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Excelentíssimo Juiz Federal da 9ª Vara Federal Crim inal de São Paulo -SP
Inquérito policial n.º 2001.61.81.006446-1
Investigado: Walmir Gonçalves de Oliveira
Trata-se de inquérito policial instaurado por portaria
de D. Delegado Federal (fl. 02) para apurar infração ao artigo 183 da Lei
9.472/97.
De início, a questão a ser enfrentada é sobre a
correta tipificação do delito apurado, o que merece algum aprofundamento.
I – Radiodifusão e telecomunicação: histórico const itucional e legal
De início, convém fazer um breve histórico dos
preceitos normativos.
O artigo 21 da Constituição da República, em sua
redação original, dispunha que:
“Art. 21. Compete à União:
[...]
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XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a
empresas sob controle acionário estatal, os serviços
telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais
serviços públicos de telecomunicações, assegurada a
prestação de serviços de informações por entidades de direito
privado através da rede pública de telecomunicações
explorada pela União;
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e
demais serviços de telecomunicações” (negritado).
Como se percebe pelos trechos negritados, a
preocupação do constituinte originário era extremar, de um lado, serviço
público de telecomunicação obrigatoriamente exercido por entes estatais1 e,
de outro, serviço de telecomunicação que pudesse ser exercido por ente
estatal ou por particular.
Dessa forma, resultava do texto constitucional
original a criação de dois regimes jurídicos para os serviços de
telecomunicações, um para os abrangidos pelo inciso XI e outro para os
inseridos no inciso XII.
Entretanto, a criação desses dois regimes não
implicava que não pudesse haver subdivisões, adequadas às peculiaridades
de cada espécie. Com efeito, a disciplina legal do serviço telefônico, explorado
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pelas antigas “teles” (Telesp, Telepar, etc), não era idêntica ao regramento do
serviço telegráfico, explorado até hoje pela Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (artigo 25 e seguintes da Lei 6.538/78).
Por outro lado, a partir da redação original do texto
constitucional percebia-se que telecomunicação é gênero, do qual são
espécies a telefonia, a transmissão de dados, a radiodifusão, etc
Essa antiga disciplina constitucional, contudo, era
incompatível com o programa de privatização ambicionado pelo Estado
brasileiro para ser implementado na década de 90. Necessária, então, uma
prévia modificação constitucional.
E, com efeito, o artigo 21 foi alterado pela Emenda
Constitucional n.º 8/95, passando a ter a seguinte redação:
“Art. 21. Compete à União:
[...]
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos
termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a
criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão:
1 Há uma exceção ao caso, a saber, a prestação de serviços de informações por entidades dedireito privado por meio de rede pública de telecomunicações explorada pela União – o que,aliás, está destacado no inciso XI, antes transcrito.
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a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”
(negritado).
Pois bem, a alteração pelo constituinte derivado
encerrou a diferença entre dois regimes jurídicos pautada pela forma de
exploração dos serviços.
Com efeito, comparando a redação antiga e a nova,
constata-se que a exploração poderá ser efetuada diretamente pela União ou
por particulares mediante autorização, concessão ou permissão.
Dessa forma, não mais subsistia a necessidade de
utilizar exemplos (serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados)
seguida de norma de encerramento (demais serviços públicos de
telecomunicações), bastando substituir tudo isso pela expressão serviços de
telecomunicações.
Entretanto, se o regime de exploração passou a ser
idêntico, o reformador constituinte, noutro aspecto, resolveu criar um órgão
regulador. De fato, a política de desestatização foi acompanhada pelo
movimento de criação das agências reguladoras (ANATEL, ANEEL, ANP,
ANT, etc).
Ao mesmo tempo, pretendeu que uma espécie de
telecomunicações, a radiodifusão sonora e de sons e de imagens, ficasse fora
do âmbito de normatização da agência pertinente.
Tal escolha, porém, não significa que a radiodifusão
sonora e de sons e de imagens deixou de ser serviço de telecomunicações.
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Assim como já acontecia na redação originária,
telecomunicações é expressão designativa de gênero, ao qual pertence a
espécie radiodifusão.
Também é pertinente observar ser comum, na
técnica legislativa, disciplinar um gênero e, depois, destacar uma espécie,
dando a esta tratamento jurídico diverso.
Tal ocorre, por exemplo, no artigo 7º da
Constituição da República. No caput temos a expressão trabalhadores
urbanos e rurais, enquanto, no parágrafo único, é empregada a expressão
trabalhadores domésticos. Ora, estes estão abrangidos naqueles, mas, assim
como no caso das telecomunicações, criou-se um regime jurídico diverso para
a espécie. Em suma, trata-se de técnica legislativa, cuja apreensão dos
comandos normativos exige a aplicação do princípio da especialidade2.
Ora, utilizar o dito princípio não significa reconhecer
distinção entre categorias diferentes, mas sim relacioná-las como gênero e
espécie.
Pois bem, no caso sob análise, houve mera
mudança de técnica legislativa na redação de dispositivo da Constituição.
Relembrando, na redação original do artigo 21,
incisos XI e XII, o constituinte originário criou duas espécies – de um lado,
serviço público de telecomunicação obrigatoriamente exercido por entes
estatais3 e, de outro, serviço de telecomunicação que pudesse ser exercido
por ente estatal ou por particular – e as disciplinou individualmente.
2 Vale lembrar que tal diferença de tratamento para a espécie destacada de um gênero jáocorria na redação original do inciso XI. Vide nota 1.3 Com a exceção já apontada. Vide nota 1.
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Já na redação atual, o constituinte criou outra
obrigatoriedade de duplicidade de regimes jurídicos, pautado pela
determinação da entidade normativa (União ou agência reguladora, que foi
denominada pela Lei 9.472/97 de Agência Nacional de Telecomunicações –
ANATEL).
Ao tratar da agência e seu âmbito de atuação, no
inciso XI, o constituinte derivado tratou do gênero (serviços de
telecomunicações). E ao falar da União, no inciso XII, destacou a espécie
(radiodifusão sonora de sons e imagens).
Em suma, apesar da mudança do texto
constitucional, desde antes dessa mudança (e ainda hoje) é correto afirmar
que radiodifusão sonora de sons e imagens é espécie do gênero serviços de
telecomunicações.
Então, concluindo isso, resta indagar: qual a
diferença?
Assunto a ser tratado no tópico seguinte.
II – Radiodifusão e telecomunicação: conceitos
A Constituição da República, na sua redação
original, não apresentava definições de telecomunicações e de radiodifusão.
Essa omissão continuou mesmo com a alteração efetuada pela Emenda
Constitucional n.º 8/95.
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Por conta disso, competiu à legislação
infraconstitucional trazer essas definições.
Na verdade, o antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações, Lei 4.117/62, anterior à atual Constituição, já diferenciava
telecomunicação e radiodifusão. E o fazia de forma condizente com a idéia de
que se relacionam como gênero e espécie.
Com efeito, o artigo 4º dessa Lei já expunha que:
“Para os efeitos desta lei, constituem serviços de
telecomunicações a transmissão, emissão ou recepção de
símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade,
meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético.”
(negritado).
E o artigo 6º acrescentava que:
“Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim
se classificam:
[...]
d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e
livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão
sonora e televisão;” (negritado).
Posteriormente a esse Código e, mais
precisamente, após a alteração constitucional antes exposta, foi editada a Lei
9.472/97, a qual também trouxe definições (artigo 60), destacando-se:
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“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de
atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção,
por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro
processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais,
escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”
(negritado).
Como se percebe, o conceito, na essência, é
idêntico ao da Lei 4.117/62, só mudando a ordem das palavras.
A Lei 9.472/97 não trouxe, porém, uma definição de
radiodifusão. Aliás, somente se refere à expressão radiodifusão em poucas
passagens.
A primeira é no artigo 158, in verbis:
“Art. 158. Observadas as atribuições de faixas segundo
tratados e acordos internacionais, a Agência manterá plano
com a atribuição, distribuição e destinação de
radiofreqüências, e detalhamento necessário ao uso das
radiofreqüências associadas aos diversos serviços e atividades
de telecomunicações, atendidas suas necessidades específicas
e as de suas expansões.
§ 1° O plano destinará faixas de radiofreqüência para:
I - fins exclusivamente militares;
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II - serviços de telecomunicações a serem prestados em
regime público e em regime privado;
III - serviços de radiodifusão;
IV - serviços de emergência e de segurança pública;
V - outras atividades de telecomunicações.” (negritado).
Em seguida, de forma condizente com a nova
disciplina constitucional, exclui da competência da ANATEL a outorga dos
serviços de radiodifusão, relegando-lhe, neste ponto, papel de auxiliar técnico
da União:
“Art. 211. A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de
sons e imagens fica excluída da jurisdição da Agência,
permanecendo no âmbito de competências do Poder Executivo,
devendo a Agência elaborar e manter os respectivos planos de
distribuição de canais, levando em conta, inclusive, os aspectos
concernentes à evolução tecnológica.
Parágrafo único. Caberá à Agência a fiscalização, quanto aos
aspectos técnicos, das respectivas estações.” (negritado)
Por fim, a Lei 9.472/97 expõe que:
“Art. 215. Ficam revogados:
I – a Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a
matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos
relativos à radiodifusão” (negritado).
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Como se vê, a Lei 9.472/97 derrogou a Lei 4.117/62
salvo quanto a dois pontos, que continuam vigorando:
a) matéria penal não tratada pela própria Lei
9.472/97; e
b) as disposições a respeito de radiodifusão.
Ora, justamente por não tratar de radiodifusão é
que a Lei 9.472/97 não trouxe definição a seu respeito.
Optou o legislador por solução tecnicamente
correta, pois recomendável que o conceito de matéria tratada por certa lei seja
trazido no bojo desta própria lei.
Portanto, válido recorrer às definições da Lei
4.117/62 para precisar o que seja radiodifusão. Também deve ser relembrado
que a definição de telecomunicações de ambas as leis é, na essência,
idêntica.
Finalmente, chegou o ponto de examinar as
diferenças entre radiodifusão e telecomunicação.
II.a – Telecomunicação
Telecomunicação, conforme os dispositivos legais
antes reproduzidos é:
i – a transmissão, emissão ou recepção de
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ii – símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens
ou informações de qualquer natureza,
iii – por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou
qualquer outro processo eletromagnético.
Há, portanto, três elementos que caracterizam uma
telecomunicação, que podem ser obtidos dos itens acima identificados (os
quais, por sua vez, estão nos conceitos legais já vistos):
i – distância,
ii – conteúdo, e
iii – meio ou suporte material específico.
A (i) distância decorre da exigência de que haja um
ponto emissor ou transmissor diverso daquele que se mostra receptor. De fato,
quando se fala em telecomunicação, o emprego do prefixo tele já indica se
tratar de comunicação à distância. Não inclui, portanto, a comunicação entre
presentes.
Pondere-se que a lei não exige que exista,
concomitantemente, um receptor e um emissor ou transmissor. Participa da
telecomunicação aquele que só recebe, bem como aquele que só envia.
Tampouco há exigência legal de efetiva troca, isto é, de que, ao mesmo
tempo, um ponto envie e receba informações.
Por outro lado, o (ii) conteúdo é intrínseco à idéia
de comunicação. Não há exigência legal, porém, de que esse conteúdo tenha
sentido. Em suma, basta que algo (símbolo, caractere, sinal, escrito, imagem
ou informação de qualquer natureza) seja transmitido, emitido ou recebido. E,
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sem adentrar em discussões filosóficas, conclui-se que não há, para a
presente análise, comunicação sem conteúdo.
Até aqui, o conceito é extremamente amplo e
admite que nele seja inserido o envio de correspondências e, ao exagero, até
quando alguém grita para outra pessoa que está na esquina contrária ou
quando uma pessoa faz sinais de fumaça para alguém a poucos quilômetros.
Afinal, ordinariamente, telecomunicação é comunicação à distância. E todos
esses exemplos se encaixam na definição, até este ponto.
Evidentemente, não foi essa a intenção do
constituinte quando utilizou o termo nos incisos XI e XII do artigo 21 da Carta
Magna.
Portanto, a legislação apresenta uma limitação
quando lista as hipóteses de (iii) meios ou suportes materiais (fio, rádio,
eletricidade, meio ótico ou qualquer outro processo eletromagnético.).
Dessa forma, ficam excluídos, por exemplo, o
correio, o grito e o sinal de fumaça.
Portanto, o vocábulo telecomunicação que,
ordinariamente, significa comunicação à distância, para os efeitos legais têm
sentido próprio de transmitir, enviar ou receber comunicação à distância com
qualquer conteúdo de informação, ainda que sem sentido, e exclusivamente
quando realizado por determinados meios ou suportes materiais (fio, rádio,
eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético).
Tal conclusão, para ficar bem sedimentada, merece
ser exposta por meio de um quadro sinóptico.
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Comunicação:
entre presentes
�
Conteúdo � comunicado
�
à distância � pode ser por:
a) fio � Telecomunicação
b) rádio � Telecomunicação
c) eletricidade � Telecomunicação
d) meios óticos � Telecomunicação
e) processo eletromagnético� Telecomunicação
f) outro meio � não é Telecomunicação
II.b – Radiodifusão
A radiodifusão, relembrando, constitui espécie de
telecomunicação. Então, o que a diferencia de outras espécies?
Como já dito, a Lei 9.472/97 não trouxe qualquer
definição, pois, apesar de revogar a Lei 4.117/62, preservou-a quanto à
disciplina da radiodifusão.
No entanto, essa Lei 4.117/62 traz lacônica menção
que se aproxima de um conceito do que seja radiodifusão:
“Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as
telecomunicações assim se classificam:
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[...]
d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e
livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão
sonora e televisão;” (negritado).
Resta, portanto, olhar o que diz o regulamento da
lei em questão, Decreto 52.026/63, alterado pelo Decreto 97.057/88:
“Art. 6º. Para os efeitos deste Regulamento Geral, dos
Regulamentos Específicos e das Normas complementares, os
termos adiante enumerados têm os significados que se seguem:
[...]
65º Radiodifusão: forma de telecomunicação caracterizada
pela teledifusão de ondas radioelétricas através do espaço
livre;
[...]
83º Serviço de Radiodifusão: modalidade de serviço de
telecomunicações destinado à transmissão de sons
(radiodifusão de sons, radiofonia, ou radiodifusão sonora) ou
de sons e imagens (radiodifusão de sons e imagens,
radiotelevisão, ou radiodifusão de televisão), por ondas
radioelétricas, para serem direta e livremente recebidos pelo
público em geral;
[...]
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144º Teledifusão: forma de telecomunicação unilateral
caracterizada pela transmissão de informação para grande
número de destinatários atingidos por circuitos físicos ou
radioelétricos;
[...]
157º Transmissão: transferência unilateral de informação de
um ponto a outro por meio de sinais;” (negritado).
Em suma, conjugando as definições 65 e 144,
radiodifusão é a telecomunicação unilateral por meio de ondas radioelétricas
(termo técnico sinônimo de radiofreqüência ou via rádio).
Contudo, o que é a telecomunicação unilateral?
Conforme o conceito 144 é a caracterizada pela
transferência unilateral de informações.
Explicando melhor, basta analisar os agentes ou
pontos envolvidos na telecomunicação:
a) quando um único ponto ou agente envia
informação e os demais só recebem, há transferência unilateral dessa
informação, o que caracteriza telecomunicação unilateral. Se é feita por meio
de radiofreqüência, tem-se a radiodifusão (telecomunicação unilateral via
rádio);
b) quando pelo menos dois pontos enviam e
recebem informações, ainda que por meio de radiofreqüência, há
telecomunicação bilateral (ou plurilateral) via rádio.
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Dessa forma, dentro do quadro sinóptico antes
apresentado podemos acrescentar:
Comunicação:
entre presentes
�
Conteúdo � comunicado
�
à distância � pode ser por: bilateral
a) fio � Telecomunicação �
b) rádio � Telecomunicação � unilateral = radiodifusão
c) eletricidade � Telecomunicação
d) meios óticos � Telecomunicação
e) processo eletromagnético � Telecomunicação
f) outro meio � não é Telecomunicação
Também pode ser formulado outro quadro:
Telecomunicação:
bilateral � Telecomunicação
� unilateral � por radiofreqüência � radiodifusão
�
por outros meios (dentre os previstos em lei4)
4 Vide itens a, c, d e e dos quadros anteriores.
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Feita a distinção, resta saber qual a conseqüência
para a tipificação criminal da operação irregular de uma ou outra modalidade
de telecomunicação.
Antes disso, importante frisar que a legislação
pátria às vezes emprega o termo telecomunicação como gênero e, portanto,
abrangendo a radiodifusão. Noutras vezes, usa o termo como espécie oposta
à radiodifusão, ou seja, no sentido de telecomunicação bilateral (ou plurilateral)
via radiofreqüência. Daí surgirem muitas confusões na análise da questão.
III – Tipos penais de radiodifusão e de Telecomunic ação
A Lei 4.117/62, por conta da alteração efetuada
pelo Decreto-Lei 236/67, no momento em que a Lei 9.472/97 entrou em vigor,
tinha somente três tipos penais (artigos 56, 70 e 72), dos quais somente um
versa sobre exploração irregular de telecomunicação:
“Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1
(um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a
terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem
observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.”
(negritado).
E a Lei 9.472/97, por sua vez, trouxe um único tipo
penal:
“Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de
telecomunicação:
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Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada de metade
se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil
reais).
Art. 184. [...]
Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade
desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou
autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de
exploração de satélite.” (negritado).
Poder-se-ia, portanto, argumentar que a lei
posterior revogou a anterior (artigo 70) e, assim, hoje, só vigoraria o segundo
tipo penal. Afinal, dir-se-ia que instalar ou utilizar telecomunicação, sem
observar os ditames legais e regulamentares seria igual a desenvolver
clandestinamente atividade de telecomunicação. A lei mais nova teria dito a
mesma coisa de outra forma e, portanto, prevaleceria a lei posterior, solução
adequada para o conflito aparente de leis no tempo.
Entretanto, como já dito, a Lei 9.472/97 foi
expressa:
“Art. 215. Ficam revogados:
I – a Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a
matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos
relativos à radiodifusão” (negritado).
Daí se extraem algumas conclusões.
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Primeira, a Lei 4.117/62 vigora quanto a alguma
matéria criminal e que será, exatamente, a não tipificada pela nova lei e, ainda,
a relativa à radiodifusão.
Quando o artigo 215 menciona “a matéria penal
não tratada nesta Lei” conclui-se, em segundo lugar, que os artigos 70 da Lei
4.117/62 e 183 da Lei 9.472/97, acima transcritos podem ter alcance diferente.
Ora, o artigo 70, quando editado, empregava o
termo telecomunicações no sentido amplo, como gênero, pois era o único tipo
penal do então Código Brasileiro de Telecomunicações.
Vale dizer, abrangia todas as formas de
telecomunicações apresentadas no primeiro quadro sinóptico desta
manifestação5, uma vez que eram todas disciplinadas pela Lei 4.117/62.
Por sua vez, o artigo 183 tem alcance bem mais
restrito, pois esclarece, no parágrafo único, que o significado da elementar
clandestinamente está vinculado a telecomunicações via rádio
(radiofreqüência) ou com exploração de satélite.
É certo que o texto legal fala em uso de
radiofreqüência e de exploração de satélite.
Entretanto, o conectivo e, no caso, tem função
alternativa e não aditiva, pois toda exploração de satélite para fins de
telecomunicações é via radiofreqüência. Quisesse a lei limitar o tipo penal
unicamente aos casos envolvendo exploração de satélite, bastaria não ter
usado a expressão uso de radiofreqüência.
5 Relembrando, telecomunicação via fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outroprocesso eletromeganético.
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Ora, é lição sempre repetida que “a lei não tem
palavras inúteis”, razão pela qual a última expressão deve ter, no texto legal,
uma função própria.
Assim, a interpretação do conectivo não deve ser
no sentido normalmente empregado (aditivo) e sim como empregado na
função sintática alternativa.
Em suma, o artigo 183 da Lei 9.472/97 tipifica a
exploração irregular de telecomunicações via radiofreqüência ou com
exploração de satélite.
A conseqüência disso é que ainda vigora o artigo
70 da Lei 4.117/62 para todas as demais formas de telecomunicações, a
saber, por meio de fio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo
eletromagnético.
Então, a radiodifusão explorada irregularmente,
sendo forma de telecomunicação unilateral via radiofreqüência está abrangida
pelo artigo 183?
Não, pois, aí, incide a segunda parte do artigo 215
da Lei 9.472/97, ou seja, foi preservada a vigência da Lei 4.117/62 quanto aos
preceitos relativos à radiodifusão (a qual, como visto, é telecomunicação
unilateral via radiofreqüência).
Tais preceitos, uma vez que o artigo 215 não os
limitou, abrange inclusive os penais. E esses, no caso, estavam nos tipos
penais da Lei 4.117/62 que existiam à época do início da vigência da Lei
9.472/97, incluindo o tão mencionado artigo 70.
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Então, por conseqüência, o artigo 70 da lei
4.117/62 continua vigorando também para a hipótese de radiodifusão.
Portanto, excluída a radiodifusão (telecomunicação
unilateral por meio de radiofreqüência), o artigo 183 da Lei 9.472/97 fica
limitado à telecomunicação bilateral (ou plurilateral) via radiofreqüência ou com
emprego de satélite.
As demais formas de telecomunicações, incluindo a
radiodifusão (telecomunicação unilateral via radiofreqüência), quando
explorados irregularmente, estão abrangidas pelo artigo 70 da Lei 4.117/62.
Vale a pena resumir em um novo quadro.
Tipos penais:
Artigo 183 da Lei 9.472/97 � telecomunicação bilateral via radiofreqüência ou
com exploração de satélite.
Artigo 70 da Lei 4.117/62 � telecomunicação unilateral via radiofreqüência
(radiodifusão) ou
bilateral por meio de fio, eletricidade, meio ótico
ou qualquer outro meio eletromagnético, salvo via
radiofreqüência ou
unilateral por meio de fio, eletricidade, meio ótico
ou qualquer outro meio eletromagnético.
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IV – Análise do caso concreto
Feitas todas essas considerações, observa-se, no
caso concreto, que Valmir Gonçalves de Oliveira admitiu (fl. 18) ter montado
uma “estação fixa de transmissão”, mas que esta estaria desmontada quando
a fiscalização da Anatel esteve no local dos fatos.
O agente técnico da Anatel, Rogério Fellipe Gilioli,
por sua vez (fl. 17), disse que, antes de chegar ao local, sintonizou a rádio e
que acredita que o aparelho foi removido, enquanto aguardavam que o acesso
ao local fosse franqueado.
O aparelho está com o investigado e é improvável
que ele o entregue.
Nesse caso, o artigo 167 do Código de Processo
Penal estabelece que:
“Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-
lhe a falta.”
Contudo, falta indagar do agente da Anatel se a
conversa ouvida se referia à atividade de telecomunicação unilateral via
radiofreqüência (radiodifusão) ou à atividade bilateral via radiofreqüência
(telecomunicação), conforme distinção vista acima.
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V – Conclusão
Em face do exposto, o Ministério Público Federal
concorda com o pedido de dilação de prazo, para prosseguimento das
investigações pelo prazo de 90 dias .
A fim de evitar prescrição retroativa pela pena em
concreto no caso de eventual condenação por infração ao artigo 70 da Lei
4.117/62, requer à D. Delegada que busque encerrar as investigações,
indagando do agente de fiscalização da Anatel Rogério Fellipe Gilioli (fl. 17) se
a transmissão ouvida se referia à telecomunicação via radiofreqüência
unilateral ou bilateral.
São Paulo, 11 de janeiro de 2.005.
Roberto Antonio Dassié Diana
Procurador da República