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(Bibliotecaria responsavel: Marta Roberto, CRB-I0/652)
GUNTHER JAKOBS
MANUEL CANCIO MELIA
J25d [akobs, Gunther
Direito Penal no inimigo: nocoes e criticas / Gunther
[akobs, Manuel Cancio Melia; org. e trad. Andre Luis
Callegari, Nereu Jose Giacomolli. - Porto Alegre: Livra-
ria do Advogado Ed., 2005.
8Ip.; I4x2I cm.
ISBN 85-7348-379-2
Direito Penal do Inimigo
No~6es e C riticas
Organ iza~ao e r r a d u c a o
1.Direito Penal. 2. Punibilidade. 3. Polftica criminal.
4. Criminalidade. 1. Cancio Melia, Manuel. II. Callegari,
Andre Luis, org. III. Giacomolli, Nereu Jose, org.
IV. Titulo.
Andre Luis CallegariNereu Jose Giacomolli
CDU - 343.2
indices pera 0 catalogo sistematico:
Direito Penal
Punibilidade
Polftica criminal
Criminalidade
l ivrar~iaDOAD OGADO
editora
Porto Alegre 2005
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1 . lntroducao: a pena com o
contradlcao ou com o ssquranca
Quando no presente texto se faz referencia ao
Direito penal do cidadao e ao Direito penal do inimigo,
isso no sentido de dois tipos ideais que dificilmente
aparecerao transladados a realidade de modo puro:
inclusive no processamento de urn fato delitivo cotidia-
no que provoca urn pouco mais que tedio - Direito penal
do cidadao - se misturara ao menos uma leve defesa
frente a riscos futuros - Direito penal do inimigo -, e
inclusive 0 terrorista mais afastado da esfera cidada etratado, ao menos formalmente, como pessoa, ao the ser
concedido no processo penal' os direitos de urn acusado
cidadao. Por conseguinte, nao setrata de contrapor duas
esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois
p6los de urn s6 mundo ou de mostrar duas tendencias
opostas em urn s6 contexto juridico-penal. Tal descricao
revela que e perfeitamente possfvel que estas tendenciasse sobreponham, isto e, que se ocultem aquelas que
tratam 0 autor como pessoa e aquelas outras que 0
tratam como fonte de perigo ou como meio para intimi-
dar aos demais. Que isto fique dito como primeira
consideracao.
1Fundamentalmente, a respeito da falta de comunicacao, ver item IV, infra.
Direito Penal do lnimigo 21
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Em segundo lugar deve limitar-se, previamente
que a denominacao «Direito penal do inimigo» nii~pretende ser s empre p e jo ra ti va . Certamente, urn Direitopenal do i nim ig o e indicativo de uma pacificacao insufi-
ciente; entretanto esta, nao necessariamente, deve ser
atribuida aos pacificadores, mas pode referir-se tambem
aos rebeldes. Ademais, urn Direito penal do inimigoimplica, pelo menos, urn comportamento desenvolvido
com base em regras, ao inves de uma conduta esponta-
nea e impulsiva. Feitas estas reflex6es previas, comeca-
rei com a parte intermediaria dos conceitos, ou seja, com
a pena.
A pena e coacao: e coacao - aqui s6 sera abordadade mane ira setorial - de divers as classes, mescladas em
intima cornbinacao. Emprimeiro lugar, a coacao e porta-
dora de urn significado, portadora da resposta ao fato: 0
fato, como ate de uma pessoa racional, significa algo,
significa uma desautorizacao da norma, urn ataque a
sua vigencia, e a pena tambern significa algo; significa
que a afirmacao do autor e irrelevante e que a norma
segue vigente sem modificacoes, mantendo-se, portan-
to, a configuracao da sociedade. Nesta medida, tanto 0
fato como a coacao penal sao meios de interacao simb6-
lica.? e 0autor e considerado, seriamente, como pessoa:
pois se fosse incapaz, nao seria necessario negar seu ato.
Entretanto, a pena nao s6 significa algo, mas tam-
bern produz fisicamente algo. Assim, por exemplo, 0
preso nao pode cometer delitos fora da penitenciaria.
uma prevencao especial segura durante 0 lapso efetivo
da pena privativa de liberdade. E possfvel pensar que eimprovavel que a pena privativa de liberdade se conver-
ta na reacao habitual frente a fatos de certa gravida de se
ela nao contivesse este efeito de seguranc;a. Nesta medi-
da, a coacao nao pretende significar nada, mas quer ser
2 A respeito, vid. JAKOBS, No rm , P e rs o n, Ge s el ls c ha f i, 2a edicao, 1999, P:98 e 55.
efetiva, isto e. que nao se dirige contra a pessoa emDireito, mas contra 0 individuoperigoso. Isto talvez se
perceba, com especial clareza, quando se passa do efeito
de seguranc;a da pena privativa de liberdade a custodiade seguranc;a, enquanto medida de seguranc;a (§ 61num.
3,§ 66StGB):nesse caso, a perspectiva nao s6 contempla
retrospectivamente 0 fato passado que deve ser subme-tido a juizo, mas tarnbem se dirige - e sobretudo - para
frente, ao futuro, no qual uma «tendencia a [cometer]
fates delitivos de consideravel gravidade» poderia ter
efeitos «perigosos» para a generalidade (§ 66, par. 1°,
hum. 3 StGB). Portanto, no lugar de uma pessoa que de
per si e capaz, e a que se contradiz atraves da pena,
aparece 0 individuo? perigoso, contra 0 qual se procede
~ neste ambito: atraves de uma medida de seguranc;a,
nao mediante uma pena - demodotlsicamente efetivo:
luta contra urn perigo em lugar de comunicacao, Direito
penal do inimigo (neste contexto, Direito penal ao me-
nos em urn sentido amplo: a medida de seguranc;a tern
como pressuposto a comissao de urn delito) ao inves do
Direito penal do cidadao, e a voz «Direito» significa, em
ambos os conceitos, algo claramente diferente, como se
mostrara mais adiante.
o que se pode vislumbrar na discussao cientffica daatualidade? a respeito deste problema e pouco, comtendencia ao nada. E que nao se pode esperar nada
daqueles que buscam razao e m to da s a s p ar te s, garantin-do-se a si mesmo que a tern diretamente e proclamando-a
sempre em tom altivo, ao inves de dar-se 0 trabalho de
3 A respeito d05 conceitos «indivfduo- e «pe550a», vid. JAKOBS, N orm , P er -son , Gese l lscha ft (nota 2), p. 9 e 55., 2 9 e 5S.
4 A ques tao apa rece prime iro em JAKOBS, ZStW, 97 (1985), p . 751, 783e 55. ;Idem, em: ESER e t a l. (ed.), D ie D eu ts ch e S tr af re ch sw is se ns ch af t v or d er [ ab rt au -sendwende. Riickbesinnung und Ausblick, 2000, p . 47 e 55. ,51 e 55. ;a r espei toS~H~LZ, ZStW, 112 (2000), p. 653 e 55.,659 e 55.;contra r iamente ESER.'lac.c l t. (D l e D eu ts c he S tr a fr e ch tsw is s en s ch u ft ), p. 437 e 55., 444 e 55.; SCHUNE-MANN, GA 2001, p . 205 e S5 .,210 e 55.
22 GU nt he r J a ko bs Direito Penal do Inimigo 23
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24 Direito Penal do lnimigo 25
configurar sua subjetividade, examinando aquilo que e epode ser. Entretanto, a filosofia da Idade Moderna
ensina 0 suficiente para, pelo menos, estar em condi<;6es
de abordar 0problema.
2 . A lg u ns esbocos lusftlcsoflcos
Denomina-se «Direito» 0vinculo entre pessoas que
sao titulares de direitos e deveres, ao passo que a relacao
com um inimigo nao se determina pelo Direito, mas pela
coacao. No entanto, todo Direito se encontra vinculado aautorizacao para empregar coa<;ao,5e a coacao mais
intensa e a do Direito penal. Emconsequencia, poder-se-ia argumentar que qualquer pena, ou, inclusive, qual-
quer legitima defesa se dirige contra um inimigo. Tal
argumentacao em absoluto e nova, mas conta com desta-cados precursores filos6ficos.
Sao especialmente aqueles autores que fundamen-
tam 0 Estado de modo estrito, mediante um contrato,
entendem 0 delito no sentido de que 0 delinquente
infringe 0 contrato, de maneira que ja nao participa dos
beneficios deste: a partir desse momento, ja nao vive
com os demais dentro de uma relacao juridica. Em
correspondencia com isso, afirma Rosseau" que qual-
quer «malfeitor» que ataque 0 «direito social» deixa de
ser «membro» do Estado, posto que se encontra emguerra com este, como demonstra a pena pronunciada
5 KANT, D ie m et ap hy sik e d er S itt en . E rs te r T he il . M et ap hy si ch e A nf an gs gr :u nd e
d e r R e cht e le b re , em: K an t's W er ke , Akademie-Ausgabe, tomo 6,1907, p. 203 e
5S., 231 (Einleitung in die Rechtslehre, §D).
6 ROSSEAU, S ta a t u nd G e se ll sc ha ft . «Contrai social», traduzido e comentado
por WEIGEND, 1959, p. 33 (segundo livro, capitulo V).
Gunther Jakobs
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contra 0malfeitor. A consequencia diz assim: «ao culpa-
do se the faz morrer mais como inimigo que como
cidadao». De modo similar, argumenta Fichte: «quem
abandona 0 contra to cidadao em urn ponto em que no
contrato se contava com sua prudencia, seja de modo
voluntario ou por imprevisao, em sentido estrito perde
todos os seus direitos como cidadao e como ser humane ,e passa a urn estado de ausencia completa de direitos».?
Fichte atenua tal morte civil," como regra geral mediante
a construcao de urn contrato de penitencia,? mas nao no
caso do «assassinato intencional e prerneditado»: neste
ambito, se mantem a privacao de direitos: «... ao conde-
nado se declara que e uma coisa, uma pe<;ode gado».'?Com ferrea coerencia, Fichte prossegue afirmando que a
falta de personalidade, a execucao do criminoso «nao [e
uma] pena, mas s6 instrumento de seguranca».!' Nao eoportuno entrar em detalhes, pois ja com estabreve
esboco e possfvel pensar que se mostrou que0
status decidadao, nao necessariamente, e algo que nao se podeperder.
Nao quero seguir a concepcao de Rosseau e de
Fichte, pois na separacao radical entre 0 cidadao e seu
Direito, por urn lado, e 0 injusto do inimigo, por outro, edemasiadamente abstrata. Em principio, urn ordena-
mento juridico deve manter dentro do Direito tambem 0
criminoso, e isso por uma dupla razao: por urn lado, 0
delinquente tern direito a voltar a ajustar-se com a
sociedade, e para isso deve manter seu status de pessoa,
7 FICHTE, G r ud la ge d es N a tu rr ec ht s n ac h d en P ri nz ip ie n d er W is se ns ch af is le br eI ,e m : S ii m il ic h e W e rk e , ed. a cargo de J . H. FICHTE, Zweite Abtheilung. A. ZurRechts - und Sit tenlehre , tomo pr ime iro , s .f. , p. 260.
B Como na nota 7.
9 G r un dl ag e d es N at ur re ch is (no ta 7), p. 260 e ss . Dizendo-se de passagem: urncontrato com urn sujeito expulso da sociedade civil , com alguem sem direitos?
10 G r un dl ag e d es N at ur re ch ts (no ta 7), p . 278 e 55.
11 G ru nd la ge d es Naiurrechts (nota 7), p. 280.
26 G un th er J ak ob s
de cidadao, em todo caso: sua situacao dentro do Direi-
to. Por outro, 0delinquente tern 0 dever de proceder arepara<;ao e tambem os deveres tern como pressuposto a
existencia de personalidade, dito de outro modo, 0
delinqiiente nao pode despedir-se arbitrariamente da
sociedade atraves de seu ato.
Hobbes tinha consciencia desta situacao, Nominal-mente, e (tambem) urn te6rico do contrato social, masmaterialmente e, preferentemente, urn fil6sofo das insti-
tuicoes. Seu contrato de submissao - junto a qual apare-
ce, em igualdade de direito (!) a submissao por meio da
violencia - nao se deve entender tanto como urn contra-
to, mas como uma metafora de que os (futuros) cidadaos
nao perturbem 0Estado em seu processo de auto-orga-
nizacao." De maneira plenamente coerente com isso,
HOBBES, em principio, mantern 0 delinquente, em sua
funcao de cidadao" 0cidadao nao pode eliminar, por si
mesmo, seu status. Entretanto, a situacao e distinta
quando se trata de uma rebeliao, isto e, de alta traicao:
«Pois a natureza deste crime esta na rescisao da submis-
sao,140 que significa uma recaida no estado de nature-
za... E aqueles que incorrem em tal delito nao sao
castigados como subditos, mas como inimigos»."
12Cfr. tarnbem KERSTING, D i e p o li ti sc h e P h il o so p hi e d e s Ge s el ls c ha ft s ve r tr a ge s ,
1994, p. 95: «0 contrato fundamental e a forma concei tua l dent ro da qual haque introduzir a situacao politica empfrica para ser acessfvel ao conhecimentocientffico; constitui 0esquema de interpretacao sob0qual devem subsumir-seos J.?r.ocessoshist6ricos de fundacao do Estado para poder ser compreendidospohhcamente». Idem, em: i de m ( ed .) , T ho ma s H ob be s. L ev ia th an e tc . (KlassikerAuslegen) , 1996, p. 211 e 55., 213e 55.
13 ~OBBES, L evia th an o rd er S tr off, F or m u nd G eu ia tt e in es k ir ch lic he n u nd b ur -
g e r li c he n S ta a te s , ed. a cargo de FETSCHER, t raducao de EUCHNER, 1984 ,p .237 e 55. (capitulo 28).
1 : S~ria rnais corre to dizer : na supressao fatica: as instituicoes nao sao susce-hvels de rescisao.
15 HOBBES, Leviathan (nota 13), p. 242 (capi tulo 28) ; id em , V om B urg er , em:GA';VLICK (ed.), H ob be s. V om M es ch en . V om B urg er , 1959, p. 233 (capitulo 14,paragrafo 22).
Direito Penal do Inirnigo 27
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Para Rousseau e Fichte, todo delinquente e,d e p er s i,
urn inimigo; para Hobbes, aomenos 0 reu de alta traicao
assim 0 e . Kant, quem fez uso do modelo contratual
como ideia reguladora na fundarnentacao e na limitacao
do poder do Estado," situa 0problema na passagem do
estado de natureza (fictfcio) ao estado estatal. Na cons-
trucao de Kant, toda pessoa esta autorizada a obrigar aqualquer outra pessoa a entrar em uma constituicao
cidada." Imediatamente, coloca-se a seguinte questao: 0
que diz Kant aqueles que nao se deixam obrigar? Emseu
escrito «Sobre a paz eterna», dedica uma extensa nota,
ao pe de pagina.l" ao problema de quando se pode
legitimamente pro ceder de modo hostil contra urn ser
humano, expondo 0 seguinte: «Entretanto, aquele ser
humano ou povo que se encontra em urn mero estado de
natureza, priva ... [da] seguran<;a [necessaria], e lesiona,
ja por esse estado, aquele que esta ao meu lado, embora
nao de maneira ativa (ato), mas sim pela ausencia delegalidade de seu estado ( st at u i ni us to ), que ameaca
constantemente; por isso, posso obrigar que, ou entre
comigo em urn estado comunitario-legal ou abandone
minha vizinhanca».'? Consequenternente, quem nao
participa na vida em urn «estado comunitario-legal»,
deve retirar-se, 0que significa que e expelido (ou impe-
lido ilcust6dia de seguranca): em todo caso, nao ha que
16KANT, U be r d en G em ein sp ru ch : D as m ag in d er T he or ie r ic htig s ein , ta ug t a be r
n ic ht fiir d ie P ra xis , e m: W er ke (nota 5), t. 8 , p . 273 e ss., 297; vid. a respeitoKERSTING, Philosophie (nota 12) ,p . 199 e s s.
17 KANT, M e ta ph ys ik d er S it te n (nota 5) , p . 255 e ss. (1. Theil, 1. Hauptstiick,p.8).
18 KANT, Z um e wig en F rie de n. E in p hil os op hi sh er . E nit ou r] , em: Werke nota 5},t.S, p . 341 e ss., 349 (20 apartado, nota).
19Ao afirmar l oc . C i t. (nota 18) que unicamente (pore rn , ao menos , s im nestecasal po sso «proceder de modo hostil- contr a quem «[a me tenha lesionadoa tivamente», i sso se refere a urn del ito no «es tado c idadao-l egal», de mane i raque «hostil- car acter iza a producao de urn mal con forme a Lei penal, e nao
a uma despersonalizacao.
28 Gu nt he r J a ko b s
ser tratado como pessoa, mas pode ser «tratado», como
anota expressamente Kant,2°«como urn inimigo»."
Como acaba de citar-se, na posicao de Kant nao se
trata como pessoa quem «me ameaca ...constanternente»,
quem nao se deixa obrigar a entrar em urn estado
cidadao. De maneira similar, Hobbes despersonaliza 0
reu de alta traicao: pois tarnbem este nega, por principio,
a constituicao existente. Por conseguinte, Hobbes e Kant
conhecem urn Direito penal do cidadao - contra pessoas
que nao delinquem de modo persistente por principio -
e urn Direito penal do inimigo contra quem se desvia
por principio. Este exclui e aquele deixa inc6lume 0
status de pessoa. 0 Direito penal do cidadao e Direitotambem no que se refere ao criminoso. Este segue sendo
pessoa. Mas 0 Direito penal do inimigo e Direito em
outro sentido. Certamente, 0Estado tern direito a procu-
rar seguranca frente a individuos que reincidem per-
sistentemente na comissao de delitos. Afinal de contas, acust6dia de seguranca e uma instituicao jurfdica. Aindamais: os cidadaos tern direito de exigir do Estado que
tome medidas adequadas, isto e. tern urn direito a .
seguranca." com base no qual Hobbes ~undamenta e
limita 0Estado: f in is o boe d ie n ii ae e st protectio.e Mas nestedireito nao se encontra contido, em Hobbes, 0 reu de
2 0 Z um e wig en F rie de n (nota 18) , p . 349.
21Esta a fi rmacao, ent re t anto , contrar ia a posicao de KANT, no que tange ao
problema da mentira, no que KANT nao tern suficientemente em conta a
dependencia do contexto (sci!.: reciprocidade) d~. personahdade praticada:U b er e in v er me in tl ic he s R ec ht a us l vu ms ch en li co e z ul ug en , em: Werke (nota 5), t .
8 , p . 421 e ss . Sobre esta questao , c fr . OBERER, em: GEISMANN e OBERER
(ed). k an t l in d r ec ht d er L ii ge , 1986, p . 7 e S.; PAWLIK, D a s u ne rl au b te V e rh al te nb e im B ei ru g, 1999, p . 89 e s s. ; ANNEN, D as P ro ble m d er W ah rh aftig ke it in d er
P hi lo so ph ie d er d eu ts ch en A uf kl ii ru ng . E in B eit ra g z ur E th i) : u nd zu m N ai ur re ch t
de s 18. [abrhunderis, 1997, p. 97e ss.
22Fundamental ISENSEE, D a s G r un dr ec h i a uf Si ch er he it , Z u d en S c hu tz pf /i ch te n
d es f re ih e it /i ch e n V e rf as su ng ss ta at es , 1 98 3.
23 0 fim da obed iencia e a protecao: HOBBES, Levia than (nota 13) , p .171
(capitulo); id em , V om B ur ge r (nota 15) ,p . 132 e ss . (capi tu lo 6 , paragra fo 3).
Direito Penal do Inimigo 29
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alta traicao: em Kant, quem permanentemente ameaca:
trata-se do direito dos demais. 0 D ire ito p en al d o c id ad iio
eo D ire ito d e todo s, 0 D ireito p en al d o in im ig o e d aqueles q ue
o c on stitu em c on tra 0 in im ig o: fren te ao in im igo, e s6 coaciio
fis ic a, a te c he ga r a guerra. Esta coacao pode ficar limitada
em urn duplo sentido. Emprimeiro lugar, 0Estado, nao
necessariamente, excluira 0 inimigo de todos os direitos.Neste sentido, 0 sujeito submetido a custodia de segu-ranca fica inc6lume em seu papel de proprietario de
coisas. E, em segundo lugar, 0Estado nao tern por que
fazer tudo 0que e permitido fazer, mas pode conter-se,em especial, para nao fechar a porta a urn posterior
acordo de paz. Mas isto em nada altera 0 fato de que a
medida executada contra 0 inimigo nao significa nada,
mas s6coage. 0 D ireito pena l do cidadao m aniem a uiginciad a n orm a, 0 D ireito p en al d o in im ig o (em sentido amplo:
incluindo 0Direito das medidas de seguranca) combate
perigos; com toda certeza existem multiplas formas inter-
mediarias.
30 Gu nt he r J a ko bs
T
3 . P ers on alid ad e re al
e pe r icu losidade tatlca
Falta formular uma pergunta: por que Hobbes e
Kant realizam a delimitacao como se tern descrito? Darei
forma de teses a resposta: nenhum contexto normativo,
e tambern 0 e 0 cidadao, a pessoa e m D ir eito , e tal -vigora - por si mesmo. Ao contra rio, tambem ha de
determinar, em linhas gerais, a sociedade. 56 entao ereal.
Para explicar esta tese, comecarei com algumas
consideracoes acerca do que significa - sit ven ia verbo - 0
caso normal da sequencia de delito e pena. Nao existem
os delitos em circunstancias ca6ticas, mas s6 como
violacao das normas de uma ordem praticada. Ninguern
tern desenvolvido isto com tanta clareza como Hobbes,24
que atribui a todos os seres humano~, no estado. de
natureza, urn i us n a tu ra le a tudo, quer dizer, na termlI~o-
logia moderna, s6 urn iu s assim denominado, a respe:to
do qual precisamente nao se encontra em correspond en-
cia uma obligatio, urn dever do outro, mas que, aocontrario, s6 e uma denominacao da liberdade normati-
vamente ilimitada, unicamente circunscrita pela violen-
cia ffsica de cada individuo, de fazer e deixar de fazer 0
que se queira, contanto que sepossa. Quem quer e pode,
24 Leviathan (nota 13), p. 99 e 55. (capitulo 14).
Direito Penal do Inimigo 31
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pode matar alguem sem causa alguma. E este, como
HOBBES constata cxpressamente'" seu i us n at ur al e. E
isso nada tern em comum com um delito, ja que no
estado de natureza, na falta de uma ordem definida, de
maneira vinculante, nao podem ser violadas as normas
de tal ordem.
Portanto, os delitos s6 acontecem em uma comuni-dade ordenada, no Estado, do mesmo modo que 0
negativo s6 se pode determinar ante a ocultacao do
positivo e vice-versa. E 0 delito nao aparece como
principio do fim da comunidade ordenada, mas s6 como
infracao desta, como deslize reparavel, Para esclarecer 0
que foi dito, pense no sobrinho que mata seu tio, com 0
objetivo de acelerar 0 recebimento da heranca, a qual
tern direito. Nenhum Estado sucumbe por urn caso
destas caracteristicas. Ademais, 0 ato nao se dirige
contra a permanencia do Estado, e nem sequer contra a
de suas instituicoes. 0 malvado sobrinho pretends am-
parar-se na protecao da vida e da propriedade dispensa-
das pelo Estado; isto e, se comporta, evidentemente, de
maneira autocontradit6ria. Dito de outro modo, opta,
como qualquer urn reconheceria, por um mundo insus-
tentavel. E isso nao s6 no sentido do insustentavel,
desde 0 ponto de vista pratico, em uma determinada
situacao, mas ja no plano te6rico. Esse mundo e impen-savel.
Por isso, 0Estado moderno ve no autor de urn fato
- de novo, uso esta palavra pouco exata - normal,
diferentemente do que ocorre nos te6ricos estritos do
contratualismo de Rosseau e de Fichte, nao um inimigoque ha de ser destruido, mas um cidadao, uma pessoa
que, mediante sua conduta, tem danificado a vigencia
da norma e que, por isso, e chamado - de modo coativo,mas como cidadao (e nao como inimigo) - a equilibrar 0
25 Leviathan (nota 13),p. 99. (capitulo 14).
32 G iin ih er J ak ob s
dano, na vigencia da norma. Isto se revela com a pena,
quer dizer, mediante a privacao de meios de desenvolvi-
mento do autor, mantendo-se a expectativa defraudada
pelo autor, tratando esta, portanto, como valida, e a
maxima da conduta do autor como maxima que nao
pode ser norma."
Entretanto, as coisas somente sao tao simples, in-clusive quase idflicas - 0 autor pronuncia sua pr6pria
sentenca ja pela inconsistencia de sua maxima -, quando
o autor, apesar de que seu ato ofereca garantia de que se
conduzira, em linhas gerais, como cidadao, quer dizer,
como pessoa que atua com fidelidade ao ordenamento
juridico. Do mesmo modo que a vigencia da norma, nao
pode manter-se de maneira completamente contra fatica,
tampouco a personalidade. Tentarei explicar brevemen-
te 0 que foi dito, abordando primeiro a vigencia da
norma.
Pretendendo-se que uma norma determine a confi-
guracao de uma sociedade, a conduta em conformidade
com a norma, realmente, deve ser esperada em seus
aspectos fundamentais. Isso significa que os calculos das
pessoas deveriam partir de que os demais se comporta-
rao de acordo com a norma, isto e, precisamente, sem
infringi-la. Ao menos nos casos das normas de certo
peso, nas quais se pode esperar a fidelidade a norma,necessita-se de certa confirrnacao cognitiva para poder
converter-se em real. Um exemplo extremo: quando eseria a possibilidade de ser lesionado, de ser vitima de
urn roubo ou talvez, inclusive, de urn homicidio, em urn
determinado parque, a certeza de estar, em todo caso,em meu direito, nao me fara entrar nesse parque sem
necessidade. Sem uma suficiente seguranca cognitiva, a
vigencia da norma se esboroa e se converte numa pro-
messa vazia, na medida em que ja nao oferece uma
26 Cfr. supra 1.
Direito Penal do Inimigo 33
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34 Gunther [akobs Direito Penal do Inimigo 35
configuracao social realmente susceptivel de ser vivida.
No plano te6rico, pode-se afastar esta confirrnacao do
normativo pelo fatico, aduzindo que 0que nao deve ser,
nao deve ser, embora provavelmente va ser. Porem, as
pessoas nao s6 querem ter direito, mas tambem preser-
var seu corpo, isto e, sobreviver como individuos neces-
sitados." e a confianca no que nao deve ser s6, sup6euma orientacao com a qual e possivel sobreviver quan-do nao e contradit6ria com tanta intensidade pelo co-
nhecimento do que sera. E precisamente por isto que
Kant argumenta que qualquer urn pode obrigar a qual-
quer outro a entrar numa constituicao cidada."
o mesmo ocorre com a personalidade do autor de
urn fato delitivo: tampouco esta pode se manter de
modo puramente contrafatico, sem nenhuma confirma-
<;aocognitiva. Pretendendo-se nao s6 introduzir outrem
no calculo como indivfduo, isto e, como ser que avalia
em funcao de satisfacao e insatisfacao, mas toma-lo
como pessoa, 0que significa que se parte de sua orienta-
<;aocom base no lfcito e no ilfcito. Entao, tambem esta
expectativa normativa deve encontrar-se cimentada, nos
aspectos fundamentais, de maneira cognitiva. E isso,
claramente, quanto maior for 0peso que corresponda as
normas em questao,
Ja se tern mencionado 0 exemplo da cust6dia de
seguran<;a como medida de seguran<;a. Ha muitas outras
regras do Direito penal que permitem apreciar que
naqueles casos nos quais a expectativa de urn comporta-
mento pessoal e defraudada de maneira duradoura,
diminui a disposicao em tratar 0 delinquente comopessoa. Assim, por exemplo, 0 legislador (por permane-
cer primeiro no ambito do Direito material) esta passan-
do a uma legislacao - denominada abertamente deste
27 CfT.nota 3.
28Como na nota 17.
modo - de luta, por exemplo, no ambito da criminalida-
de economica,29 do terrorismo.P da criminalidade orga-
nizada,31 no caso de «delitos sexuais e outras infracoes
penais perigosas-F assim como, em geral, no que tange
aos «crimes-.P Pretende-se combater, em cada urn des-
tes casos, a individuos que em seu comportamento (por
exemplo, no caso dos delitos sexuais), em sua vidaeconomic a (assim, por exemplo, no caso da criminalida-
de economica, da criminalidade relacionada com as
drogas e de outras formas de criminalidade organizada)
ou mediante sua incorporacao a uma organizacao (no
caso do terrorismo, na criminalidade organizada, inclu-
sive ja na conspiracao para delinqiiir, § 30StGB) se tern
afastado, provavelmente, de maneira duradoura, ao
menos de modo decidido, do Direito, isto e, que nao
proporciona a garantia cognitiva minima necessaria a
urn tratamento como pessoa. A reacao do ordenamento
juridico, frente a esta criminalidade, se caracteriza, de
modo paralelo a diferenciacao de Kant entre estado de
cidadania e estado de natureza acabada de citar, pela
circunstancia de que nao se trata, em prime ira linha, da
compensacao de urn dana a vigencia da norma, mas da
eliminacao de urn perigo: a punibilidade avanca urn
grande trecho para 0ambito da preparacao, e a pena se
29Erstes Gesetz zur Bekampfung der Wirtschaftskriminalitat vom 29-7-1976,BGBI I, p. 2034; Zweites Gesetz zur Bekampfung der Wirtschaftskriminalitatyom 15-51986 , BGBII , p. 721 (=re spect ivamente , prime i ra e segunda Le i deluta contra a criminalidade economical.
30Artigo 1,Gesetz zur Bekarnpfung des Terrorismus (=Lei para a luta contrao terrorism 0) de 19-2-1986, BGBI I, p. 2566.
31Gese tz zur Bekampfung des i llegalen Rauschg if tandels und andere r Ers -che inungsformen de r Organis ie rten Kromina li ta t (= Le i para luta cont ra 0
t ra fico ilegal de drogas t6x icas e out ra s fo rmas de manife stacao da c rimina -lidade organizada) de 15-7-1999, BGBII , p. 1302.
32 Gese tz zur Bekampfung Yom Sexualde likten und anderen ge fahrl ichenStra ftaten (= Le i pa ra a luta con tra os de li tos sexuais e ou tra inf racoes pena isper igosas) de 26/1-1998, BGBI I , p. 160.
33Verbrechesbekarnpfungsgesetz (=Lei de luta contra 0 deli to) de 28-10-1994,BGBII , p. 3186.
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dirige a seguran<;a frente a fatos futuros, nao a sancao defatos cometidos. Brevemente: a reflexao do legislador e aseguinte: 0 outro «me lesiona por ...[seu] estado [em
ausencia de legalidade] ( st at u i ni us to ), que me ameaca
constantementev." Uma ulterior formulacao: urn indivi-
duo que nao admite ser obrigado a entrar em urn estado
de cidadania nao pode participar dos beneffcios doconceito de pessoa. E que 0 estado de natureza e urn
estado de ausencia de normas, isto e, de liberdade
excessiva, tanto como de luta excessiva. Quem ganha a
guerra determina 0 que e norma, e quem perde ha desubmeter-se a esta deterrninacao.
Ao que tudo isto segue parecendo muito obscuro,
pode-se oferecer urn rapido esclarecimento, mediante
uma referencia aos fatos de 11 de setembro de 2001. 0
que ainda se subentende a respeito do delinquente de
carater cotidiano, isto e, nao trata-lo como indiyiduo
perigoso, mas como pessoa que age erroneamente, japassa a ser dificil, como se acaba de mostrar, no caso do
autor por tendencia. Isso esta imbricado ern uma organi-
zacao - a necessidade da reacao frente ao perigo que
emana de sua conduta, reiteradamente contraria a nor-ma, passa a urn primeiro plano - e finaliza no terrorista,
denominacao dada a quem rechaca, por principio, a
legitimidade do ordenamento jurIdico, e por isso perse-
gue a destruicao dessa ordem. Entretanto, nao se preten-
de duvidar que tambem urn terrorista que assassina e
aborda outras empresas pode ser representado como
delinquents que deve ser punido por qualquer Estado
que declare que seus atos sao delitos. Os delitos seguemsendo delitos, ainda que se cometam com intencoes
radicais e ern grande escala. Porern, ha que ser indagado
se a fixacao estrita e exclusiva a categoria do delito naoimp5e ao Estado uma atadura - precisamente, a necessi-
34KANT como na nota 18.
36 Gu nt he r J a ko bs
dade de respeitar 0 autor como pessoa - que, frente a urn
terrorista, que precisamente nao justifica a expectativa
de uma conduta geralmente pessoal, simplesmente re-
sulta inadequada. Dito de outro modo: quem inclui 0
inimigo no conceito de delinquente-cidadao nao deve
assombrar-se quando se misturam os conceitos «guerra»
e «processo penal». De novo, em outra formulacao:quem nao quer privar 0 Direito penal do cidad~o ?e
suas qualidades vinculadas a nocao de Estado de Direito_ controle das paix5es; reacao exclusivamente frente a
atos exteriorizados, nao frente a meros atos preparat6-
rios;35 a respeito da personalidade do delinqiiente no
processo penal, etc. - deveria chamar de outra forma
aquilo que te m q ue ser feito contra os terroristas, se nao
se quer sucumbir, isto e, deveria chamar Direito penal
do inimigo, guerra contida.
Portanto, 0 Direito penal conhece dois p610s ou
tendencies ern suas regulacoes, Por urn lado, 0 tratamentocorn 0 cidadao, esperando-se ate que se exteriorize sua
conduta para reagir, corn 0 fim de confirmar a estrutura
normativa da sociedade, e por outro, 0 tratamento com 0
inimigo, que e interceptado ja no estado previo, a quem
se combate por sua periculosidade. Urn exemplo do
primeiro tipo pode constituir 0 tratamento dado a urn
homicida, que, se e process ado por autoria individual s6
comeca a ser punivel quando se disp5e imediatamente a
realizar 0 tipo (p. 22, 21 StGB), urn exemplo do segundo
tipo pode ser 0 tratamento dado ao cabeca (chefe) ou
quem esta por atras (independentemente de quem quer
que seja) de uma associacao terrorista, ao que alcanca
uma pena s6 levemente mais reduzida do que a corres-
ponde ao autor de uma tentativa de homicidio." ja
35JAKOBS, ZStW, 97 (1985), p. 751 e 55.36De tres a quinze anos de pena privativa de l iberdade frente a uma pena
de cinco a quinze anos, §§ 30,212, 49 StGB.
Direito Penal do Inimigo 37
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quando funda a associacao ou leva a cabo atividades
dentro desta (p 129a StGB),isto e, eventual mente anos
antes de urn fato previsto com maior ou menor impreci-
saoY Materialmente e possfvel pensar que se trata deuma custodia de seguran~a antecipada que se denomina
«pena».
37A respeito da tenta tiva de participacao, §. 30 5tGB, infra v.
38 Gi in t he r J a k ob s
4 . Esbo~o a resp eito d o
D ire ito P ro c es su a l P e na l
No Direito processual penal, novamente aparece
esta polarizacao: e forte a tentacao de dizer: evidente-mente. Aqui nao e possivel expor isto com profundida-
de; ao menos, se tentara levar a cabo urn esboco, 0
imputado, por urn lado, e uma pessoa que participa,
quem costumeiramente recebe a denominacao de «sujei-
to processual»: isto e, precisamente, 0 que distingue 0
processo reformado do processo inquisitivo. Deve men-
cionar-se, por exemplc." 0 direito a tutela judicial, 0
direito a solicitar a pratica de provas, de assistir aos
interrogatories e, especialmente, a nao ser enganado,
coagido, e nem submetido a determinadas tentacoes (§
136 a StPO).
De outra banda, frente a esse lado pessoal, de
sujeito processual." aparece em rmiltiplas formas uma
clara coacao, sobretudo na prisao preventiva (§§ 112,
112a StPO);do mesmo modo que a custodia de segur an-
38Cfr , enumeracao rnais exaustiva em ROXIN, 5trafverfabrensrecht, 2Sa edi-cao, 1998, § 18.
39A respe ito dos requisi tos de urn dever de participacao como consequenciada persona lizacao fundamental PAWLIK, GA 1998, p. 378 e ss., com amp lasreferencias. ROXIN, 5trafverfabrensrecht (nota 38) , assinala a necessidade de«suportar 0desenvolvimento do processo» it coacao. Isso nao resulta convin-cente: 0 processo, de per si, e 0 caminho ao esc la recimento da s ituacao,mediante urn tra tamento pessoal recfproco.
Direito Penal do Inimigo 39
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ca, a prisao preventiva tambem nada significa para 0
imputado, mas frente a ele se esgota numa coacao fisica.
Isso, nao porque 0imputado deve assistir ao processo -
tambem participa no processo uma pessoa imputada, e
por conviccao -, mas porque e obrigado a isso mediante
seu encarceramento. Esta coacao nao se dirige contra a
pessoa em D ireito - esta nem oculta provas nem foge -,mas contra 0 indivfduo, quem corn seus instintos e
medos poe em perigo a trarnitacao ordenada do proces-
so, isto e, se conduz, nessa medida, como inimigo. Asituacao e identica a respeito de qualquer coacao a
uma intervencao, por exemplo, a uma retirada de
sangue (§ 81 a StPO), assim como a respeito daquelas
medidas de supervisao das quais 0imputado nada sabe
no momenta de sua execucao porque as medidas so
funcionam enquanto 0 imputado nao as conheca. Neste
sentido, ha que mencionar a intervencao nas telecomuni-
cacoes (§ 100a StPO), outras investigacoes secretas (§ 100
c StPO), e a intervencao de agentes infiltrados (§ 110 a
StPO). Como no Direito penal do inimigo substantivo,
tambem neste ambito 0 que ocorre e que estas medidas
nao tern lugar fora do Direito; porern, os imputa dos, na
medida ern que se intervem ern seu ambito, sao exclui-
dos de seu direito: 0 Estado elimina direitos de modo
juridicamente ordenado.
De novo, como no Direito material, as regras mais
extremas do processo penal do inimigo se dirigem aeliminacao de riscos terroristas. Neste contexto, pode
bastar uma referenda a incomunicabilidade, isto e, a
eliminacao da possibilidade de urn preso entrar erncontato corn seu defensor, evitando-se riscos para a
vida, a integridade fisica ou a liberdade de uma pessoa
(§§ 31 e ss. EGGVG). Agora, este somente e urn caso
extremo, regulado pelo Direito positivo. 0 que pode
suceder, a margem de urn processo penal ordenado, e
conhecido ern todo 0 mundo desde os fatos do 11 de
40 Gu nt he r J a ko bs
setembro de 2001: ern urn procedimento ern que a falta
de uma separacao do Executivo, corn toda certeza nao
pode denominar-se urn processo judicial proprio, mas
sim, perfeitamente, pode chamar-se urn procedimento
de guerra. Aquele Estado ern cujo territorio se comete-
ram aqueles atos, tenta, corn a ajuda de outros Estados,
ern cujos territorios ate 0momenta - e so ate 0momenta- nao tern ocorrido nada cornparavel, destruir as fontes
dos terroristas e domina-los, ou, melhor, mata-los dire-
tamente, assumindo, corn isso, tambern 0 homicidio de
seres humanos inocentes, chamado dana colateral. A
ambigua posicao dos prisioneiros - delinquentes? pri-
sioneiros de guerra? - mostra que se trata de persecucao
de delitos mediante a guerra.
Direito Penal do Inimigo 41
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5 . Decomposicao:cldadaos c omo in im i go s ?
Portanto, 0 Estado pode proceder de dois modos
com os delinquentes: pode ve-los como pessoas que
delinquern, pessoas que tenham cometido urn erro, ou
individuos que devem ser impedidos de destruir 0
ordenamento jundico, mediante coacao, Ambas pers-
pectivas tern, em determinados ambitos. seu lugar legiti-mo, 0 que significa, ao mesmo tempo, que tambem
possam ser usadas em urn lugar equivocado.
Como se tern mostrado, a personalidade, como
construcao exclusivamente normativa, e irreal. 56 sera
real quando as expectativas que se dirigem a uma
pessoa tambem se realizam no essencial. Certamente,
uma pessoa tambem pode ser construida contrafatica-
mente como pessoa; porem, precisamente, nao de modo
permanente ou sequer preponderante. Quem nao presta
uma seguran<;a cognitiva suficiente de urn comporta-
mento pessoal, nao s6 nao pode esperar ser tratado
ainda como pessoa, mas 0Estado nao deve trata-lo, como
pessoa, ja que do contra rio vulneraria 0 direito a segu-
ranca das demais pessoas. Portanto, seria completa-
mente erroneo demonizar aquilo que aqui se tern
denominado Direito penal do inimigo. Com isso nao se
pode resolver 0 problema de como tratar os individuos
"<
42 Gu nt he r J a ko b s
que nao permitem sua inclusao em uma constituicao
cidada. Como ja se tern indicado, Kant exige a separacao
deles, cujo significado e de que deve haver protecao
frente aos inimigos.'?
Por outro lado, entretanto, em princfpio, nem todo
je!i__nqiiente e urn adversario do ordenamento juridico.
Por isso;alilrrodu<;acnte-umUmTI:r1o-=-prauC'amenle J e i •
inalcancavel - de linhas e fragmentos de Direito penal
do inimigo no Direito penal geral e urn mal, desde a
perspectiva do Estado de Direito. Tentarei ilustrar 0que
foi dito com urn exemplo'" relativamente a preparacao
do delito: 0 C6digo penal prusiano de 1851 e 0 C6digo
penal do Reich de 1871, nao conheciam uma punicao de
atos isolados de preparacao de urn delito. Depois de que
na «luta cultural» (K ultu rk am pj) - uma luta do Estado
pela secularizacao das instituicoes sociais - urn estran-
geiro (0 belga Duchesne) ofereceu-se as altas instituicoes
eclesiasticas estrangeiras (0 provincial dos jesuftas naBelgica e 0arcebispo de Paris) para matar 0chanceler do
Reich (Bismarck), em troca do pagamento de uma soma
consideravel, introduziu-se urn preceito que ameacava
tais atos de preparacao de delitos gravissimos, com per:ta
de prisao de tres meses ate cinco anos. No caso de outros--~
deIifos~com pena de prisao de~atedois anos (§§ 49 a, 16
R5tGB depois da reforma de I876).~tiaTa-se de uma
regulacao que - como mostram as penas pouco elevadas
- evidentemente nao tomava como ponto de referencia a
yericulosid~ue pode vir a ser urn inimigo, mas
aquele que urn autor ja tenha atacado ate esse momento,
ao realizar a conduta: a seguranca pUlJ_lica.Em 1943 (!) seagravou 0 preceito (entre outros aspectos) vinculando a
pena ao fato planejado. Deste modo, 0 delito contra a
40KANT, como na nota 18.
41A respeito da hist6ria do § 30 StGB efr. LK - ROXIN, n. m. 1p revio ao
§ 30.
Direito Penal do Inimigo 43
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seguranc;a publica se converteu em uma verdadeira
punicao de atos preparat6rios, e esta modificacao nao
foi revogada ate os dias de hoje. Portanto, 0 ponto de
partida ao qual se ata a regulacao e a conduta nao
realizada, mas s6 planejada, isto e, nao 0dana a vigenciada norma que tenha sido realizado, mas 0 fato futuro."
Dito de outro modo, 0 lugar do dano,~tual a vigencia dCLnorma e ocupado pelo perigo~_~__~a~()s futuros. jrma .>
regulaeao pr6pria do Direito penal do inimigo.O que,
nocaso dos terroristas - em princfpio, adversaries -
pode ser adequado, isto e, tomar como ponto de referen-
cia as dimens6es do perigo, e nao 0dana a vigencia danorma, ja realizado, se traslada aqui ao caso do planeja-
mento de qualquer delito, por exemplo, de urn simples
roubo. Tal Direito penal do inimigo, superfluo - a
ameaca da pena desorbitada carece de toda justificacao
-, e mais danoso para 0 Estado de Direito que, por
exemplo, a falta de comunicacao antes mencionada-pois
neste ultimo caso, s6 nao se trata como pessoa ao -suposto - terrorista, no primeiro, qualquer autor de urn
delito em sentido tecnico e qualquer indutor (§§ 12,paragrafo 1°, 30 StGB), de maneira que uma grande.
parte _d_O_I)ireitQ__p~LQ_q,<::idadaoe entrelac;a,c~
Direito penal do ini~~go.
42Apesar de considerar-se, geralmente, que uma delimitacao clara de atos
preparatorios e tentativa constitui urn post~lado de F;r,lmelracla~s~,num
Estado de Direito, esta ausente qualquer consideracao critica da punihilidade
da preparacao dos delitos conforme 0 § 30StGB,uma punibilidade que - a
respeito dos delitos no caso de autoria e inducao - marginaliza quase por
completo a relevancia do limite; do novo, cfr, uma posicao crftica a respeito
em JAKOBS, ZStW, 97 (1985),p, 752.
44 Gu nt he r J a ko b s
J
6. Personallzacao contratat lca:
in im ig o s c om o p es so as
A exposicao nao seria completa se nao se agregasse
a seguinte reflexao: como se tern mostrado, s6 e pessoa
quem oferece uma garantia cognitiva suficie~.t~ d~ urn
comportamento pessoal, e isso como consequencia da
ideia de que toda normatividade necessita de uma
cimentacao cognitiva para poder ser real. E desta con-
testacao tampouco fica excluido 0 ordenamento juridico
em simesmo: somente see imposto realmente, aomenos
em linhas gerais, tern uma vigencia rnais que ideal, isto
e, real. Contrariamente a esta posicao se encontra, entre-
tanto, na atualidade, a suposicao corrente de .que em
todo 0mundo existe uma ordem minima juridicamente
vinculante no sentido de que nao devem tolerar-se as
vulneracoes dos direitos humanos elementares, inde-
pendentemente de onde ocorram, e que, ao contrario, ha
que reagir frente a tais vulneracoes, mediante u~a
intervencao e uma pena. 0 Tribunal para a antiga
Jugoslavia em Haia, 0 estatuto de Roma'" e 0 C6dig?penal internacionalv' sao conseqiiencia.s ~es~a_S~pOSl-
c;ao.Ao se examinar com mais vagar a jurisdicao inter-
43 Publicacoes do Bundestag [Parlamento Federal alernao] 14/2682, p. 9 e ss.
44 Art igo 1° da Lei de introducao de urn Codigo penal internacional de
26-6-2002, BGBI,p. 2254.
Direito Penal do Inimigo 45
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nacional e nacional que com isso se estabelece, percebe-
se que a pena passa de urn meio para a manutenc i io da
vigencia da norma para ser urn meio de criaciio de
vigencia da norma. Isto nao tem por que ser inadequa-
do, porem e necessario identifica-lo e processa-lo teori-
camente. A seguir se tentara resolver essa tarefa:
Como e sabido e nao necessita de referencia algu-ma, em muitos lugares do mundo, ocorrem vulneracoes
extremas de direitos humanos elementares. Agora, ali
onde ocorrem, estas vulneracoes acontecem porque os
direitos humanos naqueles lugares ate 0momento nao
estavam estabelecidos no sentido de que fossem respei-
tados em linhas gerais, pois ao contrario, tambern nesses
territories seriam entendidas as vulneracoes como per-
turbacoes da ordem estabelecida e seriam sancionadas,
sem necessidade de uma jurisdicao exterior. Portanto,
sa{)alguns Estados - fundamentalmente, ocidentais -
queafirmam uma vigencia gYobaTdosdkeHos-I1UIi-anos;-vigenCia que ~ri-egada no~[u-gaid e c o m i ss a o de atos, aemaneira radical e exitosa, ao menos por parte dos
autores. Agora, 0 autor sempre nega a vigencia da
norma que profbe 0 fato a respeito da conduta que
planeja; pois ao contra rio, nao poderia praticar 0ato. Em
consequencia, parece que em to do caso - tanto no caso de
uma vulneracao de direitos humanos em qualquer lugar
do mundo como na hipotese basica de um delito dentro
do Estado - 0 autor se dirige contra a norma proibitiva e
que a vigencia da norma, afetada por ele, e confirmadaem sua intangibilidade pela pena. Entretanto, esta equi-
paracao suporia desconsiderar diferencas essenciais.
Numa hipotese basica de um delito, em um Estado,
em linhas gerais, num caso individual, uma ordem
estabelecida e vulnerada. [a existe um monop6lio da
violencia a favor do Estado, e a este 0 autor esta
submetido, tambern ja antes de seu ato. Kant formulou
46 Gu nt he r J a ko b s
I
,I
. 1 . . .
isto afirmando que no «estado comunitario-legal» a
«autoridade» tem «poder- tanto sobre 0 autor quanta
b ' . 45so re sua vitima. Portanto, trata-se de um estado de
certeza, de que 0 Estado presta seguranca suficiente
para as expectativas normativas da vitima frente ao
autor, de modo que, se, apesar disso seproduz um fato,
este aparece como peculiaridade que nao deve conside-rar no calculo cognitive, podendo ser neutralizada me-
diante a imputacao ao autor e sua punicao. Esta breve
consideracao a respeito da situacao em um esiddo a e__ !J _ ig en ci a r e al d o o rd en ame ni o [ ur id ic o, isto e, no Esfado em
funcionamento, ha de bastar.
~ s~tua~aoe distinta no que tange a vigencia globaldos direitos bumanos. Nao se pode afirmar, de nenhum
modo: qu: exista um estado real de vigencia do Direito,
mas tao-so de um postulado de realizacao. Este postula-
do pode estar perfeitamente fundamentado, mas isso
nao implica que esteja realizado, do mesmo modo que
uma pretensao jurfdico-civil nao se encontra realizada
s6 porque esteja bem fundamentada. Dito de outro
modo: nesta medida, nao se trata da manuienc i io de um
«estado comunitario-legal», mas, previamente, de seu
estabelecimento. A ~~ua~ao previa a criacao do estado«comunitario-Iegal». e -o-esla:a6-aeffa:tureza, e-TIesfenao--
)'la Eersonalidade. Eiriloao--caso;-Iwrexisfeuma pers<F-'
_nahe:raa-e---asseguraaa.PorTsso, lrente aos auf6res--ae-'
V_ll)nera~oes--aosdiyen()s human os, os .quais;-por-smr--
parte, tampouco oferecem uma seguranca suficiente-Cfe-'
s~r pessoas, de per si permite-se tudo a que seja necessa-
no para assegurar0
ambito «comunitario-legal», e isto ed: fato ~ que sucede, conduzindo primeiro uma guerra,
nao enviando como primeiro passo a polfcia para execu-ta~uma ordem de detencao. Agora, uma vez que se tem
o mfrator, trocam-se 0 C6digo Penal e 0 C6digo de
45 Como na nota 18.
Direito Penal do Inimigo 47
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Direito Penal do Inimigo 49
Processo Penal, como se fosse urn homicidio por raiva
ou de conflitos cidadaos parciais destas caracterfsticas.
Portanto, declara-se ser 0autor uma pessoa para poder
manter a ficcao da vigencia universal dos direitos huma-
nos. Seria mais sincero separar esta coacao na criaciio de
uma ordem de direito a manter uma ordem: 0«cidadao»
Milosevic faz parte daquella sociedade que 0 coloca anteum tribunal como 0 era 0 «cidadao» Capeto. Como eevidente, nao me dirijo contra os direitos humanos com
vigencia universal, porem seu estabelecimento e algodistinto de sua garantia. Servindo ao estabelecimento de
uma Constituicao mundial «comunitario-legal», devera
castigar aos que vulneram os direitos humanos; porern,
isso nao e uma pena contra pessoas culpaveis, mas
contra inimigos perigosos, e por isso deveria chamar-se
a coisa por seu nome: Direito penal do inimigo.
,t,I
I(
IiI
I 7 . R esum o
A. A funcao manifesta da pena no Direito penal do
cidadao e a contradicdo, e no Direito penal do inimigo e aelim in ad io d e u m p er ig o. as correspondentes tipos ideais
praticamente nunca aparecerao em uma configuracao
pura. Ambos os tipos podem ser legitimos.
B. No Direito natural de argumentacao contratual
estrita, na realidade, todo delinquente e urn inimigo
(Rosseau, Fichte). Para manter um destinatario paraexpectativas normativas, entretanto, e preferivel man-ter, por principio, 0 status de cidadao para aqueles que
na o se desviam (Hobbes, Kant).
C. Quem porprincipio se conduz de modo desvia-
do, nao oferece -garantfa'de um comportamento pessoal.
Por isso, nao pode ser tratado como cidadao, mas deve
ser combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com
um legitimo <hreitoaos cidadaos, em seu direito aseguranca: mas diferentemente da pena, nao e Direitotarnbem a respeito daquele que e apenado; ao contrario,
o ini!!lig~xcluido.D. As tendencias contrarias presentes no Direito
material- contradicao versus neutralizacao de perigos -
encontram situacoes paralelas no Direito processual.
E.Urn Direito penal do inimigo, claramente delimi-
tado, e menos perigoso, desde a perspectiva do Estado
48 Gu nt he r J a ko bs
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-11-
de Direito, que entrelacar todo 0 Direito penal com
fragmentos de regulacoes proprias do Direito penal do
inimigo.
F.A punicao internacional ou nacional de vulnera-
coes dos direitos humanos, depois de uma troca polftica,
mostra traces proprios do Direito penal do inimigo, sem
ser so por isso ilegitima.
«Dlrelto P en al» d o In im i go ?
MANUEL CANCIO MELIA
50 Gu nt he r J a ko bs
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Direito Penal do Inimigo 53
1 . lntroducao
Simplificando bastante para tentar esbocar os tra-
cos basicos do quadro, pode-se afirmar que nos ultimos
anos os ordenamentos penais do «mundo ocidental»
tern comecado a experimentar urn desvio que os conduz,
de uma posicao relativamente estatica, dentro do rnicleo
duro do ordenamento juridico - em termos de tipo ideal:
urn ruicleo duro no qual iam se fazendo adaptacoes
setoriais com todo cidadao, e no qual qualquer mudancade direcao era submetida a uma intensa discus sao politi-
ca e tecnica previa - na direcao de urn lugar arriscado na
vanguard a do dia-a-dia juridico-politico, introduzin-
do-se novos conteudos e reformando-se setores de
regulacao ja existentes com grande rapidez, de modo
que os assuntos da confrontacao politica cotidiana
chegam em prazos cada vez mais breves tambern ao
C6digo penal.
Asmudancas frente b praxis politico-criminal, habi-
tuais ate 0momento, nao sase referem aostempos e as
formas, mas tambem os conteudos vao alcancando pau-
latinamente tal grau de intensidade que se imp6e for-
mular a suspeita - com a venia de Hegel - de que
assistimos a uma mudanca estrutural de orientacao. Este
cambio cristaliza, de modo especialmente chamativo -
como aqui se tentara mostrar - no conceito do «Direito
penal do inimigo», cuja discussao foi recentemente
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Ma nu el C a nc io M e li a Direito Penal do Inimigo 55
(re-) introduzida por [akobs,' de modo urn tanto maca-
bra a va nt l a l et tr e (das consequencias) de 11de setembrode 2001.
No presente texto, pretende-se examinar, com toda
brevidade, este _sgn_ceit()de Direito penal do ini~~
para averiguar seu significado para a teoria do Direito
penal e avaliar suas possfveis aplicacoes politico-crimi-nais. Por isso, em urn primeiro passo, tentar-se-a esbocar
a situacao global da polftica criminal da atualidade
(infra II). A seguir, poderao ser abordados 0 conteudo e
a relevancia do conceito de Direito penal do inimigo
(infra III).
A tese a que se chegara e que 0conceito de Direitopenal do inimigo sup6e urn instrumento idoneo para
descrever urn determinado ambito, de grande relevan-
cia, do atual desenvolvimento dos ordenamentos jurfdi-
co-penais. Entretanto, como Direito positivo, 0Direito
penal do inimigo s6 integra nominalmente 0 sistema
[urfdico-penal real: «Direito penal do cidadao» e urnpleonasmo; «Direito penal do inimigo», uma contradi-
<;aoem seus termos.
2 . S ob re 0 estad o atu al d a
poH t ic a c rim ina l. D i agnos ti co :
a expansao d o D ire ito P en al
2.1. Introducao
As caracteristicas principais da politica criminal
praticada nos ultimos anos podem resumir-se no concei-
to da «~ansao» do Direito penaI.2 Efetivamente, no
2 Urn terrno que tern utilizado SILVA SANCHEZ em urna rnonografia, de
grande repercussao na discussao - apesar de que a data de publicacao erecente =, dedicada a caracterizar, em seu conjunto, a polftica criminal da~
sociedades p6s-industriais (La e xp an sio n d el D er ec ho p en al. A sp ecto s d e la p oli-
t ic a c ri m in a l e n l as s oc ie da de s p o st in du st ri al es , Pedicao, 1999, 2a edicao, 2001,
passim); acerca da evolucao geral da politica criminal nos ultimos anos,. cfr.
tambem as exposicoes criticas dos autores da escola de Frankfurt recolh~das
ern: Institut fur Kriminalwiessenschaften Frankfurt a. M. (ed.), Vo m unmbgli-
c he n Z us ta nd d es S tr afr ec ht s, 1995 (= A in su ste nta oel s itu ncd o d o D ir eito p en al,
2000); cfr, tambem as contribuicoes reunidas ern LUDERSSEN (ed.), Aufgek-
l ii rt e K ri min al po lit ik o de r K am p f g eg en d as Bose], cinco tomos, 1998. Desde logo,
sao os estudos tracados desde essa perspectiva te6rica dos que ern muitos
casos tenham contribuido a por ern marcha a discussao: cfr, tarnbem a crftica
de SCHUNEMANN, GA 1995, p. 201e ss. (= ADPCP 1995,p. 187 e ss.); a
respeito, uid., tambern, por todos, a analise crftica do potencial da aproxima-\ao «pessoal- 11eoria do bern jurfdico=- essencial nas construcoes dos autoresde Frankfurt - desenvolvido por MUSSIG, RDPCr 9 (2002), p. 169 e ss. (=
D esm ater ializ atiio d o be m j urid ic o e o s fu nd am en to s d e u ma te oria d o b em j urid ic o
c rit ic a e m r el ac ii o a o s is te ma , 2001, passim) . Na bibliografia espanhola rnais
recente, cfr. s6 os trabalhos de SANCHEZ GARCIA DE PAZ, EI moderno
D e re ch o p e na l y la a niic ip ac io n d e la tu te la p en al, 1999, passim; MENDONZA
1 Cfr. JAKOBS, ern: Consejo General del Poder Judicial/Xunta de Galicia
(ed.), Estudios de Derecho judicial num. 20, 1999,p. 137e ss. (= L a c ie nc ia d el
D er ec ho p en al a nte l as e xig en ci es d el p re se nte , 2000); idem, ern: ESER/HASSE-
MER/BURKHARDT (ed.), D ie D eu ts ch e S tr af re ch tw is se ns ch aft v or d er [ahriau-
sendwende. Riickbesinnung un d Ausblick, 2000,p. 47 e s3.,51 e ss. (= tomo no
prelo para a traducao espanhola, ed. a cargo de MUNOZ CONDE [ern: ed.Tirant 10 Blanch]); vid. proxima mente tarnbem idem, ern: i de m , S ob re la norma-
t io iz ac io n d e l a d og m at ic a [ ur id o- p en a l, 2.II.C (no prelo para a ed. Civitas); 0
concei to foi introduzido pela pr imeira vez por [akobs no debate ern seu
escrito publicado ern ZStW (1985), p. 753 e ss. (= E stu dio s d e D er ec ho p en al,
1997,p. 293 e ss.):dr. tambern i de m , S tr af re ch t. A ll ge m ei ne r T ei l. D ie G r un d la g en
u nd d ie Z ur ec hn u ng sl eb re , 2" ed., 1991 (= D ere ch o p en al, P ar te G en era l. L os
fundamentos y l a t eo ri a d e l a i mp u ia ci on , 1995), 2/25.c.
54
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momenta atual pode ser adequado que 0fenomeno rnais
destacado na evolucao atual das Iegislacoes penais do
«mundo ocidental» esta no surgimento de multiplas
figuras novas, inclusive, as vezes, do surgimento de
setores inteiros de regulacao, acompanhada de uma
atividade de reforma de tipos penais ja existentes,
realizada a urn ritmo muito superior ao de epocasanteriores.
o ponto de partida de qualquer analise do fenome-no, que pode denominar-se a «expansao» do ordena-
mento penal, esta, efetivamente, ern uma simples
constatacao: a atividade legislativa ern materia penal,
desenvolvida ao longo das duas ultimas decadas nos
paises de nosso entorno tern colocado, ao redor do
elenco nuclear de normas penais, urn conjunto de tipos
penais que, vistos desde a perspectiva dos bens juridicos
classicos, constituem hip6teses de «criminalizacao no
estado previo» a lesoes de bensjuridIros,~
'penaIs, ademais, estaberecerrC~ai!_~o~~s_~<!~sp~rOE2!'C~
mente altas. Resumindo: na evolucao atual, tanto do
-Direito penal material, como do Direito penal proces-
sua I,pode constatar-se tendencias que, ern seu conjunto,
fazem aparecer no horizonte politico-criminal os traces
BUERGO, EI de rech o p ena l em la s ocied ad de riesg o, 2001, passim; ZUNIGARODRfGUEZ, Po li ii c a c r im i n al , 2001, p . 252 e s s. Desde out ra perspec tiva ,
rn a is ampla no tempo , vid. A analise da orientacao sociologica aCECrcadaexpansao como lei de evolucao dos sistemas penais feito por MULLER~TUCKFELD, I nt eg ra ti on sp ri ie nt io n. S tr ud ie n z u e in er T he or ie d er g es el le cn afi li -
c h en F u nk ti on d e s S tr a fr ec h is , 1998, p . 178 e ss ., 345. Adota uma pos icao pol i-
t ico--criminal de orientacao completamente divergente da das vozes crfticas
antes citadas - como ja mos tra de modo eloquente 0 t it ulo - agora GRACIAMARTiN, P ro le g6 me no s p ar a l a l u ch a p ar la m o de rn iz ac i6 n y e xp an si io d el D e re ch op en al y p ar a a c ri ti ca d el d is cu rs o d e r es is te nc ia . A l a v ez , u na h ip 6t es is d e t ra ba jo
s ob re e l c on ce pto d e D er ec ho p en al m od er no e m e l m ate ria lis mo h is t6 ric o d el o rd en
d el d is c ur so d e l a c ri m in a li da d , 2003; vid, tarnbem, relativizando a justificacaodo discurso globalmente critico, recentemente POZUELO PEREZ, RDPP, 9(2003), p . 13e ss .
3 Cfr. JAKOBS, ZStW, 97 (1985), p. 751.
56 Ma nu el C an ci o M e li ti
de urn «Direito penal da colocacao ern risco»! de carac-
teristicas antiliberais."
2.2. Os fenfnnenos expansivos
Em primeiro lugar, trata-se de esbocar uma ima-
gem mais concreta desta evolucao politico-criminal
atual. Desde a perspectiva aqui adotada, este desenvol-
vimento pode resumir-se ern dois fenomenos: 0 chama-
do «Direito penal simbolico» (infra A) e 0 que se pode
denominar «ressurgir do punitivismo» (infra B). Ern
todo caso, deve sublinhar-se, desde logo, que estes dois
conceitos s6 identificam aspectos fenotipicos-setoriais
da evolucaoglobal e nao aparecemde modo clinicamen-
te «Iimpo» na realidade legislativa (infra C). Ambas as
linhas de evolucao, a «simbolica» e a «punitivista» - esta
sera a fese aexpC>r"aqul::::Torrstituem a Imhagem O c r
:pir~~aI d<fti1iiIiTgO.56 considerando esta filia<;a~o
na politica criminal moderna podera apreender-se 0 feno-
meno que aqui interessa (no qual se entrara infra III).
2.2.1. 0 D i re it o p e na l s im b6 li co
Particular relevancia diz respeito, ern primeiro lu-
gar, aqueles fenomenos de.neoc:~i!?:li!:l_(lJiza<;aorespeito
dos quais se afirma, criticamente, que tao-so cu.mprem
efeitos meramente «simbolicos»." Como tern assmalado
4 Sobre este conceito exaustivamente HERZOG, Ge s e ll s ch a fi li c he U n i c he r he i t
u n d s t ra f re c h li c he D a s e in s fu s o rg e , 2001, p. 50 e ss.
5 V id ., por exemplo, HASSEMER, em: PHILIPPS e t a l. (ed.), [ en se it s d es ~ un k~
ti on ali sm u s. A rt hu r K au fm a nn z um 65. Guburtstag , 1989, p . 85e s s. (p. 88) ; Idemem: JUNG/MOLLER-DIETZ/NEUMANN (ed.), R ec ht u nd M or al. ~ eitr iig e zu
e i ne r S t an d o rt b es t imm un g , 1991, p . 329 e s s. ; HERZOG, i ln ischerheu (nota 4),p. 65 e ss. ; ALBRECHT, em: Insti tut fur Kriminalwissenschaften Frankfurt
a. M. (ed.), Z u st an d d e s S tr a fr ec h ts (no ta 2) p. 429 Ys s.
6 V id ., sobre est a nOC;3o,por todos, as amplas referencias e c lass if icacoescontidas em V OB , S ym bo li sc he G e se tz ge bu ng . F ra ge n z ur R at io na lit ii t v on S tr af -
gesetzgebungsakten , 1989, pass im ; efr. tambem, mais sucin tamente, SILVA
Direito Penal do lnimigo 57
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Ha~~;me~,_desde 0 principio desta discussao, quem
relaC:!<:>~i.l_Q_Q!"ggl}_a}l1~ntoenal com elementos «simboli-
c o S » pode criar a suspeita de que nao considera a dureza
~ i 1 1 u T t 0 - r e a 1 e - i i a d a sfrrib6IiCiidasViVertclas de quem se ve
~~bmetl(fO-~q)ersecu~aopenar detTdo,process~fdO, acu-
s~aol c_on~e~a~?-,-~nca~~erCl9:<?7sto e, aqui surge, 1ii1e-
diatamente, a ideia de que se inflige urn dana concretoc?m ~. pena, para obter efeitos um pouco mais que
simbolicos. Portanto, para se poder abordar 0 conceito,
ha que recordar, primeiro, ate que ponto 0 moderno
principio politico-criminal de que s6 uma pena social-
mente util pode ser justa, tenha sido interiorizado (ern
diversas variantes) pelos participantes no discurso poli-
tico-criminal. Entretanto, apesar desse postulado (de
que se satisfaz urn fim, com a existencia do sistema
penal, que se obtem um resultado concreto e mensura-
vel, ainda que so seja - no caso das teorias retributivas-
a realizacao da justica), os fenomenos de carater simbo-
lico fazem parte, de modo necessario, do entrelacamento
do Direito penal, de maneira que"na r~e, e incor-
}eto 0_s!i~JJ12Q_Qg~~Qireito-p-~naL simb6licO-;;---como
tei16iileno _estranho ao Direito penal. Efetivamente: des-
creperspectFvasrJe!i1--Cl'lStin""faS,desde a «criminologia
crftica» - e, ern particular, desde 0 assim chamado
enfoque do l abe li ng approach8 - que da importancia as
condicoes da atribuicao social da categoria «delito», ate
a teoria da prevencao geral positiva, que entende delito
e pena como sequencia de posicionamentos comunicati-
SANCHEZ, A pr ox im a ci 6n a l D e re ch o p en al c on te m po rd ne o, 1992, p. 304 e ss .;PRITIWITZ, S tr afr ec ht u nd R is ik o. U nte rs uc hu ng en zu r K ris e v on S tr afr ec ht u ndK r im i na lp o li ii k i n d e r R is ik o ge s el sh a ft , 1993, p. 253 e ss.; SANCHEZ GARCfA
DE PAZ, Antecipaci6n (nota 2), p. 56 e ss. ; DfEZ RIPOLLES, AP 2001, p. 1 e
ss. (= ZStW 113 [2001], p. 516 e ss.), todos com referencias ulteriores.
7 NStZ, 1989, p. 553 e ss. (PeE 1 [1991],p.23 e ss.).
8 V id . por todas as referencias em VOS, S ym bol is c h e Ge s e tz g e bu n g (nota 6), p.
79 e ss.
58 Ma nu el C an ci o M e li a
vos a respeito da norma:" os elementos de interacao
simb6lica sao a mesma essencia do Direito penal.!? En-
tao, 0 que quer dizer-se com a critica ao carater simb6-
lico, se toda a legislacao penal, necessariamente, possui
caracteristicas que se podem denominar de «simboli-
cas»? Quando se usa em .sentid_Q_<Titico0 conceitode,~--<-----'- ..--_..- ~.---.-... .----.----~,---.----.----.~-....--.-~
Direito penal simb6lico, quer-se, entao,fazer ref~l.encia_--aq~ernliD_~a(1) _agei1t~sp()lft~c~~_!ao::§.Qi?erseguem
~Q~~bjetivode dar a «impressao tf(iIlq~ili~?dora~d~.UIIL
'-l~gisi~dor_a!ento e decididQ>~,l1~, que predomina
uma fun~Jatente sobre a manifesta. Mais adiante po--
~r-se alguma consideracao acerca de outras fun-
coes latentes do Direito penal simb6lico, manifestadas
ern seu descendente, 0 Direito penal do inimigo."
Na «Parte Especial» deste Direito penal simb6lico,
tern uma relacao de especial relevancia - por mencionar
s6 este exemplo -, ern diversos setores de regulacao,
certos tipos penais nos quais sec:_ri!!!i~(l~
~~o, como, por exemplo, os delitos de insh-
gacao ao 6dio racial ou os de exaltacao ou justificacao de
autores de determinados delitos."
9 JAKOBS, AT2, e ss.; vid. tarnbem BARATA, PeE, 1 (1991), p. 52, e a expo-
sicao de SANCHEZ GARCfA DE PAZ, Anticipaci6n (nota 2), p. 90 e ss. emtorno as relacoes entre Direito penal preventivo e Direito penal simb6lico.
10Cfr. , por todos, DfEZ RIPOLLES, AP, 2001, p. 4 e ss.
11 SIVA SANCHEZ, Aproximaci6n (nota 6), P: 305.
12 In fra III. 2.B.
13Cfr. , por exernplo, a respeito dos delitos de luta contra a discriminacao,
ultimamente LANDA GOROSTIZA, IRPL/RIDP, 73,p. 167 e ss., com ulterio-
res referencias, Vid. Tambern acerca deste tipo de infracoes CANCIO MELIA,
em: JAKOBS/CANCIO MELIA, C o nf er e nc ia s s o br e t em a s p e na le s, 2000, p. 139e ss; i d em , JpD, 44 (2002), p. 26. No Direito comparado, contrariamente a
legitimidade dos preceitos analogos do C6digo penal alernao, efr. s6 a con-tundente critica de JAKOBS, ZStW, 97 (1985), p. 751 e ss. ; considera-se, de
todo modo, que no caso do ordenamento alernao ,acJausula que rJfere estas__
_condutas a perturbac:au_de ordem publica permitiria uma_~§..£_o_!}.9._u~.
tas em guestao, em fun<;ao da gravida de social des tas~ Ainda assim, tern
surgido tambern nesse pais vozes que c = - m a I s " alem das consideracoes de
JAKOBS acabadas de citar - poe em duvida a adequacao do ordenamento
Direito Penal do Inimigo 59
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2.2.2. 0 re ssu rg i r do pun it iv ismo
Entretanto, reconduzir os fenomenos de «expan-
sao» que aqui interessam de modo global s6 a estas
hip6teses de promulgacao de normas penais meramente
simb6licas, nao atenderia ao verdadeiro alcance da evo-
lucao. Isto porque Q recurso ao Direito peI'laLp.ao s6
_'ll~ClF~c:~<::glDQ_instrumentoara produzir tranquilidadem~~!a~~~Q_IIl~roato de promulgacao c ! f n o r m a s e v i C l e n - -_em~J:l!e_~~s!iIladas<l:Ilap s_e.:rplicaqa~as __u~s~g!l!ldo lugar, tambem existem processos de criminali-
zac;~o«a lilog§lClr,:tt~ga».Estes--se~ificam-com a intro- j
ducao de normas-penais novas com 0 intuito de
promover sua efetiva aplicacao com toda firmeza, isto e,
verificam-se processos que conduzem a normas penais
novas para serem aplicadas," ou se verifica 0 endureci-
mento das penas para normas ja existentes. Deste modo,
inverte-se 0 processo havido nos movimentos de refor-
rna das ultimas decadas - na Espanha, depois de 1978 -
em que foram desaparecendo diversas infracoes, Recor-de-se so a situacao do Direito penal em materia de
condutas sexuais - que ja nao se consideravam legfti-
mas. Neste sentido, percebe-se a existencia, no debate
politico, de urn verdadeiro «c lima pun i t io i s ta -v" 0 recur-
so a urn incremento qualitativo e quantitativo no alcance
da criminalizacao como iinico criterio politico-criminal;
urn ambiente politico-criminal que, desde logo, nao carece
de antecedentes. Porem, estes processos de criminalizacao
- e isto e novo - em muitas ocasi6es se produzem com
penal neste contexto: vid, por exemplo, SCHUMANN, StY, 1993, p. 324 e ss. ;
AMELUNG, ZStW 92 (1980), p. 55 e ss. Ante 0 consenso politico que incitamesta~ nor~as no c~so a lemao, re sul ta s ign ifica tivo que 0 antecedente da in-fracao esta no delito de «provocacao a luta de classes»; vid LKll - v . BUB-NOFF, comentario previo aos §§ 125 e ss.
14E~bora se possa observar que em muitos casos se produz uma apl ic acaoseletiva,
15 Cfr . CANCIO MELIA, em: JAKOBS/CANCIO MELIA, Conferencias (nota13) , p. 131 e ss., 135 e ss.
60 Ma nu el C a nc io M e li a
coordenadas politicas distintas a distribuicao de funcoes
tradicionais que poderiam resumir-se na seguinte for-
mula: ~squerda polfti<~~de~~ndas de descr!J!li!laliza;:
c;ao/ direita p-olJtj~£t:d.~J!l~n~~~e crniiiriarrzas~0.16.Neste
'sentfao, parece que se trata de urn fenomeno que supera,
emmuito, 0 tradicional «populismo» naIegislacao penal.
No que tange a resguerda .p.~iitic~~e chamativa a
mudanca de atitude: de uma linha - de forma simples, e
claro - que identificava a criminalizacao de determina-
das condutas como mecanismos de repressao para a
manutencao do sistema economico-politico de domina-
c;ao,17a uma linha que descobre as pretens6es de neocri-
minalizacao, especificamente de esquerda:" delitos de
discriminacao, delitos nos quais as vitimas sao mulheres
maltratadas, etc." Entretanto, evidentemente, 0 quadro
estaria incompleto se nao fizesse~eJe~_J:lc:_ia(l.Ema
mudanca de atitude tambem dal ..9iLei~~~ no
contexto da evolucao das posicoes destas forcas, tam-
bern em materia de polftica criminal, ninguem quer ser«conservador», mas «progressista» (ou mais) que todos
os demais grupos (= neste contexto: defensivista). Neste
16 Assim, por exemplo, subl inha SCHUMANN a respei to das infracoes naorbita de manifestacoes neonazistas que existe urn consenso esquerda-direitana hora de reclamar a intervencao do Direito penal, StY, 1993, p. 324. Vid,
neste senti do, a lem disso, as consideracoes sobre as demand as de criminali-zacao da socia l democracia europeia em SILVA SANCHEZ, La e x p an s i6 n (p.69 e ss.: t ra ta -se de uma s ituacao na qual qua lque r colet ivo tern «suas» pre -tensoes de c rimina lizacao f rente ao leg is lador pena l: e fr. a exposicao s into-ma tica de ALBRECHT, em: V om u nm og lic he n Z us ta nd (nota 2), p. 429; a
re speito da pe rsecucao de fins da chamada mora l f azendo uso da leg isla"aopena l so VOg, S ym bol is c h e Ge s e tz g eb u n g (nota 6), p. 28 e ss.
1 7 V id . SILVA SANCHEZ, La e x p an s i6 n (nota 2), p. 57e ss., acerca desta troca
de orientacao: movimento paralelo nas ciencias penais: a criminologia crf ticacom pretensoes abolicionistas; vid. somente a panoramica tracada por SILVA
SANCHEZ, Aproximaci6n (nota 6), p. 18 e ss.
18 «Go and tell a worker robbed of his week's wages or a raped woman thatc rime doesn' t exist» , fr ase s ign ifica tiva do c rirninologo YOUNG citada porSILVA SANCHEZ, Aproximaci6n (NOTA 6), p. 23 nota 36 .
1 9 V id ., sobre isto, com particular referencia a social democracia europeia,SILVA SANCHEZ, La expan s i6 n (nota 2), p. 69e ss., com ulteriores referencias.
Direito Penal do Inimigo 61
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sentido, a direita politica - em particular, refiro-me asituacao na Espanha - tern descoberto que a aprovacao
de normas penais e uma via para adquirir matizes
politicas «progressistas-J" A esquerda f'olf!ica tern
,aprendido 0quanta rentavel,EQ.de_resultar_:Q__<I1scursoa
lawand order, antes moIloEoli:z_'!_clQ_'p,elaireit~:Esfa--sesoma~quanaopode, a habitualidade politico-en-
minal que caberia supor, em principio, pertencentemen-
te a esquerda, uma situacao que gera uma escala na qualninguem esta disposto a discutir, verdadeiramente,
questoes de politic a criminal no ambito parlamentar e
na qual a demand a indiscriminada de maiores e «rnais
efetivas» penas ja nao e urn tabu politico para ninguem.
o modo mais claro de apreciar a dimensao deste
fen6meno quica este]a em recordar que, inclusive, con-duz a leabilita~ao de no~o~ - abandonadas ha anos no
discurso te6nco dos ordenamentos penais continentais -
_~I!lQil_,i.nocuiza<;ao.1
Neste sentido, y~~_E;'yicl~_Il_te,~q~~?~refere.JLrea!iciCldedo Direito positivo, que a tendencia atual do
legislador e a de rea ir com «trrrn'e-ia»-oentro-de-lima
-gama -]_~ s~!.9_r~_a serem regu a os, no' marco'del"
«Ttit~ contra a crimfrialldade, fs-to-~;com u f f i - T n c r e = -mento das penas preVistas. Urn exemplo, tornado do
C6digo penal espanhol" sao as infracoes relativas ao
20S6 assim se explica, por exemplo, que tenha sido precisamente a direita
politica, no governo, a que tenha impulsionado e aprovado uma modificacao
do deli to de assedio sexual , regulado no art igo 184 do CP, que supoe urn
aperto sobre a regulacao pouco aprofundada, introduzida no CP de 1995_
21Cfr. somente SILVA SANCHEZ, em: id em , E st ud io s d e D er ec ho p en al , 2 00 0,
p. 233 e ss.; i de m , L a e xp an si 6n (nota 2), p. 141 e ss.
22 Vid. a respeito do CP de 1995 s6 0 diagn6stico global de RODRiGUEZ
MOURULLO, em seu pr6logo aos C ome nt ti ri os a o C 6d ig o p en a l (1997)por ele
dirigidos (p. 18):0aumento quantitativo de figuras delitivas no novo C6digo
penal «nao obedece a nenhuma linha coerente de politica criminal», e 0mais
contundente de GIMBERNAT ORDEIG, em seu pr61ogo a edicao do CP
(Tecnos): 0 CP de 1995 esta «influenciado pelo renascimento, nos ultimos
anos, da ideologia da "lei e ordem", por urn incremento descontrolado de
novas figuras delitivas, e por urn insuportavel rigor punitive».
62 Manuel Cancio Melia
trafico de drogas ou entorpecentes e substancias psico-
tropicas.P a regulacao contida no texto de 1995 duplica
a pena24 prevista na regulacao anterior.P de modo que a
venda de uma dose de cocaina - considerada uma
substancia que produz «grave dana a saude», ensejandoa aplicacao de urn tipo qualificado - supoe uma pena de
tres a nove anos de privacao de liberdade (frente a,
aproximadamente, urn a quatro anos do C6digo ante-
rior), potencialmente superior, por exemplo, a pena deurn homicidio culposo grave (urna quatro anos) ou a urn
delito de aborto doloso sem consentimento da gestante
(quatro a oito anos) nos termos previstos no mesmo
«C6digo penal da democracia», apoiado parlamentar-
mente pela esquerda politica. Como e sabido, ~_~_~
mais recente' se dirige a uma ulterior ..avalancha de,]naure_~nto.26 ''----------'----~---- ---
Neste mesmo contexto, uma consideracao da evolu-
~ao ocorrida nos ultimos anos nos Estados Unidos - sem
considerar as mais recentes medidas legislativas - podeser reveladora de qual e - ou, melhor dito: de longe que
se possa chegar ate alcancar - 0ponto de chegada desta
escalada: mediante a legislacao de «~_~~!!'_ikes_»,urn
agente pode, em alguns Estados dos EUA, receber a
pena de prisao perpetua, entendida esta, ademais, em
23 Sobre esta problernatica no caso espanhol efr. ultimamente, por todos,
G6NZALEZ ZORRILA, em: LARRAURI PIJOAN (dir.)/CGPJ (ed.), Poliiica
criminal, 1999, p. 233 e ss. e DE LACUESTA ARZAMENDI, em: BERISTAINIPINA (dir. ) /CGPJ (ed.), P ol it ic a c ri m in a l c o mp ar ad a , h o y y manana , 1999, p. 87
e ss., ambos com anteriores referencias: com relacao it enorme relevancia que
corresponde na realidade do sistema de Adrninistracao da [ustica e peniten-
ciaria a estas infracoes, efr. somente os dados relacionados a respeito do caso
espanhol em RDPCr, 4 (1999), p. 881,892 e ss.
24 Considerando a mudanca no regime de cumprimento das penas privativas
de liberdade; no C6digo anterior (texto refundido de 1973),como e sabido, 0
cumprimento efetivo costumava situar-se na metade da extensao nominal da
pena.
25Cfr. artigos 368 CP 1995e 344 CPTR 1973.
2 6 V id . 0 conteudo dos ultimos Projetos-de-Lei (num, 129-1[BOCG5-5-2003]).
Direito Penal do Inimigo 63
5/10/2018 JAKOBS, MELIÁ - Direito-Penal-Do-Inimigo - slidepdf.com
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sentido estrito (ate a morte do condenado),27 enquanto
que, sob aplicacao do C6digo penal espanhol, nem se-
quer seria preso."
2 .2 .3 . P un itiv is m o e D ir eit o p en al s imbolico
Do exposto ate 0momenta ja fica claro que ambo os
fen6menos aqui selecionados nao sao, na realidade,suscetiveis de ser separados nitidamente. Assim, par
exemplo, quando se introduz __~!l:l~_1egi~la<;.i!()_Cl_dicC11:_.
mente puniH,,[Sta em-m~~_~~<?_g_Cl.~,_~~~_m umaimediatalnCIdencranasesta tisticas dapersecu<;ao crimi-
"rlaY(i;to ~~n~oseTrat~i~=~ori!lClsmeramente-slmb?li:cas.Tle acordo coll1 o entendimento habitwd) e, ap'esar
dis so, e eviaenfeque-urr;eieme~to essencial da motiva-
<;aodo legislador, na hora de aprovar essa Iegislacao,
esta nos efeitos «simbolicos», obtidos mediante sua
mera promulgacao. E ao contrario, tambem parece que,
normas que em principio poderiam ser catalogadas de«meramente simbolicas», possam ensejar urn processopenal «real». 29
[I 0 que ocorre e que, na realidade, a dE!~_~I_11i_t:~sao' i i i «Direito penal simbolico» nao faz referencia c:_umgruQ91 1 - - , - " ' " , _ , , , _ " " - - -
27 Cfr. somente BECKETT, M ak in g C rim e P ay. L aw a nd O rd er in C on te mp or ar y
A m er ic a n P o li ti cs , 1997, P: 89 e ss., 96; a respeito do caso do Estado da Cali-f6rnia, uid., por exernplo, os da dos recolhidos em / /http:www.factsl.com.Cfr . tambem as referencias em SILVA SANCHEZ, La e x pa n s io n (nota 2), P:142e ss.
28Por exemplo: urn deli to de roubo do a rt igo 242 .3 jun to com urn de lesoesdo a rt igo 147,2e out ro de v iolacao da condenacao do a rt igo 468 CPo
29Neste sent ido, a re spe ito do a rt igo 510 do CP espanhol - junto com 0 a art.607 ,2 CP, que contern uma infracao que pena liza a conduta de «d ifusao, porqualquer meio, de ideias ou doutr inas que neguem ou justifiquem» os ~eli~osde genocidio - continua sendo significativa a condenacao - em pnmelrainstancia - , de urn sujeito admirador donazismo, proprie tario de uma livrariana qual vendia livros dessa orientacao, a cinco anos de pena privativa del ibe rdade (concurso real ent re ambas infracoes : Camara Crimina l num. 3 deBarcelona, de 16-11-1998).
64 Man ue l C an ci o M el ili
I
J
bern definido de infracoes penais.P caracterizadas por
Si:la1riapHcalJilidade, pela falta de incidencia real na «so-
h i ~ _ ~ o ; > , - e _ l l 1ermos instrumentals. T~0-s6 identifica a espe-
cial importancia outorgada pelo legislador.>' aos aspect~s
de comunicacao polftica, a curto prazo, na aprova<;aodas respectivas normas. Para tanto, inclusive, podem
chegar a estar integrados em estrate~i~s tecnico-mercan~tilistas de conservacao do poder politico.F chegando ate
a criacao consciente na populacao, de determinadas ati-
tudes no que tange aos fen6menos penais que posterior-
mente sao «satisfeitas» pelas forcas poli ticas.
Dito com toda brevidade: 0 Direito IJ~~al siIl}p6JL<;:Qnao so identifica, urn determinado-«rato», .mas tambem
'(Oli:-sobretudo )um eSIJedficofipode autor,que edefinid'o - n ~ o -como igual, mas como outro. Isto e, aexisfenciada norma penal- deixando delado as estrate-
gias tecnico-mercantilistas, a curto prazo, dos a~entes
politicos - persegue a construcao de uma determmada
imagem da identidade social, mediante a definicao dos
autores como «outros», nao integrados nessa identida-
de, mediante a exclusao do «outre». E parece claro, par
outro lado, que para isso tambem sao necessaries os
traces vigorosos de urn punitivismo exacerbado, em
escala, especialmente, quando a conduta em questao ja
esta apenada. Portanto, ~_J:)!rei!Q__J2enalsimb6lico e. 0
_punitivismo mantem uma rela<;ao fratern~!. A S~g~H,pode ser examinado 0 que surge de sua uruao: 0 Direito
penal do inimigo.
30Em particular, nao parece adequado contentar-se com a denominar;:ao. do
conceito de Direito penal simb6lico como legislacao penal fal~a, no sen~ldode que so s imularia a obtencao de de te rminados re sul tados; v id. , sobre IS to,com cuidado, DfEZ RIPOLLES, AP, 2001, P: 4 e ss. , corn referencias.
31Eo que agora intere ssa: porem, entao , caberia ident ifica r - e mui tos - casos
de «aplicacao simbolica» de normas penais.
32Cfr , somente as referencias destas praticas a respeito do ambito anglo-sa-xao ern BECKETT, M ak in g C rim e P ay (nota 27), passim, e von HIRSCH, em:LODERSSEN (ed.), Au fg e k li ir t e K r im i n al p ol it ik (nota 2), t. V., P: 31 e ss.
Direito Penal do Inimigo 65
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3.1. Determinacao conceitual
3.1.1. D ireito p en al d o in im ig o (J ak obs) co mo
te rceira v elo cid ad e (S ilva Sa nc hez) d o
o r de n am e n to [ ur id ic o -p e na l
Segundo] Jakobs,340 I?ireitopenal do inimigo se
caracteriza or tre_§_~leIttgp.t9.s:m primeiro lugar, cons-a a-se urn ampl~ adiantamento da punibilidade, isto e,
que neste ambito,-a perspectiva do ordenamento juridi-
co-penal e prospectiva (ponto de referencia: 0fato futu-
ro), no lugar de - como e 0 habitual - retrospectiva
(ponto de referencia: 0 fato cometido). § . ? 1 segun~
lugar, as p~J:1~~.Yi~l.~sa~ ..~espr~p.?rcionalmente al-
tas: especTarmente, a antecipacao da barreira de punicao
nao e considerada para reduzir, correspondentemente, a
pena cominada. Em t.e~_<:.~~lugar,deterrninadasgaran-
_tias processuais saorelativizadas ou inclusive suprimi-
das.35De modo materialmente equivalente, na Espanha
3 . «Dlrelto P e na l d o In im i go » ?
Para concluir, a seguir, tentar-se-a analisar 0con-
ceito de Direito penal do inimigo para determinar seu
conteudo e sua relevancia sistematica. Para isso, em
primeiro lugar, apresentar-se-ao as definicoes deter-
minantes que tern aparecido na bibliografia, propon-
do-se alguma precisao a essa definicao conceitual.
Para isso, e especialmente relevante a imbricacao do
fen6meno na evolucao politico-criminal geral, isto e,
sua genealogia (infra 1). Finalmente, esbocar-se-ao as
duas raz6es fundamentais pelas quais, desde a pers-
pectiva do sistema jurfdico-penal atualmente prati-
cado, 0 conceito de Direito enal do inimi 0 s6
pode ser concebi 0 como instrumento para identifi.:_
'car, p_i~nao-Direito penaE presente nas
leglsla<;6es positlvas: por um lado, a funcao da pena
neste setor, que difere da do Direito penal «verdadeiro»:
por outro lado, como consequencia do anterior, a falta
de orientacao com base no principio do Direito penal dofato (infra 2).
34Quem, como se tern assinalado, introduziu - em duas fases em 1985 e
1999/2000 - 0conceito na discussao mais recente (Jakobs, Estudios de Dere-
cho judicial 20 [nota 1], p. 137 e ss. ; i d em , em: ESER/HASSEMER/BURK-
HARDT [ed.], Strafrechtwissenchaft [nota 1], p. 47 e ss., 51 e ss. ; i d em , ZStW,
97 [1985], p. 753 e ss.; i d em , AT2,2/25.c). Certamente, se poderia identificar
- como sublinha SILVA SANCHEZ, La e x p an s io n (nota 2), p. 165 com nota
388 - muitos antecedentes materia is da nocao de Direito penal do inimigo,
em particular, em determinadas ori~nta,,5es da prevencao especial anteriores
a segunda guerra mundial; efr. MUNOZ CONDE, DOXA15-16(1994),p. 1031
e ss. Desde uma perspectiva temporal mais ampla, e com orientacao filosofi-
ca, uid, a analise correspondente de PEREZ DEL VALLE (CPC 75 [2001], p.
597 e ss.), relativamente as teorias do Direito penal contidas nas obras de
ROSSEAU e HOBBES. Em todo caso, e possivel pensar que este aspecto - osantecedentes historic os- pode ser deixado de lade desde 0ponto de vista da
politica-criminal atual- nao no plano global-conceitual, claro - considerando
as diferencas estruturais entre os sistemas politicos daqueles momentos his-
toricos e 0 atual.
35Vid. , sinteticamente, JAKOBS, Estudios de Derecho judicial, num. 20 (nota1), p. 138 e ss. Os trabalhos de JAKOBStern desencadeado uma incipiente
discussao nos ambltos de fala alema e espanhola na qual se constata sobre-
tudo vozes marcadamente criticas. Nesta linha, atribuem a JAKOBS uma
posicao afirmativa a respeito da existencia do Direitopenal do inimigo, por
exernplo, SCHULZ, ZStW, 112(2000),p. 659e ss.; SCHUNEMANN, GA, 2001,
33sto e: urn Direito penal meramente formal, que difere estruturalmente da
imputacao que e praticada normalmente sob essa denominacao.
676 Ma nu el C an cio M e li a Direito Penal do Inimigo
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Silva Sanchez tern incorporado 0 fen6meno do Direito
penal do inimigo a sua propria concepcao politico-en-
minal." De acordo com sua posicao, ~l!l_QI!l~nto atualestao se diferenciando duas «velocidades» no rnarCQ d o -
' . - - ' - " . ~.-.- -- ------- ---_ ' _ ' - _ . -. - - - . - ..-.------.--------,--,---.--~ ~ordenamento j1::l~fcli_c()::2.enal:37ClpriIll~E~_:yel<?~idadee-ria aquele setor do ordenamento em ue se imp6em
penas privativas de liberdade, e no qual, segun 0 Si vaSanchez, devem manter-se de modo estrito os principios
politico-criminais, as regras de imputacao e os princf-
pios processuais classicos. A Segunda velocidade seria
consti tuida por ,aquelas infra<;6es emgue, aoImpor-se so
penas pecuniarias ou restritivas de direito - tratando-
se de figuras delitivas de cunho novo -, caberia flexi-
bilizar de modo p'!~QDal esses principios_e r~
.«cl~.§,~!<;_()?~38menor gravidade das sancoes, Inde-
pendentemEmteaeqUe tal propostcipo-ssa-parecer acer-
tada ou nao - uma questao que excede destas breves
P: 210 e ss. : MUNOZ CONDE, Edm und M ezger e D erech o pen al de su tiem po.E st ud io s s o br e e l D e re c ho p en a l e m e l N a ci on ai so ci al is m o, 3a edicao, 2002, P: 116e ss.; AMBOS, D e r a ll ge m ei ne T ei l e in es V o lk e rs tr aj re ch ts , 2002, p. 63 e ss., 63 ess. : «outorga a futuros regimes injustos uma legitlmacao teorica»: ibidem, nota135 inclusive se afirma que JAKOBS, com estes desenvolvimentos, se aproxi-rna constan temente ao pensamento «colet ivista-dual lsta» de CARL SCHI-MITT; PORTILLA CONTRERAS, entretanto num, 83 (2002), p. 78 e ss., 81;idem, «El Derecho penal y procesal del "enemigo". Asvelhas e novas politicasde seguranc ;a f rente aos perigos internos-externos», no pre lo para : Libro enhomenaje a Enrique Bacigalupo: «... jus ti fica e tenta legi tima r a e st rutura deurn Direito penal e processual sem garantias» ( texto correspondente a nota3); diferenciando 0 significado politico-cr iminal da primeira (1985) e da Se-gunda (1999/2000) aproximacao, PRITTWITZ, ZStW 113 (2001), p. 774 e ss. ,794 e ss. com nota 106 .Por out ro lado , a lem de SILVASANCHEZ (sobre suaposicao, vid. a seguir no texto), f izeram referencia a concepcao de JAKOBSem termos pre fe rentemente desc ri tivos ou a fi rma tivos (em a lguns casos)
KINDHAUSER, G e fa br d un g a ls S tr aj ta t, 1989, p . 177e S.; FEIJ60 SANCHEZ, RJUAM, 4 (2001), p. 9 e ss ., 46 e ss.; PEREZ DEL VALLE, CPC, 75 (2001), p .597e ss.; POLAINO NAVARRETE, D er ec ho p en al , P ar te G er al , t . I: Fundamentoscientlficos d e l D e re ch o p e na l, 4a edicao, 2001, p. 185 e ss.; CANCIO MELIA, JpD,44 (2002), p. 19e ss. ; GRACIA MARTIN, Proleg6menos (nota 2), p. 120 e ss.
36 Cfr. SILVA SANCHEZ, La e x pa n s i6 n (nota 2), p. 163 e ss.
37 Vid. SILVA SANCHEZ, La expan si6 n (nota 2), p. 159 e ss.
38Cfr. SILVA SANCHEZ, La e x pa n s io n (nota 2), p. 159 e ss., 161 e ss.
68 Ma nu el C a nc io M e li a
considera<;6es -, a imagem das «duas velocidades» in-duz imediatamente a pensar - como fez 0 proprio SilvaSanchez." - no Direito penal do inimigo como «terceiravelocidade>;, no quarcoexistinariCa-im-posl~aodepehas
_privativas .de liberdade e,(;lpesar. d_~suapres._ep:<;a,l a"«f1exi:btl tza~ao;> dos principios polftico-criminais e asregtasde imp'u!~~Q, '.- .'. .... ..,
~__~ ._~__~ 'o_"~ '" -
3 . 1. 2 . P r eci s oe s
3 . 1. 2 .1 . Cons id e r ac o ee. Ate aqui, realizou-se a descri-
< ; 1 1 . 0 . A questao que agora se suscita e, naturalmente.ju>-gue deve ser feito no plano teorico-sistematico com essa
realidade constatada. Ha que ~,nessa constatacao?
Ha que tentar limita-la na medida do possivel, talvez
«domando-a» a~zi-Ia no ordenamento juridico-
penal? Em resume: e ilegftima? Dito de outro modo: nao
esta claro se e urn conceito meramente descritivo ou
afirmativo. Antes de tentar responder a essa questao,
parece necessario, entretanto, tecer algumas considera-
coes acerca do conteudo do conceito de Direito J2_enaldo~ ---. .
Jnimigo.
Da perspectiva aqui adotada, ambas as concepcoes,antes esbocados, sao corretas, como elementos de uma
descricao.t?
No que tange ao alcance concreto destas normas,
realmente existentes, posto que se trata, como antes setern indicado, de uma definicao tfpico-ideal, para deter-
minar a «Parte Especial» jurfdico-positiva do Direito
39Na segunda edicao de sua monografia La e x pa n s i6 n (nota 2), p. 163 e ss.400 fa to de que existe e sse Dire ito pena l do inimigo no ordenamento pos it ivo(SILVA SANCHEZ diz [ L a e x pa n s i6 n (nota 2), p. 166] que sobre isto <maoparece que se pode suscitar duvida alguma»), e que pode ser deserito nosterm os expostos, e algo que nao e questionado; no que se pode ver , tampoucopor parte dos autores que se tern manifestado em sentido crftieo frente aodesenvolvimento de JAKOBS (efr., por exemplo, expressamente PORTILLACONTRERAS, entrementes, ruim. 83 [2002], p. 77 e ss. , 83, 91) .
IJ
Direito Penal do Inimigo 69
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71Ma nu el C an ci o M el il i
de modo paralelo as medidas de seguran<;a, supoe
tao-so urn processamento desapaixonado, instrumen-
tal,47de determinadas fontes de perigo, especialmente
significativas." Com este_~~~!rtlE15nto(0Estado nao fala
com seus cidadaos, masam~~5~_~eus inimigos.49
3 .1 .2 .2 . C a re n ci as . Entretanto, desde a perspectiva
aqui adotada, essa definicao e incompleta: s6 se ajusta,de maneira parcial, com a realidade (legislativa, polftica
e da opiniao publicada).
Em prim eiro lugar: ainda sem levar a cabo urn
estudo de materia is cientfficos relativos a psicologia
social, parece claro que em todos os campos importantes
do Direito Eenal do inimigo (<<carteisda droga»: «crimi-
na1Idade referente a imigracao»: outras formas de «cri-
minalidade organizada» e terrorismo) 0que sucede nao
e que se dirijam com prudencia e se propaguem com
frieza operacoes de combate, mas que se desenvolve
uma cruzad,tcOnJ!1UJlal£eitores crueis. Trata-se, portan-
to, rnais de «inimigos» no sentido pseudo-religioso que
na acepcao tradicional-militar do termo.P Em efeito, a
identificacao de urn infra tor como inimigo, por parte do
ordenamento penal, por muito que possa parecer, a
primeira vista, uma qualificacao como «outro-.F' nao e,
47Desde esta perspectiva, e chamativo 0paralel ismo com a idiossincrasia de
determinadas tendenc ias inocuizadoras na dis cussao nor te -americana querecebem a s igni fi ca tiva denorninacao de «manageri al c riminology»; vid. a
exposicao de SILVA SANCHEZ, La e x pa n s i6 n (nota 2), p .141 e s s. , 145.
48 Or. S ILVA SANCHEZ ( L a e x pa n si 6n [nota 2], p . 163: «fen6menos .. . que
a rneaca rn debili ta r os fundamentos ult imos da soc iedade const ituida em Es-
tado»: «reacoes c ingidas ao est ri tamente necessar io para fazer f rente a fen6-
menos excepcionalmente graves» (ibid. p.166).
49JAKOBS, Cuadernos de Derecho judicial, num, 20 (nota 1 ), p. 139.
50A respeito do terrorismo de novo significado SC!-lEE~ER (D ie Z lI kl l? ft d es
Terrorismus. D re i S z en a r ie n , 2002 , p . 7 e ss., 13 e ss.) id entifica a pato log ia e osmitos das condutas em questao . como verdade iras carac te ri st icas dec isivas
no discurso de combate contra 0 terrorismo.
51Que simples mente, e perigo so ; ao que nao se faz em prime ira linha uma
reprovacao, mas que persegue sua neutral izacao.
penal do inimigo seria necessario urn estudo detalhado,
tipo por tipo - que excederia 0escopo do presente texto-,
de diversos setores de regulacao." Neste sentido, segu-
ramente e certo (como tern afirmado Silva Sanchez=')
que e necessario demarcar, na praxis da analise da Parte
Especial, diversos niveis de intensidade nos preceitos
jurfdico-penais concretos, e que, no plano te6rico, epossfvel apreciar que em seu alcaiic~o
de Direito penal do inimigo proposta por J akobs naprimeira aproximacao (1985)e consideravelmente mais
ampla (incluindo setores de regulacao mais pr6ximos ao
«Direito penal da colocacao em risco», delitos dentro da
atividade economica) que a da segunda fase (a partir de
1999), rnais orientada nos delitos graves contra bens
jurfdicos individuais (de modo paradigmatico: terroris-
mo). Em todo caso, 0que parece claro e que, ~
mento espanhol,o centro degravidad~
ao--TfUmigo·stasoDret~crononovoDireito antiterroris-
ta, primeiro na-red.a<;ao dada -a-alguns dos preceitos
COIT~spondentes no C6digo Penal de 1995,43depois na
reforma introduzida mediante a Lei Organica numero
7/2000,44 e no futuro mediante as reformas agora em
tramitacao parlamentar .45
A essencia deste conceito de Direito penal do
inimigo esta, entao, em que constitui uma reacao de
comb ate, do ordenamento jurfdico, contra individuos
especialmente perigosos, que nada significam.t" ja que
~,
41Cfr. , por exemplo, 0 catalogo internacional expos to por PORTILLA CON-
TRERAS, entrementes, ruim. 83 (2002), p . 83e s s.
42 Em uma contr ibuicao de seminar io , Univers idade Pompeu Fabra , 5 /2003.
43Or. a sintetica descricao de CANCIO MELIA, em: RODRfGUEZ MORRU-LO/JORGE BARREIRO e t a l. , C om en ia ri os a l C 6d ig o p en al, 1997, p . 1384 e ss .
44Or. CANCIO MELIA, JpD, 44 (2002) , p . 19 e ss., 23e ss.
45Especialmente, as contidas no Projeto-de-Lei num. 129-1 (BOCG 14-2-2003).
46Nos termos do significado comunicacional habitual da pena criminal; sobreisto a seguir in fra 2.B.
70 Direito Penal do Inimigo
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na realidade, uma identificacao como fonte de perigo,
nao supoe declara-lo urn fenomeno natural a neutrali-
zar, mas, ao contrario, e urn reconhecimento de funcao
normativa do agente'? mediante a ,atribukao de perver- .
sidade mediante s 'za ao. Que outra coisa nao
e Lucifer senao urn anjo caido?53 Neste sentido, a carga
genetic a do punitivismo (a ideia do incremento da penacomo unico instrumento de controle da criminalidade) se
recombina com a do Direito penal simb6lico (a tipificacao
penal como mecanisme de criacao de identidade social)
dando lugar ao c6digo do Direito penal do inimigo.
Em s eg und o l ug a r, este significado simb6lico especi-
fico do Direito penal do inimigo abre a perspectiva para
uma _segunda c~~~!eristica estrll!!!ral: [lao_(~6 urn d_e,~~E:-~~.__!!1:!!lCi<:lo«fato»que esta na base da tipifica<;aopenal, mas .
_taIllQ~.llloutros elementos, contanto que sirvam a caracte- ._.l"i~~S~g·ao 'au tor como peitencente" a " categoria d~ ini-
_ migos.5il ·bem-6ao correspondente, no plano tecnico, 0 "\ f
man:diido de determinacao, derivado do principio de
legalidade e suas «complexidades-P ja nao sao urn
ponto de referenda essencial para a tipificacao penal.
3.2. 0 Direito Penal do Inimigo
como contradicao em seus termos
3 .2.1 . Con s ide r ac i ie s
Quando se aborda uma valoracao do Direito penal
do inimigo como parte do ordenamento juridico-penal,
52Cfr. a respeito desta ideia, tambem 0 texto infra 2.B.
53Urn dos nornes, e, precisamente, 0 Inimigo .
54Cfr. sobre isto, tambern, no texto infra 2. C.
55Urn termo que, por exernplo, aparece varias vezes na Exposicao de motivos
da Lei Organica numero 7/2000 como urn problema a superar.
72 Ma nu el C an ci o M e li a
sobretudo se perguntase ~ev~_ser aceito como inevita-
vel_se_gm~!ltQn~trumentald.e ._1l_m1?irei_openal moder-no. Para responder esta pergunta de modo negativo, empr ime z r- (j l ugar , pode-se recorrer-c:los pressupostos de
l~gitimiQa_cig.mais gjJ menos externos ao sistema jurfdr-"
co-penal no sentido estri to: nao deve haver Direito peE.~
do inimig()I'()r_ql:l"~(Eolilicament~.itrorieoTou:lncons-titucionalj.P Em s eg un do lu ga r, pode argumentar-se den-
tro do paradigma de seguran<;a ou efetividade no qual a
questao e situada habitualmente pelos agentes polit icos
que promovem este tipo de norm as penais: 0 Direito
penal do inimigo nao deve ser porque nao contribui ~>
prev~!l_~~o"porrdaI~~ffca-~ae"aelilos~Stessao~-na tUfai-
-mente, call.irihos trari.sitaveis~~que-de fato se transitam
na discus sao e que se devem transitar. Porem aqui se
pretende - e m te rc eiro lu ga r - esbocar uma analise previa,
56 Pelo qlle se consegue ver, esta e a argumentacao que esta na base das
posicoes criticas existentes na discussao ate 0 momenta (v id . as referencias
supra , na nota 35).57No plano ernpirico, parece que sepode afirmar que a experiencia em outros
parses de nosso entorno, a respeito de organizacoes terroristas «endogenas»,
mostra que a aplicacao deste tipo de infracoes nao tern evitado delitos, mas
tern contribuido para atrair novos militantes asorganizacoes em questao (esse
parece ser 0 caso, em particular, na passagem, na Alemanha, da «primeira
geracao» da fracao do exercito vermelho [RAF, R ot e A r me e F r ak ti on ] as suces-
sivas avalanchas de membros desse grupo terrorista). De sorte que, e diffcil
que se possa isolar para efeito de analise, so a questao da efetividade preven-
t iva: pois dentro deste balance deveria ter-se em conta, de modo muito
especial, que as normas destas caracteristicas tendem a contaminar outros
ambitos de incriminacao - como mostram multiples exemplos hist6ricos -,
de modo que ha boas raz6es para pensar que e ilus6ria a imagem de dois
setores do Direito penal (0 Direito penal do cidadao e 0 Direito penal de
inimigos) que possam conviver em urn mesmo ordenamento juridico. Aparte
disso, no balance de «efetividade» ha que se considerar-, como antes se tern
dito, que a mera existencia do Direito penal do inimigo pode representar, emalguma ocasiao, urn exito de propaganda politica parcial, precisamente, para
o «inimigo»: sobre a falta de efetividade, dr. somente FEIJ60 SANCHEZ,
RJUAM, 4, (2001), p. 50 e ss. ; a respeito do caso concreto da introducao do
chamado «terrorismo individual» no CP de 1995,cfr., por exemplo, a analise
das consequencias contraproducentes levadas a efeito por ASUA BATARRI-
TA (em: ECHANO BASALDUA [coord.], E stu do s j urid ic os n a m em oria d e J ose
Ma• Liden, 2002, p. 69, nota 39).
Direito Penal do Inimigo 73
5/10/2018 JAKOBS, MELIÁ - Direito-Penal-Do-Inimigo - slidepdf.com
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interna ao sistema jurfdico-penal, em senti do estrito: 0
Direito penal (faticamente existente) integra, conceitual-
mente, 0Direito penal?58
Com esta forrnulacao, como e evidente, implica que
a utilizacao do conceito considere, sobretudo, uma des-
cricao: a valoracao (polftica) cai por seu proprio peso,
uma vez dada a resposta. Deste modo, introduz-se aquestao, amplamente discutida, acerca de se este tipo de
concepcoes pode legitimamente levar a cabo tal descri-
<;ao, ou se, ao contra rio, todo trabalho teorico neste
contexte oferece sempre, ao mesmo tempo, uma legiti-
macao, A este respeito so ha que se anotar aqui que na
~iscussao il!_<:pie!lte_~rrlJQmoda jcl~ii!_g~J)il"ei!~p~~~do inimigo, desde 0 principio se percebemlasv~~
_ _!ons QashiPte_ r~d=-~~que~_g_ dirigg~, e~ parti~l}I~r_0contra a metalieJ' Il1trQdu<;ct9__()pALCQUceJlll801ireito
penaldo cidadao e do iIl imigop()tJakobs. Sem preten-
-der reformular aqui a discussao global em tome do
significado do sistema dogmatico desenvolvido por Ja-kobs, sobre sua compreensao como descricao ou legiti-
macao." sim ha que indicar que aquelas posicoes que
enfatizam os possiveis «perigos», Insitos na concepcao
de Jakobs, nem sempre consideram..de modo suficiente,
que essa aproximacao, tachada de estruturalmente con-
servadora ou, inclusive, autoritaria, ja tern produzido,
em varias ocasioes, construcoes dogmaticas com urn alto
potencial de recorte da punibilidade. Urn pequeno
58Expoern e deixam aberta esta questao, tanto JAKOBS (em: ESER/HASSE-MER/BURKHARDT [ed.J, Strafrechtwissenschaft [no ta l], p . 50) como SILVASANCHEZ (La expans i6 n [nota 2], p. 166).
59Cfr. a respeito, proximamente, de novo, 0proprio JAKOBS, em: i de m , S ob rel a n or m at oi za ci on d e l a d og m at ic a [ ur id ic o- pe na l, 2 (no prelo parJi a Ed. Civitas);vid, quanta ao mais, somente PENARADA RAMOS/SUAREZ GONZA-LEZ/CANCIO MELIA, em: JAKOBS, E stu di os d e D er ec ho p en al, 1997, p. 17 ess ., 22e ss. ; ALCAcER GUIRAO, AP, 2001, p . 229 e ss., 242e ss. ; idem, Lesion
d e b i en j ur i di co 0 l es i6 n d e d e be r? A pu nt es s ob re e l c o nc ep to m ate ri al d e d e lit o, 2003,passim, com anteriores referencias,
74 Ma nu el C an ci o M e /h i
exemplo, precisamente relativo ao Direito penal do
inimigo: segundo Munoz Conde/" no que tange ao
conceito de Direito penal do inimigo, e considerando 0
grande eco da teoria de Jakobs na America latina,"! e
necessario sublinhar que ~ssa aproxi~o~~_!:_ica ~a()_e_«ideologic:aJ11.~.I11einocente», precisamente empafses,
com~CoI6mbia, nos quais «esse Direito penal <:loinimi~_go~ pratica<:l_Q~,Corn toda certeza, qualquer concepcao
teorica pode ser corrompida ou usada para fins ilegfti-
mos; nao se pretende aqui negar essa realidade. Porern,
e urn fato que a Corte Constitucional colombiana tern
declarado recentemente inconstitucional - aplicando,
expressamente, 0 conceito de Direito penal do inimigo,
desenvolvido por Jakobs - varies preceitos penais pro-
mulgados pelo presidente." Concluindo: nao existem
concepcoes teoricas (estritamente juridico-penais) que
tornern invulneravel urn ordenamento penal, frente a
evolucoes ilegftimas.P
A resposta que aqui se oferece e: nao. Por isso,
propor-se-ao duas .<:!iferen<;asestruturaj§ (intimamente
relacionadas entre sijentre «Direito penal» do inimigo e
Direito penal: a) 0Direito pe~~l cl9_ini.mi.gcLnao~za normas {preven<;ao--geral positiva), mas denomina
defer-rni'rrado~_gIupOS de infratores; b) em consequencia,
o Direi!Q_penal_ dq l!1imigo_Eao_~ __!:!J11._12ireitoALdilJato, mas do autor. Ha que ser enfatizado, de novo, que
.estas-caracterlsticasnao aparecem com esta nit idez pre-
60Em: BARQufN/SANZ/OLMEDO CARDENETE, Conversacoes: Dr. Fran-cisco Munoz Conde, RECPC 04- c2 (2002) [http://criminet.ugr.es/recpc].
61 Es ta influenc ia tarnbe rn e constatada, em termos s imi la re s e com preocu-pacao, por AMBOS, Vii lkerstrafrecht (nota 34) , p. 64.
62Acordao C- 939/02 de 31-10-2002, relator Mon te a le g re L y ne t t. Uma questaodistinta e , natura lmente, que e fe ito pra tico tera is to no desenvolvimento daatual guerra civil na Colombia; provavelmente , exatamente 0 mesmo queuma so lene proc lamacao do princ ipio de u lt im a r at io .
6 3 V id . CANCIO MELIA, em: JAKOBS/CANCIO MELIA, Conjerencias (nota
13), p. 139 e ss., 147 .
Direito Penal do Inirnigo 75
~rO 01 c/J/{ - = = = - , - . .~j_ '. , , '_ .// ' C .A
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V
to no branco, no texto da Lei, mas que se encontram
sobretudo em diversas tonalidade cinzentas. Porem, pare-
ce que conceitualmente pode-se tentar a diferenciacao.
cometem de modo massive e que entram, em troca,
plenamente dentro~da «normalidade». En~ao,0 que tern ~/
de especial os fenomenos frente aos quaIs responde 0
«Direito penal do inimigo»? Que caracterfstica especial
explica, no plano fatico, que se reaja precisamente desse
modo frente a essas condutas? Que funcao cumpre a
pena neste ambito?
A resposta a esta pergunta esta em que se trata de
.'comE9ital11entos delitivo~_q~_~a~~!a~-,-~~r!a~:n~e, as,elementos essenciais e especIciTmeiUe.vuTneravels da
.-o=?:"-------- • • ,_
identidade das sociedades questionadas Porem, na~.n0
-"'~erfMoii~tendido pela concepcao antes examinacra=no
sentido de urn risco fatico extraordinario para esses
elementos essenciais -, mas antes de tudo, comoantes se
tern adiantando em um-determil1adoplanoszmb6lico. 65 E--"--,-,~,,----. -----:1":---. ---"_' .
sa5ido que precisamente Jal<ODSepresenfa uma teoria
do delito e do Direito penal r ia qU(ilocupaum lugar
proeminente - dito de modo simplificado, e clare - 0entendimento do fenomeno penalcomo pe"rtencente ao
-mundo do n()lJ!lCl.tiY.o>dos_sign,i{icAcl{Js,e1 l1posisao ao
"das coisas. -Desta perspectiva, toda ~S~gqi:m!1l~l
supoe, como resultado especificamente penal, a q1l~J:>!,a~
da norma, entendida esta como a colocacao em duvida
da vigencla dessa norma: prevencao geral positiva."
Pois bern, estes casos de condutas de «inimigos» se
caracterizam por produzir esse rompimento da norma a
respeito de configuracoes sociais estimadas essenciais,
mas que sao e s pe ci alm en te o u ln e ra u ei s, mais ale~
lesoes de bens jurfdicos de titularidade individual. As-
~, nao parece demasiado aventurado formiilar varias65 CfL supra III.LB,b), No lado da percepcao ~os,«in~m,igos»,por exemplo
GARCiA SAN PEDRO, Terrorismo: aspectos criminologicos y legales, 1993,p. 139 e ss. , caracteriza 0 terrorismo como «violencia simbolica»: vid" por
todos, nesta linha, SCHEERER, Zukunft des Terronsmus (nota 50), P: 17e ss.,
corn ulteriores referencias.
6 6 V id . somente JAKOBS, AT2, 1/4 e ss.: 2/16, 2/25,a, 25/15, 25/20.
r,
3.2.2.0 D ire ito p en al d o in im ig oc om o r ea ci io i nt er na m en te d is fu nc io na l:
d ioe rg en cia s n a [ un ciio d a p en a
Quando se argumenta que os fenomenos, frente aos
quais reage 0 «Direito penal do inimigo», sao perigos
que p6em em xeque a exist~r:t~i(1_~de, ou que e
-a auto-exclus'ao(racoKa[~ao de pessoa 0 que gera uma
necessidade de proporcionar uma especial seguran<;a
cognitiva frente a tais sujeitos, ignora-se, em primeiro
lugar, que a percepcao dos riscos - como e sabido emsociologia - e uma construcao social que nao esta rela-cionada com as dimens6es reais de determinadas amea-
<;as.64Desde a perspectiva aqui adotada, tambemneste
caso se da essa disparidade. Os fenomenos, frente aosquais reage 0 «Direito penal do Immlgo>~~_te~_~_?§_(l,_
,espe~ial«penctllosidade tenriiri~r.~'.Tp~I<l?ci:_dad~l,
< : _ Q D ! . Q , § e - a p - r e g o a 'deles. Aomenos entre os «carididatos»
a «inimTgos~;-aas--socledadesocidentais, nao parece que
possa apreciar-se que haja algum - nem a «criminalida-
de organizada» nem as «mafias das drogas», e tampouco
o ETA - que realmente possa por em xeque - nos
termos «militares» que se afirmam - os parametres
fundamentais das sociedades correspondentes em urn
futuro previsfvel. Isto e especialrnente claro qllaIl~~~ __
compara a dimensaoineramenfe numerica das lesoes de
bens juridicos pessoais experimentadas por tais condu-
tas delitivas com outro tipo de infracoes crimina is que se
64Cfr. as consideracoes do pr6prio SILVA SANCHEZ, La expansi o n (nota 2),
p. 32 e ss. , acerca da «sensacao social de inseguranca»: cfr. tarnbern MEN-
DONZA BUERGO, S o ci ed a d d e r ie s go (nota 2),P: 30e ss, ambos corn antenoresreferencias,
76 Ma nu el C an ci o M el il i Direito Penal do Inimigo 77
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,f
-/
hip6teses neste sentido.que 0punitivismo existente emmateria de drogas pode estar relacionado, nao s6 com as
evidentes consequencias sociais negativas de seu consu-
mo, mas tambern com a escassa fundamentacao axiol6-
gica e efetividade das I29liticas contra seu consumo nassociedades ocidentaiszque a «criminalidade organiza-
da», nos pafses nos qtiais existe como realidade signifi-
cativa, causa prejuizos a sociedade em seu conjunto,
incluindo tambem a infiltracao de suas organizacoes no
tecido politico, de modo que ameaca nao s6 as financas
publicas ou outros bens pessoais dos cidadaos, ~
pr~p~~_~oliticQ-institucional; que 0ETA, final-mente, nao s6 mata, fere e sequestra, mas poe em xeque
urn consenso constitucional muito delicado e fragil no
que se refere a organizacao territorial da Espanha.
Se isto e assim, quer dizer, seecerto que_a c~t:Cl_<::te-
rfstica especial das condutas frente asCfu~-fs~)(jstepl.lJl_e~
reclamae Uireito penal do ini~Agg»_esta el11CLueCl_~ta!!!_
elementos. de especial vulnerabilidade na identidadesocial; a -~e~Qsfa' juri(:riCQ~p~~~rmente ftl~ciOD~lll~Q_
po4e..~~!Cl!_~a_troca de paradigmaque supo~gDir~itopenal do inimigo~ Predsamente, a resposta id6nea, no
p l a n : o - - simbafleo, ao questionamento de uma norma
essencial, d e ve e st a r 1 ' l C / manifesiacao d U J - 9 _ T _ J 1 ! C l J j d a q e J . . a
neg~ao ~_aexcepcionalidade, lsTo-~:n a rea<;~og_f9-5Qrdocom criterigs_ de propOreion-alidade ___<:l~lT!Pll~<;~O,os;/quai~_~tao nabase do sIstema juridico-penal «normal».-Assim, senegaao fnfrator acapacidade de questionar,
precisamente, esses elementos essenciais ameacados.F
67A respei to das inf racoes de terro ri smo, a ssina la , por exemplo, ASUA BA-TARRITA (em: ECHANO BASALDUA [coord.], EM Lindon [nota 56], p. 47)que «a reprovacao indisc riminada dos me todos v iolen tos e de sua ideologiafavorece a tese daqueles que optam pelo metodo de terror, no prop6sito deserem identificados e nomeados por suas ideias e nao por seus crimes»; ar espei to da «ideologia da normal idade - como base (a s veze s, 56 nomina l) daregu lacao espanhola em mate ria de terrorismo, uid. CANCIO MELIA, JpD,44 (2002), P: 23 e 55.,com referencias,
78 Ma nu el C a nc io M e li a
Dito desde a perspectiva do «inimigo», a pretend ida
auto-exclusao da personalidade por parte deste - mani-
festada na adesao a «sociedade» mafiosa em lugar da
sociedade civil, ou no rechaco da legitimidade do Esta-
do em seu conjunto, tachando-o de «forca de ocupacao»
no Pais Basco - nao deve estar a seu alcance, posto que a
qualidade de pessoa e uma atribuicao/" E 0Estado que
decide, mediante seu ordenamento jurfdico, quem e
cidadao equal e 0 s t a t u s que tal condicao comporta: nao "
e poss_i~.el_~dlll~t_i~postasias d ~ ~ a t u ~ o cidadao. Amaior desautorizacao que pode corresponaer- a -essadefeccao tentada pelo «inimigo» e a reafirmacao do
sujeito em questao pertencer a cidadania geral, isto e, aafirrnacao de que sua infracao e urn delito, nao urn ate
cometido em uma guerra, seja entre quadrilhas ou
contra urn Estado pretendidamente opressor.
Portanto, a questaQ_g~_PQderexistir D i r e i t o penal
do inimigo se resofve-n~g~(lIJ:l_e~!~. Precisamente,da
perspectiva deum entendimento da pena e do Direitopenal, com base na prevencao geral positiva, a reacao
que reconhece excepcionalidade a infracao do «inimi-
go», mediante uma troca de paradigma de prindpios e
regras de responsabilidade penal, e disfuncional, de
acordo com 0 conceito de Direito penal. Desde esta
perspectiva, e possfvel afirmar que 9__«Qil"eit9P~na!» < : l : ~inimigo, jurfdico-posit~~<;~~_~2~~_Il_t~_do Dil"~it<Lp~!!al (do__~ida<i_ao):sao coisas alst~~S. aDireito penal do inimigo p-raHcariieme-·reccmhece, ao
optar por uma reacao estruturalmente divers a, excepcio-
nal, a competencia normativa (a capacidade de questio-nar a norma) do infra tor; mediante a demonizacao de
68 Concre tamente, em nossas soc iedades (Estados de Dire ito a tuais) e ssen-cialmente - e, desde logo, no que se refere a sua posicao como possiveisinfratores de normas penais - corresponde a todos os seres humanos, emvirtude de sua condicao humana; por isso, nao pode haver «exclusao- sem
ruptura do sistema.
Direito Penal do Inimigo 79
5/10/2018 JAKOBS, MELIÁ - Direito-Penal-Do-Inimigo - slidepdf.com
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grupos de autores, implicita em sua tipificacao - uma
forma exacerbada de reprovacao - da propagacao deseus atos. Em consequencia, a funcao do Direito penal
do inimigo provavelmente tenha que ser vista na criacao(artificial) de criterios de identidade entre os excluden-
tes, mediante a exclusao. Isso tambern se manifesta nas
formulacoes tecnicas dos tipos.
3.2.3. 0 D ir eito p en al d o in im ig o c om oD ir eito p en al d o a uto r
Finalmente, incumbe agora realizar uma brevfssi-
rna reflexao no que tange a manifestacao tecnico-juridica
rnais destacada da funcao divergente da pena do Direito
penal do inimigo: a incompatibilidade do Direito pen~
do inimigo com 0 pffi lCI£!Omaoduelto penal do fato.
Como e sabido:-~-Dir~ito penal do inimlgo jurfdico-
positivo vulnera, assim se afirma habitualmente na
discussao, em diversos pontos, 0 principio do direitopenal do fato. Na doutrina tradicional, 0 principio do
direito penal do fa to se entende como aquele princfpio
genuinamente liberal, de acordo com 0 qual dev~L....
excluidos cia re~onsapDidacie juridico-penal - a s meros __peI5~am-en!9s.~_-istoe, recha<;ando-l)~m-D~ieitoyenal_orientado na «atitude interna», do autor.s? C6nsideran-do:'se -es-te-p-onfo de--part id~-~~ere~t~mente ate suas
ultimas consequencias - merito que corresponde a Ja-
kobs70 -, fica claro que numa sociedade moderna, com
6 9 V id ., par exemplo, STRATENWERTH, S tr afr ec ht A llg em ein er T eil I. D ie
Straftat , 4a edicao, 2000, 2/25 e ss.; recentemente, com algo mais de detalhe,
efr. HIRSCH, em: F es ts cg ri ft fu r K la us L ii de rs se n z um 65. Geburisiag , 2002, p.253 e ss. .
70A argumentacao decisiva esta em ZStW, 97 (1985), p. 761 (como se recor-
dara, se trata do mesmo trabalho em que tambem se introduziu 0 conceito
de Direito penal do inimigo); urn ponto de partida - a normatizacao do
princfpio do direito penal do fato e, com isso, da nocao de esfera privada
neste contexto - que, no que pode ser visto, nao tern merecido uma grande
atencao na discussao hum ana.
80 Ma nu el C an ci o M e li a
I
i
\f
II,
t
1II
JI
I}
I4·
I
I
J
i:
boas razoes funcionais, a esfera de intimidade atribuida
ao cidadao nao pode ficar limitada aos impulsos dos
neur6nios - algo mais que a liberdade de pensamento -.
Isto cristaliza na necessidade estrutural de urn «fato»
como conteudo central do tip? (Direito penal do fato em
-1ugafde Direito penal do autor).
Ao examinar-se, por este prisma - por exemplo, noDireito penal espanhol relativo ao terrorismo, depois
das ultimas modificacoes legislativas havidas - a ampla
elirniriacao iuspositiva dasdiferencas entre prepara<;ao e
tentati~T_~!!tre participa<;~o e autoria, inclusive entrefins-~!L~~~0Ial?oia~~0-com-uma6rganiza<;ao terro-
rfsta.,71 dificilmente ~er exmagerad6 falar de tim
-Direito penal do autor: mediante sucessivas ampliacoes
se tern alcancado urn ponto no qual «estar ai» de algum
Illod.o,«£azer-par.te»_de_~lguIl.1amaneira, «ser urn .deles», .ainda que so setaeIn~~£{rito~-~--su-ficiente. 56 assim se
pode explicar que no CP espanhol de 1995':: por mencio-
nar urn so exemplo - se tenha introduzido a figura do~~~!!gIi~t~mi~dividual»,72 uma tipificacao que nao seencaixa de neMurrCmoao-com a orientacao da regulacao
espanhola neste setor, estruturada em torno a especialpericulosidade das organizacoes terroristas.
Esta segunda divergencia e, como ocorre com a
funcao da pena que a produz, estrutural: nao e que haja
urn cumprimento melhor ou pior do principio do direito
penal do fato - 0 que ocorre em muitos outros ambitos
de «antecipacao» das barreiras de punicao - mas que a
regulacao tern, desde 0 inicio, uma direcao centrad a na
identificacaodeum determinado grupode sujeitos - os«inimigos» - mC!_i~mqi.i~~~.e~i~~a_§=a(11Ii1m«fato».
71Cfr. a respeito de diversos tiposindividuais, a analise emCANCIO MELIA,JpD, 44 (2002), p. 25 e ss.
72Cfr. s6 CANCIO MELIA, JpD, 44 (2002), p. 25 e s.
Direito Penal do Inirnigo 81