Download - Mariangela Carvalho Dezotti
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
1/167
UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE EDUCAO
MARINGELA CARVALHO DEZOTTI
Indivduo com sndrome de Down:histria, legislao e identidade
So Paulo2011
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
2/167
MARINGELA CARVALHO DEZOTTI
Indivduo com sndrome de Down:histria, legislao e identidade
So Paulo2011
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
3/167
MARINGELA CARVALHO DEZOTTI
Indivduo com sndrome de Down:histria, legislao e identidade
Dissertao apresentada Faculdadede Educao da Universidade de SoPaulo para obteno do ttulo de
Mestre em Educao Especial.
rea de Concentrao:Educao Especial
Orientadora:Prof. Dr. Edna Antonia de Mattos
So Paulo2011
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
4/167
AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTETRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
371.92 Dezotti, Maringela Carvalho
D532i Indivduo com sndrome de Down: histria, legislao e identidade /Maringela Carvalho Dezotti; orientao Edna Antonia de Mattos. SoPaulo: s.n., 2011.
165 p. il.; tabs.; anexos
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao emEducao. rea de Concentrao: Educao Especial) Faculdade deEducao da Universidade de So Paulo.
1. Sndrome de Down 2. Poder Relao 3. Identidade 4.
Legislao 5. Histria 6. Escola I. Mattos, Edna Antonia de, orient.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
5/167
Folha de Aprovao
Nome: DEZOTTI, Maringela Carvalho
Ttulo: Indivduo com sndrome de Down: histria, legislao e identidade
Dissertao apresentada Faculdade de Educao da
Universidade de So Paulo para obteno do ttulo
de Mestre em Educao Especial.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. Edna Antonia de Mattos Instituio: Universidade de So Paulo
Julgamento:_________________ Assinatura:_______________________
Prof. Dr. urea Maria Paes Leme Goulart Instituio: Universidade Estadual de Maring
Julgamento:____________ Assinatura:___________________
Prof. Dr. Leny Magalhes Mrech Instituio: Universidade de So Paulo
Julgamento:___________________ Assinatura:______________________________
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
6/167
Poema ao meu marido:
Perguntei a um sbio,a diferena que haviaentre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...O Amor mais sensvel,a Amizade mais segura.O Amor nos d asas,a Amizade o cho.
No Amor h mais carinho,na Amizade compreenso.O Amor plantadoe com carinho cultivado,a Amizade vem faceira,e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e queridacompanheira.
Mas quando o Amor sinceroele vem com um grande amigo,e quando a Amizade concreta,ela cheia de amor e carinho.Quando se tem um amigoou uma grande paixo,ambos os sentimentos coexistemdentro do seu corao.
William Shakespeare
Ao meu marido, Ricardo, e queridos filhos, Pedro
e Luiza, com amor, admirao e gratido por suacompreenso, carinho, presena e incansvelapoio, ao longo do perodo de elaborao destetrabalho. Percebi, de tantas formas e a cadamomento, que vibravam com minhas alegrias.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
7/167
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelos momentos que me impuseram e ensinaram a resistncia, anegao do rtulo da rejeio e a f nas possibilidades.
Aos meus irmos que, como eu, lutam para superar uma histria de vida,descobrindo que podem mais e de forma diversa concretizar seus sonhos.Agradeo principalmente a minha irm Cristina, pelo retorno grato naconvivncia, estando a meu lado durante este perodo.
A meu sogro, Oswaldo Dezotti, e minha sogra, Concilia Terezinha Dezotti, peloacolhimento em sua famlia, amor e cuidado.
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, pela oportunidade departicipao no curso de Mestrado.
Profa. Dra. Edna Antonia de Mattos, minha querida orientadora, pelos anos deconvivncia, pelo muito que me ensinou, contribuindo para meu crescimento edesenvolvimento neste trabalho, apontando a reviso de conceitos e correesnecessrias.
s Professoras Doutoras urea Paes Leme Goulart e Leny Magalhes Mrech,pelas esclarecedoras orientaes e valiosas contribuies bibliogrficas, noexame de qualificao.
Aos Professores Doutores Elie George Guimaraes Ghanem Junior e SoniaTeresinha de Sousa Penin, pelos profcuos momentos de formao no Mestrado.
A Llian A. Facury e Cllia Riquino, pelo trabalho incansvel de leitura e revisodeste trabalho.
Ao carinho e confiana dos profissionais da escola estadual, que possibilitaram apesquisa, e dos queridos alunos que me receberam de braos abertos.
A Ana S. de Toledo e seu filho, meu querido aluno Marcelo de Toledo, pelaalegria com que corria em minha direo, por ter me ensinado a olhar alm doslimites, apontando caminhos e possibilidades durante o fazer pedaggico.Depois dele, descobri muitos alunos, que me ajudaram a aprofundar as ideiascontidas neste trabalho.
minha primeira orientadora escolar, Cllia Pastorello, que cultivou em mim asemente da observao e pesquisa e Diretora Maria Ilone Weisheimer, peloapoio no processo inicial desta caminhada e f em Deus transmitida em nossarelao.
A Meire Viegas Vicentini e Ana Jlia Martins, amigas inseparveis.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
8/167
s minhas colegas de Mestrado: Cibelle C. S. Lima, Maria de Ftima N. daSilva, Maria Luisa dos S. Pereira, Marina R. Silveira, Tnia P. Abate e,principalmente, a Marly K. Moraes, pelas orientaes, leituras, revises e apoio,durante esta caminhada.
Aos profissionais do Centro de Apoio Pedaggico Especializado CAPE, pelotrabalho dinmico e orientao norteadora na Educao Especial da Secretaria daEducao do Estado de So Paulo.
s minhas amigas de trabalho, Tnia Regina, Tnia Sheila, Adriana e Salvadora,por perceberem a importncia, para mim, da realizao deste sonho e meapoiarem neste momento de amadurecimento profissional.
E a Deus, por ter colocado tantos amigos e amor no meio do caminho.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
9/167
Todas as crianas, jovens e adultos, em sua condio deseres humanos, tm o direito a uma educao orientadaa explorar os talentos e capacidades de cada pessoa e adesenvolver a personalidade do educando, com oobjetivo de que melhore sua vida e transforme asociedade.
Marco de Ao de Dakar, abril de 2000.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
10/167
RESUMO
DEZOTTI, M. C. Indivduo com sndrome de Down: histria, legislao eidentidade. 165 p. Dissertao de Mestrado em Educao Especial Faculdade de
Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2011.
Esta pesquisa estuda as prticas da convivncia introduzidas na relao do aluno comsndrome de Down com a escola pblica do Estado de So Paulo, e aponta para asmarcas forjadas pela histria, leis e espaos, impressas nas condies e possibilidadesno cotidiano escolar. Revela, nas formas de conduo do processo de desenvolvimentodo aluno com deficincia intelectual, a existncia de um indivduo possvel, planejado epreviamente definido. Com o apoio da observao do aluno com sndrome de Down, noespao escolar, rompe com os limites do indivduo possvel e desvela para alm dortulo de um indivduo nico, real, tecido pela convivncia, pela conscincia de suaposio no grupo, dialogada e negociada. Pensa na escola e nas aes empreendidaspelo desejo de pertencer, de cada sujeito da pesquisa, que refletem sobre os limites quese impe sobre as foras e possibilidades ali apresentadas. O desenvolvimento internodo indivduo, gerado por desejos e reflexes, elabora uma aquisio criativa a partir deajustes do vivenciado, revelado na ao, na convivncia do espao escolar. O desafio,neste estudo, responder a seguinte questo: as aes dentro da escola contribuem paraa construo de um indivduo possvel, tornando a formao do indivduo real refmdestas foras? Nesse sentido, o trabalho se estrutura a partir da conjugao de vriospontos de partida. Assim, busca: detectar marcos histricos que se repetem, onde o
poder de uma rea se desenvolve e se fortalece a partir de um campo de saber,identificando e caracterizando servios e indivduos; localizar, na legislao, como soconfiguradas a pessoa, e a pessoa com deficincia intelectual; definir o indivduo real,que persiste alm do rtulo, do estigma, formado na contradio, em uma dialtica deexcluso e incluso; identificar mecanismos construdos diariamente, e a clareza que afamlia e indivduos tm destes. Na anlise da realidade investigada, vai alm da meradescrio dos dados observados e faz a opo por uma abordagem qualitativa, ou seja,captar a escola pelo olhar dos sujeitos e suas manifestaes. Elementos de pesquisa ereflexo, como registro fotogrfico e vdeo elaborado por aluno so utilizados como
mediadores e organizadores de temas, estes, desta forma, centrados e desenvolvidos apartir da reflexo sobre fatos observados na relao com os sujeitos. Conclui que asforas produzidas pelo ambiente fazem parte da viso histrica da constituio doindivduo com sndrome de Down, enquanto as tcnicas de contorno e superao soconstrudas por ele, na vivncia dos limites, e concorrem para a construo de umindivduo nico, nem sempre percebido pela escola.
Palavras-chave:sndrome de Down, relaes de poder, identidade, legislao, histria.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
11/167
ABSTRACT
Dezotti, M.C. Down Syndrome Individual: history, legislation and identity. 2011.165 p. Master's Thesis in Special Education Education College University of So
Paulo So Paulo, 2011.
This research evidences the companionship practices introduced in the relation to Downsyndrome student and shows the forged marks through history, laws and spaces, printedin the conditions and possibilities in the public school from So Paulo State. It revealsin the ways of leading the process of the development of the student who hasintellectual deficiency, the existence of a possible individual planned and previouslydefined. Supporting the study of the Down syndrome student in the school space, itbreaks the limits of the possible individual and unveils the label of unique individual,who is real, formed by companionship, conscious of his position in the group, dialoguedand negotiated. Such individual thinks about school and executed actions hoping tobelong to every subject of the research which reflects over the imposed limits, strengthand possibilities there where it is presented. The internal development of the individual,generated by wishes and reflections elaborates a creative acquisition from adjustmentsof the subject revealed in the action, in the companionship of the school space. Thechallenge, in this study, is to answer the following question: do the actions inside schoolcontribute to build a possible individual becoming the character of a real individual whois hostage of this strength? In this way the study itself from several starts points. Itpursuits detecting historical boundaries which are repetitive where the power of an areadevelops itself and becomes strong from knowledge identifying and showing servicesand individuals; localizing in the legislation the way the person is configured and the
intellectual deficiency person; defining the real individual who persists beyond label,the stigma, ,formed in the contradiction in a dialectic of exclusion and inclusion;identifying mechanisms daily built concerning family and individuals as well. In theanalysis of the investigated reality, it goes farther on the simple description of observeddata and decides for a qualified approach, that is, it looks at through the way thesubjects look and their manifestations. Such elements of research and reflection, itmeans, photos and videos created by the student are used as mediators and organizers ofthe themes, these ones, this way, centered and developed after reflection about observedfacts in the relationship with such subjects. I concluded that the strength produced bythe environment makes part of the historical view of the Down syndrome individualconstitution while the contour techniques and overcoming are built by him living his
limits and contributing to build a unique individual who is not always noticed by school.
Keywords:Down syndrome, power relationships, identity, legislation, history.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
12/167
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Porcentagem de ocorrncia de caractersticas fsicas ...................................42
Tabela 2 Porcentagem de nveis de habilidades educacionais.....................................44
Tabela 3 Frequncia das palavras na Constituio da Repblica, do Estado de SoPaulo e no Estatuto da Criana e do Adolescente ...........................................................46
Tabela 4 Relao de escolas apontadas no Quadro Diagnstico da Diretoria de EnsinoSul I .................................................................................................................................97
Tabela 5 Relao entre idade e nmero de alunos em SRDI.......................................97
Tabela 6 Alunos com Deficincia Intelectual atendidos pela APAE na zona sul de So
Paulo ................................................................................................................................98
Tabela 7 Caractersticas fsicas dos sujeitos da pesquisa ..........................................104
Tabela 8 Horrios dos sujeitos da pesquisa na escola ...............................................106
Tabela 9 Tempo de permanncia na escola e tipo de sala .........................................107
Tabela 10 Frequncia dos fenmenos na Constituio da Repblica, do Estado de SoPaulo e do Estatuto da Criana e do Adolescente somados Conveno dos Direitos das
Pessoas com Deficincia, Lei de Diretrizes e Bases da Educao 1996, Plano Nacionalde Educao/Subsdios 2001 .........................................................................................158
Tabela 11 Palavras mais utilizadas nos documentos oficiais ....................................159
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
13/167
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAIDD American Association on Intellectual and Developmental Disabilities(Associao Americana de Deficincias Intelectual e de Desenvolvimento)
ACM Associao Crist de MoosAEE Atendimento Educacional EspecializadoAPAE Associao de Pais e Amigos dos ExcepcionaisCAPE Centro de Apoio Pedaggico EspecializadoCEB Coordenadoria de Educao BsicaCENP Coordenadoria de Estudos e Normas PedaggicasCNE Conselho Nacional de EducaoCOGSP Coordenadoria de Ensino da Regio Metropolitana da Grande So PauloCORDE Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de DeficinciaCRPE Classe Regida por Professor EspecializadodB decibis (unidade de frequencia)DE Diretoria de EnsinoDRE Diretoria Regional de EnsinoECA Estatuto da Criana e do AdolescenteEJA Educao de Jovens e AdultosHTPC Hora de Trabalho Pedaggico ColetivoHz hertz (unidade de frequencia)LDB Lei de Diretrizes e BasesLDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao NacionalLIBRAS Lngua Brasileira de SinaisLOAS Lei Orgnica da Assistncia Social
MEC Ministrio da EducaoOFA Ocupao de Funo AtividadeONU Organizao das Naes UnidasPNPA Plano Nacional de Promoo da AcessibilidadePCNs Parmetros Curriculares NacionaisPCOP Professor Coordenador de Oficina PedaggicaPNE Plano Nacional de EducaoSAPE Servio de Apoio Pedaggico EspecializadoSARESP Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar do Estado de So PauloSE Secretaria da Educao
SEE Secretaria de Educao EspecialSEESP Secretaria da Educao do Estado de So PauloSNPD Subsecretaria Nacional de Promoo dos Direitos da Pessoa com DeficinciaSR Sala de RecursosSRDA Sala de Recursos de Deficincia AuditivaSRDF Sala de Recursos de Deficincia FsicaSRDM Sala de Recursos de Deficincia MentalSRDV Sala de Recursos de Deficincia VisualUNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura)
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
14/167
SUMRIO
1. INTRODUO .................................................................................................................. 14
2. A CONCEPO DO INDIVDUO E DO INDIVDUO COM DEFICINCIAINTELECTUAL .................................................................................................................... 232.1. Aspectos histricos da deficincia intelectual................................................................... 272.2. A sndrome de Down ........................................................................................................402.2.1. Causas.............................................................................................................................402.2.2. Questes cromossmicas................................................................................................ 402.2.3. Caractersticas fsicas ..................................................................................................... 412.2.4. Aspectos afetivo e social ................................................................................................ 422.2.5. Comunicao .................................................................................................................. 43
3.A LEGISLAO................................................................................................................453.1. O indivduo regido por Leis...............................................................................................453.2. Definio de pessoa pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988......... 473.3. Definio de pessoa pela Constituio do Estado de So Paulo de 1989..........................513.4. Definio de pessoa de acordo com o Estatuto da Criana e do Adolescente de 1990..... 523.5. Definio de pessoa com deficincia na Conveno sobre os Direitos das Pessoas comDeficincia (2007). ................................................................................................................... 553.6. Definio de pessoa relacionada Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN). PlanoNacional da Educao (PNE)............................................................................................................ 62
4.O INDIVDUO COM SNDROME DE DOWN..............................................................70
4.1. As marcas histricas .........................................................................................................704.2. As marcas cotidianas .........................................................................................................784.3.OIndivduo possvel e o indivduo real ............................................................................ 82
5. ORGANIZAO DOS SERVIOS DE EDUCAO ESPECIAL NO ESTADO DE
SO PAULO ........................................................................................................................... 86
5.1. Alguns aspectos sobre o processo de encaminhamento na Escola Pblica Estadual ........ 87
5.2. As possibilidades da educao do aluno com sndrome de Down na Escola PblicaEstadual ...................................................................................................................................88
6. METODOLOGIA...............................................................................................................956.1. A pesquisa, o campo de investigao e os sujeitos envolvidos.........................................966.2. O aluno como foco ............................................................................................................986.3. A entrevista semiestruturada ...........................................................................................1006.4. A escola como locusda pesquisa.......................................................................................... 1026.4.1. Sujeitos da pesquisa: alunas com sndrome de Down.................................................. 1046.4.1.1. Condies familiares ................................................................................................. 104
6.4.1.2. Caractersticas fsicas e de sade...............................................................................1046.4.1.3. O espao escolar ........................................................................................................105
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
15/167
6.5. A identidade e as formas de pertencer do aluno com sndrome de Down na escola....... 1086.5.1. O que aprendem e como aprendem ..............................................................................1106.5.2. A aprendizagem de conceitos.......................................................................................1116.5.3. O jogo e a observao...................................................................................................1216.5.4. A linguagem e o pensamento .......................................................................................1236.5.5. O desejo e a dificuldade de expresso.......................................................................... 1256.5.6. A sndrome de Down e a surdez...................................................................................1316.5.7. As caractersticas pessoais............................................................................................ 1356.5.7.1. O entendimento das regras ........................................................................................1356.5.7.2. A fuga e a docilidade................................................................................................. 1396.5.7.3. A segurana no espao restrito ..................................................................................142
7. CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................144
REFERNCIAS ...................................................................................................................149OBRAS CONSULTADAS ...................................................................................................156
ANEXOS ...............................................................................................................................157
ANEXO 1 Tabela 10 Frequncia dos fenmenos na Constituio da Repblica, do Estadode So Paulo e no Estatuto da Criana e do Adolescente somados Conveno dos Direitosdas Pessoas com Deficincia, Lei de Diretrizes e Bases da Educao de 1996, Plano Nacionalde Educao/Subsdios 2001 .................................................................................................. 158
ANEXO 2 Tabela 11 Palavras mais utilizadas nos documentos oficiais........................159ANEXO 3 Fotos da escola .................................................................................................. 160
ANEXO 4 Carta ao Comit de tica ..................................................................................164
ANEXO 5 Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento............................................165
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
16/167
14
1. INTRODUO
Posso dizer que as relaes de fora e poder, envolvendo pessoas e ambientes,
foram sempre um foco constante em minha vida. A criao rigorosa e aspectos ligados a
caractersticas individuais imputados s pessoas permearam minha infncia.
A minha formao inicial, perpassa por nove escolas, conforme registro em meu
histrico escolar, at o ensino mdio, em diversos territrios, entre capital, cidades do
interior e vida no stio.
Pude perceber, neste trajeto, que as relaes mediadas pelas regras, nas vrias
escolas, produziam diferentes formas de desenvolvimento e expectativas em relao ao
futuro.
Aprendi que para viver o diverso preciso negociar, entrar no jogo, deixar-se
envolver. Entendi rapidamente que os colegas traziam situaes variadas para a escola e
este jogo de pertencer e se fazer presente com sua histria de vida, o ser eu e o ser
grupo, sempre me encantou.
Em meio a pessoas e ambientes pautados por regras, constitu minha vida
profissional. Como professora, foram trs estruturas de ensino em trinta anos: rede
particular, municipal e estadual. Nessa caminhada, desenvolvi um olhar sensvel para a
troca, na relao de grupo, num jogo de enlaar, de pertena e apego.
Todas estas questes ganharam um novo recorte e sentido quando recebi meu
primeiro aluno com deficincia, especialmente porque pensar a escola enquanto
ambiente para atender a diversidade h muito tempo fazia sentido para mim: nessa
perspectiva, colocamos que a diversidade no diz respeito s a pessoas, mas a toda aescola que, pelas regras, deve acolher a todos, potencializar descobertas e proporcionar
a busca de aprendizagem no grupo, na troca, pela negociao dentro de estruturas, como
ponto de fortalecimento do indivduo e abertura de processos para a construo de
identidade.
Em muitas escolas, essa inteno de negociao existe, mas est encoberta pela
prpria estrutura, pelo fazer repetitivo, pelo o que possvel fazer, opondo este possvel
ao que necessrio fazer. No caso do aluno com sndrome de Down, a busca por
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
17/167
15
caminhos diversos pode possibilitar a negociao e o reconhecimento da identidade por
trs do rtulo, abrir as portas aprendizagem do indivduo real, rompendo os limites do
apenas possvel.
No Estado de So Paulo, os mecanismos da legislao vm apontando para a
definio do pblico alvo na Educao Especial1, ao qual o aluno com sndrome de
Down pertence. As justificativas para desenvolver o atendimento voltado a um pblico
especfico visam garantir melhor qualidade no atendimento, com apoio de profissionais
especializados.
A escola o ambiente presente em todas as regies, dando educao um poder
capilar2na cidade. tambm quem diariamente, vive, ao lado das famlias, as condies
sociais e as possibilidades da regio onde est inserida. Esta proximidade, somada
ausncia dos servios no lugar onde alunos com deficincia residem e dificuldade de
locomoo, faz com que a escola passe a ser o nico local com possibilidade de apoio, e
que a ela sejam direcionadas todas as expectativas de desenvolvimento dos jovens.
Os termos escola e diversidade tm andado lado a lado, apontados nos discursos
sobre Educao, principalmente quando se referem garantia do direito educao com
qualidade. A diversidade aqui diz respeito a todos os alunos, inclusive queles comqualquer tipo de deficincia, mas principalmente aos com sndrome de Down. Sob o
prisma da diversidade, leis foram desenvolvidas para possibilitar o acesso e
permanncia, em condies favorveis, da pessoa com deficincia na escola. No
entanto, apenas o fato de definir espaos e possibilidades de ao no garante que o
educando seja tratado como indivduo3, somente imputa-lhe, na legislao, o rtulo de
pessoa com deficincia.
O aluno com sndrome de Down, por sua vez, vem buscando na escola um lugar
de proteo e de possibilidades reais de aprendizagem e reagindo diante do vivido, traz,
1O pblico alvo da Educao Especial definido na Resoluo SE n11/2008 (BRASIL, Estado de So Paulo).2Este poder capilar foi identificado por Foucault em As verdades e as formas jurdicas ao se referir a um conjuntode tcnicas polticas e tcnicas de poder que ligavam o homem ao trabalho no sculo XIX: preciso que, ao nvelmesmo da existncia do homem, uma trama de poder poltico microscpico, capilar, se tenha estabelecido fixando oshomens ao aparelho de produo, fazendo deles agentes da produo, trabalhadores. (FOUCAULT, 2003, p.125). Oque se pretende ao utilizar este termo realar a proximidade da escola e o poder exercido por ela nos bairros, assimcomo a fora que envolve a vida das famlias e expectativas em relao ao futuro dos seus filhos.3 Chama-se de indivduo, ou seja, o que numericamente uno, aquilo que no divisvel em muitas coisas e sedistingue numericamente de qualquer outra [...] em seu modo de ser, em sua singularidade, caracterizado por umadeterminao ltima ou realidade ltima da natureza que o constituiu. (ABBAGNANO, 2007, p. 639).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
18/167
16
para o ambiente escolar, como todos os outros, sua histria de vida, suas formas de
vivenciar o jogo do pertencer, seus sonhos e possibilidades.
A questo da identidade desse grupo deve, ento, ser pensada, pois no
ambiente escolar que a vida ir tomar forma, onde ser potencializada a construo da
pessoa4, no intercurso com o outro, desvelando, aprofundando marcas, construdas e
negociadas.
Os fatores relacionados anteriormente fazem parte de um ambiente real, no qual
anseio e interesses pessoais convivem com as estruturas e regras da escola. Podemos
ento refletir sobre estes seres nicos, pensar sobre a identidade5, que se assemelha a
uma lente por meio da qual vrios aspectos da vida so salientados.
Identidade qualidade de idntico (FERREIRA, 1986b, p. 913), de ser
reconhecido, em um grupo, como igual. Constitui-se numa fora, no sentido de
responder ao social de forma igual, em um esforo para estar entre os seus, que garante
proteo no grupo, autoestima, referencial de comportamento e atitude.
Voltando a ateno para as caractersticas reveladas pela aparncia fsica, a
sndrome de Down diferencia-se das outras deficincias. Alm de ter o trao fsico
salientado como primeira marca na comunidade, apresenta, ligada a ele, uma concepo
histrica impregnada no social, assim como a ideia antecipada das possibilidades de
desenvolvimento intelectual do indivduo.
No trabalho com o aluno com sndrome de Down, dois modos distintos se
interpenetram na construo da identidade. O primeiro pensa nas marcas identitrias
deste indivduo como caractersticas fechadas, configurando o estigma, a identidade
proveniente do registro histrico construdo pela humanidade o que, porconsequncia, desenvolve e cria caminhos pr-determinados na escola. O segundo
entende que mesmo aspectos to fortes e fechados no conseguem impedir trajetos
4[...] pessoa deriva deper + sonare: ressoar. Em Roma,persona era a mscara que cada ator de teatro usava durantea representao, a fim de que sua voz ou a da personagem fosse identificada. Munida de lminas de metal, a mscarafazia com que a voz do ator ressoasse cristalinamente nos vastos anfiteatros. Com o tempo, o vocbulo personapassou a denominar o papel representado pelo ator; e como cada pessoa representa um papel nesta vida, o termopassou a designar o prprio homem. (ACQUAVIVA, 1993, p. 939). Ao comentar a definio de pessoa, nas cinciassociais, Abbagnano escreve que pessoa [...] o indivduo provido de status social, faz referncia rede de relaessociais que constituem o status da pessoa. [...] agente moral, sujeito de direitos civis e polticos ou, em geral,membro de um grupo social (ABBAGNANO, 2007, p. 890).5Em sentido essencial, as coisas so idnticas no mesmo sentido em que so unas, j que so idnticas quando uma s sua matria (em espcie ou em nmero) ou quando sua substncia una. (ABBAGNANO, 2007, p. 612).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
19/167
17
diferenciados de possibilidades, na construo social. Trajetos que implicam, na relao
com o outro, o ensejo de o aluno efetivamente pertencer escola, negociando,
experimentando os caminhos da aprendizagem, tornando este aprender um ato de
socializao, de descoberta dos outros e, no menos importante, possibilitando prpria
escola a aprendizagem de novos fazeres metodolgicos a partir da observao.
Outro fator importante a maneira como a famlia vai se estruturando,
construindo assim uma histria de vida acompanhada, muitas vezes, pelo sofrimento,
com desgastes provenientes da falta de recursos e da ausncia de polticas sociais
efetivas. Um em cada 20 habitantes, no mundo inteiro, tem alguma deficincia, e,
destes, mais de trs, em cada cinco, vivem em um pas em desenvolvimento (METTS,
2000). A questo fica mais complicada quando pensamos que as garantias bsicas comosade, trabalho e lazer no atendem a demanda necessria para muitos indivduos, sendo
mais graves para os ncleos familiares que possuem uma pessoa com deficincia.
Estas esto envolvidas, diariamente, em encontrar mecanismos sociais de
sustentao das condies mnimas, assim como apoio para o desenvolvimento dos
filhos. Perceber a associao entre deficincia e pobreza possibilitar a identificao de
posturas da famlia no como ausncia dos responsveis, mas como dificuldade real da
sua presena na escola. Pais envolvidos no sustento e na busca de apoio, em outros
setores da sociedade, nem sempre conseguem ver, com clareza, os meandros dos
caminhos desenvolvidos na trajetria escolar, assim como as consequncias na vida do
filho.
A questo da incluso no simples. Sete documentos internacionais, de 1990 a
2003, acompanhados, no mesmo perodo, de catorze declaraes de outros organismos
mundiais, versaram sobre garantia de direitos para todos. No Brasil, foram nove leis,desde a Constituio Federal, de 1988 at 2002; dezesseis decretos, de 1993 a 2008, e
seis portarias, de 1994 a 2006.6
Todas essas declaraes e mecanismos legais vm dividindo opinies: h
aqueles que percebem o indivduo com sndrome de Down, a deficincia; e h aqueles
que, prioritariamente, percebem nele a pessoa, com direitos legais e oportunidades
iguais s dos outros, com caractersticas individuais. Esse campo de dilogo vem
6MEC Ministrio da Educao. Legislao. Educao Especial: Legislao Especfica / DocumentosInternacionais. Disponvel: .
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
20/167
18
marcando a sociedade e a escola pblica, h vinte anos, buscando viabilizar mudanas
por meio da formao de professores, elaborao de relatrios, adequao de espaos e
materiais, na tentativa de integrar a escola s questes da comunidade em que o aluno
est inserido, assim como viabilizar a participao deste em diferentes espaos,
garantindo-lhe acesso com qualidade, na construo da pessoa.
No basta, porm, apenas incluir a todos: necessrio elucidar os percursos de
construo do indivduo, na escola; perceber como o aluno com deficincia convive
com as regras que o envolvem; e, ainda, identificar os caminhos e decises
educacionais. Esta questo, importante para qualquer aluno, de fundamental
relevncia para aquele com sndrome de Down, que, precisamente pela dificuldade em
entender os processos e regras da escola, pode se tornar refm da estrutura educacional,das instituies ou de posturas mais fechadas da famlia em relao s suas expectativas
de vida.
O interesse da pesquisadora em mergulhar nos estudos somou-se ao seu ingresso
no Programa de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao na Universidade
de So Paulo, rea temtica Educao Especial, e ao fato de passar a compor a equipe
de Educao Especial da Secretaria de Educao do Estado de So Paulo, no CAPE
Centro de Apoio Pedaggico Especializado, onde as visitas s classes especiais e o
desenvolvimento da formao de Supervisores e Professores Coordenadores de Oficinas
Pedaggicas da Educao Especial das 91 Diretorias do Estado de So Paulo, puderam
apoiar minhas reflexes e amadurecimento deste tema.
Este estudo buscou observar a formao do indivduo com sndrome de Down,
identificar sua percepo de espaos, fatos da escola e referncias no grupo. E responder
seguinte questo: os aspectos histricos; a legislao, tanto no mbito federal quantoestadual; os espaos; e, por fim, as palavras e aes que envolvem o indivduo com
sndrome de Down mobilizam-se na constituio de um indivduo possvel dentro da
escola, dificultando o desenvolvimento do indivduo real?
O primeiro passo foi identificar a influncia das aes, espaos e palavras que
so construdos pela presena do rtulo sndrome de Down e que concorrem para o
estabelecimento, determinado antecipadamente, de uma identidade possvel, isto ,
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
21/167
19
previamente pensada dentro da estrutura. Possvel, aqui, subentende isto possvel
fazer e esperar de um aluno que tem sndrome de Down.
Tal maneira de configurar espaos, aes e palavras de forma apriorstica um
paralelo com o que Goffman descreve como identidade social virtual, e coloca a
presena de um estigma, cuja caracterstica distinta j conhecida, tem um efeito de
descrdito, um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrdito muito
grande (GOFFMAN, 1988, p.12). Portanto, o termo possvel dentro deste trabalho
repercute uma frase bastante ouvida nas escolas: isto que possvel fazer por ele.
Possibilidade fechada, identidade determinada de antemo, identidade possvel,
conferida a todos os alunos que entram e trazem como rtulo a sndrome de Down.
Por outro lado, pretendeu-se, atravs deste estudo, descobrir a identidade real
que persiste e que emerge da relao com os colegas e grupo e revela o sujeito capaz de
ultrapassar as estruturas, flagrar a identidade real observada, que no esconde a
sndrome de Down, mas se constri com ela e cria um olhar de grupo, um sinal de
pertena.
Nessa perspectiva, buscou-se enfocar os temas atravs do levantamento de
possibilidades de construo de um sujeito real, cidado, pessoa social, partindo dedireitos, aes e espaos destinados a todos, em vez de olhar apenas os mecanismos
construdos no indivduo, e as concepes pr-determinadas pela presena da
deficincia (sndrome de Down) o que levaria a um forte direcionamento, quase uma
negao dos direitos comuns. Para tanto, os temas foram apresentados na seguinte
sequncia: indivduo, pessoa, deficincia, deficincia intelectual e, de forma extensiva,
o aluno com sndrome de Down.
O trabalho de investigao traduz como fora a escola e o aluno, este
apresentado nas situaes de ptio, com os colegas: desvela o que diz, como se
relaciona, quais as interaes reais e como as negocia com os outros, no grupo. Seu eixo
central determinar o quanto o indivduo real (sujeito da pesquisa) encoberto pela
marca do indivduo com sndrome de Down.
Para melhor entendimento dos estudos de pesquisa, o registro da dissertao foi
subdesenvolvido em seis captulos:
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
22/167
20
No primeiro, a autora faz uma insero no campo, utilizando o percurso
acadmico pessoal, na identificao do tema a ser estudado.
No segundo, apresentado o O indivduo com deficincia intelectual,
entendendo-se que as caractersticas fsicas so marcas que se revelam e antecedem e
configuram decises e espaos, antes que a pessoa (ser social) ou sujeito (observado
pela pesquisa) possa se revelar. Em Aspectos histricos da deficincia intelectual,
buscar-se- os dados ligados formao de espaos destinados deficincia, assim
como decises ligadas tentativa de proteo e ateno, traos estes atuais e comuns
aos encontrados nas razes histricas do Brasil, nos Hospitais dos Alienados. Sua
atualidade revelada pelo texto, na construo do pensamento social, como demarcador
de foras na luta de espao, empoderamento7
de pessoas e delimitao de possibilidadescomo proteo social. Os pontos abordados so reveladores de uma condio
educacional atual. Neste apresentada A sndrome de Down com caractersticas
marcadas por uma diversidade que no permite delimitar um padro nico na
constituio do indivduo.
A Legislao, como terceiro captulo, desenvolve o tema O indivduo regido
por Leis onde so apresentados os aspectos legais e a configurao dos espaos,
palavras e aes que envolvem a pessoa com sndrome de Down. Os direitos da pessoa
j estariam garantidos em mecanismos legais como Constituio da Repblica
Federativa do Brasil, de 1988, a Constituio do Estado de So Paulo, de 1989, e, por
ltimo, o Estatuto da Criana e do Adolescente, de 1990, e o fato de serem construdas
legislaes especficas, voltadas deficincia, contribuem para a formao de
discriminantes pessoais. Procedendo ao mecanismo de contagem de palavras nos
referidos documentos, foi identificado que o termo pessoa ocorre com grande
frequncia, assim como a palavra ensino, salientando que dentro deste grupo esto
inseridas as pessoas com sndrome de Down. Aprofundar as questes relacionadas s
pessoas, atravs das leis e do ensino, o objetivo deste captulo. Foi possvel verificar
ainda uma grande ocorrncia das palavras famlia e proteo, no Estatuto da
Criana e do Adolescente, de 1990. Assim, dentro destes mecanismos, todas as pessoas
teriam seus direitos garantidos.
7 O termo empowerment embora no tenha uma traduo perfeita, tem sido usado como empoderamento e seusignificado seria transferir ou devolver o controle da prpria vida para as pessoas com deficincia (MENDES, 2006,p. 390).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
23/167
21
Na sequncia, ainda neste captulo, desenvolvida a anlise de questes
legislativas especficas s pessoas com deficincia. Neste contexto, selecionada a
Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia (2007), assinalando-se aqui o
fato de que a necessidade de uma lei construda para uns j demonstra uma delimitao:
preciso que a pessoa seja caracterizada, demarcada, enquanto grupo de referncia para
ser atendida, com o objetivo de normaliz-la e negar assim sua diferena. Em
Definio de pessoas relacionada s Leis da Educao, prossegue-se examinando o
tratamento da pessoa dado pelo suporte legal: observam-se aes e espaos relacionados
deficincia, demarcando o papel da famlia e as palavras que configuram a deficincia,
refletindo sobre as questes educacionais, enquanto poltica de Estado.
No quarto captulo, O indivduo com sndrome de Down, desenvolvida, emAs marcas histricas, a concepo social que emerge da convivncia diria com a
pessoa com deficincia, mostrando sua correlao com um processo de foras
historicamente construdas. A esta, soma-se o fechamento legal, que fixa espaos e
possibilidades da famlia no encaminhamento de opes para o desenvolvimento de seu
filho. Fazem parte deste tpico, os aspectos cognitivos como emblemtica que envolve a
famlia, a escola e a sociedade, apontando as relaes de fora. Em As marcas
cotidianas, aprofundam-se as questes familiares ligadas morte do filho esperado e asconsequncias para o indivduo com sndrome de Down, abordando o estigma na
construo da sua identidade. Como ltimo foco, em o Indivduo possvel e indivduo
real, so apresentados os temas ligados Escola Pblica Estadual e s possibilidades
para o indivduo com sndrome de Down.
O quinto captulo, Organizao dos servios de Educao Especial no Estado
de So Paulo, apresenta a estrutura da Educao Especial com pontos que abordam o
nmero de alunos atendidos, encaminhamentos para a Sala de Recursos, relatrios e
avaliaes.
Referindo-se Metodologia, no captulo 6, est dividida em: A seleo da
escola e dos participantes, O aluno como foco, A entrevista semiestruturada, A
escola, Formas de agir e de pertencer. No desenvolvimento destes temas
apresentada a pesquisa qualitativa, com coleta de dados no ptio, obtida atravs de
questionrio desenvolvido com os alunos. Busca informaes sobre o tema, com
profissionais na escola, visando compreender o significado que o aluno com sndrome
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
24/167
22
de Down tem de suas experincias. So desenvolvidos: um questionrio, registro de
filmes construdos pelos alunos com sndrome de Down, assim como fotos, como apoio
para os dilogos.
Finalmente, cabe esclarecer que os dados da pesquisa referem-se a partes de uma
observao ampla. No recorte apresentado, buscou-se registrar os dados e pontos de
discusso que melhor representassem e se coadunassem com o campo terico
desenvolvido. Vale salientar que as gravaes em DVD, elaboradas pelos alunos com
sndrome de Down, por questes ticas, no puderam ser apresentadas, mas os dilogos,
resguardadas as identidades, foram aqui reproduzidos.
A relevncia deste estudo se deve necessidade de identificar a influncia das
aes, espaos e palavras na construo da identidade do aluno com sndrome de Down.
Apontar como estas aes, espaos e palavras se colocam antecipadamente,
configurando uma identidade possvel. Descobrir a identidade real8, que persiste na
caracterizao de um indivduo uno, encoberta pelo estigma.
8Goffman, ao apontar a caracterizao do indivduo na sociedade, descreve: A categoria e os atributos que ele, narealidade, prova possuir, sero chamados de sua identidade social real (GOFFMAN, 1988, p. 12). [...] asdiscrepncias entre as identidades virtual e real sempre ocorrero e sempre criaro a necessidade de manipulao de
tenso (em relao ao desacreditado) e controle de informao (em relao ao desacreditvel). (GOFFMAN, 1988,p. 149).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
25/167
23
2. A CONCEPO DO INDIVDUO E DO INDIVDUO COM DEFICINCIA
INTELECTUAL
Neste captulo, ser abordado o tema indivduo, por entendermos que este
antecede as questes relacionadas deficincia.
A concepo de indivduo parte da ideia de espcie. Caracteriza-se por um
ncleo prprio, construdo em um espao e na relao com outras pessoas, possui
caractersticas nicas, configurando um ser completo e indivisvel. As marcas sociais
so construdas pela famlia, histria e ambiente social no qual o indivduo est inserido.
Igualmente, a maneira como vai reagindo s solicitaes do meio sedimenta formas de
agir em grupo. Um indivduo , pois, constitudo na relao, no convvio caractersticoda humanidade; ser diferente, pensar, agir e caminhar na construo e definio de um
eu, pelo lao social, no enlaar de relaes (GOFFMAN, 1988).
Melucci (2004) aponta tambm a influncia das construes sociais como forma
de energia e construo de sentido do que somos:
As experincias cotidianas parecem minsculos fragmentos isolados da vida,to distantes dos vistosos eventos coletivos e das grandes mutaes queperpassam a nossa cultura. Contudo, nessa fina malha de tempos, espaos,
gestos e relaes que acontece quase tudo o que importante para a vidasocial. onde assume sentido tudo aquilo que fazemos e onde brotam asenergias para todos os eventos, at os mais grandiosos (MELUCCI, 2004,p.13).
Quem se diz pertencer a um grupo, reclama o direito de poder se fortalecer
enquanto ser nico nele, de ser aceito por suas caractersticas, e, por isso, valorizado; de
ser enlaado e integrado, como o fio de uma renda. Quer ter o privilgio no s de
pertencer, mas de ser necessrio, de poder dialogar, influenciar e ser influenciado.
Ainda segundo Melucci (2004):
A identidade define, portanto, nossa capacidade de falar e de agir,diferenciando-nos dos outros e permanecendo ns mesmos. Contudo, a auto-identificao deve gozar de um reconhecimento intersubjetivo para poderalicerar nossa identidade. A possibilidade de distinguir-nos dos outros deveser reconhecida por esses "outros". Logo, nossa unidade pessoal, que produzida e mantida pela auto-identificao, encontra apoio no grupo ao qualpertencemos, na possibilidade de situar-nos dentro de um sistema de relaes.A construo da identidade depende do retorno de informaes vindas dosoutros (MELUCCI, 2004, p. 45).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
26/167
24
Claro que este ser nico no to diverso assim, pois se constitui no social, em
seu ncleo familiar, herdou de seus pais um nome de famlia, uma cultura, um
conhecimento de mundo. J nasceu enredado na vida. Conforme afirma Elia:
[...] o ser humano chega ao mundo e se insere na ordem humana que o espera,que no apenas precede sua chegada como tambm ter criado as condiesde possibilidade de sua insero nesta ordem (ELIA, 2004, p. 38).
Esta construo do ser histrico imprime nos indivduos e principalmente
naqueles com sndrome de Down, as marcas ratificadas da deficincia, junto com os
ritos, expectativas, crenas e valores, e formas de comunicar e dialogar dos lugares aos
quais pertence.
Fica fcil pensar que esta elevada forma de construir a pessoa, o ser social,
concorre para definir possibilidades e oportunidades futuras. No entanto, a autonomia e
a conscincia de suas aes s haver de se cumprir quando neste tecer puder
experimentar as regras, o respeito, a conscincia grupal, e, acima de tudo, dialogar sua
existncia.
No livro A identidade nacional e outros ensaios, de Kujawski (2005), a
identidade est relacionada pertinncia:
Eu me identifico com aquilo que a que eu perteno a famlia, a escola, aclasse social, a regio [...]. Identificao significa pertinncia, pertencer a,estar includo nesta ou naquela comunidade, mesmo sem solidariedadesubjetiva com ela [...]. Existem incluses que eu posso escolher, como aescola, igreja, grupo de amigos, [...]. E existem incluses que eu no escolho,que se impem minha revelia, como, em princpio, minha famlia, [...](KUJAWSKI, 2005, p. 12-13, grifo do autor).
Ao comentar sobre a identidade, ressalte-se que mesmo no guardando
solidariedade subjetiva por um grupo de pessoas com sndrome de Down, uma vez que
ao nascer no fizeram opo de pertencimento, mesmo assim, at as posturas de
acobertamento, rebeldia e esquiva marcam os indivduos, tornando-se traos identitrios
daqueles com deficincia.
No entanto, pensar sobre as marcas que definem o indivduo diferente de
acentuar suas caractersticas e, antecipadamente, delimitar seus espaos e aes,
diferindo-o de um grupo. Neste estudo, a proposta verificar a existncia de tais
aspectos: o que construdo pela cultura escolar e pela realidade formatada na
legislao; quais as decises da escola e na escola, como formao de um indivduo
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
27/167
25
possvel, dentro de uma realidade previamente traada, como seleo de objetivos e
delimitao na construo da identidade.
Uma das ideias apontadas por Mattos (2003) sobre o foco a ser observado,
dentro das escolas, a respeito da incluso, que:
O paradigma da incluso que desejamos dever compreender, respeitar evalorizar cada ser humano como , e no como gostaramos que fosse. Alis,atender diversidade consiste justamente na aceitao das diferenas(MATTOS, 2003, p. 52).
O indivduo respeitado nas suas caractersticas nicas definido neste trabalho
como indivduo real, prprio da diversidade humana, que pode mais e de formas
diversas compreender espaos e buscar caminhos entre aberturas e descobertas na
relao com as pessoas, na construo de possibilidades de pertencimento nos diversosambientes.
Diferentemente e quase em oposio a este, temos o indivduo possvel, aquele
que possvel desenvolver diante de expectativas previamente determinadas, em
espaos distintos, antecipadamente organizados e planejados para seu desenvolvimento.
Por este prisma, o indivduo com sndrome de Down entra nas relaes para responder
ao esperado, tendo pouco espao para negociaes a partir de sua diversidade, desejos e
caractersticas.
Assinala-se, aqui, que a discusso sobre identidade no um fato isolado, est
no centro das principais discusses sociais e polticas. No caso da Educao Especial,
alteraes provocadas por documentos internacionais, conforme registrados a seguir,
geraram movimentos das chamadas minorias, num progressivo reconhecimento da
necessidade de mudanas na legislao, na sociedade e no relacionamento com a pessoa
com deficincia. A Declarao Universal dos Direitos Humanos, elaborada pelaOrganizao das Naes Unidas (ONU)9e sancionada em 1948, defende o respeito a
cada indivduo, independente de religio, etnia, sexo, lngua, opinies polticas, e serve
como referncia para a convivncia civil.
9 A Organizao das Naes Unidas (ONU) uma instituio internacional, formada por 192 Estados soberanos,unidos em torno da Carta da ONU, um tratado internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros dacomunidade internacional. Como agncia especializada da ONU para a educao, a cincia e a cultura, a UNESCO
(Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura) identificou desafios educacionais paraconstruir suas estratgias de contribuio ao Brasil, elencando objetivos para garantir o direito fundamental educao de qualidade, ao longo da vida, a todos os brasileiros (Disponvel em: ).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
28/167
26
Outros documentos tm sido apontados, com insistncia, na mobilizao para
mudanas efetivas no reconhecimento dos direitos da pessoa com deficincia10:
1) Declarao dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia.Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas, em 9 dedezembro de 1975;
2) Conferncia Internacional do Trabalho. Conveno 159, 1 de junhode 1983. Genebra, Sua;
3) Declarao de Salamanca, 7 a 10 de junho de 1994. Espanha;
4) Carta para o Terceiro Milnio, 9 de setembro de 1999. Londres, Gr-Bretanha;
5) Declarao Internacional de Montreal sobre Incluso, 5 de junho de
2001, pelo Congresso Internacional "Sociedade Inclusiva";6) Conveno da Guatemala. Conveno Interamericana para a
Eliminao de todas as formas de Discriminao contra as PessoasPortadoras de Deficincia, 26 de maio de 1999;
7) Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia, adotadapela ONU, em 13 de dezembro de 2006 (aprovada pelo CongressoNacional por meio do Decreto Legislativo n 186, de 9 de julho de2008 e ratificada em: 1 de agosto de 2008).
A deficincia intelectual e as discusses sobre polticas pblicas e educaoconvidam a pensar sobre preconceitos e concepes de aprendizagens, assim como
sobre o lugar da famlia na escola e na sociedade. A dificuldade extrema de mudar a
concepo dos atores que convivem com a pessoa com deficincia intelectual, assim
como de transformar a noo de identidade esperada, so questes urgentes nesta
discusso.
Sero assinaladas, mais adiante, as marcas histricas que, definindo saberes em
relao ao indivduo, encontram-se presentes no pensar e agir social, induzindo formas,
definindo espaos com o poder de controlar e acarretando julgamentos fechados nas
relaes. Utilizaremos, igualmente, as questes referentes ao papel do rtulo, do
estigma, desenvolvido por Goffman, para identificar, no indivduo, as marcas do
possvel em conformidade com o poder exercido pelas leis, palavras e espaos,
definidos por Foucault.
10MEC Ministrio da Educao. Legislao. Educao Especial: Legislao Especfica / DocumentosInternacionais. Disponvel: .
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
29/167
27
As prticas da convivncia definem as condies e possibilidades marcadas pela
histria, leis e espaos. Perceber como estas marcas se desenham na escola pblica
estadual, com referncia aos alunos com sndrome de Down, pode ajudar na busca de
novos caminhos e possibilidades.
2.1. Aspectos histricos da deficincia intelectual
A caracterstica que define as pessoas com deficincia intelectual est
relacionada reduo notvel das habilidades cognitivas. Fazem parte deste grupo, as
pessoas com sndrome de Down.
Antes de aprofundar os aspectos referentes a este grupo de indivduos,apresentaremos as marcas histricas relativas aos alienados, ou seja, aos deficientes
intelectuais no Brasil, destacando neste relato quatro pontos observados e construindo, a
seguir, um paralelo entre estes e a atualidade de nossas escolas.
O referencial terico do sculo XIX ser utilizado para mostrar questes
relacionadas a espao e poder, e como a caracterizao de um grupo e as decises que
os envolvem podem gerar o emponderamento e disputa por espaos de profissionais e
instituies. A delimitao de espaos associada ao poder no pertence ao passado.
Nos anos de 1858, os psicopatas, os alienados (idiotas, imbecis) e doentes
mentais faziam parte de um grande grupo conhecido e estudado no mundo. Trabalhos
com essas pessoas j haviam sido desenvolvidos em outros pases e acabaram por
influenciar as pesquisas no Brasil.
O primeiro ponto a ser observado, nos textos da poca, quanto ao espao
delegado ao alienado e motivao que levou ao seu aprisionamento.
A ideia de criar um lugar para conter e tratar os alienados, um hospcio no
Brasil, iniciou-se em 1830, com a Sociedade de Cirurgia e Medicina do Rio de Janeiro.
Com o objetivo de proteger a sociedade foram criadas leis, decretos e resolues sobre
como identificar, curar e quais procedimentos desenvolvidos com os loucos ao dar
entrada nos hospcios. Para identificar a loucura foram utilizados discriminantes sociais,
reconhecidos, na citao, por Albuquerque:
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
30/167
28
O reconhecimento da loucura depende da poca em que vivemos, do carter egrau de instruo das pessoas que nos rodeiam: a nossa razo a medida daloucura alheia (ALBUQUERQUE11, 1858 apud OLIVEIRA, REGO eSILVA, 2007).
Pensar no tema da loucura como caracterstica delimitada, a partir do espao
onde est inserida, no uma questo centrada no ano de 1858, atual. Este o
segundo ponto, a definio da loucura. A referncia de Albuquerque, selecionada
anteriormente, aponta a influncia do meio na enunciao de qualidades caractersticas
deste grupo. Assim, em 1830, como resultado de concepes e da cultura da poca, a
caracterizao de loucura era relacionada necessidade de proteo social. A proposta
dessa linha de pensamento sustentou os argumentos dos higienistas, que queriam
convencer as autoridades pblicas da premncia de uma interveno em nvel de
polticas de saneamento bsico.
A disputa por verbas e poder girava em torno dos hospitais, igrejas e polcia.
Como a causa da deficincia intelectual se fundava em fatalidades genticas, congnitas
ou neonatais e, portanto, relativas rea mdica, o poder de decidir sobre o alienado foi
centrado nos hospitais. Sendo vista como um problema de sade pblica, com causas
hereditrias, sem cura, determinou-se, como preveno, a recluso, alm da proibio de
casamento e de reproduo dos deficientes mentais.
A primeira posio dos mdicos, na poca, era o isolamento do indivduo para
control-lo, tratando a questo como doena, ligada a aes na rea da medicina. Uma
segunda postura era a de relacionar a anomalia a uma conjuno de fatores, como os
sociais, morais, religiosos, climticos e econmicos. Dependendo da circunstncia, do
lugar e das caractersticas e convenincias, certas pessoas poderiam ser consideradas em
estado de loucura e insanidade e, assim, aprisionadas. A deciso sobre quem poderia ser
um perigo passou a ser uma funo do poder local. Qualquer um podia denunciar umapessoa por insanidade, e a fora local a encaminharia ao hospcio para averiguao e
observao, por quinze dias.
Nas duas questes apontadas, o controle do que ocorre na sociedade e a relao
da pessoa com deficincia intelectual, com seu entorno, passa a funcionar como um
jogo de poder, que vem sendo aprendido atravs da histria, e pelo qual um segmento
profissional no caso da poca, os mdicos desenvolve uma teoria sobre quem
11ALBUQUERQUE, F.J.F. A monomania. Faculdade de Medicina da Bahia, 1858.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
31/167
29
pertence ao grupo de risco na sociedade e a forma de encaminhar e curar. Assim,
temos o terceiro ponto de reflexo: o poder de algumas pessoas, que utilizam o
indivduo com deficincia intelectual para obteno de recursos e prestgio.
A deciso sobre o que fazer com o outro, o diferente, percorre os sculos. Da
Antiguidade Idade Mdia, a pessoa com deficincia era vista como um subumano ou
concebida como sobrenatural, digna de atitudes antagnicas extremas; por isso as
atitudes dispensadas a ela eram de negligncia e maus tratos (ARANHA, 2001).
Do sculo XV ao XIX, surge a concepo organicista. Movidos por um grande
interesse no funcionamento do corpo humano, mdicos buscaram explicar as doenas
mediante estudos cientficos de anatomia e fisiologia, fazendo das pessoas com
deficincia um campo de estudo, dentro de instituies fechadas (ARANHA, 2001).
Em oposio poca organicista, temos o mdico Jean-Marc-Gaspar Itard, tutor
de Victor, que inicia a educao e o tratamento de O garoto selvagem de Averyon
(SMITH, 2008, p. 176). O menino, com cerca de 12 anos de idade, quando achado,
estava sozinho, sem roupa, andava de quatro e no falava uma palavra. Foi resguardado
em um lar, e os cuidados delegados ao mdico, assim como a responsabilidade por sua
educao.
At ento, no se acreditava nas possibilidades educacionais de pessoas como o
garoto selvagem. Na perspectiva mdico-organicista-fatalista de Pinel, ele no passava
de um idiota, mas, para Itard, se tornou um desafio. A convico filosfica de Itard
permitiu que ele embarcasse nesse empreendimento educativo com Victor, afrontando a
teoria das ideias inatas e contrariando importantes intelectuais de sua poca, como Pinel,
que ao avaliar Victor, desacreditou de sua educabilidade, pressupondo uma idiotia
congnita (CORDEIRO, 2006).
As questes do isolamento vivido por Victor so apontadas, aqui, como um fator
significativo para a no aprendizagem. No caso, o garoto selvagem de Averyon no
pde ser encaminhado s instituies que educavam pessoas com deficincia pelas
divergncias filosficas de Itard.
Entre a poca de Itard, 1799, e a poca da fundao do primeiro hospcio no
Brasil, so 42 anos de diferena. Nesta poca, as questes mdicas tambm marcaram a
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
32/167
30
vida das pessoas com deficincia e definiram sua educao. No sculo XIX, dia 18 de
julho de 1841, fundado, pelo Decreto n 82, um hospital destinado, privativamente,
para tratamento de alienados12, com denominao de Hospcio de Pedro Segundo. Este
estabelecimento de pblica beneficncia, anexo ao Hospital da Santa Casa de
Misericrdia, na Corte do Rio de Janeiro (Coleo das Leis do Imprio do Brasil), era
destinado ao asilo, tratamento e cura dos alienados de ambos os sexos, sem distino de
condio de naturalidade e religio.
Onze anos depois, em 4 de dezembro de 1852, so escritos os Estatutos do
Hospcio de Pedro Segundo13, com a administrao confiada a trs irms da Santa Casa
de Misericrdia, um tesoureiro e um procurador. Podemos observar que as questes de
organizao diria dos servios e espaos esto centradas nas mos da igreja e do poderpblico.
Com os estudos e leitura deste Estatuto, verificamos que o servio do hospcio
era dividido em econmico, religioso e sanitrio, sendo que este ltimo ficava a cargo
de clnicos de cirurgia e medicina, enfermeiro e um farmacutico boticrio.
Neste local, eram admitidas pessoas indigentes, senhores de escravos falidos,
marinheiros e alienados pensionistas que tivessem meios de pagar suas despesas. Todos,no hospcio, eram divididos em classes, com aposentos diferenciados, assim como tipo
de alimentao, segundo o estado de alienao mental e condies para manter o
tratamento. Hierarquias sociais regiam os profissionais que trabalhavam nos asilos e os
pacientes que davam entrada no hospcio.
Os doentes davam entrada com documento de atestado de demncia, emitido por
ofcio de requisio do chefe de polcia ou delegado, e petio assinada por Juiz dos
rfos, que houvesse julgado a demncia, ou facultativo clnico. Quando no possuam
a declarao escrita, eram observados por quinze dias, por um clnico. Assinale-se, aqui,
12Alienado: nomeao vinculada teoria do pensamento alienista francs sistematizado por Philippe Pinel, onde suasdiretrizes fundamentais baseavam-se no isolamento e no tratamento moral. Iniciou com o recolhimento dos doentess celas e enfermarias das Santas Casas de Misericrdia em todas as Provncias da Corte. A Sociedade de Medicina eCirurgia do Rio de Janeiro desencadeou um movimento identificado como "Razes da medicalizao", do qual surgiuo projeto de psiquiatrizao definindo a loucura como objeto da Medicina, o que proporciona o nascimento daMedicina Mental no Brasil. Ao tratamento dos loucos os hospcios.(Disponvel em: )13Os Estatutos do Hospcio de Pedro Segundo, mandados executar pelo Decreto n. 1.077 de 4 de dezembro de 1852,tratam da origem e fim da instituio. Contm VI Captulos, 36 Artigos e trs tabelas referentes alimentao. Neste
trabalho, so utilizadas partes do texto relevantes para o entendimento do contexto da poca. Os mesmos pertencem Coleo das Decises do Imprio do Brasil, Tomo XV. 1852. Rio de Janeiro. Tipografia Nacional. Disponvel em:.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
33/167
31
que qualquer pessoa poderia apontar os traos de alienao, com base em circunstncias
sociais e convenincias, precisando somente convencer a autoridade local.
As irms e enfermeiros deveriam regular a instruo, ocupao, trabalho manual
nas oficinas e recreio dos alienados e aplicar meios repressivos e coercitivos, obrigando-
os obedincia. Essas formas de represso consistiam em proibio de visitas,
diminuio de alimentos, recluso na solitria, por dois dias, coletes de fora e banhos
de emborcao.
No momento da alta, ou sada, os alienados deveriam apresentar, por escrito, os
preceitos e cautelas que seriam observados pela famlia para prevenir a recada,
garantindo, assim, a continuidade da conduta esperada, o controle das relaes sociais e
modos de agir. Com isto, o poder passava do controle pessoal ao controle moral e de
conduta de toda uma sociedade.
O ltimo item a ser destacado o registro de toda a conduo e procedimentos,
durante o tratamento. Tambm neste estabelecimento, eram organizadas, anualmente, as
estatsticas dos alienados que lhe tinham sido confiados, designando-os, nominalmente,
assim como o relatrio dos mtodos teraputicos por eles empregados para a cura de
cada um dos doentes. Este saber foi constituindo, na poca, a fora de grupos ligados rea da medicina e da psiquiatria.
O hospcio, em 1890, desmembrado da Santa Casa de Misericrdia pelo
Decreto n 141-A, assinado por Manoel Deodoro da Fonseca e Aristides da Silveira
Lobo, completando seus servios com a adoo de uma atividade agrcola. Por questes
financeiras de manuteno dos hospcios, os loucos deveriam trabalhar e produzir
alimentos: a deciso de desenvolver uma ocupao no fazia parte do tratamento, mas
era uma deciso de convenincia econmica da poca.
Mendes (2002) ressalta o carter das instituies do sculo XIX:
No final do sculo XIX houve declnio dos esforos educacionais e docuidado meramente custodial; a institucionalizao em asilos e manicmiospassou a ser a meta de tratamento dos alienados, sendo que instituiespassaram a ser uma espcie de priso para suposta proteo da sociedade(MENDES, 2002, p. 62).
Tal declnio do carter educacional, na poca, est relacionado ao crescimento
das instituies como poder de proteo social. Podemos, mesmo, salientar que os fatos
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
34/167
32
ocorreram quase de forma simultnea, em outros continentes e no Brasil, segundo Smith
(2008):
Em meados do sculo XIX, apareceram as escolas-residncias na Europa eGr-Bretanha. Em 1848, Samuel Gridley Howe, o primeiro diretor do
Instituto Perkins para cegos em Boston, expandiu-o para incluir indivduoscom retardo mental. Mais tarde, este seguimento tornou-se uma instituioseparada, a Walter E. Fernald State School. Ironicamente, Howe viu de pertoos perigos das instituies residenciais: o isolamento da comunidade,geogrfica e socialmente, das pessoas com deficincia resultou em separao,medo desconfiana e abuso(SMITH, 2008, p. 176).
Em 10 de setembro de 1854, temos o Decreto n 781, que cria, no Rio de
Janeiro, o Instituto de Cegos e destina verbas para sua fundao.
So seis anos de diferena entre a expanso, para atendimento de indivduos com
retardo mental, no Instituto Perkins, em Boston, e a criao do Instituto de Cegos no
Brasil.
Nesta poca, acompanhando pensamentos da Europa, podemos salientar que, no
Brasil, a psicopatologia expe, em documentos, observaes sobre a influncia de certos
alimentos e bebidas na moral do homem e publica, em 1854, o livro Investigaes de
Psicologia, apresentando a classificao das faculdades mentais em cinco grandes
grupos: modificabilidade, motividade, faculdades intelectuais, instintos (fsicos,intelectuais, morais e sociais) e vontade ou atividade livre (JAIME, 2007).
O controle evidente de vrias formas: pela comida, costumes, maneiras de agir,
espao. de Carl Von Martius a frase:
A nica doena mental de que ouvi falar deveria ser comparada com alicantropia, isto , com a alienao, na qual o indivduo, fora de si de raiva,corre ao ar livre imita a voz do co ou do lobo, transformando-se emlobisomem [...]. Os missionrios consideram sempre necessrio separar osdoentes da sociedade, para que o mal no se alastre mais (MARTIUS, 2004
apud DALGALARRONDO; SONENREICH; ODA, 2004).
Desse modo, conforme argumentam os autores, uma tentativa de controle de
aes, espaos, desejos envolvidos por uma proteo social, cujo foco estava
relacionado a questes morais e disputas de controle social envolvendo a poltica, igreja
e medicina.
No sculo XIX, por volta de 1816, surge o primeiro ensaio classificatrio
alienista, feito pelo Dr. Domingos Jos Cunha, diretor da Santa Casa de Misericrdia,em So Joo Del Rei, Minas Gerais:
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
35/167
33
[...] alienao mental, muito pouco cizo, abuso de cachaa, bebedeira, doidofurioso, desordenado do juzo, vida debochada, melancolia histrica,melancolia hipocondraca, delirante, epilepsia conseqente a embriaguez,monomania, alienado por grande queda de cabea, idiotismo completo(JAIME, 2007).
A loucura vista, ento, como objeto da medicina, sendo este o incio daMedicina Mental no Brasil. Muitas pessoas foram internadas em hospitais para
alienados, em instituies religiosas ou prises.
As questes ligadas doena mental e loucura esto no centro da luta entre o
clero e hospitais da poca, no cuidado e comando da pessoa alienada. O diagnstico e
relatrios de observao eram obrigaes do mdico, mas, dentro das instituies, a
organizao e o trato dirio dos pacientes internados passam a ser executados por irms
religiosas.
Em 1866, a concepo do tratamento apresenta traos do trabalho de Pinel e
Esquirol, e fica clara, em artigo publicado na Gazeta Mdica, na sesso da Higiene
Pblica (RIOS, 2008): a loucura uma questo de desordem do comportamento e o
seu tratamento implica na reformulao dos padres morais pervertidos, das paixes
desvirtuadas. Assim, cada paixo ou distrbio moral comporta identidade prpria e
tratamentos morais especficos, constituindo, atravs da organizao do espao e dasprescries de tratamento, a alienao, a insanidade tomada como uma questo mdica,
uma doena:
Para alguns, o movimento em prol dos asilos fazia parte da luta que setravava entre os mdicos e a administrao pblica, pela conquista de espaoe de poder no projeto de civilizao, reordenao do espao urbano e seussujeitos, estabelecendo de forma definitiva a relao entre o insano e sualoucura [...]. Essa luta no seria travada apenas entre mdicos e poderpblico, mas, numa escala muito maior, entre os mdicos e as Santas Casas,isto , entre mdicos e o poder secular da Igreja (RIOS, 2008).
Em um discurso, o doutor Jos Ges Siqueira (15 de outubro de 1873), traduzia
o pensamento de toda a classe mdica da Escola de Medicina do Rio de Janeiro, e de
toda a corte, apresentando a fora do tratamento como domnio do pensamento, das
aes e lugares para obter a melhora dos homens:
[...] tornar a populao mais robusta, e vigorosa, exercer uma elevada esalutar influncia sobre sua moralidade: que a alma assim como abate-se, ehumilha-se, quando mergulhada no plago da desgraa, e da adversidade,fortifica-se [...] que desenvolver, e argumentar a aptido para o trabalho concorrer para desviar e aniquilar causas poderosas de molstia de misrias e
vcios, e de embrutecimento (RIOS, 2008).
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
36/167
34
Assim, o louco fica confinado ao asilo, um ambiente controlado e propcio ao
tratamento moral, sendo excludo da sociedade e da famlia. Controlar espaos e
configurar a proteo social passa a ser uma forma de garantir o poder da medicina e do
clero na organizao das cidades.
Podemos ainda retomar as questo histricas, fazendo-se um paralelo entre os
crimes sem causa aparente, estudados por Michel Foucault e apresentados no livro Os
anormais, no Curso no Collge de France (1974-1975). Este texto trata dos poderes
mdicos e jurdicos na codificao da loucura e do surgimento da psiquiatria como ramo
especializado da higiene pblica como domnio particular da proteo social, das
questes do poder mdico e do poder judicirio (FOUCAULT, 2001):
De fato, foi preciso, por um lado, codificar a loucura como doena; foipreciso tornar patolgicos os distrbios, os erros, as iluses da loucura; foipreciso proceder anlise (sintomatologia, nosografia, prognsticos,observaes, fichas clnicas, etc.) que aproximam o mais possvel essahigiene pblica, ou essa precauo social que ela era encarregada de garantir,do saber mdico e que, por conseguinte, permitem fazer esse sistema deproteo funcionar em nome do saber mdico (FOUCAULT, 2001, p. 148).
Nesse texto, tambm apontado que o fato de dominar um saber e demonstrar
sua capacidade de detectar o anormal d psiquiatria poder para antecipar-se a
possveis problemas sociais, diagnosticando o anormal por meio da observao de
condutas.
Tomar posse do louco credenciar poder de cura a uma determinada instituio
e seus profissionais, estabelecer domnio sobre o outro fazendo uso de observaes e
mtodos configurados em uma viso especfica, onde s apontado aquilo que faz
sentido para a manuteno e perpetuao dos hospcios. Um controle e luta por manter
espaos definidos. Podemos transpor estas concluses para a atualidade: criar ambiente
com aprendizagens especficas, desenvolver critrios discriminantes em relao deficincia intelectual, elaborar relatrios e registrar processos de desenvolvimento e
metodologia, conferir poder a um grupo, ou seja, aos profissionais da Educao
Especial.
Transpondo o primeiro item (referente ao espao dos alienados) aos espaos
destinados aos alunos com deficincia intelectual, podemos dizer que faz parte do
contexto educacional atual uma grande disputa entre escolas comuns e instituies
especiais voltadas a pessoas com deficincia intelectual.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
37/167
35
As novas concepes educacionais, relacionadas a espaos mais inclusivos,
amadurecidas por legislaes e textos internacionais, entendem que o mesmo espao, o
da classe comum destinado a todos e, portanto, onde os alunos com deficincia
devem aprender, fazendo parte do mesmo grupo, como todos os outros. Como pano de
fundo, tem a seu favor a busca de uma sociedade que possibilita a formao do cidado
com direitos garantidos e que, para isso, v suas aes dependentes da reorganizao de
servios e verbas, assim como de reais oportunidades para todos na escola.
Desta forma, pois, os alunos com deficincia intelectual passam a fazer parte dos
mesmos espaos educacionais destinados aos demais. Nesse panorama, a escola
ferramenta e tambm contexto social, no qual possibilidades e mudanas devem ser
negociadas, utilizando como ponto de referncia o grupo de alunos (com deficincia ouno), recaindo sobre cada um desses a responsabilidade pelo desenvolvimento de suas
potencialidades.
Gostaramos de chamar a ateno para as questes de direito, igualdade e
liberdade propaladas nas legislaes, convenientes aos contextos econmicos:
promoo de polticas de bem-estar social, com reduo de custos, seleo de
indivduos, baseada em processos mais naturais, que trazem o discurso da aptido da
inteligncia, impossibilitando a alguns as reais oportunidades como cidado produtivo
em um mercado competitivo, principalmente se nesse contexto colocarmos a pessoa
com deficincia.
Podemos resgatar, a partir daqui, o segundo ponto e demarcar a identificao do
aluno com deficincia intelectual construda a partir de contextos educacionais. A
eleio de aspectos que podem servir como discriminantes, levando em conta um
padro de aprendizagem esperado, pode favorecer a seleo de muitos, como sendoalunos com deficincia. O que induz a um erro, pois nem todos os que fogem ao padro
so deficientes intelectuais. A elaborao de um parmetro discriminante revela a
concepes de normalidade, pode rotular indevidamente alguns indivduos, pois, neste
caso, todos os alunos que saem do padro esperado para o grupo podem ser rotulados
como deficientes intelectuais.
O controle da aprendizagem no grupo e a relao estabelecida com os aspectos
discriminantes para a caracterizao da deficincia so usados para identificar aquele
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
38/167
36
que est fora da norma e servem a um jogo de poder que visa potencializar aes de
melhora no grupo para a manuteno de resultados positivos, com consequente
isolamento de indivduos, que passam a ser vistos como, pertencentes a outro grupo, o
de deficientes intelectuais. Estes, devido poltica educacional de atendimento a todos
os alunos, devem continuar a conviver com seus pares de idade, mas exigem formao
e apoios, ali mesmo, onde esto inseridos.
O terceiro item est relacionado ao poder que um grupo de pessoas recebe ao
oferecer um discriminante mais seguro para indicar quem deficiente intelectual. So
observadas divergncias na forma como observar, descrever e registrar as caractersticas
dos alunos com deficincia intelectual.
A rea mdica com procedimentos clnicos que quantificam a deficincia, a
partir de exames e testes, aponta a doena e diz pouco sobre as possibilidades
diversas, presentes em cada pessoa.
As instituies especiais (escolas especiais) preocupadas com habilidades
bsicas relacionadas a ambientes e situaes fechadas, tm mais duas preocupaes: a
manuteno de seus servios atravs do repasse de verbas e a atualizao de seus
profissionais.
Na escola comum, o professor de classe comum recebe uma formao
universitria para desenvolver um trabalho pedaggico que contemple todos os alunos,
mas os parmetros que definem este todos foram construdos com base em um padro
de normalidade, ou seja, dentro de uma viso generalista que carece de um olhar
especfico. Desse modo, em relao aprendizagem, ele olha o deficiente intelectual a
partir do aluno comum, e busca formas para normaliz-lo e lev-lo a responder ao
padro esperado. Ao fazer isso, parte de uma igualdade, de uma norma, amenizando a
diferena. O discriminante passa, assim, pela questo do ensinar a todos, recaindo
sobre o aluno com deficincia o peso do todos, que o leva a encontrar formas de se
desenvolver, partindo de suas especificidades ou caminhar em direo a normalizao,
buscando amenizar suas deficincias.
Dentro da escola, foram construdos espaos para atendimento educacional
especializado, com profissionais formados em reas especficas para cada deficincia.So estes que utilizam o fator discriminante na seleo de quem ou no deficiente
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
39/167
37
intelectual, observando, nos alunos selecionados pelo professor de classe comum,
defasagens significativas em duas ou mais reas do conhecimento. A partir de seu
diagnstico, os relatrios individuais so assinados para que o aluno com deficincia
intelectual, aps o trabalho em classe comum e em perodo complementar, possa
receber atendimento com professor especializado. Suas observaes a respeito do aluno
com deficincia intelectual fazem parte de uma legislao que organiza o atendimento
especializado: delimitando o espao, horrio, profissional, e tipo de relatrio a ser
registrado para o ingresso, assim como os registros de metodologias, e atividades
realizadas, e o desenvolvimento do aluno durante os anos em que estiver na escola.
O professor de classe comum, aquele que trabalha diariamente com o aluno
dentro do grupo classe, junto aos outros, recebe desse professor com especializaoapoio durante as reunies de trabalho na escola; porm, a autorizao para o
atendimento especializado, os procedimentos voltados de forma especfica deficincia
intelectual, assim como relatrios de registros precisam da assinatura de profissionais da
Educao Especial. dessa forma que um novo grupo de profissionais vem crescendo e
construindo saberes dentro da educao.
Um paralelo aqui se faz necessrio entre o passado da alienao, descrito, e a
educao atual, no em relao ao termo alienao, mas sim a hierarquias que existiam
e existem tambm hoje, para identificar alunos com deficincia intelectual: os relatrios
desenvolvidos pela escola devem seguir um padro construdo pelo Servio de
Educao Especial, apontado na Resoluo SE N 11/200814, e ser validado pelos
professores especializados de sala de recursos ou pelo Professor Coordenador de
Educao Especial da Diretoria de Ensino. Note-se que outros profissionais so
indicados para tecer observaes avaliativas discriminantes em relao ao aluno com
deficincia intelectual, em detrimento do professor de classe comum, embora seja este
que elabore o registro pedaggico e que, no dia a dia, receba o aluno matriculado, sendo
ainda o responsvel por ele, nas escolas onde o servio de Educao Especial no
desenvolvido.
14 Legislao Estadual. Resoluo SE N 11/2008 dispe sobre a educao escolar de alunos com necessidades
educacionais especiais nas escolas da rede estadual de ensino e d providncias correlatas.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
40/167
38
A partir deste ponto, podemos levantar o ltimo item que envolve as formas de
conduo de todo o processo de desenvolvimento do aluno com deficincia intelectual,
ao longo da vida escolar. Pode-se verificar que os procedimentos dirios, em classe
comum, alm das decises tomadas sobre o encaminhamento desse aprendiz, esto
ainda centrados na escola. Por outro lado, muitas vezes faltam, a esse fazer pedaggico,
a clareza e o envolvimento familiar: nem sempre procedimentos so discutidos e
construdos a partir de uma troca de informaes, relatrios e orientaes so
transmitidos, na maioria das vezes, num caminho de mo nica, de julgamento de aes
feito pela escola sobre a famlia.
Reconhecer o papel da famlia e, mais que isso, reconhecer que o indivduo
uma pessoa, uma clula social, que possui caractersticas complexas, ligadas suahistria familiar, escola e sociedade, mostra a dificuldade desta discusso, mas tambm
marca o carter mais sociolgico da questo, permeando vrios universos.
este o ponto de partida da anlise da deficincia intelectual: a tomada do
indivduo como pessoa, como ser social e parte da humanidade diversa. O objetivo,
aqui, apontar o fato de que o recorte e a definio de um espao servem a foras de
conteno dentro das escolas, e padronizao, favorecendo a tipificao de problemas.
De forma contrria, espaos e servios abertos servem a todos, podendo aprofundar
diferentes respostas e percursos, humanizar e apontar estratgias e trabalhos em
ambientes escolares.
Segundo aAmerican AssociationonIntellectualandDevelopmentalDisabilities, em traduo
livre para o portugus, Associao Americana de Deficincias Intelectual e de
Desenvolvimento:
[...] pode-se definir deficincia mental como o estado de reduo notvel dofuncionamento intelectual inferior mdia, associado a limitaes em pelomenos dois aspectos do funcionamento adaptativo: comunicao, cuidadospessoais, competncia domstica, habilidades sociais, utilizao de recursoscomunitrios, autonomia, sade e segurana, aptides escolares, lazer etrabalho. Segundo critrios das classificaes internacionais, o incio daDeficincia Mental deve ocorrer antes dos 18 anos, caracterizando assim umtranstorno do desenvolvimento (AAIDD/MR, 2010)15.
15H diferentes maneiras de ordenar deficincia intelectual: definio, classificao e sistemas de suporte. A AAIDDapresenta sua primeira definio oficial do termo deficincia intelectual (retardo mental, anteriormente) na 11edio (2010) do seu Manual, escrito por um comit de 18 especialistas internacionais em deficincia.
-
7/25/2019 Mariangela Carvalho Dezotti
41/167
39
Apesar dos grandes progressos, nos conhecimentos terico e prtico, a definio
de deficincia intelectual permanece controversa. Na base das dificuldades est a
impossibilidade de incluir, em definies unitrias, a heterogeneidade dessa populao,
quer em termos etiolgicos, quer ao nvel comportamental e das necessidades
educativas. Em outras palavras, deve-se considerar o fato de se tratar de um problema
complexo, multideterminado e multidimensional que no se reduz a uma definio
nica (RAPOSO; MACIEL, 2006).
Os registros apresentados anteriormente colocam a sociedade em busca de
respostas de qualidade de vida, a toda e qualquer pessoa, assim como respostas mais
diversas dentro dos espaos e aes da escola.
Werneck (2006) destaca que a questo saber se uma pessoa tem o mesmo valor
humano quando notamos nela uma parte do corpo diferenciada e buscamos ressignific-
la. Nesse processo, diante do outro, a tentativa a de encobrir uma educao na qual
fomos criados e que nos fez acreditar que existe uma hierarquia entre condies
humanas:
Refiro-me a formas sutis de discriminao que, mesmo com o propsito devalorizar pessoas com deficincia, acabem segregando-as cada vez mais. Osimples fato de consider-las especiais j as distancia do gozo incondicionaldos Direitos Humanos, gozo que antecede qualquer norma nacional ouinternacional (WERNECK, 2006, p. 325).
Toda esta mentalidade sobre a imagem da pessoa com deficincia intelectual
fruto de uma construo herdada em nossa formao, atravs dos tempos.
fundamental analisar os elementos aqui abordados, para focar, na atualidade, o
indivduo com sndrome de Down, a forma como a lei concebe este indivduo, seus
espaos, relaes e fatos, reforando que ele marcado por estes, mas tambm ator,
neste ambientes.
Assinalamos, um pouco antes, os traos histricos na formao do saber social,
nas ideologias que envolvem o indivduo com sndrome de Down e suas relaes com a
escola, atravs de um paralelo com Os Anormais de Foucault, apontando um saber
demarcado, na poca, para