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Universidade de Braslia
Faculdade de Direito
O INTERROGATRIO POR VIDEOCONFERNCIA E O DIREITO PRESENA DO
ACUSADO
Rafael de Deus Garcia
Braslia - DF
2013
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Rafael de Deus Garcia
O INTERROGATRIO POR VIDEOCONFERNCIA E O DIREITO PRESENA DO
ACUSADO
Monografia apresentada Faculdade de
Direito da Universidade de Braslia, como
requisito parcial para obteno do grau de
bacharel em Direito.
Orientador: Evandro Charles Piza Duarte.
Braslia - DF
2013
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GARCIA, Rafael de Deus.
O Interrogatrio por Videoconferncia e o Direito Presena do
Acusado. / Rafael de Deus Garcia Braslia: UnB/Faculdade de Direito, 2013.
110 f. : il.
Orientador: Evandro Charles Piza Duarte.
Monografia (graduao) Universidade de Braslia, Faculdade de Direito, 2013.
1. Interrogatrio por Videoconferncia. 2. Direito Presena. 3.
Direito Processual Penal Monografia de Graduao. I. Universidade de Braslia, Faculdade de Direito. II. DUARTE, Evandro C. Piza, orient. III.
Ttulo.
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Folha de Aprovao
O INTERROGATRIO POR VIDEOCONFERNCIA E O DIREITO PRESENA DO
ACUSADO
Rafael de Deus Garcia
Matrcula: 09/52966
Monografia apresentada Faculdade de
Direito da Universidade de Braslia, como
requisito parcial para obteno do grau de
bacharel em Direito.
Orientador: Evandro Charles Piza Duarte.
Braslia, 01 de maro de 2013
Banca examinadora:
Prof. Dr. Evandro Charles Piza Duarte (UnB)
Orientador
Profa. Dra. Beatriz Vargas Ramos Gonalves
de Rezende (UnB)
Profa. Dra. Camila Cardoso de Mello Prando
(UnB)
Prof. Dr. Alexandre Bernardino Costa (UnB) -
Suplente
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Para minha me Cida, para meu pai Z Carlos e para minha irm Fernanda,
verdadeiros responsveis por todas minhas conquistas.
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AGRADECIMENTOS
Posso tranquilamente dizer que os cinco anos de minha graduao foram os mais
felizes da minha vida. Antes de entrar na UnB, sabia que iria encontrar pessoas incrveis e
apaixonantes, mas realmente no esperava ter uma vida to rica de bons relacionamentos e
amizades. Conclu minha graduao com a sensao de que no poderia ter feito um caminho
melhor. E ciente de que deixo escapar meno a pessoas que foram especiais para mim nestes
lindos anos (e por isso peo desculpas), agradeo, com todo Amor que posso oferecer, por me
acompanharem nessa prazerosa jornada que agora chega ao fim.
Primeiramente, e primordialmente, minha me Cida e ao meu pai Z Carlos por
tudo que sou e tenho. Devo-lhes a eterna gratido de um filho que espera um dia fazer jus ao
Amor incondicional que depositam em mim. minha irm Dedei que, por ser a pessoa nesse
mundo mais prxima de mim, merece no somente minha gratido, mas de todos os deuses.
minha tia Claudinha, por ser uma voz companheira e de sabedoria na Academia.
Ao meu querido orientador, Evandro Piza Duarte, presente em cada palavra deste
trabalho, pela amizade, pela sabedoria, por me mostrar sempre os melhores caminhos e por
saber tirar sempre a melhor potencialidade de mim. Ao meu mestre Alexandre Bernardino
Costa, pelas oportunidades e por me mostrar a beleza da docncia. professora Bistra
Apostolova por me mostrar que o Direito no precisa estar dissociado da arte nem do corao.
Aos meus amigos e amigas de turma Luisa Anabuki, Gabrielle Fernandes, Juliana
Atrock e Caio Lacerda, pelos cadernos, pelos sorrisos, pelas viagens, por cuidarem de mim e
por ser meu melhor motivo para ir faculdade todos esses anos. Gabriela Ponte e ao
Leonardo Azevedo por, cada um de seu jeito, me ajudarem a lembrar daquele meu lado
esquecido por mim.
Lara Parreira, exemplo de dedicao e de afeto, que foi quem estava comigo
quando vi pela primeira vez a aplicao da videoconferncia. Inexperientes que ramos,
fomos repreendidos por estar em conversa paralela em plena audincia, o que no acredito
que teria acontecido se o ru estivesse ali de corpo presente.
A todas as pessoas do PET, esse grupo maravilhoso, por me mostrarem que no
existe nada mais gratificante do que a construo coletiva e por dividirem comigo o lado mais
bonito do Direito.
Ao Diego Nardi e Sinara Gumieri que, podendo vender sabedoria e inteligncia,
me deram de graa. Ana Paula Duque por me dar um motivo para sorrir em qualquer
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momento. Ao Diego Veloso, irmo de leite, pelos debates e pelo trabalho que dei. Ao Pedro
Argolo pela coragem de desbravar os caminhos mais obscuros da mente e desta monografia.
E aos meus amigos Joo Gabriel Lopes, Marcel Fortes e Marcos Vincius
Queiroz, que, por estarem tanto ao meu lado, construindo e desconstruindo o mundo,
ganharam lugares especiais na minha gratido e na minha alma.
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Quis compreender, quebrando estreis normas,
A vida fenomnica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na ideia gasta,
O horror dessa mecnica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!
Augusto dos Anjos Monlogo de uma sombra
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RESUMO
O presente trabalho uma anlise crtica transdisciplinar sobre o interrogatrio realizado pela
videoconferncia no processo penal. A partir do levantamento doutrinrio e jurisprudencial,
verificou-se a necessidade de ampliao do debate a partir de uma comunicao
transdisciplinar com outras reas do saber. Para tanto, estudou-se como as Novas Tecnologias
de Comunicao tem atuado na sociedade, ressignificando as concepes de representao e
de alteridade; que tipo de discursos e racionalidades tem fundamentado a adeso das medidas
virtuais no processo penal, bem como qual a importncia histrica do habeas corpus na defesa
dos direitos contra o poder (inclusive biopoltico) estatal. Em sntese, pela reviso de
literatura, a inteno a de contribuir para o debate trazendo novos elementos para a
compreenso da complexidade fenomenolgica e discursiva do interrogatrio on-line,
reafirmando o direito presena como uma forma de garantia dos direitos fundamentais e do
Estado Democrtico de Direito.
Palavras-chave: Processo Penal, Interrogatrio, Videoconferncia, Direito Presena.
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ABSTRACT
This study is a transdisciplinary critical analysis on the interrogation conducted by
videoconferencing in criminal proceedings. The direction taken by researchers and courts
showed the need to expand the debate from a transdisciplinary communication with other
areas of knowledge. Therefore, I studied how the new communication technologies have been
influencing society by giving new meaning to the concepts of representation and otherness;
what kind of discourses and rationalities sustain adhesion of virtual mechanisms in criminal
proceedings; and the habeas corpus historical importance as a means of defense against the
power (including biopolitical) of the state. To sum, the intent is to contribute to the debate by
bringing new elements for the understanding of the complexity of phenomenological and
discursive online interrogation, reaffirming the right to be present as a way of guaranteeing
moral rights and the Rule of Law.
Key-words: Criminal Proceeding, Interrogation, Videoconferencing, Right to Be Present.
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SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................13
Apresentao da temtica.....................................................................................................13
Metodologia e marcos tericos.............................................................................................18
1. O INTERROGATRIO.....................................................................................................21
1.1. Interrogatrio como meio de defesa..............................................................................21
1.2. A lei 10.792/2003. Aproximao Constituio Federal de 1988..............................24
1.3. A videoconferncia antes da lei 11.900/2009..............................................................25
1.3.1. Primeiro Momento: A inconstitucionalidade da lei estadual 11.819/2005 So
Paulo................................................................................................................................26
1.3.2. Segundo Momento: O habeas corpus 88.914/SP e o questionamento da
materialidade constitucional da medida..........................................................................26
1.4. A lei da videoconferncia 11.900/2009. O fim dos debates?.....................................30
1.5. O posicionamento doutrinrio favorvel videoconferncia........................................33
2. PARA ALM DA TORRE DE MARFIM. A SIMPLIFICAO E, PORTANTO, A
NEGLIGNCIA DO DEBATE NA REA JURDICA...................................................38
2.1. Uma crtica utilizao de termos de sentido aberto....................................................38
2.2. Do significado de imagem.............................................................................................42
2.2.1. Da Polissemia da palavra: Imagem como meio ou fim?.......................................42
2.2.2. O Mundo-Imagem: Para uma compreenso da imagem na sociedade atual.........48
2.2.3. A percepo do corpo na interao virtual............................................................53
2.3. Percepo para alm da viso: A importncia do corpo...............................................55
2.3.1. Fetiche: o olho como mecanismo sensorial dominante.........................................55
2.3.2. Eros e Sexualidade: Reconhecendo que a existncia se realiza no corpo.............57
2.3.3. A negao do Outro: Da sociedade imagtica assepsia judiciria......................59
2.4. Da comunicao no-verbal..........................................................................................62
2.5. Ignorando Merleau-Ponty? Ou como nos relacionamos com o mundo..............64
2.5.1. Corpo, carne e objeto: O corpo como ponto de partida para a percepo.............66
2.5.2. Horizonte e Perspectiva na explorao de objetos................................................67
3. O DESENCONTRO EPISTEMOLGICO E O ENCONTRO COM O MONSTRO.70
3.1. A lgica utilitarista.......................................................................................................70
3.2. Neoliberalismo e eficientismo penal.............................................................................72
3.3. Racionalidade Burocrtica e Exceo...........................................................................75
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3.4. Distanciamento tico e o encontro com o Monstro.......................................................80
4. HABEAS CORPUS SIGNIFICADO HISTRICO E A IMPORTNCIA DO
DIREITO PRESENA CORPREA..............................................................................85
4.1. A Origem.......................................................................................................................85
4.1.1. O interdito romano Homine Libero Exhibendo.....................................................85
4.1.2. A Magna Carta.......................................................................................................87
4.1.3. Habeas Corpus Acts..............................................................................................88
4.2. Significado de Corpus..................................................................................................90
4.3. Corpus atrs da tela. O segredo das prises..................................................................93
4.4. A formao Poltico-Jurdica do habeas corpus no Brasil............................................94
4.5. Habeas corpus: o direito presena corprea como garantia da liberdade e do
exerccio de defesa...............................................................................................................98
CONCLUSO..................,,,,.................................................................................................100
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................104
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INTRODUO
Apresentao da temtica
Conversando com meu querido orientador sobre os possveis temas da minha
monografia, o professor Evandro Piza Duarte, sempre muito perceptivo, sugeriu o tema da
videoconferncia no processo penal. Acolhi a proposta com entusiasmo.
Aceitei prontamente porque a temtica da videoconferncia, motivo de importante
debate doutrinrio e jurisprudencial, une tanto a questo do olhar quanto a questo do corpo.
E para mim, membro do PET1, um grupo que procura reconstruir a importncia do corpo no
Direito atravs do teatro, aprendi a no o menosprezar justamente por ser o mais significativo
instrumento humano na representao do eu no mundo.
No corpo se manifesta desde a menos evidente insegurana juvenil at o mais
efetivo controle (bio)poltico. A libertao das subjetividades, a livre manifestao do ser no
mundo, se d primeiramente e primordialmente pelo corpo. Dele no se deve subestimar. Dele
no se pode fazer economia, devendo ser tido como instrumento poltico por essncia, pois a
partir dele que a liberdade e os direitos efetivamente atuam.
Se vendedores ainda preferem trabalhar no corpo a corpo, se os advogados ainda
no se submetem a realizar as defesas orais pela tela, se a vibrao de um espetculo de teatro
ainda no se substitui pela frieza das imagens; no podemos aceitar o interrogatrio (um dos
principais instrumentos de defesa) on-line como um instrumento processual banal, fechando
os olhos para a complexidade fenomenolgica das interconexes corporais, que ainda se
mantm um verdadeiro mistrio para as grandes reas do saber.
E no s o corpo que se esvai na virtualidade da videoconferncia. Tambm o
olhar se transforma completamente, tanto para o juiz que v a imagem do ru, como para este,
que visita a Justia pela tela, ainda ambientado pelo tom do presdio.
Pois o olho no s v, ele v como. O olhar condiciona-se necessariamente ao
meio, tanto ao corpo que olha como por onde olha. Sequer existe o ato de olhar sem estar
necessariamente vinculado ao ato de interpretar. J advertia SARTRE, no h, no poderia
haver imagens na conscincia. Mas a imagem um tipo de conscincia (2008, p. 137). Se
acreditarmos que o olho mero receptor, ignoramos a ns mesmos como indivduos nicos,
biologicamente distintos e com todo um aparato psquico contextualizado, atrelado
1 Programa de Educao Tutorial em Direito da Universidade de Braslia.
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inexoravelmente s nossas experincias passadas, que constituem nosso ser. como ensina
Oliver SACKS,
os processos perceptivos-cognitivos, enquanto fisiolgicos, tambm so
pessoais no se trata de um mundo que a pessoa percebe e constri, mas de seu prprio mundo -, e levam a, esto ligados a, um eu perceptivo, com
uma vontade, uma orientao e um estilo prprios. Esse eu perceptivo pode
sucumbir com a paralisao de sistemas perceptivos, alterando a orientao
e a prpria identidade do indivduo (SACKS, 2006, p. 139).
Ento, se Nossa percepo chega a objetos, e o objeto, uma vez constitudo,
aparece como a razo de todas as experincias que dele tivemos ou que dele poderamos ter
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 104), como a percepo e a experincia que um ru tem de
uma Justia que visitada s virtualmente?
O que significa a substituio do corpo material por sua representao na tela em
um mundo onde a imagem se sobressai quilo que deveria representar, a ponto de a imagem
ter sentido prprio e independente? Que significados pode ter a imagem em mundo em que
dependemos cada vez mais de relaes exclusivamente visuais, e como isso pode significar
uma alterao de ordem tica na relao com os outros?
No filme Videodrome, de Cronemberg, o personagem estabelece uma relao
orgnica com as imagens na tela, no conseguindo mais distinguir situaes de realidade,
confundindo o mundo possvel das imagens com sua realidade corprea. Ao fim, chamado a
se misturar definitivamente, devendo extirpar-se da materialidade do seu corpo.
To become the new flesh, you first have to kill the old flesh. Dont be afraid.
Dont be afraid to let your body die2. O corpo do ru, transformado de flesh em flash, um
corpo morto. Sua presena prescindvel em seu prprio julgamento. Basta seu reflexo no
2D, transformado em incontveis pixels, sem profundidade nem relevo. Sem humanidade.
Se no atentarmos para o corpo dos seres humanos, certamente nossas
pregaes de respeito aos direitos humanos, de liberdade e reconhecimento,
morrero no nascedouro, pois a elas falta a dimenso originria, que a do
reconhecimento da corporeidade, que em suas relaes recprocas d a base
para outros patamares de construo social da liberdade e da conscincia
(AGUIAR, 2000, p. 257).
A voz, que j no sai mais pela boca, transmitida digitalmente por um aparelho
que modifica invariavelmente suas microvibraes, tirando a possibilidade de sentir,
principalmente no mbito do nosso inconsciente, a carga emocional da fala do outro, seja uma
angstia, uma insegurana, uma certeza, um arrependimento. O juiz, insensibilizado diante
dessa figura robotizada, garantir novo nome alteridade e, por consequncia, Justia.
2 Para se tornar a nova carne, voc dever primeiro matar a antiga carne. No tenha medo. No tenha medo de
deixar seu corpo morrer. (Traduo livre)
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No podemos nos esquecer das consequncias ticas de uma cincia que se
submeteu lgica de sua tcnica, que maximizou o afastamento emptico e permitiu
verdadeiros massacres e destruies. No deveria a videoconferncia ser considerada como
um possvel mecanismo de distanciamento tico, o qual pode dar margem para que o juiz
possa proferir sentenas sem medir com a humanidade devida suas consequncias efetivas?
Se h algo que se pode aprender com a histria recente da humanidade de que a
relao com o Outro inescapvel. O Outro no pode ser ignorado, e trat-lo por nmeros ou
por botes apenas escond-lo onde no queremos enxerg-lo. Do Outro no h escapatria,
e se me recuso a aceitar essa relao, o preo a mutilao, a desconsiderao das
subjetividades rumo homogeneidade totalizante.
Instrumento tico que , a videoconferncia significa uma transformao
inquestionvel na comunicao. Se o meio de dilogo muda, tambm o prprio dilogo muda.
A linguagem j no a mesma. Na videoconferncia, olha-se para um olho que no responde,
e nem tem como responder. Olha-se, antes de qualquer coisa, para a tela ou para a cmera,
fazendo do encontro olho-no-olho algo impossvel. Seria possvel no reconhecer a diferena
de se dialogar olho no olho?
Na videoconferncia, o poder comunicativo do corpo diminudo, e quando
observamos quem a medida procura alcanar (grupos vulnerveis pr-condenados), fica
evidente sua condio biopoltica. Colocar o corpo para alm da tela um mecanismo de
controle biopoltico na medida em que limita a potncia do corpo e do olhar enquanto
linguagem, enquanto expresso. Nesse sentido, sobre os mistrios da linguagem, ensina
MERLEAU-PONTY (2006).
preciso reconhecer ento essa potncia aberta e indefinida de significar quer dizer, ao mesmo tempo de apreender e de comunicar um sentido como um fato ltimo pelo qual o homem se transcende em direo a um
comportamento novo, ou em direo ao outro, ou em direo ao seu prprio
pensamento, atravs de seu corpo e de sua fala (MERLEAU-PONTY, 2006,
p. 263).
Fala-se aqui do interrogatrio. O interrogatrio, antes de ser visto em seu contexto
processual, o dilogo entre duas pessoas para que uma possa dar sua verso sobre
determinados fatos outra. Trata-se, portanto, da mais imediata e inescapvel alteridade.
Verso dos fatos tambm a verso da verdade. Como genialmente colocou
Carlos Drummond de Andrade (em seu poema Verdade), sequer adiantou arrebentar a porta
da verdade, pois l se descobriu que ela Era dividida em metades diferentes uma da outra, e
cada um, sobre ela, optou conforme seu capricho, sua iluso, sua miopia. A poesia coloca
de forma retrica o que a epistemologia tenta nos ensinar. como KUHN (2006) ensina:
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Sero as teorias simples interpretaes humanas de determinados dados? A
perspectiva epistemolgica que mais frequentemente guiou a filosofia
ocidental durante trs sculos impe um sim! imediato e inequvoco. Na ausncia de uma teoria j desenvolvida, considero impossvel abandonar
inteiramente essa perspectiva. Todavia ela j no funciona efetivamente e as
tentativas para faz-la funcionar por meio da introduo de uma linguagem
neutra parecem-me agora sem esperana (KUHN, 2006, 164).
Ora, se nem as mais complexas teorias cientficas, com seus mtodos rigorosos,
podem ter a pretenso da neutralidade, porque considerar a comunicao virtual em tela como
mero mecanismo intermedirio e neutro? Outro efeito igualmente importante do contexto da
ao burocrtica a desumanizao dos objetos da operao burocrtica, a possibilidade de
express-los em termos puramente tcnicos, eticamente neutros (BAUMAN, 1998, p. 126).
A consequncia de se desconsiderar eticamente os instrumentos burocrticos, tal
como a medida da videoconferncia, a reduo da alteridade insensibilizao por eles
causada. Nesse processo de considerao do Outro enquanto um ser desumanizado, perdido
nos nmeros e nas categorias pr-definidas por uma racionalidade burocrtica que est a
semente dos estados totalitrios.
O ru tem no seu interrogatrio seu momento de defesa por excelncia. a partir
desse contato direto com seu julgador que ele dar sua verso dos fatos, justificar sua
conduta, confrontar testemunhas e acusao. o momento que ele tem se mostrar eloquente,
de convencer, de fazer acreditar. No h suporte para tamanha responsabilidade com a
videoconferncia.
Ao se considerar as prticas rotineiras do sistema de Justia Criminal, percebe-se
um esquema geral de tratamento dos provveis condenados. Esse ru, j preso, j colocado
sob o estigma da alta periculosidade, tem no interrogatrio no somente a oportunidade de dar
sua verso, mas de mostrar-se como ser real, como sujeito de direitos que sente na carne as
mazelas da pena. Escondido atrs da tela, razo de insensibilizao e impessoalidade, o preso
ter reduzidos os instrumentos de reivindicao de direitos. Direitos estes que vo desde a
ampla defesa, como o de ter a oportunidade de denunciar ao juzo possveis violaes que
sofre na carceragem.
As telas so capazes de mostrar os sintomas de agresses, seja o da perna manca
ou o hematoma? Como se sentir confortvel em denunciar o agente que se mantm ali, ao
seu lado? Sentir que est no momento mais importante de sua defesa, ou sentir apenas a
rotina de sua pena?
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A discricionariedade policial e as pssimas condies das penitencirias so uma
infeliz realidade no Brasil. Nesse contexto poltico de excluso e negligncia jurdica, qual o
papel da videoconferncia? Seria a medida realmente uma garantidora de direitos ou apenas
mais um instrumento para um poder estatal mais repressor? Teremos uma Justia que de fato
sente a presena real dos sujeitos de direitos ou teremos uma Justia que se insensibiliza
diante da imagem fria da tela?
No difcil fazer uma ponte com o romance 1984, de George Orwell, no qual o
Grande Irmo, lder poltico que comanda um regime totalitrio, se comunica com seus
sditos (camaradas) somente pela tela. por meio dela que se cria uma relao de
ostentao e idolatria para com o grande lder, o que se vincula necessariamente com a
distncia decorrente de uma comunicao determinada por sua condio imagtica. Nessa
comunicao, no somente se permite a adorao do ditador, como se permite tambm que os
sujeitos sejam desconsiderados em subjetividade e em individualidade, perdendo-se na
homogeneidade imposta por um modelo de sociedade autoritria e hierrquica.
Por isso importante perguntar-se que tipo de relao se estabelece a partir de um
mecanismo virtual. Com a videoconferncia, como o ru observar o judicirio? Sem visit-lo
presencialmente, no estaria apenas contribuindo para sensao de uma Justia distante e
inatingvel, cujo valor reduzido ainda mais frente ao sistema prisional? Do outro lado, como
o juiz observar o ru? A presena fsica do ru, aos sentidos do juiz, pode ser substituda sem
prejuzos pelo ligar e desligar da tela, ou isso pode significar apenas mais um elemento de
distanciamento tico para com o outro?
Questionava PLATO (2004, p. 226) como seria a realidade aos seres humanos
da caverna que viam o mundo somente pala silhueta nas paredes. Aqui, problematiza-se como
se d a percepo de um judicirio no presenciado, mas apenas observado em tela. Da
mesma forma o juiz, que no mais sente a presena corprea dos rus que sentencia.
Lembrando que a palavra sentena vem do gerndio do verbo sentire, questiono
as possveis consequncias de um judicirio cujas sentenas so proferidas na ausncia (ou na
alterao) do sentir-o-outro. Busco compreender que funes pode exercer um judicirio que
cada vez mais afasta os sujeitos, e como a medida da videoconferncia deve ser analisada em
um Estado Democrtico de Direito que tem no processo penal o instrumento garantidor das
liberdades contra os Estados totalitrios como o descrito em 1984.
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Metodologia e marcos tericos.
A metodologia adotada neste estudo foi a reviso de literatura sobre matrias
concernentes temtica da videoconferncia, com o objetivo principal de contribuir para o
debate jurdico a partir da transdisciplinaridade, da comunicao entre diversas reas do saber,
partindo da compreenso de que somente assim se pode entender a complexidade
fenomenolgica do interrogatrio on-line.
Este trabalho monogrfico, nesse sentido, tem a pretenso de responder algumas
das questes acima colocadas. De demonstrar aos juristas a importncia de um corpo por
muito esquecido e reificado nos discursos da modernidade. Sob os dogmas da celeridade e do
baixo custo, as subjetividades so cada vez mais reduzidas ao tamanho dos pixels que
desempenham o papel de representar o mundo.
Este estudo nasce da vontade de ver o ator jurdico dar a mesma importncia ao
corpo que o ator teatral. Procurou-se, portanto, ter a conscincia de que foi na dor corporal
que se sentiu os pesares dos campos de concentrao, cuja possibilidade foi iniciada
justamente pela incapacidade de se olhar para o Outro como um elemento igualmente vivo,
mas como uma individualidade reduzvel e estigmatizada.
Dessa forma, observando que o debate jurdico acerca do tema carecia de dilogo
com outras reas do saber, tais como a filosofia e a psicologia, a metodologia escolhida foi a
reviso de literatura, com o objetivo de contribuir discusso tentando trazer mais elementos
de complexidade (MORIN, 2007, p. 6) temtica.
Dessa maneira, no primeiro captulo, levantou-se o caminho trilhado pela
doutrina, pelo legislativo e pela jurisprudncia sobre a constitucionalidade e legalidade da
medida. Pela anlise do perodo que corresponde ao incio da aplicao da medida no Estado
de So Paulo em 1996, passando pela edio da lei da videoconferncia em 2009 at os dias
atuais, fica evidente que o dissenso doutrinrio e jurisprudencial est distante de um fim
definitivo e sereno. Ao contrrio, o interrogatrio on-line marcado por uma profcua e
intensa polmica, justificando a necessidade e a relevncia da pesquisa.
Nesse levantamento, deu-se enfoque argumentao favorvel medida. Isso se
justifica porque a partir dela que se evidenciou a necessidade de trazer elementos novos
discusso. O que se prope, portanto, destacar que a Justia Criminal atua sobre um corpo
vivo. Procura-se atingir esse objetivo a partir da contextualizao do debate jurdico com
outras reas do saber, pois, de fato, elas so preteridas na argumentao da doutrina
majoritria.
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A partir dessa compreenso, no segundo captulo, foi vlida a contribuio de
autores como J. L. Austin, filsofo da linguagem, com o objetivo de atentar para os perigos
dos labirintos terminolgicos atinentes temtica, em que figura muito comum a utilizao de
palavras de contedo fluido e indeterminado, como real, virtual, direto, indireto, imagem.
Com autores como Paul Virilio, terico cultural, foi possvel trazer uma
compreenso mais abrangente sobre o significado de imagem e de um mundo em que as
representaes acabam sendo mais determinantes nas relaes interpessoais do que a coisa
representada.
Para esta crtica, destacou-se a contribuio do filsofo Merleau-Ponty, cuja obra
Fenomenologia da Percepo (2006) tida por muitos como um dos mais importantes
trabalhos sobre a percepo e o significado do corpo enquanto mecanismo sensorial.
Contudo, diante dos estudos de Merleau-Ponty, mais especificamente na
considerao do corpo como ser sexuado (captulo V da primeira parte de Fenomenologia da
Percepo), vi-me obrigado a entrar na rea da psicanlise, que tangenciei com a ajuda, em
especial, de Herbert Marcuse (A transformao da sexualidade em Eros, captulo 10 de Eros e
Civilizao), Marcia Tiburi e Freud (Mal-Estar na civilizao).
O objetivo foi o de apresentar consideraes da psicologia a respeito da
linguagem no-verbal. A escolha se deve ao fato de que, na videoconferncia, comum o
argumento de que se pode perfeitamente ouvir a fala do interlocutor sem prejuzos, como se
tal fato fosse suficiente para justificar a medida. Nesse sentido, a psicologia fornece elementos
de anlise para demonstrar que o prprio ambiente influencia nos nimos dos dialogantes, de
modo que estando o ru no presdio e o juiz na sala de audincia, sequer h o
compartilhamento desse nimo, o que evidencia mais uma forma de distanciamento entre eles.
O segundo captulo, portanto, uma crtica inicial que tem o intuito de mostrar
como o debate jurdico sobre o interrogatrio on-line negligente quanto sua verdadeira
complexidade, e busca trazer elementos novos, ou pelos menos de uma nova maneira, para a
discusso acadmica.
No terceiro captulo, buscou-se identificar quais discursos fundamentam os
argumentos que insistem na defesa de um modelo de Judicirio cuja eficincia se mede mais
pela celeridade e pelo baixo custo, do que pela qualidade da prestao jurisdicional. Inserido
no paradigma3 da modernidade, no difcil observar que tais argumentos se orientam em
uma lgica utilitarista, incoerente com as disposies da ordem constitucional atual.
3 Paradigma foi aqui utilizado no sentido dado por Thomas KUHN, em A Estrutura das Revolues Cientficas
(2006).
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Nesse sentido, analisou-se em que medida o discurso da defesa social acoplado ao
neoliberalismo, normalmente associado diminuio do estado de assistncia e ao aumento
do Estado punitivista e policialesco, contribui para a construo do sujeito enquanto monstro,
enquanto inimigo do corpo social.
A partir da anlise de um discurso que constri o Outro de maneira desumanizada,
retomou-se os perigos da aplicao de uma racionalidade burocrtica (BAUMAN, 1998) que
desqualifica os sujeitos enquanto seres humanos. O que possibilita o desenvolvimento de um
verdadeiro estado de exceo (AGAMBEN, 2010), visto de forma concreta em nossa histria
recente nos campos de concentrao nazistas, que dependiam intrinsecamente dessa mesma
ideologia reificadora que hoje se utiliza para aplicao do sistema de videoconferncia.
Diante do distanciamento tico decorrente de todo esse aparato ideolgico,
procurou-se, mais especificamente em Lvinas, compreender a relao tica com o Outro4, na
concepo de que a alteridade e a abertura para com o Outro condio necessria e
inescapvel da justia.
Isso se justifica porque o contato com o Outro pelos instrumentos tecnolgicos,
aplicados na condio de o ru j estar qualificado como altamente perigoso, podem servir
como um elemento potencializador desse distanciamento tico. Posiciona-se dessa forma por
considerar que tambm as tecnologias, bem como a cincia, devem ser contextualizadas
eticamente, sem incorrer na crena de dissociao completa entre meios e fins, entre moral e
os instrumentos burocrticos (BAUMAN, 1998, p. 187), uma vez que estes cumprem a
funo de intermediar relaes humanas efetivas.
Por fim, no quarto captulo, retomando a origem do habeas corpus, no qual a
presena do corpo era condio fundamental para a garantia do direito violado, entendeu-se
que o writ apresenta-se, na histria do Direito, como o instrumento de limitao dos abusos de
um sistema inquisitorial, invocando a presena do corpo diante do juzo como meio de
garantia para a defesa contra ilegalidades.
4 Optei por escrever Outro ora com maiscula, ora com minscula, a depender do sentido que pretendi usar.
No minsculo, trata-se de um termo mais genrico, assemelhvel a indivduo ou pessoa. No maisculo, aproximando-se da compreenso de Lvinas (vide item 3.4), como aquele que garante significado alteridade,
aquele que est sempre alm e fora de mim (Lvinas apud POIRI, 2007, p. 22) e, por isso, me questiona.
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CAPTULO 1. O INTERROGATRIO.
A Ideia
(Augusto dos Anjos)
De onde ela vem?! De que matria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incgnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogentica e alta luta
Do feixe de molculas nervosas,
Que, em desintegraes maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida s cordas do laringe,
Tsica, tnue, mnima, raqutica ...
Quebra a fora centrpeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da lngua paraltica.
1.1. Interrogatrio como meio de defesa
O artigo 5 da Constituio Federal de 1988, no inciso LXIII, garante ao preso o
direito de permanecer calado e, de acordo com os preceitos constitucionais atinentes, esse
silncio no pode ser interpretado contra o ru, sob pena de nos submetermos lgica de
processo inquisitrio.
O direito ao silncio se vale apenas como uma manifestao de outra garantia
mais ampla, a do princpio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo no
pode sofrer nenhum prejuzo jurdico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatria
da acusao ou por exercer seu direito de silncio quando do interrogatrio (LOPES JR,
2011, p. 625).
A partir do nemo tenetur se detegere, FERRAJOLI aponta uma srie de
corolrios: a) o fim do juramento do acusado; b) o direito ao silncio e tambm o direito de
responder o falso; c) A proibio de se arrancar a confisso, seja por violncia fsica ou por
manipulao psicolgica, a fim de se respeitar a integridade fsica e a inviolabilidade da
conscincia; d) a negao ao papel decisivo da confisso, seja pela refutao de outras provas
por outra situao de direito; e) o direito presena do defensor, de modo a impedir abusos ou
violaes das garantias processuais (FERRAJOLI, 2010, p. 560).
Esse princpio confere importncia basilar ao sistema democrtico. Dele surge a
garantia da no produo de prova contra si mesmo, ou seja, trata-se de um direito que
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impede a autoridade pblica de obrigar ou coagir o acusado de fornecer informaes que
possam prejudic-lo e incrimin-lo.
Nesse contexto, o interrogatrio, realizado de forma livre e espontnea, sem
coaes ou obrigaes, no pode ser utilizado como meio de prova incriminadora, embora
possa constituir fonte de prova, de modo que at mesmo a confisso dever ser corroborada
por outros elementos do conjunto probatrio (LOPES JR., 2011, p. 622). possvel, portanto,
que o ru, se de forma livre e desimpedida, conceda informaes que ajudem na constituio
de provas, mas os fatos alegados em sede de interrogatrio devem sempre ser tidos sob o
ponto de vista defensivo, partindo-se da presuno de inocncia, atinente ao artigo 5, inciso
LVII, da CF/88, pelo qual ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de
sentena penal condenatria.
Dessa forma, a infrutfera discusso sobre a natureza jurdica do interrogatrio
no sentido de consider-lo essencialmente como meio de defesa, embora no deva ser negado
seu valor probante na medida em que contribui para as apreenses do julgador na hora da
sentena (LOPES JR., 2011, p. 622).
A disciplina do interrogatrio no Direito Brasileiro passou por transformaes
aps a CF/88. Nesse sentido, o Cdigo de Processo Penal (CPP), em seu artigo 400, includo
pela Lei n 11.719/2008, j em coerncia com a Constituio em considerar o interrogatrio
como meio de defesa, o colocou como o ltimo dos atos da audincia. E de forma diversa no
poderia ser, pois esse o momento em que o ru deve se manifestar e se defender, aps as
disposies colocadas pela acusao e testemunhas.
Como sustenta FERRAJOLI,
no interrogatrio que se manifestam e se aferem as diferenas mais
profundas entre mtodo inquisitrio e mtodo acusatrio.
(...)
no modelo garantista do processo acusatrio, informado pela presuno de
inocncia, o interrogatrio o principal meio de defesa, tendo a nica
funo de dar vida materialmente ao contraditrio e permitir ao imputado
contestar a acusao ou apresentar argumentos para se justificar
(FERRAJOLI, 2010, pp. 559 e 560).
O interrogatrio do acusado corresponde garantia da autodefesa decorrente da
ampla defesa constitucional (SCARANCE FERNANDES, 2012, p. 265). Embora
renuncivel, a autodefesa o direito exercido pelo prprio ru, somando-se defesa tcnica
para constituio da ampla defesa. Ensina SCARANCE FERNANDES que
Esse direito se manifesta no processo de vrias formas: direito de audincia,
direito de presena, direito de postular pessoalmente.
(...)
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23
O direito de audincia consiste no direito do acusado a, pessoalmente,
apresentar ao juiz da causa a sua defesa.
(...)
A segunda garantia da autodefesa o direito de presena, por meio do qual
se assegura ao acusado a oportunidade de, ao lado de seu defensor,
acompanhar os atos de instruo, auxiliando-o na realizao da defesa.
(SCARANCE FERNANDES, 2012, pp. 265-6) [grifei].
O interrogatrio , portanto, a manifestao mais importante para a autodefesa no
processo penal. a oportunidade nica que o ru tem de confrontar diretamente as
informaes contra ele impostas pela acusao e pelas testemunhas. a situao no processo
em que o ru dirige-se diretamente na presena de seu julgador para expor-lhe seus
argumentos e sua verso dos fatos, bem como de ter acesso aos autos e de acompanhar os atos
processuais ao lado de seu defensor, o que impossibilitado pela medida da videoconferncia.
Trata-se do momento em que o ru pode fazer uso da sua voz e mostrar-se como
um ser real diante da Justia. Quase sempre como um terceiro, embora sendo o protagonista, o
ru ouvido pela boca do Ministrio Pblico e pelo seu advogado, ficando essencialmente na
posio de ouvinte em seu prprio processo.
Incomodado com a situao de ser colocado margem de seu prprio processo,
Meurseault, personagem de Albert Camus no romance O Estrangeiro, que responde por ter
matado um rabe, no se reconhece na histria contada pelo promotor ou pelo seu advogado,
sendo inclusive proibido de pronunciar-se ou de dar sua verso. Mas a mim parecia-me que
me afastavam ainda mais do caso, reduziam-me a zero e, de certa forma, substituam-me
(CAMUS, 2010, p. 95). Afastado, impedido de manifestar-se com palavras e com o corpo,
transformou-se em leitor de sua prpria histria.
Ora, como possvel a sentena, que dever modificar substancialmente a vida de
algum, ser proferida sem que essa pessoa se manifeste? E mais, sem que essa pessoa se
manifeste da melhor forma e condies possveis. No pode o judicirio processar algum e
submeter essa pessoa aos pesares da indiferena e da insensibilidade, condenando-o
previamente a ser estrangeiro de sua prpria histria.
O interrogatrio tanto o momento em que o judicirio contata diretamente o ru
quanto o momento em que este sente o judicirio. Sua presena sentida e sua voz ouvida,
saindo do papel e do nmero dos autos para se mostrar como um ser vivo. E tambm o ru,
saindo da penitenciria para seu julgamento, v no interrogatrio a oportunidade derradeira de
esclarecer e de convencer o juiz.
Qualquer economia desse momento, pilar no direito de defesa, um risco
prpria democracia, seria reconhecer a inutilidade da defesa no julgamento. Da sua
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importncia, portanto, emerge o dever de cuidado, no podendo ser tratado como mero
procedimento formal. Seria reconhecer que o contato entre julgador e ru um fenmeno
carente de complexidade ou at dispensvel, no considerando todos os elementos
psicolgicos pertinentes.
O juiz, reconhecendo a importncia de se estar aberto s sensaes sobre a pessoa
que vai sentenciar, colhendo suas vibraes de forma inalienvel, no pode fazer economia
desse instrumento de defesa. O julgador est submetido a infinitas maneiras de apreenso do
outro, e a prpria alteridade que est em questo. No reconhecer a importncia desse
dilogo e contato direto desconsiderar todos os aspectos de ordem fenomenolgica e
psicolgica, tanto consciente como inconsciente. A complexidade dos sujeitos, principalmente
no procedimento criminal, no pode ser reduzida a ponto de consider-los como mero objeto,
reificados e desumanizados.
Diante disso, questiona-se o uso de algemas e at da vestimenta de presidirio. O
cenrio montado na audincia, onde o preso em vestes especiais entra algemado e sob
vigilncia de pelo menos dois agentes armados, significa toda uma simbologia que vai de
encontro com a presuno de inocncia. O instituto constitucional deve ser levado para alm
do papel em que est escrito, mas para a realidade do judicirio, que deve reconhecer a
influncia dessa simbologia na hora da sentena.
Considerando toda essa complexidade fenomenolgica, a videoconferncia insere-
se como mais um elemento de distanciamento, deslocando a alteridade para o nvel da
virtualidade, cujas consequncias no podem ser negadas.
Contudo, entrando nessa questo mais especificamente no segundo captulo, as
prximas pginas se destinam a um esclarecimento mnimo sobre o caminho traado pelo
legislativo, pela jurisprudncia e pela doutrina a respeito do interrogatrio efetuado por meio
da videoconferncia.
1.2. A lei 10.792/2003. Aproximao Constituio Federal de 1988
A lei 10.792/03 alterou o Cdigo de Processo Penal no que tange ao
interrogatrio, revogando os artigos de 185 a 196. As novas inseres se aproximaram do
sistema acusatrio e da lgica atinente Constituio Federal de 1988.
No modelo anterior, marcantemente inquisitorial, o CPP no previa a presena
necessria do defensor e o ru era advertido de que seu silncio poderia ser utilizado contra
sua prpria defesa, constituindo o interrogatrio ainda como a busca da confisso, sendo
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utilizado mais como meio de prova e instrumento acusatrio do que propriamente um meio de
defesa pleno.
Ainda at a lei 10.792/03, o ru, negando as imputaes, era convidado a
indicar provas da verdade de suas declaraes, mostrando que o sistema inquisitorial, no qual
o nus da prova recai sobre a defesa, estava presente em nosso sistema infraconstitucional
ainda neste sculo.
Dessa forma, revogando os dispositivos flagrantemente inconstitucionais, a lei
inseriu no Cdigo novas disposies, tais como a necessidade de presena do advogado (art.
185), bem como a garantia de entrevista privada entre ru e defensor anterior ao interrogatrio
(revogado art. 185 2). No mesmo sentido, inseriu o pargrafo nico do artigo 186, que
dispe sobre o direito ao silncio, vedando a possibilidade de ser usado contra o ru em
qualquer hiptese, desconstituindo o interrogatrio como instrumento da acusao, ao menos
em tese.
Contudo, no obstante seu evidente avano e conformidade constitucional, a lei
foi marcada por seu laconismo, no versando sobre a videoconferncia mesmo havendo o
debate jurisprudencial sobre o tema.
1.3. A videoconferncia antes da Lei 11.900/2009
A videoconferncia surgiu pela primeira vez no Brasil j em 1996, com o ento
juiz de Direito Luis Flvio Gomes5. O doutrinador assume que se espanta com o tamanho da
repercusso que a questo gera at os dias de hoje, e se afigura como um dos principais
agitadores favorveis da medida.
De 1996 at a lei 11.900 de 2009, o debate restringiu-se doutrina e
jurisprudncia com exceo da Lei Estadual 11.819/05 de SP ora balanando para sua
adeso, ora para sua rejeio. Para este estudo, escolhi dois momentos que nortearam o
debate. O primeiro dele acerca do habeas corpus de nmero 90.999 de So Paulo, que
pautou a discusso pela formalidade, qual seja, a de incompetncia legiferante por parte da
Unidade Federativa sobre matria processual penal. O segundo momento escolhido foi o HC
88.914/07 de So Paulo, que pautou a questo no somente pela ausncia de prescrio legal
5 Como ele mesmo coloca: Quando, em 1996, realizei os primeiros 6 interrogatrios on-line do pas e da
Amrica Latina -, na condio de Juiz de Direito (GOMES, 2009 p. 30 e 31).
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sobre a matria, mas tambm sobre sua constitucionalidade material. A escolha desses
momentos se justifica pelo impacto, em especial, nos tribunais6.
1.3.1. Primeiro Momento: A Inconstitucionalidade da Lei Estadual 11.819/2005 SP
At esse momento, a jurisprudncia tendia a pronunciar-se pela matria somente
sob seu aspecto formal, pela falta de prescrio legal. Diante da inrcia do Congresso
Nacional, os legisladores do Estado de So Paulo editaram a Lei 11.819/05, que possibilitava
a utilizao da videoconferncia para o interrogatrio.
No entanto, foi impetrado o HC 90.999/SP para anulao dos atos processuais
decorrentes do interrogatrio on-line, tendo sido este realizado com suporte em lei que
desrespeitava o princpio da legalidade. A alegao era de que a lei estadual afrontava o artigo
22, inciso I, da Constituio Federal, pois que prev expressamente a competncia privativa
da Unio para legislar sobre matria de Direito Processual Penal. O julgamento foi submetido
ao plenrio do STF e apenas a ministra Ellen Gracie votou pelo indeferimento do writ.
O ministro relator para o acrdo Menezes Direito conclui no seu voto vencedor:
Enxergo, portanto, que a possibilidade de videoconferncia no caso, esbarra
na disciplina constitucional brasileira, art. 22, I, e, se esbarra na disciplina
constitucional brasileira, ao meu sentir, dispensvel ir adiante com
qualquer outro raciocnio, porque o ato praticado na lei assim concebida
padece de evidente nulidade (MENEZES DIREITO, pp. 762-3).
Assim, a lei estadual em tela foi considerada inconstitucional por confrontao ao
princpio da legalidade7. Embora quase sempre restritas em seu mbito formal, as discusses
continuaram, aumentando-se a presso para que o Congresso Nacional suprisse a lacuna.
1.3.2. Segundo Momento: O habeas corpus 88.914/SP e o questionamento da
materialidade constitucional da medida.
O HC 88.914/SP8, de relatoria do ministro Cesar Peluso, o mais importante
marco jurisprudencial acerca da temtica da videoconferncia, mesmo depois do advento da
Lei 11.900/09, por trazer vrios pontos que conferiram complexidade material questo.
6 No se trata de momentos com alguma relao cronolgica especfica, mas de momentos que marcaram o
debate de maneiras distintas, que merecem o devido destaque para a anlise. 7 EMENTA Habeas corpus. Processual penal e constitucional. Interrogatrio do ru. Videoconferncia. Lei n
11.819/05 do Estado de So Paulo. Inconstitucionalidade formal. Competncia exclusiva da Unio para legislar
sobre matria processual. Art. 22, I, da Constituio Federal. 1. A Lei n 11.819/05 do Estado de So Paulo
viola, flagrantemente, a disciplina do art. 22, inciso I, da Constituio da Repblica, que prev a competncia
exclusiva da Unio para legislar sobre matria processual. 2. Habeas corpus concedido.
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Abaixo, alguns trechos pertinentes:
4. No fujo realidade para reconhecer que, por poltica criminal, diversos
pases Itlia, Frana, Espanha, s para citar alguns adotam o uso da videoconferncia sistema de comunicao interativo que transmite simultaneamente imagem, som e dados, em tempo real, permitindo que um
mesmo seja realizado em lugares distinto na praxis judicial. certo, todavia, que, a, o uso desse meio previsto em lei, segundo circunstncias
limitadas e deciso devidamente fundamentada, em cujas razes no entra a
comodidade do juzo. Ainda assim, o uso da videoconferncia considerado
mal necessrio, devendo [ser] empregado com extrema cautela e rigorosa anlise dos requisitos legais que o autorizam.
No o que passa aqui.
No existe, em nosso ordenamento, previso legal para realizao de
interrogatrio por videoconferncia. E, suposto a houvesse, a deciso de
faz-lo no poderia deixar de ser suficientemente motivada, com
demonstrao plena da sua excepcional necessidade no caso concreto. (pp.
13, 14)
Fica evidente, a partir do supracitado trecho e da prpria ementa, a presso por
parte do STF para a movimentao do legislativo, indicando-lhe, inclusive, que deveria haver
exposio dos motivos para adoo da medida e que ru deveria ser devidamente citado. A
argumentao do acrdo no se d somente pela carncia legal, mas pela ausncia de
fundamentao por parte do juzo recorrido em adotar a medida.
bom lembrar, ainda, que, instituda comisso para preparar sugestes
sobre a realizao de interrogatrio on-line de presos considerados
perigosos, o Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria lhe
rejeitou a prtica, ao editar a Resoluo n 05, de 30 de novembro de 2002.
(p. 15)
Pertinente a meno resoluo mencionada (cuja referncia correta
Resoluo n 05, de 30 de setembro de 2002). Em seu prprio teor, resolve: Art. 1. Rejeitar
a proposta relacionada realizao de interrogatrio "On Line" de presos considerados
perigosos, conforme pareceres dos Conselheiros Ana Sofia Schmidt de Oliveira e Carlos
Weis, em anexo.
A Resoluo n 05, de 30 de setembro de 2002, referente ao Processo CNPCP/MJ
n 08037.000062/2002-86, que trata da Portaria n 15/2002, instituiu comisso para preparar
8 EMENTA: AO PENAL. Ato processual. Interrogatrio. Realizao mediante
videoconferncia. Inadmissibilidade. Forma singular no prevista no ordenamento jurdico. Ofensa a clusulas
do justo processo da lei (due process of law). Limitao ao exerccio da ampla defesa, compreendidas a
autodefesa e a defesa tcnica. Insulto s regras ordinrias do local de realizao dos atos processuais penais e s
garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citao do ru preso, apenas instado a
comparecer sala da cadeia pblica, no dia do interrogatrio. Forma do ato determinada sem motivao alguma.
Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovao do processo desde o interrogatrio, inclusive.
Inteligncia dos arts. 5, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e 2, 403, 2 parte, 185, caput e
2, 192, nico, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual no prevista no ordenamento
jurdico vigente, absolutamente nulo o interrogatrio penal realizado mediante videoconferncia, sobretudo
quando tal forma determinada sem motivao alguma, nem citao do ru.
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sugestes referentes realizao de interrogatrio "On Line" de presos considerados
perigosos.
Segue trecho do parecer (grifado por mim) de ANA SOFIA SCHMIDT DE
OLIVEIRA:
O que cumpre, enfim ressaltar, que se as garantias do processo e as
formalidades que as sustentam no tm sido rigorosamente respeitadas na
prtica, este fato no pode jamais ser utilizado como argumento a justificar
inovaes ainda mais gravosas. Da ser a posio desta Comisso
absolutamente contrria realizao de qualquer ato processual sem a
presena fsica do ru preso. No de se cogitar a excepcionalidade da
medida em se tratando de ru perigoso. A subjetividade do conceito j
exige cautela. E se houver fato que impossibilite a apresentao do preso
na sala de audincias do Forum, nada impede que o juiz se desloque a um
anexo dos presdios de segurana mxima, se for o caso, nos termos do
artigo 792 2 o CPP. importante que este local seja efetivamente um
anexo sob administrao do Poder Judicirio e no apenas uma
dependncia do estabelecimento prisional.
Em suma, esta Comisso entende que a substituio da
presena fsica do ru nos interrogatrios e audincias judiciais pela
transmisso eletrnica de sua voz e imagem medida ilegal e
desnecessria que ofende os princpios mais caros do devido processo
legal.
Continuando do voto do Ministro Peluso:
Ainda que o preso deve, pois, o acusado comparecer perante a
autoridade judiciria, seu juiz natural, para ser interrogado.
A Conveno Interamericana de Direitos Humanos, o Pacto de So
Jos da Costa Rica, prescreve, ademais, no art. 7, n. 5, que toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, presena de um juiz ou
outra autoridade autorizada por lei a exercer funes judiciais. No mesmo sentido dispe o art. 9, n. 3, do Pacto Internacional Civis e Polticos.
Clara, portanto, a opo legislativa: na impossibilidade de o ru
preso ser conduzido ao frum, por razes de segurana, o magistrado
quem deve deslocar-se at ao local onde se encontre, para o interrogar. (pp.
15, 16)
No que se refere ao trecho acima, vale a meno ao Pacto de So Jos da Costa
Rica, de 22 de novembro de 1969, do qual o Brasil foi signatrio pelo Decreto n 678 de 06 de
Novembro de 1992, sempre trazido tona neste debate da videoconferncia. No art. 7, n 05,
tem-se a seguinte prescrio legal:
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora,
presena de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer
funes judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razovel ou de ser
posta em liberdade, sem prejuzo de que prossiga o processo. Sua liberdade
pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em
juzo. (grifo acrescido)
Muito alm do mero aspecto formal, o voto do ministro Peluso questionou uma
srie de vcios atinentes medida. Por exemplo, a videoconferncia impossibilita o acesso aos
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autos, e at mesmo o defensor, dever este ficar onde, junto ao cliente ou junto ao juiz? O
ministro questiona tambm a igualdade entre ru preso e ru solto, no podendo a medida ser
adotada apenas para uma espcie de acusado. Tal diferenciao seria uma afronta ao artigo 5
caput da CF/88 (p. 18).
Um dos pontos mais relevantes o de o ru poder aproximar-se do juzo para
denunciar possveis maus-tratos que lhe acometem no presdio, argumentando que o preso
jamais ter a serenidade e a segurana suficiente para fazer o relato de seu tratamento to
prximo dos agentes e de toda a hostilidade local (p. 18).
O referido ministro coloca o interrogatrio no mais como mais um momento
qualquer no procedimento criminal, mas o contextualiza com a complexidade devida,
garantindo-lhe a importncia democrtica desse instrumento de defesa, invocando a
necessidade da presena fsica e real diante do juzo, para uma apreenso mais precisa sobre a
fala e expresso do acusado. Mais do que ver e ouvir, o interrogatrio evento afetivo, no
sentido radical da expresso. Assim como em sesso psicanaltica, fundamental a presena
dos participantes em ambiente compartilhado (p. 24).
Sem a inteno de esgotar a argumentao levantada no voto, matria tambm
deste estudo nos captulos que se seguem, o ministro, por fim, coloca que quando a poltica
criminal promovida custa de reduo das garantias individuais, se condena ao fracasso
mais retumbante (p. 23).
A deciso influenciou toda jurisprudncia nacional. O prprio STJ, hoje, tem uma
jurisprudncia consolidada a respeito da utilizao da videoconferncia que se deram antes do
advento da Lei 11.900/09, no sentido de considerar nulidade absoluta do interrogatrio on-
line e, logo, todos os atos processuais decorrentes dele. o que se pode observar nos
seguintes julgados9. Por todos, o seguinte acrdo:
2. A jurisprudncia consolidada nesta Corte Superior firmou-se no sentido
de que a audincia realizada por videoconferncia, anteriormente
vigncia da Lei n 11.900/09, ocorreu em afronta aos princpios
constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.
3. O ato processual realizado em infringncia norma constitucional
processual de garantia absolutamente nulo. (...)
(HC 162772 / SP HABEAS CORPUS 2010/0028548-5 Ministro ADILSON
VIEIRA MACABU [DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ]/ T5 -
QUINTA TURMA/DJe 28/06/2012)
9 HC 231501/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. 5T. Julgado em 21/06/2012. HC 191624/SP. Rel. Ministro GILSON
DIPP, 5T, julgado em 22/05/2012. HC 166873/SP, Rel. Ministro SEBASTIO REIS JNIOR, 6T, julgado em 10/04/2012. HC 124811/SP Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ) 5T. Julgado em 27/09/2011. HC 193025/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI. 5T. julgado em 06/09/2011. RHC 25570/SP Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE) T6. Julgado em 07/04/2011.
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1.4. A Lei da Videoconferncia 11.900/2009. O fim dos debates?
A lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009 veio finalmente prescrever a matria sobre a
videoconferncia. Mantendo apenas o caput do art. 185, alterado pela lei 10.792 de 2003, a
nova lei inseriu nove pargrafos inditos. O 1 prescreve que o interrogatrio do ru preso
dever ser efetuado, em regra, em sala prpria e no estabelecimento em que estiver recolhido.
O 2 do artigo 185 que versa especificamente sobre a videoconferncia. Foi
inserido com o seguinte teor:
Excepcionalmente, o juiz, por deciso fundamentada, de ofcio ou a
requerimento das partes, poder realizar o interrogatrio do ru preso por
sistema de videoconferncia ou outro recurso tecnolgico de transmisso de
sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessria para
atender a uma das seguintes finalidades:
I - prevenir risco segurana pblica, quando exista fundada suspeita de
que o preso integre organizao criminosa ou de que, por outra razo,
possa fugir durante o deslocamento; (Includo pela Lei n 11.900, de 2009)
II - viabilizar a participao do ru no referido ato processual, quando haja
relevante dificuldade para seu comparecimento em juzo, por enfermidade
ou outra circunstncia pessoal; (Includo pela Lei n 11.900, de 2009)
III - impedir a influncia do ru no nimo de testemunha ou da vtima, desde
que no seja possvel colher o depoimento destas por videoconferncia, nos
termos do art. 217 deste Cdigo; (Includo pela Lei n 11.900, de 2009)
IV - responder gravssima questo de ordem pblica. (Includo pela Lei n
11.900, de 2009)
evidente e inescapvel o termo inicial do dispositivo: Excepcionalmente.
Seguindo a orientao encaminhada pela mais alta corte, a prpria lei prev que a medida s
pode ser utilizada quando fundada necessidade e em carter excepcional.
No entanto, peca com a vagueza e com a impreciso ao elencar as finalidades
convenientes ao uso da videoconferncia. Os termos risco segurana pblica, ordem
pblica, acompanhados das outras circunstncias, como risco de fuga e suspeita de
integrar organizao criminosa, correspondem a uma impreciso tcnica incondizentes com a
legislao penal de um Estado Democrtico. Tamanha vagueza um caminho curto ao
decisionismo e arbitrariedade, tornando a condio de excepcionalidade mera letra morta.
Interessante destacar o inciso III do artigo 185 e sua remisso ao artigo 217
tambm do CPP. Ora, ao colocar a aplicao da videoconferncia como forma de evitar a
influncia no nimo da testemunha ou da vtima, no estaria o prprio legislador admitindo
que a medida seja de fato um instrumento de distanciamento e insensibilizao?
O 3 dispe sobre a necessidade de intimao prvia de 10 dias para a utilizao
do sistema de videoconferncia.
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31
O 4, por sua vez, coloca a possibilidade de acompanhamento do ru a todos os
atos da audincia nica de instruo e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 do
CPP. Vale ressaltar que a videoconferncia, como medida de acompanhamento processual,
pode de fato se valer como um instrumento democrtico, na medida em que permite uma
maior proximidade do ru com os atos de seu processo, muitas vezes realizados alheios de seu
conhecimento. Dessa maneira, tem-se que, como instrumento de efetivar o contato do sujeito
aos atos processuais a ele atinentes, a videoconferncia medida perfeitamente vlida.
A videoconferncia, portanto, ao passo em que aproxima o ru de atos processuais
normalmente afastados de seu acompanhamento, ou at de sua cincia, medida
perfeitamente vlida para garantia mnima desse acesso aos atos, fator constituinte do direito
presena (SCARANCE FERNANDES, 2012, p. 266).
O 5 garante o direito de entrevista prvia e reservada do ru com seu defensor e,
no caso da videoconferncia, dever haver meio disponvel para sua realizao. O contedo
deste pargrafo questionvel. A relao imediata e fsica , sem dvida nenhuma, condio
fundamental para o estabelecimento de um mnimo de confiana e da cumplicidade, fatores
essenciais para o trabalho da defesa. Ainda que essa confiana j esteja estabelecida, como no
caso de uma relao antiga, como o advogado, por telefone, poder ter a certeza de que o ru
fala sem coeres do outro lado da linha? O estabelecimento dessa cumplicidade ainda mais
sobrestado quando se tratar de defensor dativo, vindo a reforar ainda mais o afastamento
burocrtico j presente na Justia. Confiar o ru em seu advogado constitudo se o primeiro
contato com seu defensor se der por meio tecnolgico? No h dvida do prejuzo causado
defesa por essa limitao drstica da comunicao, to essencial no trabalho do defensor.
O 6 atribui o dever de fiscalizao da sala reservada para utilizao do sistema
de videoconferncia ao juiz de cada causa, ao Ministrio Pblico e OAB. O 7 estipula que,
no sendo cabvel a excepcionalidade no 2 ou a possibilidade de deslocamento do juiz ao
presdio, o ru ser apresentado em juzo. O 8 estende a aplicao da medida a outros atos
processuais, como a acareao, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirio de
testemunhas ou tomada de declaraes do ofendido. Por fim, o 9 garante, na hiptese do
8o, o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor.
A lei, como pode ser observado, supre to somente o problema formal, no
adentrando as questes materiais, e mais pertinentes, da questo. Ao contrrio, por sua
vagueza e impreciso, a lei d margem discricionariedade dos juzes, podendo fundamentar
facilmente a necessidade da medida, tornando-a no excepcional, mas sim um procedimento
padro.
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O habeas corpus 88.914/SP, cujo relato do ministro Peluso deixou marcada a
complexidade do tema, compilou uma srie de questionamentos de ordem constitucional que
j estavam sendo arguidas por alguns estudiosos no Brasil. Dessa maneira, dizer que a lei
11.900/09 sedimentou o debate, alm de reduzir o Direito a critrios apenas de legalidade
formal, negligenciar a riqueza desse debate jurdico.
Aury Lopes Jr., de forma esclarecedora, mostra a incoerncia do judicirio em
recepcionar to serenamente a Lei 11.900/09 sem responder minimamente s intempries
constitucionais que o prprio corpo judicirio denunciou. Logo aps citar um julgado do STJ,
mostra sua irresignao.
INTERROGATRIO JUDICIAL. VIDEOCONFERNCIA. NULIDADE.
A Turma, alterando sua jurisprudncia, concedeu o writ, ao entendimento de
que o interrogatrio realizado por videoconferncia, em tempo real, viola o
princpio do devido processo legal, em que pese o papel da informatizao
moderna do Judicirio. (Lei n. 11.419/2006). Outrossim, o interrogatrio
judicial por videoconferncia pode gerar nulidade devido s carncias at
ento insanveis, a exemplo da falta de controle nacional dos presidirios,
de modo a dispensar a presena do ru perante o julgador. Ademais, por ser
pea imprescindvel no processo penal, o interrogatrio o momento em
que, de viva voz e pessoalmente, o acusado, confrontado frente ao julgado,
relata sua verso dos fatos, para que se determine sua culpabilidade ou
inocncia. (art. 185, 2, do CPP). (HC n 98.422-SP, Rel. Min. Jane Silva
[Desembargadora convocada do TJ-MG], julgado em 20/5/2008).
O ponto nevrlgico : a nova lei no resolveu os problemas nas decises do
STJ e STF. E, mais do que isso, quando aplicada no caso concreto, pode se
revelar substancialmente inconstitucional, por violar diversos princpios
constitucionais.
Portanto, ainda que a Lei n 11.900/09 tenha disciplinado o interrogatrio
por videoconferncia, retirando assim o obstculo da inconstitucionalidade
por ausncia de preciso legal, pensamos que a questo no est
completamente solucionada e que nossa crtica ainda plenamente
aplicvel, cabendo aos juzes e tribunais fazer o controle difuso da
(in)constitucionalidade da Lei n 11.900, bem como reservando essa medida
para situaes excepcionalssimas. (LOPES JR. 2011. p. 631)
Luiz Flvio Borges DUrso e Marcos da Costa, no mesmo sentido de Aury Lopes
Jr., indicam vrios vcios de constitucionalidade atinentes ao interrogatrio on-line. Sustentam
que O advogado no conseguir, ao mesmo tempo, prestar assistncia ao ru preso e estar
com o juiz, embora presente o canal telefnico, a relao cliente/defensor fica prejudicada
(DURSO & COSTA, 2009, p. 33).
Colocam, no entanto, como mais evidente prejuzo a relao do ru com o
magistrado, sustentando que, alm de a cmera no ser fiel realidade, Falar diante da
cmera j um fator inibidor para a maioria das pessoas, mas a capacidade de expresso
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sofrer ainda com o fato de se encontrar o ru dentro do sistema carcerrio, local naturalmente
hostil (DURSO & COSTA, 2009, p. 33).
Por seu turno, o professor da Universidade de So Paulo Sergio Marcos de
Moraes Pitombo, seno o mais citado doutrinador no voto do ministro Peluso no HC 88.914,
posiciona-se tambm de forma avessa medida. Seus posicionamentos, ainda que proferidos
antes do advento da lei 11.900/09, continuam atuais. No mesmo caminho, argumenta que a
videoconferncia constitui ato atentatrio aos princpios da ampla defesa, da publicidade e do
devido processo legal. Lembra, ainda, que tambm a proteo do preso fica em risco, pois
sem o contato imediato com o juiz, este pouco consegue v-lo, alm de obstaculizar uma
possvel denncia de agresso, uma vez que se entrevistado na carceragem no se sentir
confortvel em denunciar eventuais violaes de direitos (PITOMBO, 2000, p. 01 e 02).
No mesmo sentido, o professor Evandro Piza Duarte considera que o
interrogatrio por videoconferncia corresponde vitria de um modelo de racionalidade que
atua para restringir direitos e para perpetuar opresses a grupos estigmatizados. Argumenta
que as medidas virtuais no processo penal devem ser aplicadas para ampliar e realizar direitos,
devendo voltar-se para a qualidade da prestao jurisdicional (DUARTE, 2005).
1.5. O posicionamento doutrinrio favorvel videoconferncia
Sobre a questo, Eugnio PACELLI e Douglas FISCHER, com algumas poucas
ressalvas10
redao dada pela lei 11.900, manifestam seu posicionamento favorvel
videoconferncia com os seguintes termos.
Atente-se que, mesmo antes da edio da Lei federal, o interrogatrio por
videoconferncia era realizado assegurando-se todas as garantias do ru-
interrogado: presena de advogado ao seu lado no local onde se
encontrasse, outro advogado na sala de audincias (a distncia), canal
privativo de comunicao entre os advogados etc. S no havia a presena fsica do interrogado perante o juiz, que, porm, poderia perceber todas as suas reaes, como se presente fisicamente estivesse. Enfim: garantia-se a
ampla defesa e maximizava-se a necessidade excepcional do ato. Malgrado
todas essas consideraes, a jurisprudncia passou a entender que o ato
malferia a ampla defesa (FISCHER & PACELLI DE OLIVEIRA, 2012, p.
986).
Damsio DE JESUS explica a disputa jurisprudencial e mostra seu posicionamento:
Antes da entrada em vigor da Lei n. 10.792, de 1.12.2003, discutia-se a
validade do interrogatrio realizado pelo sistema de videoconferncia. O
STJ o havia entendido inadmissvel, a no ser que a sada do ru do
estabelecimento prisional acarretasse algum perigo (STJ, HC 6.272, 5
10
Sua crtica sobre o pargrafo 2, em seu inciso I, do art. 185, afirmando ser inaceitvel o raciocnio da lei em
inferir que a participao em organizao criminosa justificaria, por si s, o risco de fuga. (p. 371)
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Turma, RT 742/579). No TACrimSP, havia decises em ambos os sentidos
(pela validade: RJTACrimSP 33/377; pela invalidade RJTACrimSP
33/382). Com o novo 1, entendemos superada a possibilidade de
realizao de interrogatrio on line. Estando o ru preso, deve o
interrogatrio ser realizado no estabelecimento em que ele est
encarcerado, conquanto sejam garantidas condies de segurana.
(...) Interrogatrio por videoconferncia aps a edio da Lei n. 11.900/2009:
Cuida-se de medida vlida. O legislador, quando da elaborao da Lei
acima epigrafada, que resultou na nova redao dada aos pargrafos do
art. 185 deste Cdigo, atentou-se aos critrios definidos pelo Supremo
Tribunal Federal a respeito do tema. Atualmente, portanto, admite-se a
realizao, em carter excepcional, do interrogatrio pelo sistema de
videoconferncia (JESUS, 2012, p. 203).
O autor, em outra oportunidade, justifica seu posicionamento:
A lei federal que autoriza esse sistema Lei n 11.900, de 8 de janeiro de 2009, em vigor desde o dia 9 daquele ms representou, a meu ver, notvel avano no sentido de modernizar e agilizar a prtica da Justia Criminal,
evitando gastos e riscos desnecessrios, com deslocamentos de presos de
alta periculosidade.
Num sistema judicirio moroso e excessivamente coarctado por usos e
costumes imprescindveis em outros tempos, mas perfeitamente suprfluos
nas condies de vida atuais, h que se modernizar (JESUS, 2009, pp. 28,
29).
Fernando CAPEZ, por seu turno, no somente defende a utilizao da
videoconferncia como uma poltica criminal pertinente, como afirma que a Lei 11.900/09 se
estende a todos os atos processuais que dependam da participao de pessoa que esteja
presa (CAPEZ, 2009, p. 32). O autor argumenta que a referida lei supriu os bices formais
existentes antes de sua edio. Que a expresso presena da autoridade, no Pacto de So
Jos da Costa Rica, merece uma interpretao adaptativa das evolues tecnolgicas, e
argumenta, ainda, que a prpria lei j apresenta remdios contra uma possvel reduo do
direito de defesa (CAPEZ, 2009, p. 32).
Guilherme de Souza NUCCI apresenta-se bastante favorvel no somente
utilizao da tecnologia de videoconferncia, mas afirma que qualquer modalidade de
teleconferncia admissvel, ainda que, no futuro, a denominao se altere em virtude de
equipamentos mais avanados e modernos (NUCCI, 2012, pp. 430 e 431).
Interessante e contraditria, no entanto, sua argumentao a respeito da utilizao
da videoconferncia no tribunal do jri, em que faz uma ressalva. Para NUCCI, a utilizao
da tecnologia seria medida abusiva se no tribunal do jri, afirmando que os princpios da
oralidade, imediatidade e identidade fsica do juiz, aplicados fielmente no Tribunal Popular,
no se compatibilizam com esse instrumento tecnolgico (NUCCI, 2012, p. 433).
Aparentemente, o motivo para essas duas medidas se deve ao fato de no Tribunal do Jri, a
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deciso depender de pessoas leigas, o que implicaria diferentes sinais cognitivos ao juiz
togado. Argumenta que
Transformar o plenrio do jri em um programa de televiso, valendo-se da videoconferncia para ouvir testemunhas e ru, sem qualquer contato
entre julgadores leigos e as peas principais do processo, significa ousadia
superior ao que suporta a plenitude de defesa, garantia constitucional do
acusado (NUCCI, 2012, p. 433).
TOURINHO FILHO, por sua vez, tem posio moderada. Coloca-se dizendo que
a medida uma tendncia a fazer desaparecer os custos do Estado com locomoo para as
audincias. Diz ainda que a videoconferncia uma vivel alternativa para as audincias no
presdio, embora coloque em risco o princpio da publicidade (TOURINHO FILHO, 2012, p.
589).
Adverte, no entanto, para que a exceo no vire regra, devendo a medida ser
utilizada com bastante critrio, apenas para criminosos altamente perigosos e cuja sada da
unidade prisional onde se encontrem possa acarretar perturbao da ordem pblica
(TOURINHO FILHO, 2012, p. 587).
Mas a voz que representa o coro da doutrina favorvel videoconferncia sem (ou
quase sem) ressalvas a de Luiz Flvio GOMES que, enquanto juiz, foi o primeiro
magistrado brasileiro a se utilizar do interrogatrio on-line. Citaes de Luiz F. Gomes:
O Direito de presena em todos os atos processuais, de outro lado, pode ser
garantido de duas formas: com a presena fsica direta na audincia ou
mediante os modernos meios de comunicao (videoconferncia, por
exemplo, que finalmente foi disciplinada pela Lei n 11.900/09) (GOMES,
2010, p. 35).
Aqui o autor no faz qualquer distino entre a presena fsica direta e a presena
mediata, igualando as duas no que se refere ao direito de presena, dizendo que o sistema de
videoconferncia uma nova forma de contato direto (pessoal), no necessariamente no
mesmo local (GOMES, 2009, p. 30). O autor usa as palavras da ex-ministra do STF, Ellen
Gracie, para sustentar seu argumento. Ela diz:
Alm de no haver diminuio da possibilidade de se verificarem as
caractersticas relativas personalidade, condio scio-econmica, estado
psquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferncia, certo
que h muito a jurisprudncia admite o interrogatrio por carta precatria,
rogatria ou de ordem, o que reflete a idia da ausncia de obrigatoriedade
do contato fsico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realizao
do seu interrogatrio. (GRACIE apud GOMES, 2009, p. 30)1112
.
11
O mesmo artigo, com a citao da ex-ministra, pode ser encontrado nesta referncia: GOMES, Luiz
Flvio. Videoconferncia: Comentrios Lei n 11.900, de 8 de janeiro de 2009. Disponvel em
http://www.lfg.com.br. 12 de janeiro de 2009. Acesso em 04/09/2012. 12
No se desconsidera a possibilidade de utilizao da videoconferncia para casos extremos, como de um ru
preso que responde a processos em diversos Estados da Federao. Lembra-se de que a videoconferncia deve
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Na argumentao da ex-ministra, possvel apontar dois pontos principais. O
primeiro deles a equiparao sem ressalvas do contato realizado por um mecanismo virtual e
sem a sua utilizao. O outro ponto a comparao do interrogatrio pela videoconferncia
com o interrogatrio realizado por carta precatria.
Em sua argumentao, rebate os opositores dizendo que eles se apegam
demasiadamente ao mtodo, que chama de analgico, mas que o importante a forma, que
deve estar preocupada com as garantias processuais. Alm disso, argui que o novo sistema,
que acompanha o processo de informatizao do judicirio, uma questo de necessidade,
sem o qual no se evitar a morosidade latente das decises (GOMES, 2009, pp. 30 e 31).
Em notcia veiculada no site do Conselho Nacional de Justia (CNJ) em abril de
201213, a respeito do painel Processo Penal e Impunidade no Encontro Nacional dos
Corregedores de Justia, evidencia-se a posio dominante entre os participantes de que o
principal elemento de morosidade no processo penal, e causa de impunidade, a necessidade
de deslocamento do preso audincia. Destacaram, nesse concerne, a videoconferncia como
alternativa de combate a essa morosidade e, logo, impunidade.
Difcil negar o carter meramente formal e punitivista presente no discurso,
marcadamente inquisitorial. Fazendo uma relao evidente entre rapidez processual e
punio, apenas se refora o entendimento de que o interrogatrio corresponde mais a um
elemento formal na persecuo criminal do que propriamente um momento de defesa. Fato
que a videoconferncia se apresenta como instrumento de combate impunidade,
evidenciando sua aproximao com a acusao e no com a defesa.
Ainda a respeito do HC 88.914, importante atentar-se ao que se arguiu pelo
Desembargador Ferraz de Arruda, cuja deciso foi impugnada no referido habeas corpus,
concedido sob a relatoria do ex-ministro Cezar Peluso.
No nos percamos em inutilidade ideolgicas como esta sob o falso e
hipcrita argumento de que o ru tem de ser interrogado vis a vis com o
juiz.
Eu poderia escrever neste voto mil e uma inseguranas a respeito de um
julgamento feito atravs do processo escrito, ou oral, tanto faz, at o ponto
de demonstrar a impossibilidade filosfica de se punir algum por alguma
ser medida em sua possibilidade de ampliao da defesa, devendo ser vedada quando ela significar, mesmo em
hiptese, reduo de seu valor defensivo. A substituio do interrogatrio atravs da carta precatria pelo
interrogatrio on-line j determinao do STJ, cuja notcia, de 28/11/2012, segue no site oficial do tribunal
[Videoconferncia substituir carta precatria em toda a Justia Federal, disponvel em
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine., acesso em 23/01/2013].
O que no pode ser aceito, no entanto, o argumento de que a existncia do interrogatrio por carta precatria
a prova da disponibilidade do comparecimento pessoal em audincia. 13
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA. Morosidade impunidade. 05/2012. Acessado em 10/02/2013. Disponvel em: http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/3863:morosidade-mpunidade
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coisa que tenha feito contra a lei: portanto, tempo de dizer para esses
pseudo-intelectuais, heris contemporneos da ideologizao de tudo, que
se continuarem a insistir nessas teses incorpreas, doces e nefelibatas,
teremos que simplesmente fechar a justia forense.
O sistema de teleaudincia utilizado no interrogatrio do ru deve ser aceito
medida que foram garantidas viso, audio, comunicao reservada
entre ru e seu defensor e facultada, ainda, a gravao em Compact Disc,
que foi posteriormente anexado aos autos para eventual consulta. Afinal, o
ru teve condies de dialogar com o julgador, o qual podia ser visto e
ouvido, alm de poder conversar com seu defensor em canal de udio
reservado, tudo isso assistido por advogado da Funap.
O meio eletrnico utilizado vem em benefcio do prprio ru medida que
agiliza o procedimento. O contato com as pessoas presentes ao ato (Juiz,
Promotor, Advogado, depoentes, etc.) se d em tempo real de modo que se
pode perfeitamente aferir as reaes e expresses faciais dos envolvidos
[grifei].14
Curioso (e irnico) notar como o desembargador utiliza o termo incorprea,
acusando para aquilo que seria a causa para o fechamento da justia forense. Argumenta que o
discurso por detrs da crtica videoconferncia ideolgico, hipcrita e sem fundamento.
Nesta argumentao, observa-se mais uma vez o apelo nula diferenciao entre o contato
por meio da videoconferncia ou por meio direto, na presuno de que se bastaria visualizar,
independentemente do canal, reaes e expresses faciais, somada possibilidade de
dialogar, dos interrogados.
Convm lembrar que bastante comum aos desembargadores que apreciam os
recursos ignorarem o princpio da oralidade, raramente recebendo as partes, no interrogando
o ru nem apreciando provas, manifestando-se atravs de autos mortos. Tal cenrio os coloca
facilmente em uma posio de considerar o interrogatrio como um momento trivial no
procedimento criminal, sem a chance de avaliar criticamente a medida da videoconferncia e
suas possveis consequncias no julgamento recorrido.
Em um sucinto resumo, pode-se dizer que os argumentos mais comumente
utilizados so: reduo de custos; reduo dos riscos com o deslocamento de presos
perigosos; celeridade processual; desnecessidade da presena corprea diante do juiz por se
tratar de um contato igualmente direto, no qual as feies so percebidas da mesma forma.
Nos prximos captulos, esses argumentos sero questionados e buscar-se-
identificar as possveis consequncias de um processo penal pautado por uma argumentao
que bambeia entre o simplismo e o evidente utilitarismo.
14
Sentena, do Desembargador Ferraz de Arruda, impugnada no HC 88.914, fl. 05.
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CAPTULO 2. PARA ALM DA TORRE DE MARFIM. A SIMPLIFICAO E,
PORTANTO, A NEGLIGNCIA DO DEBATE NA REA JURDICA.
Neste captulo, procurar-se- demonstrar a complexidade da temtica do
interrogatrio on-line a partir da comunicao com outras reas do saber. Como foi possvel
observar no captulo anterior, o debate no mbito jurdico desconsidera a complexidade do
fenmeno da videoconferncia, contribuindo para um quadro de juristas que conversam
somente entre si, aprisionados em sua torre de marfim.
Diante dessa simplificao, seja ela originada pela ingenuidade ou pela m-f,
significa to somente a negligncia com o poder que uma medida como a videoconferncia
tem de influenciar efetivamente na garantia de direitos fundamentais consagrados no nosso
sistema constitucional. Nesse sentido, como j anunciado na Introduo deste estudo, a
inteno contribuir para o debate com a transdisciplinaridade.
2.1 Uma crtica utilizao de termos de sentido aberto.
Na argumentao utilizada tanto pelos crticos quanto pelos defensores na
questo de atos processuais realizados por meio das Novas Tecnologias de Comunicao
(NTCs), a dicotomia diretamente/indiretamente um refgio terminolgico que se apresenta
quase como uma condio bsica. Exemplo de perguntas que se colocam: o contato entre juiz
e ru, na videoconferncia, se d de forma direta ou indireta? No Pacto de So Jos da Costa
Rica, o termo presena, no art. 7, n. 05, deve ser interpretado como uma exigncia de um
contato direto, ou bastaria o contato indireto? A necessidade de se estar perante o juiz
restringe os meios (ditos) indiretos de contato?
Ao que tudo indica, pelo menos na discusso que pode ser observada no mbito
jurdico, o termo direto se refere quele tipo de contato que independe de qualquer meio
tecnolgico, em que os sentidos recebem as mensagens sem utilizao de nenhum recurso
externo que no sejam as prprias capacidades biolgicas. Na oposio, o termo indireto
refere-se ao recebimento de mensagens que dependem de recursos tecnolgicos, sem os quais
o contato seria impossvel, que o caso de conversas distncia permitidas pelo uso do
telefone.
Alguns autores, no entanto, tendem a argumentar que o contato, mesmo por meio
de tecnologias, direto, pois os sentidos receberiam as mensagens da mesma maneira que
aquele possvel sem a utilizao dos recursos. o caso, por exemplo, de Luiz Flvio GOMES
(2009, p. 30), para o qual o direito de presena pode ser tambm realizado por meio das
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NTCs, argumentao que no faz diferenciao do contato realizado com ou sem recursos
tecnolgicos.
Essa dicotomia terminolgica um vcio argumentativo muito difcil de escapar,
pois fato que pauta o debate. Trata-se, portant