UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
CURSO DE PEDAGOGIA
Patrícia do Carmo Souza
LUDICIDADE: UM CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM
Salvador
2011
Patrícia do Carmo Souza
LUDICIDADE: UM CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª. Claudia Silva Santana Sisan.
Salvador
2011
FICHA CATALOGRÁFICA: Sistema de Bibliotecas da UNEB
Souza, Patrícia do Carmo
Ludicidade : um caminho para a aprendizagem / Patrícia do Carmo Souza .
Salvador,
2011.
57f.
Orientadora: Profª. Cláudia Silva Santana Sisan.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da
Bahia.
Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011.
Contém referências.
Patrícia do Carmo Souza
LUDICIDADE: UM CAMINHO PARA A APRENDIZAGEM
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª. Claudia Silva Santana Sisan.
Salvador______ de _______ de 20____.
__________________________________________________ Profª. Claudia Silva Santana Sisan.
__________________________________________________
Profª. Rilza Cerqueira
Dedico este trabalho a minha mãe,
a quem devo tudo o que sou.
AGRADECIMENTO
Seria difícil citar o nome de todas as pessoas que contribuíram nessa
caminhada, acredito que seria até impossível, pois minha memória não é eficaz o
suficiente para lembrar de tantos nomes. Meu esforço será para prestigiar aqueles
que considero imprescindíveis para que eu tenha chegado até aqui.
Agradeço primeiramente a Deus, pela vida, pela família, pela força, pelas
conquistas, pelos sofrimentos, por tudo o que fez e faz em minha vida.
Agradeço a minha família por seu apoio nas horas difíceis, por seu amor
incondicional, pelo carinho, por ser tudo em minha vida. A Darivaldo, Gilene, Nino,
Ana Paula, Paulo e Eder por terem se comportado como minha família aqui em
Salvador, dedicando-me carinho, atenção e apoio em todos os momentos. Meu
agradecimento especial à Ana Paula que descobriu que eu havia passado no
vestibular e a Paulo e Darivaldo, pois sem o auxilio deles não teria conseguido me
matricular.
A todos os amigos e todas as pessoas que contribuíram de uma forma ou de
muitas para essa conquista meu sincero agradecimento.
RESUMO
Este trabalho apresenta as contribuições de alguns autores sobre educação lúdica e como ela contribui para o processo de aprendizagem. Pretende perceber até que ponto os jogos e brincadeiras podem contribuir para o processo de aprendizagem das crianças, dentro de um contexto educativo formal. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que reúne o pensamento de diversos autores com a intenção de conhecer e verificar as contribuições já existentes sobre o tema: perspectivas teóricas da educação lúdica como alternativa para a construção da aprendizagem. Primeiro fazendo um breve apanhado do lúdico no decorrer da história para perceber o papel que ele desempenhou no decorrer do tempo, em seguida buscando definições para o termo e tentando estabelecer sua ligação com a criança e suas formas de manifestação enquanto brincadeira e jogo. A educação será abordada dentro de um contexto formal de ensino tentando defini-la e diferenciar suas modalidades, isso implica perceber que toda proposta metodológica parte de uma concepção de aprendizagem. De maneira que, buscaremos as concepções presentes nas principais perspectivas educativas. Por fim, perceber como os diversos autores pesquisados relacionam o lúdico, a educação e a aprendizagem, e se é possível a partir da teoria afirmar que a educação ligada a uma pratica lúdica é capaz de melhorar a aprendizagem.
Palavras-chave: Lúdico, jogo, aprendizagem.
ABSTRACT
This paper presents the contributions of some authors about playful and education as it contributes to the learning process. Intends realize the extent to which the fun and games contribute to the learning process of children, within a formal educational contexts. We performed a literature search, which combines the ideas of many authors with the intention to know and verify the existing contributions on the theme: theoretical perspectives of education playful as a alternative to the construction of learning. First doing a brief overview of playful throughout history to realize the role he played in the course of time, then seeking definitions for the term and trying to establish his connection with the child and its manifestations as play and game. the education will be addressed within a formal teaching context trying to define it and differentiate their modalities, this implies realizing that any methodological proposal starts from a conception of learning. So, we will seek the views present in the main educational prospects. Finally, understand how the various authors surveyed relate playfulness, education and learning, and if it is possible from the theory say that education linked to a playful practice can improve learning.
Keywords: Playful, game, learning.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................. 8
2 CONHECENDO LÚDICO........................................................................... 12
2.1 Algumas definições para o termo lúdico..................................................... 16
2.2 O lúdico e a criança ................................................................................... 18
2.3 Jogo, brinquedo e brincadeira: Sinônimos ou não? .................................. 23
3 ENTENDENDO A APRENDIZAGEM E OS PROCESSOS EDUCATIVOS.... 29
3.1 Processo educativo e aprendizagem ......................................................... 33
4 O LÚDICO, A CRIANÇA E A APRENDIZAGEM....................................... 42
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................53
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 57
8
1 INTRODUÇÃO
A atividade lúdica é a primeira forma que a criança encontra de descobrir o
mundo, afinal ela não nasce sabendo brincar ou jogar, ela aprende com a mãe e os
familiares na medida em que eles utilizam o lúdico como suporte para o
desenvolvimento físico e para as construções mentais do bebê, normalmente as
primeiras atividades lúdicas dos bebês tem como característica a repetição de ações
apenas por prazer. É desse primeiro contato com o lúdico que começa a ser gerado
o raciocínio, e sua continua utilização propicia a ampliação dos conhecimentos.
Acredita-se que existe um vínculo direto da criança, o brincar e o brinquedo, e
que as crianças durante toda a história da humanidade sempre brincaram. Essa
forma de ver a brincadeira é questionada pela psicanálise que trata o brincar como
um ato que não se baseia apenas na espontaneidade possui um caráter subjetivo
que demonstra um pouco da história de cada criança e dos efeitos da linguagem e
da sociedade nela.
Diversas áreas do conhecimento enfocam a importância da brincadeira para o
desenvolvimento infantil. Elas tratam o lúdico como mecanismo para a formação
integral da criança, pois ele tem a capacidade de unir a razão e a emoção, e assim
brincando a criança desenvolve sua criatividade, expõe seus sentimentos e tem a
possibilidade de comunicar-se consigo mesmo e com os outros.
Enquanto a criança se diverte ela não imagina que está se conhecendo,
aprendendo e descobrindo o mundo. Dessa forma a educação ligada à prática lúdica
é uma alternativa possível para desenvolver na criança o gosto pela aprendizagem,
pois ela se propõe ensinar partindo da necessidade que a criança apresenta de
brincar, jogar, buscar prazer. Ela tenta adaptar o conteúdo a essa necessidade, de
forma a tornar o ato de aprender prazeroso, facilitando assim o entendimento e a
aprendizagem.
9
O tema perspectivas teóricas da educação lúdica como alternativa para a
construção da aprendizagem foi escolhido pelo fato de muitos professores
desconhecerem essa forma de trabalho que tem como base o interesse da criança.
Essa observação foi feita, principalmente, durante o período em que estivemos
visitando e observando escolas públicas, da cidade de Salvador, para cumprir as
atividades propostas pelas disciplinas pesquisa e prática pedagógica I, II, III e IV.
Durante essas visitas tivemos a oportunidade de observar as aulas de
diversas professoras e de entrevista-las, o que ocorreu também com as gestoras
dessas escolas. Aliado as observações de sala, no decorrer dessas entrevistas
sempre questionávamos como eram trabalhados os conteúdos em sala e que tipo de
atividade eram desenvolvidas para tornar a aprendizagem das crianças mais fácil e
significativa. Para nossa surpresa, a resposta estava sempre repleta de situações e
práticas, as quais não observamos, e que posteriormente em conversa com os
alunos percebemos que realmente só existiam no discurso.
No discurso elas sempre colocavam como auxilio para a aprendizagem a
utilização de práticas lúdicas, de brincadeiras, músicas, entre outros. No entanto, o
relato dos alunos era de aulas expositivas, onde o professor falava e eles ouviam e
depois faziam a atividade referente ao conteúdo. As respostas das gestoras e
professoras sempre tratavam o lúdico como à brincadeira, o jogo e a diversão. Por
vezes, notamos que algumas professoras achavam que isso não era algo adequado
a escola e que deveria ocorrer apenas no tempo reservado para esse fim: o recreio.
Outras consideravam difícil sua incorporação na prática, pois afirmava que as
crianças quando brincavam não se concentravam para aprender. Percebemos que
essa rejeição fazia com que os professores acabassem agindo apenas como
transmissores de informações sem preocupar-se com a criança, tratada-as como
expectadoras sem considerar sua experiência e vontade.
Mesmo falando com certas restrições, elas sempre acabavam dizendo que o
utilizavam. Com isso, sentimos necessidade de conhecer teorias que pudessem
servir como base para a construção de uma prática que respeite as necessidades da
criança e use isso como estímulo para a aprendizagem. A teoria da educação lúdica
apresenta-se como uma alternativa para a compreensão dessas necessidades e
10
pressupõe que sua inclusão à prática pode contribuir para implementar e melhorar a
educação. Com isso, torna-se importante conhecer essas teorias tentando perceber
até que ponto ela é relevante. Por isso questiona-se: até que ponto os
pressupostos teóricos que fundamentam a educação lúdica explicam como
jogos e brincadeiras podem contribuir para a aprendizagem da criança?
O objetivo geral desse estudo é conhecer os pressupostos teóricos que
explicam como o lúdico contribui para o processo de aprendizagem da criança,
identificando a importância da ludicidade para sua formação, percebendo de que
maneira a teoria lúdica pode contribuir para a prática dos educadores e verificando a
importância dos jogos e brincadeiras no desenvolvimento infantil.
Para isso foi realizada uma pesquisa que possui uma abordagem qualitativa,
que segundo Chizzotti (2003, p. 79) “parte do fundamento que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e
o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a objetividade do
sujeito.” Por isso, buscam os aspectos qualitativos desses fenômenos e os aspectos
da complexidade da vida humana.
Quanto ao tipo, podemos classificá-la como pesquisa bibliográfica que
segundo Martins (1990, p. 23) “é a que se efetua para se resolver problemas ou
adquirir conhecimento a partir de consulta a livros, artigos, jornais...(material
impresso).” Reunindo o pensamento de diversos autores e utilizando esses dados
como meio de perceber, explicar, conhecer e verificar as contribuições existentes
sobre o tema.
No processo de revisão bibliográfica foram analisadas algumas referências
teóricas que trabalham com os temas: jogos e brincadeiras, ludicidade,
aprendizagem e educação. Tentando contrapor esses conceitos para encontrar seus
pontos de interseção e dessa forma demonstrar a importância de pesquisas
anteriormente realizadas, suas contradições e seus possíveis pontos ainda
relevantes. De forma que, o trabalho será apresentado em três capítulos cada um
enfocando uma temática.
11
O primeiro capítulo intitulado conhecendo o lúdico inicia-se trazendo um
breve histórico do lúdico. Em seguida, no tópico 2.1, trata da origem e etimologia do
termo lúdico a partir dos estudos de Huizinga (2005) e Brougère (1998), o tópico 2.2
busca as relações entre a criança e o lúdico, para isso recorremos a Piaget (1975,
1978) que trata das primeiras construções da criança e dessa primeira inteiração
com o lúdico. Para finalizar o primeiro capitulo, o tópico 2.3, trata de diferenciar o
jogo, do brinquedo e da brincadeira definindo cada um dos termos com base em
autores como Kishimoto (2001, 2008) e Chateau (1987), buscando trazer o que é
comum a eles e suas principais diferenças.
O segundo capítulo intitulado entendendo a aprendizagem e os processos
educativos. Que tem início tratando das definições de educação e de como ocorrem
os processos educativos com base em autores como Libanêo (2002), Brandão
(1986) e Aranha (2006). O tópico 3.1 fala dos processos educativos e aprendizagem
buscando esses conceitos dentro de algumas perspectivas educativas e tentando
compreender como ocorre a aprendizagem, para isso recorremos a autores como:
Piaget (1975, 1978), Vygotsky (1991), Zelan (1993), Rossini (2003), Zabala (1998),
entre outros.
O terceiro capítulo intitulado o lúdico, a criança e a aprendizagem trata das
relações existentes entre esses temas. A partir da analise dos diversos autores
trabalhados, tentando perceber quais relações eles estabelecem de maneira
implícita ou explicita.
Por fim, as considerações finais feitas a partir do estudo desenvolvido, que
tentam verificar em que medida é possível afirmar que a teoria da educação lúdica
explica como jogos e brincadeiras podem contribuir para a aprendizagem da criança.
12
2 CONHECENDO O LÚDICO
Para iniciar o primeiro capítulo faremos um pequeno apanhado sobre o
lúdico para perceber o papel que ele teve no decorrer da história. Nessa perspectiva,
Huizinga (2005) fala que o lúdico é mais antigo que a cultura, pois é a partir dele que
foram criadas muitas formas de vida social como as competições, os rituais
sagrados, a poesia, a música, a dança, as regras de guerra e as convenções da vida
aristocrática. Diante disso ele diz:
Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não quer isso dizer que ela nasça do jogo, como um recém-nascido se separa do carpo da mãe. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter. (HUIZINGA, 2005, p. 193).
Ele acredita que o nascimento da cultura a partir do lúdico não o separa dela,
consolida-a e continua atuando nela e sobre ela, assumindo novos papeis. Nesse
sentido, Santos (1999, p. 113) fala do papel do lúdico enquanto mecanismo para sua
aquisição e afirma que “a apropriação da cultura é resultado das interações lúdicas,
que se dá entre a criança, o brinquedo e as outras pessoas.” Com isso, ela atribui ao
lúdico mais um papel: transmissão cultural.
Para enfatizar o papel do lúdico nos diversos períodos Huizinga (2005)
analisa alguns deles e descreve as características lúdicas existentes. Trata do
império romano caracterizando-a como uma cultura ritualística e religiosa que com
sua expansão e conquista de outros povos, culturas diferentes passaram a
influenciar o império que avançou em aspectos como: construções, arte, literatura e
administração pública. Mas continuou atribuindo papel de destaque para os rituais
religiosos como forma de personificar os desejos e santificar os políticos que
alcançavam grande poder.
Todos esses aspectos que Huizinga (2005, p. 194) chama atenção no Império
Romano são colocados por ele como expressão do lúdico, e chega a afirmar que
“não é por acaso que os romanos reservavam sempre para esses rituais o nome de
13
ludi, porque eram exatamente isso que eles eram, isto é, jogos.” Esses jogos, de
acordo com ele, possuíam características de jogos infantis, das quais ele não trata
nesse livro1.
Em Kishimoto (2001) encontramos uma descrição dos jogos infantis,
realizada com base em estudos de Christie2, que coloca como características
marcantes do jogo infantil: a não-literalidade onde o sentido real pode ser
substituído por outro novo; ao efeito positivo que trata do prazer e da alegria que o
jogo traz possibilitando um desenvolvimento corporal, mental e social para a criança;
a flexibilidade, pois a ausência de pressão cria um ambiente de liberdade onde a
criança se sente a vontade para criar e explorar, e assim resolver problemas; a
prioridade do processo do brincar, pois a única finalidade do jogo deve ser a
própria brincadeira; a livre escolha onde a criança escolhe livre e espontaneamente
o jogo; e o controle interno, pois os próprios jogadores é que decidem como o jogo
deve acontecer e que rumo deve tomar.
Tendo como base esses estudos, ela afirma que os quatro primeiros
indicadores são os mais confiáveis para caracterizar o jogo infantil. E confrontando-o
com outros autores que também tentam caracterizar os jogos infantis Kishimoto
(2001) descreve cinco características básicas dos jogos: liberdade de ação do
jogador e efeito positivo, regras implícitas ou explícitas, incerteza de
resultados e improdutividade, não-literalidade e contextualização no tempo e
no espaço.
Analisando essas características que Kishimoto (2001) descreve é possível
dizer que Huizinga (2005) tratava os rituais religiosos romanos como possuidores de
características de jogos infantis porque eles se encaixam em alguns dos indicadores
descritos por Kishimoto (2001) como: não-literalidade, o efeito positivo, regras
implícitas ou explicitas e contextualização no tempo e no espaço.
1 O livro a que nos referimos é Homo ludens: O jogo como elemento de cultura, cuja referência completa pode ser encontrada no fim do deste trabalho. 2 James F. Christie publicou esses estudos em um artigo na revista L’Education par Le Jeu et l’Environnement n° 43, o artigo intitulado: Programa de pour les jeux estruturas prescolaires et les cours primaires programas [Jogar pré-escolar e ensino fundamental] foi publicado em 1991.
14
No que se refere à Idade Média, Huizinga (2005, p. 200) trata da presença do
lúdico não mais ligado a religiosidade e aos rituais, ao contrário, afirma que estavam
permeados pelos elementos pagãos e cheios de humor. A Idade Média herda da
antiguidade clássica grandes formas culturais e o lúdico encontrava-se presente nas
novas criações e nas novas formas de assimilar o material tradicional. “[...] em todas
as coisas relacionadas ao mundo arcaico, o fator lúdico exerce sua função, como
autentica forma criadora.”
A Idade Média foi demasiadamente influenciada pelo lúdico que vinha de seu
passado, transformando alguns de seus aspectos e dando a eles novas conotações
e impulsionando novas criações.
Em Almeida (1998) encontramos referência a utilização de jogos como
recurso educativo, que segundo ele inicia-se desde a antiguidade pelos povos
egípcios, romanos, maias, gregos. Os jogos serviam para passar conhecimento,
valores e norma de vida social das gerações mais velhas para as gerações mais
jovens. Porém, com a ascensão do cristianismo os jogos perderam seu valor por
serem considerados profanos e imorais.
Para Huizinga (2005) a elite cultural do renascimento tentou viver a vida como
se fosse um jogo, mas sem perder a seriedade. O jogo a que ele se refere consistia
em viver imitando a antiguidade, buscando sempre a beleza de forma espontânea e
sofisticada. No humanismo o lúdico estaria especialmente na tendência pagã
presente na literatura da época. Segundo Almeida, a partir do século XVI os jogos
começaram a ser aplicados como recurso de ensino, quando os humanistas
perceberam seu valor educativo, sendo os colégios jesuítas os primeiros a recolocá-
los em prática.
O século XVII é marcado pelo exagero característico do barroco, que segundo
Huizinga (2005) ocorre por conta do impulso criador que revela o conteúdo lúdico
dessa época. O exagero está presente em todos os aspectos da época: desde as
manifestações artísticas até o vestuário que se afastava da simplicidade.
15
No século XVIII, de acordo com Almeida (1998), com a ascensão do
racionalismo a educação passou a ser uma forma de civilizar o homem através do
conhecimento racional e as crianças eram educadas com base no conhecimento
construído socialmente e negava-se a importância da brincadeira para o
desenvolvimento da criança.
Com o declínio do racionalismo e surgimento do romantismo a criança passou
a ser vista como a idealização do homem, que devia ser mantida nessa fase por
mais tempo, pois a sociedade tornou-se a culpada por sua corrupção. Os românticos
não descartam o papel essencial da educação, porém não o coloca como único ou
mais importante. Nesse sentido Huizinga (2005, p. 210) define o romantismo
Como uma tendência para remeter toda uma vida emocional e estética para um passado idealizado onde tudo aparece como que através de uma névoa, carregada de mistério e terror. Ora o próprio recortar desse espaço ideal para o pensamento constitui por si só um processo lúdico.
Huizinga (2005, p. 209) faz referência a esse período tratando-o como um
protesto a artificialidade vivida no barroco e uma busca por tudo que é natural e
inocente. Afirma que a música aparece como expressão mais forte do lúdico no
período e atribui a ela características de jogo como: aceitação voluntária e um
sistema de regras. Chega a afirmar que “a música é essencialmente um jogo, um
contrato válido dentre certos limites definidos, que não tem nenhuma finalidade útil
que não seja dar prazer, relaxamento, e uma elevação do espírito.”
Ao mesmo tempo em que ele analisa a música como mais importante
expressão da ludicidade do século XVIII, critica o pensamento da época que a
interpreta apenas como imitação dos sons da natureza, desconsiderando sua função
emocional enquanto expressão da vida.
O século XIX, de acordo com Huizinga (2005), foi marcado pela seriedade e
pela valorização da economia e dos processos tecnológicos de maneira tão forte
que o lúdico só apareceu na revolução do vestuário feminino que passou a explorar
a estética e o conforto. Um exemplo disso foi o surgimento da crinolina que era uma
16
armação de metal usada por baixo dos vestidos para lhes dar mais volume e
substituía as várias anáguas que eram usadas antes.
Kishimoto (2001) chama atenção para o surgimento da psicologia da criança
no século XIX e para as influências que ela recebe da biologia que coloca o lúdico
como meio para adaptação e seleção natural, sendo os jogos considerados como
pré-exercícios dos instintos herdados, ou seja, o jogo passa a ser uma necessidade
biológica retomando-o como espontâneo e natural. A psicologia coloca-o como
prazeroso e livre, com isso começa a aparecer sua relação com a educação, pois o
jogo seria capaz de treinar esses instintos biológicos e psicológicos.
2.1 Algumas definições para o termo lúdico
Para analisar concepções de lúdico é necessário compreender a idéia que o
termo exprime para isso, buscaremos sua origem e os significados atribuídos a ele.
É importante perceber que seu significado foi sendo construído e modificado no
decorrer do tempo e que a utilização de um termo, muita vezes limita a idéia que
queremos exprimir. Recorrendo a Huizinga (2005) foi possível constatar que até
chegarmos ao termo lúdico com a conotação que conhecemos, passamos por
diversos significados e expressões diferentes.
Segundo Huizinga (2005), etimologicamente a palavra ludus, que provem de
ludere, era utilizada no latim para designar os jogos infantis, recreação,
competições, representações litúrgicas e teatrais e jogos de azar. O termo ludi,
plural de ludus, abrange também os jogos públicos. Nas línguas que nasceram do
latim o termo ludus foi substituído por derivados do termo jucus, de acordo com
Huizinga (2005, p. 42) “ é o caso do francês jeu, jouer, do italiano gioco, giocare, do
espanhol juego, jugar, do português jogo, jogar, e do mesmo joc, juca.” A palavra
jucus em latim clássico não está ligado a jogar e sim a fazer humor, mas nessas
línguas seu significado foi ampliado para o jogo em geral.
17
Brougère (1998) afirma que ludus também designava as escolas de
gladiadores dos romanos, ele chama atenção para esse fato, pois o termo ludus
designava tanto a atividade livre e espontânea que é o jogo, quanto algo imposto e
dirigido que é a atividade escolar. Para ele, a utilização do termo ludus para designar
atividades que parecem opostas deve-se ao fato do adjetivo ludius possuir um
sentido geral de treinamento e exercício, com isso ludus seria uma técnica, um
treinamento antes de ser um jogo. Diante disso, Brougère (1998, p. 36, 37) afirma
que
Aparece assim o sentido geral de treinamento, de exercício, simulacro, que se desenvolve ao lado do jogo e do exercício escolar. Os dois sentidos derivam do mesmo sentido geral. Vê-se um jogo nessa atividade, mas, enquanto tal, ela reproduz os gestos da realidade, servindo naturalmente para ensinar a fazer esses gestos e para regulá-los, e o jogo se torna treinamento e exercício. A mesma palavra representa portanto a diversão das crianças, seus estudos e o lugar que é o teatro desses estudos, a escola onde se instruem os gladiadores.
Huizinga (2005) afirma que além do latim a maior parte das línguas européias
modernas, o japonês e pelo menos uma língua semítica também possui essa
concepção ampla do termo jogo usando apenas uma palavra para designar as
varias formas dele.
Em outras línguas o termo lúdico não aparece porque a maioria delas não
nasce do latim, mas existem definições para o termo jogo. De acordo com Huizinga
(2005) enquanto a línguas românticas atribuíam a ele uma gama de significados
outras línguas possuem diversos termos para designar o jogo distinguindo-o
segundo suas características e formas.
No grego existem três palavras para designar o jogo e o sufixo -inda que
sozinho não possuía significado algum, servia apenas para designar os jogos
infantis. Qualquer palavra acrescida desse sufixo ganhava a conotação de jogar. As
palavras usadas pelos gregos para o jogo possuem sentidos diferentes: uma estava
associada à despreocupação e alegria, outra a frivolidade e futilidade e a ultima
designava competições e concursos. O comum as três palavras é que todas estão
associadas ao não-sério.
18
De acordo com Huizinga (2005) os gregos adotaram um termo para
diferenciar os jogos, dos concursos e competições, pois eles estavam
demasiadamente enraizados em sua cultura e por conta disso perderam a
consciência de seu caráter lúdico considerando-o como algo que existia
naturalmente. Outras línguas também usavam mais de um termo para designar
formas distintas de jogos, no sânscrito podemos encontrar pelo menos quatro que
podem ser traduzidos como jogo. A língua germânica também possui vários termos
para diferentes jogos, semanticamente o que os aproxima é o fato de todos trazerem
a idéia de movimento rápido.
Em chinês Huizinga (2005) cita três termos usados para diferenciar o jogo:
wan que está predominantemente associado à idéia de jogo infantil, tcheng
relacionado às competições, jogos destreza ou de azar e representações teatrais e
sai relacionado com competição organizada e com prêmio.
2.2 O lúdico e a criança
Depois de apresentar o lúdico e algumas de suas formas de expressão e
definição é importante buscar referências que tratam dessa ligação estreita que ele
possui com a criança, de forma que pretendemos nesse tópico compreender como
ocorre esse processo de interação e de apropriação do lúdico pela criança.
Dentro dessa perspectiva, Piaget (1978, p. 119) trata dos jogos infantis como
meio pelo qual as crianças começam a interagir consigo mesmas e com o mundo
externo, e chega a afirmar que “tudo é jogo durante os primeiros meses de
existência, à parte algumas exceções, apenas, como a nutrição ou certas emoções
como medo e a cólera.” Ele divide esses jogos segundo três tipos: jogos de
exercício, jogos simbólicos e jogos de regra.
Do nascimento até cerca de dois anos, as crianças estão na fase sensório-
motora, de acordo com Piaget (1978, p.120), o que prevalece são os jogos de
19
exercício que se constituem como exercícios adaptativos, onde a criança explora o
mundo para conhecê-lo e para desenvolver seu próprio corpo e depois de ter
aprendido ela começa a fazê-los por puro prazer. Esse período se caracteriza pelo
desenvolvimento pelas ações, nele existe uma inteligência prática e um esforço de
compreensão das situações através das percepções e do movimento. Quando ela
refaz por prazer tem início às primeiras manifestações lúdicas, de forma que ele
chega a dizer que “por outras palavras, um esquema jamais é por si mesmo lúdico,
ou não-lúdico, e o seu caráter de jogo só provém do contexto ou do funcionamento
atual”.
Piaget (1978) fala da dificuldade em perceber quais ações da criança são
realmente lúdicas nessa fase, pois as atividades que ela realiza podem ter os dois
aspectos: o jogo e a assimilação.
Em seguida, tem início a fase que ele chama de pré-operatória, começa entre os
dois anos e vai até os seis aproximadamente. Piaget (1978) fala que nessa fase a
criança começa a construir jogos simbólicos onde ela sujeita os objetos à fantasia, é
quando ela começa a interagir mais fortemente com o lúdico. Onde tem inicio a
função simbólica e a inteligência sensório-motora vai se prolongar em pensamento.
Com isso, a criança é capaz de substituir um objeto por uma representação.
Segundo Piaget (1978, p. 147)
Além disso, as sua funções afastam-se cada vez mais do simples exercício: a compensação, a realização dos desejos, a liquidação dos conflitos etc. somam-se incessantemente ao simples prazer de se sujeitar à realidade, a qual prolonga, por si só, o prazer de ser causa inerente ao exercício sensório-motor. a
Dessa forma, tem início à assimilação da realidade e a construção de
significados, relacionando a fantasia com o real, é o início do desenvolvimento da
inteligência, da imaginação, do pensamento, guiado por uma busca de prazer que
possibilita assimilar a realidade integral, incorporá-la, revivê-la, dominá-la ou
compensá-la de forma adequada para a estrutura mental da criança que ainda
apresenta o pensamento em construção.
20
Outro fator importante que Piaget chama atenção nessa fase é que o lúdico
cria meios pelos quais a criança satisfaz o seu egocentrismo, pela imaginação. Nela
a criança pode subordinar tudo a sua vontade, é por essa razão que a atividade
lúdica deve ser estimulada desde a infância, deve-se utilizá-la como auxiliar para a
construção de um bom desenvolvimento.
Os jogos de regra iniciam-se por volta dos sete anos, quando a criança entra
na fase operatória concreta, que dura até cerca de onze anos. Nessa fase, de
acordo com Piaget (1978) é quando a criança se aproxima mais da realidade e
começa a interagir com ela mais fortemente, os dados reais passam a ter uma maior
relevância e as regras sociais passam a ser compreendidas. Nessa fase inicia-se a
formação das operações: junção e dissociação, classificação, seriação,
correspondência, entre outros. No entanto, a criança só consegue construir essas
relações com um suporte concreto, ela depende do mundo real para abstrair,
verbalmente sobre a forma de preposições ela ainda não é capaz de fazê-lo.
Por volta dos doze anos a criança entra na fase operatória formal que
perdurará durante toda a vida, mas ela continuará utilizando os jogos de regra. No
entanto, isso não quer dizer que ela abandone completamente os outros jogos, isso
apenas indica que ela desenvolveu estruturas mentais mais complexas. O
adolescente conquista um modo de raciocínio novo no qual é capaz de pensar lógica
e hipoteticamente, e de buscar soluções. É nesse estágio que as operações
proporcionais têm início. Segundo Piaget (1978, p. 184)
Os jogos de regra são jogos de combinações sensório-motoras (corrida, jogos de bola de gude ou com bolas etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez etc.), com competições de indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e regulamentados quer por um código transmitido de gerações em gerações, quer por acordos momentâneos.
Isso implica dizer que o diferencial dos jogos de regras, em relação ao jogo de
exercício e o jogo simbólico, é o fato dele ocorrer como uma atividade lúdica
praticada pelo ser socializado.
21
Luckesi (2010d 27) trata da ludicidade como uma atividade em que o sujeito
se entrega totalmente, na qual deve está envolvido de corpo e mente. Por isso que
ele diz
[...] tenho a tendência em definir a atividade lúdica como aquela que propicia a “plenitude da experiência”. Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá sê-la ou não. O que mais caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que ela possibilita a quem a vivencia em seus atos. A experiência pessoal de cada um de nós pode ser um bom exemplo de como ela pode ser plena quando a vivenciamos com ludicidade. É mais fácil compreender isso, em nossa experiência, quando nos entregamos totalmente a uma atividade que possibilita a abertura de cada um de nós para a vida.
Dessa forma, o divertimento pode aparecer em consequência do tipo de
atividade desenvolvida. O importante para que ela possa ser considerada lúdica é
que ela traga prazer e bem estar, o que só poderá ocorrer se houver envolvimento
do sujeito. Por esse motivo que Luckesi (2010c) fala que ela caracteriza-se como
“um fenômeno interno”.
Diferente de Piaget (1978) e de Luckesi (2010), Marcellino (2002) se insere
numa corrente que trata do lúdico dentro de uma perspectiva histórica assim como
Huizinga (2005), ele trata dessas questões situando-as dentro de um paradigma
histórico-social. Marcellino (2002) trata do papel e da inserção do lúdico nas
sociedades urbano-industriais e faz uma análise da criança enquanto ser inserido
nessa sociedade. Dentro disso, ele descreve a visão de criança que essa sociedade
possui e denuncia as consequências disso para a vida delas
De modo geral, o que se observa na nossa sociedade, com relação à criança, é a impossibilidade de vivência do presente, em nome da preparação para um futuro que não lhe pertence. Acredito que negar a possibilidade de manifestação do lúdico é negar a esperança. (MARCELLINO, 2002, p. 57).
Ele critica fortemente essa sociedade que impõe a cultura do adulto e nega a
cultura da criança. Vendo-a apenas como potencialidade, como futuro adulto, de
forma que ela deve ser preparada para ser adulta, pois ser criança é um estado
transitório. E com isso, o lúdico que deveria ser vivenciado por ela plenamente é
substituído por conteúdos “mais úteis”.
22
Por essa razão Marcellino (2002, p. 28) prefere “[...] optar por uma abordagem
do lúdico não em ‘si mesmo’, ou de forma isolada nessa ou naquela atividade
(brinquedo, festa, jogo, brincadeira, etc.), mas como um componente da cultura
historicamente situada”. Para ele o lúdico não se expressa apenas em atividades
recreativas, mas em toda atividade que haja prazer e criação, sem a obrigação que
o dia a dia nos impõe. O lúdico não é o fim e sim um meio, por essa razão não pode
ser visto como uma atividade restrita, ele deve ser analisado como construtor de
significados a partir de experiências diversas, em diferentes épocas.
De acordo com Marcellino (2002), a contribuição da atividade lúdica no
desenvolvimento da criança caracteriza-se, de forma mais evidente, quando se
observa a capacidade criativa e inventiva que a criança possui, por isso é importante
estimular essas capacidades afinal, para ela tudo pode se transformar em
brinquedo: um tecido, uma madeira, uma pedra, entre outros. Dessa forma, ela
soltar a imaginação, criar situações, imitar, representar, descarregar sentimentos,
exprimir necessidades de afeto.
De acordo com ele a atividade lúdica traz muitos benefícios para o
desenvolvimento da criança, e estes já foram constatados por estudos realizados
pela psicologia. Além de prazer, o brincar proporciona descarga de energia,
preparação intuitiva para a vida adulta, assimilação da realidade, evasão e inserção
da realidade.
Almeida (1998) chega a dizer que seria interessante ocupar os primeiros anos
da criança com jogos educativos e a inserção de conteúdos só deveria acontecer
aos sete anos, pois para que se aprenda a pensar é necessário exercitar os
sentidos, que são os instrumentos da inteligência, isso deve acontecer através dos
jogos. Afinal é através deles que se enriquece o senso de responsabilidade e se
fortifica as normas de cooperação, construindo uma autentica atividade de
pensamento.
Uma expressão muito clara da importância do lúdico no desenvolvimento da
criança pode ser encontrada em Chateau (1987, p.14)
23
Estudar na infância somente o crescimento, o desenvolvimento das funções, sem considerar o brinquedo, seria negligenciar esse impulso irresistível pelo qual a criança modela sua própria estátua. Não se pode dizer a uma criança “que ela cresce” apenas, seria preciso dizer “que ela se torna grande” pelo jogo. Pelo jogo ela desenvolve as possibilidades que emergem de sua estrutura particular, concretiza as potencialidades virtuais que afloram sucessivamente à superfície do seu ser, assimilando-as e as desenvolve, une-as e as combina, coordena seu ser e lhe dá vigor.
O brinquedo e o jogo aos quais Chateau (1987) se refere podem ser
entendidos como a materialização do lúdico, já que eles aparecem como
mecanismos para o desenvolvimento e como forma de obter prazer durante esse
processo. A criança que brinca desenvolve suas habilidades naturalmente, ela
aprende a construir sua autonomia e criar o novo a partir de uma experiência que
apresentou resultados interessantes e com isso ela começa a se afirmar-se.
2.3 Jogo, brinquedo e brincadeira: sinônimos ou não?
Para compreender o lúdico é indispensável que se perceba sua manifestação
enquanto jogo, e para isso tornou-se necessário distingui-lo do brinquedo e da
brincadeira, pois comumente esses termos são utilizados como sinônimos. Outro
fator importante é que em nossa cultura há uma variedade muito grande de
fenômenos aos quais damos o nome de jogo, sendo que estes podem ter uma
nomenclatura diferente e um significado diferente em outra cultura, tendo em vista
que em uma pode ser jogo e em outra não. Por isso existe uma grande dificuldade
em elaborar uma definição de jogo que englobe todas as suas manifestações.
Kishimoto (2001) fala que o jogo pode ser visto como um objeto, uma
atividade que possui um sistema de regras a ser obedecido pelos participantes e
que distinguem uma modalidade de outra, também pode ser apenas um vocábulo
usado no cotidiano para designar algo dentro de um determinado contexto social.
Dessa forma pode-se compreender o jogo: diferenciando significados atribuídos
a ele por culturas diferentes, pelas regras ou pela situação imaginária que
24
possibilita a delimitação das ações em função das regras e pelos objetos que o
caracterizam.
Ao trazer esses sentidos para o termo jogo ela esclarece cada um deles e diz
que no primeiro sentido “[...] enquanto fato social, o jogo assume a imagem e o
sentido que cada sociedade lhe atribui.” (KISHIMOTO, 2001, p.17). Por conta disso,
o termo jogo pode possuir significados distintos, de acordo com a cultura e a época.
O segundo sentido se refere ao sistema de regras característica de cada jogo, na
qual é possível distingui-lo dos demais. O terceiro trata o jogo como o objeto que o
materializa, pois alguns jogos não podem acontecer sem um determinado objeto.
Huizinga (2005 p.10) fala do jogo enquanto manifestação sociocultural por
isso afirma que
[...] o jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. O conceito de jogo deve permanecer distinto de todas as outras formas de pensamento através da quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social.
A definição de jogo trazida por ele demonstra sua relação intima com a cultura
e sua indissociabilidade, de forma que Huizinga (2005) prefere descrever as
características das diversas formas de jogos, sendo que sua prioridade é descrever
os jogos enquanto manifestação social já que para o autor descrever as
características de jogos infantis não é algo simples, pois estes estão
demasiadamente carregados de fator lúdico que dispensa análise.
A primeira característica que ele aponta é a liberdade já que para ser jogo
deve ser uma atividade voluntária, a segunda refere-se ao fato dele não ser vida
real apenas uma forma de evasão dela que dura apenas algum tempo, a terceira
característica refere-se ao fato do jogo criar um isolamento espacial por ocorrer em
algum lugar seja ele material ou imaginário e uma limitação temporal afinal ele
acabará em algum momento, a ultima característica é que o jogo possui uma
ordem e ordena temporariamente as ações por conter regras que devem ser
obedecidas.
25
Para finalizar Huizinga (2005) fala que duas características são fundamentais
para definir a função do jogo: a luta por algo e a representação de algo, sendo
que elas podem por vezes se confundir ou se fundir. A busca por algo pode ser
representada com uma luta e essa representação pode se tornar uma luta, na busca
de fazer algo da melhor forma possível.
Para compreender melhor o significado do jogo é necessário compreender
que ele difere do brinquedo e da brincadeira. Nessa perspectiva Kishimoto (2001, p.
18) distingue-os e afirma que o brinquedo é um objeto que, para sua utilização não
existe regras, pode ser manipulado livremente pela criança o que lhe permite
representar sua realidade, seus desejos, seu imaginário e chega a afirmar que
“diferindo do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma
indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que
organizam sua utilização.”
O brinquedo é analisado por ela como um substituto dos objetos reais, os
quais, a criança não pode manipular. Com isso, pode-se perceber que o termo
brinquedo, na perspectiva de Kishimoto (2001), não possui uma diversidade de
significados tão ampla quanto o termo jogo. Brinquedo relaciona-se diretamente com
a criança e possui uma dimensão material. A criança pode, no entanto, com sua
imaginação, alterar os significados dos objetos. “O brinquedo é o estimulante
material para fazer fluir o imaginário infantil.” (KISHIMOTO, 2001, p.21).
Nesse sentido Vygotsky (1991, p.106) explica que quando os desejos das
crianças não podem ser satisfeitos imediatamente ela cria uma tensão e que “para
resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório
e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é
o que chamamos de brinquedo.”
Dessa forma, o brinquedo teria para ambos a função de substituir os objetos
reais, para conseguir satisfazer desejos. No entanto, Vygotsky (1991) acentua que
isso só pode ocorrer na idade pré-escolar já que é nela que a criança começa a
desenvolver a imaginação e é por isso que apenas a partir dessa fase torna-se
possível satisfazer um desejo através de um brinquedo. Ao tratar da existência de
26
regras no brinquedo Vygotsky (1991, p.108) afirma que ele possui regras, chegando
a dizer que “pode-se ainda ir além, e propor que não existe brinquedo sem regras.”
tendo em vista que todo brinquedo trás uma situação imaginária e nela existem
regras implícitas ele esclarece que
Sempre que há uma situação imaginária no brinquedo, há regras – não as regras previamente formuladas e que mudam no decorrer do jogo, mas aquelas que têm sua origem na própria situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança pode se comportar em uma situação imaginária sem regras é simplesmente incorreta. (VYGOTSKY, 1991, p. 108)
As crianças ao brincarem tentam se comportar do modo como elas imaginam
ser adequado naquela situação e isso já se caracteriza como uma situação
imaginária dessa forma torna-se impossível brincar sem regras. Vygotsky (1991)
também fala que os jogos com regras explícitas também possuem uma situação
imaginária característica já que a criança deve imaginar como agir de maneira que
não venha a contrariar as regras do jogo tornando varias possibilidades de ação
inviáveis.
Kishimoto (2001, p. 21) fala que a brincadeira é também ligada à criança, pois
ela caracteriza-se por ser uma ação livre e espontânea feita pela vontade e pelo
prazer que ela pode proporcionar. Durante a brincadeira a criança pode utilizar um
brinquedo, que será utilizado apenas como suporte, para realizar desejos não
realizáveis, ela diz que a brincadeira “é a ação que a criança desempenha ao
concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o
lúdico em ação.”
Vygotsky (1991, p. 106) amplia essa definição, tendo em vista que ele atribui
a imaginação um papel fundamental para o brincar, e diz que “o velho adágio de que
o brincar da criança é a imaginação em ação de ser invertido; podemos dizer que a
imaginação, nos adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo
sem ação.”
Segundo Kishimoto a brincadeira é uma ação mais livre que o jogo, porém,
possui regras implícitas que guiam as ações durante a brincadeira, ao brincar a
27
criança tenta comporta-se da forma que imagina ser a correta naquela situação,
aspectos que passam despercebidos no cotidiano tornam-se regras na brincadeira.
Brincar para a criança é um ato sério no qual ela procura se afirmar e obtém
prazer, dessa forma dizer que não há seriedade na brincadeira e no jogo é um erro,
pois mesmo ela estando relacionada ao cômico, para a criança ela é séria. Chateau
(1987) diz que é por meio da brincadeira que ela constrói sua autonomia,
desenvolve seu autocontrole agindo de acordo com as regras sem segui seus
impulsos, o jogo e a brincadeira são preparações para a vida séria, por isso devem
ser feitos de forma livre, por vontade da criança e escolhido por ela, quando imposta
passa a ser trabalho ou ensino.
Quando a criança brinca, ela só pensa na diversão que o brincar lhe
proporciona sem perceber que está adquirindo conhecimento e desenvolvendo suas
habilidades físicas e mentais, dessa forma o jogo passa a ser um método natural de
educação e instrumento de desenvolvimento. Constata-se assim a necessidade da
criança brincar, isso fica claro em Chateau (1987, p 14) quando ele declara que
Pois é pelo jogo, pelo brinquedo, que crescem a alma e a inteligência. É pela tranquilidade, pelo silêncio – pelos quais os pais às vezes se alegram erroneamente – que se anunciam frequentemente no bebê as graves deficiências mentais. Uma criança que não sabe brincar, uma miniatura de velho, será um adulto que não saberá pensar.
Discutindo a brincadeira Luckesi (2010) lembra que o brincar aparece
carregado de preconceito, liga-se o termo ao não-sério sendo que este traz prazer e
alegria enquanto, o sério aparece como o cansativo e doloroso. A brincadeira passa
a ser vista como algo sem importância no mundo adulto, no entanto, as brincadeiras
infantis são sérias, pois as crianças dedicam-se a um objetivo e buscam meios de
atingi-lo, mesmo que esse objetivo seja apenas a diversão.
Além de discordar dessa desqualificação da brincadeira Luckesi (2010a)
afirma que ela existe em todas as idades “todos brincam, ou seja, todos, em
conformidade com sua idade e seus processos de maturação, em seus processos
28
criativos, transitam do subjetivo para o objetivo.” Em todas as faixas de idade e de
desenvolvimento o ato de brincar acontece, o que as distingue são as possibilidades
e as características pertinentes a cada faixa, pois a o brincar está ligada a ação
criativa e a posterior expressão objetiva.
Discutindo a seriedade do jogo infantil Chateau (1987) a distingue da
seriedade da vida adulta, para ele a criança envolve-se de tal forma no jogo que
parece esquecer a vida real enquanto o adulto procura no jogo um meio de evasão e
compensação da vida real.
Nessa mesma perspectiva Huizinga (2005, p.8), fala da seriedade do jogo
afirmando que “é licito dizer que o jogo é a não-seriedade, mas esta afirmação, além
do fato de nada nos dizer quanto às características positivas do jogo, é
extremamente fácil de refutar.” Ao trazer o jogo como não-seriedade Huizinga trata
do fato do jogo ser vida real, mas afirma que isso nada tem a ver com o jogo não ser
sério, pois para que ele ocorra é necessário dedicação, tanto que algumas formas
de jogo são capazes de absorver o jogador. Por isso ele retoma esse tema dizendo
Todavia, conforme já salientamos, esta consciência do fato de “só de faz de conta” no jogo não impede de modo algum que ele processe na maior seriedade, com um enlevo e um entusiasmo que chegam ao arrebatamento e, pelo menos temporariamente, tiram todo o significado da palavra “só” da frase acima. [...] nunca há um contraste bem nítido entre ele e a seriedade, a sendo a inferioridade do jogo sempre reduzida pela superioridade de sua seriedade. (HUIZINGA, 2005, p.10)
Todos os autores citados concordam que o jogo e/ou a brincadeira possuem
uma seriedade e com isso contribuem para o desenvolvimento do sujeito, pois ele
começa a compreender o mundo e a inserir-se nele dessa forma.
29
3 ENTENDENDO A APRENDIZAGEM E OS PROCESSOS
EDUCATIVOS
No segundo capítulo vamos conhecer as definições que alguns autores
trazem sobre educação, pois toda prática pedagógica está ligada a um processo
educativo. Com isso, torna-se necessário conhecer um pouco mais sobre esses
processos e compreender o que realmente é descrito pelos autores como educação,
já que esse termo é sempre ligado a escola, a família e a instituições de ensino.
Dentro dessa perspectiva, Libanêo (2002, p.30) trata da ampliação do
conceito de educação, pois a complexificação da sociedade tornou a educação uma
necessidade, por isso ele afirma que
Nesse sentido, educação é o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.
De acordo com ele, as práticas educativas ocorrem em todos os ambientes e
pelos mais diversos agentes, o que leva a educação a mudar, de acordo com a
necessidade que a sociedade apresenta.
Essas necessidades estão voltadas para atender as exigências do mercado
de trabalho, isso faz com que a educação tenha como um dos objetivos formar
trabalhadores com habilidades, capacidades e comportamentos para atuar
competentemente dentro desse processo produtivo. Libanêo (2002, p.30) chega a
afirmar que “nesse entendimento, o fenômeno educativo apresenta-se como
expressão de interesses sociais em conflito na sociedade.”
Diante disso, ele esclarece que existem várias formas de transmitir
conhecimentos e de desenvolver habilidades, capacidades e comportamentos. A
esses processos Libanêo (2002) chama de modalidades da educação, que se
dividem em educação não-intencional ou informal ou paralela, e educação
intencional que se subdivide em educação não-formal e educação formal.
30
A educação informal é descrita por Libanêo (2002) como a resultante do
ambiente, das relações socioculturais e políticas do contexto que o individuo vive,
portanto são construções incoerentes, sem uma finalidade definida, desligada de
instituições e constituindo-se em atos não intencionais. Elas atuam fortemente na
formação da personalidade. No entanto, é necessário compreender que essas
construções não se caracterizam como socialização, elas são fatores importantes
para esse processo, mas se identificam com o processo educativo.
Aranha (2006, p.94) diz que “a educação informal caracteriza-se por não ser
intencional ou organizada, mas casual e empírica, exercida a partir das vivências, de
modo espontâneo.” Para ela, a educação informal é um processo que se estende
durante toda a vida, inicialmente na família e depois no convívio com as outras
pessoas, na mídia, no lazer e no trabalho. Assim como Libanêo (2002), ela também
atribui à educação informal papel importante na formação da personalidade e que
comumente essa influência não acontece com esse propósito e vai além, dizendo
que só a teorização não é suficiente para ensinar um comportamento, o exemplo
traz um resultado maior.
De acordo com Libanêo (2002), a principio a educação era apenas informal,
com o desenvolvimento da sociedade e a complexificação das relações sociais e
culturais surge à necessidade de uma construção mais elaborada dos processos
educativos, que devem possuir uma intencionalidade, processos sistemáticos com
objetivos e métodos que venham a favorecer a aquisição de informações
necessárias para possibilitar ao individuo sua participação na vida social. Brandão
(1986, p. 16) partilha dessa idéia, e diz que
Quando um povo alcança um estágio complexo de organização da sua sociedade e da sua estrutura; [...] É a partir de então que a questão da educação emerge à consciência e o trabalho de educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os espaços, sistemas, tempos, regras de prática, tipos de profissionais e categorias de educandos envolvidos nos exercícios de maneira cada vez menos corriqueiras e menos comunitárias do ato, afinal tão simples, de ensinar-e-aprender.
Para Libanêo (2002), é em consequência disso que a educação intencional
vai sendo configurada e surgi à educação formal, a qual possui intencionalidade e
31
métodos previamente construídos para que se possa atingir um objetivo. A
educação escolar é um exemplo de educação formal, mas outras atividades
educativas também podem ser consideradas formais: educação profissional,
educação de adultos. Desde que atendam aos requisitos citados. Brandão (1986, p.
26) ao tratar da formalidade do ensino, diz que
O ensino formal é o momento em que a educação se sujeita à pedagogia (a teoria da educação), cria situações próprias para seu exercício, produz os seus métodos, estabelece suas regras e tempos, e constituiu executores especializados. É quando aparecem a escola, o aluno e o professor.
Segundo Libanêo (2002), a intencionalidade também esta presente em outra
modalidade de educação, a qual possui pouca estruturação e sistematização,
apesar de ter objetivos definidos, essa é a educação não-formal. Trabalhos
comunitários, museus, cinemas, são exemplos dessa modalidade de educação.
Aranha (2006) diz que a educação não-formal caracteriza-se por sua aprendizagem
acontecer por meio da prática social, onde o conhecimento é gerado por meio de
vivencias de situações-problema.
Apesar de sua divisão em modalidades é necessário perceber que “a
educação compreende o conjunto de processos formativos que ocorrem no meio
social, sejam eles intencionais ou não intencionais, sistematizados ou não,
institucionalizados ou não” (LIBÂNIO, 2002, p. 81). Nessa mesma perspectiva,
Brandão (1986) diz que a educação existe mesmo que não haja uma escola e que a
aprendizagem vai acontecer mesmo sem professores, ela ocorrerá enquanto prática
social. Segundo ele, a educação escolar surge na Grécia, depois vai para Roma e é
desse modelo que deriva nosso sistema de ensino.
Segundo Aranha (2006), as escolas gregas surgem por volta do final do
século VI a. C., com o surgimento das póleis que fizeram a demanda por educação
aumentar, a escola surge como meio de ampliar o acesso a educação, mas ainda
continuou elitizada. Antes do surgimento das escolas os jovens gregos, filhos de
aristocratas, eram educados por preceptores.
32
A educação acontece plenamente, quando garante o desenvolvimento do
individuo, de forma que suas habilidades sejam potencializadas e os conhecimentos
sejam construídos por meio de um “processo de transmissão e apropriação”
(LIBÂNIO, 2002, p.82) de valores, técnicas e tudo que possibilite sua integração e
intervenção na realidade, na qual ele está inserido.
As influências da educação se dão em todos os aspectos da vida e de formas
tão diferentes que Brandão (1986, p. 7) afirma:
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da nossa vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para ser, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação.
Assim Brandão (1986, p. 9) explicita que “não há forma única nem um único
modelo de educação; [...] o ensino escolar não é a sua única prática e o professor
não é seu único praticante.” Ela está presente em todos os momentos da vida, ela é
dinâmica e não se atém a lugares ou períodos, ela é tão longa quanto à vida.
Para ele a educação está difusa na vida, podendo ocorrer de forma livre:
quando ocorre como maneira das pessoas tornarem comum algum conhecimento,
crença, idéia, saber. Ou de forma imposta, quando um sistema centralizado de
poder utiliza o saber como forma de coação e/ou controle.
Um papel fundamental da educação é formar homens adequados para cada
contexto sociocultural, para Brandão (1986, p. 12) sua força se constitui dessa
forma, ajudando a pensar, criar, constituir e legitimar tipos de homens e participando
da produção de idéias e crenças. Sua fraqueza se constitui no fato do educador
imaginar que suas ações são livres, servido apenas ao saber. Sem perceber que
está servido e reproduzindo uma ideologia. “Mas, na prática, a mesma educação
que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa
que faz, ou do que inventa que pode fazer.”
33
Ele atribui o nome de endoculturação ao processo de aprendizagem de
crenças e hábitos de uma cultura para se constituir como adulto dentro dela.
Brandão (1986, p. 24) diz que “tudo o que se aprende de um modo ou de outro faz
parte do processo de endoculturação, através do qual um grupo social aos poucos
socializa, em sua cultura, os seus membros, como tipos de sujeitos sociais.” Essas
ações têm como objetivo moldar o indivíduo. Nesse sentido, Brandão (1986, p. 34)
chega a afirmar que
Onde um tipo de educação pode tomar homens e mulheres, crianças e velhos, para torná-los todos sujeitos livres que por igual repartem uma mesma vida comunitária; um outro tipo de educação pode tornar os mesmos homens das mesmas idades, para ensinar uns a serem senhores e outros, escravos, ensinando-os a pensarem, dentro das mesmas idéias e com as mesmas palavras, uns como senhores e outros, como escravos.
Essa perspectiva trazida por ele coloca a educação como potencialmente
desigual. De acordo com Brandão (1986) quando a educação começa a ser
institucionalizada e formal, ela começa a reproduzir e a naturalizar a desigualdade.
3.1 Processo educativo e aprendizagem
Depois de conhecer algumas definições de educação, é importante entender
como acontece e como é compreendido o processo de aprendizagem dentro das
perspectivas educativas mais conhecidas e difundidas, para compreender qual a
influência dos jogos nesse processo. Sendo que nos interessa especialmente as
concepções de aprendizagem trabalhadas dentro da educação formal, com ênfase
na educação escolar. Afinal, Zabala (1998) chama atenção para o fato de toda
proposta metodológica contém uma concepção de aprendizagem e de educação
que pode aparecer de forma implícita ou explicita.
De acordo com Zelan (1993), o modelo tradicional de educação trata a
aprendizagem como transmissão de saber, por aquele que conhece para aquele que
ignora, uma ação externa que visa modelar a inteligência ou o saber. Dessa forma o
34
conhecimento é apenas conteúdo, informações, coisas e fatos, e a aprendizagem
resume-se a saber dizer ou mostrar o que lhe foi ensinado, as informações que se
acumulou.
Segundo ela, a partir da visão tradicional da educação surgem vários dogmas
sobre a aprendizagem: há um que propõe que ao explicar um assunto o professor
dá segurança e dessa forma a criança cometerá menos erros; outro afirma que
ganha-se tempo, pois o professor resume os assuntos para explicar facilitando a
compreensão, afinal o aluno não terá que pesquisar e sozinho não conseguiria
aprender. Todos esses dogmas possuem um erro comum, acredita que se pode
transmitir conhecimento sem levar em conta o sujeito receptor. A educação
tradicional possui uma postura “adultocentrica”, pois não considera que as crianças
constroem suas próprias hipóteses, considera apenas a visão do adulto que já
detém o conhecimento. Nesse sentido Piaget (1975, p. 163) afirma que
A educação tradicional sempre tratou a criança como um pequeno adulto, um ser que raciocina e pensa como nós, mas desprovido simplesmente de conhecimento e de experiência. Sendo a criança, assim, apenas um adulto ignorante, a tarefa do educador não era tanto a de formar o pensamento, mas sim de equipá-lo; as matérias fornecidas de fora eram consideradas suficientes ao exercício.
Por conta dessa postura da educação tradicional Piaget (1975) afirma que o
erro consiste em pensar que se pode moldar o pensamento de fora para dentro,
para ele o pensamento da criança é qualitativamente diferente do adulto. De forma
que, a educação deve encontrar meios e métodos que ajudem a criança a construí-
lo.
Para discutir a questão das diferenças entre o pensamento do adulto e da
criança Piaget (1975) trata da estrutura de pensamento da criança e afirma que
quanto à relação funcional ela é idêntica ao adulto, no sentido de que a criança é um
ser ativo cujas ações são voltadas para atender necessidades ou interesses sendo
estes determinantes para que ela tenha um bom rendimento. Já as estruturas
intelectuais são diferentes do adulto, e vão variar de acordo com os estágios de
desenvolvimento.
35
Segundo Weiz e Sanchez (2002) a concepção de aprendizagem da escola
tradicional, começa a ser desconstruída no Brasil nos anos 20 com a escola nova
que passa a ver a criança como um se com características distintas das do adulto e
não mais como um adulto em miniatura. Essa nova visão trazida pela escola nova
constituiu um grande salto para a compreensão do processo de aprendizagem, seu
foco era o sujeito aprendiz e com isso desconsiderou os conteúdo de aprendizagem
valorizando apenas a forma como se aprende.
Na perspectiva da escola nova o que fazia com que as crianças aprendessem
era a necessidade com isso, a criança só aprenderia o que ela considerasse
necessário, de forma que essa necessidade despertaria seu interesse. Para criar
esses interesses na criança a escola deveria estimulá-las a fazer descobertas, de
maneira que elas não fossem ensinadas, fossem estimuladas a descobri e assim
realizar a aprendizagem por si mesmas.
De acordo com Weiz e Sanchez (2002, p. 31) “ao colocar o foco
exclusivamente no processo de aprendizagem o movimento da escola nova deixou
de lado o produto dessa aprendizagem.” Esse foco dado à aprendizagem constituiu-
se especialmente porque esse movimento criticava fortemente a aprendizagem do
ensino tradicional feita por transmissão, sem significação. Mas, negligenciaram
quanto os conteúdos, pois não atribuíam a ele uma importância real.
Com a escola nova que as idéias de Piaget passaram a ser mais divulgadas
no Brasil, seus trabalhos foram elaborados a partir de observações feitas em seus
filhos e em outras crianças, isso o levou a construir uma teoria de desenvolvimento
cognitivo que pressupõe que passamos por diferentes etapas para construir
aprendizagem. Piaget (1975) fala da relação do desenvolvimento e da aprendizagem
e sugere que eles são influenciados por processos como: a maturação que é o
desenvolvimento físico e biológico do individuo. De acordo com ele, esse
desenvolvimento abre possibilidades para a aprendizagem, já que algumas
estruturas mentais só estarão concluídas aos 15 ou 16 anos tornando-se uma
condição necessária para determinadas aprendizagens.
36
No entanto, ele destaca que apesar de ser necessária a maturação não é o
único processo que tem influência na aprendizagem, outro fator que ele coloca como
necessário é o exercício que é a utilização de esquemas já criados apenas pelo
prazer funcional. A experiência adquirida é outro fator importante, de acordo com
Piaget (1975), ela é o resultado da interação entre o sujeito e os objetos, na medida
em que ela interage com o meio vai agregando mais conhecimento sobre ele. E é
necessário que haja o equilibração, ou seja, uma autorregulação, uma
reestruturação do que foi aprendido visando devolver o equilíbrio ao organismo
mediante a elaboração de novas estruturas.
Dentro desse contexto Piaget (1975, p. 154) diz que “educar é adaptar o
individuo ao meio social ambiente.” Sendo que essa adaptação é um equilíbrio entre
dois mecanismos indissociáveis: assimilação e acomodação. De acordo com ele,
assimilação é a aprendizagem que o individuo constrói em contato com o meio, uma
compreensão do mundo a sua volta e de si mesmo, que se transforma em formas de
interagir com e sobre o meio. A acomodação é o processo de transformação desses
conhecimentos já assimilados em novas formas de ação. Com isso, a equilibração
vai acontecer quando um conhecimento prévio se transformar em um novo
conhecimento. Diante disso, Piaget (1975, p.157) vai dizer que
A adaptação intelectual é, então, o equilíbrio entre a assimilação da experiência às estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência. De uma maneira geral, a adaptação supõe uma inteiração entre o sujeito e o objeto, que o primeiro possa incorporar a si o segundo levando em conta suas particularidades.
Segundo Piaget (1975) durante o processo de assimilação a criança vai
criando esquemas, que vão se modificando configurando os estágios de
desenvolvimento3: sensório-motor, pré-operatório, operatório-concreto e operatório-
formal. Vygotsky (1991, p. 96), assim como Piaget (1975, 1978), propõe que existe
uma relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento, diante disso ele cria a
noção de zona de desenvolvimento proximal, e diz que
3 As características dos estágios trabalhados por Piaget são descrita no primeiro capítulo no tópico
2.2.
37
Ela é a distancia entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Dessa forma, é possível perceber que o desenvolvimento real refere-se ao
que a criança já compreende, as funções cognitivas já amadurecidas. Enquanto o
desenvolvimento potencial são as funções que a criança ainda está desenvolvendo.
Ele diz que quando a criança aprende algo ela não completou o processo de
aprendizagem, pois essa aprendizagem vai gerar novas ZDP que darão a ela base
para desenvolver outros processos mais complexos. Por isso ele retoma essa
questão da aprendizagem dizendo que
Um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar zonas de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente (na interação entre) pessoas e seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente. (VIGOTSKY, 1991 p. 101)
Dessa forma ele retrata a importância da interação com o meio, através das
qual se cria novos conhecimentos que são internalizados pelo indivíduo. Segundo
ele aprendizado não é desenvolvimento, mas quando organizado pode resultar no
desenvolvimento mental e de outras funções de forma que o aprendizado é um
aspecto do desenvolvimento. Para Vygotsky (1991), o aprendizado está diretamente
ligado ao desenvolvimento, mas eles não ocorrem paralelamente, para ele o
processo de desenvolvimento ocorre de maneira mais lenta que o de aprendizagem.
De acordo com ele, o aprendizado das crianças começa muito antes delas
entrarem na escola de forma que ao entrar na escola elas já possuem
conhecimentos, fazendo com que o aprendizado escolar se diferencie do pré-
escolar, pois ele está ligado à assimilação dos conhecimentos científicos que
possibilitaram que a criança desenvolva novas ZDP. Com isso, Vygotsky (1991, p.
99) vai dizer que “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica
38
e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles
que as cercam.”
Diante disso é possível dizer que a aprendizagem só ocorre em contato com o
outro, o que possibilita que as várias ZDP, relacionadas ao desenvolvimento
potencial dos diferentes saberes, estejam sempre sendo construída no indivíduo a
partir de sua interação com o meio. Piaget (1978, 1975) também faz referência à
atuação do meio, como forma de desenvolver a aprendizagem. De acordo com ele é
a interação com o meio que faz com que as crianças construam e desenvolvam suas
estruturas mentais possibilitando a aprendizagem.
A teoria psicogenética deu inicio a modelo construtivista de aprendizagem que
tenta fazer uma ponte entre as teorias de Piaget sobre o desenvolvimento infantil e a
educação. De acordo com Zabala (1998) na concepção construtivista, a
aprendizagem se produz quando conseguimos fazer o máximo de relações entre os
conhecimentos que já possuímos e os novos conhecimentos, para que ele seja
agregado ao antigo: modificando-o e tornando-o mais complexo, pois ela pressupõe
que nossa estrutura cognitiva é uma rede de conhecimentos, como uma teia de
arranha, que vai sendo construída e reconstruída a cada nova informação.
Dentro dessa perspectiva, uma aprendizagem significativa é aquela que o
aluno consegue desencadear esse processo fazendo uso daquele novo
conhecimento, modificando-o e adaptando-o a sua realidade e a necessidade. Para
Zabala (1998) o construtivismo ao abordar todas essas questões coloca professor e
aluno como protagonistas nesse processo, pois se por um lado o aluno é quem
constrói o conhecimento e faz uso dele, por outro o professor o responsável por criar
condições favoráveis para desencadear todo esse processo: seleção e
apresentação adequada de conteúdos, observação dos alunos, respeito as maneira
como cada aluno aprende, entre outros.
Dessa forma, o professor não pode analisar a aprendizagem do lugar de
quem conhece, ele deve considerar a partir do olhar de quem ignora. A concepção
que o professor possui de aprendizagem influenciará, de forma consciente ou não,
na sua ação pedagógica. De acordo com Weiz e Sanchez (2002, p. 24)
39
Na concepção de aprendizagem que se tem chamado de construtivista – na qual o conhecimento é visto como produto da ação e reflexão do aprendiz – esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe alguma coisa e que, diante de novas informações que para ele vazem algum sentido, realiza um esforço para assimilá-las. Ao deparar-se com questões que a ele se colocam como problemas, depara-se também com a necessidade de superação. E o conhecimento novo aparece como resultado de ampliação, diversificação e aprofundamento de conhecimento anterior que ele já detém.
De acordo com Rossini (2003), atualmente se compreende que a
aprendizagem tem como finalidade construir os processos formativos e o
desenvolvimento mental para que as pessoas possam pensar, raciocinar, levantar
hipóteses e finalmente aprender a aprender, para ser fazer e conviver. A
preocupação agora é torná-la eficaz, para isso é necessário que aprender seja um
ato de prazer, de forma que é importante considerar os interesses das crianças, pois
até os onze anos elas são egocêntricas e seus interesses são voltados para suas
próprias necessidades e para o meio em que vivem.
Para construir o conhecimento as crianças precisam interagir com o meio
buscando compreender o mundo que o cerca. Com isso, ela começa a organizar e
reorganizar seus próprios conhecimentos. Rossini (2003, p. 62) diz que cada
indivíduo aprende a partir de incentivos diferentes, eles seguem suas motivações
pessoais, por isso afirma que
Toda aprendizagem só é autêntica quando se incorpora à nossa vida. Portanto, aprender é modificar comportamento. A aprendizagem acontece como resultado das tentativas que o ser humano faz para satisfazer seus motivos internos.
Segundo ela, a aprendizagem acontece de forma continua, se dando ao logo
da vida, é um processo gradativo que se constrói de cada nova experiência vivida e
dinâmico, pois cada experiência se reorganiza juntando-se com as já existentes. A
criança pode aprender por condicionamento quando recebi estímulos as remetem a
conhecimentos prévios, construídos a partir de treinamento. Aprende-se por
configuração, quando se transpõe uma situação problemática, a ser solucionada,
40
pelos métodos já conhecidos. E existem também as situações de aprendizagem que
se dão através da percepção do erro e das tentativas de acerto. Esses tipos de
aprendizagem convergem, uma ação não exclui a outra.
De acordo com Rossine (2003), o indivíduo passa por algumas etapas para
construir uma aprendizagem. Para começar é importante que o indivíduo procure
satisfazer uma necessidade (motivação), essa necessidade cria um objetivo que
deve ser atingido (objetivo), para isso é necessário que ele esteja preparado física e
psicologicamente (prontidão), nesse percurso sempre haverá algum tipo de
dificuldade que deve ser transposta (dificuldade), a superação desse obstáculo lhe
trará uma resposta (resposta), se essa resposta for satisfatória ele alcançará seu
objetivo se não continuará tentando (reforço) e ao conseguir vai integrar as
respostas corretas às suas experiências e recorrerá a elas sempre que se deparar
com uma situação semelhante (generalização).
Segundo Zelan (1993) o processo de aprendizagem exige que ocorra o
processo de pensar, pois para aprender é necessário reflexão ou não haverá
aprendizagem nem apropriação do conhecimento. Uma aprendizagem autêntica
ocorre pela ação efetiva ou simbólica dos esquemas criados pela repetição,
reconstrução, recombinação, expressão, imitação, investigação e observação.
Apos refletir com base no que os diversos autores falam sobre aprendizagem
é possível perceber que as perspectivas trazidas pela escola nova e pelo
construtivismo possuem uma característica comum: levam em consideração o
sujeito aprendiz, enquanto a tradicional desconsidera-o. Dessa forma é podemos
dizer que o avanço que foi construído nos últimos séculos com relação à
aprendizagem deve-se, em parte, aos estudos da psicologia da criança, pois foi a
partir dele que surgiram as novas visões da infância e percebeu-se que elas
possuem características distintas. Este foi o marco inicial para que se começasse a
pensar novas formas de ensino que possibilitassem a construção da aprendizagem.
Contudo o ensino não implica na aprendizagem, pois as situações para a
aquisição devem está centradas em quem aprende e não em quem ensina, deve-se
41
criar uma situação que aguce a curiosidade do individuo para que ele possa por
motivações próprias buscar suas respostas e experimentar o fracasso e o sucesso.
42
4 O LÚDICO, A CRIANÇA E A APRENDIZAGEM
Nesse capitulo abordaremos a questão da ludicidade como mecanismo que
pode ser usado para auxiliar na prática de educadores e possibilitar uma melhor
aprendizagem. Partindo de uma reflexão sobre o que os diversos autores com os
quais trabalhamos fazem a esse respeito.
Antes do romantismo o jogo só estabelecia relações com a educação como
recreação ou como meio de tornar lúdico um exercício didático. Para Brougère
(1998) isso ocorre por que a forma de ver o jogo está ligada a forma de ver a
educação e a criança em cada época, por isso que só a partir do romantismo que
essa relação pôde ser pensada, pois é nele que há uma mudança da visão da
criança que agora passa a considerá-la por suas características como liberdade,
fragilidade, espontaneidade e inocência. Com isso o jogo também passa a ser
valorizado, e Brougère (1998, p.64) afirma que
Não nos encontramos mais na perspectiva do jogo condicionado a outra atividade; ele é pensado em si mesmo. Trata-se de desenvolvimento dos sentidos e de desenvolvimento motor, o que chamaríamos, com nosso vocabulário contemporâneo oriundo das concepções piagetianas, de desenvolvimento sensório-motor.
Essa relação que o autor traz do jogo com a educação nascida a partir do
romantismo também engloba outros aspectos relativos à socialização e ao
desenvolvimento da criatividade, deixando de lado a futilidade e inutilidade com que
o jogo era tratado antes. O autor deixa claro que é a partir do romantismo que o jogo
começa a ser visto como atividade séria e repleta de significação afinal, ele é capaz
de exteriorizar os sentimentos e percepções das crianças.
A partir do romantismo, a importância das brincadeiras e dos jogos passou a
ser considerada e muitos teóricos frisaram a sua importância na educação, definindo
o lúdico como o método mais eficiente e que proporciona a criança aprender de
forma prazerosa por isso Almeida (1998, p. 26) chega a dizer que “a atividade
43
educativa lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais e sociais
superiores, por isso indispensável à prática educativa”
A brincadeira é uma necessidade da criança, que já foi constatada em
diversas áreas do conhecimento que mesmo tendo enfoques diferentes concordam
“brincar é viver, e as crianças brincam porque está é uma necessidade básica, assim
como a nutrição, a saúde, a habitação e a educação” (SANTOS, 1999, p.115).
Nessa perspectiva Brougère (1998, p. 202) afirma que o jogo passou a ser visto e
analisado como mecanismo natural de expressão da criança afinal
O jogo, expressão por excelência da espontaneidade infantil, surge como o testemunho de uma necessidade da natureza. Se a criança joga é porque isso é necessário a seu desenvolvimento, assim como a necessidade tão natural de se alimentar.
Surge o interesse científico pelo jogo, que antes era visto como futilidade
passa a ser analisado como atividade séria que precede o trabalho. Ele torna-se um
mecanismo de educação natural, uma primeira forma de interagir com o mundo.
O vínculo criado entre o jogo e a educação está repleto de relações
paradoxais, segundo Brougère (1998) o jogo aparece como meio para que ocorra a
aprendizagem pelo fato de possibilitar experiências diferentes das que ocorrem em
outras situações. O paradoxo consistiria em deixar a crianças brincar livremente,
aceitando as estratégias criadas por elas sem ter certeza de que os resultados
seriam os esperados ou interferir no jogo fazendo com que a criança perca o
domínio da situação.
Essa manipulação total do jogo pelo adulto segundo Brougère (1998, p. 208),
faz com que as características de jogo desapareçam, dessa forma a intervenção
deve ser indireta, o que reduz a incerteza quanto aos resultados, mas não os
garante, para ele o interesse que o jogo desperta na criança é, ao mesmo tempo,
seu atrativo e seu limite. Nesse sentido ele afirma que “não temos nenhuma certeza
quanto ao valor final do jogo, mas certas aprendizagens essencias parecem sair
ganhando com o jogo.”
44
O lúdico é necessário para a formação da criança, mas de acordo com
Marcellino (2002) ele esta sendo coibido e imposto para a criança a cultura do
adulto, sem deixar que ela brinque de forma livre, impossibilitando a criação de um
diálogo entre ela e os adultos, pois a prática lúdica propicia a criança busca, esforço,
seriedade e crítica. Dessa forma ele concretiza-se não só como uma atividade que
traz prazer e alegria mas, além disso, deve trazer trabalho e responsabilidade, pois a
criança ao tentar executar uma atividade se esforça, cria estratégias, busca
soluções, tenta se superar e fazer o melhor possível.
É necessário destacar que essa perspectiva de brincar para construir a
aprendizagem que a atividade lúdica propõe não deve ser imposta arbitrariamente,
como meio de compensação e fonte apenas de prazer, pois pode gerar adultos
viciados em jogos de lucro que levam a destruição progressiva. Brougère (1998, p.
201) diz que o educador deve “[...] saber limitar o papel do jogo e não formar
jogadores”. Nessa perspectiva Freinet citado por Almeida (1998, p. 27, 28) chama a
atenção para o fato de que
A criança deve dedicar-se ao trabalho como se fosse um jogo (satisfação e prazer), mas nunca ao jogo em si, tomando o lugar do trabalho, simplesmente pelo fato de jogar.(...) o trabalho nem sempre é jogo, e se é nefasto trabalhar sempre, não é bom jogar sempre.
Conclui-se dessa forma que o brincar deve ser explorado como exercício para
o trabalho sério, para que quando houver necessidade de fazê-lo não crie uma
frustração no ato de trabalhar, o que leva o indivíduo a pensar que só pode
encontrar prazer no lúdico e não no sério. Esses aspectos demonstram a
importância da atividade lúdica e a necessidade de explorar seus benefícios na
educação, no entanto é conveniente que se analise com cautela sua forma de
inserção para que se consiga obter o fim esperado. É preciso que a criança aprenda
a cumprir seu dever e tentar buscar na obrigação prazer e satisfação.
Para Marcellino (2002), os professores, não exploram a criatividade infantil e
a energia que as crianças possuem para fazer o que lhes dá prazer, como brincar.
De forma que a ausência de estímulos e de prazer na atividade pedagógica
transforma a aprendizagem em obrigação desestimulando a criança e fazendo com
45
que, a escola se torne para ela um ambiente onde ela só encontrará prazer nos
momentos de recreação.
A educação baseada nesses moldes não consegue, efetivamente, satisfazer
a todas as necessidades das crianças e acaba dificultando a aprendizagem, pois se
restringe a obrigação de saber o que os conteúdos propõem. Por isso o grande
desafio do educador hoje é conseguir construir uma prática voltada para atender as
necessidades do aluno e assim possibilitar a aprendizagem e não apenas uma mera
reprodução de informações.
As várias formas existentes de transmitir conhecimentos, sejam elas
institucionalizadas ou não, são processos de educativos que visam construir dentro
de cada individuo características adequadas para sua convivência harmônica dentro
de um contexto social. Nessa perspectiva Almeida (1998, p. 59) afirma que o
objetivo da escola é transmitir os conhecimentos historicamente construídos. No
entanto, “percebe-se claramente que há uma restrição do lúdico, isto é, uma falta de
conhecimento e compreensão de seu verdadeiro sentido.”
Segundo ele, isso acontece por conta dos educadores não conseguirem
compreender que as atividades escolares dever ser mais que um jogo e menos que
um trabalho, deve haver um equilíbrio entre o esforço e a diversão. Dessa forma, o
divertimento deve ser um desafio exigindo sempre a busca, o esforço, a descoberta,
a produção e a elaboração.
Com isso, o paradoxo que Brougère (1998) apresenta perderia o sentido já
que a intenção dos jogos é fazer com que a criança faça descobertas e crie suas
próprias hipóteses para conseguir resolver um problema. Dessa forma, o resultado
sempre poderá ser alcançado, mas ele está condicionado a um processo onde o
professor seria mediador, e não manipularia o jogo, caberia a ele selecionar as
atividades a serem apresentadas e avaliar até que ponto ela foi capaz de possibilitar
a aquisição da habilidade ou competência que se deseja que a criança construa.
Caso isso não seja possível em apenas um momento, o professor recorreria a outras
atividades com novos desafios que possam gradativamente auxiliar no processo de
46
aprendizagem. A relação entre a educação e o jogo não seria paradoxal e sim
complementar.
Nesse sentido, Chateau (1987) chama atenção para o fato do jogo/brincadeira
ser algo atrativo para a criança, em conseqüência disso, muitas vezes eles são
empregados erradamente, pois os educadores buscam atividades que sejam
atrativas e não verdadeiramente lúdicas. Assim como Almeida (1998) ele afirma que
a atividade proposta deve conter sempre um desafio, e a criança deve esforçar-se
para superá-lo, de outra forma a aprendizagem não vai se constituir já que as
informações serão esquecidas rapidamente, restando apenas lembranças que nem
sempre constituem os aspectos mais importantes do tema tratado.
Nessa perspectiva Marcellino (2002) afirma que as tentativas de vincular o
lúdico e a educação têm ocorrido de forma equivocada, pois as escolas costumam
colocar atividades de lazer como complementares, ou como forma de fazer com que
as crianças descarreguem suas energias para voltar à aula. Isso acontece porque as
propostas lúdicas que as escolas desenvolvem estão sempre carregadas de uma
finalidade educativa muito forte, e dessa forma a espontaneidade e a alegria, dão
lugar a seriedade e a obrigação. Marcellino (2002, p. 108) acredita que
Recuperar o lúdico na perspectiva que proponho, significa, entre outros procedimentos, uma prática pedagógica que relacione a necessidade de trabalhar para a mudança do futuro, através da ação no presente, e a necessidade de vivenciar todo o processo de mudança, sem abrir mão do prazer.
Marcellino (2002) demonstra que o lúdico é negado ou silenciado na escola
por conta dela está preocupada em formar o futuro adulto, e dessa forma esquece
que a criança necessita do brincar como mecanismo para seu desenvolvimento. De
acordo com ele, a educação não pode ser vista apenas como produto, deve-se
valorizar o processo de aprendizagem, o que não se resume a recursos
pedagógicos ou técnicas que possam motivar a aprendizagem. É importante que se
reconheça que o lúdico é a forma de expressão da criança e por isso deve ser
valorizado.
47
Diante disso, Marcellino (2002, p. 66, 67) defende “a necessidade de se
respeitar o direito à alegria, ao prazer, propiciados pelo componente lúdico da
cultura, base de sustentação para a efetiva participação cultural crítica, criativa e
transformadora.” De acordo com ele, é durante essa inteiração com o lúdico que a
criança deixa de buscar apenas o prazer e começa a perceber seu papel social, por
isso é importante que o adulto esteja presente no processo educativo, mas suas
intervenções devem respeitar as necessidades das crianças. Segundo Almeida
(1998, p. 31, 32)
A educação lúdica integra uma teoria profunda e uma prática atuante. Seus objetivos, além de explicar as relações múltiplas do ser humano em seu contexto histórico, social, cultural, psicológico enfatizam a libertação das relações passivas, técnicas para as relações reflexivas, criadoras, inteligentes, socializadoras, fazendo o ato de educar um compromisso consciente intencional, de esforço, sem perder o caráter de prazer, de satisfação individual e modificador da realidade.
Ao falar da relação entre o brinquedo e o desenvolvimento Vygotsky (1991, p.
117) afirma que brincando a criança é capaz de agir e pensar de maneira mais
complexa do que em outras atividades habituais, “no brinquedo, ela sempre se
comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu
comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na
realidade.”
Dessa forma, é possível perceber que a situação da brincadeira faz com que
a criança seja instigada e desafiada, impulsionando e possibilitando a consolidação
de aprendizagens. Nesse sentido, Kishimoto (2001) fala que o brinquedo possui uma
função lúdica: propicia prazer, diversão, desprazer, motivação e uma função
educativa que propícia a representação mental, a inteiração, a manipulação de
objetos, a criatividade e a afetividade.
De acordo com Vygotsky (1991, p. 109, 110) “é no brinquedo que a criança
aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa,
dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos
pelos objetos externos.” Com isso, é possível perceber que ao interagir com as
48
situações lúdicas as crianças vão aprendendo a não agir apenas pela percepção
imediata, pois no jogo ela atribui significados que vão além dessa percepção
imediata, desenvolvendo o raciocínio.
Nessa perspectiva Chateau (1987, p. 125) afirma que ao manusear diferentes
materiais e constrói algo com eles, a criança aprende a aceitar e a concluir tarefas. E
vai além dizendo que “aceitando participar do grupo de jogo, a criança aceita um
certo código lúdico, como por contato social implícito.” Para participar de um jogo a
criança precisa cumprir certas regras e isso caracteriza-se como um dever que deve
ser cumprido, fazendo com que ela se esforce para alcançar aquele objetivo, ela
aprende que sempre deve fazer o melhor possível.
Por conta disso, Chateau (1987) justifica a utilização de jogos educativos na
escola dizendo que estes são importantes para que a criança aprenda o que é uma
tarefa, quando ela aprende a ordenar, classificar e empilhar durante as brincadeiras
aprende também a fixar a atenção e a se esforçar. Nesse sentido Almeida (1998, p.
57) afirma que
A educação lúdica, além de contribuir e influenciar na formação da criança e do adolescente, possibilitando um crescimento sadio, um enriquecimento permanente, liga-se ao mais alto espírito de uma prática democrática enquanto investe em uma produção séria de conhecimento. Sua prática exige participação franca, criativa, livre, crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o forte compromisso de transformação e modificação do meio.
Almeida (1998) defende a idéia de que só ha significação do jogo, enquanto
prática pedagógica se houver um equilíbrio entre o esforço, a busca, o prazer, a
satisfação e a disciplina. A criança deve se habituar ao esforço que requer a
produção de conhecimento e ao mesmo tempo divertir-se, pois ela estará
conhecendo e participando de relações sociais. Diante dessa perspectiva de utilizar
os jogos como recurso educativo Brougère (1998, p. 197) vai dizer que
O jogo não é mais um trabalho disfarçado e o trabalho, um jogo disfarçado, mas são duas atividades ainda mais complementares porque implicam atitudes diferentes da parte da criança, porque supõem a construção de situações diferentes da parte do educador.
49
Segundo ele, quando o jogo se torna um recurso educativo existe uma
transformação na própria noção de jogo, pois ele perde as características de decisão
já que a criança não escolhe livremente o jogo; incerteza já que os resultados a
serem obtidos são definidos a priori e frivolidade porque ele não vai ser utilizado
apenas como fonte de diversão onde o aprendizado ocorria de forma não
intencional, no jogo educativo a aprendizagem é intencional. No entanto, Brougère
(1998) vai dizer que mesmo perdendo essas características o jogo é potencialmente
interessante para a criança e com isso pode ser transformado em aprendizagem.
Nos estudos de Brougère (1998) podemos perceber a importância da escolha
do material e da organização do ambiente como fatores de estimulação lúdica. Para
ele, a utilização de jogos e brinquedos é um meio para construir aprendizagem tanto
na escola quanto na família, diante disso Brougère (1998, p. 207) afirma que os
jogos educativos são aliados nessa tarefa, pois
O jogo educativo permitiria à criança manipular as imagens do saber, manipulação mais livre e lúdica no espaço familiar, manipulação orientada para o controle do resultado no espaço escolar. O material educativo com finalidade lúdica pode ser considerado, assim com o brinquedo, como meio, como um transmissor de informações e de valores.
De acordo com ele, os jogos podem facilitar a aprendizagem de conteúdos
escolares e/ou familiares e das formas culturais predominantes. Com isso, o
brinquedo passa da frivolidade à seriedade da aprendizagem. O jogo educativo seria
responsável por conciliar a liberdade e o relaxamento e desempenhar um papel
educativo.
O lúdico amplia o processo de construção do conhecimento porque é capaz
de dar liberdade através da imaginação e ao mesmo tempo controle, pois existem
regras (implícitas ou explicitas) que guiam as ações. Vygotsky (1991, p. 118) chega
a afirmar que “a criação de uma situação imaginária pode ser considerada como um
meio para desenvolver o pensamento abstrato.” Nessa perspectiva, Piaget (1975,
158, 159) afirma que
50
[...] a criança que joga desenvolve suas percepções, sua inteligência, suas tendências à experimentação, seus instintos sociais, etc. É pelo fato do jogo ser um meio tão poderoso para a aprendizagem das crianças, que em todo lugar que se consegue transformar em jogo a iniciação à leitura, ao cálculo, ou à ortografia, observa-se que as crianças se apaixonam por essas ocupações comumente tidas como maçantes.
Piaget (1975) fala da importância do jogo nos processos educativos e
pondera dizendo que para isso é importante que se apresente a criança material
conveniente, ou seja, atividades com formato de jogo para que possibilite a
assimilação dos conteúdos intelectuais de forma coerente com o estágio de
desenvolvimento da criança. Pouco a pouco essas atividades vão se configurando
em trabalho, exigindo sempre mais da criança. Diante disso, ele afirma que a
grande contribuição das descobertas da psicologia da criança, para a pedagogia,
reside no fato dela esclarecer que a aprendizagem é produto de sucessivas
construções, de maneira que a escola pode segundo seus métodos ignorar ou
favorecer.
Para Kishimoto (2008) a criança ao aprender a brincar, começa a aprender
também as regras de conduta da sociedade e aplica essas regras a outras situações
e introduz novos elementos. Isso implica em uma atitude criativa e um aprendizado
de recriar situações, havendo assim um desenvolvimento cognitivo, pois o lúdico
propicia a ampliação dos significados. Com isso ela chega a afirmar que
O ato lúdico representa um primeiro nível de construção do conhecimento, o nível do pensamento intuitivo, ainda nebuloso, mas que já aponta uma direção. O prazer e a motivação iniciam o processo de construção do conhecimento, que deve prosseguir com sua sistematização, sem a qual não se pode adquirir conceitos significativos. (KISHIMOTO, 2008, p. 144)
O pensamento intuitivo, a que ela se refere, é uma primeira apropriação de
um tema, onde a criança começa a construir uma idéia que vai sendo aprimorada
com o tempo. Para isso a brincadeira é importante, pois nela a criança tem a
oportunidade de explorar e de solucionar problemas e nessas situações ela
desenvolve a intencionalidade e a inteligência.
51
Kishimoto (2008) da mesma forma que Marcellino (2002) fala da importância
do papel do educador no processo de aprendizagem, afirmando que sua
participação é imprescindível já que sua orientação e mediação ajudam a criança a
delinear o pensamento intuitivo transformando-o em conhecimento. Kishimoto (2008,
p. 140) fala também que o jogo livre faz com que a criança não se sinta pressionada
afirmando que
O jogo ao ocorrer em situações sem pressão, em atmosfera de familiaridade, segurança emocional e ausência de tensão ou perigo proporciona condições para aprendizagem das normas sociais em situações de menor risco. A conduta lúdica oferece oportunidades para experimentar comportamentos que, em situações normais, jamais seriam tentadas pelo medo do erro e punição.
Com isso, o jogo livre oferece oportunidade à criança de pensar e agir por ela
mesma, reafirmando o que Vygotsky (1991) havia colocado sobre a mudança de
comportamento da criança em situação de brincadeira. A partir disso, ela fala da
importância de combinar momentos de brincadeira orientada e livre como forma de
desenvolver habilidades de descobrir, relacionar e buscar soluções.
O jogo livre e/ou orientado desempenha um papel educativo que pode
aparecer de forma intencional quando possui um fim definido ou não intencional
quando a aprendizagem ocorre naturalmente. O diferencial vai aparecer mediante o
conhecimento que o educador possui sobre o papel do jogo no desenvolvimento da
aprendizagem e como ele pode ser inserido na prática para que desempenhe essa
função. Por isso, que Luckesi (2010c) afirma que
podemos e devemos nos servir das atividades lúdicas na perspectiva de obtermos resultados significativos para o desenvolvimento e formação dos nossos educandos. Conhecendo a teoria e as suas possibilidades práticas, temos em nossas mãos instrumentos fundamentais para dirigir a nossa prática, propiciando oportunidades aos nossos educandos de internamente se construirem. Com essa teoria em nossas mãos, podemos saber o que fazer com as atividades lúdicas em cada fase de desenvolvimento de uma criança, um adolescente ou um adulto.
Dessa forma, a teoria possibilita a instrumentalização da prática, ela
apresenta um direcionamento, cabe ao educador utilizar-se dela para construir
52
atividades adequadas para cada fase do desenvolvimento possibilitando a
aprendizagem.
Todos os autores consultados a respeito dos temas: ludicidade,
aprendizagem e educação fazem referência direta ou indireta ao lúdico como meio
de desenvolver a aprendizagem. Essas características dos jogos e das brincadeiras
fizeram com que eles fossem acolhidos pela educação como recurso pedagógico,
pois sua utilização gera condições para a aprendizagem se unida ao esforço, à
busca, a disciplina, esse equilíbrio pode tornar a educação um jogo bem sucedido.
53
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer das pesquisas e das leituras realizadas para desenvolver esse
trabalho foi possível perceber que o lúdico sempre esteve presente em todos os
períodos da história. Os estudos de Huizinga (2005) foram de fundamental
importância para esclarecer isso, pois demonstram como alguns elementos culturais
foram constituídos a partir de jogos.
Com o desenvolvimento da sociedade e a complexificação das relações
sociais o jogo passou a desempenhar novos papeis, que não se restringiam apenas
a transmissão e a apropriação da cultura. Durante o romantismo surge uma nova
visão de criança, que a considera por possuir características distintas dos adultos.
Esse é o marco inicial para que o jogo fosse percebido como atividade séria. Na
educação, o reflexo da visão romântica apareceu especialmente no fato dos jogos
serem considerados como o meio de expressão da criança.
Posteriormente, com os estudos desenvolvidos pela psicologia da criança, as
brincadeiras e jogos infantis passaram a ser observadas e atribui-se a elas
significação enquanto meio natural de desenvolvimento das crianças e como forma
delas interagirem como o mundo. Enquanto a criança vivência/vive o lúdico ela está
aprendendo intuitivamente e ao mesmo tempo, obtendo prazer no que faz.
Nos estudos de Piaget (1975, 1978) essa perspectiva fica evidente quando
ele subdivide os jogos em três categorias: jogos de exercício, jogos simbólicos e
jogos de regra. E afirma que, em cada uma delas a criança constrói uma
aprendizagem diferente, enquanto satisfaz uma necessidade. A passagem de um
tipo de jogo para outro, teria como principal característica o desenvolvimento físico e
mental das crianças, pois o jogo que ela apresenta é capaz de demonstrar em que
estágio de desenvolvimento ela se encontra.
Da mesma forma que Piaget (1975, 1978) descreve a importância dos jogos
para o desenvolvimento infantil, Vygotsky (1991), Marcellino (2002), Chateau (1987),
Kishimoto (2002, 2008), Santos (1999), Almeida (1998) e Luckesi (2010) afirmam
54
que ele propicia o desenvolvimento da inteligência, do pensamento abstrato, da
socialização, da compreensão da regras de convivência da sociedade. Essas
descobertas foram de fundamental importância para a pedagogia que começou a ver
os jogos infantis não mais como uma atividade fútil. Agora ela possuía uma
significação.
Os estudos de Piaget (1975, 1978) e de Vygotsky (1991) falam que a
aprendizagem ocorre mediante a interação com o meio. De maneira que, se essa
interação tem inicio com o lúdico, isso já bastaria para atribuir a ele uma importância
nesse processo e para afirmar que ele possui uma finalidade dentro dele. Os
estudos de Huizinga (2005) servem para ilustrar este fato, pois ele trata o lúdico
como o primeiro mecanismo usado para a aprendizagem de costumes, normas,
valores e crenças em diversos períodos. Nessa mesma perspectiva, Marcellino
(2002) vai tratar do lúdico como componente cultural e não como uma atividade
restrita a jogos e brincadeiras, mesmo não desconsiderando o fato de eles serem
formas de manifestação do lúdico.
O lúdico apresenta uma grande contribuição no processo de desenvolvimento
e aprendizagem, pois propicia a satisfação do egocentrismo, a construção de
significados, o desenvolvimento do raciocínio, da inteligência, do pensamento, da
imaginação, da autonomia. Chateau (1987) chega a dizer que o lúdico é capaz de
criar os meios pelos quais a criança se desenvolve física e mentalmente. De
maneira que, o divertimento e o prazer vão ocorrer em consequência da atividade
desenvolvida e não dela possuir um caráter lúdico explícito.
Em conseqüência disso Chateau (1987), Kishimoto (2001), Luckesi (2010),
Vygotsky (1991) e Huizinga (2005) vão falar da seriedade das brincadeiras e dos
jogos infantis, pois neles existem: uma entrega, uma dedicação, um objetivo a ser
alcançado, uma busca e um esforço.
Percebendo essas qualidades do lúdico e utilizando-o como meio de conciliar
a necessidade infantil de brincar e a seriedade que essa atividade tem para a
criança, a educação vem se apropriando dele como meio de melhorar a
aprendizagem, a ponto de criar a noção de jogos educativos. Que pode ser a
55
utilização de uma brincadeira ou jogo que possui um fator educativo, percebido pelo
professor ou a utilização dos que são especialmente desenvolvidos para facilitar a
aprendizagem de alguns conteúdos.
Nessa tabela é possível perceber onde os autores convergem em relação ao
lúdico e seu papel no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças.
AUTORES CONVERGENCIAS Vygotsky (1991) e Piaget (1975, 1978)
Propõem que existe uma relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento e que a aprendizagem só pode acontecer em inteiração com o meio.
Chateau (1987) e Marcellino (2002)
Para eles os educadores não conseguem compreender que as atividades escolares dever ser mais que um jogo e menos que um trabalho, deve haver um equilíbrio entre o esforço e a diversão.
Breougère (1998) e Piaget (1975)
Falam da importância da escolha do material a ser apresentado à criança.
Chateau (1987), Kishimoto (2001), Luckesi (2010), Vygotsky (1991) e Huizinga (2005)
Falam da seriedade das brincadeiras e dos jogos infantis, pois neles existem: uma entrega, uma dedicação, um objetivo a ser alcançado, uma busca e um esforço.
Piaget (1975, 1978), Vygotsky (1991), Marcellino (2002), Chateau (1987), Kishimoto (2002, 2008), Santos (1999), Almeida (1998) e Luckesi (2010)
Afirmam que o jogo propicia o desenvolvimento da inteligência, do pensamento abstrato, da socialização, da compreensão da regras de convivência da sociedade.
Chateau (1987) Almeida (1998)
Afirmam que a atividade proposta deve conter sempre um desafio, e a criança deve esforçar-se para superá-lo, de outra forma a aprendizagem não vai se constituir já que as informações serão esquecidas rapidamente
Kishimoto (2008) Marcellino (2002)
Falam da importância do papel do educador no processo de aprendizagem, afirmando que sua participação é imprescindível já que sua orientação e mediação ajudam a criança a delinear o pensamento intuitivo transformando-o em conhecimento.
56
Porém, alguns professores e/ou instituições de ensino ainda possuem
restrições quando a utilização de práticas lúdicas, e questionam se elas realmente
são capazes de auxiliar no processo de aprendizagem. Diante de todos esses
esclarecimentos que os diversos autores estudados trazem a respeito do lúdico é
possível afirmar que ele contribui para a aprendizagem das crianças, não de forma
superficial como comumente é encarado, enquanto meio divertido ou prazeroso de
estimular a aprendizagem.
A contribuição do lúdico vai além, pois é capaz de criar a possibilidade da
criança interagir com os conteúdos de forma desafiadora, e não obrigatória. É um
estímulo natural, afinal parte da necessidade da criança. Ao mesmo tempo em que
ela obtêm prazer, ao satisfazer essa necessidade, consegue aprender, descobrir,
investigar, criar estratégias, buscar soluções. Por isso, é imprescindível que se
conheça essa teoria que embasa a educação lúdica para conseguir usá-la de forma
adequada.
A teoria oferece o conhecimento construído a esse respeito, para que cada
professor tenha a possibilidade de instrumentalizar sua prática para alcançar seus
objetivos. No entanto, conhecer a teoria não é suficiente. É necessário que haja uma
mudança de atitude para que o educador possa reconhecer o valor da teoria, que é
possível aplicá-la na prática, e que isso lhe trará resultados positivos quanto à
aprendizagem dos alunos.
Os principais erros descritos pelos autores, especialmente por Marcellino
(2002) e Chateau (1987) quanto a utilização do lúdico na escola para facilitar a
aprendizagem, refere-se a falta de conhecimento do que ele realmente representa.
Demonstrando novamente, a importância do professor conhecer essa teoria.
O jogo não pode ser apresentado apenas como uma técnica que torna a
aprendizagem divertida deve-se reconhecer que as estratégias que a criança usa ao
jogar são capazes de demonstrar seu grau de desenvolvimento cognitivo. Quando o
professor é capaz de identificar essa característica no jogo de seus alunos ele
encontra um grande auxiliar na hora de planejar as atividades, pois poderá fazer uso
57
dessa informação para criar situações que possibilitem o avanço das crianças e
melhorem a aprendizagem.
58
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica, técnicas e jogos pedagógicos. 9 ed. rev. e ampl. São Paulo: Loyola, 1998. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3 ed. São Paulo: Moderna, 2006. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo. Editora Brasiliense, 1986. BROUGÈRE, Gilles. Jogo e educação [tradução Patrícia Chittoni Ramos] Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. CHATEAU, Jean. O jogo e a criança [tradução Guido de Almeida] 2 ed. São Paulo: Summus, 1987. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2003. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: O jogo como elemento de cultura. [tradução João Paulo Monteiro]. 5 ed. São Paulo: Perspectivas, 2005. KISHIMOTO, Tizuko Mochida. Jogo, brinquedo e brincadeira. In: ________ O jogo e a educação infantil (org.). 5 ed. São Paulo: Cortez 2001. KISHIMOTO, Tizuko Mochida [org.]. O brincar e suas teorias. São Paulo: Cengage Learning, 2008. LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos para quê? São Paulo: Cortez, 2002. LUCKESI, Carlos Cipriano. Brincar: o que é brincar? Disponível em <http://www.luckesi.com.br/artigoseducacaoludicidade.htm> acesso em 20 de abr de 2010a.
59
LUCKESI, Carlos Cipriano. Brincar II: brincar e seriedade. Disponível em <http://www.luckesi.com.br/artigoseducacaoludicidade.htm> acesso em 20 de abr de 2010b. LUCKESI, Carlos Cipriano. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a partir de experiências internas. Disponível em <http://www.luckesi.com.br/artigoseducacaoludicidade.htm> acesso em 20 de abr de 2010c. LUCKESI, Carlos Cipriano. Desenvolvimento dos estados de consciência e ludicidade. Disponível em <http://www.luckesi.com.br/artigoseducacaoludicidade.htm> acesso em 20 de abr de 2010d. MARCELLINO, Nilson Carvalho. Pedagogia da animação. 4 ed. Campinas, SP. Papirus, 2002. MARTINS, Gilberto de Andrade. Manual para elaboração de monografias: trabalhos acadêmicos, projetos de pesquisa, relatórios de pesquisa, dissertações, 50 resumos de dissertações. São Paulo: Atlas, 1990. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança, imitação, jogo e sonho, imagem e representação. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. PIAGET, Jean. . Psicologia e pedagogia. 3. ed Rio de Janeiro: Forense, 1975. SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedo e infância: um guia para pais e educadores em creche. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. ROSSINI, Maria Augusta Sanches. Aprender tem que ser gostoso. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. VIGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores [tradução: José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche] 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WEISZ, Telma; SANCHEZ, Ana. Um novo olhar sobre a aprendizagem. In: ________. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2 ed. São Paulo: Ática, 2002.
60
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar [tradução: Ernani F. da F. Rosa] Porto alegre: ArtMed, 1998. ZELAN, Karen. Os riscos do saber: obstáculos do desenvolvimento à aprendizagem escolar [tradução: Sandra Costa] Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.