisagem fisicamente urbana, por si só, não daria conta de explicá-lo. Desse modo, essa
pesquisa irá trabalhar com o fenômeno dos condomínios fechados a partir de sua ligação
com a questão do esvaziamento do espaço público acentuado no processo de
globalização. A partir disso, irá se buscar as possíveis conexões entre esse processo e o
processo de fortificação das cidades contemporâneas, especificamente o caso de
Marília-SP.
Por esse motivo o estudo desse objeto em um caso específico, como é o caso de
Marília, torna ao mesmo tempo necessário compreender as particularidades desse
16
contexto específico e, também, compreender esse fenômeno como fenômeno que se
insere e se liga a um processo mais global. As dificuldades em torno disso encontra-se
no problema encontrado na maioria dos objetos das ciências sociais: o caráter do objeto
torna o pesquisador participante direto do fenômeno, pois encontra-se inserido na
realidade a qual busca desobscurecer, o que coloca a tentativa de distanciamento do
objeto algo difícil de ser alcançado. Ao mesmo tempo, o objeto pretendido possui como
característica importante o isolamento e isso coloca barreiras, sobretudo físicas, as
tentativas de realizar uma observação participativa, já que a própria estrutura dos
residenciais fechados impõe a distância e o não contato.
A tentativa de compreensão desse objeto torna necessário, portanto, a análise das
suas relações históricas, social e existencial, pois como destacou Sennett, em sua obra “
O Declínio do Homem Público”, o esvaziamento do espaço público liga-se à
psicologismos como o medo, a sensação de insegurança e, também, a busca por um
ideal de comunidade. Dessa forma, o reconhecimento da verdade deve ser encarado
enquanto conhecimento relacional e não absoluto, ou seja, trabalhar segundo a
perspectiva weberiana na qual o conhecimento e a verdade estão ligados a idéia de
grupo, o que torna o ethos de um grupo algo específico. Neste caso específico a
pesquisa trabalha com um espaço ocupado pelas elites, grupo este pouco presente nas
análises das ciências sociais, como já destacou Caldeira em “Cidades de Muros”, o que
possibilitará identificar percepções diferentes do mesmo processo, ou seja, daqueles que
ocupam esses espaços e daqueles que deles são excluídos. Percepções subjetivas que
levam a compreensões e caminhos que ora podem se distanciar e ora se aproximar
mesmo estando em espaços distintos e realidades opostas.
17
CAPÍTULO I
1.1 Cidade: uma discussão acerca do urbano
A problemática dos condomínios fechados se insere um em cenário de extrema
complexidade e que, por esse motivo, acredito ser importante abordá-lo aqui. Este
cenário complexo é a cidade. Desse modo, inicialmente se faz necessário compreender
diferentes processos para pensar de que forma a presença dos residenciais fechados se
inserem hoje em nossas cidades e quais tipos de necessidade eles buscam suprir para
aqueles que optaram por esse tipo de moradia. Para isso será utilizado diversos autores
de períodos diferentes que abordam esse tema, a utilização deles se justifica na busca
por compreender os processos transformadores nas diferentes formas de organização do
espaço urbano e nas formas de sociabilidade impostas por eles através da delimitação
conceitual desses processos e das diferentes discussões que foram realizadas acerca
desse tema.
Diante disso, como definição do termo cidade tem-se como discussão as cidades
enquanto formas de organização vinculadas à questões culturais e ideológicas, segundo
Castells (1983), que se disseminaram vinculadas à idéia de evolução social. Por esse
motivo elas estão ligadas ao conceito de civilização, conceito este carregado de
significações e que se liga as formas de organização ocidentais. Desse modo, o urbano
vai além de uma forma de organização espacial e se configura como um modelo cultural
de fundo ideológico e político, uma vez que se dissemina em contextos distintos.
Segundo a análise evolucionista o urbano apresenta duas etapas: 1-
“Concentração espacial de uma população, a partir de limites de dimensão e
densidade.”; 2- “Difusão do sistema de valores, atitudes e comportamentos
denominados “cultura urbana”. 2
Desse modo, a cultura urbana está ligada, segundo ele, ao modo de produção
capitalista, sendo ela, portanto, uma cultura da sociedade industrial que se vincula as
atividades tecnologicamente desenvolvidas relacionadas à indústria, aos valores do
modernismo e a forma de organização sócio-espacial das cidades. Esses três fatores se
2 CASTELLS, Manuel 1983:39.
18
mostram como as principais características de um modo de vida urbano por fazerem
oposição à sua realidade precedente, o modo de vida rural, que era até então dominante.
As análises conceituais acerca do termo cidades mostram-se bastante divergentes
na medida em que alguns autores consideram cidade algo mais que uma simples
organização sócio-espacial. Neste caso, a cidade seria compreendida como uma
organização sócio-espacial que possuiria uma cultura urbana, o que a colocaria como
restrita à realidade das cidades industriais. Da mesma forma, há controvérsias acerca da
extensão do espaço a ser considerado em termos de concentração humana, o que
provoca diferentes compreensões em diferentes países.
Castells (1983) cita em sua obra investigações arqueológicas que constataram
que os primeiros aglomerados de grande densidade datam por volta de 3.500 a.C
referente à Mesopotâmia, 3.000 a.C no Egito e 3.000 e 2.500 a.C na China e Índia,
respectivamente. Segundo essas investigações tais aglomerados tiveram como condição
de existência a elaboração de técnicas que permitiram a produção de excedente às
necessidades e um alto nível de organização social.
Segundo essa análise de Castells (1983) a cidade só pode se constituir quando os
indivíduos que nela habitam não são mais necessários na produção de meios de
subsistência, ela é, portanto, fruto do excedente. Desse modo, o urbano não é uma forma
de organização que se opõe ao rural, mas formas que fazem parte do mesmo processo de
organização social.
Como exemplo pode-se tomar a Roma Antiga na qual a sociedade atingiu um
grau técnico e racional que permitiu a produção de excedente e atingiu uma organização
social e política coesa. Assim, se figurou como uma cidade de funções comerciais e
administrativas, resultado de uma aglomeração humana em um território determinado
pelo poder local e voltada para a conquista. Desse modo, a expansão do Império
Romano impôs também sua forma de organização aos territórios conquistados, o que
com sua queda acarretou na perda se sentido dessa forma de organização sócio-espacial
e deu fim à forma de cidade existente.
Diferentemente, as cidades da Idade Média se originaram à partir de uma
fortaleza existente que garantia a segurança e a habitação e, possuíam sua economia
voltada para o mercado, o que promove a expansão dessa forma de organização nesse
período histórico. Tal forma de organização, aliadas as necessidades originadas pelos
interesses da época, resultou no surgimento de novas formas de organização político-
19
administrativas responsáveis por garantir a manutenção desse modo de organização
humana.
Para Castelles (1983) um elemento importante desse período é a autonomia
político-administrativa que se iniciou e que faz parte, segundo ele, da ideologia
pertencente à cidade e que vai culminar nas cidades industriais do século XIX.
“A urbanização ligada à primeira revolução industrial e
inserida no desenvolvimento do tipo de produção capitalista, é um
processo de organização do espaço, que repousa dobre dois
conjuntos de fatos fundamentais:
1. A decomposição prévia das estruturas sociais agrárias e a
emigração da população para os centros urbanos já existentes,
fornecendo a força de trabalho essencial à industrialização.
2. A passagem de uma economia doméstica para uma economia de
manufatura, e depois para uma economia de fábrica o que quer
dizer, ao mesmo tempo concentração de mão-de-obra, criação de
um mercado e constituição de um meio industrial.” (CASTELLS
1883:.45.
Nessa passagem o que fica claro é que o elemento determinante na organização
do espaço urbano é a indústria. Isso, segundo Castells (1983) rompe com a organização
espacial da cidade enquanto sistema institucional e social relativamente autônomo, pois
a mercadoria passa a ser o elemento organizador da esfera econômica e social – no que
se refere a divisão do trabalho e na diversificação dos interesses econômicos. Isso
provoca uma difusão da forma urbana e a perda da homogeneidade de sua forma
organizacional.
Segundo essa análise de Castells (1983) não há uma “desordem urbana” o que se
realiza é uma ordem organizacional que se baseia na racionalidade industrial do lucro.
Para ele, residem aí as características das cidades industriais e a tida “cultura do
urbano”. Pois, o que se verifica é a lógica industrial aplicada no modo de organização
do espaço e na rotina dos indivíduos. Isso se verifica quando se observa o processo de
atomização das cidades produzido pela difusão do capitalismo avançado, que busca a
funcionalidade o que se reflete na paisagem urbana em espaços setorizados: habitação,
lazer e trabalho ocupando lugares distintos. Além disso, a ideologia individualista e a
20
valorização da família nuclear resultam na expansão das residências individuais e
aumentam o isolamento do indivíduo no ambiente da cidade.
O ressurgimento das cidades e a nova forma de organização social imposta por
elas trouxeram mais do que apenas uma reorganização do espaço físico. A cidade se
mostrou, segundo Weber em sua obra Economia e Sociedade, como um espaço capaz de
promover a emancipação moral e material do homem, pois sua emergência representava
um rompimento com um passado feudal de subordinação e de dominação pessoal.
Dessa forma, ela se mostrou como um lugar onde se inicia o pensamento dos direitos
humanos e da emancipação do homem, assim, sua expansão representou, também, a
expansão desses ideais. Diante disso, a palavra cidade traz consigo mais do que a
referência a um espaço geograficamente determinado e fisicamente construído, ela
contém também significados que remetem ao conceito de polis e de civitas, os quais
invocam a uma organização social baseada em regras de direitos e deveres a serem
mutuamente cumpridos e no direito dos cidadãos na participação dos negócios públicos.
A cidade renascentista era compreendida como uma obra de arte por seus
contemporâneos, pois tinha, assim como as obras de arte, a função de educar e
transformar o homem. Desse modo, elas configuravam-se como o habitat da Razão, que
tinha por objetivo a luta contra forças desagregadoras da vida social, buscando
organizar seus elementos de dispersão e perturbação. Dessa maneira, as cidades
renascentistas estão ligadas a busca da ação, do movimento e da deliberação por parte
dos indivíduos, o que figura como modelo ideal do período, ou seja, a cidade aberta à
ação dos homens. Pensada a partir da polis grega as cidades renascem, porém tomam
formas diferentes da idealizada polis, pois a busca pela ação do homem no espaço da
cidade não alcança a mesma participação que existia no espaço da polis grega já que os
indivíduos passaram por uma grande transformação durante o período que separa esses
dois momentos. Agora, o indivíduo possui a noção de interioridade e apresentam-se
como indivíduos autárquicos que se organizam de modo a alcançar seus interesses, o
que retira a cidade como centro organizador da vida social e subordina-a aos interesses
dos indivíduos.
21
1.2 Espaço urbano versus o processo de globalização
É sob esse novo paradigma que se figura a cidade industrial do século XIX, onde
os espaços e as relações sociais são reorganizados para a expansão da indústria e do
capital, e que hoje se apresentam como as cidades globais no qual emerge o fenômeno
da desterritorialização. Nesse processo histórico o que se mostra de forma mais
marcante é a construção de uma cultura do urbano, que no mundo atual ultrapassa os
limites dos perímetros urbanos e alcança o modo de vida dos indivíduos. A cidade
torna-se o lócus do urbanismo enquanto estilo de vida (Wirth, 1964). Talvez isso esteja
ligado, como na Antiguidade, a idéia do espaço urbano como um espaço mais
desenvolvido e ligado a idéia de civilização sendo, também, um lugar capaz de oferecer
maiores oportunidades aos indivíduos e de emancipá-los, sobretudo, materialmente.
A cidade do século XIX pode ser compreendida através da análise dos objetivos
e interesses daquele período histórico. Compreendido por Bauman em sua obra
Modernidade Líquida como a primeira modernidade, ele caracteriza esse momento
como um período pesado, sólido e não fluído, que se apresentava de forma sistêmica
por ter como base uma sociedade industrial. Por esse motivo, a cidade se organiza a fim
de garantir a expansão da indústria e, seu papel passa a ser o de espaço capaz de
compreender as relações de trabalho industrial, o que implicou na aplicação de uma
racionalidade produtiva que atua para além dos limites das fábricas e atinge as ruas,
como a organização dos transportes, dos espaços ocupados pelos diferentes grupos
sociais: os trabalhadores e os proprietários. Dessas novas formas de sociabilidade,
novos significados são dados à propriedade, dos quais faz emergir a necessidade de sua
proteção e, também, a proteção dos bens, emergindo assim uma nova forma de relação
com a propriedade. Igualmente, a manifestação de novas formas de sociabilidade
mediadas pelo capital e as relações de dominação que este implicou nessa sociedade
(Engels, 1845). Um período que, segundo Bauman, o espaço e o tempo são elementos
dependentes e que caminham juntos.
Diferentemente do que ocorre nas cidades contemporâneas, as quais se inserem
em outro contexto e desempenham diversos papéis. Compreendido por alguns autores
como pós-modernidade3 esse período se caracteriza pela busca da liberdade do
3 Para uma discussão mais aprofundada ver: Anthony Giddens, Wrick Beck, Leo Strauss e Bauman.
22
indivíduo através da superação da realidade da primeira modernidade. Assim, duas
mudanças ocorrem: o fim da antiga ilusão moderna que via um caminho a ser percorrido
no qual continha em seu final a melhora do Estado com relação à forma na qual se
apresentava, ou seja, a crença em um aperfeiçoamento dos mecanismos sociais, e a
desregulamentação e privatização das tarefas e deveres modernizantes, o que colocaram
questões que antes pertenciam ao âmbito do coletivo como problemas individuais e de
responsabilidade apenas do sujeito. Diante disso, a modernidade líquida (Bauman
2001), apresenta como principal característica o processo de globalização, o qual produz
um novo significado para o indivíduo e uma ruptura com a realidade passada de solidez,
permitindo uma fluidez maior na relação espaço e tempo, que agora se mostram não
mais, necessariamente, estritamente vinculados.
Sobre essa questão Ianni (1992) aponta alguns elementos dentro do processo
histórico no qual a sociedade encontrou tendências para se tornar global, entre os mais
importantes destaca-se a internacionalização das finanças e dos seguros comerciais e a
internacionalização dos Estados em suas estruturas internas e funções. Para ele, as
sociedades contemporâneas estão articuladas a uma sociedade global, que compreende
relações, processos e estruturas sociais, políticas e econômicas. Nesse processo, que
opera de maneira contraditória, observa-se a coexistência do global com o
particular/regional, no qual se identifica uma predominância do primeiro com relação ao
segundo.
O processo de globalização, enquanto processo contraditório se realiza de forma
plural em cada unidade sócio-econômica existente. Assim, o mesmo tempo que se
insere na sociedade global cada cultura se reafirma e se recria através de suas
particularidades. Segundo Ianni:
“ O mesmo processo que aproxima, articula e integra,
também diversifica, aliena e opõe, tanto no ambito das relações entre
indivíduos como no das relações entre coletividades.” (IANNI
1992:83)
Igualmente, na questão dos avanços tecnológicos observados, sobretudo na
questão da informação, um paradoxo se apresenta pois esta se mostra
incontestavelmente rápida e difusa, sendo a transmissão de informações e a
comunicação instantânea algo caracteristico da sociedade global. Porém, mesmo com a
23
transposição das barreiras espaciais e temporais a sociedade dos globais não consegue
se comunicar com os locais com quem mantém relações estranhadas e distantes, que se
tornam muitas vezes sem sentido porque inexiste compreensão.
Nesse processo Ianni aponta o crescimento do sentimento de solidão entre os
indivíduos que, para ele, está relacionado ao processo de desterritorialização contido no
processo de globalização, pois ele traz consigo a perda dos pontos de referência do
indivíduo e modifica as noções de tempo e espaço. É a promoção da perda da
experiência do reconhecimento do outro, do diferente. Tal movimento é observado
sobretudo nas relações enconômicas, pois os investidores não são mais necessariamente
vinculados à suas propriedades e investimentos no que se refere ao espaço físico que
estes ocupam, pois sistemas de monitoramento e novas tecnologias permitem grande
controle mesmo que o alvo da vigilância se mostrem à grandes distâncias físicas. Este
tipo de tecnologia permitiu a sobreposição do tempo com relação ao espaço.
Tal mudança possui grandes consequências, como a isenção de
responsabilidades sobre a região à qual se encontra os investimentos e as propriedades,
a desvinculação do capital frente às obrigações que suas ações podem ter. Assim, cada
vez mais ele se mostra desvinculado da localidade e a mobilidade das grandes
companhias se torna algo possível. Desse modo, as mudanças que o capital produz no
espaço por ele ocupado e transformado não se mostram mais de sua responsabilidade,
estas ficam a cargo do Estado, ou na negligência deste, sob responsabilidade da
população diretamente afetada. Nesse cenário, “que para a empresa significa a abertura
para o mercado externo, agindo num número maior de lugares possíveis e permitindo a
movimentação rápida de dinheiro, que migra por todas as partes do planeta
diuturnamente” a vida das pessoas é invadida por mudanças, “para o homem comum
significa a imposição de novos padrões de comportamento, novos valores, uma nova
estética” e um novo “modo” de consumir o espaço, segundo Fani.4
Segundo Bauman (1999) além de implicar em uma separação física as distâncias
possuem significados que ultrapassam a questão espacial e atinge efeitos psicológicos
indivíduais, pois a condição humana de eliminação das distâncias espaciais permitido
pelas novas tecnologias não é uma condição humana generalizada, não é algo
homogêneo, muito pelo contrário, destaca ele, a anulação tecnológica das distâncias
4 Discussão feita em CARLOS, Ana Fani Alessandri “O Consumo do Espaço in Novos Caminhos da
Geografia”, p. 176
24
espaciais promoveu uma polarização entre os indivíduos. Por esse motivo hoje a
condição social dos indivíduos é determinada pela capacidade deste em transpor
fronteiras, em ultrapassar barreiras físicas: em ser um homem ligado ao tempo e não
mais as distâncias espaciais. Essa é a principal diferença apontada por ele para
diferenciar os indivíduos cosmopolitas daqueles presos às suas localidades. Segundo
ele, as fronteiras são, no geral “um fenômeno estratificado de classes”, assim diz ele:
[...] no passado, como hoje, as elites dos ricos e poderosos
eram sempre de inclinação mais cosmopolita que o resto da
população das terras que habitavam, em todas as épocas elas
tenderam a criar uma cultura própria que desprezava as mesmas
fronteiras que confinavam as classes inferiores; tinham mais em
comum com as elites além-fronteiras do que com o resto da
população de seu território. BAUMAN 1999:19.
Castells (2007) identifica um reflexo desse processo nas relações sociais
contemporâneas. Para ele, a sociedade civil urbana está baseada em um compromisso
fundado na separação recíproca, um acordo que visa a não ocupação dos assunto
alheios. Por esse motivo é apontado tanto por ele quanto por Ianni um problema de
cidadania, para Ianni, a mercadoria alcançou a cidadania mundial muito antes dos
indivíduos, a cidadania destes encontra-se ainda apenas no plano das idéias. Trata-se do
movimento de derrubada das fronteiras para o capital e do aumento delas entre os
indivíduos e os grupos de indivíduos que se veêm como distintos. O mesmo é apontado
por Castells, o qual identifica na flexibilização da economia e nas novas formas de
relações sociais uma tendência ao isolamento e a perda do interesse no contato face-a-
face em decorrência dos novos mecanismos de trabalho e administração da vida
individual.5 Definindo o espaço, segundo a teoria social, como “um produto material em
relação a outros produtos materiais – inclusive pessoas – as quais se envolvem em
relações sociais [historicamente] determinadas que dão ao espaço uma forma, uma
função e um sentido social”, ou seja, o espaço enquanto”suporte material das práticas
5 Para Castells o processo de globalização é um processo social, cultural e informacional, no qual o modo
de vida característico é da crise da vida privada – família, casamento, filhos. Dessa maneira emerge-se
uma nova estrutura social dominante: a Sociedade em Rede, a qual apresenta uma nova estrutura
econômica: a economia informacional e uma nova estrutura cultural: a cultura da virtualidade real. Para
essa discussão ver: CASTELLS, 1999.
25
sociais de tempo compartilhado”, Castells aborda as novas formas de relações sociais
mediadas por dispositivos tecnologicos informacionais, os quais reduzem distâncias ao
permitir uma aproximição imediata de indivíduos fisicamente distantes, mas que
diminui a experiência do contato direto e produz um novo mundo de relações: o da
virtualidade. (CASTELLS 2007: 500).
Ele coloca como cenário dessas práticas contemporâneas de relacionamento
social as chamadas cidades globais que, segundo ele, são cidades nos quais existe o
controle informacional e global de economias do mundo todo e, onde estão disponíveis
serviços avançados, o que torna esses espaços centros de controle e comandos
responsáveis pela gerência financeira e informacional de inúmeras empresas mundiais.
Castells destaca que mesmo havendo uma hierarquia de importância entre esses centros
informacionais, determinados pelo seu nível de desenvolvimento, não são apenas esses
locais que se inserem na lógica global, pois, para ele, o que existe são centros nodais de
comando em alguns países, mas que não exclui a possibilidade deles serem encontrados
em toda a geografia do planeta.
Ana Fani faz uma diferenciação interessante à efeito de análise do que consiste
os termos globalização versus mundialização. Para ela, globalização é um fenômeno
ligado à internacionalização da produção, e a mundialização se refere ao fenômeno da
constituição da sociedade urbana, “liga-se, portanto, à produção latu sensu”. Desse
modo, segundo ela “a mundialidade é um projeto de construção de um espaço mundial –
é nesse contexto que novas contradições se manifestam, se inventam novos valores, se
reorganizam novos espaços a partir da reorganização da sociedade inteira, em função
dos centros de poder, dando um novo sentido para o espaço”. Assim, “a noção de
mundialização refere-se às transformações que fogem ao estritamente econômico e
dizem respeito ao social, cultural, político e ideológico, ao mesmo tempo em que se
revelam no plano da mundialidade”. (CARLOS 1999: 177)
É, sob esse novo paradigma que se assenta as chamadas cidades globais,
fundamentadas na lógica global de acontecimentos instantâneos, grande nível de
desenvolvimento tecnológico e informacional, possibilidade de contato com grandes
distâncias e, porém, um grande isolamento daqueles que nelas habitam configurado
pelas relações estranhadas entre os indivíduos que se chocam nas ruas cheia de pessoas
mas que porém não sentem a presença de nenhuma delas.
26
As cidades globais se mostram paradoxais na medida em que apresenta em seu
seio a coexistência de realidades tão opostas. As cidades globais planejadas apresentam
sua setorização de forma mais clara e naturalizada em seu território, já que é um
objetivo claro de sua construção, ou seja, a criação de espaços funcionais.
Contrariamente, as cidades globais que assim se configuraram pela ocasião apresentam
transformações periódicas em decorrência das novas demandas surgidas ou mesmo
inventadas. Dessa maneira, mesmo sendo organizações formadas pela ocasião a lógica
de um espaço administrado e calculado se insere em seu perímetro, na maior parte das
vezes em espaços específicos, em geral, espaços ocupados pelas elites locais. Assim, é
possível observar ao transitar por essas cidades espaços com grande grau de distinção,
espaços organizados, vigiados onde se opera uma funcionalidade e espaços degradados
e caóticos pela sua não funcionalidade e desorganização. No Brasil, se inserem nesse
contexto algumas das principais cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro,
cidades que se formaram pela ocasião e que vêm passando por constantes processos de
transformação para estarem aptas a serem reconhecidas como cidades globais. Nelas, é
possível observar elementos característicos do processo de globalização, como o
processo de desterritorialização, a setorização de seus espaços urbanos e o progressivo
isolamento dos seus cidadãos.
Dentro desses processos existem percepções diferentes acerca do mesmo espaço
urbano, determinados pelo ângulo que se observa e que se sente suas mudanças. Para as
elites o processo de desterritorialização e de negação das localidades mostraram-se
como uma oportunidade de maior mobilidade, ao mesmo tempo que elas se encontram
cada vez mais em locais de acesso restrito, determinados pelo poder aquisitivo e
cercadas por dispositivos de segurança, o que mostra a emergência de um processo de
promoção de espaços proibidos dentro dos centros urbanos. A degradação dos espaços
públicos, ou seja, dos locais no qual os indivíduos, através do intercâmbio de idéias,
estabelecem as normas da comunidade, mostra-se como um dos determinantes dessa
nova forma de organização das elites.
Esse comportameto adotado pelas elites implica em mudanças de
comportamentos não apenas de uma classe mas mudanças culturais já que interferem
diretamente na organização do espaço físico urbano que é adapatado para o isolamento,
e nas formas de sociabilidade encontradas nesses novos espaços produzidos, o que
resulta também no esvaziamento dos antigos espaços destinados ao convívio e na
27
interação das diferenças. É o que ocorre quando encontram-se espalhados pelas cidades
espaços específicos para uma determinada atividade de uma determinada classe, a
produção de espaços públicos destinados à um convívio específico como é o caso dos
shoppings, dos clubes, das instiruições de ensino privadas, dos residenciais fechados
que são espaço exemplos desse processo. Neles, a busca é por uma convivência
específica que possibilite a harmonia e a tranquilidade entre os iguais, eliminando
qualquer imprevisto e risco que a diversidade possa trazer, ou seja, o que se pretende
atingir é a homegeneidade entre aqueles que optaram por usufruir esses espaços.
Assim se observa uma contradição diante do espaço que se torna global e ao
mesmo tempo fragmentário em decorrência da sua reprodução enquanto mercadoria, ou
seja, globalizados segundos os interesses que o hierarquizam e fragmentados segundo
os objetivos de realização de atividades cotidianas. Nesse cenário a relação que se tem
com o espaço é de espaço-mercadoria, determinado pelo seu valor de troca mais que
pelo seu valor de uso, motivo que o transforma e o recria de maneira cambiante.
A busca por uma vida administrada que isole os possíveis riscos e as cidades que
se formaram pela ocasião, pela reunião de pessoas de forma desordenada, não se
mostram como elementos compatíveis, por esse motivo são elas encaradas como locais
não funcionais, mal destribuídas, feias e sujas e, portanto, locais não desejáveis para se
habitar. Assim, uma nova cidade torna-se desejada, um espaço que compreenda as
novas demandas, que seja funcional a fim de promover a liberdade dentro do espaço
urbano. Essas novas cidades desejadas, pensada a partir de um alto grau de
racionalidade tem como exemplo no Brasil a cidade de Brasília, na qual a busca foi
conceber um espaço devidamente ordenado por funções: o espaço residencial, o espaço
comercial, de lazer, etc. Pode-se identificar esse processo de racionlização do espaço
urbano como um reflexo da racionalização da vida cotidiana do indivíduo, que busca
maior produtividade em suas ações através da organização das diferentes funções da
vida diária.
O desejo e a busca por uma vida administrada mostra-se como uma busca tanto
pessoal quanto coletiva, modifica as relações individuais, a coletividade e busca
organizar os espaços privados e públicos. Giddens identifica esse comportamento como
a tentativa de calcular e eliminar possiveis riscos, o que se justifica hoje pela crescente
28
sensação de insegurança vivida pelos indivíduos. 6 Essa tentativa de uma organização
funcional da cidade, seja em um ambito mais restrito como no caso dos enclaves
fortificados (Caldeira, 2000), ou de maneira mais abrangente como nas reformas
urbanas pretendidas nas cidades, promovem a desintegração dos laços sociais, pois as
barreiras físicas e simbólicas levantadas entre indivíduos diferentes e a organização
segundo uma funcionalidade impedem a realização da experiência através do convívio
com o diferente, pois tais projetos tendem a homogeneização social.
Essas cidades do futuro, como destaca Baumam, ainda não foram plenamente
alcançadas, porém, tentavidas em menor escala são hoje facilmente encontradas nas
grandes e médias cidades do mundo. Os enclaves fortificados, definidos por Caldeira
como espaços privados destinados ao uso coletivo, no qual é enfatizado o valor do que
é privado e restrito, ao mesmo tempo que desvaloriza-se o que é público e aberto nas
cidades, apresentam-se como uma alternativa às elites que buscam fugir do aspecto
caótico que as cidades hoje representam sendo, portanto, tidos e um meio para se
alcançar a vida administrada tão desejada.
É o que destaca Sennett (1988) em sua análise acerca das cidades americanas, as
quais, segundo ele, buscam a segurança através de uma igualdade visível, ou seja,
através do convívio entre semelhantes, seja de classe, de etnia ou de costumes. Assim,
sentimentos como a suspeita aos desconhecidos, a intolerância às diferenças e a
insegurança frente ao que se mostra imprevisível tem provocado mudanças na sociedade
americana que adotou como medida de segurança a segregação. Ele trabalha com uma
comparação entre a res publica romana e a res publica atual. Para ele, a res publica que
consiste na associação mutua, em um compromisso mútuo para além dos laços
familiares entre os indivíduos , ou seja, o “vínculo da multidão” ,“do povo” hoje
apresenta-se como apenas um acordo e os espaços para a realização da vida pública – as
cidades – mostram-se em um processo de decadência. Sennett trabalha com uma
perspectiva psicanalítica na qual as mudanças de sentido entre público e privado
trouxeram mudanças no comportamento dos indivíduos e nas formas destes se
reconhecerem e se compreenderem. Dessa forma, em nossa contemporaneidade a
privacidade não é apenas buscada apenas nos limites das casas mas também nos espaços 6 Anthony Giddens (2000) analisa a palavra risco e observa que ela não tem significado para as
sociedades antigas, pois seu significado está ligado à avaliação de possibilidades futuras, o que mostra
que está palavra apenas faz sentido para “sociedades voltadas para o futuro”. Dessa forma, este
conceito se vincula a uma sociedade que possui rompimentos constantes com seu passado.
29
públicos, assim, “a razão está em que, quanto mais privatizada é a psique menos
estimulada ela será e tanto mais será difícil sentir ou exprimir sentimentos”. (SENNETT
1988: 16)
Por esse motivo, segundo Sennett (1988), as relações hoje são permeadas pelos
sentimentos de medo, bloqueio e decepção. Pois, os indivíduos confundem assuntos da
esfera pública com sentimentos pessoais, isso porque, as energias humanas são voltadas
para o eu em nossa sociedade, o que configura uma relação narcísica com o mundo,
sendo à partir disso estabelecidas as relações sociais.7
O sentimento de insegurança gerado na sociedade global advém da
incalculabilidade dos riscos totais e tende hoje, sobretudo nas questões de ameaças
terroristas e violentas, a tornar a aparência e a classificação como alertas de segurança.
Isso faz com que grupos étnicos, classes sociais e qualquer indivíduo que se mostre
diferente do padrão aceito sejam classificados como suspeitos e tratados como
criminosos impotenciais. Estabelecida essa relação estranhada o que se tem por
objetivo é o mais rápido isolamento e extermínio desses possíveis riscos, seja por ações
de restrições a esses indivíduos e grupos suspeitos, seja por ações violentas – restrições
de entrada à determinados países, locais públicos, privados, etc.; abordagens de agentes
policiais, prisões, agressões físicas e até mesmo execução como ocorreu no caso da
morte do brasileiro Jean Charles de Menezes confundido com um homem-bomba no
metrô de Londres e morto pela polícia britânica em julho de 2005.
Em uma retomada de Freud, Bauman analisa os medos que afligem a
humanidade e destaca como as principais aflições que acometem o homem as forças
incontroláveis da natureza, a debilidade inata de nossos corpos e a agressão que parte
dos outros homens contra nós. Robert Castels observa que apesar dos avanços
tecnológicos terem permitido o desenvolvimento de mecanismos capazes de prever as
ações da natureza que oferecem perigo e, também, de técnicas de controle que a coloque
a disposição dos desejos dos homens – o desenvolvimento agrícola é um exemplo disso
– e, apesar do desenvolvimento cada vez maior da medicina que vem prolongando a
expectativa de vida dos indivíduos, um grande risco se mostra fora de controle e, que
segundo ele nunca esteve sob controle, que são as ações humanas destrutivas. Para ele, a
individualidade moderna é um determinante nesse estado de coisas, pois ocorreu uma
7 Narcisismo aqui entendido como “aquilo que esta pessoa, este acontecimento significam para mim”,
“aquilo que é inerente ao domínio do eu, da auto-significação e aquilo que não é”.
30
mudança fundamental do sentido de comunidade que, anteriormente se apresentava sob
os cuidados da vigilância de todos os indivíduos que a compunha a fim de manter a
garantir a harmonia e a ordem das coisas e, possuía as ações individuais pensadas
segundo o coletivo, o que agora difere e se mostra voltadas para o beneficio próprio,
sendo realizadas coletivamente apenas quando se mostrem individualmente vantajosas.
Isso, segundo Robert Castels traz um estado de insegurança que se mostra permanente
por se tratar de um ciclo vicioso: a insegurança torna a individualidade um meio de
proteção, e ela, por sua vez motivo de mais insegurança. Assim, o que se vislumbra são
a desconfiança e o medo com relação ao outro, uma vez que acredita-se que suas ações
estão sempre ligadas a interesses particulares que não necessariamente estejam de
acordo com o bem comum. Tal desconfiança tende a se generalizar e promover o medo
coletivo já que ninguém se mostra mais como merecedor de confiança e tudo o que se
vê são armadilhas e emboscadas.
Como conseqüência desse fenômeno ocorre uma mudança na vida social
contemporânea dos indivíduos: uma rotina de guaritas, seguranças, dispositivos
eletrônicos, carros blindados e policiamento ostensivo. Isso se reflete na política do
Estado também, que se mostra apenas como agente provedor das condições necessárias
ao desenvolvimento e manutenção do novo mercado de segurança privada, este agora
com um caráter mais democrático do que o do próprio Estado, já que traz consigo uma
gama enorme de ofertas de serviços e para vários tipos de público, basta apenas adquiri-
los. Aqui as escolhas são, sobretudo, individuais o coletivo tente a fugir dessa lógica,
pois não tem bases para se sustentar.
Em decorrência disto ocorre o que temos é a saída da esfera da segurança e a
entrada à esfera da proteção. Com isso o Estado deixa de ser um Estado de Bem Estar
Social e passa a ser um elemento regulador de mercado na questão da segurança
pública, já que esta passa a ser, na prática, de responsabilidade dos indivíduos. Bauman
aponta essa questão como um dos aspectos negativos da globalização, “ou seja,
globalização dos negócios, do crime ou do terrorismo, mas não das instituições políticas
e jurídicas capazes de controlá-los” e, como conseqüência disto o que se mostra é
“fragilidade sem precedentes dos vínculos humanos, transitoriedade das lealdades
comunais e debilidade e revogabilidade de compromissos e solidariedades”.
(BAUMAN 2008:175)
31
Diante disso, têm se a busca cada vez maior pelo isolamento social
proporcionado pelos espaços restritos, que além de isolarem e afastar pessoas que se
mostram como suspeita, produz, também, a dinimuição da visão do outro, movimento
que constrói o desconhecido como ameaça, isso porque a ausência de contato e
conhecimento íntimo do outro produz uma visão caracterizada e esteriotipada.
Algo semelhante é o que ocorre com a forma que se vê a multidão, a qual
convencionou-se a ser compreendida como algo negativo, como algo que incita os
sentimentos incontroláveis no indivíduo, segundo uma análise da psicanálise, como um
grupo de pessoas voltadas a baderna e más intencionadas e, mesmo ideologicamente,
como um grupo composto pode pessoas de extratos inferiores da sociedade, de
ignorantes, incapazes, violentos, criminosos, etc. Por esse motivo, segundo Sennett
(1988), o espaço público é levado para espaços íntimos, pois, a realização de atividades
junto ao público tornam-se fonte de riscos e, portanto, indesejadas o que promove um
gradativo esvaziamento do espaço público. Isso é observado por ele na comparação
entre o ideal de cidade encontrado na Idade Média, que era organizada de modo tal que
as relações humanas pudessem ser próximas e reveladoras, o que tornava a cidade um
ambiente de valor capaz de produzir relações mútuas, ou seja, um projeto de cidade que
apresentava em si uma comunidade, com os projetos urbanos contemporâneos que
buscam construir inúmeras comunidades dentro da própia cidade, sendo elas voltadas
contra a própria cidade, pois a identificam como um lugar não valorizado que contém a
tão indesejada multidão.
Nesse sentido, Sennett (1988) identifica um processo de “celebração do gueto”,
entendido por ele enquanto uma reunião íntima e fechada. Bauman (2001) também
discute essa questão identificando a disseminação dos condomínios fechados como a
promoção de guetos voluntários das elites, locais de isolamento no qual os indivíduos
que o ocupam possuem a possibilidade de o deixarem assim que este não se mostrar
mais como um ambiente desejável. Em contraposição ele apresenta também o que ele
chama de guetos involuntários, locais que aprisionam os indivíduos que ali habitam pelo
próprio estigma que os confere, estes atuam como barreiras que separam grupos de
indivíduos por motivos étnicos, financeiros ou religiosos e que são definidores em suas
relações sociais.8
8 Wacquant define o gueto enquanto um “aparelho socioespacial de segmentação e controle
etnorracial” o qual é composto por quatro elementos: “o estigma, a restrição, o confinamento espacial e
32
Sennett (1988) aponta uma questão interessante acerca desse processo urbano de
desintegração das cidades em micro-comunidades componentes. Para ele, ao mesmo
tempo em que este processo produz a formação de guetos, voluntário e involuntários, as
comunidades que se formam à partir desse processo, sobretudo das elites, não lutam
para o seu fim mas por sua união, como uma forma de declarar sua autonomia frente a
organização local. É uma forma de pedirem para serem deixados em paz da cidade
caótica que os dirigentes públicos não dão mais conta. Destarte, nesse processo há um
movimento de despolitização dos indivíduos, o que acarreta em um progressivo
esvaziamento da vida pública dos cidadãos que passam a deixar de ocupar esse papel e
passam a ser apenas indivíduos que habitam locais restritos e que, portanto, possuem
responsabilidades apenas com esses locais já que esses são seus espaços escolhidos para
se viver.
Desse modo, a noção de comunidade também é transformada. Fazer parte de
uma comunidade implica em ponderar perdas e ganhos, pois o que ela oferece é a
segurança de se pertencer à um grupo no qual se possui identidade, porém, o preço a ser
pago por essa segurança é limitação da liberdade, pois, dentro de uma comunidade a
fiscalização daqueles que a compõem é um exercício diário que garante a sua
manutenção. Assim, uma comunidade segundo Ferdinand Tönnies, discutido por
Bauman (2001), possui como principal característica o entendimento compartilhado por
todos seus membros, entendimento este que se difere do que se entende por consenso,
este, construído por meio de discussões e negociações, e que se difere do que ele
compreende por entendimento, segundo ele, algo que é dado, que se dispensa o uso das
palavras. Algo possível pela existência da identidade, que é o ponto de partida para a
existência de uma comunidade, pois é o que motiva a união entre os indivíduos.
Acerca da comunidade Bauman (2001) a compreende como um unidade
existente a partir da possibilidade de distinção entre aqueles que a ela pertencem e
aqueles que dela são excluídos. Analisando Redfield, Bauman expõe os três elementos
necessários para se apontados por Redfield para se concretizar e manter uma
comunidade, seria: a “distinção”, exposta acima, a “pequenez”, referida como a
comunicação intensa e delimitada entre aqueles que fazem parte da comunidade e, que
o enclausuramento organizacional”. Segundo essa análise os aspectos negativos do gueto não são
vividos pelas elites que optaram por habitar os guetos voluntários, pois o estigma dos guetos
involuntários é no primeiro caso tido enquanto status. (WACQUANT 2008: 16)
33
por assim ser, coloca em grande desvantagem aqueles que não fazem parte dela, ou seja,
trata-se de privilégios de informação, e a “auto-suficiência” que garante que o contato
com o externo não se realize de forma freqüente.
Para Bauman (2001) o fim da comunidade se liga ao início do Estado-nação que
tinha por principio e objetivo a estabelecimento de uma cultura padrão fundamentada no
sentimento nacionalista, o que foi, segundo ele, responsável pelo aniquilamento das
diferenças culturais em busca de um patriotismo uniforme – criação de uma identidade
nacional. Como decorrência disso Bauman (2001) afirma que a comunidade hoje não é
possível de existir naturalmente, pois as características básicas para sua existência não
são mais possíveis em nossa contemporaneidade. Pensar em isolamento e no não
compartilhamento de informações entre indivíduos, estabelecidos de modo tácito, é algo
de grande dificuldade em nossa sociedade global. Pois, hoje, as informações viajam
mais rapidamente que os corpos e, isso é determinante no grau de coesão de um grupo.
O fluxo de informações aproxima os indivíduos e dificulta a delimitação exata dos
grupos sociais. Assim, a unidade hoje só pode ser construída artificialmente por meio da
seleção, separação e exclusão das diferenças aparentes.
Segundo ele, as construções comunitárias na modernidade líquida criam um
movimento de distinção e separação das inúmeras diferenças características de seu
tempo, porém, não trabalham no sentido da eliminação. É o que segundo ele ocorre nos
movimentos sociais contemporâneos que partem de lutas individuais e que têm como
determinantes na formação de seus grupos uma diferença comum entre aqueles que
formam o grupo e os demais, o que evidencia uma desconexão social entre eles.
A perda dos laços e das identidades das antigas comunidades faz dessa nova
realidade social uma realidade estranhada e faz emergir a necessidade de se estabelecer
novos laços a fim de promover novas identidades. Porém, esse movimento mostra-se
distinto da formação das comunidades antecedentes, pois hoje o que se observa é uma
aparente vulnerabilidade e ausência de solidez nos frutos dessas tentativas. Elementos
como confiança e compromisso são noções trabalhadas nas comunidades que se
pretendem e, não mais presentes de forma espontânea em sua formação, além disso, sua
duração é algo que se encontra no espaço do imprevisível. Assim diz ele:
“A comunidade de entendimento comum, mesmo se
alcançada, permanecerá portanto frágil e vulnerável, precisando
para sempre de vigilância, reforço e defesa. Pessoas que sonham
34
com a comunidade na esperança de encontrar a segurança de longo
prazo que tão dolorosa falta lhes faz em suas atividades cotidianas,
e de libertar-se da enfadonha tarefa de escolhas sempre novas e
arriscadas, serão desapontadas. A paz de espírito se alcançarem
serão do tipo “até segunda ordem”. Mais do que com uma ilha de
“entendimento natural”, ou um “circulo aconchegante” onde se
pode depor as armas e parar de lutar, a comunidade realmente
existente se parece como uma fortaleza sitiada, continuamente
bombardeada por inimigos (muitas vezes invisíveis)de fora e
freqüentemente assolada pela discórdia interna; trincheiras e
baluartes são os lugares onde se procuram o aconchego, a
simplicidade e a tranqüilidade comunitárias terão que passar a
maior parte de seu tempo.” (BAUMAN 2001:19)
Destaca ele, que nesse momento em que a comunidade passa a ser algo
impossível de se observar de forma verdadeira na realidade outra discussão se torna
forte como um possível elemento de sua substituição, a questão da identidade. Citando
Jock Young ele diz: “precisamente quando a comunidade entra em colapso a identidade
é inventada”. O que se figura na tentativa de conseguir o “círculo aconchegante” e a
segurança que a comunidade trazia aos indivíduos que lhe compunha, assim, a
identidade mostra se hoje como uma alternativa de não se sentir vulnerável frente às
intempéries da sociedade global. Nela, as noções de individualidade e auto-suficiência
se confundem com o sentimento de não pertencimento e solidão.
A formação de identidades não é algo que se restringe apenas à grupos de
indivíduos, a emergência de nacionalismos e de fundamentalismos mostra que criar
laços identitários é algo buscado em um espectro maior. Assim, se observa crescentes
construções de fronteiras que cortam a sociedade global e demonstra seus paradoxos.
Fronteiras também observada nas relações econômicas mundiais, como lembra Castells,
quando em pleno desenvolvimento do comércio internacional nas décadas de 1980 e 90,
se inicia a criação de blocos econômicos, dentre eles o mais expressivo a União
Européia, o que segundo ele, mostra um processo de regionalização dentro do próprio
processo de globalização. Tais medidas sejam elas econômicas, políticas e individuais
trazem um paradoxo da pós-modernidade que é o expandir-se, globalizar-se e ao mesmo
tempo se fechar, se regionalizar em busca de proteção.
35
Segundo Bauman nos encontramos em uma circunstância na qual “a promoção
de segurança sempre requer o sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser
ampliada à custa da segurança. Mas segurança sem liberdade equivale à escravidão (...)
e a liberdade sem segurança equivale a estar perdido e abandonado”. É segundo esse
complexo panorama que as relações contemporâneas buscam se reorganizar, ora
expandindo-se, mesmo que na virtualidade, ora isolando-se da forma mais real possível:
fisicamente. (BAUMAN 2001: 24)
A prática do não contato além de produzir barreiras físicas para separar
indivíduos socialmente distintos produz também um separação simbólica, pois coloca a
sociedade em dois pólos: os cosmopolitas e os locais.9 A criminalização da pobreza
mostra-se como mais um reflexo da polarização da sociedade. Nesta relação desses dois
pólos da sociedade global, os cosmopolitas e os locais, existe uma relação dialética e
contraditória pois, ao mesmo tempo que os locais conferem status ao cosmopolita na
sua vontade e desejo de possuir uma vida semelhante, glamourizando, portanto, esse
estilo de vida eles também se mostram como o pesadelo dos globais já que em uma
sociedade na qual não existe constância e as relações se monstram fluídas passar da
condição de cosmopolita para local mostra-se como uma possibilidade real. Assim, a
pobreza se apresenta não apenas como um elemento de risco a segurança mas também
como um fantasma, a presença de uma outra realidade existente. Por esse motivo o não
contato e o isolamento são ações cada vez mais populares entre as elites. Algumas
medidas observadas na sociedade pós-moderna evidenciam esse processo: como a
obsessão pela lei e pela ordem, a criminalização da pobreza, a busca por uma
“homogeneização clínica” dos ambientes de convívio e o isolamento e, se possível, o
extermínio do diferente, que nesse sentido é visto como ameaçador.
Nesse processo de rompimentos com a multidão, Sennett observa as mudanças
ocorridas nas esferas do púlico, entendida por ele enquanto “bem comum à sociedade”
que posteriormente agregou-se a esse sentido o significado “ daquilo que é manifesto e
está aberto ao público”, e as mudanças ocorridas na esfera privada que se refere ao que
é privilégio, “uma região protegida da vida definida pelos amigos e familiares” e
9 Bauman (1999) analisa esse fenômeno e identifica essa polarização entre os chamados, por ele, de
turistas e vagabundos. Sendo os primeiros os indivíduos possuidores de mobilidade e os segundo os
imóveis, presos ao local.
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identifica uma busca pelo privado além dos limites das residências, o que provoca o
surgimento de locais específicos para reuniões. (SENNETT 1988: 30)
Devido a esse tipo de comportamento encontrado na sociedade contemporânea a
comunidade encontra-se cada vez mais restrita: ao âmbito do bairro, dos condomínios,
da igreja, do clube, da escola, da família, etc., pois a impessoalidade rejeitada só pode
ser superada na medida em que se estabelece relações de trocas de experiências, que se
realiza através da personalidade compartilhada, o que se mostra hoje restrito a medida
que o reconhecimento do eu nessas relações se apresenta menor. E, sendo o
reconhecimento responsável por trazer sentimentos de segurança e pertencimento este
processo se mostra fechado e reduzido. A grande importância disso reside no fato de
este ser um processo estruturante na organização das comunidades. Para Sennett, a vida
personificada e a sociedade intimista contemporânea produzem problemas de civilidade
e torna o indivíduo complacente, apenas um expectador da vida pública.
Bauman encara o medo do indivíduo e sua busca por pertencimento à uma
comunidade como reflexo da postura da sociedade global, entenda-se também do
Estado, frente a ele. Indiferença e negligência frente as suas responsabilidades
dissolvem o papel da sociedade enquanto comunidade e promove o sentimento de
insegurança generalizado, pois os indivíduos não têm mais a quem recorrer. Diante
disso, “a segurança como todos os aspectos da vida humana num mundo
inexoravelmente individualizado e privatizado, é uma tarefa que toca cada indivíduo.”
As responsabilidades que outrora pertenciam ao Estado passam a serem resolvidas
agora pela comunidade local, e isso implica em mudanças de sentido do que é espaço
público, pois estes passam a serem privatizados, e do que são os espaços privados, já
que estes se tornam públicos, porém, com o sentido de público alterado já que é apenas
para alguns poucos.
Traçando historicamente uma análise das configurações dos espaços urbanos,
Sennett mostra esse fenômeno. Para ele, o crescimento das cidades européias no século
XVIII trouxe a construção de grandes parques, cafés e ambientes públicos destinados ao
convívio, como os teatros, etc. No século XIX, porém, as construções urbanas voltam-se
para atender as demandas do crescimento industrial. Processo que se observa de modo
mais claro no século XX onde a grande preocupação é a mobilidade, o que se reflete no
urbano com as construções de grandes avenidas, na compressão dos espaços públicos e
no ligamento de vias de acesso de todas as regiões principais. No século XXI, porém, a
37
diminuição dos espaços públicos se dá de forma mais intensa pois há emergência de
espaços de convívio privados como os clubes privados, os shoppings centers, os
automóveis particulares como meio de deslocar-se, e como grande expressão desses
espaços os condomínios fechados. Dessa forma, a cidade definida por Sennett enquanto:
“ ... um assentamento humano no qual estranhos irão provavelmente
se encontrar. Para que essa definição seja verdadeira, o assentamento
deve ter uma população númerosa e heterogênea (...) as trocas
comerciais entre a população devem fazer com que essa massa densa e
díspar intereja. “ (SENNETT 1988:58.)
vai se esvaziando de seu significado e tranformando- o em outro. As cidades que de
inicio eram construídas com o propósito da segurança com relação aos inimigos
externos agora se organiza em função dos possíveis perigos, que não estão mais
relacionados apenas com o externo mas sobretudo ao perigo intramuros. A cidade volta-
se contra sí mesma.
O movimento de levar para o espaço privados práticas que anteriormente eram
realizadas em meio aos espaços públicos é algo que pode ser observado na Modernidade
e que se intensifica mais em nossos dias. Muito das mudanças nas práticas cotidianas se
relacionam como desenvolvimento das novas tecnologias, sobretudo, aquelas referentes
à informação, é o caso, por exemplo, do desenvolvimento do rádio e posteriormente da
televisão. Reuniões que anteriormente ocorriam entre parentes e conhecidos para
discutir eventos diários da comunidade local vão gradativamente perdendo sua razão de
ser em decorrência da vinculação das notícias nesses novos veículos midiáticos. A
recente popularização da internet também colaborou nessa direção, as notícias de cada
parte do mundo instantaneamente na tela do seu computador pessoal. Essa nova
realidade coloca a prática do diálogo, mesmo no espaço privado das residências, como
algo cada vez mais em desuso. Segundo Giddens (2000), as mudanças nas instituições
na contemporaneidade, sobretudo na família, provocaram também mudanças no
relacionamento entre os indivíduos, os laços mostram-se baseados na intimidade
emocional, no qual os relacionamentos se dão na relação de comunidade que se
apreende, sendo a confiança seu fator de sustentação.
Vivendo em um tempo de desconfiança, no qual a sensação de insegurança é
elemento presente no cotidiano dos indivíduos, a prática cada vez mais intimista de
38
relações estabelecidas se mostra justificável como meio de proteção daquilo que não se
mostra intimo e, portanto, confiável. Dessa maneira, o isolamento e as distâncias
deixam de ser algo encontrado apenas entre desconhecidos e passa a ser algo existente
entre pessoas de laços próximos e as reuniões ao ar livre com cadeiras nas calçadas
passam a ser cada vez mais uma cena rara de se encontrar pelas cidades, sendo restrito
para os interiores do país.
A sociedade contemporânea mostra-se, portanto, como uma sociedade baseada
separação recíproca dos indivíduos, na qual é selado um acordo fundamentado na não
interferência nem ocupação dos assuntos alheios, o que realiza a gradual perda de
curiosidade com relação à condição humana do outro. Hannah Arendt (1989), ao pensar
a condição humana no período do pós-guerra traça um caminho no qual a humanidade
vem, segundo ela, caminhando influenciada pelas mudanças na ciência e no
desenvolvimento tecnológico, característico da Era Moderna assim, ressalta ela, a
mudança promovida pela forma de pensar cartesiana e seu método o qual reduziu, ao
indivíduo, todas as experiências com o mundo e com os outros indivíduos a
experiências consigo mesmo.8 De maneira semelhante, outras revoluções no modo de
pensar e novas descobertas científicas que promoveram mudanças na maneira com que
os indivíduos compreendem e se relacionam com algo, culminaram em um re-arranjo
nas formas como eles se organizam e se relacionam uns com os outros e com o mundo.
De forma tal que vistas hoje se mostram ainda não bem assentadas e, por esse motivo,
veículos de insegurança e estranhamento entre os indivíduos dessa sociedade.
O processo de isolamento é observado de maneira gradativa ao longo dos tempo
e vai se traduzindo, também, nas formas como que contruções vão tomando com o
passar dos anos. As construções do século XX e XXI apresentam-se voltadas para seu
interior e utilizam como meio de contado com o externo materiais que preservam o
isolamento, como é o caso do vidro, assim os espaços passam ter a função de isolar as
pessoas da realidade que as circunda e os espaços públicos que outrora tinha por função
o convívio passam a exercer apenas a função de meio para o deslocamento das pessoas.
As construções que compõem o espaço urbano desse período iniciam e estabelcem o
8 Para Hannah Arendt (1989), portanto, a condição humana na modernidade traz em seu bojo o medo
do espaço público e a rejeição da política como lócus de realização das potencialidades humanas, cujo
paradigma é sem dúvida o campo de concentração.
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processo de verticalização das cidades. Nesses novos tipos de contruções as relações
sociais mostram-se complexas e contraditórias pois ao mesmo tempo que ocorre um
distanciamento da residência com o espaço das ruas, o que implica em um menor
contato social as construções verticais compreendem em si diversas moradias, o que em
tese, coloca seus habitantes em grande proximidade.
No documentário entitulado “Edifício Master”, de 2002, dirigido pelo cineasta
Eduardo Coutinho esse tipo de convivência, caracerística das grandes e médias cidades
é abordado. Nele, é retratado a vida dos moradores de um edifício localizado no famoso
bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, no qual vivem aproximadamente 500
moradores, o qual se diferencia dos demais da região por não se tratar de um local
habitado pelas classes média e alta, características do bairro. Nesse edifício, os
moradores habitam espaços muito próximos físicamente, mas mantém-se distantes, a
ponto do vizinho ser um desconhecido do qual se sabe elementos que denunciam dus
rotina apenas pelos barulhos que e ouve do apartamento ao lado, porém, em geral, este é
o máximo de contato que eles mantém. Em um edificio tão populoso seus habitantes
raramente se veêm e dificilmente se conhecem. Assim como no documentário, vários
outros edifícios e bairros possuem uma alta densidade demográfica, o que não implica
diretamente no alto convívio e relações entre os indivíduos que os partilham. As
construções se mostram mais do que nunca como espaços construídos para o convívio
em seu interior e não para se relacionar com o que está ao seu redor.
Em uma observação das formas de construções das casas com o decorrer do
tempo é possivel identificar um gradativo afastamento delas com relação as ruas. Casa
mais antigas, de cerca da metade do século XX no Brasil, era construídas tendo suas
janelas voltadas para as ruas, localizadas diretamente para as calçadas de pedestres.
Gradativamente elas vão se afastando das ruas, passam a ter um portão que faz essa
separação, um jardim. Mais adiante vêm os muros de concreto que permitem um
isolamento ainda maior do espaço das residências com o espaços das ruas, neles depois
são adicionados cercas elétricas, câmeras de vigilância e a casa que antes era possível de
ser observada da rua agora se tranforma em uma fortaleza completamente isolada.
Quando essas mudanças estruturais não são o suficientse as casas são inseridas em
espaços mais isolados ainda, como os condomínios fechados. O espaço privado das
residências vai se tornando cada vez mais privado e distante do espaço público, o qual
passa a ser rejeitado, segundo Caldeira (2000).
40
Nesse processo de privatização da vida pública o que se observa é um
afunilamento do sentido de comunidade, noção que vai se reduzindo gradativamente e
que se mostra hoje como o isolamento, a separação proporcionados pelos muros,
guaritas e portões. O sentimento de “aconchego” só pode ser sentido se for sob forte
grau de vigilância. Citando Sharon Zukin, Bauman (2001) lembra algo que pode se
assemelhar com a realidade vivida em vários cantos do mundo, inclusive no Brasil. Diz
Zukin:
“Os eleitores e as elites – uma classe média em termos
amplos nos Estados Unidos – poderiam ter preferido aprovar
políticas governamentais para eliminar a pobreza, administrar a
competição étnica e integrar as pessoas em instituições públicas
comuns. Em lugar disso, preferiram comprar proteção,
alimentando o crescimento da indústria privada de segurança.
(BAUMAN 2001: 104)
Tal relato pode ser transportado para o filme Violência SA, documentário
brasileiro dirigido por Jorge Jafet, Eduardo Benaim e Newton Cannito, no qual é
retratado o mercado de segurança privada no Brasil, que através dos depoimentos de
sujeitos pertencentes à elite brasileira e, também, de indivíduos envolvidos com o crime,
é possível estabelecer os mecanismos adotados para a segurança do grupo dirigente:
basicamente dispositivos de segurança individuais adquiridos no mercado de segurança
privada. 9
Nesse retrato da realidade brasileira assim como na citação de Zukin, o que se
observa é que não existe a pretensão de se discutir políticas possíveis para diminuir o
problema que aflige não apenas determinados grupos, mas grande parcela da população,
já que o sentimento de insegurança é algo tão trabalhado, pela mídia e pela indústria de
segurança privada, que afeta um grande número de pessoas, mas o que se observa é a
adoção de soluções particulares para a questão da segurança. O mesmo ocorre com as
outras demandas da vida cotidiana como a questão da educação, da saúde, dos
transportes. Não se busca o funcionamento destes à partir da atuação do Estado como
responsável direto destes serviços mas o que se busca é a solução privada das suas
deficiências, assim, o que se tem são: o mercado da saúde representada pelos convênios 9 Sobre esse assunto trataremos de forma mais aprofundada no próximo capítulo.
41
médicos, o mercado da educação que se estende desde a escola básica até o ensino
superior e o mercado automobilístico que a cada dia que passa coloca mais veículos
particulares nas ruas do que elas podem suportar, acarretando em quilômetros de
congestionamentos diários nas grandes cidades.
Esse comportamento observado entre os indivíduos é o reflexo do processo de
despolitização pelo qual se passa a sociedade global, promovido gradual esvaziamento
do espaço público que retira da experiência de convívios dos sujeitos a capacidade de
negociação e crítica dos assuntos que se mostram presentes no cotidiano e, que tem
como atitude característica o pronto consumo das soluções dos problemas que afligem.
Segundo essa perspectiva, a sociedade global se mostra em um círculo vicioso no qual a
perda dos interesses pelos assuntos públicos implica no aumento do consumo de
soluções e este, por sua vez no esvaziamento de sentido da vida pública.
Assim, o que observamos em nossas cidades é a presença dos novos mercados
de serviços e sua grande oferta de produtos. Àqueles que se incomodam com o
transporte público lotado e incomodo pela demora e más condições que estes oferecem
à seus usuários a opção do automóvel particular, ou no caso da impossibilidade deste as
motocicletas. Àqueles que não se adaptaram as filas dos hospitais públicos e a ausência
de médicos e equipamentos necessários ao bom atendimento a opção das clinicas
particulares financiadas pelo convênio médico e suas diversas possibilidades de
contratos de serviços. Àqueles incomodados com a sujeira das ruas dos centros
comerciais das cidades a alternativa dos shoppings centers com ar climatizado, limpeza
e conforto. Àqueles amedrontados pela violência urbana os dispositivos de segurança
que podem estar tanto na proteção da casa, como é o caso dos alarmes, câmeras de
vigilância, cercas elétricas, condomínios fechados etc. como podem estar também nos
veículos com as blindagens, alarmes, seguros e rastreamento.
Para tudo se tem um mercado cheio de ofertas que podem solucionar os
problemas mais candentes, porém, para aqueles que a aquisição delas se mostra uma
impossibilidade resta o convívio com os problemas diários das cidades e a exclusão de
uma vida tranqüila e livre das intempéries do mundo contemporâneo.
Como reflexo das resoluções privadas de assunto que pertenciam à esfera do
coletivo o espaço urbano mostra-se em um processo de transformação permanente, que
se traduzem espacialmente as demandas contemporâneas. Do mesmo modo como
ocorreu com as demandas precedentes. As tranformações urbanas observadas ao longo
42
dos períodos históricos apresentam mudanças que refletem os interesses e os problemas
de cada época. É uma tradução espacial das aspirações do homem de seu tempo. Assim,
as mudanças observada no espaço urbano, como a utilização de novos materiais na
construção dos edificios, as formas que estes vão apresentando com o passar do tempo,
os centímetros a mais nos muros das construções, a utilização de despositivos de
segruança por toda a cidade, etc. dizem mais do que simples alterações arquitetônicas.
Elas refletem mudanças de paradigmas, refletem a emergência de novas formas de
apropriação e organização do espaço público, ao mesmo tempo se relaciona com
questões econômicas de cada contexto e, se liga também, a emergência de novos estilos
de vida e comportamentos. Mais do que projetos urbanos de construções as formas
observadas nas cidades evidenciam transformações que vão além de questões estéticas
da arquitetura comtemporânea, mas que dizem respeito às transformações pela qual a
sociedade vem passando nos últimos tempos, os quais, mais que implicações políticas e
econômicas que possam parecer distantes, têm interferido diretamente na vida cotidiana
dos indivíduos implicando em mudanças nas formas desejadas de consumo, de relações
individuais e coletivas e, conseqüentemente, no lugar desejado para se habitar. Por esse
motivo as formas que o espaço urbano vem adquirindo merecem ser investigadas, pois
mais que uma paisagem ele é reflexo de um complexo de relações que vão além do
espaço físico.
43
CAPÍTULO II - Marília: “Símbolo de Amor e Liberdade ”
2.1 A formação da “Califórnia Paulista”
O início do processo de ocupação do território que hoje corresponde ao
município de Marília-SP se deu no contexto da expansão da cultura do café no estado de
São Paulo, estimulada pela política de valorização do produto que se apresentava na
lista dos mais importantes destinados à exportação no período. É então, nesse contexto
que o processo de exploração econômica do centro-oeste paulista tem início, alavancado
pela implantação de infra-estruturas necessárias para o desenvolvimento econômico da
região como, por exemplo, a construção da estrada de ferro, que trouxe com ela uma
ainda tímida ocupação urbana.
Segundo Pereira (1990), Marília é fruto da expansão da fronteira agrícola do
estado de São Paulo, sendo a cidade originada da fusão de três loteamentos urbanos
surgidos entre 1923 e 1927, os quais se localizavam na chamada frente pioneira de
exploração da região, concebida por ele como “território em processo de incorporação
pela economia de mercado. (PEREIRA 1990:13).
Até 1905 este território era tido pelo Relatório da Comissão Geográfica e
Geológica de São Paulo como “terrenos desconhecidos”, tendo sido explorados apenas
posteriormente com a incorporação da cultura do café na região, o que resultou no
deslocamento de populações de outras regiões do país, as tidas zonas velhas – regiões
em que a exploração econômica já havia se iniciado e apresentava-se em desgaste, como
as regiões litorâneas do país – para este novo território a ser explorado. Assim, foram
instalados na região migrantes de várias partes do Brasil e também imigrantes
japoneses, espanhóis, italianos, sírios, etc.
Desse modo, o que se dizia a respeito das novas terras paulistas era:
“Em 1920 as cartas geográficas não consignavam Marília,
por inexistente, entretanto, 14 anos depois, aquele trecho de mata
passou a ostentar majestosa cidade de 13.631 habitantes; sede de um
município com 71.464 moradores, não comutada a população de Vera
Cruz que, recebendo sua carta de alforria em dezembro do ano
44
passado, reduziu de 10.963 o total demográfico daquela poderosa e
progressista circunscrição.”10 (PEREIRA 1990:14)
Por esse motivo, Marília era apelidada na época, segundo Pereira (1990), de
Califórnia Paulista, devido ao ritmo acelerado de desenvolvimento que apresentou em
seus anos iniciais.
No processo de ocupação do território que hoje corresponde à Marília,
observam-se ações que também podiam ser encontradas como práticas comuns em
outras localidades do país, no mesmo período. Pois, na história desse processo encontra-
se em um primeiro momento a ocupação inicial realizada pelos desbravadores de uma
área que se encontrava ainda coberta por floresta e habitas pelos temidos índios
Coroados e que, com o advento da Lei de Terras e a catalogação das terras do país pelo
Estado, as áreas de posse desses pioneiros foram sendo alienada pela prática da
grilagem e pela influência da elite paulista, que viu nas novas terras a oportunidade de
expandir seus patrimônios. Assim, verifica-se que desde 1877 tais terras se tornaram
objeto de disputa e de especulação imobiliária, permanecendo inabitadas até que nelas
fossem realizadas infra-estruturas que possibilitassem uma maior ocupação e,
conseqüente exploração, o que as tornariam de maior valor.
O que foi possível com o início da construção da estrada de ferro pela
Companhia de Estradas Ferro Noroeste S/A em 1905. Este é tido como o marco de
início do processo de exploração econômica da região através da marcha do café pelo
território paulista. Porém, é apenas em 1916, quando a Companhia Paulista de Estradas
de Ferro crava o marco para o prolongamento da estrada de ferro, que o processo de
povoamento toma verdadeiramente fôlego, sendo o primeiro núcleo de colonização das
terras do futuro município, o chamado núcleo Cincinatina, iniciado por volta de 1913
com a formação da fazenda Cincinatina de propriedade de Cencinato César da Silva
Braga, tradicional político de Piracicaba-SP.
Segundo, Pereira (1990) três grandes latifúndios deram origem à maioria dos
sítios e fazendas que posteriormente foram incorporadas aos limites do município de
Marília. A Fazenda Piedade ou Fazendo Rio do Peixe, de posse da Cia Pecuária e
10
Secretária do Estado de Negócios da Agricultura Indústria e Comércio; Recenseamento Demográfico,
Escolar e Agrícola-Zootécnico do Estado de São Paulo. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1936:11.
45
Agrícola Campos Novos, a Fazenda Cincinatina, já mencionada, e a Fazenda
Guaporanga, de Lélio Piza.
Foi nas antigas terras da Cia Paulista de Estradas de Ferro na qual fora fincado o
local onde seria as futuras instalações da Estação Ferroviária do Município que se
fundou o primeiro patrimônio, o patrimônio Alto Cafezal, em 1922, por Antônio
Pereira, conhecido como Pereirinha. Nesse local se iniciou o primeiro loteamento
urbano, no qual havia 173 quarteirões regulares em uma área de 53 alqueires e 22.727
m². Posteriormente, em 1926, formaram-se o patrimônio de Vila Barbosa e em 1927 o
patrimônio de Marília. Sendo o município criado em 1928 pela fusão desses três
patrimônios. (PEREIRA 1990).
Nesse período se instalam aqui muitos migrantes nordestinos que tinham sua
mão-de-obra empregada na derrubada das matas e na construção das primeiras casas e
pequenos comércios que aqui se instalavam. A presença nordestina na região se verifica
até meados da década de 1930 quando esta partiu dessas terras devido à diminuição da
oferta de trabalho ocorrida com a crise de 1929 sentida na região, já que esta crise
afetou a economia cafeeira que aqui se iniciava. Segundo Pereira (1990):
“As condições objetivas para o povoamento estavam dadas:
de um lado a política oficial de valorização do café manteria os preços
compensadores até 1929, estimulando a demanda por terras virgens;
de outro, a instituição do trabalho assalariado desde o final do século
passado, havia permitido a uma parcela – ainda que diminuta – de
trabalhadores juntarem alguma quantia que seria empregada na
aquisição de pequenos lotes rurais; além disso, a demanda por terras
seria aquecida pelo crescente número de imigrantes recebido pelo
Estado na década de 1920.” (PEREIRA 1990: 50)
O desenvolvimento do primeiro patrimônio de Marília, o patrimônio Alto
Cafezal, está ligado à atuação de três personagens importantes na história do município:
Cincinato Braga, Rodolfo Miranda e Bento de Abreu, líderes políticos de tradição e
agentes da chamada marcha pioneira. Tratava-se de especuladores de terras que, pela
grande influência política de Bento Abreu, que tinha forte atuação no cenário político da
região de São Carlos e Araraquara, iniciaram o movimento para a criação dos distritos
de paz em Marília.
46
Bento de Abreu logo após ter comprado a Fazendo Cincinatina fez a doação
dessas terras à Companhia Paulista de Estradas de Ferro, da qual era também acionista,
para a construção da continuação da estrada de ferro e da futura estação ferroviária que
se localizaria dentro de suas terras, a qual fazia divisas com Alto Cafezal. Após essa
doação o deputado apresentou como projeto na Câmara dos Deputados, em nove de
novembro de 1925 para criação do distrito de Lácio, que teria sede na povoação do Alto
Cafezal. Tal nome teria sido escolhido porque segundo a Companhia Paulista de
Estradas de Ferro a estação ferroviária que ali seria construída deveria seguir uma
ordem alfabética, sendo a anterior batizada de Kentuchia a próxima deveria se iniciar
com a letra “L”. (PEREIRA, 1990)
Segundo Pereira, Bento de Abreu era autor de cerca de trinta projetos de criação
de distritos de paz o que, segundo ele, se justifica em um discurso do próprio Bento de
Abreu, no qual fica evidente seu interesse como membro da elite agrária do estado de
São Paulo pela necessidade da existência de uma mão-de-obra disponível no campo.
“Temos grande entusiasmo pelos Distritos de Paz, porque
servem de núcleo às populações rurais. Cuidando do conforto do
interior, temos sempre presente a idéia da agricultura, que representa a
fonte da nossa riqueza. Encontrando ao seu alcance tudo o que nos
oferece a civilização, as populações rurais perderão a ansiedade de
abandonar os campos e virem residir nas grandes cidades, com grande
prejuízo para a agricultura. Não devemos perder de vista que a
agricultura requer um cuidado constante, que não se conseguiria com
a ausência dos que a ela se dedicam. Os Distrito de Paz oferecem, a
poucos quilômetros das propriedade rurais, o que sua população
precisa constantemente com urgência.”11 (PEREIRA 1990:64)
Porém, o projeto de criação do distrito de Lácio não foi aprovado devido ao não
cumprimento das exigências para tal. Sendo apenas criado em três de agosto de 1926
com o nome de Marília, também, escolhido por Bento de Abreu em referência a obra
Tomaz Antonio Gonzaga “Marília de Dirceu”, pois a Companhia Paulista resolvera
construir outra estação entre Kentuchia, e está recebera o nome de Lácio. O novo
11
Discurso pronunciado pelo Deputado Bento de Abreu Sampaio Vidal, em sessão da Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo, de 7 de outubro de 1937. In: VIDAL, Bento de Abreu Sampaio.
Discursos. São Paulo, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda, 1947, vol 1, p 57.
47
distrito de paz e o patrimônio Alto do Cafezal mostravam-se antipáticos um com o
outro, pois existia uma rivalidade política entre os lideres políticos de cada um.
Motivadas pelo fato de que é de responsabilidade do juiz de paz a designação de outras
autoridades locais, dentre essas responsáveis pela fiscalização eleitoral contra fraudes, o
que em uma disputa política era de grande importância.
A partir desse momento os três patrimônios apresentam um crescimento
significativo, motivado pelas disputas e rivalidade entre eles, sobretudo entre o
patrimônio Alto Cafezal e o patrimônio de Marília. Tal rivalidade foi determinando a
forma do desenvolvimento urbano, pois, as instalações que eram realizadas em cada um
dos patrimônios tinham implicações para seu oponente. Foi o caso das construções das
igrejas e das escolhas de seus respectivos padroeiros, assim, no patrimônio Alto Cafezal
foi construída a igreja de Santo de Antônio em homenagem ao seu fundador Antônio
Pereira e, no patrimônio de Marília construída a igreja São Bento que também
homenageava seu fundador, Bento de Abreu.
A construção da estação ferroviária no patrimônio de Marília, assim como a
construção da igreja São Bento, tendo ela suas costas voltadas para o patrimônio Alto
Cafezal, foram tidos pelos moradores deste como uma afronta, tendo sido compreendido
como fatores concorrenciais, já que este estava ainda em seu início do processo de
ocupação, enquanto que o Alto Cafezal concentrava a maior parte da população da
região.
Desse modo, o espaço urbano foi sendo inicialmente desenvolvido e sendo
ocupado gradativamente. No patrimônio de Marília iam sendo realizadas infra-
estruturas que o tornasse mais valorizado e atraente para os futuros compradores das
terras, enquanto o mesmo era seguido pelos outros dois patrimônios, especialmente pelo
Alto Cafezal. A competição aparente entre os líderes políticos de cada região diminuíam
na medida em que os interesses entre eles convergiam, sobretudo, economicamente.
Assim, Bento de Abreu apresentou, em 1927, à Câmara dos Deputados um projeto de
lei criando o município de Marília. A escolha do nome foi motivo de desavenças entre
os dois principais patrimônios por ser considerado, pelos fundadores do Alto Cafezal,
uma afronta por parte de Bento de Abreu já que prestigiava o nome do patrimônio que
ele mesmo havia fundado.
Em 1928 o projeto fora aprovado criando assim o município de Marília. Nesse
período o novo município contava com aproximadamente 13mil habitantes, estando em
48
um período de crescimento acelerado como mostra o Relatório Estatístico da prefeitura.
Nele consta que em 1926 havia na região do Alto Cafezal vinte e duas casas, tendo esse
número saltado, na contabilidade dos três patrimônios, para 686 casas em 1928 e,
apenas um ano depois, em 1929 para o número de 1084 casas no então município de
Marília. (PEREIRA 1990)
É nesse período de crescimento urbano acelerado as terras vão passando por um
processo de valorização através de uma inicial especulação imobiliária. Bento de Abreu,
grande proprietário de terras do município tem suas terra valorizadas através da prática
de doações de lotes que ele fazia em benefício da prefeitura. Em suas ações de doação o
lote doado à prefeitura passa a ser o local para algumas obras necessárias à região em
questão. Desse modo, vão sendo construídos com o dinheiro público obras de
benfeitorias que se inserem ao meio das terras de Bento de Abreu, que além de ter a
valorização delas, ganha também grande prestígio com a população, cultivando aqui um
grande eleitorado. (PEREIRA 1990)
O crescimento acelerado de Marília se realizou sem que a instalação de infra-
estruturas básicas o acompanhasse, como o saneamento, por exemplo. Por esse motivo,
segundo Pereira, a região ficou por um tempo conhecida como foco de doenças, em
especial a tifo, motivo pela qual provocou interesse em se construir aqui uma Santa
Casa e iniciar o processo de higienização do município. Segundo ele:
“Limpar o nome feio que a cidade tinha era de suma
importância para o êxito dos empreendimentos locais. A povoação
havia crescido de forma assustadora; centenas de residências e prédios
comerciais haviam sido erguidos da noite para o dia com o mínimo de
planejamento e sem a menor infra-estrutura. Poços e latrinas
desprotegidos serviam à população urbana; nos quintais, ao lado dos
mesmos, os moradores construíam chiqueiro onde cevavam porco,
quando não os criavam soltos; aves e animais domésticos
perambulavam pelas ruas, o lixo se acumulava em terrenos baldios.
Tudo isso, denunciava um médico local, contribuía para o estado
precário de higiene pública e o surgimento de um grande número de
casos de doenças.” (PEREIRA 1990:75)
Essa era a situação do início do processo de urbanização, que assim como a
maioria dos municípios brasileiros, foram se desenvolvendo sem planejamento e sem a
49
infra-estrutura necessária para a habitação. No caso de Marília, seu processo de
urbanização se vincula à economia cafeeira, o que tornava comum entre a população a
presença de donos de terras, agricultores, pequenos comerciantes e profissionais
liberais. Entre esses estavam principalmente os médicos e os advogados, profissionais
de grande importância aos interesses locais da época, já que eram comuns doenças
contagiosas entre a população como a tifo e a meningite e, no caso dos advogados sua
importância estava em cuidar dos assuntos referentes à propriedade da terra.
A crise do café de ocorrida em 1929 foi por aqui bastante sentida por volta de
1931, o que forçou a economia no sentido da diversificação da agricultara da região que
era, até então, baseado no cultivo do café. Com a chegada da Força e Luz em 1930, se
iniciou uma industrialização, ainda tímida, mas que foi importante na economia local e
nas transformações urbanas do novo município que crescia de forma vertiginosa como é
possível observar na Tabela I:
50
Tabela I: Construções em Marília (Zona Urbana): 1928-1946.
ANO CONSTRUÇÕES
1928 686
1929 1.084
1930 1.120
1931 1.453
1932 1.643
1933 1.862
1934 2.075
1935 2.846
1936 3.254
1937 3.637
1938 4.055
1939 4.098
1940 4.643
1941 4.782
1942 4.898
1943 4.938
1944 5.048
1945 5.217
1946 5.683
FONTE: Serviço de Estatística da Prefeitura. (BALESTRIERO 1984:56)
Na Tabela I é possível observar que o município de Marília teve um crescimento
predial bastante rápido em seus primeiros anos de constituição. Este processo acelerado
aliado à ausência de infra-estrutura foi determinante nas formas que o processo de
ocupação do solo teve. Nesse processo a ocupação do solo foi feita pela ocasião, tendo
fatores como a exploração econômica da região e o processo de valorização das terras
atuado de maneira significativa na organização do espaço que, nesse momento, tendia
ser urbano. Segundo a Tabela I, desde sua criação como município e passados vinte e
oito anos, Marília teve um crescimento predial continuo, atingindo aproximadamente
4.997 construções, o que representa um número bastante expressivo para o início de um
processo de urbanização.
51
Nesses primeiros anos da ocupação as construções eram feitas de madeira, parte
delas retiradas das matas que eram derrubadas para abrir caminho à agricultura, sendo
as construções em sua maioria compostas por residências, pequenos comércios e alguns
modestos hotéis nos quais os visitantes e futuros moradores se hospedavam. A paisagem
foi se transformando com o tempo, acompanhando também as transformações pelas
quais o país também passava.
Tabela II: População do Município de Marília 1934-1980.
ANO TOTAL URBANA RURAL
1934 64.885 12.984 51.901
1940 81.064 28.358 52.706
1950 86.844 38.376 48.468
1960 90.884 54.178 36.706
1970 98.176 75.593 22.223
1980 121.877 107.425 14.452
FONTE: 1934: Serviço de Estatística da Prefeitura Municipal. 1940-1980: IBGE, Censos Demográficos.
(BALESTRIERO 1984:57)
Algumas dessas transformações podem ser observadas através da Tabela II, em
seus dados referentes às taxas da população que se localizavam na área urbana e rural da
cidade. Conforme se observa é na década de 1960 que a taxa da população localizada na
zona urbana supera a taxa da população residente na área rural do município. Nesse
período ocorre no Brasil o processo de capitalização da agricultura, no qual ocorre o
assalariamento do campo transformando profundamente as relações de trabalho no
campo, como se observa na situação dos antigos colonos que, com esse processo passa à
condição de bóia-fria.
Isso se refletiu na queda do padrão de vida daqueles que viviam no campo, pois
tendo as relações de trabalho alteradas a presença das culturas de subsistência mantidas
pelos colonos vai deixando de existir quando esses passam a trabalhar sob relações de
assalariamento, alienando seu trabalho e necessitando, portanto, adquirir aqueles
produtos que antes possuía em sua pequena propriedade. Por conta das dificuldades
enfrentadas no campo, grande parte da população camponesa vai para as cidades em
busca de melhores condições de trabalho que ajudem a melhorar seu padrão de vida. É o
52
que ocorre também em Marília, que a partir da década de 1960 passa por um processo
de fuga do campo que se reflete no aumento da taxa de sua população urbana, como é
possível observar na Tabela II, na qual se verifica um crescimento de sua população
urbana e um distanciamento desta com relação à da taxa populacional do campo,
comportamento que se verifica também nos anos subseqüentes.
Além disso, segundo a Tabela II verifica-se que a taxa populacional em Marília
teve como as décadas de maior crescimento populacional a década de 1930 a 1940,
período que compreende seus primeiros anos de constituição enquanto município e, a
década de 1970 à década de 1980, anos de forte migração do campo para as cidades.
São períodos importantes economicamente, da década de 1930 a 1940 o café tinha
sofrido grande crise no cenário internacional o que acarretou em mudanças econômicas
em região de Marília que havia se formado tendo essa cultura como principal elemento
de sua economia. É nesse período que a economia de Marília diversifica e inicia uma
industrialização ainda tímida voltada para outros produtos da agricultura como o arroz e
o algodão. Em 1937 havia no município 15 máquinas de beneficiamento de arroz, 2 de
café, 10 de algodão, 3 serralherias e 7 olarias que atendiam a demanda por esses
produtos tanto no município quanto da região circunscrita. (BALESTRIERO 1984: 61)
Sobre esse período e a forma pela qual Marília se urbaniza Balestriero conclui
que:
“Temos no período estudado, um caso típico de urbanização
sob o capitalismo tardio. Nascidas em pelo século XX, nossas cidades
novas são constituídas com todas as facilidades técnicas e econômicas,
mas também com todas as seqüelas do processo.
(...) Nossas cidades são produto da expansão do modo de
produção capitalista, sendo sua vida econômica e reprodução da
divisão internacional do trabalho sob o capitalismo. Assim, as
“exceções” aparentes são mais que exceções: representam exatamente
o setor dinâmico que determina o ritmo de expansão e funcionamento
da economia como um todo.” (BALESTRIERO 1984:63;64).
Segundo essa análise o novo município que se formou nas terras do centro-oeste
paulista, terras tidas até então como o “sertão paulista”, se inserem em um processo que
diz mais do que o desenvolvimento da região em si, mas é reflexo das demandas
econômicas do período que se encontram relacionadas, de modo global, à lógica
53
capitalista, que aqui vê oportunidade para seu desenvolvimento e expansão,
promovendo também conseqüências enquanto processo tardio e contraditório na forma
de organização sócio-espacial.
À respeito desse tipo de processo Castells (1983) analisa a questão do que ele
chama de urbanização dependente. Para ele, esse é um fenômeno dos tidos países em
desenvolvimento nos quais o processo de urbanização se assemelha ao processo de
urbanização das principais metrópoles por estarem ligados ao movimento de
industrialização, porém, ao mesmo tempo se diferem pelo grau de industrialização que
apresentam e pela maneira que isso se dá. Assim, destaca ele que a taxa de urbanização
se mostra bastante elevada em países em desenvolvimento como a Índia, por exemplo,
porém, possuem taxas de industrialização muito inferiores quando comparadas com o
inicio do processo de industrialização dos países desenvolvidos. Ele mostra isso
comparando os índices de urbanização da Índia com a Alemanha e constata que ambos
possuem o mesmo o mesmo índice de urbanização, mas índices de industrialização
muito distintos. Segundo ele, a Índia possuía em 1951, 25% de sua população ativa
trabalhando na indústria, 14% na agricultura, 6% nos transportes, 20% no comércio e
35% nos chamados serviços diversos, enquanto que na Alemanha de 1882, com um
nível de urbanização semelhante, tinha 52,8% de sua população ativa empregada na
indústria. 12
Desse modo, Castells (1983) mostra que a indústria responsável pela
urbanização dos países emergentes não dá conta da oferta de mão-de-obra que se
transfere para as cidades em busca de trabalho, o que acaba implicando em processos de
urbanização distintos. A ideologia da cidade enquanto um espaço moderno e
desenvolvido contido na cultura do urbano mostra-se presentes nesses contextos
distintos, porém, a realidade de cada um mostra-se dissonante e particular, o que
implicará em formas distintas de constituir o espaço urbano. Diante disso, é importante
ter em mente que a exploração econômica de uma dada região e a maneira como ela se
realiza é determinante nas formas de organização sócio-espacial que ali se realização.
Nesse sentido o processo de urbanização de Marília, se mostra como um processo com
particularidades, mas que, contudo, se compreendem quando analisadas sob um ângulo
mais amplo.
12
Castells 1983:81.
54
Tabela III: Distribuição da População de Marília com relação à ocupação de 1934
ATIVIDADES Nº DE INDIVÍDUOS OCUPADOS
Exploração do solo e subsolo 23.185
Indústria 2.860
Transportes 861
Comércio 1.802
Força Pública 20
Administração 171
Profissionais Liberais 401
Domésticos 221
Atividade mal definidas, ignoradas e outras 787
SOMA 30.308
Vivem de renda 93
Sem profissão 19.355
Menores de 14 anos 32.671
TOTAL 82.427
FONTE: Boletim do Departamento Estadual de Estatística, nº 05. Maio de 1939
*inclui a população de Vera Cruz. (PEREIRA 1990: 113)
Nesse período que compreende o início do processo de urbanização de Marília e,
como demonstrado na Tabela II, uma das décadas de maior crescimento populacional
do município, observa-se que embora a principal atividade fosse à agricultura –
exploração do solo e subsolo, 23.185 – há a existência de um número significativo da
população que se dedicava às atividades ligas ao contexto urbano: indústria, comércio,
transportes, força pública, administração, profissionais liberais e domésticos que podem
se encaixar tanto em atividades urbanas como rurais, compreendendo aproximadamente
6.115, se considerada a variável domésticos, o que representa cerca de 20,17% da
população economicamente ativa do município no período em questão.
Os desdobramentos da vida econômica e política do país tiveram reflexos
importantes na configuração da economia da região. A crise do café e a promoção da
diversificação da agricultura aceleraram o processo de fragmentação das propriedades
rurais que, gradativamente foram sendo incorporadas a zona urbana e destinadas à
55
outras atividades que foram transformado o caráter do município e abrindo espaço para
o surgimento da indústria que gradualmente foi ganhando espaço no município de
Marília, sobretudo, no setor da indústria alimentícia sendo a antiga “Califórnia paulita”
transformada em “Capital Nacional do Alimento”.
2.2 Marília: “Capital Nacional do Alimento”
As mudanças ocorridas na segunda metade do século XX no Brasil
determinaram os rumos sócio-econômicos da região de Marília. Com a implantação das
indústrias mais importantes na década de 1940, como as Indústrias Reunidas Francisco
Matarazzo e Anderson Clayton, atraídas pela grande produção de algodão que se
desenvolvia no período, Marília foi se modificando. Porém, a partir de 1950 as
indústrias paulistas iniciam uma nova etapa no meio produtivo e a região de Marília
entra em crise por não poder acompanhar esse novo patamar industrial do estado de São
Paulo. Isso se refletiu na população pelo grande êxodo rural verificado no período, que
mesmo com a diversificação de culturas na agricultura não foi suficiente para garantir a
permanência da população rural no campo.
Em 1970 ocorreu a modernização do setor primário na região, o que resultou no
aumento da produção agrícola que agora se aliava as indústrias química e de
equipamentos e processadoras de produtos agropecuários, determinando o perfil
agroindustrial que prevalece até os dias atuais. Com o novo caráter do setor primário na
região ocorreu movimento migratórios do campo, também, inter-regionais.
Recentemente a economia da região se encontra com grandes investimentos do
setor industrial, promovido, sobretudo pela interiorização da indústria paulista. Sendo
hoje sua base industrial assentada de maneira geral na indústria alimentícia e no setor
agroindustrial. Marília destaca-se no centro-oeste paulista como a “Capital Nacional do
Alimento” pela presença de indústrias importantes do setor alimentício, entre elas
destacam-se: Marilan S/A, Dori Alimentos Ltda., Bel Produtos Alimentícios Ltda.,
Biscoitos Xereta Ltda. Também se destaca a presença no município da Indústria Coca-
Cola do Grupo Spaipa, maior fabricante de refrigerantes do mundo, e da empresa
Sasazaki, uma das maiores produtoras de esquadrias metálicas do país, entre outras do
ramo metalúrgico.13 As transformações ocorridas na economia do município podem ser
13
Fundação Seade. Perfil Regional/ abril 2009.
56
observadas nos valores dos setores da economia adicionados no PIB de Marília, como
demonstra a Tabela IV:
Tabela IV – Participação dos setores da economia no Produto Interno Bruto
(PIB) de Marília no ano de 2007
SETOR VALOR ADICIONADO
Agropecuária 27.958
Indústria 467.971
Serviços 1.704.031
FONTE: IBGE
Segundo a Tabela IV, o crescimento e desenvolvimento da cidade foram
acompanhados por mudanças em sua economia. A Marília que surgia como a
“Califórnia Paulista” do crescimento aliado ao desenvolvimento da agricultura vai se
urbanizando e gerando novas demandas que, com a industrialização estimula o
desenvolvimento do setor de serviços o qual hoje se mostra como o setor da economia
que mais contribui na composição no PIB municipal, assim, o município que tinha
como principal atividade econômica a agricultura passa a ser um município com uma
taxa de industrialização maior, porém, com sua economia baseada na prestação de
serviços, característica econômica que acompanha as tendências da economia nacional.
Marília se apresenta como sede da Região Administrativa de Marília que conta
hoje com 51 municípios divididos em quatro regiões de governo: Marília, Assis,
Ourinhos e Tupã. Como sede da R.A a região de Marília “concentra o pessoal ocupado
na indústria, destacando-se aquelas de maior importância regional, como a de alimentos
(41,2%) e de máquinas e equipamentos (64,5%). Também o pessoal ocupado no setor
de serviços está mais concentrado nesta RG (39,2%), reflexo da presença do município-
sede. O município de Marília, cumprindo seu papel de centro regional, concentra, além
dos serviços sociais, como saúde e educação, também os serviços mais sofisticados e de
maior valor agregado – atividades bancárias e financeiras, imobiliárias, serviços de
consultoria, processamento de dados, publicidade de propaganda, pesquisa e
desenvolvimento, etc.” (SEADE 2009)
A tendência de crescimento da cidade permaneceu na última década, porém,
com uma taxa de crescimento menor do que a verificada nas décadas anteriores,
57
principalmente no período de expansão da economia da região oeste paulista
demonstrada na Tabela II. Como demonstra a Tabela V:
Tabela V – Evolução Populacional da cidade de Marília-SP
ANO POPULAÇÃO
1991 161.149
1996 175.816
2000 197.342
2007 218.113
FONTE: IBGE
Hoje Marília conta com aproximadamente 227.649 habitantes, apresentando um
grau de urbanização de 97.48%, confirmando uma tendência que se verifica desde a
década de 1960, quando seu índice de população urbana superou o da população rural,
possuindo um índice de desenvolvimento humano de 0.850, considerado como elevado
quando comparado com os demais municípios brasileiros.14
Mesmo sendo uma cidade relativamente muito jovem, a cidade de Marília já
passou por variações demográficas de grande significância, se mostrando como uma
cidade típica de processos de migrações intra-urbanas e de regiões – emigração e
imigração – determinados pela transferência de populações, mas também, por
problemas, expectativas, necessidades, etc. Segundo o IBGE, no período entre 1940 a
1991, o crescimento populacional foi de 133%. O qual desacelerou na década de 1990,
tendo uma média anual de 2,78%. Dos anos 2000 ao ano de 2009, Marília apresentou
como taxa geométrica de crescimento anual da população 1,62%, taxa que se verifica
menor do que a dos anos passados, porém, maior que a taxa de crescimento anual da
região e do estado de São Paulo que no mesmo período registraram taxa de 1,15% e
1,33%, respectivamente. Segundo os indicadores de crescimento populacional a cidade
de Marília apresenta uma tendência em atrair população dos municípios
circunvizinhos.15
14
Dados do IBGE de 2008.
15 Fonte: Observatório de Segurança Pública.
58
A Marília que em seu início era conhecida como a “Califórnia paulista” se
mostra como um município mais consolidado que teve seu processo de urbanização
realizado em um ritmo muito acelerado e, que não foi acompanhado com a mesma
velocidade pelo desenvolvimento de todos os outros setores. Assim, ainda hoje é
possível observar as conseqüências de seu processo de urbanização não planejado. No
Mapa I podemos observar a ocupação referente ao zoneamento do município.16
MAPA I: Zoneamento do município de Marília-SP
FONTE: ENDURB 2004 In. GUTO/UNESP-Marília-SP
É o que se observa ao analisar o mapa do município e suas diferentes regiões que
se apresentam distintas umas das outras, motivadas por motivos sócio-econômicos, mas
também, pela própria geografia do município que propiciou uma forma de ocupação
particular e o que interfere também em sua densidade demográfica, como fica claro nas
16
Fonte:ENDURB in Revista Eletrônica Levs.
59
grandes variações populacionais de uma região para outra observadas no mapa. Isso
porque na geografia do município estão localizadas duas bacias hidrográficas, as do Rio
do Peixe e do Rio Aguapeí, além da existência de diversas nascente que impossibilitam
a ocupação dessas áreas. Somado a isso, a topografia de região possui a presença de
várias escarpas nos acúleos que dividem os cursos das águas, desse modo, o município
de Marília apresenta-se fragmentado naturalmente pelos recortes que os vales fazem na
geografia local. Assim, a mobilidade e a integração física da cidade sofrem a
interferência de elementos naturais.
Assim sendo, e aliado ao fator especulativo do início do processo de ocupação
do município com a divisão das terras e a venda dos lotes iniciais, Marília foi tendo seu
espaço urbano configurado pela segregação espacial, que se dava pelos elementos
naturais de sua composição geográfica e, também, pela exploração econômica de seu
território. Por esse motivo seu mapa foi se constituindo por regiões descontinuas e
desiguais.
Fazendo uma análise das transformações ocorridas no espaço urbano de Marília,
é possível observar a presença do fator imobiliário nos movimentos migratórios e
transformadores do espaço, este aliado à medidas políticas que caminham no mesmo
sentido. Sobre esse assunto, Delicato (2004) discute esse processo de segregação
estimulado pela especulação imobiliária. Segundo ele, o distanciamento observado na
ocupação do espaço determinadas a principio pelas características de relevo da área vai
se intensificando com a atuação cada vez mais intensa do mercado imobiliário na
cidade. Ele destaca como importantes movimentos migratórios ocorridos a mudança da
zona do meretrício para a região posterior ao cemitério, na década de 1960, o que
segundo ele, altera de maneira significativa a região onde se encontra a Igreja de Santo
Antônio na qual muitas das casas passam a ser usadas como cortiços, sendo a região
conhecida na época como Morro do Querosene. (DELICATO 2004)
Tendo essa região sido desvalorizada economicamente e, sendo ela localizada
próxima a região central da cidade, a prefeitura da cidade transfere esses moradores na
década de 1980, para o então recente núcleo habitacional Nova Marília, localizado em
uma região bastante distante da região central da cidade e localizado entre os limites das
zonas rural e urbana do município. Desse modo, as regiões sul e central da cidade
passam por um processo de valorização sendo amplamente exploradas pelo mercado
imobiliário e, além de espaço para a atuação do mercado imobiliário na cidade as
60
lideranças políticas da época conquistam uma simpática política da população que pode
vir a ser uma importante base eleitoral.
Outro deslocamento importante destacado por Delicato (2004) é o movimento de
famílias ricas que ocupavam a região do bairro Salgado Filho para a região próxima ao
Estádio Municipal. Região esta que se mostra como lugar importante para o mercado
imobiliário atuante na cidade, já que ali o processo de valorização da área se deu de
maneira muito intensa, apresentando-se hoje como uma das regiões mais nobres da
cidade de Marília. Com essa transferência das famílias para essa região, a região do
bairro Salgado Filho passa a ser ocupada por consultórios médicos.
Em outra região da cidade, os entorno do distrito industrial – Zona Norte da
cidade – também foram implantados, na década de 1980 conjuntos habitacionais, dos
quais se destaca o bairro Santa Antonieta, que na época apresentava grandes problemas
com relação à infra-estrutura. É nessa região, que possui baixo valor imobiliário, que as
antigas populações do bairro Maria Izabel passam a ocupar, estimulados pela
valorização do seu antigo bairro com a implantação do loteamento Prolongamento
Maria Izabel, que alterou de maneira significativa a paisagem da área com a construção
de residências de alto padrão. Diante disso, os antigos moradores das simples casas de
madeira que se encontravam na região foram sendo estimulados a vender suas casa e à
se transferirem para regiões menos valorizadas. Assim, as antigas casas do bairro foram
sendo demolidas e seus terrenos incorporados às novas mansões que ali se erguiam.
(DELICATO 2004)
Marília é um município, que assim como muitos do Brasil, possui grandes
diferenças sociais que são refletidas no espaço urbano através das condições de
habitação da população. Paisagens características das pequenas cidades do interior com
crianças brincando nas ruas, pessoas sentadas nas calçadas conversando sobre as
notícias diárias são contrastadas com bairros industriais, forte trânsito de circulação de
ônibus e automóveis. Isso porque o município passou por profundas mudanças,
sobretudo na década de 1970 com a consolidação de suas indústrias, que implicou em
um forte processo de exclusão social, verificado pelo inicio do processo de favelização
do espaço urbano do município no período. Segundo Berto (2007), existiam, até o ano
de 2007, cerca de doze conjuntos habitacionais classificados como favelas e mais
quinze conjuntos habitacionais o que compreende cerda de 5% da população de Marília
61
vivendo nesses espaços. Isso implica em conviver com graves problemas de infra-
estrutura urbana.
É o que se verifica nos bairros Jardim Coimbra, localizado próximo ao centro e
região de expansão com conjuntos habitacionais, e no bairro Vila Barros, situado à
noroeste da região central, no qual se encontra a maior e mais antiga favela da cidade de
Marília localizada ao lado de um Itambé que tem em seu lado oposto uma paisagem de
extremo contraste, um condomínio fechado de alto padrão. Nos bairros Jardim Santa
Antonieta e Parque das Nações as condições de precariedade também se encontram
presentes, sendo regiões de exclusão e de pouca presença da atuação do poder público
na realização de obras de infra-estrutura. Outra região que enfrenta problemas sócio-
espaciais é a região de Nova Marília, onde se localiza o conjunto habitacional Nova
Marília, e a Vila Real que se configura como uma região de residências de
autoconstrução. Compartilhando da mesma realidade ainda estão os bairros Monte
Castelo, Jardim Toffoli, Jardim Nacional, todos formados na década de 1980, e o bairro
Jardim Santa Paula, formado recentemente na década de 1990, todos eles localizados na
zona sul de Marília. (BERTO, 2007)
Assim, o mesmo processo de exclusão observado na formação desses bairros é,
também, elemento do processo de valorização de algumas regiões da cidade sendo ao
mesmo tempo um movimento de exclusão, na medida em que retira das áreas de
interesse do mercado imobiliário as populações de baixa renda e as transfere para as
zonas periféricas da cidade, e um momento de inclusão, pois o remanejo dessas
populações fazem parte da lógica de mercado que se realiza. Sendo, portanto, um
elemento necessário ao processo de valorização das terras.
É interessante observar que assim como ocorreu no início de seu processo de
ocupação, a urbanização da cidade e suas conseqüentes transformações foram se dando
pela ocasião, sendo ela fortemente determinada por elementos econômicos aliados ao
político. O que torna diferente apenas as paisagens que vão sendo transformadas com o
passar dos anos, mas que em nada altera os tipos de relações responsáveis por tais
mudanças, elas apenas se mostram mais sofisticadas.
62
2.3 Marília: Algumas camadas.
A discussão realizada no Capítulo I deste trabalho acerca da questão cidade e das
apreensões desta colabora no sentindo de buscar compreender a cidade de Marília as
redes sociais que aqui se constituíram e transformaram seu espaço. Porém, existem
nessa tentativa algumas dificuldades, dentre elas a de analisar realidades distintas
utilizando o mesmo conceito. É o que foi chamado à atenção por Fontoura, em sua
exposição realizada no encontro da SBS de 2009 no Rio de Janeiro, para ele, conceitos
fechados de cidade, como o modelo ideal grego ateniense e, no caso das cidades globais
contemporâneas, representadas pelo modelo ideal das cidades americanas de Chicago e
Los Angeles, trazem dificuldades metodológicas na tentativa de compreender realidades
que se mostrem distintas a essas, ocorrendo, portanto, uma distância entre conceito e
objeto. Como proceder com relação à distância do conceito ao objeto?
Ele aponta como proposta a análise de Lefebvre, que propõem uma análise da
realidade pensada à partir de camadas. Desse modo a cidade passa a ser compreendida
além da primeira paisagem que se tem e, o que se busca é identificar o modo de pensar
urbano, ou seja, a presença da cultura do urbano no espaço que se tem por objeto. Em
um momento em que os espaços urbanos se mostram em constante transformação,
compreendendo dentro de si, como define Fontoura, a cidade laboriosa – que contém a
comunidade, a família e a laboriosidade – e seu oposto, a cidade degradante na qual nos
deparamos com a violência, os problemas sociais e o caótico, a tentativa de
enquadramento dessas realidades à um modelo fechado se mostra problemática.
É o caso de compreender Marília apenas sob o aspecto teórico ideal. Sua
formação e constituição não se encaixam nem na cidade ideal ateniense, nem nos
modelos das cidades globais ideais, contudo isso não exclui a existência dos elementos
desses dois modelos em suas características, como foi demonstrado através da sua
história. Dessa maneira, faz-se necessário uma percepção dessa cidade além daquela
proporcionada pela utilização de tais conceitos e sim através da percepção do sensível,
proposto por Furtado, dado pela vivencia nesse espaço e por todas as experiências que
isso trás ao indivíduo.
Desse modo, além da análise feita através da verificação de seus processos
históricos que a constituíram enquanto tal, o viver na cidade proporciona experiências
que se relacionam com a forma com as quais os indivíduos compreendem e sentem esse
63
ambiente, e na forma como eles se relacionam com ele. Tendo em vista isso, é
importante ter em mente que a mesma cidade não é vivida da mesma maneira por todos
seus habitantes, não se mostra da mesma forma a cada um deles, pois suas experiências
com o ambiente são determinadas por fatores que interferem na forma como o habitante
apreende sua cidade. Uma pessoa que vive em um bairro consolidado no qual existam
todas as infra-estruturas necessárias para uma habitação saudável e confortável tem uma
visão diferente daquele habitante que reside em um bairro ocupado irregularmente, no
qual não foram instalados os dispositivos básicos necessários para a ocupação daquele
espaço, da mesma forma, esses dois indivíduos ao transitarem pela cidade farão isso de
modos distintos, circulam por espaços dos quais um ou outro podem não ter
conhecimento, sendo, portanto, experiências diversas no mesmo espaço que se mostra
diferente e excludente por sua fragmentação.
As experiências vividas por um habitante da cidade de Marília, que possua um
padrão médio de vida, e que se desloque por ela tendo como meio de transporte um
automóvel particular e resida em um de seus bairros mais valorizados, são experiências
de um indivíduo que tem a possibilidade de consumir o melhor que a cidade oferece.
Isso porque a cidade de Marília, com relação ao seu trânsito, por exemplo, é uma cidade
voltada para atender a circulação de automóveis, como se constata pela presença de
grandes avenidas principais que cortam a cidade e ligam suas regiões, as quais se
apresentam em bons estados de conservação no que se refere à pavimentação e
sinalização e, também, pelas das inúmeras rotatórias presentes nas ligações de suas vias
que favorecem o deslocamento dos automóveis de forma eficiente. Desse modo, o
deslocamento de alguém que possua como veículo o automóvel tem a possibilidade de
realizar isto isso de modo muito eficiente e rápido.
Da mesma forma, a habitação em bairros consolidados não oferece grandes
transtornos, possuem água encanada e rede de esgoto, a coleta de lixo é regular, as ruas
são limpas. Em alguns deles existem espaços públicos para a prática de esportes, como
na Avenida das Esmeraldas, região nobre de Marília, onde existe uma pista para
caminhada e uma praça pública com aparelhos para prática de exercícios físicos
instalados pela prefeitura municipal em conjunto com um convênio médico privado.
Assim, como na região do aeroporto onde existem as mesmas instalações. Para as
pessoas que habitam esses dois espaços da cidade, ou outros que assim como estes estão
entre os mais caros de Marília a vida pode ser muito mais confortável do que para as
64
pessoas que foram excluídas desses espaços por não possuírem poder econômico para
desfrutar deles.
Viver em um bairro periférico da cidade ou em algum de seus núcleos
habitacionais chamados de favela se distancia muito dessa realidade apresentada.
Diferentemente do que ocorre nas regiões mais nobres da cidade as ruas e as calçadas
das regiões periféricas se apresentam em péssimo estado de conservação, quando elas
existem, já que algumas regiões da cidade estão em estado de ocupação irregular e,
nesse caso, as ruas inexistem assim como as calçadas. Além desses problemas nas
paisagens das ruas da periferia é freqüente, também, o acúmulo de lixo que se dá ou
pela inexistência de coleta de lixo em algumas regiões ou pela não realização da
limpeza pública. As diferenças também se apresentam com relação à disponibilidade de
redes de água e esgoto que em alguns casos, como, por exemplo, na ocupação de uma
área do bairro Parque das Vivendas e Jardim Universitário, na zona oeste da cidade, em
que habitantes não possuem em suas casas redes de esgoto por estas estarem localizadas
em uma área de ocupação irregular e, portanto, não reconhecida pela prefeitura.
As diferenças socioeconômicas dos habitantes da cidade são determinantes nas
formas de como esses sujeitos a vivem e a consomem. Isso não se relaciona apenas com
o espaço que habitam, ou seja, suas casas e seus bairros, mas trazem distinções também
em todas as outras formas de se relacionar com o espaço que vai desde a maneira como
transitam pelos espaços da cidade até os estabelecimentos e produtos que consomem
nela, o que significa que vários setores que compõem a cidade – os transportes, a
economia, os serviços públicos e privados oferecidos, as relações sociais – são
experimentados de forma distinta por seus habitantes, o que confere a eles percepções
subjetivas do espaço que compartilham e que ou mesmo tempo não partilham.
Um morador de baixa renda se desloca, de forma geral, ou caminhando pela
cidade ou fazendo uso do transporte público, nesses dois casos as impressões que seu
trajeto vai lhe causar são outras das causadas por aqueles que utilizam meios de
transporte particular. Ao caminhar pela cidade o pedestre encontra em seu caminho
muitos obstáculos que vão se modificando de acordo com a região da cidade a qual se
encontra. Ao transitar pela região central da cidade o maior obstáculo dos pedestres é,
sem dúvida o trânsito já que muitos dos cruzamentos desta região possuem a sinalização
feita por semáforos, o que auxilia de forma eficiente o fluxo de veículos, porém, nem
sempre a dos pedestres, uma que vez que alguns dos semáforos possuem em sua
65
programação intervalos de tempo que, em alguns casos, excluem o tempo do pedestre
atravessar essas vias, sendo eles intervalos que compreendem apenas as opções para os
veículos que se encontram vias diferentes terem a passagem determinada, ou possuem
os intervalos referentes à passagem de pedestres esse tempo é bastante reduzido. Além
disso, alguns cruzamentos não possuem a sinalização para o pedestre o que acabam
tornando alguns deles perigosos para os eles. Perigoso também são as tentativas de
travessias em ruas que possuem as tão comuns rotatórias de Marília, pois se trata de
formas de organização do trânsito que não se voltam para a comodidade e segurança do
pedestre e sim para a agilidade do trânsito.
Em regiões periféricas da cidade os problemas se mostram outros, como a
existência de calçadas em péssimos estados de conservação ou a ausência destas, o que
obriga o pedestre a se deslocar pelas ruas, ficando exposto ao risco de atropelamento.
Ademais, as próprias ruas mostram-se em estados de conservação ruins o que interfere
na qualidade da mobilidade tanto dos pedestres, quanto dos cadeirantes, de mães com
carrinhos de bebês, quanto no deslocamento dos próprios veículos. Assim sendo, as
impressões que os indivíduos que, por opção ou pela falta dela, utilizam essas formas de
deslocamento têm da cidade se relacionam com as dificuldades que enfrentam, sendo a
mobilidade dessa forma algo custoso e difícil.
Semelhante são as impressões de quem utiliza o transporte público uma vez que
chegar ao seu destino demanda tempo, paciência e certo preparo físico já que os ônibus
estão em geral cheios, tendo grande parte de seus passageiros viajando em pé do que
acomodados nos assentos disponíveis no veículo. Em média o tempo para se deslocar
utilizando o transporte público de um ponto da cidade à outro que exija passar pela
região central leva cerca de quarenta minutos à uma hora, dependendo se os horários de
saída e chegada dos veículos convergem no terminar central urbano, local onde é
necessário trocar de veículo para prosseguir viagem. Desse modo, contando com o
tempo de necessário para ir até o ponto de ônibus e o tempo que se leva do ponto final
até o destino essa viagem pode durar mais de uma hora, o que se mostra uma quantidade
de tempo relativamente grande para uma cidade de porte médio como Marília.
A percepção espacial mostra-se distinta entre indivíduos que pertencem a grupos
socioeconômicos também distintos, como se observou Carvalho em análise realizada
66
em Marília entre os anos de 2003 e 2004.17 Segundo ele, os moradores de bairros mais
valorizados economicamente mostraram-se com percepções distanciadas dos elementos
constitutivos do bairro, não se mostrando familiarizados com a vizinhança nem com os
equipamentos urbanos disponíveis no espaço que habita como a presença de postos de
saúde, escola, praças, etc.
Isso, segundo ele não se verificou nos bairro mais populares da cidade. Nesses
locais os moradores se mostraram mais perceptivos as infra-estruturas presentes no
bairro, sabendo onde se localizavam e como funcionavam alguns dos elementos urbanos
da região, como o comércio, a igreja, o posto de saúde, a creche entre outros. Carvalho
explica essa diferença através da dificuldade de acesso desses moradores às outras
localidades da cidade pela ausência de um meio de transporte e pela dificuldade de
mobilidade que se apresenta em Marília, o que torna sua relação com seu ambiente
necessariamente mais próxima.
Na percepção sensível e subjetiva da cidade proposta por Furtado, pode-se dizer
que no caso de Marília alguns habitantes privilegiados pelas regiões que habitam e pelas
áreas que transitam, apreendem Marília como uma linda cidade rodeada de verde e
privilegiada pelas lindas vistas proporcionadas por seus Itambés. Lugar agradável que
ao entardecer possui um lindo espetáculo no céu com seu misto de cores, que se torna
mais agradável ainda com o cheirinho doce de biscoito que se sente no ar. Ou pode se
mostrar com outras qualidades para os indivíduos que não compartilham da mesma
realidade, Marília pode ser tida também como uma cidade que por seus vales torna tudo
mais longe e difícil de chegar, com trechos de relevos íngremes e acidentados, com uma
natureza que invade as casas pela grande quantidade de mato e insetos que deles vem, e
uma cidade que ao entardecer tem tudo mais difícil: o fim da circulação do transporte
público, a falta de iluminação, o medo e no ar não o doce cheiro de biscoito
característico da “Capital Nacional do Alimento”, mas o cheio de lixo e esgoto que se
espalham pelas ruas das periferias habitadas por essas pessoas.
17
Pesquisa vinculada ao Grupo de Pesquisa e Gestão Urbana de Trabalho Organizado (GUTO/UNESP), a
partir da qual tinha como busca refletir sobre as possibilidades de contribuição da percepção espacial –
em especial, do crime e medo.
67
Capítulo III – Cidade: Insegurança e Fortificação.
3.1 Os enclaves fortificados
Tomo aqui como definição de enclaves fortificados a definição dada por
Caldeira (2000), a qual considera enquanto espaços privados e de acesso restrito como
os shoppings, os clubes, os condomínios empresariais e, o caso que interessa a esse
estudo, os condomínios fechados. Segundo Caldeira, esses espaços possuem sua rotina
voltada para a questão da segurança e da eliminação de possíveis riscos, por esse motivo
possuem como característica a presença massiva de dispositivos de segurança como
cancelas, guaritas, muros altos, cercas elétricas, alarmes, câmeras de vigilância,
seguranças armados, etc. Como conseqüência, tais técnicas de segurança privada criam
primeiramente uma barreira física que implicam em restrições à mobilidade daqueles
que não pertencem a esses espaços, criando, portanto, uma mobilidade restrita dentro do
espaço urbano.
Diante disso, para qualquer tentativa de contato com esses espaços fortificados a
primeira relação estabelecida é a de desconfiança, para Caldeira a insegurança e o
sentimento de desconfiança com relação ao outro, presentes nas cidades
contemporâneas, gera um código de classificação dos indivíduos, baseado, sobretudo na
homogeneidade social pretendida por esses espaços, desse modo, os não suspeitos são
aqueles indivíduos que se mostram bem trajados, que possuem automóveis e, também,
uma boa aparência que esteja vinculada a um padrão classe média e alta brasileira. Por
esse motivo, ficam previamente excluídos do grupo dos não-suspeitos, indivíduos que
circulem a pé, que não possuam roupas distintas e que pertençam as classes populares
da sociedade. Segundo ela, “os enclaves são literais na sua criação de separação. São
claramente demarcados por todos os tipos de barreiras físicas e artifícios de
distanciamento e sua presença no espaço da cidade é uma evidente afirmação de
diferenciação social”, são ambientes que “transformam a natureza do espaço público e a
qualidade das interações públicas na cidade, que estão se tornando cada vez mais
marcadas pela suspeita e restrição”. (CALDEIRA, 2000:259)
Sarlo (2000) analisa essas as transformações e o rearranjo que a presença dos
enclaves fortificados promove nas relações entre os indivíduos e nas formas como estes
passaram a se apropriar dos espaços da cidade tomando esta como uma cidade
68
transformada que agora se mostra policêntrica, ou seja, uma cidade que transfere
atividades que antes só podiam ser realizadas em sua região central para regiões
periféricas, promovendo outros pólos de comércio, lazer, etc. Nesse movimento alguns
tipos de construções característicos de nossa era têm papel fundamental, é o caso dos
shoppings centers, por exemplo.
Para ela, os shoppings são construções padronizadas, lugares organizados e é
isso que permite, segundo ela, uma sensação maior de liberdade para aqueles que os
freqüentam, tanto em relação aos seus espaços internos quanto para com o externo. É
por esse motivo que esses espaços se apresentam como “não-lugares”, pois esses
empreendimentos não se relacionam diretamente com o lugar e a cultura ao qual se
encontra fisicamente estabelecido. São construções que poderiam estar em qualquer
lugar do mundo, pois o externo a ele não importa. É nesse sentido que ela chama esses
espaços de cápsula e templo do consumo. O mesmo tipo de relação com a localidade
pode ser vista em outro espaço: os residenciais fechados de alto padrão, que são cada
vez mais comuns na paisagem urbana, e que estando em um deles o indivíduo poderia
estar em qualquer região do mundo, pois a atmosfera de perfeição e harmonia coloca
distante a sensação de risco que o externo possa vir representar. São locais que isolam
ao mesmo tempo aqueles que se encontram dentro dos seus limites e os que se
apresentam para lá de seus muros.
Para Caldeira (2000) a expansão de tais empreendimentos imobiliários está
ligada ao sentimento de insegurança vivido hoje nas cidades contemporâneas, mas
também à emergência de um novo estilo de vida o qual se relaciona com o prestígio que
esses espaços ocupados pelas elites representam. Esse novo estilo de vida não se
restringe apenas às construções e projetos arquitetônicos, mas apresenta-se também
vinculado as relações e interações sociais dos indivíduos que consomem tais espaços,
pois o tipo de relacionamento vivido hoje pelos indivíduos é o da desconfiança. Os
enclaves fortificados atuam, portanto, como meios de reafirmar esse status, o qual se
baseia e reforça a desigualdade.
Caldeira observa uma mudança de paradigma na questão da residência enquanto
símbolo de status, segundo ela, o espaço urbano se organizava primeiramente em um
padrão de segregação que se baseava na distinção das residências, já que os
aglomerados urbanos ainda se mostravam pequenos em seu início não havendo,
portanto, distinções socioeconômicas entre as regiões da cidade. Em outro momento,
69
porém, com a expansão do espaço urbano um novo padrão de segregação sócio-espacial
emerge baseada na disposição centro-periferia. Nesse tipo de organização e apropriação
do espaço urbano as elites ocupavam as regiões centrais da cidade, nas quais por serem
mais antigas, possuíam maior infra-estrutura urbana, enquanto que as classes populares
tinham como opção - ou falta de - habitar nas regiões periféricas, já que estas se
mostravam como áreas mais baratas por possuírem menor infra-estrutura e por ainda
não fazerem parte das áreas de interesse do mercado imobiliário.
Posteriormente, ela aponta para a transferência das elites para as regiões
periféricas da cidade, em busca de melhor qualidade de vida já que os centros tornam-se
espaços da multidão e, portanto, não mais desejados. Assim, o status e o prestígio de
habitar as regiões centrais da cidade não se sustentam mais e o residir nessas regiões
passa a ser algo problemático uma vez que essas regiões passam a se desvalorizar pelos
problemas que apresentam com o passar do tempo: regiões de grande movimento,
barulhentas, sujas e muito heterogêneas socialmente já que a presença do comércio e da
rede bancária atrai a população de toda a cidade.
A transferência das classes média e alta para as regiões periféricas da cidade se
mostra como uma boa alternativa tanto para elas, que se distanciam dos problemas da
cidade, quanto para o mercado imobiliário já que vê nesse negócio uma fonte de novos
lucros. A residência enquanto símbolo de status possui um novo modelo, o modelo
americano de casas em espaços fechados localizados distantes dos centros urbanos.
Caldeira (2000) identifica algumas diferenças entre os primeiros residenciais
fechados da cidade de São Paulo e os atuais, os primeiros surgidos por volta de 1928 e
que tiveram grande expansão nas décadas de 1970 quando aumentaram os
financiamentos desse tipo de imóvel, eram em grande parte verticais sendo voltados
para as ruas, não possuindo isolamento de muros nem de outras formas de segurança e
apresentavam como espaços coletivos apenas as garagens. Diferentemente das novas
formas de habitação escolhidas e desejadas pelas classes média e alta. As moradias
coletivas como os prédios na região central da cidade são espaços comparados com as
formas de moradia coletiva das camadas populares, os chamados cortiços e, por esse
motivo são espaços tidos como menos valorizados, sendo hoje valorizados espaços que
sejam mais amplos e que permitam contato com a natureza, características que as
regiões centrais não possuem mais condições de oferecer. Além disso, as mudanças com
relação ao modo se viver aliados a idéia de qualidade de vida se mostram hoje
70
vinculados a prática de esportes, à tranqüilidade e o convívio junto à natureza, por esse
motivo os residenciais que mais se destacam no mercado imobiliário são aqueles que
ofereçam tudo isso aos seus moradores, tendo como diferenciais seus espaços de uso
coletivo: piscinas, parques, praças, etc.
O que se mostra interessante, também, é o que Caldeira destaca em sua
comparação dos residenciais fechados do Brasil daqueles de que foram inspirados, os
modelos americanos, ela pontua que os americanos possuem casas padronizadas, o que
não faz muito sucesso no Brasil, pois se liga à idéia de casas populares e, nesse sentido
não realizam a residência enquanto símbolo de status da elite e também não conferem
“personalidade” ao imóvel, algo que lhe confere grande valor. Além disso, destaca ela
que, as áreas de uso coletivo nos condomínios fechados brasileiros são muito pouco
utilizadas, pois a idéia de comunidade não se mostra muito valorizada e presente nesses
espaços, não sendo nem mesmo uma idéia trabalhada nos anúncios publicitários desse
tipo de empreendimento imobiliário que possui como referência ao convívio apenas a
convivência familiar, assim, a presença dessas áreas de convívio e lazer podem se
justificar, segundo Caldeira, mais como elementos reforçadores da condição do
indivíduo que reside ali, ou seja, como mais elementos para legitimar seu status do que
instrumentos para a interação e o convívio entre os moradores.
Nesses anúncios, o que se encontra é a oferta de uma “ilha” que oferece
tranqüilidade e segurança, além da possibilidade de conviver entre iguais, o que atua
como forma de repelir todo e qualquer risco e problema que a heterogeneidade possa
trazer. Sendo, portanto, trabalhada a idéia de um espaço de refúgio dos problemas da
cidade. Está não é mais desejada. Caldeira (2000), identifica o trabalho nos anúncios
publicitários da década de 1970 em São Paulo em construir uma demanda por
segurança, já que segundo ela, esse período é um período em que se registram baixos
índices de violência na cidade o que mostra que mais do que a falta de segurança em si
está o sentimento de insegurança dos indivíduos que são determinantes na escolha da
residência. Nos anúncios publicitários de hoje observa-se o elemento segurança
presente, porém, de modo menos explicito que antes, o que é bastante trabalhado é a
questão do conforto e bem estar que a família que ali venha residir poderá ter através do
contato com a natureza. Dessa forma, agrega-se como oferta além da segurança a
questão da saúde, do lazer e da ecologia.
71
A presença dos condomínios fechados no espaço urbano é, segundo Caldeira,
uma forma de expressão da idéia de que a exclusão é hoje uma forma para conquistar a
felicidade, harmonia e principalmente a liberdade, pois é excluindo e rejeitando a cidade
que os indivíduos que habitam esses espaços possuem a sensação de segurança e
liberdade, mesmo sendo está confinada à uma área determinada pelos muros de seu
condomínio. Para ela, a exclusão como solução para o sentimento de insegurança
compartilhado hoje pelos indivíduos está além da presença de barreiras físicas como
forma de separação de pessoas e grupo de pessoas, apresenta-se também em questões de
mercado uma vez que o mercado imobiliário não existe para as classes trabalhadoras,
ele é um mercado que atende apenas as classes média e alta, relacionando-se com as
classes trabalhadoras apenas no que diz respeito ao seu remanejamento quando aquele
se mostra interessado pelas áreas próximas à ocupação desses grupos. O mercado
imobiliário não produz ofertas de imóveis para os pobres, oferece apenas a exclusão e a
segregação espacial. Segundo ela:
“Relacionar a segurança exclusivamente ao crime é ignorar
todos os outros significados. Os novos sistemas de segurança não só
oferecem proteção contra o crime, mas também criam espaços
segregados nos quais a exclusão é cuidadosa e rigorosamente
praticada. Eles asseguram “o direito de não ser incomodado”,
provavelmente uma alusão à vida na cidade e aos encontros nas ruas
com pessoas de outros grupos sociais, mendigos e sem-teto.”
(CALDEIRA 2000:267)
Para garantir o direito de não ser incomodado tais espaços devem ser locais
“auto-contidos”, o que significa possuir tudo o que venham necessitar sues moradores
disponíveis dentro de seus espaços ou aos seus arredores para que não seja necessário se
deslocar até a caoticidade da cidade que decidiram abandonar. Um exemplo disso e que
ilustra muito bem esse novo tipo de enclave fortificado é um lançamento de um
empreendimento que reúne prédios comerciais, residenciais e um dos shoppings mais
luxuosos da cidade de São Paulo, trata-se , como se refere a própria matéria da revista
Folha, de uma “minicidade” que traz um novo conceito de moradia que combina o
divertir, o morar, o trabalhar e o comprar, como explica o vice-presidente da construtora
responsável pelo empreendimento. A revista traz como matéria de capa o título: “eles
vão morar no shopping” e se refere à nova oferta do mercado imobiliário paulistano
72
como “um pequeno universo de sonhos, com promessas de segurança, espaços
arborizados, sem engarrafamento e com todos os serviços à mão. Um luxo para poucos
paulistanos.”18
Como fica claro na apresentação do novo empreendimento imobiliário o
“universo de sonhos” que ele oferece só se realiza porque ele é exclusivo a um grupo
seleto de indivíduos homogêneos socioeconomicamente, sendo esse um dos fatores
tidos como responsáveis pela tranqüilidade dos 275 “felizardos” que se dispuseram a
pagar entre 2milhões e 17,3 milhões de reais para desfrutar desse pequeno paraíso em
meio a caótica São Paulo. Ao mesmo tempo todos os demais habitantes da cidade que
não dispõe de meios para essa aquisição são excluídos do privilégio de uma vida
tranqüila e confortável.
Mais do que uma relação mercadológica a presença dos enclaves fortificados no
espaço urbano mostra uma tendência ao empobrecimento da cidade e da questão urbana,
pois o isolamento vendido por tais espaços desestimula a interação social e a prática da
cidadania, colocando as diferenças como problemas indesejáveis e, portanto, de
necessária eliminação que se não se mostra possível realizar totalmente que seja
diminuído o incomodo provocado por eles através do não contato e do não visível.
Assim, a cidade passa a ser um lugar de segregação sócio-espacial mais agressivo, pois
se torna um espaço polarizado.
Como analisou Bauman (2001) esses espaços produzem a emergência de um
novo tipo de gueto, o gueto voluntário, ao mesmo tempo em que reforça a existência de
outro tipo, o gueto involuntário do qual tanto busca se afastar. Tal polarização reforça
desigualdades e produz estigmas, assim espaços que são ocupados pelos grupos tidos
como indesejados pelas elites são considerado como espaços da criminalidade. Davis
(2006) analisa a expansão das favelas como organização espacial e, para isso busca a
definição desse conceito, o qual encontra estritamente ligado a idéia de criminalidade, já
que sua origem (Slums 1812) referia-se a prática criminosa de estelionato e, só
posteriormente em 1830-1840 é que passa a se referir a uma localidade, porém, também
com referência a práticas criminosas. A tentativa de definição do termo favela e a
adoção de uma definição dada pela ONU em 2002 é um registro interessante que o autor
18
Revista Folha, 6 de julho de 2008. ano 17.
73
faz de como esses espaços são compreendidos pelos que vêem de fora e sentido pelo
que ali habitam já que é uma localidade carregada de estigmas e preconceitos.
Diferentemente da realidade dos condomínios fechados, que se mostram como
espaços isolados por vontade e desejo daqueles que ali residem, os guetos involuntários,
que na paisagem urbana brasileira tem as favelas como formam já naturalizadas,
apresentam-se como a prisão do indivíduo a sua localidade, já que ocupar esse espaço
raramente é uma escolha e sim reflexo da ausência de outras possibilidades. Desse
modo, a principal diferença entre esses dois tipos de isolamento, como destaca Bauman
(2001) é a possibilidade de reverter essa situação a qualquer momento, enquanto isso é
algo possível para as elites e seus guetos voluntários essa é uma possibilidade muito
distante para as camadas populares que residem em seus guetos involuntários.
Caldeira (2000) aponta um aspecto muito interessante encontrado nos novos
guetos, os enclaves fortificados das classes média e alta, as relações de trabalho
estabelecidas nesses espaços possuem como prestadores de serviço pessoas pertencentes
as classes trabalhadoras que, trabalham ou com vínculos empregatícios diretos com o
empregador ou de forma terceirizada. Analisando esse tipo de relação, Caldeira aponta
que a rotina diária de um trabalhador nesses espaços fortificados é marcada pela
constante fiscalização de seus pertences, revistas diárias e necessidade de identificação
constante, o que torna essa relação, para ela, mais que uma relação de trabalho uma
dominação de classes.
Ao mesmo tempo assinala como contradição importante na relação que a classe
média e alta estabelece com a classe trabalhadora na questão da prestação de serviço
destes, ao mesmo tempo em que as classes média e alta se fecham em seus condomínios
fechados e se cercam de inúmeros dispositivos de segurança que afastem o tão
indesejado risco que consideram ser as camadas populares, elas escolhem residir em
enclaves que possuam grande variedade de oferta de serviços, porém, estes são
executados por indivíduos pertencentes aos grupos de que tanto buscam distância.
Dessa forma, tornam-se cada vez mais dependentes daqueles trabalhadores mal
remunerados que desejam não ter contato, pois se tratam das babás que cuidam das suas
crianças, da cozinheira que prepara as refeições, dos porteiros que controlam a entrada e
saída de pessoas, dos seguranças que garantem a proteção das famílias, etc.
São esses indivíduos também que se encontram nas empresas de segurança
privada, que em conjunto com os enclaves fortificados se mostram como soluções
74
disponíveis no mercado de segurança para o problema da violência urbana. Segundo
Cubas (2002), neste mercado encontram-se vários tipos de profissionais, desde
seguranças treinados em empresas legalizadas quanto policiais fazendo os chamados
“bicos” quando não estão em serviço, utilizando as armas da própria polícia de maneira
irregular.
A questão da segurança privada é, segundo Cubas (2002), um assunto pouco
explorado no qual existem alguns estudos a respeito, porém, estes não possuem
informações e dados muito precisos o que acaba dificultando uma discussão mais
aprofundada. Ela cita Shearing and Stenning (1980), os quais tratam essa questão
partindo da discussão entre o público e o privado que, segundo análise se mostram
ambíguos nas formas de relação que a sociedade contemporânea apresenta. São citados
com exemplos dessas ambigüidades os espaços privados de uso público como os
shoppings que pela forma como são utilizados dificulta a delimitação entre o que é
público e privado.
Segundo Cubas (2002) as análises feitas acerca dessa questão trabalham com
duas idéias: a idéia de complementaridade sendo, nesse sentido, a segurança privada
apresentada como uma alternativa que auxilia o trabalho do policiamento público de
forma a colaborar com este uma vez que o Estado com seus recursos escassos não
possuem condições de executar essa tarefa de maneira plena e, também, a idéia de
justiça privada, sendo aqui compreendida enquanto uma questão econômica e de
mercado.
Compreendida a segurança privada enquanto mercado identifica-se
transformações no setor decorrente das inovações tecnológicas de vigilância e controle à
distância, o que não torna mais necessário a presença de agentes de vigilância em vários
lugares mudando, portanto, a dinâmica do controle e segurança.
Citando FOCAL 1999 19, Cubas aponta que:
“No contexto de um rápido crescimento da violência e do
crime, a privatização da segurança é uma tendência na qual as
empresas e outras entidades, e até indivíduos, optam por garantir sua
segurança através de organizações privadas. Isto é feito na ausência,
19
FOCAL – Fundação Canadense para as Américas.
75
relativa ausência, ou impotência do Estado e do aparato de segurança
do Estado. (CUBAS 2002:56)
Os problemas apontados para o caso da América Latina se mostram de certa
forma, muito semelhantes entre seus países. Cubas (2002) traz as analises realizadas em
alguns países da América Latina acerca da privatização da segurança o que mostra que
muitos dos problemas enfrentados por alguns países latinos como a Argentina,
Honduras e o México não são apenas problemas locais, mas se inserem em um contexto
mais amplo o qual está relacionado com o processo de democratização recente desses
países, inclusive do Brasil.
Desse modo a investigação da relação da pobreza e do desemprego, relacionado
com os aumentos das taxas de crime, são comuns nas análises desses países, o que
segundo elas seria determinante na crescente busca por meios privados de segurança.
Porém, é problemático usar apenas esses fatores como responsáveis por um processo tão
complexo quanto a privatização da segurança já que a pobreza enquanto determinante
oculta as formas de atuação dos Estados da América Latina na questão da segurança
pública. A redemocratização recente destes Estados tem relação direta com esse
processo uma vez que suas instituições de justiça e segurança necessitam de reformas,
pois se mostram ineficiente frente a esses problemas.
Na América Latina a crescente privatização da segurança está ligada, também, a
ineficiência do Estado em cumprir suas obrigações referentes à segurança pública,
individual e coletiva de seus cidadãos. A privatização da segurança traz ameaças à
democracia, pois polariza o direito à cidadania entre aqueles que podem pagar e aqueles
que não podem e que são, em virtude disso, marginalizados. Além disso, a privatização
da segurança tende a criar uma justiça privada a qual cria suas próprias regras de
julgamento e pena.
Caldeira (2000) em sua análise do caso brasileiro, especificamente da atuação do
mercado de segurança privada na cidade de São Paulo mostra que é no período de
redemocratização que este tem uma expressiva expansão, mostrando uma contradição
na medida em que é em um momento em que os cidadãos possuem maior garantia de
seus direitos que estes passam a ser executados por instituições e por ações privadas.
Tal processo de transferência de responsabilidades do poder público para o privado é
apontado por ela como reflexo da característica da democracia vivida no país que, para
76
ela é apenas o direito do cidadão em escolher entre aqueles candidatos disponíveis os
futuros governantes, não mudando muito a dinâmica da atuação do poder público.
Nesse sentido há um descolamento entre a idéia de democracia e a idéia de
justiça social já que pela sobrecarga de questões a serem resolvidas pelo Estado e a
ineficiência deste frente a essas tarefas, elas passam a ser executadas pelo mercado o
qual não garante direito ao acesso à suas mercadorias a ninguém, este é garantido pelo
poder de compra. Estabelecida esta relação a democracia se mostra em crise.
No Brasil a atuação de empresas de segurança se inicia na década de 1960, elas
atuavam principalmente na segurança de instituições financeiras que, naquele período,
eram freqüentemente vítimas de assaltos. Com o decorrer dos anos observa-se um
crescimento substancial desse tipo de serviço, sendo sua atuação estendida a empresas e
particulares. O crescimento da oferta acompanhou o crescimento da demanda por esse
tipo de serviço, pois, da década se 1960 até os dias de hoje observa-se um crescimento
do sentimento de insegurança por parte dos indivíduos.
Diante disso, verificou-se que de 1982 a 2000 foram concedido no Brasil 1400
alvarás de funcionamento à empresas de segurança particular, sendo a região sudeste a
que mais as concentram. Somente no estado de São Paulo existem cerca de 323
empresas de segurança regulamentadas e em funcionamento.20 Essa busca por
segurança também pode ser observada nos recentes dados recolhidos com a Polícia
Federal e Ministério da Justiça e divulgados recentemente pelo jornal Folha de São
Paulo, onde mostra que, no Brasil, para cada agente de segurança público existem três
agentes privados, sendo a média brasileira superior à dos Estados Unidos, com 2,5
agentes privados para cada público, e do México, com índice de dois para um.
Compondo um total de aproximadamente 1,7 milhão de vigilantes contra 602 mil
policiais civis, militares e federais e bombeiros.
O estado de São Paulo é o que apresenta maior número de agentes de segurança
privados cadastrados, sendo eles 464 mil homens, contra 121 mil agentes de segurança
pública, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública. A média, de 3,8 para 1, é
maior que a nacional21. Somado a isso é também na região sudeste que se concentra a
maior renda do país, São Paulo lidera a lista dos Estados que mais abrigam ricos, com
20
SESVESP dados atualizados até novembro de 2000.
21 Matéria de Lucas Ferraz publicada no jornal Folha de São Paulo em 16/02/2009.
77
674.455 famílias, ou 58% das existentes no país. Em segundo lugar está o Rio de
Janeiro (101.513 famílias). Em seguida, aparecem Minas Gerais (67.069) e o Rio
Grande do Sul (49.284), o que explica, em certa medida, a preocupação com a
segurança e a busca por esses tipos de serviços de segurança privada.22
Tais dados mostram que no Brasil um problema social – a segurança – está
sendo inserido em uma lógica de mercado e pensado à partir desse tipo de relação. Em
um país de desigualdades sociais muito latentes como é o caso brasileiro isto pode se
mostrar bastante problemático uma vez que a polarização entre aqueles que podem e os
que não podem ter acesso ao que agora é um serviço e não mais um direito pode
promover a adoção de medidas de segurança particular por aqueles que foram excluídos
desse mercado. Sendo assim, a possibilidade de ações integradas mostra-se cada vez
mais difícil de ser realizada e o reforço das desigualdades socioeconômicas uma
tendência cada vez mais forte.
3.2 A Canaã Mariliense
A tradição cristã tem como Canaã à referência à “terra prometida” ao povo
hebreu, tidos como o povo escolhido por Deus. Em meio aos tempos difíceis por qual
passavam a promessa da terra prometida teria sido o motivo pelo início de um longo
período de êxodo em busca da promessa de um lugar de fartura onde “corria leite e
mel”. Desse modo, a Canaã, “terra prometida”, mostrava-se como um refúgio ao
sofrimento e as dificuldades do passado e um lugar onde a vida poderia ser possível sem
consternação e com muita abastança.
A promessa que originalmente é de tradição religiosa e, portanto, uma promessa
divina é hoje em Marília-SP uma promessa ofertada pelo mercado imobiliário. O
residencial fechado Valle do Canaã é o exemplo mais claro disso, desde seu nome até os
demais atrativos oferecidos por esse novo empreendimento imobiliário. Também, atento
as novas tendências desse mercado em expansão o Valle do Canaã trabalha com a idéia
de integração à natureza e sustentabilidade, conforme divulga seus anúncios
publicitários. Neles é oferecida a possibilidade de convívio com a natureza local já que,
22
Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 02/04/2004.
78
segundo seu projeto, o empreendimento foi pensado a partir da necessidade de
preservação da fauna e flora local. Assim, como atrativos estão uma reserva florestal a
60% se sua área total, a qual circunda o condomínio, e o projeto de um pomar para
alimentar pássaros e animais silvestres da região, além de possuir um viveiro
monitorado para o cuidado dos animais. Em um de seus anúncios isso é apresentado da
seguinte forma:
“Natureza e harmonia.
Tudo foi projetado para privilegiar a harmonia entre sua
família e a natureza. Basta dizer que estão preservados espaços verdes,
correspondendo a mais de 60% da área total.
Considerando-se os dois milhões de metros quadrados
localizados ao redor do empreendimento, é possível imaginar o que
significa a excepcional reserva natural do Residencial Valle do Canaã.
E é nesse lugar que você vai viver.” (Material publicitário do
condomínio Valle do Canaã disponível no site do empreendimento.)
Os atrativos naturais do empreendimento são apresentados como um privilégio
do lugar e em oposição ao tipo de vida que é possível ter no espaço da cidade. Como
mostrou Caldeira (2000), trata-se de espaços privados que rejeitam aquilo que é público.
“O Valle do Canaã é uma proposta nos moldes do que já
acontece com as famílias americanas, que privilegiam estar longe do
centro da cidade, longe do ruído da agitação e do estresse, morando
em condomínios, bairros ou vilas, em meio à natureza, rodeados de
muito verde, desfrutando de tranqüilidade, podendo se deslocar
rapidamente até os centros urbanos.” (Material publicitário do
condomínio Valle do Canaã)
O isolamento é mostrado como tendência, como um novo estilo de vida que vem
em resposta aos problemas do espaço público, apresentados como o estresse, a agitação
e o barulho dos centros urbanos e, também, os problemas da esfera pública, como a
sustentabilidade, segurança e o bem estar que não são mais garantidos pelo Estado.
Assim, tais demandas são apresentadas como possíveis apenas quando realizadas pela
iniciativa privada, seja na existência dos espaços privados destinados à moradia, ao
trabalho ou ao lazer, seja na contratação de serviços que ofereçam aquilo que o poder
79
público não se mostra mais competente em realizar. Desse modo, o habitar um espaço
que possua segurança e bem estar, assim como ter disponível serviços que colaborem
nesse sentido, como seguros e planos privados tornam o bem estar um privilégio e não
um direito acessível à todos.
É esse motivo que torna o empreendimento imobiliário em questão uma “Canaã”
de fato, pois a harmonia, a segurança e o bem estar oferecidos nesse espaço são algo
acessível para poucos, alguns “escolhidos” que dispõem de poder econômico para tal, o
que possibilita a esses deixar os problemas vividos no espaço da cidade para o outro
lado dos limites de sua “terra prometida”, sendo eles um passado que se busca não ter
contato.
O bem estar e a segurança oferecida pelos empreendimentos imobiliários desse
tipo são, em grande medida, alcançadas pelo cálculo antecipado de todas as
necessidades e problemas que possam vir a ocorrer. Assim, a existência de
regulamentos internos e estatutos sociais da associação de moradores mostram-se
eficientes na administração de tais espaços. A ausência desta nos espaços públicos e os
problemas advindos disso não se encontram na forma de organização que é previamente
pensada e articulada para dentro dos enclaves fortificados. Desse modo, questões
importantes como a utilização dos espaços comuns e das infra-estruturas possuem
regras contidas nos regulamentos, os quais prevêem também punição para infrações, até
mesmo situações do cotidiano como passeios com animais estimação, porte e raça
destes encontram-se dentro de regras. A homogeneização socioeconômica dos
moradores e futuros moradores acaba sendo percebida mesmo que subjetivamente nos
regulamentos internos, pois são estabelecidos tamanhos mínimos para área construída
nos lotes adquiridos o que, somado ao já seletivo valor do lote, reforça ainda mais o
caráter de seleção e exclusão na compra por um espaço desses. Por esses motivos a tão
sonhada vida administrada encontra lugar atrás dos altos muros que cercam e isolam os
enclaves fortificados e toda a desorganização do lado de fora de seus muros é, também,
outro fator previamente pensado e analisado para que este permaneça do lado de fora e
não ameace a tranqüilidade dos moradores.
Para garantir que o indesejado permaneça longe do “pequeno paraíso” existe
todo um aparato de segurança disponível, o qual garante que “ninguém entre ou sai do
Condomínio sem a devida identificação”.23 Segundo Delicato (2004), que fez um estudo
23
Material publicitário do condomínio Valle do Canaã disponível na internet.
80
sobre esse novo condomínio fechado de Marília o sistema de segurança do local era
vendido como um grande diferencial dos demais encontrados na cidade, pois apenas
15% de sua área se apresenta isolada por muros sendo o restante garantido pela própria
topografia da região à qual o empreendimento se localiza, sendo as Escarpas de mais de
30m de altura presentes no local, utilizadas como barreiras naturais para o isolamento.
Como referência ao novo modo de garantir a segurança o corretor do
empreendimento a apresenta como “se fosse uma ilha (...) você está seguro sem estar
preso.” Já que o indesejado, como os habitantes da favela que se localiza do outro lado
da Escarpa que garante a segurança do condomínio, não tem a possibilidade
aproximação à esse espaço devido a barreira natural que se impõe, como explicou o
corretor. (DELICATO 2004).
Figura 1: Maquete do condomínio fechado Valle do Canaã.
Como se observa na maquete do condomínio Valle do Canaã as características
naturais do relevo são incorporadas à lógica do isolamento presente nesse tipo de
construção, sendo ela tida como um atrativo a mais na escolha do enclave fortificado ao
qual se pretende morar, pois traz consigo dois elementos muito importantes para esse
tipo de empreendimento hoje: o bem estar vinculado à idéia de proximidade com a
natureza e ao distanciamento daquilo que não é mais desejável para o convívio.
A preocupação com questões ecológicas tidas hoje como uma preocupação
mundial é trabalhada não apenas pelo condomínio fechado Valle do Canaã, mas
81
encontra-se também ou outros empreendimentos do município, sendo apreendido como
mais um fator que agrega prestígio e valor ao empreendimento. É o caso, do residencial
Green Valley que disputa com o Valle do Canaã o posto de condomínio mais “verde” da
cidade. Em um material publicitário desse condomínio é apresentado primeiramente
uma foto da cidade chinesa de Hong Kong de 2008, em uma vista que parece ser de um
prédio do qual o que se vê são outros prédios e uma paisagem completamente cinza. Em
meio a essa imagem há a pergunta: “O seu dia-a-dia anda cinza?”, ao abrir a página
têm-se imagens do residencial, todas com muito verde e belas paisagens, e o seguinte
convite: “Alegre sua vida junto a natureza” 24. Em outro anúncio do mesmo residencial
são colocados depoimentos de seus moradores explicando o porquê optaram por habitar
esse novo espaço. Entre eles:
“Optamos pelo espaço e pelo verde porque sempre gostamos de plantas.
As crianças ficam mais tranqüilas, pois tem espaço para brincar e nossa filha
mudou de comportamento quando nos mudamos para cá. Ficou mais calma
e nossa qualidade de vida melhorou muito, inclusive dos nossos cachorros,
pois aqui tem espaço para eles também. E com a sensação de acordar e olhar
um espaço amplo, você vê que o dia vai ser bom”.
“Estamos aqui desde o começo do condomínio. Primeiro fiz a parte de
lazer e depois decidimos morar. A área é grande, são 2500 m² que não é em
qualquer lugar que você encontra. Meus filhos não sabem o que é morar
numa casa na cidade, mesmo a casa que tínhamos na cidade no Esmeralda
era uma casa boa mas o espaço no fundo que sobrava era pequeno. Levo
apenas 10 minutos daqui no meu escritório para ir tranqüilo. Além disso, as
ruas do condomínio são seguras e as crianças podem andar de bicicleta sem
medo”.
“Saímos da loucura do dia-a-dia, do trabalho, do tumulto da cidade e
quando chegamos aqui parece que estamos em um hotel fazenda. Ficamos
tranqüilos porque nossos filhos caminham, fazem esporte aqui dentro com
24
Material publicitário do condomínio Green Valley veiculado na Revista D, ANO 3/Nº16 de Junho/2008.
82
segurança, andam de bicicleta, jogam bola no campo, vão à praça, jogam
vôlei, caminham na trilha e além de isso temos o contato com a natureza,
coisa que a gente não tem essa oportunidade no dia-a-dia da cidade”.
“Escolhemos morar aqui porque é o primeiro condomínio Ecológico e pela
questão da sustentabilidade porque somos preocupados com isso. A
segurança nos chamou a atenção: temos acesso daqui para o centro da
cidade tanto pela Av. República quanto pela pista, não é como condomínios
que só tem um acesso, você não fica isolado, a distância é curtíssima. Na
capital só tínhamos contato com a natureza quando passeávamos em
parques. Aqui estamos vendo a natureza a todo o momento, gostamos muito
de pássaros, em nosso projeto vamos plantar muitas árvores frutíferas, pois
queremos ouvir os pássaros ao acordar. Este lugar nos oferece liberdade,
podemos ter cachorros e viver com a natureza”.
Nos depoimentos dos moradores do residencial Green Valley apresentados em
seu material publicitário está presente a idéia de uma melhor qualidade de vida
relacionada com o ambiente ao qual habitam. O contato com a natureza e a
possibilidade de desfrutar de amplas áreas, tanto dos lotes quanto das áreas de esporte e
lazer que o local oferece é apontado como pontos que proporcionaram uma melhora na
qualidade de vida dos moradores. A sensação de liberdade proporcionada pelos sistemas
de segurança do local também são mencionados como fatores positivos para a sensação
de bem estar. Os depoimentos mostram também a cidade como um lugar “cinza” e
problemático como na imagem trabalhada no anúncio descrito, em contraposição com o
belo refúgio que o condomínio representa, sendo a cidade, portanto, um lugar de onde
se busca fugir depois de um longo dia de trabalho no qual se vivenciou a “loucura do
dia-a-dia” e o “tumulto da cidade”.
Os materiais publicitários desse tipo de empreendimento têm em comum a
utilização do termo “bem estar”, na maioria dos materiais analisados, esse termo foi
encontrado sendo ele sempre associado ao contato com a natureza, a prática de esportes
e a possibilidade de uma convivência tranqüila e segura possível dentro desses espaços.
Como forma de provocação entre concorrência um condomínio fechado tem como
abertura de seu material publicitário online a seguinte pergunta: “Para ser ecológico é
83
preciso ser verde?”, já que ele tem como atrativo a presença dos Ipês em seus espaços e
estes lhe conferem uma paisagem rosa, mas que não deixa de ser natural. Neste mesmo
material publicitário há a presença de vídeos com a entrevista de uma das proprietárias
do empreendimento. Esse vídeo mostra a realização de eventos promovidos pelo
condomínio, sendo um aberto à comunidade vizinha ao residencial, que se localiza na
zona leste da cidade a qual apresenta também diversos outros condomínios e uma
população economicamente selecionada pela região que habita. Neste evento chamado
de tenda o projeto é a promoção da convivência harmônica entre as pessoas através de
atividades culturais e lúdicas. As imagens são de apresentações de artísticas, de
integração entre pais e filhos e de muitas crianças sorridentes que brincam com uma
música ao fundo que traz emoção ao filme.
Nesse material a entrevistada coloca por diversas vezes a questão da convivência
e da necessidade de saber conviver e interagir com os demais para se conquistar um
espaço harmonioso e saudável, característica possível, como lembra ela, em poucos
espaços que ofereçam o contato com a natureza, o intercâmbio com as pessoas em um
espaço em que os vizinhos se tornam pessoas da família. No final do pequeno vídeo o
espectador se sente tocado por aquelas imagens tão belas e que não se encontram no
espaço urbano, então ele termina com o número do plantão de vendas e com a
localização. À partir desse desfecho duas possibilidades de apresentam ao espectador:
adquirir seu lote e viver todas essas ofertas do mercado imobiliário ou ter essa realidade
como algo que seu poder econômico e que a forma pela qual o espaço urbano se realiza
se mostra distante de se viver.
Em alguns materiais é possível observar as mesmas estratégias de marketing
que aliam o “bem estar” e o “bem viver” aquilo que não se vivencia mais no espaço das
cidades:
“No Viver Aquarius você vai encontrar o que mais procura:
ser muito feliz onde vive. São casas aconchegantes em que
você vai morar com muita tranqüilidade e com a segurança de
um condomínio fechado. Descubra um lado muito mais feliz
para os seus dias.
Viver Aquarius é a oportunidade de você morar no Jardim
Aquarius, uma das áreas mais sofisticadas de Marília. O viver
Aquarius fica ao lado do Aquarius Shopping Center, um centro
comercial que é referencia para toda a região. O que você está
84
esperando para viver perto de toda essa infra-estrutura e
comodidade?
O Residencial é um lugar seguro e confortável com 50 casas
em um condomínio fechado. Além disso, o condomínio conta
com lazer completo e casas com quintal para você passar
momentos felizes e agradáveis.”
(Material Publicitário do Residencial Viver Aquarius vinculado
na internet.)
“O Villa Flora Residencial é um loteamento fechado, dentro
da cidade, próximo ao Bosque Municipal que oferece a
qualidade de vida que sua família merece.
Com mais de 40 casas construídas, o Villa Flora é sinônimo
de tranquilidade e segurança, com uma infra-estrutura completa
e portaria 24horas.
A área de lazer também é um grande atrativo, com
playground, campo de futebol, quadra poliesportiva e quadra
de areia. Para quem gosta de atividade física, no Villa Flora
encontra pista de cooper e uma sala com equipamentos de
ginástica. Os moradores também podem usufruir do salão de
festas e quiosques com churrasqueira, além da praça.
Villa Flora Residencial. Viver bem, sua família merece!”
(Material publicitário do residencial Villa Flora vinculado na
internet)
Tanto nos materiais publicitários analisados quanto nos depoimentos dos
moradores do residencial Green Valley a experiência do contato com a natureza
diariamente é tida como um privilégio por eles, pois, fazendo referência ao passado que
se tinha ao habitar a cidade esse contato é lembrado como possível apenas com visitas a
parques, o que implicava em deixar a casa e se aventurar pelo trânsito e pela cidade
caótica, sendo isso possível agora apenas com o esforço de abrir as janelas da nova casa.
Tal preocupação com o contato com a natureza mostra-se até contraditório se levarmos
em conta que Marília possui pouco mais de setenta anos de municipalização, porém, se
mostra de certa forma compreensível quando analisados as conseqüências do processo
de urbanização da cidade, que se deu sem planejamento e acarretou em impactos
ambientais bastante sérios como a poluição de córregos e nascentes devido ao despejo
de esgoto que não possui tratamento na cidade e, dos problemas erosivos que se
85
verificam decorrentes da ocupação e utilização irregular do solo. Dessa maneira, habitar
em áreas próximas à áreas ainda preservadas com uma flora e fauna ainda presentes se
mostra como um privilégio mesmo em uma cidade formação recente e de porte médio
como Marília.
Assim como nos anúncios publicitários, as construções dos enclaves fortificados
seguem similaridades estruturais, como a presença de guaritas para o acesso dos
moradores, visitantes e prestadores de serviço, assim como a presença de espaços de
lazer e esportes, todos esses sempre ressaltados como elementos necessários ao bem
estar. Desse modo, a arquitetura desses empreendimentos em Marília, assim como
ofertas feitas por eles, não se mostra muito distintas, a presença dos dispositivos de
segurança que colocam a rotina dos moradores marcada pela questão da segurança,
como mostrou Caldeira (2000) são parte das suas características arquitetônicas, como é
possível observar nas imagens:
Figura II: Viver Aquarius
Imagem disponível no material publicitário do empreendimento.
86
Figura III: condomínio fechado do tipo horizontal da zona leste do
município de Marília-SP
Figura IV: Material publicitário do condomínio fech ado Portal da Serra
87
A necessidade por segurança trabalhada nos material publicitário desse tipo de
empreendimento imobiliário na cidade também se mostra interessante uma vez que o
município encontra-se com taxas de criminalidade muito baixas quando comparada com
os demais municípios brasileiros, sendo ela mais baixa do que algumas cidades
americanas.25 As taxa de delitos do município não se mostram compatíveis com o
crescimento da fortificação observada.
Tabela VI - Delitos selecionados, Município de Marília Taxas por 100 mil habitantes
Ano Homicídio doloso
Furto Roubo Furto e Roubo de veículo
1999 9.86 1934,35 210,20 74,74 2000 9,15 1907,73 200,73 99,60 2001 9,45 2117,74 206,00 69,16 2002 16,07 2104,77 219,73 82,82 2003 13,85 2322,74 260,36 64,97 2004 9,83 2356,15 236,41 61,79
2005 14,22 2073,97 225,70 70,18
Fonte: -Até 2000: Dados da Res SSP 150/95; após 2001: Dados da Res SSP 160/01.População residente: Fundação SEADE. Projeções de população flutuante para estâncias turísticas: Fundação SEADE 26
Tais dados divulgados pela Secretária de Segurança Pública e pela Fundação
SEADE, mostram certa estabilidade nas taxas referentes aos delitos registrados em
Marília-SP, mesmo sendo estes referentes à dinâmicas distintas o que demanda uma
análise mais aprofundada, que não realizaremos aqui por não se tratar do objetivo que o
estudo se propõe, eles apontam Marília como um município de baixas taxa de
criminalidade, já que os dados apresentados se mostram inferiores às taxas do estado de
São Paulo. É importante ressaltar que tais taxas só fazem sentido quando relacionadas
ao contexto a qual se encontra, pois cada uma delas se mostra vinculada a questões
sociais específicas e que, portanto, não se fazem presente da mesma maneira por todas
25
Referencia à matéria do Jornal Diário de Marília de 10/01/2008, a qual traz dados comparativos. Os
quais apresenta Marília com 4,5 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média tida nas cidades
americanas foi de 5,7 por mil habitantes.
26 In. Observatório de Segurança Pública.
88
as regiões do município, o que torna a sensação de insegurança e o medo como
sentimentos presentes com maior ou menor intensidade em alguns bairros e regiões e
em outras não.
Segundo algumas entrevistas que pude realizar o sentimento de insegurança é
um fator que determina a escolha pelos locais pelo qual transitar ou não em
determinados horários, especialmente o noturno e na adoção de medidas de segurança
como iluminação, contratação de serviços de vigias e de sistemas eletrônico de
vigilância, como alarmes e câmeras. Os locais citados como áreas de risco foram, em
geral, regiões mais carentes e com a presença dos conjuntos habitacionais denominados
favelas.
Desse modo, a sensação de insegurança não se mostra relacionada apenas com
as taxas de criminalidade mas, também, com as diferenças, sobretudo as
socioeconômicas. Por esse motivo as taxas da criminalidade registradas no município
não explicam, por si só, a expansão do mercado imobiliário representado pelos
empreendimentos do tipo condomínios fechado no município, que segundo estimativas,
devem movimentar a economia do município uma vez que os investimentos desse setor
que foram previstos para os anos de 2008 e 2009 devem promover um crescimento
imobiliário do município de cerca de 12%, produzindo uma oferta de cerca de 10 mil
novos imóveis na cidade, entre residenciais, comerciais, condomínios fechados,
prédios, torres altas e baixas e até loteamentos. Segundo o diretor de uma das principais
imobiliárias de Marília, a cidade deve ter o crescimento correspondente à vinte e cinco
anos em apenas dois com a chegada dos novos empreendimentos imobiliários.27
Dentre os responsáveis pelos investimentos no setor estão importantes
construtoras que atuam no mercado nacional e vêem a região de Marília como um
mercado promissor. Trata-se da incorporadora InPar e o consórcio Rodobens, que já
lançou o empreendimento Terra Nova Marília.
A Rodobens Negócios Imobiliários é uma incorporadora imobiliária com mais
de dezesseis anos de atuação nesse mercado e que faz investimentos em cidades que
possuem uma população superior à 150 mil habitantes, como a cidade de Marília.
Segundo a história da empresa desde a sua fundação em 1991, a companhia lançou 65
empreendimentos em 19 cidades diferentes de sete estados brasileiros (SP, MG, RJ, PR,
27
Dados divulgados pelo Jornal Diário de Marília de 30/12/2007.
89
RS, CE, MT), totalizando 14.388 unidades e 1.614.722m2 de área construída. Ela faz
parte das Empresas Rodobens (fundação em 1949), um dos 100 maiores grupos
empresariais do Brasil que possuem forte atuação nos setores de veículos e imobiliário.
A corporação conta com Concessionárias de Automóveis, Concessionárias de
Caminhões e Ônibus, Consórcio, Seguros, Instituições Financeiras, Comércio
Eletrônico, Negócios Imobiliários, Negócios Internacionais, Locação de Veículos e
Comunicação Empresarial.28
Seu projeto de lançamento para a cidade de Marília volta-se para a classe média
com oferta de lotes menores e mais acessíveis em residenciais fechados mais simples,
porém, que trazem consigo a segurança e o isolamento como elementos de seu produto.
Segundo o diretor de uma das principais imobiliárias do município e que tem
parcerias com as algumas construtoras em alguns dos lançamentos previstos, existem
mais quatro grandes construtoras em fase de pesquisa e projeto na cidade, o que coloca
Marília em um “boom imobiliário” que já se verifica nos grandes centros e em outras
cidades do interior paulista. Mais do que um crescimento no setor imobiliário estes
novos empreendimentos representam o processo de fortificação da cidade uma vez que
eles possuem como seus principais produtos o condomínio fechado, seja ele de alto
padrão como também os destinados à classe média que se mostra como um público
interessante para esse setor.
Tem-se como possível relação ao crescimento desses empreendimentos nos
últimos anos algumas medidas econômicas como o PAC do governo federal, que
promoveu a liberação de crédito pela Caixa Econômica Federal, e a transformação de
construtoras e incorporadoras em empresas de capital aberto. A Caixa Econômica
Federal em Marília comemora o crescimento de 30% na liberação de crédito para
negócios imobiliários, envolvendo um total de R$ 21,4 milhões em financiamentos
vinculados a um total de 740 imóveis. Sem contar com créditos associativos, de novos
empreendimentos. 29
A região que se mostra alvo de maior interesse pelo mercado imobiliário em
Marília é o final da Avenida das Esmeraldas, região nobre da cidade e altamente
valorizada, trata-se de projetos de alto padrão que trazem as novas tendências do setor
28
Dados da corporação obtidos em seu endereço eletrônico (www.rodobens-rni.com.br)
29 Dados divulgados pelo Jornal Diário de Marília de 30/12/2007.
90
como os condomínios-clubes. Delicato (2004) mapeou treze empreendimentos
imobiliários que se encaixavam, no ano de 2004, ao tipo condomínio fechado horizontal
na cidade, destes oito se encontravam na zona leste de Marília, região compreende
desde a área do aeroporto até as proximidades do novo terminal rodoviário. Esta zona
apresenta-se como a de menor adensamento populacional do município, contando
16.642 habitantes30 e é a região em que mais se verifica a presença dos enclaves
fortificados. Como se verifica no Mapa II da cidade:
30
Dados da EMDURB de 2007.
91
MAPA II: Localização dos enclaves fortificados no município de Marília-SP
92
FONTE: GUTO-UNESP/CNPq. In DELICATO (2004:124) Atualizado
Do ano de 2004 até o ano de 2009 foram lançados pelo mercado imobiliário
onze novos empreendimentos que se encaixam no tipo condomínio fechado horizontal
e, como verificado anteriormente por Delicato (2004) a tendência de valorização da
zona leste permanece, pois dos onze lançamentos sete deles se concentram nessas áreas,
mais especificamente na região do aeroporto e do bosque municipal, sendo os demais
implantados na região norte da cidade. Uma novidade em alguns dos novos enclaves
lançados no mercado imobiliário de Marília são os condomínios de custo mais reduzido,
que não se encaixam no tipo alto padrão, porém, que trazem de maneira mais simples
ofertas semelhantes, sendo eles destinados à classe média mariliense. Neles, os projetos
das casas já são disponibilizados pela própria construtora, sendo estes em geral de
imóveis menores, mas ainda sim em um padrão de construção acessível para poucos.
A fiscalização e a regulamentação legal desses empreendimentos imobiliários na
cidade de Marília se verificam falhos, como se constata na ausência de uma legislação
municipal específica para tal. Ao procurar a prefeitura municipal, mais especificamente
a Secretária de Planejamento Urbano da cidade, às informações dadas acerca do
processo de analise do projeto para a implantação de um empreendimento imobiliário
do tipo condomínio fechado horizontal, a informação recebia foi que o processo de
análise consiste na assinatura de aprovação do projeto e, posteriormente no registro do
empreendimento no Cartório de Registros realizado pelo empreendedor. A ausência de
uma legislação específica teve como justificativa apresentada à existência de uma
legislação estadual, a qual é aplicada no processo de implantação dos empreendimentos.
Porém, as especificidades locais principalmente as naturais referentes à existência de
nascentes bem como a presença das Escarpas características do relevo do município não
entram em questão.
Segundo Delicato (2004) a legislação e o acompanhamento dos
empreendimentos imobiliários desse tipo em Marília se mostram frouxos, o que coloca
a administração pública como participante do processo de fortificação da cidade, já que
considerando os novos investimentos como estímulos para a economia municipal a
prefeitura busca não intervir muito na implantação dos loteamentos.
A opção pelo isolamento dos condomínios fechados dos “escolhidos” que
habitam tais espaços possui impactos que não são sentidos e vividos apenas por estes,
pois tal escolha se reflete na organização urbana e na disposição de recursos também
93
públicos. Segundo Delicato (2004) a implantação de um loteamento possui custos que
são distribuídos para todos os munícipes, isso porque com a implantação desses
empreendimentos em regiões cada vez mais distantes do perímetro adensado do
município gera a necessidade da expansão das redes de água e esgoto, além da rede
elétrica e da pavimentação. Tal expansão não é custeada pelo empreendedor e ficam a
cargo da prefeitura no trecho que corresponde do ponto final de uma linha até a área de
início do loteamento. Além disso, lembra ele, as benfeitorias internas realizadas e
custeadas pelos empreendedores são doadas ao município e, portanto, passam a ser de
responsabilidade dele a manutenção dos mesmos. Desse modo, as despesas com a
extensão da infra-estrutura e a manutenção delas são pagas por aqueles que escolheram
morar ali e por aqueles que não possuem acesso a esse espaço.
Considerando a situação de algumas regiões da cidade de Marília, como os
bairros periféricos ainda não consolidados e mesmo a região central da cidade a qual
vêm apresentando um processo de abandono de residências devido aos problemas ali
encontrados a realização de tais obras públicas em benefício do setor privado apresenta-
se como negligência frente aos problemas da população que não possui condições de
recorrer ao mercado para sanar suas necessidades. Desse modo, as diferenças entre as
regiões economicamente distintas do município tendem a se acentuar, pois a não oferta
por serviços básicos e de qualidade como a infra-estrutura dos bairros periféricos e
mesmo a presença de problemas nas regiões centrais como a falta de água, a ausência de
espaços para lazer e esportes como a praças e parques, áreas arborizadas, etc. colocam
essas regiões como menos valorizadas, o que promove uma fuga, no caso das regiões
centrais das classes médias e altas da cidade e, a maior precarização dessas regiões,
sobretudo das mais afastadas e pouco valorizadas, que por não serem alvo do interesse
do mercado imobiliário parece ser esquecida também pelo poder público que se mostra
negligente com os problemas vividos pelos moradores dessas regiões.
Assim, o processo de fortificação mostra-se problemático, pois ao mesmo tempo
em que buscam se afastar dos problemas da cidade, da sua falta de organização e de sua
precariedade, os habitantes dos enclaves fortificados acabam colaborando para a
continuação e a acentuação de tais problemas. O problema urbano entra, portanto, em
um círculo vicioso onde a adoção de medidas individuais e mercadológicas para a
resolução de problemas comuns entre os cidadãos rompe com o ideal de cidadania,
produzindo ainda mais desigualdades e promovendo um distanciamento gradual entre
94
os habitantes da cidade. O que coloca o isolamento e a dificuldade de mobilidade e
interação social entre as diferentes regiões do município de Marília que por suas
características naturais apresenta uma geografia urbana no formato de X, já que é um
território cortado por vales, ainda mais acentuados, pois além das características
naturais agora se soma a atuação intensa do mercado imobiliário da cidade que traz com
ele uma forte segregação sócio-espacial, esta tão difícil de transpor quanto as barreiras
impostas pela natureza da região.
3.3 A Marília do outro lado dos muros
O processo de fortificação da cidade de Marília não se mostra apenas
relacionado com a expansão da presença dos condomínios fechados em seu espaço
urbano, mas ela é sentida também, pelas mudanças observadas nas construções que se
encontram fora desses espaços. A fortificação se apresenta como tendência nos projetos
arquitetônicos seja de residências, escritórios ou lojas comerciais de modo que a
presença de elementos de vigilância e de isolamento se fazem cada vez mais presentes
no dia-a-dia do cidadão Maríliense. Mesmo em bairros mais populares a presença de
cercas elétricas e câmeras de vigilância podem ser encontradas sem muita dificuldade, o
mesmo é observado nos espaços comerciais e de lazer.
Tal comportamento pode ser explicado quando se toma a tendência ao
isolamento como elemento de um novo estilo de vida comum em nossos dias. Ele está,
em geral asssociado ao modo de vida das elites e isso é um fator que glamouriza e
confere status aos dispositivos de segurança e vigilância. Assim, mesmo quando não
inseridas aos espaços fortificados as novas construções da classe média seguem padrões
que se assemelham ao modo de vida desses espaços. É o que pode ser observado nas
imagens de alguns imóveis localizados na região mais valorizada da cidade de Marília, a
zona leste.
95
FiguraV: Zona Leste de Marília-SP
Figura VI: Zona Leste de Marília-SP
96
Figura VII: Zona Leste de Marília-SP
Por esse motivo, é possível encontrar também adaptações de residencias mais
antigas e mais simples para se integrar a essa nova forma de habitar. Dentre as
adaptações encontra-se acrescimos de centímetros aos muros, portões fechados que
impedem a visibilidade do interior do imóvel, as cercas elétricas que em alguns bairros
nota-se a existência delas por quarteirões inteiros, a presença de grades e alarmes, a
contratação de vigias noturnos, etc.
97
Figura VIII: Zona Oeste de Marília-SP
Figura IX: Zona Oeste de Marília-SP
Tais imagens foram feitas em regiões opostas da cidade, que mais do que uma
oposição simplesmente geográfica, zona leste e zona oeste, elas se mostram opostas em
fatores estruturais, econônomicos e sociais. Contudo, mesmo sendo regiões distintas
elas possuem em comum a tendência à fortificação, observada nas formas das
construções e na presença de dispositivos de segurança.
O processo de fortificação de cidade não se mostra igual em todas as suas
regiões, pois a presença de dispositivos de segurança e as adaptações da antigas
98
residências, ou a inserção desses elementos de segurança nos novos projetos, não
significam similaridade de comportamento entre os indivíduos.
Na realização desse estudo tive experiências que reforçaram esse aspecto. Ao
percorrer a zona leste da cidade fiz uma divisão no percurso e na forma de
deslocamento. Parte dela, a região que compreende desde a Santa Casa até o final na
Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, fiz utilizando o transporte público a fim de
analisar seu trajeto em um espaço que possui a maior parte dos enclaves fortificados da
cidade. Constatei que de dentro de um ônibus pouco pode se ver desses espaços que
buscam o isolamento, pois o trajeto é realizado em ruas próximas mas que desviam do
local onde eles se localizam, assim, em uma região que possui cerca de onze
condominios fechados a aproximação destes através do transporte público é possível
apenas em três, os quais se localizam na via principal de trajeto deste.
A outra parte da zona leste que compreende desde o início da Avenida das
Esmeraldas até seu fim próximo a Rodoviária, percorri a pé. Nesta região que se mostra
como a mais nobre de Marília, mais mesmo que a outra parte da zona leste onde ainda
se verifica a presença de residências de menor valor já que o intensivo processo de
especulação imobiliária ainda se mostra recente, a presença dos dispositivos de
segurança e dos enclaves fortificados é massiva. Mesmo nas áreas não fechadas a
sensação que se tem ao transitar por aquelas ruas é a de que se está em um espaço
restrito, isso porque em cerca de duas horas que percorri essa região não encontrei com
nenhum outro pedestre. A minha presença nessa área da cidade era tida com estranheza
pelos moradores que passavam por mim com seus automóveis, sendo eu alvo de olhares
desconfiados por estar fazendo algo que não me pareceu comum ali, caminhar. Durante
o retorno do trajeto percorrido encontrei com a única pedestre de toda aquela região, era
uma catadora de lixo que fazia seu trabalho de maneira bem discreta e rápida e que
parecia constrangida em estar transitando por aquela área. Talvez assim como eu, ela
que também não habita essa região, possa ter sentido mais do que as barreiras físicas
que separam e isolam aqueles espaços e possa ter sentido as barreiras simbólicas que a
segregação sócio-espacial promove no espaço urbano.
A mesma sensação não tive ao percorrer o lado oposto da cidade, a região oeste.
Mesmo com os muros crescendo e as janelas apresentando grades ainda é possível
encontrar pessoas conversando nas calçadas que, mesmo não conhecendo um estranho
ainda é capaz de cumprimentá-lo. Outra diferença marcante entre essas duas regiões é a
99
infra-estrutura dos bairros, enquanto a zona leste dispõe de boas ruas e calçadas a zona
oeste se mostra uma região muito difícil de transitar, pois suas ruas se apresentam em
estados ruins de conservação, assim como as calçadas, que em algumas ruas inexistem.
Nelas, também é possível de encontrar grandes quantidades de lixo e entulhos, o torna
algumas áreas mal cheirosas e com a presença de vetores de doenças. Algumas imagens
possibilitam constatar tais problemas estruturais:
Figura X: Zona Oeste de Marília-SP
100
Figura XI: Zona Oeste de Marília-SP
A ausência de pavimentação e de calçadas é algo que se mostrou comum nos
bairros periféricos percorridos, além de dificultar o trânsito de veículos e pedestres,
esses são fatores que atrapalham o bom funcionamento de alguns serviços públicos
como, por exemplo, a coleta de lixo que em algumas ruas não existem. Como é o caso
da chamada fevela Universitária e de algumas ruas do bairro Parque das Vivendas,
localizados na zona oeste de Marília próximo ao bairro Jardim Cavalari que, além de
não possuem o serviço de coleta de lixo também não dispõem redes de água e esgoto
para todas as casas, o que torna presente na área o despejo de esgoto doméstico à céu
aberto em corregos que cortão a região. Somado à essas precariedades estão as situações
das residências que, nesses bairros, a presença de muro se mostra um luxo já que se
tratam de construções com paredes que mal se sustentam.
À medida que se caminha em direção às principais ruas dos bairros nota-se que a
situação dos moradores vai se modificando, sendo a precariedade maior deixada para as
regiões de difícil acesso nas quais apenas os seus moradores veram os problemas e as
dificuldade que a negligência da administração pública acarreta. Semelhante é a forma
de organização sócio-espacial das demais regiões de Marília, que colocam de forma
escondida suas maiores precariedades, escondendo também que as soluções para os
101
problemas urbanos são possíveis apenas para uns poucos “escolhidos” que têm a
possibilidade de desfrutar de sua tão sonhada “Canaã” e que para os demais excluídos
dessa sorte as dificuldades e os problemas de um processo de urbanização não planejado
são elementos do cotidiano e de um resolução distante de se enxergar.
102
Considerações Finais
O processo de fortificação obsevados nas cidades brasileiras mostram-se mais
do que uma simples mudança em suas paisagens, pois a presença dos enclaves
fortificados e dos dispositivos de segurança que se encontram, hoje, espalhados com
mais intensidade pelo espaço urbano são mais do que novos elementos que modificaram
o visual desses espaços. São eles reflexos de processos que se ligam à fatores sociais,
econômicos e políticos atuais já que se mostram vinculados à negligência do Estado
frente às novas demandas surgidas com o desenvolvimento econômico e com a forma
que este implicou na organização espacial das nossas cidades, além de mostrar-se como
respostas às novas formas de interação social em um mundo transformado pelo processo
de globalização o qual permitiu a eliminação de algumas fronteiras, sobretudo as das
distâncias, tornando possível o contato com o diferente e o desconhecido, mas que, ao
mesmo tempo, também acarretou na construção de novas barreiras como forma de
proteção e no sentimento de desconfiança como mediador das novas formas de
interação social decorridos da perda de referência contida nesse processo.
Em Marília, objeto desse estudo, o processo de fortificação presente não se
mostra como algo isolado já que a cidade se insere na lógica do processo de
globalização, sendo aqui também, refletidas as transformações que este promoveu em
suas estruturas sociais, porém, como um território inserido em um espaço e tempo
específicos, o processo de fortificação aqui observado apresenta particularidades que se
mostram vinculado à sua história de ocupação e de desenvolvimento econômico-
espacial.
Como demonstrado na análise histórica do processo de ocupação da região que
hoje compreende o município de Marília, assim como das formas como foi se dando seu
desenvolvimento, é possível observar a presença da especulação imobiliária como um
agente muito importante nas formas de ocupação e de distribuição das terras que
compõem o município, desde sua formação com a divisão de grandes propriedades até
atualmente com o processo de valorização de algumas regiões da cidade que se mostram
alvo de interesse do mercado imobiliário. Desse modo, se configurou aqui, e ainda se
configura, o espaço urbano a partir do interesse de mercado e, determinado, portanto,
por interesses particulares e pela conivência da administração pública municipal que se
mostrou durante o período analisado participante na forma de atuação do mercado
103
imobiliário na cidade, já que sua atuação na formação desses espaços foi negligente uma
vez que, em muitos casos, o poder público atuou de apenas na regularização de espaços
que já haviam se consolidado não estando presente, portanto, nos processos de
implantação, além de possuir uma legislação frouxa com relação à esses tipos de
empreendimentos imobiliários o que permite a existência de irregularidades na
formação desses.
Tendo em vista esse processo, as terras do município passaram de território para
espaço-mercadoria31 e as formas de sua ocupação passaram a ser marcadas pela
segregação sócio-espacial que esse tipo de processo impõe. Assim, a presença dos
enclaves fortificados na paisagem de Marília pode ser analisada segundo as formas
históricas da relação com o território aqui verificadas onde, o mercado está sempre
aliado com o poder público na busca por um desenvolvimento econômico do município
que não leva em conta todos os seus cidadãos. Isso porque, a segregação sócio-espacial
promovidas pela especulação imobiliária produz o remanejamento de populações que
ocupam as áreas de interesse desse setor, sendo elas destinadas à áreas muitas vezes
distantes de seu trabalho e em locais que não apresentam as infra-estruturas necessárias
para a habitação, o que acarreta em grande impacto na forma de viver desses indivíduos.
Desse modo, o a especulação imobiliária e o processo de valorização de terras mostra-se
vinculado também ao número expressivo dos conjuntos habitacionais denominados
favelas no município em correspondência com um número também bastante alto de
condomínios fechados. Ao mesmo tempo em que as classes médias e altas mariliense
possuem novos espaços para habitar as classes populares também passam a habitar
novos espaços esses, porém, diferentes dos primeiros por não se mostrarem como um
desejo e opção, mas sim como a falta dela e como única alternativa para se ter um teto.
Além disso, em Marília a violência como justificativa da expansão da oferta
desse tipo de moradia se mostra incompleta uma vez que as taxas de crimes registradas
no município não se mostram alarmantes sendo elas tidas como bons indicativos quando
comparadas com os índices registrados no estado de São Paulo, o que evidencia um
sentimento de insegurança que não corresponde com o risco real que a cidade oferece.
Tal justificativa para a presença desse sentimento compartilhado pela população pode
ser encontrada na atuação dos veículos midiáticos que exploram tão bem o sentimento
31
Fanni.
104
de medo e risco, o que torna possível compartilhar de tais sentimentos mesmo
encontrando-se em contextos distintos.
Desse modo, mais do que uma necessidade pela segurança esses espaços se
mostram como elemento de um novo estilo de vida que vem se interiorizando e sendo
incorporado pelas elites do interior paulista, o qual apresenta o isolamento e o
sentimento de desconfiança como seus componentes principais, aliados à idéia de
exclusividade e personalidade que esse tipo de moradia representa, sendo ele, portanto,
elementos que reforça o status e a diferença que essa classe possui das classes
populares. Esse tipo de empreendimento encontrou aqui um lugar propício para sua
expansão, pois o isolamento pretendido por esse tipo de construção é favorecido pelos
elementos naturais da geografia local que colocam uma fragmentação do seu território
naturalmente com a presença de deus vales e Espigões e, também, pelas relações entre o
setor privado e a administração pública que se mostram, em geral, “parceiras” nesse tipo
de negócio.
Como conseqüência comum do processo de segregação sócio-espacial a cidade
de Marília se mostra polarizada entre aqueles que possuem seus direitos ao bem-estar,
pois fazem isso recorrendo ao mercado, seja através da segurança privada, habitando em
espaços fortificados, pagando escolas privadas para seus filhos ou planos de saúde, e
aqueles que não possuem acesso a esses serviços disponibilizados pelo mercado, pois
dependem unicamente do Estado para terem acesso à eles, sendo estes não oferecidos de
maneira satisfatória ficam eles sem garantias de seus direitos e sem alternativas que
compense a ausência desses. Tal processo de polarização produz a parcela da população
que não têm acesso aos serviços básicos como marginalizados sendo estes considerados
em decorrência disso, grupos de risco.
Diante disso, se estabelece um problema com relação à cidadania pois ela se
torna fragmentada na medida em que torna-se algo possível apenas através da compra
por soluções de problemas coletivos, o que tornam essas soluções individuais e,
conseqüentemente, excludentes. O processe de fortificação das cidades se enquadra
nesse tipo de soluções individuais, pois coloca o isolamento como uma maneira de se
conquistar a desejada tranqüilidade e liberdade mostradas como elementos difíceis de
encontrar no espaço das cidades.
105
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www.marilia.sp.gov.br
www.ibege.br
www.diariodemarilia.com.br
www.revistaresidenciais.com.br/det_materia.asp?id=253&ids=41
www.guto.marilia.unesp.br
108
ANEXOS:
Anexo I: Mapa da Zona Leste de Marília-SP
FONTE: ENDURB 2004 In. GUTO/ UNESP Marília-SP
109
Anexo II: Mapa da Zona Oeste de Marília-SP
FONTE: ENDURB 2004 In. GUTO/UNESP-SP
110
Anexo III: Material Publicitário de alguns empreendimentos imobiliários que se enquadram no tipo Condomínio Fechado Horizontal de Marília-SP
Material I – Viver Bosque
Quem vive em Marília, sabe que a região ao lado do Bosque Municipal tem uma vista privilegiada. Além de todo verde, ar puro e ser muito próximo ao aeroporto, a infra-estrutura de comércio e serviços é completa. Viver Bosque é um Condomínio Residencial fechado com tudo o que você precisa para viver muito bem. Fica ao lado do Bosque Municipal e pertinho da melhor infra-estrutura da cidade. Têm um terreno amplo, com muito lazer e ruas tranqüilas, seguras e arborizadas. As casas são confortáveis, com um agradável quintal para você reunir seus amigos e curtir a sua família.
111
Viver Bosque é praticamente um bairro privativo com 126 casas para você e para sua família. É a segurança e tranqüilidade de um condomínio fechado e a diversão do lazer completo com toda alegria de morar em uma casa com quintal.
Vantagens do Condomínio:
- Portaria - Vagas para visitantes - Playgroud - Fitness Center - Salão de Jogos - Salão de Festas - Piscinas Adulto e Infantil - Churrasqueira
- Quadra Esportiva
Imagens:
Plantas:
Planta 1 – 3 quartos sendo 3 suítes
Planta 2 – 3 quartos sendo 1 suíte
Fonte: http://www.tocaimoveis.com.br/lancamento_viverbosque.php
112
Material II – Viver Aquarius
Dê um novo rumo para sua vida. Mude para sua casa
No Viver Aquarius você vai encontrar o que mais procura: ser muito feliz onde vive. São casas aconchegantes em que você vai morar com muita tranqüilidade e com a segurança de um condomínio fechado. Descubra um lado muito mais feliz para os seus dias.
Viver Aquarius é a oportunidade de você morar no Jardim Aquarius, uma das áreas mais sofisticadas de Marília. O viver Aquarius fica ao lado do Aquarius Shopping Center, um centro comercial que é referencia para toda a região. O que você está esperando para viver perto de toda essa infra-estrutura e comodidade?
O Residencial é um lugar seguro e confortável com 50 casas em um condomínio fechado. Além disso, o condomínio conta com lazer completo e casas com quintal para você passar momentos felizes e agradáveis.
113
Vantagens do Condomínio:
- Portaria - Playgroud - Piscina Adulto e Infantil - Salão de Festas - Quadra de areia
Imagens:
Plantas:
Planta (tipo 1) com 1 suíte
Planta (tipo 2) com 3 suítes
Fonte: http://www.tocaimoveis.com.br/lancamento_viveraquarius.php
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Material III – Villa Flora
O Villa Flora Residencial é um loteamento fechado, dentro da cidade, próximo ao Bosque Municipal que oferece a qualidade de vida que sua família merece. Com mais de 40 casas construídas, o Villa Flora é sinônimo de tranquilidade e segurança, com uma infra-estrutura completa e portaria 24horas. A área de lazer também é um grande atrativo, com playground, campo de futebol, quadra poliesportiva e quadra de areia. Para quem gosta de atividade física, no Villa Flora encontra pista de cooper e uma sala com equipamentos de ginástica. Os moradores também podem usufruir do salão de festas e quiosques com churrasqueira, além da praça. Villa Flora Residencial. Viver bem, sua família merece!
Imagens:
115
Fonte: http://www.tocaimoveis.com.br/lancamento_villaflora.php
116
Anexo IV: Imagens do Bairro Parque das Vivendas e Jardim Universitário – Zona Oeste de Marília-SP
Fonte: FATO Unesp/Marília-SP
Fonte: FATO Unesp/Marília-SP
117
Fonte: FATO Unesp/Marília-SP