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Transcrição de Mímesis em Platão e Aristóteles
Mímesis em Platão e Aristóteles
ARISTÓTELES
Para Aristóteles o vir-a-ser é a transformação de algo em qualquer coisa que assume uma forma, um
aspecto novo, uma pedra se torna estátua. (...) é indispensável reconhecer a unidade dos dois
elementos (pedra e estátua) através dos quais a poiesis se efetua. (...) Essa relação entre matéria e
forma se revela em todo gênero de poiesis, tanto na técnica quanto na artística”. Considerando apenas
a criação artística, constrói uma relação entre mímesis, mito e ação. Mito e mímesis são palavras
entendidas de outra maneira por Aristóteles em relação à tradição e é com base nessa associação que
se estrutura a parte da obra que conhecemos intitulada Poética. Inicio essa rápida abordagem sobre
Aristóteles, citando o estudo de outro professor da UFMG, Cláudo William Veloso, Aristóteles mimético,
que dize logo na apresentação de seu livro: “... para Aristóteles o imitar pode ser, antes, uma solução.
Entendendo, aliás, a noção, e não só a palavra. Ainda que o exame desta última seja decisivo, o uso da
noção de imitação em Aristóteles é bem mais vasto que o já vasto emprego dos vocábulos dessa família”
(p.16). O autor se refere ao emprego de variações provindas da família mimeomai, dos quais comprova
83 referências, além do uso direto da palavra mímesis. Fora do contexto da Poética, a palavra mímesis
também é utilizada, podendo indicar “uma dependência causal, uma semelhança visual, uma analogia
ou uma imitação de comportamento” (idem, 17). ARISTÓTELES II - ARISTÓTELES MÍMESIS EM PLATÃO
(...) A eikasia ou a imitação, como a arte a executa costumeiramente, não é obra do conhecimento e sim
da opinião porque revela o que é ‘possível’ e não o que é ‘realmente’; por este motivo Platão a
desaprova. O ‘possível’ como objeto da arte é julgado negativamente por ele; mais tarde, em
Aristóteles, este conceito vai assumir outra importância na determinação da arte e do belo”. Essa longa
citação nos servirá como passagem para Aristóteles. Mas, gostaria ainda apenas de citar o estudo de
Marcelo Pimenta Marques, Platão, pensador da diferença. Uma leitura do Sofista, como uma
importante referência a essa discussão que certamente incorporarei na minha pesquisa. O
aprofundamento, nesse caso, diz respeito à associação do conceito de mímesis à antilogia, método de
contradição utilizado pelo sofista e as acepções de mímesis como produção e ação. MÍMESIS EM
PLATÃO Na República (511 e, 602 a), Platão diz que a arte não visa à essência das coisas e tem o papel
de criar apenas verossimilhança e imagens ilusórias. E pior, o artista não só desconhece o que faz, mas
ao criar imagens ilusórias, engana tanto quanto o sofista com suas palavras. Na República (598 b), em
referência ao mundo em transformação e a eternidade do mundo das idéias, Platão diz: “Qual destas
duas coisas a pintura visa? Imitar o que existe e como é a realidade, ou aquilo que aparece e como
aparece? Imita a aparência ou a verdade? – A aparência, diz ele. PLATÃO Inciando, portanto, com
Platão, explico que há, além dos textos originais, uma vasta bibliografia secundária a respeito do assunto
“mímesis” em particular no diálogo A República. Por isso, iniciaremos com a citação mais conhecida do
livro X: I - PLATÃO Prof. Dr. Wolfgang Bock (Universidade Bauhaus de Weimar, Alemanha)
Prof. Dr. Carla Milani Damião (Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC) A CAPACIDADE MIMÉTICA
ARISTÓTELES O critério de verossimilhança institui: o possível e não o verdadeiro; o possível lógico que
encadeia as ações do mito. Por meio da verossimilhança, podemos admitir a simulação, a persuasão, ou
seja, os elementos negados pelo critério de verdade. Libertando a mímesis da referência à realidade
verdadeira, Aristóteles, diferentemente de Platão, cria o espaço da ficção deliberada. Essa criação, no
entanto, não é livre do compromisso político de tornar o homem, por meio da freqüência aos
espetáculos, melhor para o convívio na polis. ARISTÓTELES Concluindo, o conceito de mímesis, para
Aristóteles, não se restringe à idéia de imitação ou representação da realidade, mas possui a
prerrogativa de ser verossímil e desta prerrogativa decorrem as relações de aprendizagem moral e da
catarse, como funções políticas do teatro, em particular, causadas pelo gênero da tragédia.
ARISTÓTELES Mímesis é entendida como a capacidade de produzir semelhanças em qualquer esfera de
criação artística. Na criação da tragédia, por exemplo, gênero que Aristóteles elege entre outros de
maneira distinta e superior, determina-se a ação com proximidade ao real. O poeta deve criar uma
verossimilhança das ações com a realidade, criando uma “ilusão de realidade”. Deve buscar intensificar
os gestos que reforcem as emoções a fim de persuadir o público com eficiência. A tragédia pe o grau
mais elevado da mímesis poética, por ser, em relação à epopéia, por exemplo, mais verossímil. Ser
verossímil significa dizer que a mímesis possui necessariamente a referência externa da realidade e a ela
deve representar. ARISTÓTELES Para falarmos apenas da mímesis na Poética devemos entender os
significados dos termos poiesis, termo que se traduz rasamente por poesia, e techne, que traduzimos
por técnica. Grassi, já citado, lembra que o título tradicional da obra de Aristóteles é Perí Poietikés que
significa comumente Peri Téknes Poietikés, o que levaria à tradução da obra por “arte poética.
Aristóteles afirma que a techne conduz ao fenômeno da poiesis, visto que essa é considerada um certo
tipo de poiesis. A distinção mais precisa é: 1. techne possui uma característica mais destinada à
produção (poiesis) do que à ação (práxis); é um tipo de conhecimento que pode ser ensinado, como
conhecimento das causas e está associada à razão; 2. a poietike techne é a arte poética. Toda poeisis, diz
Grassi (p.121), “sempre está na origem de um produzir, como passagem do não ser para o ser. (...)
ARISTÓTELES Aristóteles também é aquele a primeiro notar a capacidade mimética que será de alguma
forma repetida por Walter Benjamin. Trata-se de uma capacidade inata, natural ou genética no homem,
manifestada claramente pelas crianças. A criança aprende primeiro pela mímesis antes de se apropriar
de conteúdos. Na Poética, Aristóteles afirma que a mímesis é algo congênito no homem e que este tem
prazer em contemplar e em produzir um objeto mimeticamente. Esse prazer resulta em aprendizagem e
em reconhecimento. Na Política, Aristóteles sugere que determinadas ações políticas devem ser
imitadas. ARISTÓTELES No segundo capítulo da Poética (1448 a) lemos: “Já que aqueles que executam
uma mimese a cumprem com mimese dos que atuam uma práxis disso resulta necessariamente que
estes últimos são virtuosos ou perversos, porque nossas qualidade éticas se reduzem sempre a estes
dois opostos; quanto ao caráter, todos se distinguem por seus vícios ou por suas virtudes. De acordo
com isso, os poetas realizam a mimese dos que são melhores ou piores do que nós, homens comuns, ou
semelhantes àqueles, como fazem os pintores”. Fala-se aqui de um sentido amplo de arte e de uma
capacidade mimética pertencente a esse âmbito em geral que, no entanto, possui um vínculo estrito
com a moral e política, a práxis, e não reduzida ao contexto apenas da arte. Isto é, mesmo na utilização
mais estética da palavra mímesis, a dimensão moral e política não é dissociada. ARISTÓTELES A primeira
grande distinção que se pode fazer sobre o significado de mímesis em Aristóteles em oposição a Platão é
que mímesis não significa imitação ou representação, mas “tornar visível”, “mostrar”. Em segundo lugar,
a mímesis está associada à ação e à prática (práxis). O objeto da mímesis, nesse sentido, é o da práxis
humana. ARISTÓTELES Por conta do estudo da Poética, existe uma tendência em associar mímesis
apenas ao contexto da arte e a grande preocupação do estudo de Veloso é mostrar e comprovar a
utilização em sentido amplo, principalmente marcada pela questão do conhecimento. Diz ele, “uma
coisa é associar à poesia, à pintura ou à escultura a família de miméomai (o que os estudos filológicos
citados ontem comprovam), outra coisa é dizer que somente essas atividades são imitações e que,
enquanto tais, diferem de toda outra.”(20). A tese do autor é que a imitação, que não é um tipo de
conhecimento obviamente, é, contudo, “algo que resolve o problema gnosiológico cuja raiz está nas
próprias coisas” (p.20). MÍMESIS EM PLATÃO A condenação de Platão aos artistas, em particular aos
poetas Homero e Hesíodo na República, possui, como se sabe, uma radicalidade política, pois se trata de
estabelecer ali uma sociedade dirigida pela razão e não pela paixão. Ora, diz Grassi (p.109), “se a arte é
imitação e representação de ações que despertam em nós as paixões e o público segue mais facilmente
ações passionais do que colocações racionais, decorre daí que a imitação poética em suas ações deve
ser julgada negativamente.(...) Em outras palavras, desde que as paixões – que não estão sujeitas à
razão – representam um retrocesso em realção à perfeição humana, sua imitação é também
inevitavelmente a representação de uma não-realidade, ou seja, da mera aparência. “Na República 596b
o artista divino cria o original, isto é, o eidos cama, o carpinteiro produz a cama física que é apenas um
eikon vi-à-vis do eidos mas é o ‘original’ para a cama do pintor”, que, podemos concluir na seqüência, é
puro eikon. Na seqüência dessa citação, o autor conclui que: “um ponto de vista é claro: a atividade
conhecida como mimesis tem como seu produto uma entidade cujo estatuto ontológico é inferior em
relação ao do seu modelo. Assim (...) este princípio estabelece a relação entre este mundo e o mundo
dos eide, fundamenta a teoria platônica do conhecimento, e na esfera moral é o ponto de partida para
seu ataque à ‘arte’”. MÍMESIS EM PLATÃO A mímesis é uma das idéias escolhidas por Platão, tão
importante quanto méthexis (participação), para exprimir a relação entre os eide e os particulares
sensíveis (aistheton). Vemos isso na passagem citada incialmente da República: o demiourgos – artista
humano ou divino - tem a capacidade de produzir em dois níveis: os originais ou reais (cosmos eidético)
e as imitações/repesentações ou imagens. A aplicação dessa divisão e a função mimética oscilam nos
diálogos. Cito Peters (opus cit., p.144): MÍMESIS EM PLATÃO É importante relembrar o símile das 4
linhas no final do Livro VI da República, para percebermos o grau marcado pela eikasia, palavra
traduzida por imagem, representação, conjectura, comparação (segundo o dicionário grego-francês Le
Grand Bailly) para então retornarmos à citação inicial. Uma definição mais aprofundada (Cf. F.E. Peters,
Termos filosóficos gregos. Um léxico histórico, p.67-68), eikasia é “o estado de perceber meras imagens
e reflexos é o segmento inferior da linha platônica (República 509e). O eikon (imagem, reflexo) tem um
tipo qualificado de existência (Timeu 52c) e um papel não muito complementar na teoria da arte de
Platão. O universo visível é o eikon do universo inteligível que abrange os eide (pl. de eidos que é
idéia/forma)”. MÍMESIS EM PLATÃO MÍMESIS EM PLATÃO A arte imitativa está muito longe da verdade
e é por isso que ela faz qualquer coisa, porque capta de cada uma apenas uma pequena parte, que é
sombra daquela”. Os espectadores da arte que resulta desse grau de imitação são igualmente incapazes
de reconhecer a verdade, inseridos como estão naquilo que é passional, turvo e, por conseqüência,
mau. MÍMESIS EM PLATÃO Em uma passagem da Apologia (22 b-c), Sócrates, quer dizer, Platão por
meio de Sócrates, havia perguntado aos políticos, artesãos e poetas em que consistia a sabedoria e disse
ter ouvido destes últimos que: “Logo soube pelos poetas que eles também não escreviam o que
escreviam graças à sabedoria, mas por um dom da natureza e por uma inspiração, semelhante à dos
adivinhos e dos augures. Porque estes também dizem muitas coisas belas, mas não sabem o que dizem”.
MÍMESIS EM PLATÃO O músico, ao decidir qual o ritmo irá utilizar, decide também qual modo de vida
quer a ele associar (Leis 669 d-e e 798 d-e; República 400 a). As danças, igualmente, são imitações de
ações, destinos, modos de vida e caráter moral (Leis 795 e-796 e). Cito novamente Grassi (opus cit., p.
108): “A ação (praxis) humana seria portanto um elemento essencial de tudo aquilo que é objeto da
arte, enquanto revela comportamentos e caracteres. Isto significa que o sentido e o valor moral válido
das ações e das paixões humanas é o fundamento para o juízo de uma obra de arte. Nasce daqui a
crítica de Platão em relação à arte: já que esta não tira sua própria origem do saber, dificilmente estará
em condições de representar os valores válidos das ações humanas; ela conduz na maioria das vezes a
uma ilusão perigosa”. MÍMESIS EM PLATÃO No diálogo Crátilo, Platão acrescenta a essa distinção o
predicado da “exatidão” que, segundo Grassi (opus cit., p. 107), significa que: “se a arte reproduz um
nível da realidade – o mundo das sombras – deve tornar evidentes, com sua invenção, os elementos de
que já se falou como características essenciais. Se não os captar, ela não tem qualquer sentido. A música
também é imitativa neste sentido (Leis II 668a). Tem concições de representar o comportamento de
homens bons e maus, e isto exclusivamente por meio da analogia existente entre ritmos e harmonias,
de um lado e caracteres do outro”. MÍMESIS EM PLATÃO Verifica-se nessa longa passagem a distinção
entre aquele que “cria” e aquele que “imita”. Mas, segundo Grassi (Arte como antiarte, p.106), “Se a
imitação consiste na reprodução de uma realidade cuja forma originária coincide com a idéia, a arte que
produz também pode imitar a idéia”. E neste caso, surge a figura intermediária do carpinteiro ou do
arquiteto, como no diálogo Sofista (266 a-c), diálogo no qual Platão faz a mesma distinção feita na
República. A arquitetura é produtora, ao passo que a pintura e a escultura são apenas resultado de
imitação. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Ora, crês que, se um homem fosse capaz de fazer
indiferentemente o objeto a imitar e a imagem, optaria por consagrar a sua atividade ao fabrico das
imagens, e poria esta ocupação no primeiro plano de sua vida, como se para ele nada houvesse de
mellhor? Não, por certo. Mas se fosse realmente versado no conhecimento das coisas que imita,
suponho que se aplicaria muito mais a criar do que a imitar, que procuraria deixar atrás de si grande
número de belas obras, como outros tantos monumentos, e que desejaria muito mais ser louvado do
que louvar outros. Assim o creio - respondeu pois não há, nesses dois papéis, igual honra e proveito.
REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c A imitação está, portanto, longe do verdadeiro, e se ela modela
todos os objetos, é, segundo parece, porque toca apenas uma pequena parte de cada um, a qual não é,
aliás, senão uma sombra. O pintor, diremos nós, por exemplo, nos representará um sapateiro, um
carpinteiro ou outro artesão qualquer sem ter nenhum conhecimento do ofício deles; entretanto, se
não for bom pintor, tendo representado um carpinteiro e mostrando-o de longe, enganará as crianças e
os homens privados de razão, porque terá dado à sua pintura a aparência de um autêntico carpinteiro.
REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Isto: uma cama, conforme a olhes de viés, de frente, ou de qualquer
outra maneira, é diferente de si mesma, ou, sem diferir, parece diferente? e acontece o mesmo com
outras coisas? Sim - disse ele - o objeto parece diferente, mas não difere em nada. Agora, considera este
ponto: qual desses dois objetivos se propõe a pintura relativamente a cada objeto: o de representar o
que é tal como é, ou o que parece tal como parece? É ela imitação da aparência ou da realidade? Da
aparência. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Logo, o fazedor de tragédias, se é um imitador, estará por
natureza afastado de três graus do rei e da verdade, assim como todos os outros imitadores. É provável.
Estamos pois de acordo sobre o imitador. Mas, a propósito do pintor, responde ainda ao seguinte: tenta
ele, na tua opinião, imitar cada uma das coisas mesmas que existem na natureza ou as obras dos
artesãos? As obras dos artesãos - respondeu ele. Tais como são, ou tais como parecem; procede ainda a
esta distinção. O que pretendes dizer? REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Queres, portanto, que
concedamos a Deus o nome de criador natural deste objeto, ou algum outro nome parecido? Será justo
- disse ele - pois Deus criou a natureza deste objeto e de todas as outras coisas. E o marceneiro? Chama-
lo-emos o artífice da cama, não é? Sim. E o pintor, denomina-lo-emos artífice e criador deste objeto? De
nenhum modo. O que ele é, pois, dize-me, com respeito à cama? Parece-me que o nome que melhor lhe
conviria é o de imitador daquilo que os outros dois são os artífices. Seja. Chamas portanto de imitador o
autor de uma produção afastada de três graus da natureza. Perfeitamente - confirmou. REPÚBLICA -
Mimesis: X.595c-598c E Deus, quer não tenha desejado agir de outra maneira, quer alguma necessidade
o haja obrigado a fazer apenas uma cama na natureza, fez só aquela que é realmente a cama; mas duas
camas deste gênero, ou várias, Deus jamais produziu e tão pouco produzirá. Por que não? - indagou.
Porque se fizesse apenas duas, manifestar-se-ia nelas uma terceira, cuja Forma as duas reproduziriam, e
seria ela a cama real, e não as duas outras. Tens razão. Deus, sabendo disso, suponho, e querendo ser o
criador de uma cama real, e não o fabricante particular de uma cama particular, criou esta cama única
por natureza. É o que parece. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Queres agora que, apoiando-nos
nesses exemplos, procuremos o que pode ser o imitador? Se quiseres - disse ele. Assim, há três espécies
de camas: uma que existe na natureza das coisas e da qual podemos afirmar, penso, que Deus é o autor,
de contrário quem seria?... Ninguém mais, a meu ver. A segunda é a do marceneiro. Sim. E a terceira, a
do pintor, não é? Seja. Assim, pintor, marceneiro, Deus, são três que presidem a fatura das três espécies
de camas. Sim, três. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c E o marceneiro? Não declaraste há pouco que
ele não fazia a Forma, ou segundo nós, aquilo que é a cama, mas uma cama particular? De fato declarei.
Ora pois, se ele não faz o que é, não faz o objeto real, porém um objeto que se assemelha a este, sem
ter a sua realidade; e, se alguém dissesse que a obra do marceneiro ou de qualquer outro artesão é
perfeitamente real, haveria possibilidade de que dissesse algo falso, não é? Seria ao menos a sensação
dos que se ocupam de semelhantes questões. Por conseguinte, não nos surpreendamos que esta obra
seja algo obscura, comparada à verdade. Não. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Não é complicada,
respondi; e posta em prática amiúde e rapidamente; muito rapidamente mesmo, se quiseres apanhar
um espelho e apresentá-lo de todos os lados; farás logo o sol e os astros do céu, a terra, a ti mesmo, e
os outros seres vivos, e os móveis, e as plantas, e tudo quanto mencionamos há pouco. Sim, mas serão
aparências e não realidades. Bem - disse eu - chegas ao ponto pretendido pelo discurso: pois, dentre os
artesãos deste gênero, imagino que se deva incluir o pintor, não é? Como não? Mas tu me dirás, penso,
que o que ele faz não tem a menor realidade; no entanto, de certo modo, o pintor também faz uma
cama. Ou não? Sim - redargüiu - ao menos uma cama aparente. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c
Espera, e logo mais o dirás com maior razão. Este artesão a que me refiro não é unicamente capaz de
fazer toda espécie de móveis, como produz ainda tudo o que brota da terra, plasma todos os seres
vivos, inclusive a si próprio, fabricando, além disso, a terra, o céu, os deuses, e tudo o que há no céu,
tudo o que há debaixo da terra, no Hades. Eis um sofista realmente maravilhoso!
Não acreditas em mim? Mas responde-me: pensas que não existe de modo algum semelhante obreiro?
ou que só se pode criar tudo isso de uma certa maneira, e que, de outra, não se pode? Mas não
reparaste que tu próprio poderias criá-lo, de uma certa maneira? E qual é esta maneira, replicou?
REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Não costumamos também dizer que o fabricante dos dois móveis
dirige seus olhares para a Forma, um a fim de fazer os leitos e, outro, as mesas de que nos servimos, e
assim quanto aos demais objetos? pois, a Forma mesma, nenhum operário a modela, não é? Não, sem
dúvida. Mas veja agora que nome atribuirias a este artífice? Qual? O que faz tudo o que fazem os
diversos artífices, cada um em seu gênero. Falas de um homem hábil e maravilhoso! REPÚBLICA -
Mimesis: X.595c-598c Temos, com efeito, o hábito de colocar uma certa Forma, e uma só, para cada
grupo de objetos múltiplos aos quais atribuimos o mesmo nome. Não estás compreendendo?
Compreendo, sim. Tomemos, pois, aquele que te aprouver desses grupos de objetos múltiplos. Por
exemplo, há uma multidão de camas e de mesas. Sem dúvida. Mas, para estes dois móveis, há apenas
duas Formas, uma de cama e outra de mesa. Sim. REPÚBLICA - Mimesis: X.595c-598c Poderias dizer-me
o que é, em geral, a imitação? Pois eu mesmo não concebo muito bem o que ela se propõe? Então como
iria eu concebê-lo? Nada haveria de espantoso nisso. Muitas vezes os que têm vista fraca percebem os
objetos antes dos que a têm penetrante. Isto acontece. Mas, em tua presença, nunca ousarei declarar o
que me poderia parecer evidente. Vê, pois, tu próprio. Pois bem! queres que partamos deste ponto,
aqui, em nossa indagação, conforme o nosso método costumeiro? Mimesis: X.595c-598c Tradução de J.
Guinsburg* REPÚBLICA PLATÃO E ARISTÓTELES Na exposição dos temas das aulas ontem, disse que
abordaríamos nessa aula: 1. a importância do conceito de mímesis na filosofia antiga;
2. desdobramentos de sentidos;
3. a importância da mímesis para a teoria do conhecimento em Platão,a crítica platônica à arte que imita
e o contexto político da crítica à mímesis;
4. a função criadora, política e gnosiológica de mímesis em Aristóteles.
Seriam necessários alguns semestres para desenvolver esses itens. O que ora apresento é uma
condensação do assunto com base nos itens 3 e 4. 2ª AULA PLATÃO E ARISTÓTELES Obs: Eidolon é uma
palavra que significa também imagem e Platão a utiliza no Sofista, dividindo-a posteriormente em:
“reflexo” (eikon) e “aparência” (phantasma). MÍMESIS EM PLATÃO