Título: Mortinhos por chegar a casaTexto: © 2010, Álvaro MagalhãesIlustrações: © 2010, Carlos J. Campos© 2010, Edições ASA II, S.A. – Portugal
ISBN 9789892311326Reservados todos os direitos
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Ilustrações deCarlos J. Campos
CAPÍTULO I
DESCULPA, PAIZINHO!
O Avô apanhou um susto tão grande na
conferência “Os vampiros existem”, onde ia
sendo apanhado, que andou toda a noite,
perdido, às voltas por ruas escuras.
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Em cada homem via um caçador de vampiros,
em cada sombra via a
de um caçador de vampiros.
Em casa, estranharam não o ver regressar à hora
da refeição da meia-noite. Chegava sempre à hora,
nunca falhava, mas, enfim, não era a primeira vez
que o Avô passava uma noite fora. Afinal, a noite
era o dia deles.
Por sua vez, a essa hora, Adolfo Mil-Homens, o
persistente caçador de vampiros, entrava em sua
casa, acabrunhado, a olhar para o chão. Parecia
um menino que acabou de fazer uma asneira.
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Mil-Homens vivia sozinho, mas havia lá em casa
um retrato do pai, que ele tratava como se fosse
uma coisa viva, que existia. Ah, aquele retrato era
a sua companhia. Falava com ele como se fosse por
ele ouvido. E, às vezes, também lhe respondia,
como se ele lhe FALASSE TAMBÉM.
Nessa noite, porém, não teve coragem de
encarar o retrato do pai.
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DESCULPA, PAIZINHO!
BOA NOITE, PAIZINHO.
– Não me digas nada, paizinho. A conferência
foi um fiasco e as pessoas abandonaram a sala.
Queriam provas. Pior, estava lá um vampiro, o
velhote, e o Medronho deixou-o fugir.
O velho caçador reparou que
o retrato do pai estava
prestes a cair, e parou de falar.
Foi endireitá-lo, enquanto
dizia:
– Ias atirar-te ao chão outra vez, não era? Sabes
quanto custa uma moldura? E escusas de olhar
assim para mim. Tu
também não apanhaste
o teu Perestrelo,
nem descobriste
o sítio onde se
escondem e vivem
as suas vidas secretas.
Às vezes, duvido
que esse mundo
exista.
DESCULPA, PAIZINHO!
Quando Mil-Homens acabou de dizer isto, o
retrato soltou-se do prego e caiu-lhe na ponta do pé,
mesmo no sítio onde ele tinha um calo doloroso.
Sempre a gemer, ele
encostou o retrato à parede,
mas rente ao chão.
– Que feitio,
paizinho! – disse ele,
um pouco exaltado.
– Eu disse “às vezes duvido”.
E, por acaso, nem era
agora. Virava-te ao
contrário, mas quero que
vejas uma coisa que aqui
tenho. O que é? Um
talão de compra de “A
Pérola do Bolhão”. É
deles, dos vampiros,
saiu do bolso de um deles.
Mil-Homens agitou o papel no ar, muito
satisfeito. E continuou:
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DESCULPA, PAIZINHO!
– É uma pista, ou não é? Então, que me dizes
a isto? Ah, agora não dizes nada. Bem, vamos
dormir. Amanhã tenho de acordar cedo.
Mil-Homens levou o retrato para o quarto e
pousou-o ao fundo da cama, antes de se deitar.
Depois, já deitado, leu, como sempre fazia, uma
página do diário do pai antes de adormecer:
DESCULPA, PAIZINHO!
Nesta altura, ainda a meio da página, Mil-Homens
fechou os olhos e, vencido pelo cansaço, adormeceu.
Só o homem do retrato continuou com os olhos
dele abertos, que os retratos não dormem nem
estão acordados. Mas vá lá a gente saber… Às
tantas, também ele fechou os olhos, já
que não estava ninguém a ver.
Ia alta a noite quando o velho caçador
teve um grande pesadelo. Foi assim:
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O pai saiu do retrato e fugiu de casa.
Ele perseguiu-o,
em roupa interior,
até ao rio.
O pai lançou-se nas águas
e ele também, para o salvar.