ANDRESSA BATISTA FARIAS
LINGUAGEM E VARIAÇÃO EM DIFERENTES ESTRATOS SOCIAIS: análise de
usos da concordância verbal em dois bairros de Sinop/MT
SINOP
2015
ANDRESSA BATISTA FARIAS
LINGUAGEM E VARIAÇÃO EM DIFERENTES ESTRATOS SOCIAIS: análise de
usos da concordância verbal em dois bairros de Sinop/MT
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Banca Examinadora do curso de Letras, da
Universidade do Estado de Mato Grosso –
UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Licenciatura Plena em Letras.
Orientador (a): Profa. Dra. Neusa Inês
Philippsen
SINOP
2015
Dedico este trabalho à minha orientadora, Neusa Inês Philippsen. Com ela aprendi a enfrentar
os desafios que muitas vezes pareciam impossíveis para mim.
AGRADECIMENTOS
Mesmo sendo um trabalho acadêmico, sua tessitura exige esforços e o apoio de outras pessoas.
Nesse sentido, meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuíram, de forma direta
ou indiretamente, para a realização dessa pesquisa.
À professora, pesquisadora e orientadora, Dra. Neusa Inês Philippsen, de modo especial, por
ter sido tão dedicada, atenciosa, paciente e, acima de tudo, competente. O seu envolvimento
com os estudos linguísticos, com paixão e seriedade, desperta, em todos que a conhecem,
sentimentos de admiração e respeito. Obrigada por tudo. A você, devo esta conquista
acadêmica.
À Universidade do Estado de Mato Grosso, pela oportunidade do ensino gratuito e qualificado,
que é oferecido, apesar das dificuldades enfrentadas pela instituição, mas que, no entanto, tem
aberto muitas portas aos que por ela passam.
Aos professores da Banca Examinadora, Antônio Tadeu e Graci Leite, pela disponibilidade em
ler e avaliar esta pesquisa.
Aos pesquisadores do Projeto Diversidade e Variação Linguística em Mato Grosso -
DIVALIMT, pelas experiências que muito contribuíram para o enriquecimento de meus
conhecimentos e desta pesquisa.
À todos os Professores do curso de Letras da Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus
de Sinop.
Aos meus informantes, que me receberam e oportunizaram a concretização desta pesquisa.
Agradeço a disponibilidade em concederem-me as entrevistas. Sem vocês, esta pesquisa não
existiria.
À minha grande família, pelo apoio e incentivo constante. Meu agradecimento não tem fim para
vocês, amo muito todos vocês.
Às minhas amigas queridas conquistadas na faculdade, Josilene dos Santos e Janaína Viana,
que partilharam comigo as minhas angústias e sempre me apoiaram e ajudaram nos momentos
mais difíceis da faculdade, е que vão continuar presentes em minha vida com certeza.
Àqueles que lutam contra todos os tipos de desigualdades sociais, que são os causadores da
discriminação, da estigmatização, da violência e dos preconceitos social e linguístico.
E, finalmente, ao maior mentor deste trabalho, Deus, amigo fiel em todos os momentos.
Não sou contra a gramática normativa (nenhum linguista tem esta postura): sou contra, sim, sua
veneração cega, que gera necessariamente seu uso equivocado, humilhando o ser humano por
meio do que ele tem de mais característico: o dom de dominar a própria língua (SCHERRE).
FARIAS, Andressa Batista. Linguagem e Variação em Diferentes Estratos Sociais: análise
de usos da concordância verbal em dois bairros de Sinop/MT. 2015. 91 f. Trabalho de
Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso. Campus
Universitário de Sinop.
RESUMO: O presente estudo, que se fundamenta nos pressupostos teórico-metodológicos da
Sociolinguística Variacionista, investiga o fenômeno da variável concordância verbal a fim de
verificar os fatores linguísticos e extralinguísticos que promovem a presença ou ausência da
marca de plural. Tomamos, como corpus de análise para a pesquisa, a realidade linguística de
moradores de duas comunidades/bairros da cidade de Sinop/MT, o bairro Boa Esperança e o
Centro Urbano. As duas comunidades/bairros estudados, embora estejam localizados no mesmo
município, pertencem a estratos sociais distintos, com diferenças socioeconômicas, sendo o
primeiro caracterizado como periférico, de menor prestígio social, e o segundo como região
Central, portanto, de maior status social. Por meio de um estudo qualitativo e quantitativo,
analisamos a variação da concordância verbal de 1ª e 3ª pessoas do plural nas formas padrão
(presença formal da marca verbal) e não-padrão (ausência formal da marca verbal), na fala de
8 (oito) sujeitos dessas duas comunidades/bairros. Os sujeitos entrevistados são jovens e adultos
entre 16 a 76 anos, de ambos os sexos, de procedência geográfica diversificada, diferenciados,
também, com relação ao grau de escolarização: menor grau (de 4 a 8 anos de escolaridade) e
maior grau (acima de 10 anos de escolaridade). A presente pesquisa teve o intuito ainda de
discorrer sobre o preconceito linguístico, aliado ao preconceito social, atribuídos ao bairro Boa
Esperança por moradores da região Centro Urbana de Sinop/MT. Com o resultado de nossa
pesquisa, pudemos constatar que os usos da concordância verbal não-padrão, predominam os
dados gerais, contudo, a comunidade de maior prestígio social, o Centro Urbano, apresenta mais
os usos da forma padrão do que o bairro de menor prestígio, o Boa Esperança. Concluiu-se,
portanto, que, embora as duas comunidades/bairros sejam geograficamente próximos, há muitas
diferenças socioeconômicas e culturais, as quais, acabam refletindo nas diferenças linguísticas,
causadoras dos preconceitos.
PALAVRAS-CHAVE: Variação; concordância verbal; preconceito; Boa Esperança; Centro.
FARIAS, Andressa Batista. Language and Change in Different Social Strata: uses analysis
of the verbal agreement in two districts of Sinop/MT. 2015. 91 f. Term paper. - UNEMAT
- University of the State of Mato Grosso. Campus of Sinop.
ABSTRACT: This study, which is based on the theoretical and methodological assumptions of
Variationist Sociolinguistics, investigates the phenomenon of variable verb agreement in order
to verify the linguistic and extralinguistic factors that promote the presence or absence of plural
mark. The analytical corpus for research is the linguistic reality of living in two
communities/neighborhoods in Sinop/MT, the Boa Esperança neighborhood and the urban
center. The two communities/neighborhoods studied, although they are located in the same
municipality, belong to different social stratum, with socioeconomic differences, in which the
first is characterized as a peripheral, lower social status, and the second as a Central region,
therefore, higher social status. Through a qualitative and quantitative study, we analyzed the
variation of the verbal agreement of 1st and 3rd person plural in standard forms (formal
presence of the word mark) and non-standard (formal absence of the word mark) in the speech
of 8 (eight) subjects of these two communities / neighborhoods. The interviewees are young
and adults between 16-76 years, of both genders, from diverse geographic origin, different, too,
with the degree of education: lower level (4-8 years of schooling) and higher level (above 10
years of schooling). This research was also intended to discuss the linguistic discrimination,
coupled with social prejudice, attributed to Boa Esperança neighborhood by residents of the
Urban Center of Sinop/MT. Analyzing the results, we found that the uses of the verb agreement
nonstandard dominate the overall data, however, the community of greater social prestige, the
Urban Center, features more standard form of uses than the smallest neighborhood prestige,
Boa Esperança. It was concluded therefore that although the two communities / neighborhoods
are geographically close, there are many socioeconomic and cultural differences, which in turn
reflecting the linguistic differences, causing prejudices.
KEYWORDS: Variation; verbal agreement; discrimination Boa Esperança community; Urban
Center.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fotografia 01: Parque Industrial Madeireiro em Sinop (1980) 38
LISTA DE TABELAS
TABELA 01: IBGE - Censo Demográfico ano 2010
TABELA 02: IBGE - Censo Demográfico ano 2010
45
46
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Informações dos sujeitos entrevistados
Quadro 02: Questionário aplicado à todos os sujeitos entrevistados
Quadro 03: Questionário aplicado aos falantes que moram na cidade
desde o início da colonização
Quadro 04: Questionário aplicado ao representante de bairro
Quadro 05: Modelo das transcrições das entrevistas
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59
60
61
62
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1 SOCIOLINGUÍSTICA: BREVE PERCURSO HISTÓRICO,
OBJETO DE ESTUDO E SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
16
1.2 A Sociolinguística Variacionista
1.3 Língua, Linguagem, Cultura e Sociedade: uma relação
indissociável
1.4 Variação Linguística: a heterogeneidade da língua
1.5 A Heterogeneidade da Língua e a Concordância Verbal
1.6 Preconceito Linguístico e Preconceito Social
18
19
22
25
28
2 AS MIGRAÇÕES PARA O NORTE MATO-GROSSENSE E A
COLONIZAÇÃO DE SINOP
33
2.1 A Migração e o Trabalho na Formação da Cidade: o setor
agrícola e madeireiro nas décadas de 70 e 80
2.2 Sinop nos Dias Atuais
2.2.1 Região Centro-Urbana de Sinop
2.2.2 Bairro Jardim Boa Esperança
37
41
42
46
3 APRESENTAÇÃO METODOLÓGICA E TESSITURAS
ANALÍTICAS SOBRE O CORPUS
52
3.1 Procedimentos da pesquisa e seleção dos informantes
3.2 Pesquisa a Campo: entrevista semiestruturada
3.3 Roteiro: instrumento de coleta de dados
3.4 Considerações Sobre as Comunidades Estudadas: bairro
Boa Esperança e região Centro Urbana de Sinop
3.4.1 Algumas Ponderações do Processo de Análise da Pesquisa
na Aplicação da Concordância Verbal
3.4.1.1 Concordância Padrão e DNP Padrão – mos
3.4.1.2 Concordância Não-Padrão: DNP Não-Padrão – mo com
Apagamento do – s
3.4.1.3 Concordância Não-Padrão e DNP (desinência zero)
3.4.1.4 Sexo
3.4.1.5 Faixa Etária
3.4.1.6 Escolaridade
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53
55
62
65
68
72
74
77
78
80
CONSIDERAÇÕES FINAIS 81
REFERÊNCIAS 85
REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS 90
ANEXO A 91
INTRODUÇÃO
O uso da variável concordância verbal é um campo já estudado por pesquisadores tanto
em Mato Grosso quanto no Brasil. A motivação inicial para a realização deste estudo não foi
somente trazer mais resultados sobre o uso da concordância verbal a partir de uma nova
amostra. Pode-se dizer que a principal motivação para a escolha desse tema fundamenta-se,
também, em discutir sobre o preconceito linguístico e social aos sujeitos de menor status social
e econômico, levando-os, consequentemente à estigmatização e à exclusão. Além disso, o
estudo leva em consideração o processo de formação histórica de dois bairros de Sinop/MT, o
Boa Esperança e o Centro Urbano, para se compreender melhor sobre a constituição desses
bairros investigados.
Assim, o escopo de nossa pesquisa é de identificar e descrever marcas da concordância
padrão x não-padrão empregadas na fala de dois grupos de distintos estratos sociais, isto é, de
duas comunidades linguísticas, que se diferenciam no poder aquisitivo e se inserem, em sua
maioria, nas classes econômicas baixa e média. Nosso olhar pautou-se, fundamentalmente, nos
fatores que condicionam estas variáveis da língua, e que estão ligados a questões sociais e
culturais, tais como sexo, idade e escolaridade.
Para alcançarmos os objetivos propostos pela pesquisa, a mesma foi permeada por
leituras teóricas, em especial as relacionadas à Sociolinguística Variacionista e da Gramática
Normativa, durante todo o processo, bem como por coletas de dados, descrições e análises de
entrevistas realizadas com sujeitos dos diferentes estratos sociais citados, ou seja, moradores
do bairro Boa Esperança e do Centro Urbano da cidade de Sinop/ MT.
A importância de realização da presente proposta de pesquisa justifica-se,
fundamentalmente, pela necessidade de se enfatizar os preconceitos linguístico e social, que
são muito presentes na sociedade e que possuem um efeito muito negativo na vida das pessoas,
pois são parâmetros para estigmas, que, necessariamente, levam à exclusão social.
Tais preconceitos podem ser gerados por intolerância diante de uma palavra empregada
que destoa da norma eleita como padrão da Língua Portuguesa, ou, igualmente, pela falta de
empregos gramaticais desta norma, que envolvem as exigências de uso relacionadas à
concordância verbal.
Assim, as pessoas julgam o falar “correto” e o falar “errado”, sentindo-se no direito de
eleger uma variante/variedade melhor do que a outra. Aliado ao preconceito linguístico se
encontra o preconceito social, que, juntos, revelam, conforme nos mostra Bagno (2008, p. 90-
14
91), profundas desigualdades sociais, sendo que “a violência urbana está intimamente ligada a
uma situação de profunda injustiça, que coloca o Brasil [...] entre os países com a maior
economia do planeta e, ao mesmo tempo, entre os primeiros com grande concentração de renda
e aguda exclusão social”.
Dessa forma, acentua-se a estigmatização de bairros afastados, periféricos, que se
apresentam, muitas vezes, por exemplo, sem estrutura de saneamento de água e esgoto
adequados, e distinções mais exacerbadas entre nível econômico e escolaridade, as quais
também podem estar relacionadas com as escolhas linguísticas feitas nessas comunidades de
fala.
Vale ressaltar, ainda, que, de acordo com Labov,
[...] um cenário em que os falantes das classes mais altas e de maior nível de
escolaridade exibem proporcionalmente uma maior frequência de uso das
formas de prestígio do que os falantes da classe média (e estes, por sua vez,
uma maior frequência do que os da classe baixa) apontaria para uma situação
de variação estável; enquanto que os processos de mudança tendem a ser
liderados pelos indivíduos mais integrados da classe média baixa e/ou das
seções mais elevadas da classe operária (LABOV, 2008, p. 77-78).
Reitera-se, assim, mais uma vez, a importância dessa pesquisa, porque se compreendeu
sobre a necessidade de realização de um estudo que registrasse o uso da variável concordância
verbal nesses dois lócus, visto que, neste espaço geográfico do norte de Mato Grosso não há
pesquisas dessa natureza, e, fundamentalmente, pela necessidade de se enfatizar os preconceitos
linguístico e social, que são muito presentes na sociedade, em especial, aos preconceitos
sofridos pelos moradores do bairro Boa Esperança por moradores da região Centro Urbana de
Sinop/MT.
O trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro, expomos a fundamentação
teórica, na qual, contextualizamos os principais conceitos teóricos da Sociolinguística
Variacionista, assim como, brevemente, apresentamos a conceituação de nossas principais
noções operatórias: o uso da concordância verbal e os preconceitos linguísticos e sociais. No
segundo capítulo, apresentamos o universo de nossa pesquisa: o contexto social e geográfico
em que foi estudado o fenômeno da variável concordância verbal.
No terceiro capítulo, discorremos sobre os procedimentos metodológicos adotados para
que a pesquisa fosse desenvolvida. Esclarecemos como se deu o processo da coleta e a seleção
dos dados e discorremos, um pouco mais, sobre nossas noções operatórias: a concordância
verbal em 1° e 3° pessoas do plural e sobre os preconceitos linguísticos e sociais apreendidos
15
na pesquisa. Em seguida, são apresentadas a amostra, coleta de dados, análise e discussão dos
resultados. Por fim, nas considerações finais, discutimos sobre os resultados gerais obtidos
nessa pesquisa.
16
1 SOCIOLINGUÍSTICA: BREVE PERCURSO HISTÓRICO, OBJETO DE ESTUDO E
SEUS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Este capítulo contextualiza os conceitos teórico-metodológicos da Sociolinguística
Variacionista. A escritura desse capítulo é fundamentada em pesquisas bibliográficas de obras
na área da Sociolinguística Variacionista, suporte teórico central dessa pesquisa.
A propagação de estudos na área da Sociolinguística nos últimos anos muito tem
contribuído para a sistematização da heterogeneidade da língua encontrada nas várias
comunidades de fala1 em todo o Brasil. O seu surgimento ganha destaque a partir da década de
1960, nos Estados Unidos, contrapondo-se às abordagens Estruturalista de Saussure e a
Gerativista de Chomsky, que concebiam a língua como homogênea, separada de fatores
externos e como um sistema de princípios universais. Um dos principais expoentes da
Sociolinguística é o linguista William Labov, que propõe um novo olhar sobre a estrutura das
línguas, desapontando as correntes Estruturalista e Gerativista que desvinculavam a língua dos
aspectos históricos e sociais.
De acordo com Labov (2008), não há sentido em querer estudar o desenvolvimento de
uma mudança linguística sem levar em conta a vida social da comunidade em que ela ocorre.
A Sociolinguística tem, como função, descrever como o sistema linguístico é usado
distintamente em várias comunidades de fala, relacionando a linguagem sob o aspecto da
heterogeneidade, expondo os princípios internos (linguísticos) e os externos (sociais).
Ainda que seja de cunho acadêmico, este estudo visa discorrer sobre distintos fatores
relacionados à língua e tem o propósito de contribuir para pesquisas nessa área. O estudo é
norteado, também, por análises de dados de usos reais da linguagem, isto é, a partir do
paradigma Laboviano2. Para tanto, não poderíamos deixar de fazer referência à Sociolinguística
Variacionista, que é o alicerce desta pesquisa.
A Sociolinguística3 é a parte da Linguística que estuda a Língua, a Cultura e a
Sociedade. Nesse contexto, língua e sociedade são inseparáveis, uma constitui a outra. Um dos
1 Comunidade de fala é um grupo de falantes que compartilha dos mesmos conjuntos de fenômenos relacionados
aos usos da língua. 2 Veremos mais adiante, ainda neste capítulo. 3 O termo Sociolinguística, ramo da Linguística, fixou-se em 1964, em uma conferência sobre sociolinguística
realizada por William Bright, na Universidade da Califórnia em Los Angeles, que contou com a presença de vários
pesquisadores, os quais, posteriormente, se tornaram referências clássicas para estudos relacionados à linguagem
e sociedade. Para William Bright, a Sociolinguística “não é fácil de definir com precisão [...] uma das maiores
tarefas da sociolinguística é mostrar que é correlata às diferenças sociais sistemáticas”. Para Calvet, “o encontro
17
campos de estudo da Sociolinguística é a variação linguística, que coexiste dentro das
comunidades de fala, buscando explicar sobre esse fenômeno da língua e suas circunstâncias
de uso, que estão profundamente correlacionadas com a sociedade.
Conforme Mollica:
A Sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente
a variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser
descrita e analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto de que as
alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais
(MOLLICA, 2004, p. 9-10).
Assim, podemos dizer que o objeto de estudo da Sociolinguística é mostrar a realidade
linguística da sociedade, que envolve fatores de variação e mudança linguísticas em diferentes
comunidades de fala, considerando, imprescindivelmente, características socioculturais destas
comunidades, tais como diferenças de espaço geográfico, profissão, grau de instrução, posição
social, religião, dentre outras.
Nessa perspectiva, a Sociolinguística tem como objetivo todo um estudo e preocupação
com o uso da língua na sociedade, observando como a língua funciona e quais os fatores que
influenciam a variação e as mudanças linguísticas. Segundo Labov (2008), a língua acompanha
de perto a evolução da sociedade, refletindo os comportamentos que variam em função do
tempo e do espaço.
Ainda em relação ao modelo teórico-metodológico da pesquisa Sociolinguística,
Fernando Tarallo discorre que,
O modelo teórico-metodológico da sociolinguística parte do objeto bruto, não-
polido, não-aromatizado artificialmente [...] – o fato linguístico – é o ponto de
partida [...]. O fato sociolinguístico, o dado da análise, é ao mesmo tempo a
base para estudo linguístico: o acervo de informações para fins de confirmação
ou rejeição de hipóteses antigas sobre a língua e também para o levantamento
e o lançamento de novas hipóteses (TARALLO, 2002, p. 18).
O pesquisador William Bright, responsável pela Conferência Sociolinguística realizada
em maio de 1964 na Universidade da Califórnia em Los Angeles (momento em que a área de
estudos ganha o seu reconhecimento), demarca, então, como o objeto de estudo da
Sociolinguística, a diversidade linguística, cujos fatores estão relacionados à identidade social
do falante, à identidade social do receptor e à situação ou contexto da fala. Para o pesquisador,
de maio de 1964 marca, com efeito, o nascimento da sociolinguística que se afirma contra outro modo de fazer
linguística, o modo de Chomsky e da gramática gerativa” (CALVET, 2002, p. 29-30).
18
a Sociolinguística complementa a Linguística, a Sociologia e a Antropologia (MONTEIRO,
2000).
1.2 A Sociolinguística Variacionista
A fundação da Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação, como também é
conhecida, é atribuída ao pesquisador William Labov, que criou um modelo de análise que
possibilitasse a sistematização da variação existente na língua falada. Este modelo teórico-
metodológico toma por pressuposto a sistematização da variação da língua, mais
especificamente a partir da relação entre a língua e a sociedade, isto é, do “Estudo da língua em
seu contexto social” (CALVET, 2002, p. 32).
A pesquisa na Sociolinguística Variacionista é caracterizada por sua metodologia
empírica, ou seja, através de dados reais, produzidos por falantes reais, e que são apreendidos
pelos procedimentos das entrevistas sociolinguísticas4. Segundo Labov (2008, p. 244), “o
objetivo da pesquisa linguística na comunidade deve ser descobrir como as pessoas falam
quando não estão sendo sistematicamente observadas”.
Tais definições encontram-se em consonância ao exposto por Bagno (2014, p. 38),
quando afirma que o objetivo da Sociolinguística é relacionar a heterogeneidade linguística com
a heterogeneidade social. Portanto, para a Sociolinguística, segundo este autor, “é impossível
estudar a língua sem estudar, ao mesmo tempo, a sociedade em que essa língua é falada [...] não
dá para estudar a sociedade sem levar em conta as relações que os indivíduos e os grupos
estabelecem entre si por meio da linguagem”.
A proposta teórico-metodológica de Labov busca, portanto, constatar as variações que
existem na língua, tendo como principal objetivo analisar e descrever variantes usadas em uma
determinada comunidade de fala. Segundo Labov (2008), a língua é um sistema dinâmico
porque está condicionada a fatores internos (a estrutura da língua) e externos (o social). Ainda
segundo o pesquisador, a própria língua acompanha a evolução da sociedade e reflete, de certo
modo, os padrões de comportamento, que variam em função do tempo e do espaço.
Labov conduziu os primeiros estudos na área da Sociolinguística Variacionista com a
pesquisa sobre o inglês falado na Ilha de Martha’s Vineyard, no Estado de Massachusetts, com
4 As entrevistas sociolinguísticas são caracterizadas pela especificidade de método, que visa a diminuir o que
Labov (2008) denomina de paradoxo do observador. O pesquisador sociolinguista, que for estudar uma
comunidade de fala, deve coletar um grande número de dados através de gravações da fala, de um considerável
número de informantes, dependendo o cunho de sua pesquisa. Em conformidade com o que Labov (2008) propõe,
deve-se buscar um envolvimento emocional com o assunto para que o entrevistado produza uma fala informal e
espontânea.
19
o estudo sobre a variação dos ditongos /ay/ e /aw/, que foi sua dissertação de mestrado.
Posteriormente, o pesquisador prosseguiu com os estudos nessa área, com a pesquisa sobre a
estratificação do inglês falado na cidade de Nova York sobre a variável /r/, na Universidade de
Colúmbia, entre outros trabalhos que impulsionaram outros estudiosos a desenvolverem
pesquisas na área da Sociolinguística Variacionista, ou seja, a estudarem a língua e a sociedade
em conjunto.
Assim, o principal objetivo da pesquisa Sociolinguística Laboviana é analisar a
diversidade linguística, considerando os fatores sociais que influenciam nessa diversidade. A
Sociolinguística propõe, dessa forma, um entendimento das diferentes maneiras de falar, que
são condicionadas por fatores geográficos, sociais, econômicos, culturais, grau de escolaridade,
idade, entre outros fatores. Em síntese, estes são os principais aspectos teórico-metodológicos
que devem ser levados em consideração em uma pesquisa Sociolinguística a partir do
paradigma Laboviano, o qual também constitui a fundamentação teórico-metodológica desta
pesquisa.
1.3 Língua, Linguagem, Cultura e Sociedade: uma relação indissociável
A pesquisa Sociolinguística, como vimos, é constituída em estudo da língua e da
sociedade. Dessa forma, não há como querer estudar a língua sem levar em conta as condições
históricas, sociais e culturais, isto é, da comunidade em que ela ocorre. Para tanto, este aporte
teórico ampara-se em pesquisas bibliográficas e de campo, sendo assim, é de grande relevância,
para o percurso deste trabalho, tecermos algumas ponderações analíticas em relação à língua,
linguagem, sociedade e cultura, que são indissociáveis, tanto no que se refere para este estudo,
como também à própria Sociolinguística. O intento, ao decorrer deste subitem, não é buscar
uma definição precisa do que sejam esses quatro elementos, mas, de procurar elucidar a
correlação existente entre eles. Apresentaremos, assim, algumas explanações de autores que
discorrem sobre língua e linguagem e sua inerência à sociedade e cultura. “A linguagem se faz
na sociedade sob as marcas da história e da cultura.” (ANTUNES, 2009, p. 36).
Ainda sobre a relação entre língua, linguagem e cultura, Lyons assevera que,
Segundo a definição mais ampla de sociolinguística (que muitos especialistas
rejeitaram justamente por ser ampla demais), trata-se do estudo da linguagem
em relação à sociedade (v. Hudson, 1980: 1). Podemos adotar o mesmo ponto
de vista e definir etnolinguística como o estudo da linguagem em relação à
20
cultura – considerando ‘cultura’ no sentido em que é usada em antropologia e
de um modo mais geral nas ciências sociais (v. 10.1). Mas, a cultura, nessas
definições mais amplas da sociolinguística e etnolinguística, os dois ramos da
macrolinguística a que os termos se referem vão se sobrepor
consideravelmente (LYONS, 1981, p. 200, grifos do autor).
Segundo Alkmim (2003), o preceito em relacionar língua, cultura e sociedade se
encontra nas reflexões de vários autores do século XX. A questão do social passa a ter uma
maior importância nos fenômenos da língua já a partir dos anos de 1930, com trabalhos de
linguistas como Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman
Jakobson, os quais apresentam estudos sobre a língua enfocando a sociedade e a cultura e não
somente a língua em sua estrutura interna.
Desse modo, podemos caracterizar a língua como uma forma de linguagem e concebê-
la como um fenômeno natural, que se encontra em constante evolução e mudanças. Podemos,
também, afirmar que a língua tem como função primordial permitir a comunicação entre os
indivíduos. É por meio da linguagem que se constituem as características que representam a
identidade de cada comunidade linguística e do indivíduo que nela está inserido, como cita
Yonne Leite (2002, p. 07), “é na linguagem que se reflete a identificação de cada comunidade
e também a inserção do indivíduo em diferentes agrupamentos, status social, faixas etárias,
gêneros, graus e escolaridade”.
Neto (2003) também discorre sobre a relação existente entre língua, linguagem e
sociedade, afirmando que,
A linguagem seria a capacidade de comunicação humana oral, e as línguas
seriam as formas particulares por meio das quais cada comunidade, cada
sociedade ou grupo social realiza a linguagem. A questão do social, portanto,
está diretamente ligada à noção de língua, porque é a noção de sociedade que
vai permitir a delimitação desse particular que é a língua, à vista do universal
que é a linguagem (NETO, 2003, p. 41).
Por sua vez, Matos (2003) afirma que a relação existente entre linguagem, língua e
sociedade permite ao indivíduo apresentar a sua identidade, sendo a sociedade a grande
favorecida com os usos da língua. O autor ainda assevera que a língua é “um sistema de
comunicação intra/interpessoal e intra/intercultural, compartilhado e usado por membros de
uma ou mais comunidades, através de variedades individuais, geográficas e sociais” (MATOS,
2003, p. 92).
21
Já Saussure (1999) afirma que língua não se confunde com a linguagem, ao enunciar
que:
Ela [...] é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente.
É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um
conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir
o exercício dessa faculdade nos indivíduos (SAUSSURE, 1999, p. 17).
O autor referido apresenta a língua como um fato social, coletivo, que estabelece os
valores desse sistema através da convenção social. Para o linguista, a língua é um objeto bem
definido no conjunto dos fatos da linguagem, de natureza concreta, é parte social da linguagem,
exterior ao indivíduo. Já a linguagem é multiforme, heteróclita e pertence aos domínios
individual e social, sendo que não se concebe um sem o outro.
Ainda conforme Saussure (1999), a língua é um sistema de signos que tem o domínio
das articulações, pois, nela, se expressam ideias que fixam os sons, formando articulus, ou seja,
os membros da língua. Segundo Saussure (1999, p. 24), é por este motivo que a língua é
comparável “à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez,
aos sinais militares etc., etc.”
John Searle (1969) discorre sobre linguagem assegurando que,
O objetivo da linguagem é a comunicação, quase da mesma forma como o
propósito do coração é bombear sangue. Em ambos os casos, é possível
estudar a estrutura independentemente da função, mas é inútil e também um
equívoco fazer tal coisa, já que estrutura e função interagem de maneira tão
óbvia. Nós nos comunicamos em primeiro lugar com outras pessoas, mas
também conosco mesmo, como durante um solilóquio, ou quando pensamos
em palavras (SEARLE, 1969, apud CHOMSKY, 1980, p. 47).
Para Chomsky (1980, p. 47), “a linguagem é o sistema comunicativo por excelência, e
é “estranho e excêntrico” insistir no estudo da estrutura da linguagem separando-a de sua função
comunicativa”.
Segundo Gnerre (1998, p. 6), a linguagem, além de ter como função veicular
informação, tem a função de “comunicar ao ouvinte a posição que o falante ocupa de fato ou
acha que ocupa na sociedade em que vive”.
De acordo com Leite (2008), a linguagem é um significativo fator de identidade e de
segregação, pois denuncia as diferenças que existem na sociedade desde que o homem aprendeu
a falar.
22
Consonante ao que Leite afirma, sobre a linguagem como um importante fator de
identidade, é interessante expor o que Santos (1986) discorre sobre cultura, conceituando-a
como parte da realidade da sociedade em que a mudança é um aspecto fundamental. Referente
a esse fato, Câmara Jr. (1989, p. 21-22) afirma que a língua “é parte e também reflexo da cultura,
tendo como função expressar a cultura para permitir a comunicação social”.
Alusivo ao exposto acima pelos autores citados, é importante reportar-se a um trecho de
Scherre (2005), que descreve a língua como um instrumento de comunicação, reflexo da
cultura, e como um fator de identidade,
As línguas humanas são, em verdade, mais do que excelentes instrumentos de
comunicação. São, também, reflexo da cultura de um povo. São, além disso,
parte da cultura de um povo. São ainda mais do que isto: são mecanismos de
identidade. Um povo se individualiza, se afirma e é identificado em função de
sua língua. (SCHERRE, 2005, p. 10).
No que concerne a Mey (1998), língua e sociedade são inter-relacionadas, uma vez que
os homens se comunicam e se agregam socialmente. A linguagem é a maneira que a sociedade
usa para demonstrar seus pensamentos, para a comunicação social.
Língua, para Weedwood (2002, p. 152-153), é um trabalho desenvolvido de forma
conjunta pelos falantes, é uma atividade social, é enunciação. “A enunciação, compreendida
como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, que se trate do discurso
interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior”.
De tal modo, podemos considerar que língua, linguagem, sociedade e cultura estão
relacionadas entre si, sendo impraticável querer falar sobre língua sem falar em linguagem,
cultura e sociedade, pois estas influenciam, concomitantemente, nos atos da comunicação; a
língua reflete a sociedade que, consequentemente, expõe as atitudes, os pensamentos, os
costumes, isto é, a cultura da sociedade e/ou das comunidades linguísticas.
1.4 Variação Linguística: a heterogeneidade da língua
Sendo o principal campo de estudos da Sociolinguística, como também o campo de
investigação de nossa pesquisa, são imprescindíveis algumas considerações sobre a variação
linguística.
Como vimos, a língua é heterogênea e se encontra em constantes mudanças, assim, é
preciso ponderar sobre os fatores estruturais e, principalmente, sobre os fatores sociais, que são
23
responsáveis pelas constantes mudanças e variações. Para as reflexões, buscamos, inicialmente,
bases teóricas a fim de elucidar, ao decorrer desse subitem, sobre a concepção de variação
linguística e sua preponderância na sociedade.
Ao estudar a língua em comunidades linguísticas, é inevitável depararmo-nos com a
enorme diversidade que compõe a língua falada. Sendo constituída por falantes de diferentes
gêneros, idade, grau de escolaridade e que pertencem a distintos estratos sociais. Diante dessas
circunstâncias, é inegável as diferenças existentes no uso da língua nas comunidades de fala.
De acordo com Alkmim (2003), a constatação mais imediata, ao se estudar qualquer
comunidade linguística, é a existência da diversidade ou da variação.
Uma mesma língua pode apresentar variações de região para região, de um grupo social
para outro, entre distintas faixas etárias, e, também, quando usada pelo mesmo falante, pode
variar em determinadas situações ou lugares.
De acordo com Calvet (2002, p. 170), variedade é um “sistema de expressão linguística
que pode ser identificado pelo cruzamento de variáveis linguísticas (fonéticas, morfológicas,
sintáticas etc.) e de variáveis sociais (idade, sexo, região de origem, grau de escolarização etc.)”.
Para Tarallo (2002), as variantes linguísticas são diversas formas de dizer a mesma coisa
em uma mesma condição e com o mesmo significado. A essas diversas maneiras de falar o
autor chama de “conjunto de variantes”.
Desse modo, podemos classificar, de forma mais geral, as variações linguísticas em
variação geográfica (ou diatópica) e em variação social (ou diastrática). A variação geográfica
ou diatópica, como também é conhecida, está relacionada às diferenças regionais. Para Alkmim
(2003), são as diferenças linguísticas distribuídas no espaço físico, observáveis entre falantes
de diferentes espaços geográficos.
Essas variações geralmente são apreendidas em traços linguísticos que são marcados
pelas diferenças de pronúncia e de vocabulário, as quais evidenciam o regionalismo, ou seja,
falantes de lugares geográficos diferentes, ou oriundos da zona urbana e da zona rural, quase
sempre apresentam traços distintos.
As variações sociais, também chamadas de diastráticas, são as variedades que aparecem
de acordo com o sexo, faixa etária, escolaridade e de estratos sociais diferentes, ou seja, temos
diferenças na fala do homem e da mulher, de uma criança e de um adulto, de um sujeito com
nível de ensino superior completo e um com baixa escolaridade, de um pobre e um rico e etc.
Para Alkmim (2003), essas variações estão relacionadas a um conjunto de fatores relativos à
identidade dos falantes e de acordo com a composição sociocultural da comunidade de fala.
Essas variações, assim, condicionam-se a fatores linguísticos e extralinguísticos.
24
Nesse contexto, as variáveis linguísticas ou internas estão relacionadas aos níveis
estruturais sintático, morfológico, semântico, discursivo e etc. Enquanto as variáveis
extralinguísticas ou externas estão relacionadas ao grau de escolaridade, idade, sexo, classe
social, entre outros fatores.
De acordo com Mollica (2004), as variáveis internas estão correlacionadas aos fatores
de natureza fono-morfo-sintáticos, semânticos, discursivos e lexicais, que dizem respeito a
várias dimensões de características da língua. Já no conjunto das variáveis externas estão os
fatores inerentes ao indivíduo, tais como etnia e sexo; os fatores sociais, como escolarização,
profissão, nível de renda e classe social; e os contextuais, como grau de formalidade e tensão
discursiva. Assim, a língua varia conforme fatores internos ou externos, sendo que as posições
geográfica e social dos falantes são fatores que condicionam para uma variação linguística mais
expressiva.
Preti (2000) define, dentre as variações linguísticas, a variação situacional da
linguagem, que está associada ao uso da língua por um mesmo falante. Para o autor, a variação
da situação está relacionada às circunstâncias, lugar e tempo em que os atos da fala se realizam.
Dessa forma, o autor classifica as variações de situação em dois modos: nível de fala ou registro
formal - usado em situações mais formais, com emprego da língua culta, comportamento tenso,
refletido e, geralmente, com o uso de vocabulário técnico; e nível de fala ou registro coloquial
– empregado em situações familiares, diálogos informais, com predominância de estruturas e
vocabulários do uso popular e gírias.
Preti (2000) classifica, ainda, essas variações, quanto ao uso da língua pelo mesmo
falante, em variedades estilísticas, nas quais o falante escolhe, de acordo com a situação, um
estilo em determinadas circunstâncias. Para Alkmim (2003, p. 38), os usuários da língua
diversificam sua fala, ou seja, usam de estilos e registros que são distintos “em função da
circunstância em que ocorrem suas interações verbais”.
1.5 A Heterogeneidade da Língua e a Concordância Verbal
Nesse subitem discorreremos, de forma breve, sobre a concordância verbal, noção
operatória nos procedimentos de análise de corpus no capítulo III desta pesquisa. A análise se
estruturará na concordância verbal de 1ª e 3ª pessoas do plural. Trabalharemos com duas regras
variáveis, que são as concordâncias padrão x concordância não-padrão. A primeira, constitui-
se pela presença da marcação de pessoa e número no sintagma verbal, mais valorizada
25
socialmente e imposta pelas gramáticas normativas, e a segunda, é essa ausência da marcação
de pessoa e número, e, por isso, socialmente estigmatizada.
Segundo Mollica (2004), a concordância entre verbo e sujeito é uma variável linguística,
pois pode ser realizada por meio de duas variantes, dois modos possíveis e com o mesmo
sentido: com a marca de concordância no verbo ou a ausência da marca de concordância.
A concordância não-padrão, apesar de estar presente na fala de muitas pessoas, mesmo
entre as mais escolarizadas, é seriamente estigmatizada e estereotipada. Bortoni-Ricardo
(2005), cita, como exemplo, usos como “nós vai”, os quais são imediatamente associados, pela
maioria dos mais letrados, a falantes com baixa ou nula escolaridade, ou, ainda, a moradores de
zona rural ou de periferias de grandes centros urbanos.
As Gramáticas Normativas prescrevem que a Concordância Verbal é a flexão do verbo
com o seu sujeito, em número e pessoa, e admitem, em alguns casos, a exceção de o verbo
concordar ou não com o sujeito. A aplicação das regras de concordância verbal será melhor
discorrida posteriormente no capítulo III.
Segundo Bechara (2000, p. 543), “a concordância geral consiste em adaptar a palavra
determinante ao gênero, número e pessoa da palavra determinada”. Em algumas reflexões este
autor atenta que, para a língua falada, existe uma variação maior do que na língua escrita, pois
a língua escrita, por ser formalmente mais elaborada, tem mais chances de ‘acertos’ da
concordância verbal padrão, já na língua falada, principalmente por causa do fluxo de
pensamento ser mais rápido do que a formulação da estruturação escrita, é comum a falta da
realização da concordância.
Dentre as possibilidades de variações, deparamo-nos constantemente, na fala de
qualquer indivíduo, mesmo entre os altamente escolarizados, com a falta de concordância
verbal e/ou nominal, que pode ser verificada tanto na fala quanto na escrita, seja por falantes de
comunidades linguísticas de classe média e alta ou de classe baixa, sendo já, por exemplo, regra
categórica da língua manter o verbo no singular quando antecede o sujeito.
Ainda com relação às regras de concordância, é interessante observar o exemplo citado
por Coan e Freitag,
As gramáticas normativas prescrevem que, no plural, todos os elementos de
um sintagma devem levar marca de concordância. A regra geral diz que aos
nomes deve-se acrescentar –s. Uma frase que atende aos padrões normativos
seria As meninas bonitas comem pães de queijo. Que juízos de valor faríamos
de alguém que, em dado momento, falasse uma frase como As meninaØ
bonitaØ comeØ pãoØ de queijo? Tenderíamos a fazer um julgamento negativo
26
deste indivíduo com base neste falar: não frequentou a escola, porque não sabe
as regras de concordância da língua (COAN; FREITAG, 2010, p. 186).
Para Bagno (2003), mesmo os brasileiros moradores da zona urbana, com nível de
escolaridade superior completa, classificados como “cultos”, dizem frequentemente: “chegou
os livros que encomendei, foi feito já todas as alterações que você pediu”. Esse emprego, com
a falta da concordância verbal padrão, já se tornou tão comum na fala dos mais letrados que
passa despercebido como “erro” e geralmente já não causa mais estranheza no falar.
Contudo, pode-se afirmar que, se a frase acima for empregada por alguém de traços
característicos de origem rural ou periférica, ela pode ganhar espaços para julgamentos e
repreensões pejorativas, com a indicação dos ‘puristas’ da língua de que essas pessoas falam
tudo “errado” e que não sabem o “português”.
Em uma sociedade como a nossa, em que o uso predominante da língua “culta” e o
poder econômico são essenciais para o alcance do prestígio social, os diferentes usos da língua
com menor prestígio, que geralmente são mais característicos de falantes com menor nível de
instrução, estão suscetíveis a julgamentos em que se estabelecem preconceitos e estereótipos
desses usos.
Conforme cita Camacho (2003, p. 59), “as formas em variação adquirem valores em
função do poder e da autoridade que os falantes detêm nas relações econômicas e culturais”.
Ainda segundo este autor, a presença da marca de plural nos sintagmas nominal e verbal é
detentora de prestígio social e é conhecida como ‘variante’ padrão ou de prestígio, já a ausência
da marca de plural é denominada como variante não-padrão ou estigmatizada.
Como podemos verificar nas assertivas de Alkmim,
A variedade padrão é a variedade linguística socialmente mais valorizada, de
reconhecido prestígio dentro de uma comunidade, cujo uso é, normalmente,
requerido em situações de interação determinadas, definidas pela comunidade
como próprias, em função da formalidade da situação, do assunto tratado, da
relação entre os interlocutores etc. A questão da língua padrão tem uma
enorme importância em sociedades como a nossa. Algumas considerações a
seu respeito se impõem (ALKMIM, 2003, p. 40).
A norma-padrão é um código, um “modelo de língua” criado para ser seguido pelos
falantes. Comparando-se com as demais variedades, esta possui “mais palavras eruditas, tem
mais termos técnicos, tem um vocabulário maior e mais diversificado” e também apresenta
“construções sintáticas consideradas de bom-gosto, tem expressões de origem erudita que
27
servem de modelos para serem imitados, metáforas clássicas que dão um ar “nobre” à
linguagem” (BAGNO, 2006, p. 23). É uma norma idealizada, que não é falada por ninguém na
sociedade, segundo Bagno,
A norma-padrão é aquele modelo ideal de língua que deve ser usado pelas
autoridades, pelos órgãos oficiais, pelas pessoas cultas, pelos escritores e
jornalistas, aquele que deve ser ensinado e aprendido na escola. Vejam bem
que eu disse aquele que deve ser, não aquele que necessariamente é
empregado pelas pessoas cultas (BAGNO, 2006. p. 22).
Bagno (2003) apresenta uma divisão entre as normas utilizadas no Brasil, separando a
norma-padrão de outras variedades bem-conceituadas: “... de um lado, temos a norma-padrão
lusitanizante, ideal de língua abstrato, usado como verdadeiro instrumento de repressão e
policiamento dos usos linguísticos”, criada como referência para “organizar” a língua e
“manter” a língua “viva”, e já “do outro, temos as diversas variedades prestigiadas, usos reais
da língua por parte das classes sociais urbanas” (BAGNO, 2003, p. 87).
A norma-culta é a norma que apresenta o maior prestígio em nossa sociedade, esta
norma é utilizada pelas pessoas ‘letradas’ em situações de monitoramento da fala e da escrita,
e, confrontada com outras normas, possui um ‘valor positivo’. Bagno (2014) ressalta que muitos
indivíduos acabam acreditando que norma-culta e norma-padrão são sinônimas, devido ao
prestígio que é socialmente atribuído à fala de cidadãos urbanos letrados. Segundo Bagno
(2006, p. 164), “classificamos como [+culta] aquela variedade na qual as formas consideradas
padrão ocorrem com maior intensidade”.
Para compreendermos melhor sobre nosso fenômeno estudado, a variação na
concordância verbal, é importante expormos uma definição sucinta sobre os conceitos de
variável e variante estabelecidos pela Sociolinguística. De acordo com Bagno (2014, p. 50),
uma variável na área da Sociolinguística “é algum elemento da língua, alguma regra, que se
realiza de maneiras diferentes conforme a variedade linguística analisada. Cada uma das
realizações possíveis de uma variável é chamada variante”. Podemos afirmar, assim, que
variante é “cada uma das formas diferentes de se falar a mesma coisa”.
Tarallo (2002) fala sobre a questão das variantes no que se refere à presença ou à
ausência de prestígio, quando assevera que,
As variantes de uma comunidade de fala encontram-se sempre em relação de
concorrência: padrão vs. não-padrão; conservadoras vs. inovadoras; de
prestígio vs. estigmatizadas. Em geral, a variante considerada padrão é, ao
28
mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio sociolinguístico
na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre
não-padrão e estigmatizadas pelos membros da comunidade. Por exemplo, no
caso da marcação de plural no português do Brasil, a variante [s] é padrão,
conservadora e de prestígio; a variante [o], por outro lado, é inovadora,
estigmatizada e não padrão (TARALLO, 2002, p. 11-12).
Por sua vez, a sociedade acredita que o domínio da norma-padrão é considerado como
um meio de ascensão socioeconômica para o falante, mas, de acordo com Bagno (1999), esse
é um mito enraizado pela sociedade, visto que somente esse domínio não será suficiente para a
ascensão entre os falantes de classe mais desprestigiada:
[...] de nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha todos os dentes, que não
tenha casa decente para morar, água encanada, luz elétrica e rede de esgoto. O
domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha acesso
às tecnologias modernas, aos avanços da medicina, aos empregos bem
remunerados, à participação ativa e consciente nas decisões políticas que
afetam sua vida e a de seus concidadãos. (BAGNO, 1999, p. 69).
Para Alkmim (2003), todas as comunidades linguísticas apresentam variedades que são
consideradas superiores e inferiores, refletidas pela hierarquia dos grupos sociais.
1.6 Preconceito Linguístico e Preconceito Social
Finalmente, tivemos, também, o ensejo de constatar o preconceito disseminado em
nossa sociedade, mais especificamente nos lócus que compõem o campo de investigação desta
pesquisa. Tanto o preconceito linguístico quanto o social foram relatados pelos sujeitos
entrevistados, que revelaram sofrer com esses preconceitos. À vista disso, consideramos
imprescindível para esse trabalho discorrer sobre as conceituações que definem e fazem refletir
sobre preconceitos linguísticos e sociais que se proliferam nas comunidades linguísticas.
Os preconceitos são, geralmente, os causadores da discriminação, da estigmatização5 e
da violência, que são decorrentes da ignorância e da intolerância. Vale ressaltar, contudo, que
as atitudes de preconceito surgiram muito antes da existência das sociedades modernas.
5 “Estigma é uma palavra grega que significa “sinal”, “marca”. Uma marca, uma característica, diferencia um
indivíduo ou grupos de indivíduos das demais pessoas ou grupos. Por se diferenciar, o portador do estigma – da
marca – chama a atenção e provoca variadas reações no meio em que vive e nas pessoas com as quais se relaciona.
Nas relações entre pessoas e grupos de pessoas, o estigma quase sempre exprime sentimentos de superioridade, de
um lado, e de inferioridade, de outro. O estigmatizado é visto por aquele que estigmatiza como um ser inferior
social, política e culturalmente” (FROSI, FAGGION & DAL CORNO, 2010, p. 7).
29
Segundo Bisinoto (2009), o ato de discriminar percorre os séculos e envolve questões
econômicas, sociais e políticas. Para Leite (2008), o preconceito tem sua origem não na crítica
e sim na tradição, no costume ou na autoridade, pois o preconceito pode construir-se sobre o
que é assimilado culturalmente ou constituído em irracionalidades, emoções e sentimentos.
Segundo Leite (2008, p. 27), “o preconceito é um fenômeno que se verifica quando um
sujeito discrimina ou exclui outro, a partir de concepções equivocadas, oriundas de hábitos,
costumes, sentimentos ou impressões”.
O preconceito linguístico está intrinsecamente ligado ao preconceito social. E, em sua
maioria, ambos os preconceitos inter-relacionam-se e são identificáveis entre as pessoas que
sofrem maior carga de estigmatização por parte da sociedade, como os analfabetos, pobres e
aqueles que não possuem acesso à escolarização. Como cita Bagno (1999, p. 43, grifos do
autor), “o problema não está naquilo que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o
preconceito linguístico é decorrência de um preconceito social”.
De acordo com Bagno (2006, p. 27-28), no Brasil não é falada apenas uma língua
portuguesa. “Fala-se um certo número de variedades de português, das quais algumas chegaram
ao posto de norma-padrão por motivos que não são de ordem linguística, mas histórica,
econômica, social e cultural”. Considerando uma sociedade capitalista como a nossa, o poder
econômico e, consequentemente, linguístico está nas mãos de poucas pessoas que comandam e
que têm acesso aos bens culturais. Dessa forma, pode-se afirmar que o preconceito linguístico
está presente em todos os âmbitos da sociedade, tanto na família, na escola e no trabalho.
Assim, é interessante refletir sobre as assertivas de Chauí (2002), relacionadas à forma
como é constituída a ideologia do trabalho entre falantes dominantes da norma-padrão e não-
padrão, ou seja, em que a classe de menor prestígio sofre coerções da classe prestigiada.
Como cita Chauí,
[...] a ideologia burguesa, através de seus intelectuais, irá produzir ideias que
confirmem essa alienação, fazendo, por exemplo, com que os homens creiam
que são desiguais por natureza e por talentos, ou que são desiguais por desejo
próprio, isto é, os que honestamente trabalham enriquecem e os preguiçosos,
empobrecem. Ou, então, faz com que creiam que são desiguais por natureza,
mas que a vida social, permitindo a todos o direito de trabalhar, lhes dá iguais
chances de melhorar – ocultando, assim, que os que trabalham não são
senhores de seu trabalho e que, portanto, suas “chances de melhorar” não
dependem deles, mas de quem possui os meios e condições do trabalho.
(CHAUÍ, 2002, p. 30-31).
30
Dessa forma, pode-se considerar que o preconceito linguístico tem suas raízes criadas
não na língua propriamente dita, e, sim, no poder ideológico que é criado pela própria
sociedade.
Os julgamentos de que existem variedades linguísticas “certas” e “erradas”, “bonitas” e
“feias” são muito comuns na sociedade brasileira. Ou mesmo, os julgamentos depreciativos
contra falantes de determinadas regiões geográficas, como é o caso da região Nordeste, pois a
fala de personagens de origem nordestina é geralmente retratada pela mídia de forma pejorativa,
“todo personagem de origem nordestina é, sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado,
criado para provocar o riso, o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador”
(BAGNO, 1999, p. 44).
Da mesma maneira, há a concepção em tachar aqueles que não dominam a norma culta
como ‘ignorantes’ e ‘analfabetos’. Na maioria das vezes, essa discriminação acontece entre
falantes de comunidades linguísticas que se diferenciam socioeconomicamente. Como explica
Bagno; Gagné e Stubbs (2002, p. 73), “quanto mais baixo estiver um falante na escala social,
maior número de “erros” as camadas mais elevadas atribuirão à sua variedade linguística (e a
diversas outras características sociais dele)”.
Assim, podemos afirmar que uma variedade se torna mais prestigiada por uma
comunidade do que outra, não apenas pelas suas diferenças gramaticais normativas, mas,
fundamentalmente, por fatores econômicos, sociais e culturais.
De acordo com Bagno (2014), o português falado no Brasil apresenta uma grande
diversidade do uso da língua, sendo possível afirmar que o país fica dividido em dois segmentos
quanto ao uso da língua, sendo um o dos falantes da língua culta e outro o dos falantes da língua
não-padrão. Consoante a esse fato, existem diversas expressões da língua empregadas pelos
falantes da língua não-padrão que não são aceitas pelos falantes da língua culta ou vice-versa,
o que nada mais é do que a manifestação do preconceito linguístico.
É notória a influência que a língua tem na sociedade. No Brasil, as pessoas, com poder
aquisitivo e com um grau de instrução mais elevado, acham que falam uma língua mais
“correta” e “bonita”, discriminando socialmente e linguisticamente àquelas com menor grau de
escolaridade (analfabetos ou semianalfabetos) e pobres. Como podemos verificar no excerto de
Bagno (2003, p. 75), “os brasileiros urbanos letrados não só discriminam o modo de falar de
seus compatriotas semi-analfabetos, pobres e excluídos, como também discriminam seu próprio
modo de falar, as suas próprias variedades linguísticas.”
Mas o que é o preconceito linguístico?
31
Segundo Bagno (1999, p. 12), “preconceito linguístico é o deboche, a sátira, ou a não-
tolerância em relação ao modo de falar das pessoas, é uma forma de preconceito a determinadas
variedades linguísticas”. Assim, o preconceito linguístico não é nada mais do que o fato de
discriminar uma pessoa pelo seu modo de falar. Deparamo-nos, a partir daí, também, com o
preconceito social, que separa as pessoas em classes sociais, estigmatizando ou prestigiando
falantes no uso da sua própria língua materna.
De acordo com Leite, o preconceito linguístico é:
a discriminação silenciosa e sorrateira que o indivíduo pode ter em relação à
linguagem do outro: é um não-gostar, um achar-feio ou achar-errado um uso
(ou uma língua), sem a discussão do contrário, daquilo que poderia configurar
o que viesse a ser o bonito ou correto (LEITE, 2008, p. 24-25, grifos da
autora).
Tais preconceitos podem ser gerados por intolerância diante de uma palavra empregada,
que destoa da norma eleita como padrão da Língua Portuguesa, ou, igualmente, pela falta de
empregos gramaticais que envolvem as exigências de uso relacionadas às concordâncias verbal
e nominal.
Assim, as pessoas julgam o falar “correto” e o falar “errado”, sentindo-se no direito de
eleger uma variante/variedade melhor do que a outra. Aliado ao preconceito linguístico, como
vimos, se encontra o preconceito social, que, juntos, revelam, conforme nos mostra Bagno
(1999, p. 70-71), profundas desigualdades sociais, sendo que “a violência urbana está
intimamente ligada a uma situação de profunda injustiça, que coloca o Brasil [...] entre os países
com a maior economia do planeta e, ao mesmo tempo, entre os primeiros com grande
concentração de renda e aguda exclusão social”.
Consonante a essa situação, Alkmim (2003, p. 42) descreve que “a intolerância
linguística é um dos comportamentos sociais mais facilmente observáveis, seja na mídia, nas
relações sociais cotidianas, nos espaços institucionais etc.” Ainda, segundo Bagno (1999), esse
preconceito é alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em colunas de
jornais e revistas, os quais têm como principal objetivo querer ensinar e ditar o que é “certo” e
o que é “errado”.
As diferenças na fala geram, assim, profundo preconceito linguístico por meio da
discriminação e pelo julgamento depreciativo da fala do outro e até da própria fala. Dessa forma,
diante de todos os apontamentos teórico-metodológicos que expusemos até aqui, cabe ressaltar
que nosso estudo tem como propósito, ainda que modestamente, corroborar com a
desmistificação dos preconceitos e mostrar as variedades/variantes linguísticas efetivamente
32
usadas pelos sujeitos entrevistados em uma comunidade de classe média alta, os quais possuem
maior prestígio social, e em uma comunidade de classe média baixa, que, consequentemente,
são socialmente desprestigiados.
A seguir, no próximo capítulo, apresentaremos um breve esboço da trajetória de
migrantes que vieram à região norte mato-grossense e sobre a formação dos bairros que
compreendem o lócus da pesquisa.
Neste segundo capítulo, apresentaremos os lócus em que se deu o desenvolvimento de
nossa pesquisa, para o estudo do fenômeno variável a que nos propomos: a concordância verbal.
Esta secção contextualiza geográfica, econômica, social e historicamente o universo do estudo
a campo: a região Centro Urbana e o bairro Boa Esperança.
33
2 AS MIGRAÇÕES PARA O NORTE MATO-GROSSENSE E A COLONIZAÇÃO DE
SINOP
Para um conhecimento mais enriquecedor, é indispensável a contextualização do
universo de nossa pesquisa.
Localizada na região Centro-Oeste do Brasil, no norte de Mato Grosso, Sinop foi
constituída por uma política de ocupação da Amazônia Legal, desenvolvida pelo Governo
Federal na década de 1970.
Foi colonizada nessa década por famílias em sua maioria vindas da região sul do país.
Sinop fundou-se em 14 de setembro de 1974, e o nome da cidade deriva das letras iniciais da
empreendedora colonizadora da cidade, Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná -
Colonizadora Sinop S/A.
A ocupação da área onde hoje está localizada a cidade de Sinop teve início no ano de
1972, quando a então Colonizadora Sinop S/A adquiriu aproximadamente quinhentos mil
hectares de terra, a 500 km ao norte da BR 163 (Cuiabá-Santarém). A migração na região norte
deu-se inicialmente pelos sulistas, oriundos dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul.
O processo de ocupação da região norte mato-grossense ocorrido a partir de 1970, como
consequência do programa Marcha para o Oeste6, representou, no entanto, um terceiro
movimento de povoamento humano. Inicialmente marcado pela presença de etnias indígenas e,
posteriormente, de grupos sociais menores, compostos de mestiços e brancos que foram
silenciados pelo terceiro movimento de ocupação da região pela política de colonização do
governo sob o regime militar (LORD, 2011).
O projeto de ocupação da região norte de Mato Grosso, em especial Sinop, sucedeu-se
com o empreendimento privado de uma imobiliária do estado do Paraná em parceria com o
governo militar. A Colonizadora Sinop S/A tinha a idealização da cidade que projetava, como
nos mostra Souza, quando a mesma, ao chegar no norte do estado, executou todo um processo
de organização e colonização:
A Colonizadora Sinop, ocupou uma área de 645 mil hectares, divididos em
lotes de diferentes tamanhos. Foram instalados quatro núcleos urbanos e de
6 Programa criado pelo Governo Federal na década de 1940, que incentivava o progresso e a ocupação da região
Centro-Oeste do Brasil, para que se pudesse ocupar o “espaço demográfico vazio”, pois havia muitas terras
“desocupadas”.
34
apoio dentro da área de colonização: Vera, Santa Carmem, Cláudia e Sinop,
que hoje é sede do município do mesmo nome e a principal cidade do projeto,
após se desmembrar de Chapada dos Guimarães em 1979. [...] As empresas
de colonização que atuam em Mato Grosso, são empresas que adquiriram
experiência em colonização nos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande
do Sul. (SOUZA, 2012, p. 11).
Dessa forma, os primeiros migrantes foram motivados por interesses político-
econômicos na colonização da Amazônia Legal, mediante a valorização da exploração e
ocupação da “última fronteira agrícola do país, induzidos por propagandas de terras ‘férteis’,
incentivos fiscais, financeiros e promessas de lucros fáceis e ascensão social” (PHILIPPSEN,
2013, p. 59). Inicia-se, então, sucessivamente o processo de migração na região norte mato-
grossense, de pessoas oriundas em sua maioria dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e
Santa Catarina.
Consideráveis parcelas desses migrantes vivenciavam precárias condições de vida em
suas regiões de origem, conforme Philippsen (2013, p. 60), “ao venderem ou perderem suas
pequenas propriedades naqueles Estados, instalavam-se nas áreas oferecidas pelas
colonizadoras particulares da Amazônia mato-grossense”. Influenciados, assim, por
propagandas da colonizadora com a “promessa de terras férteis e o enriquecimento fácil”, a
alternativa mais favorável, para escapar da situação de miséria que vivenciavam em seus
estados e na esperança do enriquecimento, era a migração para o Centro-Oeste. De acordo com
Lord (2011),
A propaganda da colonização do norte do estado do Mato Grosso, no que diz
respeito ao aliciamento de mão-de-obra, foi dirigida a uma população que
experienciou em anos anteriores a precarização das condições de vida de tal
forma que não havia outra alternativa além da migração – ou para as periferias
dos grandes centros, ou para “enriquecer” no centro-oeste. Assim, mais do que
uma promessa de riqueza, a propaganda da colonização significava àquelas
famílias a fuga da pobreza e da miséria em suas regiões de origem (LORD,
2011, p. 179).
Diversos fatores contribuíram para a ocupação da Amazônia, dentre os quais se destaca
a ocupação do “vazio demográfico” propagandeada por terras como meio de produção e
melhores condições de vida. Conforme Souza (2012, p. 11), “nesse processo de ocupação da
região norte de Mato Grosso, percebe-se uma política de valorização do empreendimento, em
um ciclo rápido. Exige-se, além das benesses fiscais, a superexploração do trabalho”. Como
visto, em parceria com o empreendimento Imobiliário particular, o governo federal concedeu
35
terras para a colonização às Imobiliárias, que conseguiam muita terra e a dividiam em lotes, os
quais eram revendidos aos colonos que migravam do sul. Porém, ainda segundo Souza (2012,
p. 140), “muitos migrantes não conseguiram a “terra prometida” pela qual sonharam e foram
para Mato Grosso”.
Desta maneira, pode-se dizer que muitos desses migrantes foram trapaceados e iludidos
pelos empresários responsáveis pela colonização. Nesse contexto, o projeto de colonização,
para vários colonos migrantes, foi um “fracasso”, pois perderam suas pequenas propriedades
que venderam em suas regiões de origem para comprarem as terras “prometidas” de Mato
Grosso, no entanto, o que adquiriram, inicialmente, foi o acúmulo de dívidas, a ponto de não
terem condições financeiras para retornarem as suas terras de origem. Entretanto, a especulação
imobiliária rendeu o enriquecimento na região aos latifundiários, visto que, como nos mostra
Souza (2012, p. 141), “já para os capitalistas que “investiram” na Amazônia mato-grossense foi
um ótimo negócio”.
De acordo com Bertrand (1988, p. 75), os interesses de colonização desta região
consistiam em dois principais objetivos, o primeiro se destinava a futuras povoações e o
segundo, consecutivamente, à colonização agrária.
Martins (1997), faz a seguinte assertiva em relação ao projeto de colonização da
Amazônia e sobre o lema empregado pelo Governo Federal,
O lema da ditadura era ‘integrar’ (a Amazônia ao Brasil) ‘para não entregar (a
supostas e gananciosas potências estrangeiras). Os militares falavam em
‘ocupação dos espaços vazios’, embora a região estivesse ocupada por
dezenas de tribos indígenas, muitas delas jamais contatadas pelo homem
branco, e ocupada também, ainda que dispersamente, por uma população
camponesa já presente na área desde o século 18, pelo menos. (MARTINS,
1997, apud LACERDA, 2013, p. 57).
As terras adquiridas pela Colonizadora Sinop S/A integravam-se anteriormente ao
município de Chapada dos Guimarães. Por conseguinte, é a partir de 1971 que uma equipe de
exploradores veio para a região norte de Mato Grosso, para abrir as primeiras picadas, a qual
teve que atravessar rios, matas fechadas, fazer demarcações dos espaços e observar o ciclo das
águas (SOUZA, 2012). E em 1972 iniciam-se as explorações e ocupações do que mais tarde
seria a cidade de Sinop. Vale ressaltar que antes disso a expedição Roncador-Xingu7 deixou
7 Segundo Souza (2006, p. 42), “A Expedição Roncador-Xingu foi criada em 1943 pelo governo federal e fazia
parte da política de ocupação de Getúlio Vargas – a Marcha para o Oeste, tendo como objetivo principal conhecer
e desbravar as áreas que aparecem em branco nos mapas. Partindo do Rio das Mortes em 12 de junho de 1945, a
36
suas marcas neste espaço geográfico, assim como ações governamentais foram decisivas para
que as ocupações acontecessem.
De acordo com Lacerda (2013), ao fim da década 1950, a ocupação da região Centro-
Oeste, em especial o norte de Mato Grosso, consolidou-se com a rodovia BR-163, apesar da
falta de programas de incentivos governamentais até o ano de 1960, que inibia, de certa forma,
o desenvolvimento da região. É então a partir do governo Médici (1969-1974), como meta de
desenvolvimento de Mato Grosso, que ocorre a transferência do 9º BEC (Batalhão de
Engenharia e Construções), Exército do Rio Grande Sul, a Cuiabá, para a construção da BR-
163. Em 1970 é lançado o Programa de Integração Nacional (PIN), que traz como prioridade a
construção das rodovias Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, a partir das quais se
constituíram os vários núcleos de colonização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA).
Ainda Lacerda (2013), em síntese, define as políticas de ocupação, colonização e
desenvolvimento de Mato Grosso, de modo geral, como um processo composto de três âmbitos:
Geopolítico, pois se voltava à distribuição de terras para efetivar a
“ocupação” e o controle do território;
Âmbito econômico, para fortalecer a economia nacional por meio da
produção e consumo de bens;
Âmbito social, para transferir o “excedente” populacional do Sul, Sudeste
e Nordeste brasileiro para aquela região, por meio de planos tais como
Plano de Integração Nacional (LACERDA, 2013, p. 63).
Esses âmbitos, conforme o autor supracitado (2013, p. 60-61), amparado nas reflexões
sobre o processo migratório caracterizado por Zart (2005), foram preenchidos essencialmente
pela migração sulista para o Centro-Oeste, que se caracteriza em três tipos principais de famílias
migratórias, “os que possuíam terras, os descapitalizados e os desapropriados”. Sendo o
primeiro grupo de famílias, aquelas que se caracterizaram por possuírem terra na região de
origem, mas que influenciadas pelas propagandas de migração, promovidas fortemente pelo
Governo Militar, veem uma “oportunidade de melhor espaço e uma extensão de terra maior”.
O segundo conjunto de migrantes se define pela “descapitalização na região de origem”,
homens sem-terra, que, de “forma isolada”, buscavam melhores condições de vida e trabalho,
assim vinham trabalhar nas grandes fazendas na esperança de serem donos de um pedaço de
Expedição, conduzida pelos Irmãos Villas Bôas e sob o comando militar do Coronel Vanique Mendes, tinha como
objetivo mais remoto atingir o Rio Tapajós”.
37
terra. Já o terceiro grupo consiste nos “excluídos e desapropriados no sul”, fundamentalmente
por causa da concentração de terras naqueles espaços nas mãos de grandes empreendedores.
2.1 A Migração e o Trabalho na Formação da Cidade: o setor agrícola e
madeireiro nas décadas de 70 e 80
Inicialmente foi criada a Gleba Celeste8, projeto elaborado para realizar uma idealização
de organização de moradia e trabalho do povoado, no qual se estabeleceu uma divisão em zonas
urbanas e rurais. A zona urbana sendo composta de bairros residenciais e industriais, e as rurais
tendo, dentre as finalidades, o desenvolvimento da produção de hortifrutigranjeiros para a
cidade.
Nas palavras de Silva (2014, p. 3), “o núcleo de povoamento foi planejado e dividido
em lotes rurais e urbanos, subdivididos em: residenciais, comerciais e industriais, circundados
por um cinturão de chácaras de 5 a 10 hectares, para a produção de hortifrutigranjeiros”. De
certa forma, estabeleceu-se uma separação entre os migrantes com maior influência e mão de
obra mais qualificada, como os proprietários de Imobiliárias e seus familiares, empresários e
comerciantes, inseridos na zona urbana; enquanto famílias de pequenos agricultores e migrantes
desfavorecidos eram ‘acomodados’ na zona rural.
Com o incentivo e a promessa de terras férteis e o progresso na região, “os migrantes
foram impulsionados pelo Governo Militar a virem ao norte mato-grossense para preencherem
“o espaço vazio”” (PHILIPPSEN, 2013, p. 50). Assim, desde o início da colonização, o
propósito da colonizadora era implantar a produção do café, principal produto de exportação
do estado do Paraná, mas que se encontrava naquele momento em fase de declínio na região
sul decorrente às geadas que assolavam com uma vasta produção. Desinente a essas
circunstâncias, impulsionou-se a migração dos de pequenos produtores à região norte mato-
grossense. Desse modo, inicialmente esses migrantes eram incentivados à produção agrícola de
café e mandioca, posteriormente se principia uma decadência do incentivo à produção e
comercialização dessas culturas e aos poucos passam a ser abandonadas pelos pequenos
agricultores (PHILIPPSEN, 2013).
8 Projeto idealizado pela Colonizadora Sinop S.A, para o processo de ocupação da Amazônia mato-grossense.
Inicialmente a Gleba Celeste foi dividida em lotes de diferentes tamanhos em formatos de lotes rurais e urbanos.
O espaço territorial era constituído oficialmente pelas cidades de Sinop, Vera, Santa Carmem e Cláudia. Essa
extensão, inicialmente, pertencia ao município de Chapada dos Guimarães (na época, maior município do Estado
de Mato Grosso em extensão territorial).
38
Como expõe a mesma autora (2013), os experimentos, relacionados aos plantios do café
e da mandioca, tiveram um fracasso, que pode ser justificado pelo desconhecimento e a
inexperiência dos pioneiros sobre o espaço geográfico, relacionados ao solo e ao clima da
região, já que anteriormente esses migrantes atuavam em outras atividades ou com outras
variedades de produção no sul do país.
Ainda segundo Philippsen (2013, p. 75), “na chegada dos migrantes, que vinham
principalmente na expectativa de satisfazer o desejo de possuírem terras e melhorarem suas
condições de vida, no entanto, desenhou-se um cenário distinto, de reais dificuldades que foram
encontradas pelos “desbravadores” da floresta.” A inadequação ao plantio do café na região
conduziu a grandes prejuízos aos ‘colonos’, condição totalmente inversa aos dos anúncios e das
fotos que eram propagandeadas pela colonizadora, que exaltavam os fatores climáticos, como
a ausência de geadas e de chuvas constantes. Podemos constatar essas assertivas, também, no
seguinte excerto de entrevista realizada com um pioneiro de 57 anos, morador da região central
da cidade que chegou ao município de Sinop em 1977,
Olha (+), o meu pai, o sonho dele era o café (+), a plantação de café. Como
mostravam fotos falsa na época, pra trazê o pessoal pra cá, fazendas de
cafeza::is aqui na cidade que nunca existiu, meu pai foi um dos que se iludiu
com o café que nunca teve no Mato Grosso, aqui na no::ssa região também
não. Mostrado pela própria Colonizadora Sinop. Foi uma decepção to:tal. Luz
(+) só tinha na escola, que era da Colonizadora e ligava na escola. Tudo era
decepcionante, não tinha nada, foi decepcionante quando chegamos aqui.
(Entrevistado C3 M9)10.
Além da frustração com as ‘falsas’ propagandas divulgadas pela colonizadora por meio
de folders e fotografias que enalteciam a Gleba Celeste como terra ‘fértil’, sobre cafezais que
não ‘existiam’ e com o insucesso na produção do café e outras culturas por causa do solo e à
falta de financiamento aos colonos, os primeiros migrantes enfrentaram também dificuldades
em relação à moradia, à malária e à febre amarela, bem como dificuldades no período de
chuva11. Conforme é enfatizado na entrevista com o pioneiro C3 M, “as condições de moradia
eram difíceis, as casas eram levantadas com lonas, sem piso e divisórias, eram tudo provisórias
[...] a febre amarela era epidemia na região”. O entrevistado relata ainda sobre as dificuldades
9 C – sujeito entrevistado do Centro. F e M correspondem ao sexo Feminino e Masculino. No terceiro capítulo
será apresentado uma tabela com os dados e siglas dos sujeitos entrevistados, para a preservação de suas
identidades. 10 Procurou-se preservar a variação fônica ou da pronúncia características de todos os entrevistados. 11 O período de chuvas compreende-se entre os meses de novembro a abril. Entre os meses de maio a outubro é o
período relativo à seca.
39
de comunicação, o acesso às estradas e à aquisição de alimentos no período de chuvas, sendo
que dependiam da COBAL (Companhia Brasileira de Alimentos)12:
O fato que mais me marcô, quando eu cheguei aqui (2.5), foi eu ficá totalmente
isolado, sem comunicação nenhuma, sem podê saí daqui, sem/porque as
estradas, simplesmente elas ficaram numa situação que não tinha como ir e
nem vir (+), ficamos isolados do resto do mundo. Se não fosse o Búfalo, os
aviões do exército que trazia comida pra nós, nós teríamos passado fome.
Chegô a um ponto de tê dinheiro e não tê comida pra comê. Daíí, foram onde
que começaram/(+) quando tinha a COBAL aqui em Sinop, que era um
mercado abastecido pelo governo(0.5), então não é nada de graça pro po::vo,
mas, aí mandavam alimento po povo, o básico pro povo podê se mantê durante
à época de chuva (Entrevistado C3 M).
Com o declínio da produção da agricultura, a falta de recursos e financiamentos do
governo federal, inicia-se, então, uma expansão na extração e instalação de madeireiras,
desenhando-se o cenário do setor madeireiro na região. Conforme Philippsen (2013, p. 67), “a
madeireira tornou-se, consequentemente, o principal produto de industrialização e de
comercialização da região”.
Segundo Teixeira (2006), a madeira foi a principal fonte de renda no início da ocupação
da região, já que a madeira era encontrada em abundância e precisava ser retirada para o
processo de ocupação, o que garantiria de certa forma a posse da terra.
Dessa forma, o trabalho na extração de madeira nas décadas de 1970 e 1980 passa ser a
principal atividade econômica na região mediante as instalações do setor madeireiro no norte
mato-grossense, que ganham forças com a expansão de empresas das regiões sul e sudeste do
país, visto que muitos dos trabalhadores das madeireiras foram funcionários deslocados para a
região e junto trouxeram a família que passa a depender exclusivamente das condições de
moradia e educação que eram ofertadas pelas empresas. Assim, este trabalho foi o pilar na
formação da sociedade local (LORD, 2011).
A fotografia, abaixo, apresenta um Parque Industrial Madeireiro da década de 1980. Ao
lado dos grandes barracões, no canto esquerdo, vemos a colônia de casas dos trabalhadores na
Indústria Madeireira (1983) que eram ofertadas aos funcionários e família dos funcionários, os
quais dependiam das instalações de moradia oferecidas pela empresa do setor madeireiro.
12 “Por ocasião da visita do Ministro da Agricultura, foi entregue à população o armazém da COBAL (Companhia
Brasileira de Alimentos), destinado a fornecer alimentos, utensílios e produtos de primeira necessidade a preços
mais acessíveis” (PHILIPPSEN, 2013, p. 76-77).
40
Fotografia 01: Parque Industrial Madeireiro em Sinop (1980).
Fonte: Acervo Museu Histórico de Sinop.
Entretanto, conforme Philippsen (2007), a atividade no setor madeireiro, que teve
apogeu na década de 80, passa a entrar em declínio já no início da década de 90. Como podemos
verificar no fragmento abaixo,
a atividade madeireira, tão explorada e difundida nos anos 80, não conseguiu
se estabilizar e nem garantir ganhos substanciais aos empresários madeireiros.
Sem infra-estrutura, sem investimentos e recursos para se capitalizar e sem
incentivos políticos governamentais para o fortalecimento do setor, o
madeireiro, em geral com um perfil de pouca instrução (escolaridade) e de
gerenciamento muito abaixo dos padrões exigidos para uma inserção
competitiva nos mercados nacionais e internacionais, não encontra apoio para
prosseguir na atividade (PHILIPPSEN, 2007, p. 24).
A partir da década de 1990 inicia-se, então, um avanço no setor agrícola com a produção
de milho, arroz e a soja como carro chefe. De acordo com Lacerda (2013, p. 25), passam a se
instalar na região as grandes companhias internacionais voltadas ao desenvolvimento do setor
agrícola. Dentre as companhias o autor destaca a Bunge13, Cargill14 e a ADM15. Assim, o
13 “BUNGE: Bunge Corporation, baseada em Saint Louis. Tem unidades industriais, silos e armazéns nas
Américas do Norte e do Sul, Europa, Ásia, Austrália e Índia, além de escritórios da BGA (Bunge Global
Agribusiness) atuando em vários países europeus, americanos, asiáticos e do Oriente Médio. No Brasil, controla a
Bunge Alimentos, a Bunge Fertilizantes e a Fertimport. 14 CARGILL: é uma multinacional norte-americana fundada em 1865 por W.W. Cargill em Iowa. Atualmente
comercializa, processa e distribui produtos agrícolas, alimentícios, financeiros e industriais em 59 países. Sua sede
está em Minneapolis (Minnesota – EUA). 15 ADM: Archer Daniels Midland, com sede em Decatur, Illinois (USA), processa ingredientes especiais para
rações e produtos alimentícios” (LACERDA, 2013, p. 25).
41
objetivo da ocupação dessas áreas passa da colonização e fundação de cidades para um novo
processo, a “expansão cada vez maior da produção de grãos, destinada à exportação”.
2.2 Sinop nos Dias Atuais
Atualmente, Sinop conta com uma população de 126.817 habitantes (estimativa IBGE16,
2014), e está situada em uma área de expansão da atividade agrícola moderna e de produção
agroindustrial, influenciam, “na atual sustentação econômica, a múltipla prestação de serviços
e um comércio varejista e atacadista estruturado”, além da caracterização do alto uso
tecnológico na utilização de insumos agrícolas e maquinários (empresas especializadas nessa
área) e centralização de prestação de serviços públicos e privados (MOURA, 2014, p. 06).
A cidade destaca-se também na área educacional, sendo considerada ‘cidade
universitária’. De acordo com Philippsen (2013, p. 80), “são nove faculdades que oferecem
mais de 60 cursos de nível superior, com destaque para a Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT) e à Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)”.
Composta atualmente por migrantes de todas as regiões do país, fato que se deve ao
processo histórico de colonização, contudo a existência de traços que remetem à identidade
cultural sulista é notavelmente presente na cidade de Sinop, fato que se justifica pelas políticas
de colonização incentivadas pelo governo militar em parceria com empresas privadas
provenientes da região sul do país, conforme já supracitado, e enaltecido no seguinte excerto
de Moura:
Sabe-se que os fluxos migratórios, impulsionados pela política de
colonização privada em Mato Grosso, culminaram no enriquecimento cultural
mato-grossense, criando novas identidades culturais, mesmo que advindas de
outras regiões, contribuindo para ampliar a diversidade já existente.
(MOURA, 2014, p. 6).
O município é a quarta economia do estado de Mato Grosso e é renomada como a
“Capital do Nortão”. A soja é o principal produto cultivado e move a economia local. Conforme
dados de pesquisa de Junior (2014, p. 109), o cultivo da soja foi se expandindo na região e se
tornou a principal atividade econômica, obtendo mais de 8 milhões de hectares plantados na
safra 2013/14 e respondendo por 60% do valor das exportações.
16 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
42
Lacerda (2013) fala sobre esse processo de expansão da produção agrícola que culminou
no que ele descreve de “vulnerabilidade social e segregação social”, provocando o processo de
urbanização acelerado e, ao lado desse crescimento econômico, há o aumento das desigualdades
econômicas, sociais e culturais. Como consequência, conduz-se a concentração dos novos
migrantes às periferias urbanas da cidade.
Ainda segundo este autor, esses fatores são os facilitadores da segregação socioespacial
que pode levar à exclusão social. E que é muito comum nas modernas cidades de nosso país.
A este respeito Villaça (2001) explana que o padrão de segregação mais conhecido das
cidades brasileiras é o do centro para a periferia. No qual o centro urbano da cidade é equiparado
pela maioria dos serviços urbanos públicos e privados e é, geralmente, ocupado pelas classes
com rendas mais altas; enquanto os bairros, com menor atribuição desses serviços e afastados
do centro, são resididos principalmente pelos excluídos.
A seguir será permeado um breve relato da trajetória histórica dos bairros que foram
lócus da presente pesquisa realizada, que se compõem de dois diferentes pontos de localizações
na cidade de Sinop. Embora esses dois bairros que integram a pesquisa sejam geograficamente
próximos (aproximadamente 5 km entre um e outro), eles se diferenciam pela questão de um
espaço geográfico ser caracterizado como centro urbano e outro como periférico. Nas palavras
de Souza (2006, p. 209) “torna-se visível em Sinop a desigualdade entre os preços dos terrenos
do centro da cidade – bem mais altos – e os da periferia”.
2.2.1 Região Centro-Urbana de Sinop
Inspirado no traçado da cidade de Maringá – PR, o plano de projeto urbanístico da
cidade de Sinop rege-se por uma planta com o traçado da mesma. Conforme cita Arruda (1997,
p. 134), “o projeto urbanístico, concebido para a cidade, segue os parâmetros similares ao
desenho urbano da cidade de Maringá (local de origem da empresa colonizadora)”. Entretanto
não se seguiu à risca o projeto urbanístico, visto que é perceptível a separação de sujeitos de
classes média alta e média baixa, esses sujeitos estão divididos em diversos grupos sociais. Por
sua vez, como planejado inicialmente pela Colonizadora Sinop S/A, estabeleceu-se a divisão
entre centros residenciais e industriais, estes sendo excluídos do comércio imobiliário, afastados
do centro e inseridos em lotes não planejados em regiões de aspectos periféricos, carentes de
infraestruturas e serviços públicos.
43
Segundo estudos de Romancini et. al. (2003), a produção do espaço urbano público e
privado da cidade de Sinop revela uma complexa estrutura social separada em classes e revelada
pela segregação, que são resultados do processo histórico de ocupação.
Atualmente, toda a área central conta com atendimento de serviços públicos, como
hospitais, iluminação, limpeza pública, água tratada e esgoto, além de atendimentos
particulares. Constitui-se, também, de um compreensivo setor relacionado a serviços bancários,
comércios, saúde e educação. Esta área conta com avenidas largas e arborizadas. A esse respeito
Souza (2006), afirma que,
Sinop possui ruas e avenidas planejadas, como uma forma de controlar a
circulação das pessoas pelo espaço urbano e o acesso mais fácil para as forças
de segurança, se alguma área apresentar risco para a “ordem pública”,
controlando o espaço urbano e a movimentação das camadas populares neste
mesmo espaço (SOUZA, 2006, p. 213).
Segundo este autor (2006, p. 207), no começo da ocupação de Sinop, a avenida central
da cidade, a Júlio Campos (antigamente denominada Avenida dos Mognos), era local de
moradia e concentração comercial, com instalações provisórias, posteriormente inicia-se o
processo de urbanização da cidade, “com o surgimento dos primeiros estabelecimentos
comerciais, como farmácia, armazém, hotel, oficina mecânica, loja de confecções, serviços
públicos, escolas, igrejas, hospital e outros”.
Souza (2006, p. 208) relata ainda que o processo de expansão urbana difundiu-se a partir
de 1984 e 1985, da “Avenida Júlio Campos (antiga Avenida dos Mognos) em direção à
periferia. Novos bairros são incorporados, ruas e avenidas são abertas, auferindo à especulação
imobiliária grandes lucros através da comercialização elevada dos lotes urbanos”. Ocorrendo,
assim, um grande aumento da população urbana e declínio da população rural no período de
1988 a 1990.
O centro urbano, principalmente as ruas e avenidas mais antigas, construídas desde o
início da colonização, é composto em sua maioria por sulistas que estão ali presentes desde a
migração ao norte de Mato Grosso, bem como a segunda geração da família desses migrantes
que permanece em grande parte nesse espaço geográfico.
Vale ainda ressaltar que, conforme os migrantes entrevistados, as dificuldades eram
grandes em relação às condições de moradia, que eram extremamente precárias à época da
colonização. Na área da saúde, contava-se com apenas um pequeno posto de saúde e um único
médico. A primeira moradia desses migrantes era embaixo de lonas, até levantar a casa de
44
madeira. Estes fatos foram também relatados pela entrevistada C1 F, de 73 anos, moradora na
região central desde que veio para a cidade em 1976,
A minha primeira casa, eu cheguei aqui (0.5) não tinha te::to, não tin:ha na::da
((risos)). Morei debaixo de lona, até terminar a casa. Era casa de madeira, que
você olhava de fora pra dentro você via tudo lá dentro. E piso não tinha, era
chão batido [...]. A parte de saúde, nós tinha um posto de saúde com um único
médico. A farmácia não tinha, o mercado tava abrindo o Machado Primaveras
(+) que era um corredor de madeira, desse tamanhinho ((gesticula com a
mão)). E tinha a COBAL que abastecia, mas não existia praticamente na::da,
não existia farmácia, não tinha médico, se você dependesse de uma
necessidade, um (1.5) caso de emergência de saúde, acho que morria aqui
mesmo, porque não tinha com o quê (+), era tudo muito difícil. (Entrevistada
C1 F).
No setor educacional, as dificuldades também eram grandes, durante o primeiro ano de
colonização existia uma única sala de aula de madeira, que havia sido construída em mutirão
com a ajuda de pais de alunos. Em 1974 foi construída, pela colonizadora, uma pequena escola,
composta de quatro salas de aula. A falta de estrutura, materiais didáticos, transporte e
qualificação profissional dificultavam na alfabetização desses alunos.
De acordo com a entrevistada C1 F, os alunos para se matricularem na escola tinham
que apresentar uma carteira de vacinação, isso servia como um controle para que todas as
crianças fossem vacinadas contra a malária, que era a causa de muitas mortes na época.
Em todos os relatos coletados com moradores da região central, que estão no município
desde o início da colonização, apresentaram-se, enfaticamente, grandes dificuldades
vivenciadas, desde a falta de infraestruturas, doenças e até a falta de perspectivas de vida.
Porém, com o passar dos anos, a cidade se desenvolve e as dificuldades iniciais são
minimizadas.
Portanto, a segunda geração dessas famílias pioneiras, ou aqueles que ainda chegam à
região diariamente de todos os cantos do país, pois Sinop ainda desperta sonhos e esperanças,
já não se deparam com dificuldades rudimentares. Essa constatação é feita pela entrevistada C2
F, de 23 anos, moradora da região central há 8 anos e oriunda da região sul do país:
Aqui acho que não teve e não tenho, porque:: aqui assim (+) é perto de tu:do,
tem mercado perto, a escola sempre foi perto, a igreja é aqui perto, então (+)
assim não teve tanta dificuldade. Por ser no centro, né, é tudo aqui ao redor
[...]. Aqui, como mora muito, o pessoal mais antigo do centro, é uma rua mais
antiga, todo mundo conhece to::do mundo, e a relação é boa (Entrevistada C2
F).
45
Atualmente, a área central urbana de Sinop é de 17, 0108 km² (estimativa Embrapa17).
Possui uma população de 4. 313 habitantes (IBGE, censo 2010 - Setor Comercial).
A tabela 1, abaixo, apresenta o rendimento per capita dos moradores do bairro, segundo
a condição no domicílio e o compartilhamento da responsabilidade pelo domicílio (IBGE, censo
2010):
TABELA 01
Bairro Classes de rendimento nominal
mensal
Setor Comercial
Total 3.827
Até 1/2 salário mínimo 29
Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 321
Mais de 1 a 2 salários mínimos 613
Mais de 2 a 5 salários mínimos 881
Mais de 5 a 10 salários mínimos 517
Mais de 10 a 20 salários mínimos 169
Mais de 20 salários mínimos 79
Sem rendimento 1.218
Sem declaração -
Fonte: IBGE - Censo Demográfico ano 2010.
2.2.2 Bairro Jardim Boa Esperança
O histórico do bairro será permeado através de dados e entrevistas coletadas no
arrabalde, com moradores, o representante da Associação de Moradores de Bairro e no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de leis sancionadas que constituíram o bairro
Jardim Boa Esperança, como é denominado atualmente, coletadas na Prefeitura Municipal de
Sinop e no Portal Transparência18.
Antes de ser denominado como Jardim Boa Esperança em 1997, a região era constituída
de loteamentos, sendo inicialmente chamados de Loteamento Campo Verde, Decreto Nº 023/96
de 02 de julho de 1996, e Loteamento Jardim do Sol, Decreto Nº. 024/96 de 02 de julho de
1996, respectivamente.
17 Urbanização das cidades brasileiras, Embrapa monitoramento por Satélite. Visitado em: 23 de mar. de 2015.
Disponível em <http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br>. 18 Disponível em <http://sic.tce.mt.gov.br/41>. Acessado em 5 de mar. de 2015.
46
Estes Decretos foram sancionados pelo terceiro prefeito municipal de Sinop, Antonio
Contini, que administrou o município no período de 1993 a 1996. Aprovando, posteriormente,
um novo loteamento, denominado Residencial Porto Seguro, pelo Decreto Nº 030/96 datado
em 02 de agosto de 1996.
A partir da constituição desses três loteamentos é que surge o bairro Boa Esperança em
1997. Aprovado por um novo Decreto de Nº 481/97 que dá aos loteamentos Campo Verde,
Jardim do Sol e Residencial Porto Seguro a denominação de bairro Jardim Boa Esperança. A
lei datada em 27 de junho de 1997 foi sancionada pelo prefeito Adenir Alves Barbosa em seu
segundo mandato de 1997 a 2000. O seguinte Decreto aprova,
Art. 1º - Fica denominado de Bairro Jardim Boa Esperança, a área urbana do
Município de Sinop que abrange os loteamentos Jardim Campo Verde, Jardim
Morada do Sol e Residencial Porto Seguro.
É o que podemos verificar, também, no excerto de entrevista realizada com o Presidente
da Associação de Moradores de Bairro do Boa Esperança,
O Boa Esperança é (1.5), como foi falado, era o Jardim do Sol. Com o tempo
ele foi Campo Verde, Jardim do Sol e depois o Porto Seguro. Com o tempo
fizemos uma reunião com os moradores com uma votação, aí escolhemos o
nome Boa Esperança, pra ser o denominador desses três (+) a junção dos três,
como se diz, loteamento, não era bairro (+) Loteamento Campo Verde,
Loteamento Jardim do Sol e Loteamento Porto Seguro. (Entrevistado
Presidente B5 M).
O bairro Jardim Boa Esperança encontra-se situado na Avenida André Antônio Maggi,
aproximadamente a 5 km do centro da cidade. O arrabalde compreende uma população de 5.
493 habitantes (IBGE, censo 2010).
A tabela 2, abaixo, apresenta o rendimento per capita dos moradores do bairro Boa
Esperança, na condição de domicílio e o compartilhamento da responsabilidade pelo domicílio
(IBGE, censo 2010),
TABELA 02
Bairro Classes de rendimento nominal
mensal
Jardim Boa Esperança
Total 4.422
Até 1/2 salário mínimo 236
Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 966
47
Mais de 1 a 2 salários mínimos 1.199
Mais de 2 a 5 salários mínimos 418
Mais de 5 a 10 salários mínimos 38
Mais de 10 a 20 salários
mínimos 2
Mais de 20 salários mínimos -
Sem rendimento 1.563
Sem declaração -
Fonte: IBGE - Censo Demográfico ano 2010.
A formação do bairro foi e é constituída por um segmento social que se diferencia de
outros bairros e principalmente do centro urbano da cidade, como se pode conferir no quadro
acima, segmento este marcado pelas diferenças socioeconômicas, bem como pela educação,
trabalho, cultura e origem. Essas diferenças se compõem desde o início de sua criação e
carregam até nos dias atuais uma forte carga de estigmatização.
O espaço é caracterizado como região de periferia, que se deve ao fato do bairro ser
localizado a uma distância do centro urbano da cidade. “O fato de que à medida que nos
afastamos do centro rumo à periferia da cidade, nota-se que a cidade tem padrão urbanístico
extremamente segregador” (SILVA, 2014, p. 3). Essa diferenciação implica-se na localização
dos bairros e, consequentemente, ao fator socioeconômico, como é possível verificar nas
assertivas produzidas por Castells,
A distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos
produtos e, por conseguinte, opera reagrupamentos em função da capacidade
social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas,
de seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase
do ciclo de vida, etc. (CASTELLS, 1983, p. 210).
Deste modo, a formação do bairro ocorreu, inicialmente, por moradores oriundos em
sua grande parte de regiões de garimpo, como Peixoto de Azevedo e Guarantã do Norte, em
consequência à estagnação da atividade garimpeira, refugiando-se em outras cidades, como
Sinop, em busca de melhores condições de vida, instalando-se em lotes distantes do centro, em
razão à facilidade de adquirir terrenos por baixo custo à época. É o que podemos constatar na
seguinte afirmação de Marta,
Com a queda do preço do ouro, a partir de 1991, alguns municípios que
nasceram do ouro ainda resistem, mas são verdadeiras cidades fantasmas,
onde as pessoas recebem para continuar morando. As populações foram para
48
cidades maiores em busca de emprego. Sinop tem bairros retendo a evasão
garimpeira de Peixoto de Azevedo, Paranaíta e Apiacás. (MARTA, 1999b,
apud, SOUZA, 2006, p. 211).
De acordo com os relatos coletados na entrevista com o presidente do bairro, que morou
em região de garimpo na cidade de Peixoto de Azevedo, este veio para Sinop domiciliando-se
no Jardim do Sol, que atualmente é Boa Esperança, relata que os preços dos terrenos eram
acessíveis, este fato era o que motivava os migrantes em sua maioria do garimpo a se instalarem
no bairro.
Portanto, estas pessoas passam a se domiciliar em locais mais afastados do centro, com
pouca infraestrutura e baratos, pois são locais de moradia que se enquadram em suas situações
econômicas e profissionais.
A esta situação Negri (2008) assevera que,
As maneiras como as classes se distribuem no espaço urbano dependem do
acúmulo de capital individual que cada um consegue ter. Morar em um bairro
popular não depende somente de suas características culturais, étnicas ou
raciais, mas da reprodução da força de trabalho que o capital precisa para
reproduzir-se. (NEGRI, 2008, p. 15).
A região que atualmente constitui o Boa Esperança era conhecida e afamada como
“peixotinho”, em razão da maioria dos que residiam na localidade serem procedentes da região
de garimpo e vinham principalmente da cidade de Peixoto de Azevedo. Como afirma Souza
(2006, p. 210), “o bairro Jardim Boa Esperança (fusão de outros três bairros) é um verdadeiro
“peixotinho”, formado por pessoas que fugiram da crise do ouro no extremo norte de Mato
Grosso e vieram em busca de melhores condições de vida para as suas famílias”.
Sobre este assunto podemos, ainda, verificar no excerto de entrevista, quando o
presidente do bairro fala das dificuldades que esses moradores enfrentaram ao chegar à cidade.
Relacionadas principalmente às dificuldades de arranjarem emprego, por serem provenientes
de atividades garimpeiras da região de Peixoto e por residirem no Jardim do Sol, um motivo a
mais para a estigmatização desses moradores,
A dificuldade de você arrumá emprego, porque quem vinha de Peixoto pra
Sinop, era um pobrema sério. E quem vinha de Peixoto para o Boa/o “Jardim
do Sol”, era mais pobrema sério pra arrumá emprego porque (+) na realidade
o povo de Sinop, o centro, a sociedade que tava aqui a mais tempo, eles
49
falavam/eles chamavam o Jardim do Sol de “peixotinho”. Era o peixotinho,
porque todo mundo de Peixoto é da região do garimpo (1.5) e vinha para o
Jardim do Sol. Então, se você era de Peixoto, chegava para fazer uma ficha de
emprego, falava que era de Peixoto “hum (+) amanhã eu ligo pra você”. “Cê
mora mesmo aonde?” “No Jardim do Sol”. “Então, não tem como”.
(Entrevistado Presidente B5 M).
No início da formação do bairro, as condições de infraestruturas e moradia eram
extremamente precárias e até mesmo insalubres. De acordo com entrevistas coletadas com o
presidente e moradores, o bairro era extremamente carente em condições de saúde, educação,
água tratada, esgoto e iluminação. As poucas possibilidades de trabalho a essas pessoas eram
de alinhador de serraria, dedetizador e vendedor autônomo.
Com o passar dos anos, o bairro consegue um bom desenvolvimento nas condições de
moradia e infraestruturas e, consequentemente, os moradores têm mais oportunidades de
mercado de trabalho, apesar do bairro ter sido há muito tempo designado de “peixotinho”
devido ao fluxo de migração de Peixoto de Azedo e outras regiões de garimpo. Nos dias de
hoje, o bairro é composto ainda de muitos moradores que vieram à época de garimpos da região
de Peixoto de Azevedo e Guarantã do Norte e que ainda estão vindo à cidade e se instalando no
bairro, motivados principalmente por emprego. Há, também, um grande número de
maranhenses.
Atualmente, o bairro conta com uma creche, escola, farmácia, posto de saúde, mercados
e dispõe ainda de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), de uma praça
esportiva, ginásio e campo de futebol. Compreende 70% de iluminação pública e asfalto em
todo o bairro. Possui uma base do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sinop (SAAES) que
abastece uma parcela da cidade.
O bairro também tem uma Base Comunitária de Segurança Pública, inaugurada em 04
de junho de 2011. A base é a quarta já inaugurada no interior de Mato Grosso por meio da
Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP/MT) em parceria com a Prefeitura Municipal
de Sinop.
A instalação da Base Comunitária de Segurança tem como idealização a diminuição do
índice da criminalidade, e os serviços da Base se estendem para toda a população da cidade. De
acordo com relatos do presidente do bairro, a instalação dessa Base é resultado de muitos anos
de luta dos moradores, da Pastoral e de outras entidades do bairro juntamente ao Governo do
Estado.
Neste contexto, a população carecia e exigia de imediato a presença de uma Base de
Segurança, decorrente dos elevados índices de criminalidade, homicídios, apreensões de drogas
50
e receptação de produtos de furtos que o bairro enfrentava e enfrenta, fatores estes que fazem o
bairro ainda sofrer uma forte carga de estigmatização por moradores do centro da cidade e
também por outros bairros, apesar do empenho desenvolvido nas condições de infraestruturas
e moradia.
Ainda conforme relatos de moradores entrevistados e o representante do bairro, o maior
e mais grave problema enfrentado pelo bairro é a droga. O uso e venda de entorpecentes e,
consequentemente, a receptação de produtos de furtos, fundamentalmente, para o consumo de
entorpecentes. Segundo moradores, o cenário que se desenha é a “rivalidade com moradores de
outros bairros [...] e cria um atrito, e acaba querendo fazê acerto de contas” (Entrevistado B3
M), devido ao tráfico, ao consumo de entorpecentes e à queima de arquivo.
Para esses jovens, o tráfico representa a possibilidade de atingir um status
social e obter respeito da sociedade. O traficante é visto como um indivíduo
respeitado, que possui poder e dinheiro, algo quase inatingível em uma
comunidade de baixa renda. No imaginário de vários jovens, é o traficante
quem zela pelo bem-estar da comunidade, na medida em que faz benfeitorias
(muitas vezes substituindo o papel do Estado). Acima de tudo, é quem os
respeita como cidadãos (CASTRO, 2002, p. 171).
Dessa forma, segundo esta autora, em um meio de exclusão social o envolvimento com
o tráfico de drogas pode estar relacionado ao desejo de satisfação de consumo, do qual eles são
excluídos ou, ainda, porque a sociedade não oferece meios legítimos para a inclusão social.
Assim, podemos compreender a percepção pejorativa que muitas pessoas apresentam
sobre o bairro, como violento, perigoso, marginal e pobre. O que, consequentemente, cria uma
grande estigmatização sobre o local. A partir desse contexto é que podemos buscar uma
compreensão do porquê o bairro mesmo depois de ter crescido tanto em condições de
infraestruturas, saúde, educação etc. ainda ser muito estigmatizado se comparado com inúmeros
bairros que não possuem condições básicas de serviços públicos como saúde, educação,
iluminação, água tratada e esgoto.
A esse contexto cabe expor que o bairro possui um projeto social voltado à área
esportiva para crianças e adolescentes. O projeto foi criado com o objetivo de promover a
integração dessas crianças e adolescentes com a comunidade e bairros vizinhos, no intuito de
ampliar o universo cultural e educacional.
51
Conforme sanciona a lei do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente19, é dever,
também, da sociedade, além do Estado, assegurar a efetivação dos direitos da criança e do
adolescente, como à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à convivência familiar e
comunitária.
Assim, o projeto na área esportiva, criado e dirigido pelo presidente do bairro em
parceria com um professor, instituições e moradores do bairro, atende de domingo a domingo
no período vespertino. As atividades são realizadas no campo da associação de moradores aos
fundos da Escola Municipal de Educação Básica Armando Dias. O projeto estende-se para
moradores de outros bairros e atende em média 200 crianças e adolescentes. De acordo com o
presidente, o trabalho social tem dado a esses jovens oportunidade de um futuro melhor e tem
resgatado muitos adolescentes do caminho das drogas e criminalidade.
Após as considerações sócio-históricas tecidas, as quais demonstram que a população
da cidade de Sinop é formada por um conjunto de diversas etnias, costumes e de distintos grupos
socioeconômicos, é impossível ignorar que a diversidade étnica e cultural se faz estritamente
presente. De acordo com Signorini (2002, p. 76-77), “a língua se relaciona com a sociedade
porque é a expressão das necessidades humanas de se congregar socialmente, de construir e
desenvolver o mundo”.
Assim, a língua é, de certa forma, pioneira na constituição de uma sociedade, sendo
indispensável e apresentando variações em sua formação e significação, originárias de
diferentes culturas, etnias e regiões. Conforme expõe Frosi (2010, p. 172), “é indiscutível a
importância que tem a língua materna na manifestação da cultura e da etnicidade de um grupo
étnico”.
Podemos notar, também, que diferenças são perceptíveis no uso da língua por
grupos/comunidades linguísticas que se diferenciam nas condições socioeconômicas, até
mesmo dentro de um mesmo segmento social as particularidades do uso da língua são
percebíveis ou apresentam diferenças que podem acarretar julgamentos preconceituosos e que
levam à exclusão social. Fenômeno este linguístico e social, que será analisado, pelo viés da
Sociolinguística e também da Gramatica Normativa, ao decorrer do próximo capítulo a partir
dos resultados apreendidos no corpus da pesquisa.
19 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/1990). 3. ed. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, 2004.
52
3 APRESENTAÇÃO METODOLÓGICA E TESSITURAS ANALÍTICAS SOBRE O
CORPUS
Neste terceiro capítulo, constam os procedimentos metodológicos que orientaram os
passos da nossa pesquisa. Iniciamos, explicando como tivemos acesso ao corpus e quais as suas
características. Na sequência, tratamos sobre os métodos e materiais utilizados para a coleta de
dados. E, de forma breve, apresentamos novamente algumas ponderações acerca das
comunidades estudadas voltadas para a questão socioeconômica e trazemos algumas
considerações sobre a concordância verbal normativa. Em outra subseção, discorremos sobre o
modelo de análise adotado para a composição do trabalho e mostramos a organização das
variáveis de acordo com os fatores propostos neste trabalho: o uso da concordância padrão x
não-padrão, com um comparativo dos dois lócus em que se desenvolve a pesquisa.
3.1 Procedimentos da pesquisa e seleção dos informantes
O trabalho, como já apontado, segue o viés teórico-metodológico da Sociolinguística
Variacionista, utilizando-se de pesquisas bibliográficas e de campo. Com relação ao primeiro
enfoque, os construtos teóricos da Sociolinguística Variacionista foram imprescindíveis para
proceder às análises; quanto ao segundo, permitiu-nos a coleta do corpus, realizado no bairro
Jardim Boa Esperança e na região Centro urbana de Sinop, ambos lócus da presente pesquisa.
Como instrumento de coleta de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada, que
consistiu em perguntas abertas e fechadas gravadas em áudio. Portanto seguiu-se um conjunto
de questões definidas do roteiro, no entanto, foram lançadas questões adicionais para esclarecer
os subentendidos, ou para recompor o contexto da entrevista, nos momentos em que alguns
informantes tiveram dificuldades em responder sobre o assunto da pergunta.
Para darmos início à coleta de entrevistas na pesquisa de campo, optamos,
primeiramente, em estabelecer um contato inicial por meio de uma conversa mais informal com
os informantes, marcando um horário em que os nossos entrevistados dispusessem e tivessem
tempo razoável para a entrevista, essa técnica também foi pensada para a preparação da ideia
em conceder a entrevista, visto que, muitas vezes, o informante pode ficar atônito no momento
do convite. No entanto, houve entrevistados que se dispuseram sem problema algum em
conceder a entrevista no momento do contato inicial para a escolha dos entrevistados.
53
Assim, é importante mencionar que no primeiro contato com os informantes foi
esclarecido em que consistia a entrevista, e também sobre a permissão da realização da
gravação, quando asseguramos a privacidade dos dados do entrevistado, bem como a ocultação
de sua identidade. Dessa forma, deixamos claro que o objetivo de nossa pesquisa era de que se
tinha interesse pela história do bairro, bem como pelo seu modo de viver, dados sobre a
localidade, informações acerca da origem dos moradores do bairro, motivos por que vieram
para a cidade de Sinop e instalaram-se nessa localidade, sobre a cidade de Sinop e,
respectivamente, sobre outros assuntos relacionados à cidade e ao bairro; nesse contato inicial,
portanto, não evidenciamos em nenhum momento que o nosso objetivo era o estudo da língua
em uso, deixamos essa informação em segundo plano e a lançamos na sequência da entrevista.
Como propõe Labov (2008), em hipótese alguma se deve evidenciar, no primeiro
contato, que o objeto de estudo é a língua. Preocupamo-nos, também, em apresentar-nos como
estudante, procuramos, desse modo, não empregar a palavra pesquisador, para tentar não
intimidar nosso informante.
Quanto ao método adotado para as entrevistas, vale informar que se procurou atentar,
também, às características dos informantes, tais como, fatores socioeconômicos, escolaridade e
faixa etária. Para isto, elaboramos uma pré-ficha social para a entrevista, na qual, no primeiro
contato, elencávamos se o candidato para a entrevista se encaixava nos requisitos que
procurávamos, e, dessa forma, mantínhamos uma organização dos informantes que
precisávamos, de acordo com o sexo, faixa etária, escolaridade, se eram moradores da cidade
de Sinop desde o início da colonização e o tempo de moradia no lócus em que se realizava a
pesquisa. Essa organização fez-se importante, ainda, para a coleta de dados históricos da cidade
e do bairro, dados estes que foram indispensáveis para a escritura do capítulo II.
O início à ida a campo deu-se no dia 14 de fevereiro de 2015 e estendeu-se até o dia 11
de março de 2015.
3.2 Pesquisa a Campo: entrevista semiestruturada
A ida a campo possibilitou-nos constatar que realizar uma pesquisa de campo não é
tarefa simples e exige muito ‘jogo de cintura’ do pesquisador que se propõe a realizar uma
pesquisa nesse formato.
Contatar informantes para a entrevista foi um tanto difícil no início, necessitou-se de
uma conversa mais informal para explicar quais as nossas intenções e objetivos em estarmos
pesquisando sobre a comunidade/bairro. Diante desse impasse, buscamos, então, tentar resolver
54
essa situação, e a saída foi contatar pessoas da localidade com maior relacionamento nesse
espaço geográfico, como, por exemplo, o representante de bairro e moradores mais antigos, os
quais foram facilitadores para contatar informantes que se enquadrassem no perfil que
precisávamos, no entanto, vale mencionar que, mesmo com a ajuda de pessoas que
intermediaram contato com informantes, esta etapa não foi tarefa fácil, pois alguns
entrevistados ficavam muito receosos quando informávamos que a entrevista se constituiria por
gravação de áudio.
Conforme reportado anteriormente, o método utilizado para a realização da pesquisa foi
o da entrevista semiestruturada, composta por perguntas definidas e abertas, que foram
fundamentais e serviram para que obtivéssemos mais informações. De acordo com Manzini
(1990/1991), esse modelo de entrevistas é estruturado em um assunto sobre o qual
confeccionamos um roteiro com perguntas principais e que foram complementadas por outras
questões relacionadas ao assunto da pergunta ou da pesquisa. Para o autor, na entrevista
semiestruturada, o pesquisador pode obter uma maior gama de informações e de forma mais
livre.
Ainda segundo Manzini,
A entrevista semiestruturada tem como característica um roteiro com
perguntas abertas e é indicada para estudar um fenômeno com uma população
específica: grupo de professores; grupo de alunos; grupo de enfermeiras, etc.
Deve existir flexibilidade na sequência da apresentação das perguntas ao
entrevistado e o entrevistador pode realizar perguntas complementares para
entender melhor o fenômeno em pauta (MANZINI, 2012, p. 156).
Destarte, primou-se pela metodologia sugerida por Labov (2008), para a realização das
entrevistas, a qual preconiza a necessidade de se construir situações de entrevista em que a fala
casual ou espontânea encontre um lugar e possa emergir durante a conversação. Esse estilo de
entrevista é um meio para tentar minimizar o “Paradoxo do observador”, que decorre,
principalmente, pela presença do gravador. Dessa forma, esse modelo induziria à
informalidade’ da fala, pois o entrevistado monitoraria menos a sua fala. Para se alcançar esse
objetivo, adotamos, portanto, o procedimento que é apresentado por Labov (2008), que consiste
no estímulo à produção de narrativas, modo que permite ‘desviar’ o monitoramento do falante-
entrevistado quando fala, pois o mantém envolvido emocionalmente no relato de uma
experiência.
Segundo este autor, essa forma metodológica tem mostrado muito resultado, pois, na
maioria das vezes, os entrevistados podem apresentar alternância no modo da fala.
55
Uma das perguntas desse tipo que tem dado mais resultado é a que lida com o
“risco de vida”: “Você já viveu uma situação em que correu sério risco de
morrer?”. As narrativas produzidas em respostas a essa pergunta quase sempre
exibem uma mudança de estilo que se distancia da fala monitorada e se
aproxima do vernáculo (LABOV, 2008, p. 245).
Em relação ao que Labov propõe, podemos corroborar tais procedimentos nas nossas
entrevistas, visto que os falantes-entrevistados seguiam um estilo de fala de modo mais
monitorado e, ao serem lançadas perguntas de narrativas de experiências, notou-se uma forma
mais ‘solta’ na conversação. Recorremos, assim, também, às narrativas de experiências, como
se poderá verificar na tabela mais adiante, que mostra um panorama das perguntas aplicadas e
que envolvem as narrativas, com temáticas sobre o ‘risco de vida’, proposto por Labov (2008)
e Tarallo (2002), de relatos de infância, como brincadeiras, e sobre dificuldades enfrentadas.
Ao relatarem essas experiências, pôde-se notar em alguns entrevistados um maior
‘descuido’ na fala, no entanto, vale esclarecer que não foram todos os entrevistados que
reproduziram essa mudança, pois, como ressalva Labov (2008, p. 145), “não se pode esperar
que tais procedimentos sejam sempre bem sucedidos na obtenção de uma mudança radical de
estilo”.
Assim, sustentado pelos pressupostos teóricos da Sociolinguística, e seguindo, de forma
adaptada para esta pesquisa, o método sugerido por Labov (2008), em forma de entrevistas
dinâmicas, este estudo tem o intuito de observar, descrever e analisar a língua falada em
situações reais de uso nesses dois lócus da cidade de Sinop, MT, a partir das variações de
concordância padrão e não-padrão, observáveis entre falantes de diferentes origens geográficas
e de aspectos de natureza socioculturais, que motivam as variedades linguísticas.
3.3 Roteiro: instrumento de coleta de dados
Podemos ponderar que a coleta de dados constituiu uma das partes mais importantes
dessa pesquisa, por meio dela buscou-se informações substanciais para o desenvolvimento do
trabalho na parte prática.
Andrade (2010), por sua vez, discorre sobre a importância da coleta de dados na
pesquisa de campo e elucida alguns passos necessários para a sua execução e análise,
Para a coleta de dados deve-se elaborar um plano que especifique os pontos
de pesquisa e os critérios para a seleção dos possíveis entrevistados e dos
informantes que responderão aos questionários ou formulários. A coleta de
56
dados constitui uma etapa importantíssima da pesquisa de campo, mas não
deve ser confundida com a pesquisa propriamente dita. Os dados coletados
serão posteriormente elaborados, analisados, interpretados e representados
graficamente. Depois, será feita a discussão dos resultados da pesquisa, com
base na análise e interpretação dos dados (ANDRADE, 2010, p. 37).
A metodologia adotada para as entrevistas pautou-se na observação dos sujeitos
entrevistados, como referido anteriormente, em fatores de natureza extralinguísticas, tais como
sexo, escolaridade e faixa etária. A variável social sexo refere-se aos papéis sociais entre
homem e mulher e foi observada para investigar se há distinção entre os usos da forma padrão.
O fator escolaridade (escolarizados e com pouca escolaridade) foi estabelecido para verificar
se as pessoas com maior nível de escolarização tendem a ter mais usos da concordância verbal
padrão. E o fator faixa etária foi determinado para verificar qual das duas faixas etárias (entre
15 e 25 anos e acima de 50 anos) apresentam menos as marcas de concordância padrão.
A confecção dos questionários de investigação, instrumento da coleta de dados da
pesquisa, foi fundamentada na revisão bibliográfica das obras de diversos autores da
Sociolinguística e da Metodologia Científica. Utilizamo-nos da entrevista semiestruturada,
como já supracitado, que combina perguntas fechadas e abertas, além do relato de experiência,
proposto por Tarallo (2002) e Labov (2008).
Segundo Tarallo (2002, p. 22), “os estudos de narrativa de experiência pessoal têm
demonstrado que, ao relatá-las, o informante está tão envolvido emocionalmente com o que
relata que presta o mínimo de atenção ao como”. Assim, o roteiro de perguntas para a entrevista
foi embasado em questões pertinentes ao tema e relacionadas ao bairro, como a vinda para a
cidade e/ou bairro e as dificuldades enfrentadas, após envolver os entrevistados nesta
comunicabilidade, partimos para questões mais expressivas da nossa pesquisa, relacionadas à
língua em uso, ou seja, tratamos de perguntas referentes aos preconceitos linguístico e social20.
Cabe ressaltar que esse corpus reunido serviu para o olhar reflexivo sobre os usos da
concordância padrão x não-padrão.
Ao todo, as entrevistas realizaram-se com 9 (nove) sujeitos, nessas duas comunidades
de fala, sendo um entrevistado, o representante21 de bairro, e mais 8 (oito) sujeitos, divididos
igualmente entre mulheres e homens, sendo 4 (quatro) moradores do bairro periférico e 4
20 Vale mencionar que, para introduzir as perguntas relacionadas aos preconceitos linguístico e social, realizou-se
uma breve apresentação, de forma elucidativa, sobre o tema, para situar os entrevistados e não assustá-los com as
terminologias. 21 As transcrições realizadas da entrevista com o representante de bairro não foram utilizadas para a análise
linguística, somente para dados sobre o bairro e para a análise sobre os preconceitos. É importante mencionar que
não conseguimos contatar o representante do lócus do centro, apenas do bairro Boa Esperança.
57
(quatro) moradores do centro urbano. Com relação às faixas etárias, foram observadas duas
faixas distintas: 2 (dois) entrevistados entre 15 e 25 anos e 2 (dois) acima de 50 anos, de cada
grupo social, observando-se, ainda, a mesma divisão entre escolarizados e com pouca
escolaridade.
No quadro, abaixo, o leitor obterá um panorama das informações acerca da origem,
sexo, idade, escolaridade, profissão e etnia dos entrevistados nos dois bairros pesquisados.
SUJEITO22
IDADE LOCAL DE
NASCIMENTO
ESCOLARIDADE PROFISSÃO ETNIA
Boa Esperança – B
B1 F 76 anos Jaguaraçu–
MG23
4ª série Do lar NSR24
B2 F 20 anos Peixoto de
Azevedo – MT
Cursa o 2ª ano do
ensino médio
(EJA)25
Estudante Indígena e
Italiana
B3 M 62 anos Primeiro de
Maio – PR
8ª série Do lar NSR
B4 M 25 anos Guarantã do
Norte – MT
8ª série Alinhador de
Serraria
NSR
+ B5 M
*Representante
de bairro
43 anos Palmeiras do
Tocantins –
TO26
8ª série Vendedor Portuguesa
Região Central – C
C1 F 73 anos Campos Novos –
SC
4ª série Do lar Italiana
C2 F 23 anos Guaraciaba – SC Ensino superior Estudante Italiana e
Alemã
22 B – sujeito entrevistado do bairro Boa Esperança, C – sujeito entrevistado do Centro. F e M correspondem aos
sexos Feminino e Masculino, respectivamente. 23 Morou por 18 (dezoito) anos no Estado do Paraná antes de migrar para o Mato Grosso. 24 NSR= Não Soube Responder. 25 Educação de Jovens e Adultos (EJA). 26 Morou em Peixoto de Azevedo – MT antes de vir a Sinop.
58
C3 M 57 anos Santa Isabel do
Ivaí – PR
3° ano do ensino
médio
Almoxarifado Alemã
C4 M 16 anos Eldorado – MS Cursa o 2° ano do
ensino médio
Garçom e
Estudante
NSR
Quadro 01: Informações dos sujeitos entrevistados.
O quadro, a seguir, elenca as questões elaboradas e aplicadas aos dois lócus da pesquisa.
As questões se dividem em 3 (três) sequências/partes.
1 Qual é o seu nome?
2 Qual a sua idade?
3 Há quanto tempo reside no bairro?
4 Qual é a cidade de origem?
5 Relate o motivo pelo qual você mudou de cidade?
Você tem vontade de voltar a morar na sua cidade natal?
6 Gosta da cidade e do bairro onde atualmente vive?
Como é a sua relação com os vizinhos?
7 Como é a segurança do bairro?
Há muita violência na rua?
8 A cidade de Sinop vem crescendo constantemente, e o que o/a Sr./Sra. acha desse
crescimento?
9 Junto com esse crescimento acelerado, os índices de violência também crescem. O que pensa
a respeito disso?
O que poderia ser feito?
10 Possui vínculo de relação com moradores de outros bairros?
Como é a relação?
O que você acha desses outros bairros?
11 Estuda ou já estudou?
Gosta ou gostava, como foi?
12 Você trabalha?
Qual é a profissão que exerce?
13 Você acha que o trabalho resulta e reflete as condições de existência social de uma
comunidade/cidade?
14 Qual é o seu estado civil? Tem filhos?
15 O/a Sr./Sra. pode relatar sobre a sua infância, como foi?
Como eram as brincadeiras?
Que brincadeiras mais gostava?
59
16 Você já esteve alguma vez em uma situação em que estivesse correndo sério risco de vida,
uma situação em que tenha dito a você mesmo: “Chegou a minha hora”?
O que aconteceu?
Numa situação dessas algumas pessoas dizem: “Bom, seja o que Deus quiser!”. O que o/a
Sr./Sra. acha? (TARALLO, 2002, p. 22-23).
18 Quais foram as primeiras dificuldades que enfrentou logo que chegou à cidade e/ou ao bairro
em que reside?
19 Qual é a sua descendência?
20 O que você pensa em relação ao preconceito linguístico?
Você já sofreu alguma vez ou sofre com o preconceito linguístico?
21 Você acha que o seu modo de falar se diferencia do restante dos falantes da comunidade?
22 Você acha que existe um preconceito linguístico entre os falantes dessa mesma comunidade?
E com os falantes de outras comunidades?
23 Você acha que existe esse preconceito com falantes que são moradores de comunidades, que
se diferenciam no poder socioeconômico?
Já presenciou esse preconceito?
24 O preconceito linguístico de uma comunidade de falantes para outra, se dá, pelas formas em
que são empregadas as palavras?
25 O/A senhor(a) pode relatar um acontecimento ou fato marcante, logo que chegou à cidade
e/ou ao bairro?
Quadro 02: Questionário aplicado à todos os sujeitos entrevistados.
26 Quando vocês vieram para Sinop, era realizado algum incentivo ou promessas de
ascensão/progresso da região?
E como foi ao chegarem aqui? Quais eram as dificuldades?
Como eram as condições de moradia, saúde e de vida naquele tempo?
27 Qual era e como foi o trabalho?
28 Como foi a educação naquela época?
Quadro 03: Questionário aplicado aos falantes que moram na cidade desde o início da colonização.
30 Há quanto tempo é presidente de bairro?
Quais são as maiores dificuldades encontradas com a comunidade, enquanto presidente e/ou
representante legal dessa comunidade?
31 Como é o envolvimento da comunidade com as reuniões e propostas de projetos à
comunidade?
32 Como é a sua relação com a comunidade enquanto presidente?
60
33 Neste bairro existem pessoas/migrantes de regiões diferentes do Brasil? O/A Sr.(a) acha que
eles falam o português de diferentes maneiras e/ou outras línguas?
Quadro 04: Questionário aplicado ao representante de bairro.
Os questionários ficaram divididos em três (3) partes pela necessidade da aplicação de
perguntas extras, em conformidade ao perfil dos entrevistados. Como, por exemplo, a
necessidade da realização de perguntas aos sujeitos entrevistados migrantes nas décadas de 70
a 80, e o questionário aplicado ao representante de bairro, para informações acerca do bairro,
que, como já supracitado, serviram de dados relevantes para a constituição do capítulo II, e,
também, para o corpus de análise. Assim, o questionário do quadro 2 (dois) foi aplicado aos
nove (9) sujeitos entrevistados, o do quadro 3 (três) aplicou-se aos sujeitos migrantes e o do
quadro 4 (quatro) aplicou-se ao representante de bairro do Boa Esperança. No outro bairro
investigado não foi possível saber se há algum representante do bairro, que responde pela região
central pesquisada, como é comum nos bairros da cidade. Vale mencionar que os sujeitos
contatados para a entrevista não souberam responder e/ou disseram que não havia ou que nunca
souberam de representante de bairro.
Depois de coletar os dados, passamos para a etapa das transcrições das entrevistas. As
transcrições dos dados coletados foi a atividade que mais demandou tempo, foi realizada de
forma integral e detalhada, em que se procurou transcrever da forma como as falas foram
pronunciadas, dessa forma, foram mantidas as características da pronúncia, pausas entre outras.
Um procedimento adotado para as transcrições das entrevistas foi iniciar a transcrição logo após
a coleta da entrevista, pois as impressões ou algo incompreensível no áudio gravado podiam,
assim, ser facilmente lembrados.
As entrevistas foram transcritas seguindo um modelo proposto por Marcuschi (1999).
No quadro, abaixo, serão resumidas algumas formas que foram adotadas para a transcrição,
propostas pelo autor.
Categorias Sinais Descrição Exemplos
1. Pausas e silêncios
(+)
ou
(2.5)
Para pausas pequenas
sugere-se um sinal + para
cada 0.5 segundo. Pausas
em mais de 1.5 segundo,
cronometradas, indica-se
o tempo .
...
A: /.../ por exemplo (+) a
gente tava falando em
desajuste, (+) EU
particularmente acho
tudo na vida relativo,
(1.8) TUDO TUDO
TUDO (++) tem um que
sã::o (+)/ tem pessoas
61
problemáticas porque
tiveram muito amor (é o
caso) (incompreensível)
(+) outras porque /.../
2. Dúvidas ou
sobreposições
( )
Quando não se entender
parte da fala, marca-se o
local com parênteses e
usa-se a expressão
inaudível ou escreve-se o
que se supõe ter ouvido.
Ver exemplos no item 1.
3. Truncamentos
bruscos
/
Quando o falante corta a
unidade pode se marcar o
fato com uma barra.
...
L: vai tê que investi, né”
C: é/ (+) agora tem uma
possibilidade boa que é
quando ela sentiu que ia
morá lá (+) e:le o dono/
((rápido)) ela teve
conversan comi/ agora
ele já disse o seguinte
(+)
...
4. Alongamento de
vogal
:: Dependendo da duração
os dois pontos podem ser
repetidos.
...
A: co::mo” (+) e:::u
5. Repetições Própria letra Reduplicação de letra
ou sílaba.
e e e ele; ca ca cada um.
6. Indicação de
transição parcial ou
de eliminação
...
ou
/.../
O uso de reticências no
início e no final de uma
transcrição indica que se
está transcrevendo apenas
um trecho.
Reticências entre duas
barras indicam um corte
na produção de alguém.
Ver exemplos no item 1.
7. Comentários do
analista
(( ))
Para comentar algo que
ocorre, usam-se
parênteses duplos no local
da ocorrência ou
imediatamente antes do
segmento a que se refere.
((ri)), ((baixa o tom de
voz)), ((tossindo)),
((fala nervosamente)),
((apresenta-se para
falar)), ((gesticula
pedindo a palavra)).
Quadro 05: A obra da qual retiramos estas formas é intitulada “Análise da Conversação
(MARCHUSCHI, 1999, p. 10-12)”. Neste quadro, buscamos resumir somente algumas das normas de
transcrição propostas por Marchuschi, que utilizamos para a reprodução das entrevistas dos áudios
coletados.
Após elucidar os fundamentos metodológicos adotados na pesquisa, apresentamos, no
subitem concludente, as considerações analíticas sobre as comunidades estudadas.
62
3.4 Considerações Sobre as Comunidades Estudadas: bairro Boa Esperança e
região Centro Urbana de Sinop
Para darmos início às considerações analíticas dos resultados obtidos dessa pesquisa,
vale-se reportar, novamente, a algumas ponderações tecidas no capítulo II, que se referem a um
apanhado histórico, social e econômico dos bairros que constituem os lócus da investigação.
Inicialmente, faz-se necessário elucidar sobre a escolha dos lócus de pesquisa, o bairro
Boa Esperança e o Centro da cidade. A escolha do bairro Boa Esperança se deve, ao fato da
localização, ou seja, por ser mais afastado e ser caracterizado como região periférica, e o outro,
por ser o Centro Urbano de Sinop. O primeiro arrabalde é caracterizado como periférico, por
ser longínquo, afastado do centro comercial e constituído por moradores de classes média baixa
e baixa. O que caracteriza o Boa Esperança é a grande carga de estigmatização que é atribuída,
que se deve ao histórico do bairro, às questões de infraestrutura vivenciadas ainda pelo bairro,
e, fundamentalmente, pela diferença socioeconômica de seus habitantes, discorrida no capítulo
II, fatores estes que influenciaram e influenciam para essa estigmatização.
Destaca-se que o objetivo mais geral dessa pesquisa foi buscar analisar, na fala dos
sujeitos entrevistados moradores do bairro Boa Esperança e do Centro Urbano, o uso de marcas
de concordância verbal padrão (presença explícita de plural no verbo) e o uso não-padrão
(ausência da marca de plural no verbo), empregados por esses distintos sujeitos sociais, bem
como procurar mostrar possíveis motivos que condicionam as variações e as razões que levam
aos preconceitos linguístico e social, que são muito fortes. Assim, mesmo não sendo de objetivo
primordial do presente estudo definir ou fazer um estudo analítico das condições e
desigualdades sociais do país e da cidade de Sinop, é de total importância e necessário discorrer
sobre o assunto, já que esta pesquisa não tem como único intento apresentar apenas uma nova
amostra do uso da concordância verbal em nossa sociedade, mas, também, discutir como os
preconceitos linguístico e social encontram-se presentes entre os usos das formas de
concordância verbal não-padrão utilizadas por sujeitos de menor status socioeconômico, de
profissão e local de moradia, configurando-se na estigmatização e exclusão.
Nessa perspectiva, citamos o que descreve Singer (1979), ao tratar da moradia em
cidades que têm expansão de crescimento, que podemos comparar com o quê vem acontecendo
em nossa cidade,
O acesso ao serviço urbano tende a privilegiar determinadas localizações em
medidas tanto maior quanto mais escassos forem os serviços em relação à
63
demanda. Em muitas cidades, a rápida expansão do número de seus habitantes
leva esta escassez a nível crítico, o que exacerba a valorização das poucas
áreas bem servidas. O funcionamento do mercado imobiliário faz com que a
ocupação destas áreas seja privilégio das camadas de renda mais elevadas,
capaz de pagar um preço alto pelo direito de morar. A população mais pobre
fica relegada às zonas piores servidas e que, por isso, são mais baratas.
O elemento “prestígio” tende a segregar os mais ricos da classe média, que
pagam muitas vezes um preço extra pelo privilégio de morar em áreas
residenciais onde os “verdadeiros” ricos estão abandonando, exatamente
devido a penetração de arrivistas. Os promotores imobiliários, que conhecem
bem este mecanismo, tiram o máximo de proveito dele ao fazer “lançamentos”
em áreas cada vez mais afastadas para os que podem pagar o preço do
isolamento e ao mesmo tempo incorporar prédios de apartamentos em zonas
residenciais “prestigiosas” (SINGER, 1979, p. 27).
Esta situação é visível na cidade de Sinop, nos últimos 10 (dez) anos, com o surgimento
de condomínios fechados, localizados e afastados de serviços comerciais, totalmente cercados
de muros altos e áreas verdes e de lazer. Dessa forma, alguns terrenos e/ou imóveis que se
encontram longínquos do centro são destinados à constituição de habitações populares, como é
o caso de muitos conjuntos habitacionais construídos pelo governo e/ou prefeitura municipal,
que estão distantes do centro da cidade; como exemplificação, temos os conjuntos habitacionais
do Programa Habitacional “Minha Casa, Minha Vida”, promovidos pelo Governo Federal em
parceria com a Prefeitura de Sinop, que há poucos anos foram inaugurados, dentre eles,
podemos citar o Vila Mariana, o Vila Juliana, o Vila Lobos27, entre outros conjuntos
habitacionais. Ou então, os imóveis têm sido destinados para atender a classe mais alta, como
é o caso do Residencial Mondrian, o Aquarela Brasil Residencial, Carpe Diem Resort
Residencial28 etc., com padrões de moradia altamente elevados e planejados, com áreas verdes,
segurança, esportes e lazer. Tornando o local de alta valorização e, assim, atraindo a classe alta
da sociedade.
Desse modo, terrenos longínquos com uma melhor infraestrutura destinam-se à
construções a uma população com maior status econômico e os terrenos afastados infraestrutura
adequada são designados aos conjuntos habitacionais criados pelo governo em parceria com a
prefeitura e, geralmente, são destinados à população com menor poder econômico aquisitivo e
status social.
27 Foram entregues em 2012, 480 imóveis no Vila Mariana, 192 imóveis no Vila Juliana e 333 imóveis no Vila
Lobos. Informações disponíveis em:
http://www.amm.org.br/amm/constitucional/noticia.asp?iId=258662&iIdGrupo=6243. Acesso em 14 ago.2015. 28 Residencial Mondrian, primeiro Condomínio fechado, lançando em Sinop/Mt, em maio de 2002. Aquarela Brasil
Residencial, lançado em 2005, residencial aberto com filosofia de Condomínio fechado. Carpe Diem Resort
Residencial, lançado em 2014, maior Condomínio horizontal fechado da cidade. Informações disponíveis em:
http://www.jmdempreendimentos.com.br/Historico. Acesso em 14 ago.2015.
64
Tais situações discorridas acima são favorecedoras de grande discriminação e exclusão
de pessoas aos acessos de bens sociais e culturais, visto que estimulam os preconceitos
linguístico. Sendo assim, pode-se afirmar que diferenças socioeconômicas, grau de
escolaridade, idade, etnia, entre outros fatores, influenciam nos diferentes modos de falar e na
variação da língua.
Em nosso corpus, verificamos, em todas as entrevistas realizadas com os sujeitos
moradores do Centro, que estes se referiram ao bairro Boa Esperança, como bairro de classe
baixa, e atribuíram aos seus habitantes estigmas como favelados e violentos. Nos recortes de
entrevistas, a seguir, podemos verificar essas concepções:
Tem gente que tem muito preconceito do bairro Boa Esperança. Dizem que
tem muita morte, sempre falam que lá só mora isso, mora aquilo, é uma favela
(+), tem bastante também de droga, né. [C1 F]
Eu não conheço, mas pelo o que todo mundo fala é o Boa Esperança (+), que
é o que mais passa na tevê, né. Mas eu não conheço /... / Ah (+), por exemplo,
não sei como posso dizê (1.5) saaí alguém por exemplo, lá do Boa Esperança,
pra cá ficam falando, não tem como explicá /.../. Acho, que eles têm modo
diferente de falá, uma forma mais errada digamos assim (+) devem usar gírias
(+) até a gente mesmo tem, sem querer julgá a pessoa errada, sem, sabe (+),
acredito que é mais o menos por aí. [C2 F]
/.../ mais aqui mesmo tem preconceito com moradores de classe mais baixa,
como, por exemplo, do Boa Esperança. /.../ aqui onde a gente mora é mais
setor comercial, são poucos moradores, mais com os outros bairros tem
bastante. [C3 M]
Tem bairro que é mil vezes mais perigoso que aqui /.../ Ah, o bairro Boa
Esperança, o Vila Mariana, Juliana (+) é bastante perigoso lá. Eu acho que não
iria pra lá não ((risos)). [C4 M]
É importante deixar claro que, no primeiro momento, não foram realizadas perguntas
relacionadas ao bairro Boa Esperança. Apenas quando o sujeito falava sobre bairro(s) é que
lançávamos perguntas sobre o referido bairro, lócus de nossa pesquisa, para que o entrevistado
discorresse mais sobre o espaço em análise. As questões de nosso roteiro, que nortearam os
entrevistados a referirem-se ao Boa Esperança, foram as seguintes: Possui vínculo de relação
com moradores de outros bairros? Como é a relação? O que você acha desses outros bairros?.
Assim, a partir desse segundo momento, em que citavam o Boa Esperança é que lançávamos
as perguntas sobre o que achavam e o que sabiam do bairro.
Partindo desta perspectiva, temos em nossa análise um preconceito social, ligado à
questão da desigualdade social, com pré-julgamentos sobre os moradores do bairro Boa
65
Esperança, fundamentalmente, por estarem inseridos na classe baixa. Como pode ser verificado,
nos recortes de fala dos moradores do Centro Urbano, há um discurso preconceituoso em
relação ao bairro Boa Esperança.
3.4.1 Algumas Ponderações do Processo de Análise da Pesquisa na Aplicação da
Concordância Verbal
Nesta subsecção discutiremos e apresentaremos alguns processos adotados no percurso
de nossa análise. Como é de se notar, a Concordância Verbal29 é um exemplo de variável muito
presente na fala dos brasileiros, desde os menos escolarizados até os altamente escolarizados.
As variantes apresentam um mesmo valor de verdade, entretanto, com valores sociais opostos,
pois frases como (1) “/.../ porque no sítio onde nóis foi criado” [B1 F] carregam uma grande
carga de estigma, ao passo que, se reformularmos essa frase para a forma valorizada
socialmente “porque no sítio onde nós fomos criados”, a mesma não será mais estigmatizada,
ou seja, há um mesmo valor de verdade, isto é, um mesmo significado, no entanto uma frase se
encontra na forma não-padrão e a outra na forma padrão. Nesse contexto, cabe ressaltar as
reflexões de Labov (2008), quando afirma que as variantes são diversas maneiras de se dizer a
mesma coisa e com o mesmo valor de verdade, idêntico significado referencial, mas com valor
social diferente.
Como nossa análise da pesquisa debruçar-se-á nas 1° e 3° pessoas do plural, destacamos
em nossas considerações o uso do pronome pessoal do caso reto nós e da expressão nominal a
gente. Os autores Naro, Görski e Fernandes (1999) discorrem sobre esses usos, que podem
apresentar a concordância padrão e a não-padrão,
Em português padrão o sujeito de primeira pessoa do plural é nós e sua forma
verbal correspondente é feita com a flexão gramatical –mos. Um exemplo
típico é nós falamos. Entretanto, há uma alternativa para o sujeito pronominal
de primeira pessoa do plural: a gente, que deriva de um sintagma nominal com
a mesma forma e significa as pessoas. Na linguagem padrão o verbo usado
com a gente recebe desinência de terceira pessoa do singular, com terminação
zero. Um típico exemplo é a gente fala. Conquanto, o uso do pronome sujeito,
com certa frequência, não é obrigatório, e, na linguagem informal, a
desinência –mos é omitida com nós e usada com a gente, a despeito do papel
categorial e ao contrário do padrão. As formas nós falamos e a gente fala são
padrão; nós fala e a gente falamos são não-padrão (NARO et al., 1999, p. 201,
apud RUBIO, 2012, p. 103).
29 Será apresentada em alguns momentos ao longo da análise apenas com a sigla CV.
66
Muitos estudos têm sido desenvolvidos sobre o assunto, em observações às pesquisas já
realizadas (BAGNO, 2004) constata-se que o uso de nós e de a gente é bastante presente na fala
do português brasileiro, este último, contudo, vem se apresentando muito mais como uma
mudança do que uma variação estável. Em análise durante a pesquisa, e de outros estudos da
língua, percebemos que as pessoas quando dizem ‘nós vai’ ou a ‘gente vamos’ são, na maioria
das vezes, corrigidas ou bastante estigmatizadas e tachadas como um falante pertencente à
classe social baixa ou, ainda, que se trata de um falante não escolarizado. Essas variantes, no
entanto, foram encontradas nas entrevistas realizadas com os sujeitos moradores dos dois lócus
da pesquisa, tanto na fala dos entrevistados que possuem o ensino fundamental quanto na dos
do ensino médio.
De modo geral, como já citado anteriormente, a CV constitui-se em uma variável
linguística composta, para fins de análise neste estudo, de duas variantes, uma que é a aplicação
da regra, ou seja, a presença de marca formal de plural, e outra que é a não-aplicação da regra,
isto é, a ausência de marca formal de plural.
Apresentamos, a seguir, a análise empírica deste estudo, pautada sobre os usos da CV,
com ênfase às 1° e 3° pessoas do plural. As variáveis observadas constituem-se, como
supracitado, pela presença de marca de plural (variante padrão) e pela ausência de marca de
plural (variante não-padrão). Para exemplificação, apresentamos, abaixo, os seguintes trechos
extraídos do corpus:
(2) Nós fomos criados na roça, até pouco tempo /.../ [B1 F]. (Variante padrão).
(3) /.../ melhorá de vida, porque lá nós era empregado /.../ [C1 F] (Variante não-padrão).
Para as formas verbais de concordância não-padrão, foram consideradas o uso de duas
formas: a morfossintática, de variação na aplicação da regra de concordância, e a
morfofonêmica30, com o apagamento do -s. A primeira refere-se aos casos em que não se
apresenta nenhuma marca de plural nos verbos, como no recorte que segue abaixo:
(4) /.../ tudo que num presta eles apronta. O dia eles passa dormindo, à noite tira pra robâ, pra
fazê mal feito. [B3 M].
30 Mudanças morfofonêmicas ocorrem quando a palavra sofre perda de um ou mais de seus constituintes
fonológicos, que podem ocorrer tanto no início, no meio ou ao final do morfema. “O morfema é a unidade mínima
da estrutura gramatical [...] Um morfema também é definido como o segmento maior que o fonema e menor que
a palavra. Ele é realizado por meio de morfes, ou alomorfes” (CASTILHO, 2010, p. 51).
67
A segunda são aqueles em que se observa a presença de marcas de plural, porém com
mudanças morfofonêmicas apresentadas pela ausência das DNP (desinências número-
pessoal)31. Abaixo, segue exemplo:
(5) Nós viemo pra cá, e fomo morá junto, até mesmo porque não tinha casa ((risos)). [C1 F].
Estes fenômenos serão observados, no decorrer de nossa análise, pelo grande número
de ocorrências apresentadas nas entrevistas, vale lembrar, por sua vez, que esta é uma
característica recorrente na oralidade.
Para a continuidade da apresentação de nossos resultados, pautados nos recortes de
transcrições das entrevistas realizadas nos dois lócus de pesquisa, apresentamos, na sequência,
como se deu a distribuição geral das formas padrão e não-padrão registradas em nosso corpus.
Gráfico 1: Registro geral de concordância verbal no corpus.
No gráfico 1, acima, apresentamos a distribuição geral de todas as formas verbais padrão
e não-padrão de concordância de 1° (considerando a expressão a gente)32 e 3° pessoas do plural
levantadas nas entrevistas realizadas nas duas comunidades/bairros pesquisados. O gráfico
ilustra os primeiros resultados obtidos a partir da rodada dos 8533 dados considerados, dos quais
31 “Desinências são os elementos terminais indicativos das flexões das palavras. As desinências verbais indicam
flexões de número e pessoa e de modo e tempo dos verbos” (CEGALLA, 2008, p. 92-93). 32 Consideramos em nossa análise de corpus o uso da expressão a gente + verbo no singular, como concordância
verbal padrão. 33 Total de dados registrados de concordância verbal padrão e não-padrão no corpus.
68
28 ocorrências são de concordância verbal padrão e 57 ocorrências de concordância verbal não-
padrão.
A seguir, discorreremos sobre cada uma das variantes de CV encontradas no corpus de
análise: concordância padrão e DNP padrão – mos; concordância não-padrão e DNP não-padrão
– mo; e concordância não-padrão sem marcas de plural no verbo e DNP (desinência zero).
3.4.1.1 Concordância Padrão e DNP Padrão – mos
Os recortes que seguem, abaixo, com ênfase aos destaques em negrito, tratam do uso da
concordância padrão e apresentam marca explícita do plural em seus verbos, sendo, dessa
forma, considerados como o uso de prestígio na sociedade,
(6) /.../ Elas queriam me batê, daí voltei pra Guarantã, fiquei cinco mês lá, daí voltei. [B2 F].
(7) Hoje não existe mais, eles só brincam dentro de casa e anda de bicicleta. Por que eles
brincam só dentro de casa, não dá pra deixá na rua porque é perigoso, não tem brincadeira mais
pras criança. [C1 F].
(8) Eles só foram achar porque viram os sinais escorrendo (+), bateu na bicicleta o guri voô e
só acharam um, o outro não acharam, e quando eles olharam para cima, viram o sangue
pingando e o menino pendurado lá em cima. [C3 M].
(9) /.../ elas ficaram numa situação que não tinha como ir e nem vir, ficamos isolados do resto
do mundo [C3 M].
(10) Quando nós chegamos na antiga rodoviária era escuro e como fazia pra se achá? Era lama,
barro e chuva, era seis mês de sol, seis mês de chuva. [C1 F].
(11) Nós destacamos de Guaraniaçu à Marcelândia, de Marcelândia à Nova Santa Helena,
Santa Helena à Sinop /.../ [B3 M].
(12) Daí, nós achamos melhor que fosse mudado (+) o modo de relacionamento dele com o
nosso irmão. [C2 F].
Nos recortes transcritos, acima, foi descartada a forma “nóis”, por ser característica da
fala, associada à forma não-padrão de CV. Assim, foram descartadas, para sistematização da
concordância padrão, várias transcrições da 1° pessoa que apresentavam a marca explícita de
plural, no entanto acompanhadas da forma “nóis”. Registramos, dessa forma, em nosso corpus
69
6 (seis) ocorrências padrão com uso da 1° pessoa do plural nós e 4 (quatro) com o uso da 3°
pessoa do plural eles (as).
Cabe ressaltar, uma vez mais, que consideramos, para efeito de análise, em nossos
dados o uso da expressão a gente como padrão, embora nem todas as gramáticas normativas a
levem em consideração. Utilizamos, para exemplificação, apenas os casos que apresentam a
concordância no singular, pois não se pode negar que o seu uso é recorrente por pessoas
altamente escolarizadas e, assim, esse uso já é considerado por alguns estudiosos da linguagem
como uma forma padrão.
Essa escolha metodológica encontra-se em consonância com pesquisas da
Sociolinguística (AGOSTINHO 2013; ALMEIDA, 2006) que já codificam o uso da expressão
a gente como forma padrão. De acordo com Omena (1998, p. 189), “esta introdução da forma
a gente no sistema dos pronomes é mais uma modificação, dentre outras, que vem provocando
uma reestruturação no sistema, o que é comprovado pela riqueza do uso variável dessas formas
no discurso”.
É possível verificar, também, esta mesma assertiva em Agostinho (2013), quando
discorre em seu trabalho sobre a concordância verbal. A autora codifica o uso de a gente
concordando na 3° pessoa do singular como forma padrão,
Em nosso trabalho temos três variáveis. A primeira é o pronome nós e suas
respectivas concordâncias, sendo as variantes a concordância padrão -mos e
as não padrão -mo/-mu e zero. A segunda é o pronome a gente e suas
respectivas concordâncias, sendo que as variantes são a forma padrão de
concordância (na terceira pessoa do singular) e as não padrão que são -mo/-
mu e -mos; e a terceira é o SN+eu (sintagma nominal + eu) e suas respectivas
concordâncias, sendo que as variantes são a forma padrão -mos e as não
padrão -mo/-mu e zero. (AGOSTINHO, 2013, p. 99, grifos da autora).
Verificamos, ainda, em pesquisa realizada por Almeida (2006) sobre concordância
verbal, o uso de a gente como forma padrão na concordância em 3° pessoa do singular. A autora
disserta sobre a propensão e a preferência do uso desta expressão,
A tendência de aumentar a incidência do uso de a gente é um recurso utilizado
pelos falantes com a finalidade de empregarem a concordância padrão, sem a
exigência de domínio da desinência DNP4. A preferência pelo emprego do
pronome e do verbo na 3° pessoa do singular, que não implica na declinação
de desinências verbais, faz parte do processo de simplificação pelo qual passa
o sistema verbal. O aumento do uso de a gente não indica que,
necessariamente, ocorrerá a extinção do pronome nós, mas é possível que
ambos coexistam (ALMEIDA, 2006, p. 88).
70
Várias pesquisas, assim, vêm evidenciando um uso considerável dessa expressão em
substituição ao pronome ‘nós’. Na sequência, apresentamos esses usos apreendidos em nosso
corpus:
(13) A gente fica assim sabendo pela TV [C2 F].
(14) Ontem, a gente estava indo lá (+), sentido a BR, aí, o motoqueiro veio contramão, quase
bate, ele nem olhando assim (+), ele andando e olhando pro lado, e a gente indo e começô a
businá /.../ [C2 F].
(15) Tem a Cida, tem o pessoal que trabalha junto, tem o Romeu (+), a gente se encontra no
final de semana [C3 M].
(16) Ah, quando a gente veio pra cá, tinha muito isso assim, falá o “r” mais puxado [C2 F].
(17) Não, porque a gente morava, quando eu cheguei aqui da primeira vez era só mato, e agora
não tem comunicação porque o povo trabalha [C1 F].
(18) Na época que cheguei aqui só tinha a escola Nilza, que a gente chamava de galinheiro
((risos)). [C1 F].
(19) Aqui (+), onde a gente mora é mais setor comercial, são poucos moradores, e não conheço,
pode até tê discriminação com alguém, mais ainda não vi, mas em outros lugares já vi bastante
[C3 M].
(20) /.../ mas a gente sabia, que quando inaugurasse aquela delegacia dali embaixo (+), ia
melhorá um pôco [B4 M].
(21) Naquele tempo, num tinha celular, num tinha televisão, a gente tinha nem rádio pra escutá
(+) a gente era assim, né (+), brincava de rodinha, de boneca, de comidinha, era desse tipo [B1
F].
(22) /.../ a gente passou muita dificuldade, mas graças a Deus, deu certo [B1 F].
(23) Porque depende (1.5), muitos casos que a gente liga e eles não vêm, porque num têm
viatura [B4 M].
(24) As brincadeiras era rodinha, a gente brincava de roda, cavalo de pau ((risos)), era tão
diferente de hoje [B1 F].
(25) Minha infância foi mais na roça, né (+), a gente achava que era sofrida, mais era gostosa
[B3 M].
(26) Desde que a gente mora aqui (1.5), quarenta e dois anos, aqui no centro mesmo [C1 F].
(27) Ah (+), era bem diferente do que agora, a gente brincava na rua, subia árvore, fazia de
tudo [C2 F].
71
(28) Por exemplo, às vezes, um carioca se vier pra cá, a gente vai vê (+), já dá pra percebê que
é de fora, né [C2 F].
Os recortes elencados, acima, apresentam o uso da expressão a gente com o verbo no
singular 17 (dezessete) vezes, ou seja, foram 17 (dezessete) ocorrências registradas. Vale
considerar que, para a análise, foi descartada a forma não-padrão de a gente + verbo no plural.
Embora a Gramática Normativa ainda esteja reticente quanto a abarcar, no quadro de
pronomes pessoais, a expressão a gente, estudos sociolinguísticos34 vêm mostrando que as
alterações dentro do quadro pronominal são relevantes e necessárias.
3.4.1.2 Concordância Não-Padrão: DNP Não-Padrão – mo com Apagamento do –
s
Elencamos, abaixo, usos da concordância não-padrão, que apresentam alterações da
DNP, especificamente o enfraquecimento do – s, ao final da palavra:
(29) Então, nós viemo embora pro Paraná, (+) então lá eu morei dezoito ano, no Paraná. /.../ Aí,
em setenta e nove a gente veio pro Mato Grosso, né, daí nós moramo no sítio, daí viemo aqui
pra Sinop. /.../ Aí, nóis saímo pra cá, só ficô um filho meu lá no sítio. /.../ foi bom, daí de lá nós
viemo pra Mato Grosso, e viemo aqui pra Sinop, graças a Deus. [B1 F].
(30) Há muito tempo eu tô aqui, há muito tempo moro em Mato Grosso (2.5), no Paraná não
sei contas cidade nós já moramo. [B3 M].
(31) Oh, que agora nóis tamo pedindo é isso aí, porque... nem culpa da polícia não é::/ tem que
vim de Cuiabá essa (inaudível). [B3 M].
(32) Nós saímo de lá (+), e viemo pra cá. [B4 M].
Nos trechos acima (29), (30) e (32) o pronome nós se aproxima da forma determinada
pela GN35, no entanto, a CV subsequente apresenta-se com enfraquecimento da desinência –
mos, ou seja, exemplifica a perda do – s. No fragmento (29) a concordância não-padrão
intercala-se com a padrão, pois ocorre o uso do pronome nós, concordando o verbo, de forma
não-padrão, em viemo, moramo e saímo, demonstrando a ausência do – s, e o uso da expressão
34 BAGNO, Marcos. Gramática Pedagógica do Português Brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011, p. 743. 35 A sigla GN significa Gramática Normativa.
72
a gente, formal, realizando a concordância no singular. Já a sentença (31), além de apresentar
o enfraquecimento do – s, traz mudança morfofonêmica no início do constituinte, com a
omissão do (es)tamo(s).
Foram tecidos em nossos recortes analíticos, também, os usos da concordância não-
padrão do pronome da 1° pessoa do plural (nós) em sua forma subentendida:
(33) Ahm::, gente, conheço muito pouco, só saio no final de semana, vamo fazê um lanche, um
num sei o quê (+), e voltamo embora [C3 M].
(34) Aqui nesse bairro, graças a Deus, não tive dificuldade (1.5), agora eu tive muita
dificuldade, quando viemo. [B1 F].
(35) Eu tava chegando de São Paulo, nem desmanchei a mala, e ele falô “vamo pra Sinop”,
então vamo embora. [C3 M].
De acordo com Cegalla (2008, p. 471), “o verbo concorda com o pronome subentendido
nós em frases do tipo: todos estávamos preocupados. [=Todos nós estávamos preocupados]”.
Portanto, os verbos vamo, voltamo e viemo concordam com o pronome nós, que se encontra
subentendido da fala, e que é muito recorrente na oralidade, contudo, os verbos apresentam a
perda do – s, sinalizando a concordância não-padrão.
É importante ponderar, ainda, que o apagamento do – s ao final dos verbos da 1° pessoa
do plural é uma característica típica da oralidade de muitos brasileiros, até mesmo por pessoas
com alto nível de escolaridade. Atualmente, muitos estudos vêm sendo desenvolvidos, que
comprovam o apagamento do – s nas formas verbais.
Em relação a essa perda, apresentamos um excerto de Silva (1998), que trata sobre essa
eliminação do – s nas estruturas verbais, que estão, também, ligadas ao processo de
gramaticalização da expressão a gente,
Já é fato notório que o português brasileiro está em um processo de franca
perda da parte da flexão verbal relativa à desinência número-pessoal, devido
à renovação no quadro pronominal promovida pela entrada de você(s) e, mais
recentemente, de a gente (SILVA, 1998, p. 190).
Desse modo, a aplicação de uso da concordância pode ocorrer de várias maneiras, além
do apagamento do – s nos verbos pode ocorrer, também, a alternância da vogal temática36 / a /
36 Vogal temática é o elemento que, acrescido ao radical, forma o tema de nomes e verbos (CEGALLA, 2008, p.
93).
73
para / e /. Algumas pesquisas realizadas (AGOSTINHO, 2013) apontam que essa troca pode
estar associada à forma não-padrão da DNP – mo. Exemplificamos, a seguir, trechos no qual
ocorrem essa troca da vogal temática / a / por / e /,
(36) E quando viemo pra cá, quando cheguemo em Cuiabá já não tinha mais ônibus pra vim
pra cá. Juntemo uma turma lá e loquemo um avião lá em Cuiabá. [C1 F].
(37) Esses aviãozinho (+), esses teco-tecozinho ((risos)), nós aluguemo ele, né, pra vim. Era
de Cuiabá, Várzea Grande [C1 F].
(38) Motivo que nós mudemo (1.5), melhorá de vida, porque lá nós era empregado e
continuemo empregado aqui também [C1 F].
(39) Nóis não enfrentemo dificuldade porque emprego sempre teve, tinha onde trabalhá, não
teve muita assim (+) dificuldade, foi normal [C1 F].
(40) Um fato que ficô marcado quando cheguemo aqui em Sinop (1.5), aconteceu muita coisa,
mas não consigo lembrar assim (+). A malária, eu nunca peguei, mas ele sim. Tinha muita
malária, logo que cheguemo aqui, minhas sobrinha pegaram, ele, o meu cunhado, um mo::nte
de gente [C1 F].
(41) Nós brinquemo muito (+), esconde-esconde, pega-pega, pique-latinha (+), bola queimada,
bola de gude /.../ [C1 F).
(42) Nós conquistemo pouco a pouco e foi crescendo /.../ Nós ajudemo muito pro
desenvolvimento da cidade [C1 F].
(43) Nóis enfretemo muita dificuldade nossa (+), meus filhos tudo pequeno, só meu marido
pra trabalhá [B1 F].
(44) /..../ a gente encontremo posto de/de saúde, tinha médico, né, atendimento bom que tinha
aqui nos postos de saúde. [B1 F].
(45) /.../ depois nós conquistemo a Rua Paulo Pan, o asfalto, depois nós conquistemo aqui um
prédio alocado para o postinho de saúde [B1 F].
A pesquisa realizada por Zilles & Silva (2000) revela que este fenômeno está fortemente
associado ao apagamento do /s/ final, além de estar associado ao baixo grau de escolaridade.
Em nossos dados registramos 17 (dezessete) ocorrências da vogal temática / e / em lugar de / a
/. Assim, podemos afirmar que em nosso corpus essa alternância se encontra bastante
acentuada.
74
3.4.1.3 Concordância Não-Padrão e DNP (desinência zero)
Os casos que seguem, abaixo, trazem referências de pronomes no plural, porém, não
apresentam marca formal de plural nos verbos. Esses fenômenos serão definidos em nossa
análise como desinência zero, ou seja, a não aplicação da CV padrão:
(46) As casinha era de madeira, não tinha energia. Só quem era mais rico tinha de motor. Nós
só tinha luz no gás, a gente era no gás, né [C1 F].
(47) Olha (+), a parte de saúde, nós tinha um posto de saúde com um único médico. [C1 F].
(48) É porque eles acham que nós fala errado, mais se entende (+), entende. Mais eles memo
tira sarro da gente. [B3 M].
(49) Nóis brincava de bola, de/várias brincadeiras (2.5), gostava de jogá bola. [B4 M].
(50) /.../ e se eles abre o jogo, amanhã ou depois amanhece morto, quem mandô matá? [B3 M].
(51) /.../ tudo qui: era tipo de brincadeira, nóis inventava. [B3 M].
(52) Ah (+), acho que, na minha opinião, deve ter mais patrulha da polícia, porque é bem raro
eles passá por aqui, fazê uma ronda e tal [C4 M].
(53) Eles entrô, renderam a gente, com a arma na cabeça, é:: tava até com o meu irmão mais
novo comigo, foi bem tenso. [C4 M].
(54) Não era conhecido, né (+), eles desconfia, né, ficam com medo. [B4 M].
(55) /.../ eles gosta, por que, assim, mesmo não tendo um palmo pra construí algo. /.../ . [B4 M].
(56) /.../ eles tira sarro (+), acha engraçado. [B4 M].
(57) Eu entendo eles (+), eles entende eu. [B3 M].
(58) Naquele tempo era boa, né (1.5), não tinha violência, não tinha nada quando nós era
criança. [C1 F].
(59) Eu tenho uma amiga minha que dá aula no Nossa Senhora de Lourdes, às vezes ela vai
com medo dá aula e volta com medo dos alunos (1.5), eles ameaça, não pode repreendê. [C1
F].
(60) Mas foi o lugá que eles mais gostô foi daqui de Sinop. Aqui onde nóis mora é um bairro
da lente da gente mora /.../ [B1 F].
(61) /.../ mas eles pode fazê o que qué (+), você num pode matá uma paquinha no mato hoje,
vai preso, pensa que joga fora, pega aquela paquinha vão comê, fazê festa, fazê churrasco pra
eles [B3 M].
75
(62) Nóis faiz esse trabalho no campo da associação, nos fundos da escola aqui (+), do bairro
Boa Esperança [B4 M].
(63) /.../ nós estudou em casa (+), e aquele tempo lá, num tinha, escola pública igual hoje em
dia tem, né, aí, meu pai pagou uma professora /.../ [B1 F].
(64) O meu irmão veio na frente, comprô sítio aqui (+), aí, a gente viemos atrás junto [C1 F].
Foram elencados todos os recortes que apresentam ausência (desinência zero) da
aplicação da regra padrão, nas 1ª e 3ª pessoas do plural. Os exemplos trazidos, acima, não
apresentam a marca explícita normativa, do plural, nos verbos e são considerados pela visão
gramaticista como “erros”, sendo, assim, usos que carregam um grande estigma, levando a
preconceitos tanto linguísticos quanto sociais.
No corpus, o uso da expressão a gente + verbo no plural, apresenta-se com 2 (duas)
ocorrências registradas nos fragmentos (64) e (44) (discorrida na subsecção anterior), com a
presença da troca da vogal temática / a / por / e /.
Na maioria dos casos, as pessoas que dizem nós fala ou a gente viemos, como nos
recortes apresentados acima, são corrigidas ou são tachadas como um falante pertencente à
classe social baixa e não escolarizada. Segundo Scherre (2005), a construção de nós + verbo no
singular e a gente + verbo no plural são usos altamente estigmatizados e inerentes às camadas
sociais desprivilegiadas.
Apresentamos, no gráfico abaixo, as distribuições das formas padrão e não-padrão de
concordância de 1° e 3° pessoas do plural, nos bairros Boa Esperança e Centro:
76
Gráfico 2: Distribuição das formas padrão e não-padrão nos bairros.
Foram levantados, em nosso corpus, 10 (dez) formas padrão de uso de
concordância verbal no bairro Boa Esperança e 30 (trinta) formas não-padrão, já no Centro
foram registradas 18 (dezoito) ocorrências de concordância verbal padrão e 27 (vinte) não-
padrão.
Com este resultado, podemos verificar que não há muita diferença do uso da CV não-
padrão entre o Boa Esperança e o Centro, apresentando-se uma diferença de 3 (três) registros
de formas empregadas não-padrão. A diferença maior do uso da CV manifesta-se nos usos
padrão, com um diferencial de 8 (oito) registros entre o Boa Esperança e o Centro, assim com
maior número do uso padrão no Centro.
Discorremos, a seguir, os dados quantificados dos principais fatores sociais que
constituem nossa análise: sexo, faixa etária e escolaridade, fatores estes, como apontados pelos
pressupostos teóricos, indissociáveis e inerentes à variação linguística.
3.4.1.4 Sexo
No gráfico, abaixo, apresentamos a distribuição por sexo das formas padrão e não-
padrão nos dois bairros.
10
18
30
27
N°
DE
RE
GIS
TR
OS
BOA ESPERANÇA CENTRO
DISTRIBUIÇÃO DAS FORMAS PADRÃO E NÃO -PADRÃO NOS BAIRROS
PADRÃO NÃO-PADRÃO
77
Gráfico 3: Distribuição dos usos padrão e não-padrão por sexo nos dois bairros.
Verificamos, em nosso corpus, que o sexo feminino apresenta mais usos da forma
padrão do que o sexo masculino, com diferencial de 8 (oito) registros. No entanto,
paradoxalmente, o sexo feminino também apresenta mais usos da forma não-padrão, com 35
(trinta e cinco) ocorrências desta forma, enquanto o sexo masculino apresenta 22 (vinte e duas)
ocorrências da forma não-padrão, com a diferença de 13 (treze) registros do uso da forma não-
padrão entre os sexos.
Verificamos, também, o diferencial de registros das ocorrências padrão e não-padrão
entre os sexos nos dois bairros. Desse modo, apuramos que o sexo feminino do Centro apresenta
mais usos da forma padrão do que o sexo feminino do Boa Esperança, com 6 (seis) ocorrências
a mais da forma padrão, porém, os sujeitos do Centro também apresentam mais registros das
formas de uso não-padrão, com 7 (sete) registros a mais desta forma. Resultado que mostra a
alternância desses usos.
O sexo masculino do Boa Esperança apresenta mais usos das formas não-padrão do que
os sujeitos masculinos do Centro, apresentando a diferença de 10 (dez) ocorrências de uso a
mais daqueles da forma não-padrão.
3.4.1.5 Faixa Etária
PADRÃOBOA
ESPERANÇA
NÃO-PADRÃOBOA
ESPERANÇA
PADRÃOCENTRO
NÃO-PADRÃOCENTRO
FEMININO 6 14 12 21
MASCULINO 4 16 6 6
6
1412
21
4
16
6 6
N°
DE
OC
OR
Rê
NC
IAS
DISTRIBUIÇÃO POR SEXO
78
O gráfico, abaixo, apresenta a distribuição de registros de CV padrão e não-padrão nos
dois bairros. A faixa etária I é de 15 a 25 anos e a faixa etária II acima de 50 anos.
Gráfico 4: Distribuição das formas padrão e não-padrão nos bairros.
Como podemos verificar, nos dados acima, a faixa etária I, do bairro Boa Esperança
apresenta mais formas de uso não-padrão de CV do que formas padrão, com 3 (três) registros
de formas padrão contra 7 (sete) registros não-padrão. A faixa etária II também apresenta mais
formas de uso não-padrão, com 23 (vinte e três) registros contra 7 (sete). Dessa forma, as duas
faixas etárias do bairro Boa Esperança não apresentam acentuadas diferenças de usos das
formas padrão; ainda quanto ao uso não-padrão, a faixa II apresenta mais ocorrências desta
forma do que a faixa I, com a diferença de 16 (dezesseis) ocorrências.
No Centro, apresenta-se um número maior de uso de formas padrão na faixa I, com 6
(seis) registros contra 2 (dois) de formas não-padrão. Na faixa II, há mais registros da forma
não-padrão, com 25 (vinte e cinco) versus 12 (doze) formas padrão. Assim, a faixa II apresenta,
concomitantemente, mais registros de formas padrão e não-padrão do que a faixa I.
Com relação ao comparativo entre as faixas etárias dos dois bairros, a faixa I do Centro
apresenta mais formas padrão, com a diferença de 3 (três) ocorrências; na forma não-padrão a
diferença é de 5 (cinco) registros desta forma, com maior número de usos de formas não-padrão,
portanto, no bairro Boa Esperança. Já na faixa II, a diferença é de 5 (cinco) registros da forma
PADRÃOBOA
ESPERANÇA
NÃO-PADRÃOBOA
ESPERANÇA
PADRÃOCENTRO
NÃO-PADRÃOCENTRO
FAIXA I 3 7 6 2
FAIXA II 7 23 12 25
3
7 6
2
7
23
12
25
N°
de
Oco
rrê
nci
asDISTRIBUIÇÃO POR FAIXA ETÁRIA
FAIXA I FAIXA II
79
padrão, com maior número de usos desta forma no Centro. Nas formas não-padrão a diferença
é de apenas 2 (dois) registros, com maior número de usos desta forma, no Centro.
3.4.1.6 Escolaridade
A seguir, apresentamos a distribuição de usos das formas padrão e não-padrão por
escolaridade. Foram considerados 2 níveis de escolaridade, sendo eles, nível I, com até 8 (oito)
anos de escolaridade, e nível II, acima de 10 anos de escolaridade. Em cada nível de
escolarização, ficaram divididos 4 sujeitos.
Gráfico 5: Distribuição das formas padrão e não-padrão por escolaridade.
Como podemos verificar, nos dados do gráfico acima, o nível I (4 a 8 anos de
escolaridade), apesar de uma diferença mínima, apresenta mais formas de uso padrão de CV do
que o nível II (acima de 10 anos de escolaridade), com diferencial de 2 (dois) registros a mais
do uso da forma padrão. Porém, no uso das formas não-padrão o nível I apresenta um número
grande de diferença, com 45 (quarenta e cinco) registros a mais do uso da forma não-padrão do
que o nível II.
Nível I (4 a 8 anos) deescolaridade
Nível II (Acima de 10anos) de escolaridade
PADRÃO 15 13
NÃO-PADRÃO 51 6
15 13
51
6
DISTRIBUIÇÃO POR ESCOLARIDADE
PADRÃO NÃO-PADRÃO
80
Nessa amostra, não foi possível separar os níveis de escolaridade por bairros, pois no
Boa Esperança, em nossa pesquisa, não conseguimos contatar nenhum sujeito com ensino
superior.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Concordância Verbal foi a noção operatória principal de nossa pesquisa e também de
muitas outras da área da Sociolinguística Variacionista, que mostram, conforme os resultados
apresentados, como as regras estabelecidas pela Gramática Normativa são pouco seguidas e/ou
aplicadas na língua falada no cotidiano da maioria dos brasileiros, incluindo os mais cultos e
altamente escolarizados (VIANNA, 2006). Vale ressaltar que os estudos Variacionistas se
preocupam com os usos da língua falada sem estigmatizá-los, visto que variáveis/variantes são
consideradas como “erros” apenas pelos gramaticistas. Dessa forma, a Sociolinguística tem o
propósito de ‘quebrar’ a visão apenas normativa do (in)uso da língua e mostrar o uso real,
cientificamente comprovado, de falantes no dia a dia, como é o caso desta pesquisa, que teve o
objetivo maior de mostrar como a concordância verbal se apresenta, de fato, na fala dos sujeitos
entrevistados, mesmo entre os mais escolarizados e moradores do bairro central.
Ao apresentarmos os usos da concordância verbal a partir de duas visões, da Gramática
e da Sociolinguística Variacionista, tivemos como pretensão mostrar que a abordagem
gramaticista da concordância verbal, que assume apenas uma forma da língua como a única
“certa” e, assim, descarta as demais variações como “erradas’”, está muito distante da realidade
linguística em uso no Brasil. Para a Gramática Normativa, o processo de concordância verbal
se dá quando todas as marcas do sujeito pronominal concordam com as do verbo. Com a
pesquisa, pudemos concluir que o uso da CV encontra-se em um constante estado de variação,
indo contra ao que geralmente é prescrito pelas regras normativas.
Podemos afirmar, assim, a partir dos resultados obtidos, que as regras de uso aqui
localizadas encontram-se em pleno processo de variação, ou seja, a aplicação da CV padrão ora
se aplica, ora deixa de se aplicar. A aplicação das concordâncias padrão e não-padrão ocorre
em ambos os grupos/bairros pesquisados, os com maior e menor graus de escolarização e
classes mais e menos favorecidas socioeconomicamente.
Sustentados pelo referencial teórico da Sociolinguística laboviana, estudos da gramática
e pesquisas relacionadas à CV e outras áreas afins, buscamos descrever e analisar nesta pesquisa
o fenômeno da variação da concordância verbal de 1° e 3° pessoas do plural, na fala de 8 (oito)
sujeitos de dois bairros/comunidades da cidade de Sinop, MT, que apresentam diferenças
socioeconômicas e culturais, o Boa Esperança e o Centro Urbano da cidade, bem como enfatizar
os preconceitos linguístico e social que estão entrelaçados.
82
Apuramos em nosso corpus que o uso da concordância verbal não-padrão predomina
nos dados. Apesar da Gramática Normativa tradicional não considerar o uso da expressão a
gente, como parte do quadro pronominal, por ser muito recorrente na fala em nossos dados e
amparado por outras pesquisas da área, incluímos esta forma em nossos dados como padrão.
Como podemos verificar, já é grande o número de pesquisas (OMENA, 2003; VIANNA, 2006;
BAGNO, 2011) que mostram que o fenômeno da variação entre nós e a gente indica uma
mudança linguística em percurso, na qual, essa forma inovadora vem gradualmente ocupando
o lugar da forma nós.
Podemos ainda verificar, esse processo de percurso de a gente em concorrência com
nós, na assertiva de Callou & Lopes,
Aparentemente, a substituição de nós por a gente se está efetivando
progressivamente, seja entre os falantes cultos, seja entre os não-cultos. Na
amostra NURC relativa aos anos 70, o uso da forma mais antiga nós
suplantava a forma inovadora, mas a nova amostra referente a década de 90,
com informantes diferentes, sugere, ao contrário, um uso mais frequente da
forma inovadora, indicando uma aceleração rápida na implantação da
substituição de nós por a gente na comunidade (CALLOU & LOPES, 2003,
p. 73, apud VIANNA, 2006, p. 9, grifos da autora).
De tal modo, averiguamos em nosso corpus que, apesar da inserção do a gente na forma
padrão, há predomínio do índice de concordância não-padrão, sendo a maior parte da
concordância padrão registrada pelo uso de a gente.
Em síntese, os dados analisados nesta pesquisa indicaram que os sujeitos moradores do
bairro Centro Urbano apresentaram maior número de realização da concordância verbal padrão
do que os sujeitos do Boa Esperança, o que vem confirmar a nossa hipótese inicial. Podemos
justificar tal resultado, pela circunstância geográfica do bairro Boa Esperança, ou seja, por ser
localizado mais afastado do centro da cidade e se caracterizar como bairro periférico e com
baixo índice de escolarização, assim, esses falantes, possuem menor contato com as formas
padrão, geralmente disseminadas pela escola, trabalho entre outras circunstâncias. Já os falantes
do Centro Urbano, diferentemente do outro bairro, por morarem numa posição mais central da
cidade, estão mais expostos ao uso de formas padrão da língua, seja pela escola, trabalho e
grupo social em que estão inseridos.
Durante a pesquisa a campo, em observações realizadas e no intento da busca por
sujeitos com grau de escolaridade de ensino superior, constatamos que o nível de escolaridade
dos adultos da comunidade Boa Esperança é baixo, na qual existem muitos moradores que
83
frequentaram pouco a escola. Dessa forma, não foi possível contatar nenhum sujeito para a
gravação da entrevista com nível superior de ensino, visto que no outro lócus da pesquisa, no
Centro, foi entrevistado 1 (um) sujeito com ensino superior.
Vale lembrar que, quanto ao nível de escolaridade, optou-se em escolher sujeitos
entrevistados com no mínimo 4 (quatro) anos de escolaridade. Essa opção justificou-se pela
dificuldade em encontrar sujeitos da faixa etária acima de 50 (cinquenta) anos com escolaridade
maior do que a 4° série no bairro Boa Esperança.
Verificamos que grande parte dos sujeitos entrevistados no Boa Esperança não possui
percepção da estigmatização sobre os usos das formas não-padrão. Podemos confirmar essa
constatação com a assertiva de Bortoni-Ricardo (1981), que discorre sobre o uso das formas
não-padrão, por pessoas com menor grau de instrução,
O indivíduo de pouca cultura formal possivelmente só chegará a ter
consciência do caráter estigmatizado da concordância não-padrão depois de
um período de escolarização e de convívio com o dialeto de classe média
urbana. A duração deste período não é possível de se precisar, sem que se
proceda a estudos experimentais. Podemos, porém, prever que esse indivíduo
adotará a certa altura de sua formação escolar supletiva as normas de avaliação
da classe mais alta, mas tenderá sempre a usar a regra de concordância padrão
com menos frequência, posto que ele a assimilou tardiamente. (BORTONI-
RICARDO, 1981, p. 94).
No entanto, os sujeitos do Boa Esperança sabem do profundo preconceito social que
sofrem pelos moradores do Centro, pois é uma situação que enfrentam em seu cotidiano, não
só por moradores do Centro, como também por moradores de outros bairros que gozam de
maior prestígio. Segundo os entrevistados, a maior dificuldade ainda enfrentada é para
conseguir emprego, por residirem em comunidade considerada periférica e palco de muitos
problemas sociais, como tráfico de drogas e homicídios.
Ao passo que os sujeitos entrevistados do Centro, têm a consciência dos usos não-padrão
e que esses usos são formas estigmatizadas. Bem como, são portadores de um julgamento
preconcebido de que moradores dos bairros de menores condições socioeconômicas tendem a
empregar usos menos formais, por não terem o conhecimento de usos de maior prestígio e
acesso ao ensino superior.
Constatamos, em nossa investigação, que o preconceito mais presente é o preconceito
social, dos sujeitos entrevistados do Centro aos moradores do Boa Esperança, visto que
pudemos apreender nos relatos de todos os sujeitos moradores entrevistados do Centro uma
84
grande carga de preconceito pelo bairro Boa Esperança. Podemos corroborar tal situação com
a assertiva de Monteiro (2000, p. 78), “não resta nenhuma dúvida de que a linguagem reflete
não apenas o local de origem do indivíduo, mas também o local onde ele mora e trabalha”.
Em relação às variáveis sociais analisadas, constatamos que a variável sexo demonstrou
que as mulheres, ao mesmo tempo, empregam mais usos das formas padrão do que o sexo
masculino, como também apresentam maior número de formas não-padrão. E os sujeitos do
Centro, tanto o sexo masculino quanto o feminino, apresentam mais usos da forma padrão do
que os sujeitos do sexo masculino e feminino do Boa Esperança. Na variável faixa etária, os
resultados demonstraram que os falantes mais velhos dos dois bairros estudados, os da faixa II,
tendem a realizar mais concordâncias padrão e não-padrão, do que os mais novos, os da faixa
II. Em comparativo entre os dois bairros e as duas faixas etárias, os sujeitos do Centro
apresentam mais usos de concordância verbal padrão do que os sujeitos do Boa Esperança.
Quanto à variável escolaridade, como já reportado anteriormente, não foi possível fazer
uma divisão igual entre os dois bairros devido ao fator menor escolaridade dos moradores do
Boa Esperança. Conquanto, os resultados apontaram maior número de concordância padrão aos
sujeitos do nível I (de 4 a 8 anos) de escolaridade do que no nível II (acima de 10 anos) de
escolaridade. Quanto ao uso das formas não-padrão, os sujeitos do nível I, também, apresentam
mais usos destas formas do que os sujeitos do nível II. Vale destacar, ainda, que a análise desses
três fatores sociais, sexo, idade e escolaridade, foram indispensáveis para os resultados de nossa
investigação, resultados já evidenciados, também, por inúmeras pesquisas da língua.
De maneira geral, com estes resultados apreendidos em nossos dados, certificamo-nos
que, apesar da variação na CV estar presente nos dois estratos sociais investigados, no Boa
Esperança e no Centro Urbano, a frequência de uso das formas não-padrão é maior por
moradores de menor poder aquisitivo e de menor escolaridade, ou seja, os do bairro Boa
Esperança, esses sujeitos, por essas razões, são por vezes discriminados e estigmatizados,
fundamentalmente, pela proveniência do local de moradia, nível de escolaridade, profissão e
status social em que o falante se encontra inserido, configurando o que se conhece como
preconceito social.
Concluímos esta pesquisa na certeza de que há muito o que se investigar em relação à
concordância verbal, e que pode contribuir grandemente para a redução dos preconceitos
linguísticos e sociais muito arraigados em nossa sociedade.
Acreditamos, assim, que esta pesquisa sobre a variação na concordância verbal em duas
comunidades de fala pode contribuir para uma melhor compreensão acerca da realidade
linguística na cidade de Sinop/MT.
85
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91
ANEXO A: Pré-ficha social
FICHA SOCIAL
Seleção Pré-ficha para entrevista.
Individuo:
Sexo:
( ) M ( ) F
Faixa etária
( ) 15 a 25 anos ( ) acima de 50 anos
Grau de instrução
( ) ensino fundamental ( ) ensino médio ( ) ensino superior
Serve?
( ) sim ( ) não
Pergunta-se se ele tem vontade de responder ao questionário social.
( ) não tem ( ) sim
Dia e hora da entrevista:
Endereço: