Jackson Willian Marques da Fonseca
A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11
Dissertaccedilatildeo de Mestrado
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para ob-tenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Teologia Aprovada pela co-missatildeo examinadora abaixo assinada
Prof Isidoro Mazzarolo
Rio de Janeiro Novembro de 2016
Jackson Willian Marques da Fonseca
A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para ob-tenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Teologia Aprovada pela co-missatildeo examinadora abaixo assinada
Prof Isidoro Mazzarolo
Orientador
Departamento de Teologia ndash PUC-Rio
Prof Waldecir Gonzaga
Departamento de Teologia ndash PUC-Rio
Prof Paulo Severino Da Silva Filho
Igreja Presbiteriana do Brasil
Profordf Monah Winograd
Coordenadora Setorial de Poacutes-Graduaccedilatildeo e Pesquisa
do Centro de Teologia e Ciecircncias Humanas ndash PUC-Rio
Rio de Janeiro 12 de dezembro de 2016
Todos os direitos reservados Eacute proibida reproduccedilatildeo total ou parcial do trabalho sem autorizaccedilatildeo da universidade do autor e do orientador
Jackson Willian Marques da Fonseca
Cursou o Seminaacuterio Teoloacutegico Presbiteriano Rev Ashbel Green Simonton (2004) e o Centro de Poacutes-Graduaccedilatildeo An-drew Jumper (2010) Graduou-se em teologia pela Universi-dade Presbiteriana Mackenzie (2012) Eacute ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) Leciona desde 2010 disciplinas relacionadas agrave exegese do Novo Testamento no Seminaacuterio Presbiteriano Simonton
Ficha Catalograacutefica
CDD 200
Fonseca Jackson Willian Marques da
A exaltaccedilatildeo de Jesus em Filipenses 29-11 Jackson Willian Mar-
ques da Fonseca orientador Isidoro Mazzarolo ndash 2016
171 f 30 cm
Dissertaccedilatildeo (mestrado)ndashPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio
de Janeiro Departamento de Teologia 2016
Inclui bibliografia
1 Teologia ndash Teses 2 Exaltaccedilatildeo de Jesus 3 Filipenses 29-11
4 Senhor 5 Cristologia do Novo Testamento 6 Hino cristoloacutegico I
Mazzarolo Isidoro II Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Ja-
neiro Departamento de Teologia III Tiacutetulo
AGRADECIMENTOS
Agrave minha matildee Aurelidia Marques da Fonseca e minha avoacute Liacutedia Vasconcelos que me incentivaram e me deram condiccedilotildees de estudar a Escritura como Palavra de Deus
Agrave minha esposa Liz Mary da Silva Marques companheira e amor de toda a minha vida sem a qual vitoacuterias natildeo seriam alcanccediladas nem seriam celebradas
Agraves minhas filhas Taissa da Silva Marques e Sarah da Silva Marques A existecircncia de vocecircs traz alegria ao meu coraccedilatildeo e um sorriso aos laacutebios
Agrave Igreja Presbiteriana do Brasil que me daacute o privileacutegio de exercer o ministeacuterio de ensinar a Palavra de Deus como pastor de ovelhas e professor de futuros pastores
Agrave Igreja Presbiteriana das Aacuteguas comunidade onde o meu coraccedilatildeo cristatildeo tem sido renovado e que me possibilita dedicar o tempo necessaacuterio ao estudo
Ao meu orientador Professor Isidoro Mazzarolo pelo acompanhamento atencioso e incentivo constantes que me impulsionaram agrave realizaccedilatildeo deste trabalho
A todo o Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Teologia da PUC-Rio por toda a estrutura acadecircmica disponibilizada e especialmente os seus professores que com excelecircncia ofereceram preciosa contribuiccedilatildeo a minha formaccedilatildeo
Ao Programa de bolsas de fomento CAPESPROSUP do ministeacuterio de educaccedilatildeo que ofereceu as condiccedilotildees financeiras adequadas para o cumprimento de todas as exigecircncias do curso de mestrado
E sobretudo agradeccedilo aquele que eacute soberano sobre todas as coisas que me susten-tou graciosamente em todas as circunstacircncias sendo o sentido uacuteltimo de toda e qualquer realizaccedilatildeo
Resumo
Fonseca Jackson Willian Marques da Mazzarolo Isidoro (Orientador) A
exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Dissertaccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro
Filipenses 26-11 eacute texto fundamental na cristologia do cristianismo primi-
tivo e neotestamentaacuteria Inserido na parecircnese da carta de Paulo aos Filipenses a
passagem desenvolve uma narrativa cristoloacutegica que comeccedila na preexistecircncia
passa pela encarnaccedilatildeo e culmina na exaltaccedilatildeo de Jesus No contexto da carta funci-
ona como um chamado eacutetico aos que estatildeo ldquoem Cristordquo agrave obediecircncia ao Senhor
exaltado Literariamente o texto eacute um hino composto de duas partes 26-8 e 29-11
e a leitura proposta eacute ver nesta segunda seccedilatildeo o cliacutemax do hino que justamente trata
da exaltaccedilatildeo de Jesus O tema da exaltaccedilatildeo eacute apresentado dentro de uma perspectiva
escatoloacutegica pois o iniacutecio do senhorio de Jesus eacute o cumprimento da esperanccedila isra-
elita no triunfo de Deus eacute a virada escatoloacutegica que traz o tempo de salvaccedilatildeo Atra-
veacutes da exaltaccedilatildeo Deus compartilhou com seu Filho a soberania sobre o universo
implicando que todos os seres precisam agora dobrar os joelhos diante de Jesus e
reconhececirc-lo como Senhor Aqueles que jaacute fazem isso voluntariamente vivenciam
antecipadamente o que seraacute a realidade escatoloacutegica final Esse novo papel de Jesus
eacute descrito pelo tiacutetulo κύριος que combinado com outros elementos do texto atribui
a ele contornos divinos e de igualdade com YHWH aleacutem de uma oposiccedilatildeo agraves ide-
ologias romanas A exaltaccedilatildeo de Jesus tambeacutem estaacute ligada com a revoluccedilatildeo cristo-
loacutegica que aconteceu no culto cristatildeo primitivo quando os cristatildeos judeus adoraram
Jesus ao lado de Deus Pai sem renunciar ao seu monoteiacutesmo O final do hino enfa-
tiza exatamente que a exaltaccedilatildeo de Jesus foi conduzida por Deus e resulta em sua
proacutepria gloacuteria
Palavras-Chave
Exaltaccedilatildeo de Jesus Filipenses 29-11 Senhor cristologia do Novo Testa-mento hino cristoloacutegico
Abstract
Fonseca Jackson Willian Marques Mazzarolo Isidoro (Orientador) The
Exaltation of Jesus in Phil 29-11 Rio de Janeiro 2016 p 171 Disserta-ccedilatildeo de Mestrado ndash Departamento de Teologia Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro
Philippians 26-11 is a fundamental text in the Christology of early Christi-
anity and the New Testament Inserted in the parenesis of Pauls letter to the Philip-
pians the passage develops a Christological narrative that begins in the preexist-
ence passes through the incarnation and culminates in the exaltation of Jesus In
the context of the letter functions as an ethical call to those who are in Christ in
obedience to the exalted Lord Literarily the text is a hymn composed of two parts
26-8 and 29-11 and the proposed reading is to see in this second section the climax
of the hymn which precisely deals with the exaltation of Jesus The theme of exal-
tation is displayed within an eschatological perspective since the beginning of the
lordship of Jesus is the fulfillment of the Israelite hope in the triumph of God it is
the eschatological turn that brings the fulfillment of salvation Through exaltation
God shared with His Son the sovereignty over the universe implying that all beings
must now bend to his knees before Jesus and acknowledge him as Lord Those who
already do so voluntarily experience in advance what will be the reality of the es-
chatological end This new role of Jesus is described by the title κύριος which com-
bined with the other elements of the text gives it contours to the divine and equality
with YHWH in addition to opposition to Roman ideologies The exaltation of Jesus
is also connected to the Christological revolution that happened in the worship of
the early Christian when the Jewish Christians worshipped Jesus alongside God
the Father without giving up their monotheism The end of the hymn emphasizes
exactly that the exaltation of Jesus was led by God and results in his own glory
Keywords
Exaltation of Jesus Philippians 29-11 the Lord Christology of the New Testament Christological hymn
Sumaacuterio
1 Introduccedilatildeo 10
2 O texto a carta e o contexto 17
21 A cidade de Filipos 17
22 Paulo e a igreja de Filipos 20
23 A carta aos Filipenses 26
231 Autoria e integridade da carta 26
232 Objetivo da carta 28
233 Estrutura da carta 29
24 Criacutetica Textual de Fl 29-11 30
25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11 32
26 Delimitaccedilatildeo de Fl 29-11 32
3 Status Quaestionis da pesquisa a respeito de Fl 26-11 35
31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea 35
32 A pesquisa sobre o gecircnero e a estrutura de Fl 26-11 36
33 A pesquisa sobre autoria e origem de Fl 26-11 40
34 O pano de fundo de Fl 26-11 45
35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica) 48
4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e seu novo nome 59
41 Introduccedilatildeo do capiacutetulo 59
42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus 61
43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω 63
431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular 63
432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento 66
433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68
4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina 68
4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico 71
434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia 75
435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo 82
44 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a doaccedilatildeo de um novo nome 84
441 O verbo χαρίζομαι 84
442 O nome dado a Jesus 85
4421 ldquoNomerdquo no Antigo Testamento e no judaiacutesmo 86
4422 ldquoNomerdquo no Novo Testamento 87
4423 A identificaccedilatildeo do nome dado a Jesus em Fl 29 88
45 Conclusatildeo do capiacutetulo 92
5 A reverecircncia e a confissatildeo ao Jesus exaltado 96
51 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 96
52 Isaiacuteas 4523 e a exaltaccedilatildeo de Jesus 96
53 Accedilotildees feitas ldquoem nome de Jesusrdquo 100
54 Joelhos dobrados ao nome de Jesus 102
55 O alcance da reverecircncia a Jesus no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 103
56 E toda liacutengua confesse 106
57 O significado biacuteblico-teoloacutegico da reverecircncia oferecida em Fl 210-11 108
571 Quem reverencia e quem eacute reverenciado 108
572 Quando eacute reverenciado 111
58 Fl 210-11 e a adoraccedilatildeo a Jesus 117
59 Conclusatildeo do capiacutetulo 120
6 Jesus eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai 122
61 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo 122
62 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 122
621 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo no Novo Testamento 123
622 A confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo em Fl 211 128
63 O tiacutetulo κύριος atribuiacutedo a Jesus 129
631 Panorama da atribuiccedilatildeo de κύριος Jesus no Novo Testamento 129
632 Panorama da histoacuteria da pesquisa sobre o tiacutetulo κύριος 131
633 A importacircncia teoloacutegica de confessar Jesus como Senhor 134
64 Para gloacuteria de Deus Pai 140
65 Monoteiacutesmo cristoloacutegico 143
66 Conclusatildeo do capiacutetulo 148
7 Conclusatildeo 149
8 Referecircncias bibliograacuteficas 162
ABREVIATURAS
BAGD - A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early
Christian Literature
Cf ndash Conferir
DENT ndash Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento
DITAT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento
DLNTD - Dictionary of the Later New Testament its Developments
DPL ndash Dicionaacuterio de Paulo e suas cartas
DITNT ndash Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Novo Testamento
IDB - The Interpreterrsquos Dictionary of the Bible
NCBSJ ndash Novo Comentaacuterio Biacuteblico Satildeo Jerocircnimo
NDITEAT ndash Novo Dicionaacuterio Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento
TDNT ndash Theological Dictionary of the New Testament
1 Introduccedilatildeo
A pesquisa ora apresentada estaacute situada dentro da ciecircncia teoloacutegica no
campo da teologia biacuteblica do Novo Testamento mais especificamente nas aacutereas
dos estudos da teologia paulina e do cristianismo primitivo O objeto material eacute o
texto biacuteblico paulino de Filipenses 29-11 e o objeto formal a partir deste texto eacute o
tema da exaltaccedilatildeo de Jesus Ele aparece no texto pela utilizaccedilatildeo do verbo
uperuyow e os conceitos relacionados a essa accedilatildeo de Deus exaltar Jesus um nome
que foi dado a ele diante desse nome haveraacute uma reverecircncia universal haacute uma
confissatildeo a ser feita e tudo isso ocorre para gloacuteria de Deus Pai
O objetivo do trabalho eacute apresentar uma compreensatildeo exegeacutetica do texto
salientando os aspectos literaacuterios histoacutericos e principalmente teoloacutegicos Na
perspectiva literaacuteria busca-se atraveacutes da criacutetica textual anaacutelise semacircntica sintaacuteti-
ca traduccedilatildeo delimitaccedilatildeo anaacutelise das formas anaacutelises linguiacutesticas e anaacutelises reda-
cionais entender o significado do texto em si e na sua relaccedilatildeo com a carta aos Fili-
penses Na dimensatildeo histoacuterica a proposta eacute investigar o uso de toda a periacutecope de
Fl 26-11 como um hino no culto cristatildeo primitivo anterior ou paralelo ao ministeacute-
rio de Paulo avaliar o seu significado dentro do desenvolvimento do cristianismo
primitivo e a interaccedilatildeo da sua mensagem com algumas cosmovisotildees contemporacirc-
neas como o judaiacutesmo o helenismo e a cultura romana Teologicamente a inten-
ccedilatildeo eacute verificar como o texto descreve o tema central da exaltaccedilatildeo de Jesus e sua
inter-relaccedilatildeo com outros toacutepicos teoloacutegicos tambeacutem presentes na periacutecope e im-
portantes para a feacute cristatilde como o monoteiacutesmo a divindade de Jesus a escatolo-
gia o culto cristatildeo e a atuaccedilatildeo de poderes celestiais no mundo para entatildeo extrair
as implicaccedilotildees dessa narrativa para a compreensatildeo tanto da teologia paulina
quanto da teologia do cristianismo primitivo
Estes objetivos jaacute indicam a relevacircncia acadecircmica do empreendimento
mormente para a pesquisa teoloacutegica Explicitando esta relevacircncia pode-se desta-
car a princiacutepio a importacircncia de investigar como Paulo e os primeiros cristatildeos
entenderam e articularam a sua feacute na exaltaccedilatildeo de Jesus Em decorrecircncia deste
toacutepico a pesquisa contribuiraacute para a compreensatildeo da elaboraccedilatildeo cristoloacutegica ocor-
rida entre os primeiros cristatildeos no periacuteodo entre as deacutecadas de 30 e 60 do primeiro
seacuteculo O trabalho tambeacutem seraacute importante para sublinhar os contornos poliacuteticos e
11
socioloacutegicos da feacute professada pelos primeiros cristatildeos especialmente para os ci-
dadatildeos de Filipos destino da carta paulina estudada tendo em vista a forte ligaccedilatildeo
entre a cidade de Filipos e a capital do impeacuterio romano Outrossim a proacutepria anaacute-
lise exegeacutetica que seraacute oferecida estando os versiacuteculos 29-11 inseridos em uma
periacutecope central do corpus paulino eacute outro indiacutecio do valor cientiacutefico desta disser-
taccedilatildeo oferecendo a outros um exemplo da metodologia exegeacutetica aplicada E con-
siderando a enorme bibliografia associada agrave exegese desta passagem o trabalho
contribuiraacute para informar o status atual da pesquisa acadecircmica apresentando as
principais discussotildees e soluccedilotildees propostas
Para alcanccedilar os objetivos elencados acima foram usadas a priori as eta-
pas da metodologia histoacuterico-criacutetica conforme apresentadas por Wegner a saber
criacutetica textual traduccedilatildeo anaacutelise literaacuteria (incluindo delimitaccedilatildeo avaliaccedilatildeo da es-
trutura do texto verificaccedilatildeo do uso de fontes sobretudo veterotestamentaacuterias)
anaacutelise redacional dos contextos anaacutelise das formas (a discussatildeo sobre o gecircnero
literaacuterio do texto) e anaacutelise da histoacuteria das tradiccedilotildees1 Nem todas essas etapas apa-
recem explicitamente no decorrer do trabalho constituindo-se o mesmo como
aquilo que Lima denomina ldquocomentaacuterio exegeacuteticordquo isto eacute o resultado final da
exegese que pressupotildee diversas tarefas metodoloacutegicas2 Natildeo obstante para me-
lhor estudar o texto escolhido as etapas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico seratildeo com-
plementadas por outras metodologias Aqui entraratildeo em consideraccedilatildeo as anaacutelises
sincrocircnicas com as perspectivas linguiacutestico-sintaacutetica semacircntica e pragmaacutetica em
especial esta uacuteltima utilizada na discussatildeo sobre Fl 210-11 no capiacutetulo 4 Tam-
beacutem complementaraacute a pesquisa a abordagem socioloacutegica aproveitando-se dos
estudos de J H Hellerman a fim de verificar a interaccedilatildeo entre a mensagem do
texto e a cultura romana predominante na cidade de Filipos E ainda como com-
1 WEGNER U Exegese do Novo Testamento passim 2 LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 165-170
12
plementaccedilatildeo ao meacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicional3 seratildeo desenvolvidas no esco-
po do trabalho as anaacutelises de conteuacutedo e teoloacutegica como indicadas por Wegner
identificando os conteuacutedos que a passagem quer ressaltar suas interaccedilotildees impli-
caccedilotildees e avaliaccedilatildeo teoloacutegica dos mesmos
O conteuacutedo do trabalho foi distribuiacutedo em cinco etapas A primeira tem
como objetivo responder ao que Fitzmyer chama de ldquoperguntas iniciasrdquo na aplica-
ccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico4 Dessa forma buscar-se-aacute aqui caracterizar os
destinataacuterios da carta aos Filipenses descrevendo histoacuterica e sociologicamente a
cidade de Filipos e seus moradores e pelo mesmo acircngulo discorrer sobre a atua-
ccedilatildeo de Paulo naquele lugar e a sobre a comunidade cristatilde resultante da atuaccedilatildeo do
apoacutestolo ali Esta etapa tambeacutem seraacute o espaccedilo para a discussatildeo de questotildees intro-
dutoacuterias relativas ao documento canocircnico Carta aos Filipenses Quem escreveu
Quando Onde Por que A carta eacute um documento uacutenico ou eacute a compilaccedilatildeo de
dois ou trecircs documentos anteriores Como se encontra atualmente no cacircnon do
Novo Testamento qual eacute a sua estrutura como seu conteuacutedo estaacute organizado E
finalmente esta etapa que se constituiraacute no primeiro capiacutetulo da dissertaccedilatildeo faraacute o
estabelecimento do texto a ser trabalhado mediante a criacutetica textual a traduccedilatildeo e
delimitaccedilatildeo
A segunda etapa da pesquisa se propotildee ao status quaestionis da exegese da
passagem Considerando que uma das teses defendidas neste trabalho eacute que a pe-
riacutecope de Fl 26-11 eacute uma narrativa teoloacutegica composta por duas partes e com dois
temas distintos embora interligados a saber 26-8 a encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo do
filho de Deus e 29-11 a exaltaccedilatildeo de Jesus e considerando ainda que esta pesqui-
sa estaacute delimitada no tema da exaltaccedilatildeo de Jesus a dissertaccedilatildeo como um todo es-
3 Por ldquomeacutetodo histoacuterico-criacutetico tradicionalrdquo entende-se as etapas apresentadas na apresentaccedilatildeo do
meacutetodo pelos seguintes autores LIMA M L C Exegese Biacuteblica teoria e praacutetica p 75-76
(criacutetica textual traduccedilatildeo criacutetica literaacuteria criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica da redaccedilatildeo criacutetica das tradiccedilotildees comentaacuterio exegeacutetico) SCHNELLE U Introduccedilatildeo agrave Exegese do
Novo Testamento p 47-48 (criacutetica textual anaacutelise textual criacutetica literaacuteria e das fontes histoacuteria
das formas histoacuteria da tradiccedilatildeo histoacuteria dos conceitos e motivos comparaccedilatildeo sociorreligiosa
histoacuteria da redaccedilatildeo) FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p28-32 (perguntas introdutoacuterias
criacutetica textual anaacutelise filoloacutegica criacutetica das fontes anaacutelise dos gecircneros criacutetica das tradiccedilotildees criacuteti-
ca da redaccedilatildeo) SILVA C M D Metodologia de exegese biacuteblica p 11 passim que defende apoacutes a criacutetica textual e a delimitaccedilatildeo a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas sincrocircnicas para entatildeo utilizar as
metodologias diacrocircnicas do meacutetodo histoacuterico-criacutetico que apresenta como criacutetica literaacuteria criacutetica
dos gecircneros literaacuterios criacutetica da tradiccedilatildeo criacutetica da redaccedilatildeo) Em geral as etapas propostas para a
exegese diacrocircnica no Antigo Testamento satildeo as mesmas para o Novo Por exemplo SIMIAN-
YOFRE H (coord) Metodologia do Antigo Testamento p 73-108 informa o seguinte caminho
apoacutes a criacutetica textual criacutetica da constituiccedilatildeo do texto criacutetica da redaccedilatildeo e da composiccedilatildeo criacutetica da transmissatildeo criacutetica da forma criacutetica do gecircnero literaacuterio criacutetica das tradiccedilotildees 4 FITZMYER J A A Biacuteblia na Igreja p 28
13
taraacute necessariamente fixada na segunda parte da passagem No entanto como se
trata de apenas uma uacutenica periacutecope as discussotildees introdutoacuterias sempre dizem res-
peito ao conjunto integral de Fl 26-11
Dessa forma a segunda etapa pretende mostrar que a exegese contemporacirc-
nea de Fl 26-11 remonta ao estudo do texto por Ernst Lohmeyer em 1928 Quase
90 anos depois eacute possiacutevel constatar alguns toacutepicos centrais na literatura acadecircmica
especializada Primeiro a discussatildeo sobre o gecircnero e a estrutura da passagem
Qual eacute o gecircnero literaacuterio especiacutefico desta periacutecope hino prosa exaltada encocircmio
ou ainda um outro gecircnero Em quantas partes o segmento deve ser dividido duas
trecircs ou quatro estrofes Quantos e quais versos devem ser colocados em cada es-
trofe A estrutura do suposto hino original eacute diferente desta encontrada hoje na
carta aos Filipenses O segundo toacutepico central na pesquisa deste texto estaacute relaci-
onado agrave sua autoria e origem A pergunta eacute se realmente o autor da carta aos Fili-
penses escreveu Fl 26-11 ou ele estaacute citando uma composiccedilatildeo cristatilde jaacute existente
antes da carta Ou ainda seraacute que Paulo estaacute citando um texto composto por ele
mesmo em outra ocasiatildeo Entre os toacutepicos centrais da pesquisa em terceiro lugar
estatildeo as questotildees que dizem respeito ao pano de fundo da passagem O problema
eacute quais satildeo os conceitos religiosos que estatildeo por traacutes de Fl 26-11 Esses concei-
tos vecircm do helenismo religioso do Antigo Testamento do judaiacutesmo ou do cristia-
nismo primitivo Como eles influenciaram esta composiccedilatildeo cristatilde e que tipo de
interaccedilotildees existem entre o texto e esses supostos conceitos O quarto e uacuteltimo
toacutepico central considerado no segundo capiacutetulo eacute acerca da funccedilatildeo que este texto
desempenha na carta aos Filipenses O impasse eacute o seguinte na argumentaccedilatildeo
que Paulo faz na carta o trecho de Fl 26-11 funciona como um exemplo do tipo
de comportamento que ele espera dos seus leitores (interpretaccedilatildeo eacutetica) ou este
texto seria a descriccedilatildeo do evento escatoloacutegico que trouxe os leitores cristatildeos para
o espaccedilo do senhorio de Jesus Cristo e a exortaccedilatildeo paulina seria para que estes
leitores vivessem em conformidade com esta realidade isto eacute em submissatildeo ao
seu senhor e salvador (interpretaccedilatildeo soterioloacutegica)
A terceira etapa da pesquisa ora apresentada vai adentrar na interpretaccedilatildeo
do texto propriamente dito O foco seraacute a interpretaccedilatildeo do versiacuteculo 29 As per-
guntas a serem respondidas satildeo Quem o texto apresenta como responsaacutevel pela
exaltaccedilatildeo de Jesus e qual a importacircncia disso Como a exaltaccedilatildeo era entendida no
Antigo Oriente no judaiacutesmo e nos escritos neotestamentaacuterio natildeo paulinos Como
14
a exaltaccedilatildeo de Jesus aparece na teologia paulina e como ela estaacute diretamente liga-
da agrave visatildeo escatoloacutegica do apoacutestolo Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo descrita em
29 e a preexistecircncia de Cristo apresentada em 26 A exaltaccedilatildeo eacute simples volta agrave
preexistecircncia ou indica um estaacutegio superior Qual a relaccedilatildeo entre a exaltaccedilatildeo de
Jesus apresentada e a cultura romana de exaltaccedilatildeo Qual o significado teoloacutegico
da utilizaccedilatildeo do verbo χαρίζομαι na passagem Qual foi o nome dado a Jesus na
sua exaltaccedilatildeo e qual a importacircncia disso A resposta a todos esses questionamen-
tos vai demonstrar em linhas gerais que Deus Pai exaltou Jesus e o colocou como
Senhor de todo o universo compartilhando com ele seu proacuteprio nome e funccedilatildeo e
tudo isso foi interpretado por Paulo como a grande intervenccedilatildeo escatoloacutegica atra-
veacutes da qual Deus trouxe o uacuteltimo e definitivo eacuteon A forma como tal mensagem
foi apresentada certamente colidiu com a cultura romana de exaltaccedilatildeo pois para
Paulo o que foi exaltado eacute o mesmo que voluntariamente se colocou na posiccedilatildeo de
servo se humilhou e foi morto na cruz
A quarta etapa da dissertaccedilatildeo estudaraacute os versiacuteculos 210-11 com exceccedilatildeo
do segmento ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός reservado ao proacute-
ximo capiacutetulo Aqui trata-se da utilizaccedilatildeo de Is 4523 a releitura cristoloacutegica e
escatoloacutegica feitas neste texto de Isaiacuteas o sentido da expressatildeo ldquoem nome de Je-
susrdquo no periacuteodo e qual significado o autor pretende comunicar atraveacutes das accedilotildees
de dobrar os joelhos e confessar Entre outras questotildees este capiacutetulo pretende
responder Quem eacute o destinataacuterio da reverecircncia indicada em 210-11 (Deus Pai ou
Jesus) Quem o texto pressupotildee que iraacute prestar essa reverecircncia (todos os seres
humanos toda a criaccedilatildeo ou apenas seres e poderes coacutesmicos) A Igreja estaacute inclu-
iacuteda ou natildeo nessa reverecircncia Qual a dimensatildeo temporal do texto eacute algo que jaacute
deve acontecer ou eacute a descriccedilatildeo de um evento futuro Sobretudo esse capiacutetulo seraacute
importante para entrar na discussatildeo da adoraccedilatildeo a Jesus Como a partir de sua
visatildeo escatoloacutegica e por intermeacutedio de uma releitura veterotestamentaacuteria Paulo
inclui o Jesus exaltado como alvo da adoraccedilatildeo que o ser humano deve oferecer
Como ele apresenta a reverecircncia e a confissatildeo a Jesus Cristo como um aconteci-
mento futuro de alcance coacutesmico mas que simultaneamente desafia os ouvintes e
leitores da passagem E como esse entendimento lanccedila luz sobre a praacutetica lituacutergica
dos primeiros cristatildeos
A quinta etapa do trabalho se debruccedila sobre a uacuteltima parte do versiacuteculo
211 a saber ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός Este trabalho
15
adotaraacute como proposta de leitura de todo o conjunto de Fl 26-11 o conceito de
narrativa teoloacutegica e neste modo de ver a passagem alcanccedila o seu cliacutemax neste
ponto ou seja na confissatildeo do senhorio de Jesus O drama soterioloacutegico e escato-
loacutegico desenvolvido na passagem chega neste ponto respondendo agraves seguintes
perguntas Quem eacute Jesus hoje E quem eacute Senhor hoje Dessa forma este quinto
capiacutetulo comeccedilaraacute estudando o significado da confissatildeo ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo
no contexto geral do Novo Testamento e mais especificamente em Fl 211 Uma
atenccedilatildeo especial seraacute dedicada ao tiacutetulo κύριος primeiro identificando na literatu-
ra neotestamentaacuteria os diferentes estaacutegios na aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus perce-
bendo o que era atribuiacutedo a Jesus em cada momento Em seguida apresentar-se-aacute
uma breve histoacuteria da pesquisa sobre a relaccedilatildeo entre a aplicaccedilatildeo do tiacutetulo a Jesus e
sua utilizaccedilatildeo na Septuaginta e dentro do judaiacutesmo tanto anterior quanto posteri-
or agrave Septuaginta A conclusatildeo da discussatildeo sobre κύριος seraacute a avaliaccedilatildeo do signi-
ficado teoloacutegico desta designaccedilatildeo cristoloacutegica isto eacute o que exatamente os primei-
ros cristatildeos estavam atribuindo a Jesus quando o chamaram de Senhor Qual im-
pacto dessa atribuiccedilatildeo na teologia liturgia e praacuteticas cristatildes Quais implicaccedilotildees
poliacuteticas e apologeacuteticas estariam subentendidas sobretudo frente agrave religiosidade
pagatilde e agraves ideologias romanas do culto ao imperador Apoacutes essa discussatildeo seguir-
se-aacute a anaacutelise da uacuteltima expressatildeo da periacutecope para gloacuteria de Deus Pai Entendida
como uma reivindicaccedilatildeo ao monoteiacutesmo esta afirmaccedilatildeo traraacute para o debate o
chamado monoteiacutesmo cristoloacutegico que procura responder como os primeiros cris-
tatildeos judeus puderam incluir Jesus no seu culto sem renunciar ao monoteiacutesmo vete-
rotestamentaacuterio E mais os primeiros cristatildeos judeus acreditavam na divindade de
Jesus Que tipo de argumentaccedilatildeo esteve envolvida nesta construccedilatildeo teoloacutegica
Satildeo questotildees essenciais que aproximaram a pesquisa de temas centrais da feacute cris-
tatilde como a divindade de Jesus e a doutrina da trindade
Com esses cinco capiacutetulos lanccedilando matildeo de extensa pesquisa bibliograacutefi-
ca e tendo como principais referenciais teoacutericos para compreensatildeo da passagem
Ernst Kaumlsemann e Ralph P Martin acredita-se que esta dissertaccedilatildeo ofereceraacute uma
exegese segura do texto de Filipenses 29-11 em conformidade com as metodolo-
gias exegeacuteticas contemporacircneas que aleacutem de contribuir com a proacutepria pesquisa
sobre estes versiacuteculos traraacute luz para alguns toacutepicos da discussatildeo exegeacutetica sobre
Fl 26-11 e sobre a cristologia neotestamentaacuteria em particular a paulina Por con-
seguinte o trabalho ofereceraacute subsiacutedios para a investigaccedilatildeo da cristologia na teo-
16
logia dogmaacutetica e para articulaccedilatildeo de accedilotildees pastorais biacuteblica e cristologicamente
embasadas O resumo das principais conclusotildees a que se chegou na pesquisa seraacute
apresentado na conclusatildeo seguida das referecircncias bibliograacuteficas utilizadas
2 O texto a carta e o contexto
Este capiacutetulo tenciona estabelecer uma aproximaccedilatildeo com o texto de Fl 29-
11 fazendo um olhar panoracircmico dos seus contextos Seguindo a loacutegica do maior
para o menor seratildeo apresentados a cidade de Filipos a igreja que existia na
cidade de Filipos a carta enviada aos cristatildeos dessa igreja e finalmente o texto de
Fl 29-11 objeto material da pesquisa Esta parte introdutoacuteria seraacute muito
importante para evitar que o texto seja estudado como se estivesse isolado no
tempo e no espaccedilo prevenindo assim argumentos anacrocircnicos e de fraacutegil
sustentaccedilatildeo literaacuteria
21 A cidade de Filipos
O texto a ser analisado faz parte da carta que o apoacutestolo Paulo escreveu
aos cristatildeos da cidade de Filipos que em meados do seacuteculo I dC era uma colocircnia
do Impeacuterio Romano da proviacutencia da Macedocircnia
A histoacuteria dessa cidade remonta ao ano 356 a C quando Filipe II rei da
Macedocircnia (o pai do famoso Alexandre o Grande) toma a cidade de Crenides dos
Tracianos e faz do local uma homenagem a si mesmo Filipos a cidade de Filipe5
Para o governante a cidade possuiacutea uma imediata importacircncia econocircmica e
militar pois as minas de ouro da regiatildeo o ajudariam a aparelhar seus exeacutercitos e
financiar suas batalhas6 Apoacutes quase duzentos anos de domiacutenio macedocircnio
Filipos passa para o controle romano em 168 a C quando o general romano
Emiacutelius Paulus derrota o rei macedocircnico Perseu e faz da Macedocircnia uma
proviacutencia romana dividida em quatro subproviacutencias uma das quais era o proacuteprio
5 A fundaccedilatildeo da cidade de Crenides ocorreu menos de cinco antes da accedilatildeo de Filipe II e remonta a um exilado ateniense chamado Caliacutestrato que foi para a regiatildeo com um grupo de colonizadores OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 3 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos
urbanos p 107 BRUCE F F Filipenses p 12 6 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355
18
distrito da Macedocircnia no qual estava localizado Filipos7 Em 148 aC a
Macedocircnia eacute feita uma proviacutencia senatorial8 mas a importacircncia econocircmica da
cidade diminui devido agrave exaustatildeo dos recursos minerais9 A situaccedilatildeo muda no
seacuteculo I a C quando duas batalhas decisivas para a histoacuteria do Impeacuterio Romano
ocorrem proacuteximas a Filipos Em 42 aC as tropas lideradas por Brutus e Caacutessio
satildeo derrotadas pelo exeacutercito de Antocircnio e Otaviano pondo fim a era da Repuacuteblica
Romana10 A cidade eacute refundada por Antocircnio como Colonia Julia Filipense11 e eacute
iniciada uma intensa colonizaccedilatildeo romana quando ele transfere para laacute os veteranos
da sua vigeacutesima oitava legiatildeo12 Em 31 aC na mesma regiatildeo Antocircnio eacute
derrotado por Otaviano surgindo assim o Impeacuterio Romano propriamente dito
posto que em 29 aC ele eacute proclamado Imperador e em 27 a C Augustus13 Em
comemoraccedilatildeo ao tiacutetulo a cidade de Filipos recebeu um novo nome Vitoriosa
Colocircnia Augusto Juacutelia dos Filipenses14 Otaviano intensificou a colonizaccedilatildeo
romana levando para Filipos outro grupo de soldados veteranos (das tropas
derrotadas de Antocircnio) inclusive a coorte de pretorianos junto com famiacutelias
italianas que tiveram suas posses confiscadas por apoiarem Antocircnio15
O status de colocircnia desde 42 aC trouxe ganhos significativos para a
cidade de Filipos Ela possuiacutea uma administraccedilatildeo proacutepria a cargo de magistrados e
oficiais16 Os cidadatildeos eram considerados cidadatildeos romanos como se em Roma
estivessem Nos roacuteis das tribos da cidade de Roma os cidadatildeos romanos de Filipos
7 Embora a capital desse distrito fosse Tessalocircnica At 1612 registra ldquoFilipos cidade principal daquela regiatildeo da Macedocircnia e tambeacutem colocircnia romanardquo Cf BRUCE F F Filipenses p 12 sugere que a melhor traduccedilatildeo para esse verso eacute ldquo lsquoFilipos a primeira cidade dessa regiatildeo da Macedocircniarsquo ndash isto eacute o primeiro entre os quatro distritos em que a Macedocircnia fora dividida em 167 aCrdquo 8 Segundo OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 14-15 e HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 355 isto ocorreu em 146 aC As proviacutencias podiam ser imperatorias (como a Siacuteria e a Galaacutecia-Licaocircnia) quando eram governadas por uma administraccedilatildeo militar subordinada diretamente ao imperador (geralmente nas fronteiras ou em cidades estrateacutegicas) ou senatorais (como Chipre Acaia e Macedocircnia) quando possuiacuteam uma administraccedilatildeo civil razoavelmente independente e ao mesmo tempo estavam pacificadas a ponto de natildeo precisarem de um contingente militar fixo Cf REICKE BO Histoacuteria do Tempo do
Novo Testamento p 236-237 e KOESTER Helmut Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 328 9 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 356 10 OROFINO Francisco op cit p 14 11 A praacutetica dos romanos de criarem colocircnias para garantir seus domiacutenios remonta ao seacuteculo IV a C quando a proacutepria Roma garantiu o domiacutenio da Itaacutelia atraveacutes da instalaccedilatildeo de colocircnias Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 12 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 107 13 Cf OROFINO Francisco op cit p 14-15 14 Em latim Colonia Julia Augusta Victrix Philippensium 15 BRUCE F F Filipenses p 12 16 O termos latinos respectivamente satildeo duumviri e lictores que em Atos 1622 e 35 aparecem traduzidos para o grego como στρατηγοὶ e ῥαβδοῦχος
19
estavam inscritos na lista da tribo Voltinia17 A colocircnia recebeu o direito ao Jus
Italicum que proporcionava a sua populaccedilatildeo privileacutegios econocircmicos (isenccedilatildeo de
impostos sobre as Terras agricultaacuteveis e o direito a negociar ou conservar estas
Terras) poliacuteticos (independecircncia de receber interferecircncia do governador da
proviacutencia e possibilidade de regulamentar seus proacuteprios assuntos ciacutevicos) e
militares (proteccedilatildeo contra prisotildees arbitraacuterias e castigos corporais como flagelaccedilatildeo
e crucificaccedilatildeo)18 A importacircncia do status de colocircnia e os efeitos sociais
decorrentes satildeo bem expostos por W Barclay
Estas colocircnias tinham uma grande caracteriacutestica proacutepria Onde quer que existiam constituiacuteam pequenos fragmentos de Roma e a nota dominante era o orgulho de sua cidadania romana Se falava o idioma de Roma se usavam vestimentas romanas se observavam costumes romanos seus magistrados tinham tiacutetulos romanos e observavam as mesmas cerimocircnias que em Roma Onde quer que estivessem as colocircnias eram obrigatoacuteria e inalteravelmente romanas Nunca lhe ocorrera assimilar-se ao povo que laacute vivia Eram parte de Roma miniatura da cidade de Roma e jamais esqueciam disso19
Este processo de colonizaccedilatildeo fez a populaccedilatildeo de Filipos ser
predominantemente romana convivendo no entanto com antigos moradores
traacutecios e gregos aleacutem de grupos de imigrantes vindos do Egito da Anatoacutelia e da
Palestina20 Todos esses grupos formavam na metade do seacuteculo I dC um
contingente populacional em torno de 10 mil moradores21 sendo o latim o idioma
corrente e o grego possivelmente utilizado nas transaccedilotildees comerciais22 A parte
construiacuteda da cidade era pequena natildeo ultrapassando 1km223 A economia estava
baseada na agricultura e no comeacutercio este impulsionado pela Via Egnatia uma
importante rota comercial que ligava Roma agrave parte oriental do impeacuterio
culminando na cidade de Bizacircncio futura Constantinopla capital imperial no
seacuteculo IV dC24 Os habitantes tinham bom niacutevel de instruccedilatildeo e usando categorias
atuais a cidade poderia ser classificada como de classe meacutedia alta25 A realidade
religiosa da cidade no seacuteculo I d C era de grande sincretismo Existiam lado a
17 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 471 HELLERMAN Joseph H Vindicating
Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi
upon the Composition of Philippians 26-11 p88 Este uacuteltimo afirma que quando uma colocircnia romana era fundada ela era identificada como uma das tribos romanas 18 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 357-358 19 BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 10 20 MEEKS Wayne Os primeiros cristatildeos urbanos p 108-109 21 FOWL Stephen E Philippians p 12 22 OROFINO Francisco Filipos ndash ldquoColocircnia Agustus Iulia Victrix Philippensiumrdquo p 15 23 MEEKS Wayne op cit p 109-110 24 SCHNELLE Udo op cit p 464 OROFINO Francisco op cit p 16 25 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 11
20
lado o culto ao imperador e a adoraccedilatildeo de divindades gregas romanas egiacutepcias
aleacutem de deuses locais26 Segundo o relato de Atos 16 tambeacutem haviam judeus e
proseacutelitos do judaiacutesmo na cidade embora em nuacutemero reduzido A existecircncia de
uma sinagoga em Filipos soacute eacute atestada a partir do seacuteculo III dC27 Quando o
apoacutestolo Paulo chegou na cidade ela era de fato um centro urbano e poliacutetico na
regiatildeo28
22 Paulo e a igreja de Filipos A primeira visita de Paulo agrave cidade de Filipos ocorreu entre os anos de 48-
50 dC Ali o apoacutestolo fundou sua primeira comunidade em solo europeu O livro
de Atos narra a passagem de Paulo pela cidade em 1611-40 Embora a
fidedignidade histoacuterica deste capiacutetulo de Atos seja bastante discutida seus dados
essenciais satildeo considerados confiaacuteveis e uacuteteis para melhor compreensatildeo do iniacutecio
da igreja em Filipos29 Nessa perspectiva apoacutes alguns dias na cidade Paulo e seu
grupo de colaboradores missionaacuterios30 encontraram um lugar de oraccedilatildeo
26 Segundo BARTH Gerhard A carta aos Filipenses 1983 p 5 escavaccedilotildees comprovaram a existecircncia de mais de 24 divindades diferentes cultuadas em Filipos 27 SCHNELLE Udo Paulo vida e pensamento p 465 nota 29 28 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 62 29 Ibid p 173 ldquoEmbora a narrativa em At 1616-2223-40 esteja enfeitada com traccedilos lendaacuterios seu cerne histoacuterico eacute confirmadordquo Mais otimista eacute HELLERMAN Joseph H Vindicating
Godrsquos Servants in Phillippi and in Philippians ndash The influence of Paulrsquos Ministry in Philippi
upon the Composition of Philippians 26-11 p85-102 que vai construir toda uma interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 baseado na narrativa de Atos 1611-40 Um balanccedilo atual sobre a importacircncia de Atos para a reconstruccedilatildeo da cronologia paulina eacute feito por EDO Pablo M Cronologiacuteas Paulinas un
estado de la questioacuten p 177-198 Segundo ele tanto as informaccedilotildees das cartas quanto de Atos devem ser avaliadas criticamente mas a utilizaccedilatildeo do livro de Atos como fonte reduz de forma significativa as suposiccedilotildees e elaboraccedilotildees criativas dos pesquisadores 30 Considerando o relato de Atos eacute provaacutevel que a visita de Paulo a Filipos tenha sido acompanhada por Silas Timoacuteteo e Lucas O primeiro partiu junto com o apoacutestolo nessa viagem (At1540) Logo a seguir Timoacuteteo uniu-se aos dois (At 163) E eacute a partir de At 1610 que a narrativa de Atos passa para a primeira pessoa do plural indicando que o narrador passou a integrar os acontecimentos dali em diante A tese predominante eacute que o autor de Atos eacute Lucas Que o cenaacuterio da visita a Filipos foi assim admitem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los
Filipenses p 64 e OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 6
21
(προσευχή) junto ao rio Gangites onde estavam reunidas algumas mulheres31
Entre elas estava Liacutedia uma gentia vendedora de puacuterpura temente a Deus isto eacute
simpatizante do judaiacutesmo32 Ela se converteu e foi batizada junto com a sua casa
surgindo ali o nuacutecleo inicial da igreja em Filipos O iniacutecio da igreja em uma
reuniatildeo de mulheres na casa de uma mulher mais as mulheres que aparecem
nomeadas na carta indicam a predominacircncia do elemento feminino naquela
igreja inclusive em funccedilotildees de lideranccedila Isto na verdade eacute o reflexo na igreja da
realidade social da regiatildeo pois na Macedocircnia as mulheres ocupavam um papel na
vida puacuteblica muito maior do que em outros lugares do mundo greco-romano da
eacutepoca33
Atos 16 tambeacutem registra a conversatildeo e o batismo de uma segunda famiacutelia
a do carcereiro que vigiava os missionaacuterios na prisatildeo Levando em conta a famiacutelia
de Liacutedia e a famiacutelia do carcereiro mais os nomes indicados na carta aos Filipenses
(Epafrodito Evoacutedia Sintique Clemente) conclui-se que a igreja de Filipos era
constituiacuteda em sua maioria por membros gentios pessoas de diversas origens e
segmentos sociais asiaacuteticos gregos romanos judeus mulheres com
31 O significado exato de προσευχή eacute discutido De um lado parece que o termo era utilizado como sinocircnimo de sinagoga na literatura judaica heleniacutestica (FOWL Stephen E Philippians p 13 nota 20) Por outro o fato de Lucas natildeo mencionar nem a presenccedila de homens na reuniatildeo nem a ocorrecircncia de um culto formal com leitura da Lei sendo um saacutebado favorece a posiccedilatildeo de que ali seria apenas um lugar de reuniotildees informais de mulheres simpatizantes do judaiacutesmo Assim HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 360 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo
aos Filipenses p 25 afirma que as ldquosinagogas nunca estavam fora da cidaderdquo BOCKMUEHL Markus The Epistle to the Philippians p 9 reforccedila a tese observando que Lucas faz questatildeo de mencionar quando Paulo visitava uma sinagoga em uma cidade Assim em Salamina (At 135) Atioquia da Psidia (At 1314) Icocircnio (At 141) Tessalocircnica (171) Bereacuteia (At 1710) Atenas (At 1717) e Corinto (1847) Segundo BRUCE F F Filipenses p15 eacute possiacutevel que natildeo houvesse na cidade o quoacuterum miacutenimo para o estabelecimento de uma sinagoga que era de 10 homens 32 Lucas utiliza a expressatildeo σεβομένη τὸν θεόν para descrever Liacutedia Segundo BAGD p 746 a expressatildeo era utilizada para os gentios que aderiam ao ldquomonoteiacutesmo eacutetico do Judaiacutesmordquo e frequentavam a sinagoga mas natildeo tinham a obrigaccedilatildeo de seguirem toda a lei judaica Os homens por exemplo natildeo precisavam circuncidar-se MEEKS Wayne A Os primeiros cristatildeos
urbanos p 89 nota 175 afirma que natildeo haacute consenso sobre o uso teacutecnico da expressatildeo (nem mesmo se era usado de forma teacutecnica) mas ela pode indicar tanto esses ldquosimpatizantesrdquo do judaiacutesmo quanto pode significar apenas ldquopiedosordquo aplicado inclusive a proseacutelitos e judeus nativos 33 Nessa linha FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 63 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 23-26 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 558
22
independecircncia financeira e poder econocircmico comerciantes romanos militares e
possiacuteveis antigos colonizadores romanos34
Os registros de Atos Filipenses e 1Tessalonicensses confirmam que Paulo
foi forccedilado a sair da cidade debaixo de oposiccedilatildeo e perseguiccedilatildeo A atmosfera de
hostilidade contra o cristianismo continuou ali mesmo apoacutes a saiacuteda dos
missionaacuterios soacute que entatildeo transferiu-se para a igreja conforme se deduz da carta
Antes de escrever a carta aos Filipenses eacute possiacutevel que Paulo tenha visitado
pessoalmente a comunidade ao menos duas vezes conforme 2Cor 81-5 e At 203-
635
Questatildeo muito debatida eacute onde estava o apoacutestolo quando escreveu a carta
Seja qual for a resposta deve atender as seguintes condiccedilotildees supostas no texto de
Filipenses Paulo estava preso Sua prisatildeo eacute junto agrave guarda pretoriana e (113) e de
pessoas da τῆς Καίσαρος οἰκίας (422) Parece haver a possibilidade de o
julgamento terminar em morte (120 e 217) mas ao mesmo tempo Paulo nutre a
expectativa de reencontrar os filipenses (125-26) De alguma forma esta prisatildeo
contribuiu com a divulgaccedilatildeo do evangelho na regiatildeo (112-13) Aleacutem de Timoacuteteo
ele tinha poucas pessoas confiaacuteveis ao seu lado (219-21) e enquanto ele estava
preso aconteceram algumas viagens (pelo menos quatro) entre Filipos e a esta
cidade
Na pesquisa foram sugeridas quatro alternativas para atender essas
caracteriacutesticas A primeira possibilidade eacute a cidade de Corinto Em seu favor estatildeo
a proximidade geograacutefica com Filipos a existecircncia de um prococircnsul na cidade e
toda oposiccedilatildeo que o apoacutestolo enfrentou ali inclusive com perigo de morte No
entanto natildeo existe comprovaccedilatildeo de um aprisionamento do apoacutestolo em Corinto e
segundo At 181-218 Paulo contava com um razoaacutevel apoio nesta cidade
especialmente de Priscila e Aacutequila o que natildeo corresponde ao lamento de ter
34 Barclay faz a interessante avaliccedilatildeo do capiacutetulo 16 de Atos para a formaccedilatildeo da igreja de Filipos ldquoOs trecircs personagens satildeo de diferentes nacionalidades Lidia era uma asiaacutetica natildeo eacute necessaacuterio que estejamos diante de um nome proacuteprio e sim simplesmente ante o qualificativo lsquoa senhora da cidade de Liacutediarsquo A jovem escrava era grega O carcereiro era cidadatildeo romano Todo o impeacuterio estava reunido na igreja cristatilde Poreacutem natildeo estamos somente ante trecircs diferentes nacionalidades e sim tambeacutem ante trecircs estratos muito diferentes da sociedade Liacutedia era uma comerciante de puacuterpura uma das mercadorias mais caras do mundo antigo ela era equivalente a um priacutencipe mercador A jovem escrava ante a lei natildeo era uma pessoa mas sim uma ferramenta viva O carcereiro era um cidadatildeo romano um membro da forte classe meacutedia romana que se ocupava dos serviccedilos civis Nestes trecircs estavam representados o mais alto o mais baixo e o mediano da sociedade Natildeo haacute outro capiacutetulo da Biacuteblia que mostre tatildeo bem o caraacuteter universal da feacute que Jesus traz aos homensrdquo BARCLAY William Filipenses Colosenses I y II Tesalonicenses p 11 35 MARTIN Ralph Filipenses p 22-23 e BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7
23
apenas Timoacuteteo junto dele (219-21) A hipoacutetese de Corinto eacute aquela que goza de
menor aceitaccedilatildeo acadecircmica36
Uma segunda possibilidade que goza de maior adesatildeo eacute a tese que
Filipenses foi escrita em Eacutefeso37 Entre outros esta alternativa eacute sustentada pelos
seguintes argumentos a proximidade geograacutefica entre Eacutefeso e Filipos a
informaccedilatildeo de At 1922 dando conta que Timoacuteteo estava com Paulo em Eacutefeso e
de At 191025-26 da intensa evangelizaccedilatildeo que ocorreu na cidade e arredores
quando Paulo esteve ali e a possibilidade da expressatildeo πραιτώριον (113) referir-
se a sede do prococircnsul na cidade
Satildeo apresentados todavia trecircs argumentos centrais contra Eacutefeso
Primeiramente como no caso de Corinto inexiste comprovaccedilatildeo para uma prisatildeo
de Paulo em Eacutefeso (apesar de 2Cor 18-10 65 e 1123 indicarem que ele esteve
preso vaacuterias vezes) Na verdade a questatildeo natildeo eacute apenas se ele esteve ou natildeo preso
em Eacutefeso mas atribuir a esta cidade um aprisionamento que atenda agraves
caracteriacutesticas supostas em Filipenses isto eacute de duraccedilatildeo razoaacutevel risco de ser
condenado agrave morte e ao mesmo tempo liberdade para pregar o evangelho Em
segundo lugar sendo a carta escrita de Eacutefeso seria muito difiacutecil explicar o motivo
pelo qual o apoacutestolo nem sequer menciona a coleta aos pobres de Jerusaleacutem
assunto que dominava as preocupaccedilotildees do apoacutestolo no periacuteodo conforme indicam
as cartas aos Coriacutentios Ao contraacuterio Filipenses supotildee que a coleta jaacute tinha
terminado38 E finalmente eacute preciso discutir a existecircncia de um pretoacuterio na
cidade O entendimento mais baacutesico para a expressatildeo πραιτώριον em 113 eacute o da
guarda pessoal do imperador que ficava estabelecida em Roma o que tambeacutem
combina com a interpretaccedilatildeo mais natural do termo τῆς Καίσαρος οἰκίας em
42239 Poreacutem dentro da administraccedilatildeo romana πραιτώριον servia como
designaccedilatildeo de vaacuterias residecircncias oficiais a saber a residecircncia do general e de suas
36 HAWTHORNE Gerald F Philippians p 20 MARTIN Ralph Filipenses p 57-58 Eles informam que o primeiro a postular Corinto como lugar de origem da carta aos Filipenses foi G L Oeder em 1731 Com exceccedilatildeo de Hawthorne e Martin os demais autores pesquisados nem sequer consideram Corinto como possibilidade 37 KUumlMMELL Werner Georg Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p 429 que informa que Eacutefeso foi proposta em 1897 por A Deissmann Em sentido contraacuterio HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19 afirma que Deissmann seguiu proposta apresentada originalmente por H Lisco em 1900 38 Os argumentos acima estatildeo principalmente esboccedilados em HAWTHORNE Gerald F Philippians p 19-20 e HAWTHORNE G F Filipenses carta de In DPC p 560 39 Assim FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 OrsquoBRIEN P T The
Epistle to the Philippians p 20-21
24
tropas residecircncia dos governadores de proviacutencias nas capitais e fora das capitais
e palaacutecio dos procuradores de proviacutencia40 A hipoacutetese de que Paulo escreveu a
partir de Eacutefeso sustenta que o apoacutestolo usou a expressatildeo πραιτώριον de forma
mais geneacuterica natildeo se referindo necessariamente agrave casa do imperador ldquomas agrave casa
onde estava o administrador romano cheia de luxo mordomias e guardasrdquo41 No
entanto aleacutem de ser discutiacutevel que Paulo estivesse utilizando aqui uma linguagem
natildeo especiacutefica42 o argumento fundamental contra a hipoacutetese efeacutesia eacute a ausecircncia de
qualquer comprovaccedilatildeo histoacuterica para a existecircncia na cidade de um pretoacuterio ou de
uma guarda pretoriana43 Eacutefeso era uma proviacutencia senatorial e ldquonatildeo existe
exemplo nos tempos imperiais do emprego dessa expressatildeo [πραιτώριον] para a
sede de um prococircnsul o governador de uma proviacutencia senatorial como era a da
Aacutesia [Eacutefeso] nessa eacutepocardquo44
A terceira cidade postulada como lugar de onde Paulo escreveu Filipenses
eacute Cesareacuteia A hipoacutetese possui algumas vantagens em relaccedilatildeo agraves anteriores posto
que o livro de Atos menciona de forma expliacutecita que Paulo esteve preso nessa
cidade por um periacuteodo longo e laacute foi detido no πραιτώριον (At 2331-35) A
coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha sido efetuada Seu desejo de visitar os Filipenses
novamente natildeo contradiz sua intenccedilatildeo missionaacuteria de ir agrave Espanha visto ele poder
passar por Filipos indo para Espanha Ainda assim esta hipoacutetese possui
dificuldades O quadro da prisatildeo de Paulo em Cesareacuteia natildeo coaduna com o risco
de morte suposto em Filipenses Tambeacutem natildeo haacute indiacutecios de uma presenccedila cristatilde
na cidade que corresponda agrave realidade da carta ou seja tanto uma intensa
propagaccedilatildeo do cristianismo quanto divisotildees dentro da comunidade cristatilde Aleacutem
disso de todas as opccedilotildees (Roma seraacute discutida logo abaixo) Cesareacuteia eacute a cidade
mais distante de Filipos Apesar do argumento geograacutefico natildeo ser fundamental eacute
40 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 55 41 MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 30 Adiante nas paacuteginas 55-56 ele afirma ldquoO pretoacuterio nesse contexto precisa ser considerado no sentido geneacutericordquo 42 Criacutetica levantada por FEE G D Comentaacuterio de la Epiacutestola a los Filipenses p 74 43 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 73-74 Nessa direccedilatildeo OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 22 argumenta que tropas militares natildeo ficavam estacionadas em proviacutencias senatorias porque eram governadas por civis Em contrapartida BROWN R Introduccedilatildeo ao Novo Testamento p657 argumenta em favor de Eacutefeso como a melhor opccedilatildeo usando a seguinte afirmativa inteiramente especulativa ldquoEacutefeso era a cidade mais importante da proviacutencia romana da Aacutesia e sede do quartel-general proconsular de modo que deve ter havido uma importante presenccedila romana ali ateacute mesmo um praitorionrdquo 44 BRUCE F F Filipenses p 22 Natildeo obstante em favor de Eacutefeso entre outros estatildeo SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 9-13 BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 7-8 GNILKA Joachim Epiacutestola aos Filipenses p 9 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 310-311
25
um fator complicador para a proposta explicar as viagens e troca de informaccedilotildees
entre Paulo e a igreja de Filipos45
A sugestatildeo mais antiga para a proveniecircncia da carta aos Filipenses eacute
Roma Ela remonta ao seacuteculo II dC aparecendo no proacutelogo marcionita e
posteriormente em outros manuscritos Esta opccedilatildeo predominou sem
questionamentos ateacute o seacuteculo XVIII O grande argumento em favor da capital do
impeacuterio eacute que a descriccedilatildeo que Lucas faz em Atos 28 da prisatildeo de Paulo laacute
equivale aos pontos essenciais da carta aos Filipenses facilmente explica os
termos πραιτώριον e τῆς Καίσαρος οἰκίας o risco de morte vislumbrado por
Paulo eacute plausiacutevel visto ela jaacute ter apelado a Ceacutesar a coleta para Jerusaleacutem jaacute tinha
sido concluiacuteda Paulo estaacute em uma cidade com a presenccedila razoaacutevel de cristatildeos
com os quais poreacutem possui um relacionamento distanciado a prisatildeo foi longa e
ele possuiacutea relativa liberdade para divulgar o evangelho (At 2830-31) Contra
Roma residem dois argumentos principais De um lado a distacircncia ateacute Filipos
que dificultaria a intensa comunicaccedilatildeo pressuposta na carta Do outro o desejo de
Paulo visitar novamente os filipenses vai contra os seus planos de atuar na
Espanha Quanto agrave primeira questatildeo embora muita valorizada no passado jaacute natildeo
goza de tanta aceitaccedilatildeo entre os estudiosos Considerando apenas uma viagem por
Terra nas boas condiccedilotildees das estradas romanas tem-se uma estimativa de 4
semanas Inferindo-se da carta pelo menos 4 viagens entre Filipos e Roma o
tempo total seria de 16 semanas que no contexto de dois anos de aprisionamento
(At 2830) eacute tempo suficiente Sendo a viagem pelo mar o tempo reduziria ainda
mais para aproximadamente 2 semanas cada viagem e tempo total de 8 semanas
Em relaccedilatildeo agrave suposta mudanccedila de planos de Paulo os anos na prisatildeo de Cesareiacutea e
em Roma podem ter feito o apoacutestolo alterar seus planos natildeo necessariamente
substituiacute-los mas talvez postergaacute-los46 De qualquer forma o quadro de Filipenses
natildeo indica que ele tenha desistido da Espanha Por uacuteltimo mas natildeo menos
importante haacute em favor de Roma um argumento relativo ao conteuacutedo
Considerando o pensamento do apoacutestolo no conjunto das suas cartas eacute possiacutevel 45 A hipoacutetese de Cesareacuteia foi originalmente apresentada em 1779 por H E G Paulus Cf BRUCE F F Filipenses p 22-23 MARTIN Ralph P Filipenses p 58-60 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 560-561 Este uacuteltimo eacute a favor da cidade de Cesareacuteia como lugar de origem para a carta 46 Ao final da prisatildeo de Roma quando provavelmente escreveu Filipenses jaacute tinham se passado mais de quatro anos de aprisionamento do apoacutestolo (somando-se Cesareacuteia e Roma) e quase 10 anos da redaccedilatildeo da carta aos Romanos (situada em meados na deacutecada de 50) onde Paulo registrou seus planos de fazer missatildeo na Espanha (Rm 1622-2328)
26
enxergar em Filipenses um desenvolvimento em relaccedilatildeo agraves grandes cartas
anteriores (Romanos 1 e 2 Coriacutentios Gaacutelatas e 1Tessalonicenses) acompanhado
por um progresso da situaccedilatildeo eclesiaacutestica indo na direccedilatildeo das cartas pastorais e
ainda o amadurecimento no apoacutestolo de uma ldquoconsciecircncia de maacutertirrdquo (123 e
217)47 Diante do exposto a soluccedilatildeo para o local de origem da carta aos
Filipenses continuaraacute no campo das hipoacuteteses mas eacute plausiacutevel afirmar que
daquelas apresentadas acima Roma eacute a que possui maior probabilidade por
reunir e explicar uma maior quantidade de informaccedilotildees presentes na carta Sendo
Roma o local de proveniecircncia a data para a publicaccedilatildeo seria entre os anos 61 e 62
dC no final do seu cativeiro na capital48
23 A carta aos Filipenses
231 Autoria e Integridade
Na atual avaliaccedilatildeo do corpus paulino Filipenses eacute indiscutivelmente
considerada uma carta autecircntica49 Na histoacuteria da pesquisa natildeo se estabeleceu
nenhuma tese que negasse a autoria paulina de Filipenses O consenso nos estudos
paulinos contemporacircneos eacute em favor de Paulo como genuiacuteno autor da carta50
Situaccedilatildeo oposta eacute a avaliaccedilatildeo da integridade da carta Uma seacuterie de
observaccedilotildees levantam suspeitas se a carta aos Filipenses circulou desde o iniacutecio
como ela se apresenta hoje no corpus paulino isto eacute se desde o iniacutecio ela era um
escrito uacutenico que ia de 11 ateacute 423 As principais questotildees levantadas satildeo A) A
redaccedilatildeo de 31 (com a utilizaccedilatildeo do termo λοιπός) parece encaminhar de maneira
47 Argumento de SCHNELLE Udo Paulo Vida e pensamento p 467-472 48 Para os argumentos acima e em favor de Roma estatildeo entre outros SCHNELLE Udo Paulo
Vida e pensamento p 465-469 HENDRIKSEN William Efeacutesios e Filipenses p 376-387 BOCKMUEHL Marcus The Epistle to the Philippians p 30-32 FOWL Stephen E Philippians p 9 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 72-76 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 19-26 49 De acordo com VOUGA Franccedilois A literatura paulina p 186 ela eacute uma das sete que pertencem ao conjunto das protopaulinas Ao lado deste seguem-se mais dois conjuntos as deuteropaulinas e as tritopaulinas 50 HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 558 Segundo ele a tentativa mais famosa de negar a autoria paulina da carta foi feita sem sucesso por Ferdinand Christian Baur
27
natural para agrave conclusatildeo da carta Entretanto ao inveacutes disso Paulo inicia uma
aacutespera repreensatildeo contra adversaacuterios51 B) O trecho de 410-20 deve preceder 11-
31 como gratidatildeo de Paulo pelo donativo enviado pela igreja atraveacutes de
Epafrodito52 C) O trecho de 32-43 natildeo faz menccedilatildeo da situaccedilatildeo de
aprisionamento de Paulo que eacute a situaccedilatildeo pressuposta para 11-3153 D) A
diferenccedila de tom com que Paulo trata os adversaacuterios na primeira parte (115-18)
em relaccedilatildeo agrave seccedilatildeo iniciada em 32 Mais do que indicar adversaacuterios diferentes
essa mudanccedila pode refletir dois momentos distintos na vida de Paulo duas
maneiras distintas de o apoacutestolo encarar seus adversaacuterios54 E) Uma seacuterie de frases
conclusivas em 47-9 e 419-2055 Os estudiosos partidaacuterios da hipoacutetese de
Filipenses como uma compilaccedilatildeo de vaacuterias cartas combinam todos esses
elementos acima e ainda outros e propotildeem que a carta atual eacute resultado da uniatildeo
de duas ou trecircs cartas menores A delimitaccedilatildeo do conteuacutedo exato de cada uma
dessas supostas cartas varia resultando em pelo menos seis arranjos diferentes de
conteuacutedo56
No entanto satildeo mais consistentes os argumentos em favor da unidade da
carta57 Em primeiro lugar natildeo haacute nenhuma evidecircncia manuscrita de que algum
dia a carta aos Filipenses circulou de forma diferente como ela hoje existe no
Novo Testamento Em segundo lugar existe uma seacuterie de correlaccedilotildees
morfoloacutegicas e conceituais entre as diversas seccedilotildees da carta inclusive entre 11-
31 e 32-49 O proacuteprio texto de Fl 26-11 ecoa em 37-11 e 320-21 Em terceiro
lugar as teorias de montagem levantam mais perguntas que respondem
acumulando conjecturas em cima de conjecturas como por exemplo quando se
tenta responder qual a intenccedilatildeo teve o editor final ao juntar desta forma as
supostas cartas avulsas Em quarto lugar ldquoa Antiguidade que conhecia bem o
gecircnero literaacuterio da coleccedilatildeo de cartas ou da correspondecircncia editada e vendida
51 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 52 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 21 53 Idem 54 BRUCE F F Filipenses p 27-29 55 BOCKMUELH Marcus op cit p 21 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 300-303 56 VOUGA Franccedilois op cit p 300-303 vai apresentar os seis esquemas de organizaccedilatildeo trecircs relativos agrave existecircncia de duas cartas e trecircs para existecircncia de trecircs cartas O uacutenico consenso nessa visatildeo eacute que 11-31 forma uma unidade 57 Para os argumentos que seguem em favor da unidade da carta cf HAWTHORNE G F
Filipenses carta aos In DPC p 558-559 BRUCE F F Filipenses p 26-30 MARTIN Ralph P Filipenses p 23-35 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 18-20 BOCKMUELH Marcus op cit p 20-25 VOUGA Franccedilois op cit p 302-303
28
como livro natildeo oferece nenhum exemplo de cartas ou de fragmentos epistolares
combinados ou re-redigidos sob forma de cartardquo58 Em quinto lugar eacute possiacutevel (e
provavelmente mais faacutecil) compreender o fluxo de pensamento da carta como uma
unidade59
232 Objetivo da carta
Quanto ao objetivo da carta a razatildeo principal para o envio desta carta estaacute
no acircmbito do relacionamento entre Paulo e a Igreja de Filipos que era do mais
alto niacutevel Nesse sentido pode-se dizer que Filipenses eacute uma carta de amizade60
Paulo escreve para agradecer agrave comunidade as ofertas enviadas recomendar a
recepccedilatildeo de Epafrodito que estaacute retornando anunciar o envio de Timoacuteteo e contar
sobre as circunstacircncias atuais do apoacutestolo preso
Natildeo obstante o apoacutestolo aproveita a oportunidade para orientar a
comunidade diante dos seacuterios desafios que ela tem enfrentado Se de um lado a
igreja natildeo estava passando por uma seacuteria crise teoloacutegica61 do outro ela estava
ameaccedilada por diversos adversaacuterios A caraterizaccedilatildeo exata desses adversaacuterios eacute
objeto de discussatildeo Eles podem ser encontrados em 115-18 128 32 e 318 O
grande problema eacute a chamada ldquoleitura atraveacutes do espelhordquo isto eacute reconstruir
grupos e ideias com base tatildeo somente nos argumentos contraacuterios oferecidos natildeo
sistematicamente por Paulo62 Dessa forma uma proposta cautelosa eacute a
identificaccedilatildeo de dois grupos de adversaacuterios por traacutes da argumentaccedilatildeo de paulina
em Filipenses63 O primeiro grupo apresentado em 115-18 seriam cristatildeos que
estavam atuando na cidade em que Paulo estava preso e que apesar de pregarem
Cristo faziam oposiccedilatildeo a Paulo afirmando que os sofrimentos dele eram
58 VOUGA Franccedilois A epiacutestola aos Filipenses p 302 59 Ainda sim BARTH Gerhard A carta aos Filipenses p 9-10 e SCHLAEPFER Carlos Frederico Procurando alguns elementos sobre a redaccedilatildeo da carta aos Filipenses p 11-12 favorecem a hipoacutetese que Filipenses eacute uma composiccedilatildeo de trecircs cartas de Paulo 60 MAZZAROLO Isidoro Carta de Paulo aos Filipenses p 12 SCHNELLE Udo Paulo vida
e pensamento p 469 afirma que ldquoPaulo sentia-se tatildeo ligado aos filipenses como a nenhuma outra comunidaderdquo 61 FOWL Stephen E Philippians p 11 62 Ibidem p 11-12 63 Segue-se aqui a explicaccedilatildeo apresentada por HAWHTHORNE G F Philippians p 24-27 e HAWTHORNE G F Filipenses carta aos In DPC p 561-562
29
evidecircncias de sua fraqueza como liacuteder Ao que parece a divergecircncia de Paulo com
eles era de natureza mais pessoal do que teoloacutegica
Eacute verdade que alguns anunciam o Cristo [τὸν Χριστὸν κηρύσσουσιν] por inveja e porfia e outros por boa vontade estes por amor proclamam a Cristo [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] sabendo que fui posto para defesa do evangelho e aqueles por rivalidade natildeo sinceramente julgando com isso acrescentar sofrimentos agraves minhas prisotildees Mas que importa De qualquer maneira ndash ou com segundas intenccedilotildees ou sinceramente ndash Cristo eacute proclamado [τὸν Χριστὸν καταγγέλλουσιν] e com isto me regozijo (115-18)64
A partir de 32 Paulo tem em vista outro tipo de adversaacuterios Ao contraacuterio dos
primeiros estes natildeo satildeo cristatildeos Eles confiam na carne exigem a circuncisatildeo e
outros rituais judaicos e com uma escatologia realizada prometem a possibilidade
de se alcanccedilar a perfeiccedilatildeo nesta vida e desde jaacute experimentar as daacutedivas do mundo
porvir Menosprezam o sofrimento e consequentemente a figura e a pregaccedilatildeo de
Paulo Enfim satildeo τοὺς ἐχθροὺς τοῦ σταυροῦ τοῦ Χριστοῦ Eles podem ser
qualificados como missionaacuterios judeus que representavam para os filipenses uma
ameaccedila real proveniente do ambiente exterior agrave igreja mas que natildeo
necessariamente jaacute estavam atuando junto agrave igreja
233 Estrutura da carta
Existem diversas propostas de arranjo do conteuacutedo da carta e muitas satildeo
plausiacuteveis Este trabalho no entanto oferece como contribuiccedilatildeo agrave pesquisa a
possibilidade de compreender o conteuacutedo da carta aos Filipenses estruturado em
seccedilotildees paralelas que se correspondem como pode ser visualizado abaixo
64 A traduccedilatildeo citada eacute de A Biacuteblia de Jerusaleacutem nova ediccedilatildeo revista e ampliada As demais citaccedilotildees biacuteblicas do trabalho seratildeo extraiacutedas dessa traduccedilatildeo salvo outra indicaccedilatildeo
30
A - Saudaccedilatildeo ndash 11-2
B - Accedilatildeo de graccedilas ndash 13-11
C - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 112-26
D - Exortaccedilatildeo 127-217
Crsquo - Situaccedilatildeo e planos de Paulo 219-30
Drsquo - Exortaccedilatildeo 31-49
Brsquo Accedilatildeo de Graccedilas ndash 410-20
Arsquo Saudaccedilatildeo ndash 421-23
24 Criacutetica Textual de Fl 29-11
Estes trecircs versiacuteculos natildeo apresentam nenhuma seacuteria dificuldade criacutetico-
textual mas eacute pertinente a consideraccedilatildeo das variantes existentes a fim de detectar
jaacute na proacutepria tradiccedilatildeo manuscrita tendecircncias na interpretaccedilatildeo do texto
Versiacuteculo 9b καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα O artigo τὸ que acompanha ὄνομα eacute omitido nos unciais D F G K L P
Y 075 e 0278 nos cursivos 81 104 365 630 1175 1241 1505 1881 e 2464
nos manuscritos que pertencem ao texto Bizantino (M) e ainda em Clemente
conforme Teoacutedoto Apoiam o texto sem a omissatildeo o papiro P46 os unciais a A
B C os cursivos 33 629 1175 1739 Segundo Metzger com a omissatildeo do artigo
o texto estaria afirmando ldquoque Jesus recebeu um nome natildeo especificado que
depois eacute definido com aquele nome que estaacute acima de todo nomerdquo65 O mesmo
autor explica que a omissatildeo pode ter surgido quando um copista se confundiu com
o final do verbo ἐχαρίσατο Outra possibilidade eacute que os copistas interpretaram
que Paulo natildeo estivesse referindo-se a um nome especiacutefico (um tiacutetulo como se
veraacute adiante na pesquisa) mas agrave noccedilatildeo de reputaccedilatildeo fama e honra66 isto eacute Deus
deu a Jesus a honra acima de todas as honras E embora a evidecircncia externa apoie
65 METZGER Bruce M Un Comentario Textual Al Nuevo Testamento Griego p 542 O mesmo comentaacuterio encontra-se em OMANSON Roger Variantes textuais do Novo
Testamento p 414 66 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120
31
a autenticidade do artigo67 esta uacuteltima intepretaccedilatildeo eacute bastante plausiacutevel no
contexto
Versiacuteculo 11a καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται
O verbo ἐξομολογήσηται (verbo subjuntivo aoristo meacutedio 3ordf p singular de
ἐξομολογέω) eacute substituiacutedo por ἐξομολογήσεται (verbo no futuro do indicativo
ativo 3ordf p singular) nos unciais A C D F G K L P YVID 075 e 0278 nos
cursivos 6 33 81 104 365 630 1175 1241 1505 1739 1881 2464 muitos
outros manuscritos pertencentes ao texto majoritaacuterio e em uma leitura alternativa
presente em Irineu (Irvl) Apoiam o texto sem a substituiccedilatildeo o papiro P46 os
unciais a B Fc os cursivos 323 630c 2495 muitos manuscritos pertencentes ao
texto majoritaacuterio Irineu Clemente conforme Teoacutedoto e Clemente de Alexandria
Do ponto de vista da traduccedilatildeo o que estaacute em questatildeo seria a troca do subjuntivo
para o futuro Com o subjuntivo a traduccedilatildeo estaacute ldquopara toda liacutengua confessar
querdquo Com o futuro ficaria ldquoe toda liacutengua confessaraacute querdquo Omanson oferece
explicaccedilotildees para as duas mudanccedilas isto eacute se original fosse futuro os copistas
teriam alterado para o subjuntivo para concordar com o verbo κάμψῃ do versiacuteculo
10 que estaacute no subjuntivo Se a forma original foi o subjuntivo a alteraccedilatildeo dos
copistas tinha como objetivo concordar com o termo ὀμεῖται (juraraacute) que aparece
em alguns manuscritos da LXX em Isaiacuteas 4523 Nesse caso a evidecircncia externa
(seguindo o texto Alexandrino) favorece a manutenccedilatildeo do texto com o subjuntivo
Por outro lado parece que a divisatildeo dos manuscritos aponta para o que a exegese
do texto vai confirmar isto eacute que na passagem o verbo em questatildeo tanto tem uma
aplicaccedilatildeo presente desafiando ouvintes e leitores a confessarem Jesus como
Senhor quanto uma dimensatildeo futura proclamando o que seraacute realidade
escatoloacutegica final quando todos os seres se submeteratildeo a Jesus
Versiacuteculo 11b ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς
Ainda neste versiacuteculo os unciais A F e G o cursivo 1505 e alguns poucos
divergentes do texto majoritaacuterio os manuscritos da antiga versatildeo latina b e g um
manuscrito da Vulgata e um da versatildeo Saiacutedica e uma das citaccedilotildees de Fl 211 na
67 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 287 HELLERMAN J H Philippians p 120
32
traduccedilatildeo latina de Oriacutegenes omite o termo Χριστὸς68 Assim o texto seria lido
ldquoque Jesus eacute Senhorrdquo No entanto eacute possiacutevel explicar a omissatildeo como uma
tentativa de harmonizaccedilatildeo com o versiacuteculo 10 A qualidade dos testemunhos
externos e a presenccedila comum da designaccedilatildeo Ἰησοῦς Χριστὸς em Paulo (soacute
considerando as foacutermulas de benccedilatildeo nas saudaccedilotildees e despedidas a expressatildeo
aparece em todo corpus paulino com exceccedilatildeo de Colossenses e Tito) favorecem a
manutenccedilatildeo do texto como estaacute Exegeticamente a omissatildeo da expressatildeo pode
testemunhar a desvalorizaccedilatildeo do termo Χριστὸς como tiacutetulo que explica a pessoa
e obra de Jesus Eacute por isso entatildeo que a exegese deve-se perguntar pela utilizaccedilatildeo
da expressatildeo no texto
25 Texto e traduccedilatildeo de Fl 29-11
9διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ
πᾶν ὄνομα 10 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ
ἐπιγείων καὶ καταχθονίων 11καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος
Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός69
9E por isso Deus o exaltou sobremaneira e o agraciou com o nome acima
de todo o nome 10a fim de que todo o joelho se dobre ao nome de Jesus
no ceacuteu na Terra e debaixo da Terra 11e toda liacutengua confesse que Jesus
Cristo eacute Senhor para gloacuteria de Deus Pai
26 Delimitaccedilatildeo
A delimitaccedilatildeo do objeto material seraacute realizada aqui em dois momentos
Primeiro a distinccedilatildeo dos versiacuteculos 6 a 11 do seu contexto literaacuterio e depois o
estabelecimento dos versiacuteculos 9 a 11 como uma seccedilatildeo especiacutefica do texto de 26-
11
68 Existe ainda a atestaccedilatildeo uacutenica feita pelo uncial K da leitura Χριστὸς κύριος 69 Texto grego conforme NESTLE-ALAND Novum Testamentum Graece 28ordf ediccedilatildeo
33
A delimitaccedilatildeo de 26-11 pode ser evidenciada por diversos argumentos
Antes de tudo existe a diferenccedila em relaccedilatildeo ao contexto anterior De 127 a 24
Paulo estaacute trabalhando a parecircnese ou seja apresentando exortaccedilotildees agrave igreja
sobretudo no que tange agrave sua unidade Veja-se os imperativos πολιτεύεσθε
(127) πληρώσατέ (22) φρονεῖτε (25) aleacutem de orientaccedilotildees do tipo ldquonatildeo faccedilam
isso mas faccedilam aquilordquo (23-4) Justamente o versiacuteculo 25 faz a transiccedilatildeo
mantendo-se no entanto na parecircnese
Nos versiacuteculos de 6 a 11 natildeo se encontram mais exortaccedilotildees e sim a
descriccedilatildeo de eventos relacionados agrave pessoa de Jesus Passa-se da 2ordf pessoa para a
3ordf E no contexto posterior a partir de 212 Paulo retoma o estilo pareneacutetico
anterior Voltam os verbos no imperativo e na 2ordf pessoa como o importante
κατεργάζεσθε
Haacute ainda consideraccedilotildees linguiacutesticas e literaacuterias indicando que esta
passagem foi construiacuteda em estilo poeacutetico e natildeo de prosa distinguindo-se do seu
contexto na carta Eacute possiacutevel inclusive que ela tenha tido uma existecircncia anterior
independente da proacutepria carta Poreacutem como essa discussatildeo eacute complexa e ao
mesmo tempo muito importante para a compreensatildeo de Fl 26-11 o assunto seraacute
discutido em capiacutetulo agrave parte
Quanto agrave delimitaccedilatildeo dos versiacuteculos 9 a 11 em relaccedilatildeo ao texto de 26-11
a primeira consideraccedilatildeo eacute a mudanccedila de tema Do versiacuteculo 6 a 8 o texto descreve
o caminho do Filho de Deus da existecircncia na forma de Deus ateacute a morte na cruz
passando pelo seu esvaziamento sua humanidade e sua humilhaccedilatildeo Os
versiacuteculos 9 a 11 descrevem Deus o exaltando dando-lhe um nome especial
joelhos se dobrando diante dele e toda liacutengua confessando-o Ou seja a primeira
parte do texto gira em torno do eixo existecircncia na forma de Deus - esvaziamento -
encarnaccedilatildeo ndash cruz enquanto que a segunda parte segue a temaacutetica da exaltaccedilatildeo ndash
adoraccedilatildeo ndash confissatildeo ndash gloacuteria de Deus Outra consideraccedilatildeo importante eacute que na
primeira parte Jesus eacute o sujeito de todos os verbos satildeo trecircs verbos no indicativo e
cinco no particiacutepio nominativo todos referindo-se a Jesus A partir do versiacuteculo 9
Deus passa a ser o sujeito e Jesus o objeto Satildeo dois verbos no indicativo tendo
Deus como sujeito e Jesus como objeto E haacute dois verbos no subjuntivo que estatildeo
sintaticamente subordinados aos verbos que tem Deus como sujeito E tambeacutem ali
Jesus continua sendo o objeto
34
Portanto Filipenses 26-11 forma uma unidade textual na qual eacute possiacutevel
distinguir duas seccedilotildees 26-8 e 29-11 Esta pesquisa pretende trabalhar apenas
sobre esta uacuteltima parte
3 Status Quaestionis da Pesquisa a respeito de Fl 26-11
31 O iniacutecio da pesquisa contemporacircnea
O grande impulso para a pesquisa acadecircmica de Fl 26-11 foi dado em 1928
quando Ernst Lohmeyer apresentou sua anaacutelise da passagem na obra que se tornaria
claacutessica para a exegese da periacutecope Kyrios Jesus Eine Untersuchung zu Phil 25-
1170 Segundo Martin o caraacuteter poeacutetico da passagem jaacute tinha sido reconhecido antes
por Johannes Weiss em um artigo de 1899 argumento que foi confirmado por A
Deissmann em 192571 Contudo para Martin o grande meacuterito de Lohmeyer foi
detalhar essas caracteriacutesticas poeacuteticas percebendo-a como uma composiccedilatildeo
lituacutergica especificamente um hino composto por seis estrofes cada qual com trecircs
linhas e apresentando uma soacutelida argumentaccedilatildeo em favor dessa estrutura72 A partir
de entatildeo afirmar que Fl 26-11 eacute um hino cristoloacutegico citado por Paulo no contexto
da carta aos Filipenses tornou-se lugar comum nos estudos do Novo Testamento73
A proliferaccedilatildeo de textos acadecircmicos sobre a passagem foi enorme discutindo-a por
diversos acircngulos a tal ponto de se afirmar que Fl 26-11 ldquoeacute uma das mais exaltadas
uma das mais amadas e uma das mais discutidas e debatidas passagens no corpus
Paulinordquo74 A quantidade de literatura especializada relacionada agrave passagem
evidencia que a mesma eacute a mais importante da carta aos Filipenses75 Abaixo seraacute
apresentado o desenvolvimento da interpretaccedilatildeo acadecircmica sobre o texto segundo
os principais toacutepicos de discussatildeo gecircnero literaacuterio estrutura autoria origem pano
de fundo e funccedilatildeo na carta
70 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 6 e 31 Dois anos depois Lohmeyer reproduziu os resultados do estudo na publicaccedilatildeo do seu comentaacuterio da carta aos Filipenses 71 MARTIN R P A Hymn of Christ p 24 72 Ibid p 28-29 Escrevendo em 1965 Martin afirma que ateacute entatildeo ningueacutem tinha conseguido reverter a avaliaccedilatildeo de Lohmeyer que o texto eacute um hino e os poucos questionamentos natildeo afetaram o consenso na comunidade exegeacutetica 73 Parece que o primeiro a designar a passagem como um ldquohino cristoloacutegicordquo foi H Lietzmann em uma publicaccedilatildeo de 1954 conforme FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians
26-11 p 471 nota 2 74 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 29 75 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 115 HELLERMANN J H Vindicating
Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p85 vai aleacutem e afirma que Fl 26-11 eacute o texto que mais atrai atenccedilatildeo erudita no corpus Paulino
36
32 A pesquisa sobre o Gecircnero e Estrutura de Fl 26-11
A importacircncia do estudo de Lohmeyer faz dele o ponto de partida para esta
discussatildeo Conforme mencionado ele qualificou a passagem como um hino
composto de duas partes (vs 6-8 e 9-11) cada parte com trecircs estrofes e cada estrofe
com trecircs linhas sendo a expressatildeo ldquoθανάτου δὲ σταυρουrdquo omitida da parte trecircs por
ser considerada um acreacutescimo paulino ao hino original O resultado eacute a seguinte
estrutura
I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ II ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος III καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου IV διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα V ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων VI καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός76
Outra influente compreensatildeo sobre a forma da passagem foi apresentada por J
Jeremias Ele seguiu Lohmeyer entendendo o Fl 26-11 como um hino preacute paulino
mas enxergou sua estrutura de forma diversa como segue
I ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών II ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου
76 MARTIN R P A Hymn of Christ p 29
37
III διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς77
Em primeiro lugar ele concluiu que o hino estaacute organizado em pares de versos
refletindo o esquema hebraico do paralelismo de membros Satildeo 12 versos Para
chegar a essa estrutura ele propotildee excluir trecircs linhas do texto qualificando-as como
acreacutescimos de Paulo ao hino original As linhas satildeo θανάτου δὲ σταυροῦ (final do
versiacuteculo 8) ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων (final do versiacuteculo 9) e εἰς
δόξαν θεοῦ πατρός (final do versiacuteculo 11) Dessa forma estes 12 versos estariam
distribuiacutedos em trecircs estrofes em que cada uma descreve um estaacutegio cristoloacutegico a
preacute-preexistecircncia (26ab-7ab) o ministeacuterio terreno (27cd-8ab) e a exaltaccedilatildeo (29-
11)78
Da perspectiva da organizaccedilatildeo dos versos outras propostas foram feitas mas
todas satildeo na verdade variaccedilotildees das propostas originais de Lohmeyer e Jeremias79
Grandes contestaccedilotildees no entanto foram dirigidas agrave classificaccedilatildeo da passagem sob
o gecircnero ldquohinordquo Embora ateacute a deacutecada de 1980 houvesse um consenso sobre essa
classificaccedilatildeo80 faltavam criteacuterios para julgar as conclusotildees exegeacuteticas isto eacute
determinadas passagens do Novo Testamento eram classificadas como hinos e
passavam a servir como paracircmetro para o julgamento de outras passagens
Evidencia-se um argumento circular pois sobre qual consideraccedilatildeo as primeiras
passagens foram consideradas hinos Em outras palavras qual seria o texto padratildeo
no Novo Testamento ou na literatura cristatilde primitiva para em comparaccedilatildeo avaliar
por exemplo se Fl 26-11 tem ou natildeo caracteriacutesticas hiacutenicas
Em 1992 Gordon Fee publicou um artigo expondo essas dificuldades81
Segundo Fee esta passagem natildeo podia ser considerada hino porque divergia da
77 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 195-196 78 MARTIN R P A Hymn of Christ p32-35 FEWSTER G P op cit p 195-196 79 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 Observe-se por exemplo a proposta de MARTIN R P op cit p 36-37 Ele segue Jeremias na perspectiva do paralelismo de membros mas adota a divisatildeo de Lohmeyer em seis estrofes somente omitindo o θανάτου δὲ σταυροῦ do final do vs 8 80 No prefaacutecio agrave nova ediccedilatildeo do seu livro em 1982 R P Martin atualiza a pesquisa sobre Fl 26-11 entre 1965 (data da primeira ediccedilatildeo) e 1982 e afirma ldquoo caraacuteter poeacutetico ou hiacutenico dos versos permanece um consenso virtual no debate recente sem nenhuma seacuteria tentativa de revertecirc-lordquo MARTIN R P op cit p xvi 81 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Prose Exalted p 29-46
38
hinoacutedia tanto grega quanto semiacutetica Natildeo obstante Paulo utilize aqui uma prosa
exaltada isto natildeo eacute sinocircnimo de hino O papel do pronome relativo ὃς aqui eacute
diferente dos textos de Cl 115 e 1Tm 316 classificados como hinos e a sequecircncia
das frases eacute tiacutepica da argumentaccedilatildeo em prosa paulina (argumento que ele considera
mais forte) Assim ele considera que o texto possui um caraacuteter poeacutetico indiscutiacutevel
e ao mesmo tempo um inegaacutevel estilo narrativo Por isso ele classifica a passagem
como prosa exaltada82 Alguns autores seguiram Fee na rejeiccedilatildeo ao consenso de
classificar Fl 26-11 como hino83 e outros apresentaram variaccedilotildees da classificaccedilatildeo
da passagem como ldquoprosa exaltadardquo Collins propocircs a designaccedilatildeo ldquoprosa hiacutenicardquo84
enquanto Basevi chamou-a de ldquoprosa riacutetmicardquo85
Em 1997 Martin reagiu agraves conclusotildees de Fee reafirmando o caraacuteter hiacutenico da
passagem86 E em 2015 Martin e Nash apresentaram um artigo com uma
contundente defesa do gecircnero Hymnos para Fl 26-11 O texto deles realiza duas
tarefas87 Primeiro eles discorrem sobre o caraacuteter do gecircnero hino nos manuais de
retoacuterica grega com a devida cautela cronoloacutegica ou seja preferindo os manuais
que satildeo contemporacircneos agrave carta aos Filipenses e aqueles que satildeo anteriores a ela
em mais de um seacuteculo Em um segundo momento os autores demonstram como a
passagem em questatildeo reflete as caracteriacutesticas literaacuterias do gecircnero helenista hino
ldquoo texto apresenta todas as carateriacutesticas que os teoacutericos julgavam essenciais para o
gecircnerordquo88 Segundo estes criteacuterios o texto de Fl 26-11 possui a seguinte estrutura
82 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 259-260 Antes mesmo de Fee BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento p311 tinha classificado Fl 26-11 natildeo como hino mas como um encocircmio um gecircnero da retoacuterica grega que objetiva a apresentaccedilatildeo elogiosa de uma pessoa Mais recentemente tambeacutem HELLERMAN J Philippians p 106 considerou Fl 26-11 como encocircmio 83 Entre outros BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 116-117 FOWL S Philippians p108-110 84 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 85 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los
Filipenses p 443 nota 16 86 MARTIN R P A Hymn of Christ p lvii-lviii Eacute a 3ordf ediccedilatildeo da obra de Martin na qual ele apresenta e discute os principais temas da exegese acadecircmica de Fl 26-11 entre 1982 (data da segunda ediccedilatildeo) e 1997 (data da terceira) 87 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the
Light of Ancient Rhetorical Theory p 90-138 88 Ibid p 109 Tambeacutem em 2015 apareceu um outro artigo criticando a classificaccedilatildeo de Fl 26-11 (e de Cl 115-20) como hino EDSALL B STRAWBRIDGE J R The Songs we Used to Sing
Hymn lsquoTraditionsrsquo and Reception in Pauline Letters p 290-311 argumenta que Fl 26-11 natildeo atende criteacuterios gregos para consideraacute-lo como hino e nas mais de 570 citaccedilotildees da passagem entre os pais da Igreja antes de 325 dC nunca ela eacute qualificada como hino O uacuteltimo argumento eacute uma deduccedilatildeo a partir do silecircncio e para o primeiro as respostas estatildeo no artigo de Martin e Nash que Edsall e Strawbrigdge natildeo tiveram como levar em consideraccedilatildeo
39
Origem (ampliada por Syncrisis) ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ
ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ
ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν
δούλου λαβών
Nascimento ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot
Corpo καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος
MenteVirtudes ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν
Proezas γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου
Maneira de morrer θανάτου δὲ σταυροῦ
Eventos poacutestumos διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν
Nomes e tiacutetulos (ampliado por
Syncrisis)
καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ
πᾶν ὄνομα
ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ
κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ
καταχθονίων
Um dos pontos a favor dessa estrutura eacute que ela explica o texto sem precisar
excluir qualquer linha uma das caracteriacutesticas das propostas apresentadas acima O
trabalho de Martin e Nash portanto reforccedila o consenso exegeacutetico que jaacute dura quase
um seacuteculo de classificar Fl 26-11 como hino
Quanto agrave estrutura da passagem enquanto os resultados da proposta de
Martin e Nash ainda seratildeo avaliados pela comunidade exegeacutetica a organizaccedilatildeo que
parece mais difundida (tanto entre autores que classificam a passagem como hino
quanto entre os que divergem dessa classificaccedilatildeo) eacute a que percebe o texto dividido
em duas partes os vs 6-8 e os vs 9-11 a saber89
ὃς ἐν μορφῇ θεοῦ ὑπάρχων οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο τὸ εἶναι ἴσα θεῷ ἀλλὰ ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενοςmiddot καὶ σχήματι εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸν γενόμενος ὑπήκοος μέχρι θανάτου θανάτου δὲ σταυροῦ
89 Entre os que seguem esta estrutura estatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 261-262 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 HAWTHORNE G F Philippians p 101-103 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 BARTH G A carta aos Filipenses p 45 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno
Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 445-446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii A favor de uma divisatildeo em trecircs partes aleacutem de Jeremias mencionado acima CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 297-298
40
διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς δόξαν θεοῦ πατρός
Os argumentos para essa divisatildeo satildeo muacuteltiplos Cada parte eacute composta por
uma sentenccedila que por sua vez possui dois verbos principais Nos vs 6-8 satildeo
ἡγήσατο e ἐκένωσεν e em 9-11 ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο90 Se por um lado a
expressatildeo θανάτου δὲ σταυροῦ eacute o ponto criacutetico da primeira parte91 a utilizaccedilatildeo da
preposiccedilatildeo διὸ no vs 9 marca uma virada na descriccedilatildeo dramaacutetica Ela eacute nesse caso
uma preposiccedilatildeo consecutiva mostrando que a sequecircncia eacute consequecircncia do que foi
dito antes92 Existem tambeacutem diferenccedilas que apontam para a separaccedilatildeo das partes
A primeira daacute preferecircncia a versos com menos de dez siacutelabas enquanto na segunda
predominam os versos com mais de dez siacutelabas93 Nos vs 6-8 encontram-se cinco
particiacutepios em 9-11 nenhum sequer94 Aleacutem eacute claro da mudanccedila de sujeito nos
vs6-8 o sujeito dos verbos principais eacute Jesus e em 9-11 as accedilotildees principais satildeo
realizadas por Deus Pai
33 A pesquisa sobre a autoria e origem de Fl 26-11
Segundo Lohmeyer Fl 26-11 eacute um hino preacute-paulino uma composiccedilatildeo poeacutetica
utilizada nos cultos editada e citada por Paulo na carta aos Filipenses Este juiacutezo
foi divulgado e aceito por parte da comunidade acadecircmica em especial com o apoio
dos trabalhos de A M Hunter e E Schweizer95 Em 1965 Martin avaliava que a
maioria dos comentaristas alematildees e franceses seguiam as conclusotildees de Lohmeyer
90 COLLINS A Y Psalms Philippians 26-11 and The Origins of Christology p 368 91 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 125-126 92 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los
Filipenses p 446 MARTIN R P A Hymn of Christ p lviii afirma que a expressatildeo διὸ καὶ funciona como a peripeteia no drama grego descrevendo o reverso do destino do heroacutei viacutetima 93 BASEVI C op cit p 448 94 Idem 95 MARTIN R P A Hymn of Christ p 55
41
enquanto a situaccedilatildeo entre os especialistas britacircnicos e americanos era exatamente
contraacuteria96
Entre os principais argumentos contraacuterios agrave autoria paulina de Fl 26-11 em
primeiro lugar vem a forma do texto De acordo com Lohmeyer o texto apresenta
caracteriacutesticas de um hino semiacutetico mas com formulaccedilotildees proacuteprias do idioma
grego Disso ele conclui que o autor compocircs o hino em grego mas seu idioma
nativo era semiacutetico97 O texto seria entatildeo um salmo judeu-cristatildeo originado na
primitiva comunidade judaico-cristatilde de Jerusaleacutem98 Um segundo argumento contra
a autoria paulina eacute a linguagem De um lado existem termos utilizados no texto que
satildeo hapax legomena no corpus Paulino e alguns inclusive no Novo Testamento
inteiro Os termos ἁρπαγμός ὑπερυψόω e καταχθόνιος nunca satildeo usados no Novo
Testamento aleacutem deste texto sendo que o primeiro eacute raro ateacute mesmo no grego
secular Tambeacutem natildeo se encontra no Novo Testamento a descriccedilatildeo do universo em
trecircs estaacutegios como na expressatildeo ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ καταχθονίων e a
palavra μορφή soacute ocorre em Mc 161299 Outro dado interessante eacute que algumas
palavras encontradas aqui satildeo utilizadas por Paulo de forma diferente em outros
contextos O verbo κενόω por exemplo eacute usado pelo apoacutestolo em Rm 414 1Co
117 415 e 2Co 93 mas sempre o sentido eacute negativo contrariamente agrave Fl 27 O
substantivo σχῆμα eacute usado em 1Co 731 com sentido distinto de Fl 27 e o termo
ὑπήκοος que nunca eacute usado no Novo Testamento (nem na LXX) no sentido de
obediecircncia a Deus100 Ainda no campo da linguagem mais ligado aos conceitos
existem duas outras consideraccedilotildees que pesam contra a autoria paulina Eacute que satildeo
encontradas no hino ideias estranhas agrave teologia de Paulo Satildeo elas a designaccedilatildeo de
Jesus como εἶναι ἴσα θεῷ e como δοῦλος o uso do verbo ὑπερυψόω para expressar
a exaltaccedilatildeo de Jesus e o fato desta ser retratada como um dom que Jesus recebe da
parte de Deus atraveacutes do verbo χαρίζομαι101 Em contrapartida faltam temas
caracteriacutesticos da cristologia paulina a saber a doutrina da redenccedilatildeo pela cruz a
ressurreiccedilatildeo de Cristo e o papel da igreja102
96 MARTIN R P A Hymn of Christ p 61 97 O curioso dessa observaccedilatildeo de Lohmeyer eacute a ironia dela favorecer agrave autoria paulina (que alhures ele nega) pois em Paulo encontramos um cristatildeo cuja liacutengua nativa era semita mas que escrevia em grego 98 MARTIN R P A Hymn of Christ p 46-47 99 Ibid p 48 100 Ibid p 44 101 Ibid p 48-49 102 Ibid p 49
42
A estes argumentos somam-se outros dois comeccedilando pela a suposiccedilatildeo que Fl
26-11 refletiria a cristologia do Servo do Senhor inspirada nos cacircnticos de servo
de Isaiacuteas 53 Ao que parece essa cristologia natildeo eacute orginalmente paulina mas soacute eacute
utilizada pelo apoacutestolo quando ele faz referecircncia ao que recebeu dos seus
predecessores no Evangelho103 E esse ponto traz agrave tona um outro argumento contra
autoria paulina que eacute o fato amplamente reconhecido pelos estudiosos
neotestamentaacuterios que boa parte da teologia de Paulo eacute reflexo da comunidade preacute
paulina e assim Fl 26-11 seria parte dessa heranccedila primitiva herdada por Paulo104
Natildeo obstante nem todos se convenceram de uma autoria natildeo paulina para Fl
26-11 Ateacute 1965 o expoente em favor da autenticidade paulina foi L Cerfaux105
Os argumentos apresentados por ele e por uma seacuterie de outros autores apoacutes ele
podem ser resumidos da seguinte forma Primeiramente em relaccedilatildeo agrave forma a
questatildeo levantada eacute por que Paulo pode ser considerado autor de outros textos
qualificados como poeacuteticos como 1Co 13 e natildeo ser o autor desta composiccedilatildeo na
carta aos Filipenses106 Nesse sentido percebe-se um cruzamento entre a questatildeo
do gecircnero literaacuterio do texto com a da autoria Isto porque um dos argumentos usados
para negar a autoria paulina do texto foi sua forma literaacuteria como um hino Esse
quadro poreacutem estaacute se alterando sobretudo atraveacutes da exegese do texto pela oacutetica
da retoacuterica grega Assim tanto Basevi que qualifica o texto como prosa riacutetmica
quanto Martin e Nash que defendem o texto como hino propotildee a autoria paulina107
Outro argumento usado contra a autoria paulina estaacute relacionado aos hapax
legomena No entanto o argumento eacute considerado inconclusivo pois passagens
tidas como paulinas tambeacutem possuem certo nuacutemero de hapax Eacute o caso de 1Co 13
que conteacutem trecircs palavras que natildeo aparecem em nenhum lugar do Novo Testamento
e outras trecircs que soacute ocorrem fora da literatura paulina108 Soma-se a isso o dado de
103 MARTIN R P A Hymn of Christ p 51-52 104 MARTIN R P A Hymn of Christ p 52-54 105 Avaliaccedilatildeo de MARTIN R P op cit p 55-56 Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de
Paulo p 292-293 106 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 O argumento eacute recuperado por BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 escrevendo 30 anos depois de Cerfaux 107 BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los
Filipenses p 450 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A
Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 137 nota 110 Estes uacuteltimos de forma menos contundente que o primeiro 108 BLACK D A op cit p 276
43
que Filipenses eacute a carta paulina com maior grau de hapax109 Destarte aleacutem de
existir no texto um grupo de palavras que refletem fielmente o pensamento paulino
satildeo em passagens de natureza poeacutetica que se esperam a utilizaccedilatildeo de um
vocabulaacuterio proacuteprio e natildeo usual consequentemente com um grau maior de
hapax110
Tambeacutem em favor da autoria paulina estaacute a intriacutenseca relaccedilatildeo entre 26-11 e
outras partes da carta aos Filipenses Dois paralelos satildeo muito importantes nesse
quesito Primeiro a conexatildeo entre 26-11 e 320-21 que pode ser visualizada a
seguir111
26-11 320-21
μορφῇ μορφὴν σύμμορφον
ὑπάρχων ὑπάρχει
σχήματι μετασχηματίσει
ἐταπείνωσεν ταπεινώσεως
ἐπουρανίων ἐν οὐρανοῖς
κύριος Ἰησοῦς
Χριστὸς
κύριον Ἰησοῦν
Χριστόν
δόξαν τῆς δόξης
Em segundo lugar a relaccedilatildeo de 26-11 com o contexto anterior a saber
ἡγούμενοι ὑπερέχοντας (23) com οὐχ ἁρπαγμὸν ἡγήσατο (26) κενοδοξίαν (23)
com ἑαυτὸν ἐκένωσεν (27) ταπεινοφροσύνῃ (23) com ταπεινώσεως ἑαυτὸν (28)
ἐχαρίσθη (29) com ἐχαρίσατο (29)112 e mesmo o versiacuteculo 5 que faz a ponte
entre a seccedilatildeo anterior e o hino conecta-se ao versiacuteculo 22 atraveacutes do verbo
φρονεῖτε113
109 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 274-275 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 180-184 a epiacutestola como um todo possui 17 hapax em relaccedilatildeo ao corpus paulino e 39 em relaccedilatildeo ao Novo Testamento como um todo 110 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 276-277 111 Ibid p 278 112 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 293 113 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 194
44
Quanto agraves ideias que formam o pano de fundo do hino tanto uma cristologia
influenciada pelas ideias do servo de YHWH natildeo eacute incompatiacutevel com o pensamento
paulino114 quanto eacute possiacutevel identificar a influecircncia sobre Fl 26-11 da temaacutetica do
segundo Adatildeo como em Rm 5 e 1Co 15 textos cuja autoria paulina natildeo eacute
discutida115 Natildeo obstante satildeo encontradas no hino ideias que verdadeiramente
correspondem agrave teologia paulina como o tema da obediecircncia de Jesus a ecircnfase na
morte de cruz e a exaltaccedilatildeo de Jesus como κύριος116
Uma uacuteltima reflexatildeo a ser feita no que diz respeito agrave autoria de Fl 26-11 eacute
sobre o conceito de autenticidade Conforme a argumentaccedilatildeo de Fee um
documento eacute considerado autecircntico quando ele foi escrito pela pessoa a quem o
escrito eacute atribuiacutedo Se Filipenses eacute atribuiacuteda a Paulo e ele realmente escreveu esta
carta ela eacute autecircntica Se 2Pedro eacute atribuiacuteda a Pedro e ele natildeo escreveu a carta ela
natildeo eacute autecircntica Quando este documento sofre interpolaccedilatildeo de um autor posterior
diz-se que aquela parte interpolada natildeo eacute autecircntica isto eacute natildeo pertence ao escritor
a quem a obra como um todo eacute atribuiacuteda No caso de Fl 26-11 a argumentaccedilatildeo
contra a autoria paulina resulta em uma interpolaccedilatildeo do proacuteprio autor do
documento na verdade ditada ou escrita junto com o restante do documento
original e que em uacuteltima anaacutelise eacute considerada inautecircntica117 Nas palavras de Fee
Concentrando-nos poreacutem nesta passagem a autenticidade toma um novo significado que o proacuteprio Paulo interpolou em 26 uma parte de material tradicional (material preacute-paulino) do qual natildeo era o autor original quer seja de forma literal ou parafraseada por ele em maior ou menor grau e por tanto ainda que a escreveu ele natildeo foi o autor por isso esta parte natildeo eacute autecircntica e natildeo se pode utilizar para reconstruir a teologia paulina Contudo esta eacute uma teoria muito estranha pois segundo esta definiccedilatildeo a maioria do Evangelho de Mateus teria que ser vista como natildeo autecircntica afinal nenhum dos materiais que ele aproveitou de Marcos ou de Q foram escritos por ele118
O protesto de Fee e as consideraccedilotildees acima tecircm persuadido cada vez mais
os autores em favor da autoria paulina Escrevendo em 2010 Hellerman afirma que
o consenso em favor da autoria preacute-paulina pertenceu agrave geraccedilatildeo anterior de
114 BLACK D A The Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 280 No prefaacutecio agrave ediccedilatildeo de 1997 da sua obra Martin afirma estar mais inclinado a reconhecer a influecircncia do Servo de YHWH de Isaiacuteas sobre Fl 26-11 do que na ediccedilatildeo original da sua obra em 1965 Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p lx Os expoentes dessa linha de interpretaccedilatildeo satildeo J Jeremias e L Cerfaux Cf CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 294-297 e MARTIN R P A Hymn of Christ p 182-183 115 MARTIN R P op cit p 58 116 Ibid p 59-60 117 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 85-86 118 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 86
45
eruditos119 Que essa eacute a tendecircncia percebe-se pela lista de eruditos que ele
apresenta favoraacutevel agrave autoria paulina Dos 12 autores mencionados apenas 2 satildeo
anteriores a 1990120 Parece que se estaacute a caminho de um novo consenso Natildeo
obstante mesmo entre os que defendem a autoria paulina o pano de fundo da
cristologia desenvolvida em Fl 26-11 eacute passiacutevel de discussatildeo como seraacute exposto
no item a seguir
34 O pano de fundo de Fl 26-11
Na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 os inteacuterpretes buscaram qual seria o pano
de fundo fundamental para as ideias desenvolvidas no texto A suposiccedilatildeo eacute que a
determinaccedilatildeo desse pano de fundo estabeleceria a rota correta para a interpretaccedilatildeo
da passagem Nesse intuito foram apresentadas seis propostas principais
Kaumlsemann propocircs o pano de fundo do helenismo religioso121 como
evidenciado na literatura Hermeacutetica Segundo ele Fl 26-11 eacute construiacutedo sobre o
mito gnoacutestico do homem divino o redentor celestial mas eacute uma composiccedilatildeo cristatilde
genuiacutena pois faz a releitura do mito e na verdade supera o mito122 A hipoacutetese de
Kaumlsemann natildeo recebeu muitas adesotildees entre outros motivos porque a literatura
Hermeacutetica na qual ela se baseia eacute datada a partir do segundo seacuteculo d C e eacute
discutiacutevel se no periacuteodo preacute-cristatildeo um mito gnoacutestico do redentor estava
completamente desenvolvido Aleacutem disso importantes elementos do referido mito
estatildeo ausentes no texto de Filipenses como o destino preacute-temporal do redentor e
um expliacutecito conflito ativo entre o redentor e os poderes coacutesmicos123
De acordo com Martin entre as propostas que procuram o pano de fundo
fora do proacuteprio cristianismo a hipoacutetese de Kaumlsemann foi a uacutenica tentativa seacuteria de
estudar o hino sem levar em consideraccedilatildeo o Antigo Testamento Todas as outras
119 HELLERMANN J H Vindicating Godrsquos Servants in Philippi and in Philippians p 100 nota 38 120 Idem Aos 12 mencionados por ele pode se acrescentar outros dois BLACK D A The
Autorship of Philippians 26-11 Some Literary-Critical Observations p 269-289 e BASEVI C Estudio Literario y Teoloacutegico del Himno Cristoloacutegico de la Epiacutestola a los Filipenses p 439-472 121 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 87-89 Em sua oacutetica o helenismo religioso diferencia-se tanto do helenismo claacutessico quanto do helenismo popular 122 Ibid p 119 123 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 193-194
46
propostas vatildeo buscar no Antigo Testamento ou em algum desdobramento dos seus
temas no judaiacutesmo a explicaccedilatildeo do que estaacute por traacutes de Fl 26- 11 Esse foi o
caminho original proposto por Lohmeyer De acordo com ele o hino eacute proveniente
de um contexto judaico cristatildeo mais especificamente a primitiva comunidade de
Jerusaleacutem que utilizaria o cacircntico nas celebraccedilotildees da eucaristia124 Um passo agrave
frente foi a delimitaccedilatildeo desse pano de fundo no Antigo Testamento OrsquoBrien indica
que Cerfaux e Jeremias foram os primeiros a identificar o pano de fundo da
passagem nos cacircnticos do Servo do Senhor de Isaiacuteas O uacuteltimo autor inclusive
mostra que importantes termos de Fl 26-11 devem ser interpretados a partir da
descriccedilatildeo do Servo Sofredor em Is 53125 Alguns seguiram e aprofundaram essa
perspectiva supondo que o hino original foi composto em aramaico e apresentando
possiacuteveis versotildees do hino em aramaico126 No entanto tal empreitada envolve alto
grau de especulaccedilatildeo inclusive quando a prova da existecircncia de um original
aramaico eacute a proacutepria possibilidade de traduzir para o aramaico127
OrsquoBrien tambeacutem associa a E Schweizer a proposta de levar o pano de fundo
do Servo sofredor para a temaacutetica do justo sofredor do judaiacutesmo Fruto da
martiriologia do periacuteodo macabeu a tese eacute que o justo sofredor eacute humilde e leal a
Deus se preciso ateacute a morte O problema aqui eacute a associaccedilatildeo do justo sofredor com
uma figura preexistente Schweizer tentou resolver o problema especulando uma
associaccedilatildeo entre este tema e o do filho do homem mas posteriormente ele mesmo
abandou essa ideia128
A sabedoria judaica tambeacutem foi postulada como o contexto original para as
ideias de Fl 26-11 Baseada sobretudo no livro da Sabedoria a tese eacute que o servo
justo se torna o instrumento da sabedoria A sabedoria eacute preexistente com Deus e
entra no mundo para habitar o servo justo A primeira objeccedilatildeo levantada aqui eacute que
a sabedoria ocupa principalmente um papel de mediadora da criaccedilatildeo enquanto que
esse natildeo eacute um tema apresentado em Fl 26-11 Outra questatildeo que natildeo encontrou
124 MARTIN R P A Hymn of Christ p 27-28 125 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194 JEREMIAS J Estudos do Novo
Testamento p 176-178 126 As duas principais traduccedilotildees satildeo apresentadas por MARTIN R P op cit p 40-41 e FITZMYER J A The Aramaic Background of Philippians 26-11 p470-483 127 Avaliaccedilatildeo de FEWSTER G The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarship p 193 Segundo ele como o aramaico do 1ordm seacuteculo natildeo eacute bem atestado algumas palavras gregas satildeo traduzidas conforme o aramaico de um periacuteodo posterior Ele tambeacutem afirma que contra o empreendimento estaacute o fato das traduccedilotildees resultantes serem distintas 128 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 194-195
47
uma explicaccedilatildeo plausiacutevel foi quando e onde aconteceu essa conexatildeo entre a
sabedoria e o justo129
Atualmente o pano de fundo mais discutido (o que natildeo quer dizer mais
adotado) para o hino de Fl 26-11 eacute o que olha para Gn 126-27 e 31-5
estabelecendo o contraste entre o primeiro e o segundo Adatildeo De fato a reflexatildeo eacute
encontrada na teologia paulina (Rm 518-19 e 1Co 1545-47) Eacute possiacutevel identificar
trecircs variaccedilotildees nesse tratamento A primeira acredita que por traacutes de Fl 26-11 estaacute a
especulaccedilatildeo judaica associada a Fiacutelon que vecirc um homem celestial em Gn 1 e um
homem terreno em Gn 3 O autor do hino apresenta um redentor relacionando as
duas figuras a Jesus130 A segunda variaccedilatildeo foi desenvolvida por J D G Dunn Ele
afasta a ideia de um homem celestial e de qualquer ideia de preexistecircncia no hino
Segundo ele Jesus estaacute na mesma posiccedilatildeo de Adatildeo um homem que possui a gloacuteria
divina Soacute que enquanto Adatildeo a perdeu por sucumbir agrave tentaccedilatildeo Jesus por sua
obediecircncia proporciona a sua restauraccedilatildeo na humanidade131 A terceira variaccedilatildeo da
chamada cristologia adacircmica eacute a proposta por N T Wright Aqui se visualiza uma
estreita conexatildeo entre Adatildeo Israel e Cristo A intenccedilatildeo de Deus para humanidade
estava perfeitamente apresentada em Adatildeo A desobediecircncia deste desfigurou esse
relacionamento poreacutem natildeo o destruiu Como parte do plano de restauraccedilatildeo desse
relacionamento Deus constitui Israel para levar suas intenccedilotildees para a humanidade
O projeto de Deus para Israel se cumpre em Jesus o Messias Nessa exegese
Wright entende que Filipenses natildeo estabelece um riacutegido paralelo entre Adatildeo e
Cristo e assim ao contraacuterio de Dunn Wright defende a ideia da preexistecircncia de
Cristo132
129 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 195-196 Ele mostra que a conexatildeo de Fl 26-11 com a sabedoria judaica foi formulada por D Georgi 130 Esta primeira alternativa remonta a J Heacutering e a O Cullmann Cf OrsquoBRIEN P T The Epistle
to the Philippians p 196 131 DUNN J D G Christology in the Making p 114-121 Para uma avaliaccedilatildeo da posiccedilatildeo de Dunn quanto a esta passagem cf OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 Dunn cita com aprovaccedilatildeo a proposta veiculada por Murphy-OrsquoConnor A opiniatildeo deste estudioso quanto a este tema pode ser resumida no seguinte periacuteodo ldquoEle era o que Adatildeo deveria ter sido o modelo inspirador do que Deus pretendia que o ser humano fosse A pureza de Cristo dava-lhe o direito de ser tratado como se fosse um deus isto eacute gozar da incorruptibilidade em que Adatildeo foi criado Entretanto ele natildeo usou esse direito em proveito proacuteprio Pelo contraacuterio entregou-se agraves consequecircncias de um modo de existecircncia inaugurado pelo Adatildeo caiacutedordquo (grifos acrescentados) MURPHY-OrsquoCONNOR J Paulo ndash Biografia criacutetica p 234 132 WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 56-98 FOWL S E Philippians p 114-115
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Resta ainda a possibilidade de encontrar o pano de fundo do hino no proacuteprio
cristianismo primitivo Haacute duas variaccedilotildees aqui Hawthorne acredita que o hino seja
o resultado da profunda meditaccedilatildeo que Paulo ou algum outro cristatildeo fez do gesto
de Jesus lavar os peacutes dos disciacutepulos e dos significados deste ato133 Para Hurtado a
primeira parte do hino ou seja 26-8 reflete a linguagem da parecircnese do
cristianismo primitivo ou mesmo de tradiccedilotildees do Jesus terreno que circulavam no
periacuteodo paulino134
Eacute provaacutevel que nunca se alcance um consenso quanto a essa questatildeo ateacute
porque a complexidade e profundidade da passagem insinua conexotildees com vaacuterios
contextos e cada qual traz um pouco de luz agrave exegese de Fl 26-11 Talvez seja
importante refletir na pergunta formulada por OrsquoBrien ldquoNatildeo poderia ser [Fl 26-
11] uma simples composiccedilatildeo cristatilde na qual o autor tirou certos conceitos de
diferentes contextos ndash talvez os combinando ou encontrando-os jaacute combinados ndash
para explicar o evento Cristordquo135
35 A funccedilatildeo de Fl 26-11 na carta (interpretaccedilatildeo eacutetica e soterioloacutegica)
Questatildeo tambeacutem muito importante para a interpretaccedilatildeo de Fl 26-11 eacute o seu
papel no fluxo da argumentaccedilatildeo paulina em Filipenses Geralmente a pergunta eacute
formulada a partir da compreensatildeo de gecircnero e autoria Por que Paulo inseriu este
hino cristoloacutegico nesta carta e exatamente nesse contexto literaacuterio Ou Por que
Paulo compocircs este hino e o citou como parte de sua carta aos Filipenses Ou ainda
Qual papel 26-11 desempenha no argumento que o apoacutestolo desenvolve na carta
aos Filipenses A despeito da formulaccedilatildeo ainda natildeo foi encontrada uma resposta
consensual entre os estudiosos
Logo de iniacutecio o que entra em consideraccedilatildeo eacute a relaccedilatildeo entre 26-11 e o
contexto anterior A seccedilatildeo inteira de 127-218 na qual Paulo trabalha a parecircnese
133 HAWTHORNE G F Philippians p 78 e 87 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196 134 Um dos problemas da exegese de Hurtado eacute justamente privilegiar a primeira parte do hino em detrimento da segunda cf 135 OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 196
49
estaacute dividia em subseccedilotildees 127-30 21-4136 26-11 e 212-18 Eacute paciacutefico que 21-
4 eacute um trecho no qual Paulo exorta a igreja agrave unidade mediante uma atitude de
humildade
Εἴ τις οὖν παράκλησις ἐν Χριστῷ εἴ τι παραμύθιον ἀγάπης εἴ τις κοινωνία πνεύματος εἴ τις σπλάγχνα καὶ οἰκτιρμοί πληρώσατέ μου τὴν χαρὰν ἵνα τὸ αὐτὸ φρονῆτε τὴν αὐτὴν ἀγάπην ἔχοντες σύμψυχοι τὸ ἓν φρονοῦντες μηδὲν κατ᾽ ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ ἀλλήλους ἡγούμενοι ὑπερέχοντας ἑαυτῶν μὴ τὰ ἑαυτῶν ἕκαστος σκοποῦντες ἀλλὰ [καὶ] τὰ ἑτέρων ἕκαστοι (Fl 21-4)
A passagem toda eacute controlada pelo imperativo πληρώσατέ do versiacuteculo 22
e possui algumas conexotildees vocabulares e conceituais com Fl 26-11 como entre
ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἐταπείνωσεν (vs8) e entre as formulaccedilotildees μηδὲν κατ᾽
ἐριθείαν μηδὲ κατὰ κενοδοξίαν ἀλλὰ τῇ ταπεινοφροσύνῃ (vs3) e ἀλλὰ ἑαυτὸν
ἐκένωσεν (vs7) O grande impasse estaacute na traduccedilatildeo de 25 que vincula todo o
conjunto 21-4 e 26-11 Em grego o versiacuteculo estaacute assim Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν
ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ137 Na verdade satildeo duas oraccedilotildees
Τοῦτο φρονεῖτε ἐν ὑμῖν
ὃ καὶ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ
A traduccedilatildeo desse versiacuteculo requer a resoluccedilatildeo de vaacuterias questotildees Em 25a
a primeira questatildeo eacute o referente do pronome demonstrativo Τοῦτο que eacute melhor
entendido como referindo-se ao argumento precedente e natildeo ao que vem a
136 O versiacuteculo 5 eacute considerado um versiacuteculo ponte tanto ele conclui o trecho de 21-4 quanto introduz 26-11 137 Existem dois problemas de criacutetica textual nesse versiacuteculo Alguns manuscritos inserem a conjunccedilatildeo γὰρ apoacutes o pronome demonstrativo Τοῦτο e outros substituem a forma verbal φρονεῖτε por froneisqw No entanto a evidecircncia manuscrita eacute contra a inserccedilatildeo das duas variantes e o texto eacute inteligiacutevel como estaacute A inclusatildeo de γὰρ eacute rapidamente discutida e desconsiderada por OMANSON R As Variantes Textuais do Novo Testamento p 413-414 FOWL S E Philippians p 89 observa que com a colocaccedilatildeo da conjunccedilatildeo o verbo deveria ser lido como indicativo (a forma eacute a mesma para o imperativo e o indicativo) dando a entender que os Filipenses jaacute estavam tendo o tipo de fronhsij desejado por Paulo Isto poreacutem contraria a argumentaccedilatildeo de 21-4 Contra agrave inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 264 apresenta trecircs argumentos o texto assindeacutetico tem melhor apoio textual a variante atesta o desejo dos escribas de se desfazerem do assiacutendeto e natildeo haacute nenhuma razatildeo plausiacutevel para se omitir a conjunccedilatildeo se ela fosse original Quanto agrave substituiccedilatildeo da forma verbal HAWTHORNE G F Philippians p 104-105 argumenta em favor do paralelismo das duas oraccedilotildees e opta pela forma verbal froneisqw isto eacute da 2ordf pessoa do plural para 3ordf pessoa do singular No entanto FEE G D op cit p264 mostra que Hawthorne cai no mesmo erro dos escribas usar uma variante inferior para tornar Paulo um escritor mais ordenado e legiacutevel
50
seguir138 Paulo estaacute referindo-se a tudo o que exortou agrave igreja em 21-4 Outra
questatildeo menor eacute reconhecer que o sintagma ἐν ὑμῖν diz respeito ao que deve ter
lugar na comunidade cristatilde com acento eclesiaacutestico sugerindo a traduccedilatildeo ldquoentre
voacutesrdquo ao inveacutes de ldquoem voacutesrdquo que privilegiaria o aspecto da conduta individual139
Tambeacutem eacute necessaacuterio lidar em 25a com a traduccedilatildeo do verbo φρονέω Este eacute um
verbo importante na literatura paulina particularmente na carta aos Filipenses140
Seu sentido baacutesico eacute ldquopensarrdquo141 mas em Paulo seu significado eacute mais do que
atividade racional envolve decisatildeo vontade eacute a orientaccedilatildeo da vida os alvos que o
ser humano escolhe e o determinam em sua totalidade142 Isso fica evidenciado no
uso do termo em Romanos 85 οἱ γὰρ κατὰ σάρκα ὄντες τὰ τῆς σαρκὸς φρονοῦσιν
οἱ δὲ κατὰ πνεῦμα τὰ τοῦ πνεύματος Uma vida κατὰ σάρκα tem um φρονέω
determinado pela σάρξ Uma vida κατὰ πνεῦμα tem o seu φρονέω condicionado
pelo πνεῦμα A fim de se escolher uma forma verbal que corresponda na traduccedilatildeo
agrave todas essas nuances do verbo grego propotildee-se o verbo ldquoviverrdquo143 ficando 25a
traduzido como ldquoIsto vivei entre voacutesrdquo
A segunda oraccedilatildeo eacute ainda mais difiacutecil pois falta um verbo em 25b As
propostas de resoluccedilatildeo resultam em duas principais opccedilotildees de traduccedilotildees Uma supre
a lacuna com o verbo ἦν A ideia subjacente a essa opccedilatildeo eacute que a recomendaccedilatildeo de
Paulo agrave igreja estaria presente na vida e ministeacuterio de Jesus conforme seraacute
apresentado em 26-11 Jesus seria o exemplo maacuteximo do φρονέω que o cristatildeo
deve ter Esta interpretaccedilatildeo tambeacutem compreende a expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ
138 Assim FOWL S E Philippians p 90 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 266 Outra forma de entender eacute ver todo o versiacuteculo 25 como foacutermula de citaccedilatildeo considerando-se 26-11 material preacute-paulino Assim KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 116-117 139 Reconhecido por FEE G D op cit p 266-267 Ironicamente este argumento vai trabalhar contra a interpretaccedilatildeo eacutetica adotada pelo autor conforme a discussatildeo abaixo 140 Segundo PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 o termo ocorre 26 vezes no Novo Testamento sendo 22 nas cartas paulinas incontestaacuteveis das quais 10 ocorrecircncias apenas na carta aos Filipenses Em segundo lugar estaacute Romanos com 9 141 BAGD p 886 142 PAULSEN H φρονέω In DENT p 1995-1998 GOETZMANN J Mente In DITNT p 1270-175 Este uacuteltimo afirma ldquoO pensar e o empenho do homem natildeo podem ser encarados em isolamento da orientaccedilatildeo global da sua vida esta uacuteltima seraacute refletida nos alvos que ele estabelece para sirdquo 143 O esforccedilo para corresponder a tudo o que o verbo significa aparece na traduccedilatildeo de FOWL S E Philippians p 88 ldquoSeja esse o seu padratildeo de pensamento accedilatildeo e sentimentohelliprdquo Uma alternativa em uma uacutenica palavra seria ldquoatituderdquo como fazem FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los
Filipenses p 264 e BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 121 A dificuldade eacute que isso requer a inserccedilatildeo de termos auxiliares (Fee ldquoVossa atitude deveria serrdquo Bockmuehl ldquoEsta eacute a atitude que vocecircs devem ter entre vocecircsrdquo grifos acrescentados) aleacutem do incocircmodo de se traduzir um verbo por um substantivo
51
literalmente isto eacute Paulo estaacute se referindo a algo (o φρονέω) que esteve presente
no comportamento na atitude na vida da pessoa qualificada como Cristo Jesus
Outra opccedilatildeo eacute suprir a lacuna verbal de 25b a partir da forma verbal de 25a
Aqui existem variantes De um lado estaria a hipoacutetese de φρονέω em uma forma
passada Quando essa escolha verbal eacute combinada com a interpretaccedilatildeo literal da
expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ mencionada acima o resultado eacute uma traduccedilatildeo do tipo
o que tambeacutem pensou agiu viveu Jesus Cristo144 Do outro lado estaacute a hipoacutetese do
φρονέω em uma forma presente combinada com uma interpretaccedilatildeo natildeo literal da
expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ Na histoacuteria da pesquisa sobre esta expressatildeo postulou-
se primeiramente por A Deissmann que ela se refere a um sentido espacial no qual
o cristatildeo possui a experiecircncia de intimidade com o Cristo ldquoEstar em Cristordquo refere-
se a uma experiecircncia miacutestica145 Essa maneira de entender foi aplicada agrave exegese de
Fl 25 ocasionando a seguinte traduccedilatildeo de 25b ldquocomo vocecircs tecircm em comunhatildeo
com Jesus Cristordquo146 Outro entendimento foi apresentado por K Barth que
enxerga na expressatildeo ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ o espaccedilo da realidade em que estatildeo
inseridos Paulo e seus leitores espaccedilo onde opera a lei da graccedila Eacute o espaccedilo da
comunhatildeo do corpo de Cristo Eacute o espaccedilo da Igreja147 Em outra direccedilatildeo postulou-
se a hipoacutetese da determinaccedilatildeo histoacuterica ldquoEstar em Cristordquo eacute ser determinado pelo
acontecimento histoacuterico da cruz e ressurreiccedilatildeo de Jesus cujos efeitos continuam no
presente148
Com exceccedilatildeo da primeira perspectiva as outras duas sobrevivem na exegese
atual conquanto isso natildeo signifique que alguma noccedilatildeo de comunhatildeo com o Jesus
Cristo vivo esteja excluiacuteda pois apesar da expressatildeo possuir um sentido teacutecnico em
Paulo ela natildeo possui de forma alguma um sentido uacutenico149 O conjunto de
ocorrecircncias mostram que Paulo utiliza a expressatildeo (com suas respectivas variaccedilotildees
ἐν Χριστῷ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ e ἐν κύριος) com duas intenccedilotildees principais para
descrever a accedilatildeo salviacutefica de Deus atraveacutes de Cristo e o espaccedilo de influecircncia que o
144 Como a traduccedilatildeo de HAWTHORNE G F Philippians p 105 ldquoEsta forma de pensamento deve ser adotada por vocecircs que tambeacutem foi a forma de pensamento adotada por Jesusrdquo grifos acrescentados 145 GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 102 146 Segundo MARTIN R P A Hymn of Christ p 70 essa interpretaccedilatildeo ldquomiacutesticardquo de 25b foi realizada por Michaelis e C H Dodd 147 BARTH K Epistle to the Philippians p 60 148 GNILKA J op cit p 103 149 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453
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cristatildeo vive em decorrecircncia da salvaccedilatildeo trazida por Jesus150 Haacute portanto uma
combinaccedilatildeo de perspectivas na expressatildeo ἐν Χριστῷ soterioloacutegica pois ela
concentra afirmaccedilotildees da realizaccedilatildeo dos planos de Deus em Jesus151 eclesioloacutegica
porque ela serve para descrever a comunhatildeo iniciada no batismo entre os crentes
uns com os outros e com Jesus exaltado (estar em Cristo eacute estar no Corpo de Cristo
que equivale a estar na Igreja)152 escatoloacutegica visto que o espaccedilo salviacutefico ἐν
Χριστῷ eacute resultado da intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria fazendo irromper o novo
eacuteon o tempo escatoloacutegico e permitindo agravequeles que participam desse espaccedilo
experimentar de antematildeo as primiacutecias da nova criaccedilatildeo153 e finalmente uma
perspectiva existencial dado que ἐν Χριστῷ natildeo designa um lugar mas estar sob
uma influecircncia uma orientaccedilatildeo de vida contraacuteria ao antigo e ainda presente eacuteon
caracterizada pela direccedilatildeo do Espiacuterito Santo154 A combinaccedilatildeo dessas perspectivas
pode ser resumida nas seguintes palavras
Em seu sentido baacutesico ἐν Χριστῷ deve ser entendido de modo local-existencial por meio do batismo os crentes entram no espaccedilo do Cristo pneumaacutetico e constitui-se a nova existecircncia na doaccedilatildeo do espiacuterito como sinal da salvaccedilatildeo que comeccedila de modo real no tempo presente e se realiza plenamente no futuro O ser humano eacute arrancado da sua autolocalizaccedilatildeo e encontra a si mesmo seu self na relaccedilatildeo com Cristo155
Quando se aplica todo esse entendimento da expressatildeo ἐν Χριστῷ agrave exegese
de 25 a relaccedilatildeo entre 25 e 26-11 ganha contornos bem especiacuteficos Foi E
Kaumlsemann quem primeiro notou a importacircncia desta expressatildeo para a compreensatildeo
da passagem e sobretudo foi ele quem primeiro tirou dela todas as consequecircncias
exegeacuteticas para o conjunto 25 e 26-11 Em um celebrado artigo publicado em 1950
ele estudou o texto de Fl 26-11 dialogando com os mais importantes autores que o
precederam nessa pesquisa E Lohmeyer M Dibelius K Barth W Michaelis K
150 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 456 151 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 ldquoa foacutermula teacutecnica lsquoEm Cristorsquo remete sem duacutevida de nenhuma classe ao acontecimento da salvaccedilatildeo tem um caraacuteter soterioloacutegicordquo 152 MARTIN R P Hymn of Christ p 71 Segundo ele essa percepccedilatildeo remonta a R Bultmann Da mesma forma GNILKA J Teologia del Nuevo Testamento p 105 153 Notado por RIDDERBOS H Teologia do Apoacutestolo Paulo p 62 na comparaccedilatildeo com a expressatildeo ldquoem Adatildeordquo Da mesma forma GNILKA J op cit p 106 afirma que ldquoEm Cristo ndash No Senhor Eacute o espaccedilo da salvaccedilatildeo escatoloacutegica a fronteira entre o mundo antigo e o novordquo 154 SEIFRID M A Em Cristo In DPC p 453 que nota que o ldquoestar em Cristordquo leva ao ldquoestar no Espiacuteritordquo 155 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 618
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Staab e A Erhardt156 A grande pergunta que o seu artigo quer responder eacute a respeito
do papel que o hino de 26-11 desempenha na parecircnese paulina em Filipenses
Nessa direccedilatildeo ele vai criticar o que ele chamou de interpretaccedilatildeo eacutetica Essa
interpretaccedilatildeo que retrocede ao trabalho primordial de Lohmeyer em 1928 e persiste
ateacute os dias de hoje entende que 26-11 eacute onde Paulo apresenta aos Filipenses o
exemplo maacuteximo de todas as virtudes que ele recomenda agrave igreja Esta
interpretaccedilatildeo eacute justificada pelas traduccedilotildees de 25b mencionadas acima que suprem
a lacuna verbal da oraccedilatildeo pela inclusatildeo de ἦν ou de alguma forma passada do verbo
φρονέω Os argumentos apresentados em favor da interpretaccedilatildeo eacutetica satildeo de fato
Paulo utiliza a vida de Jesus para tirar consequecircncias para o comportamento cristatildeo
Eacute o que ele faz em Rm 152-3 e 2Co 89 e o argumento encaixaria bem no contexto
pareneacutetico de 21-4157 Em contrapartida o apoacutestolo natildeo esperaria que seus leitores
tivessem uma imitaccedilatildeo ldquoisomoacuterficardquo de Cristo Nenhum ser humano pode realmente
imitar o que estaacute descrito em Fl 26-11 a natildeo ser de forma anaacuteloga sobretudo no
que tange agrave renuacutencia para servir os outros158 Tambeacutem eacute possiacutevel construir uma
analogia entre a exaltaccedilatildeo de Jesus descrita em 29-11 com a esperanccedila cristatilde de
ετασχηματίσει τὸ σῶμα τῆς ταπεινώσεως ἡμῶν σύμμορφον τῷ σώματι τῆς δόξης
αὐτου apresentada em 321159 Por fim mas natildeo menos importante esta
interpretaccedilatildeo parece ser preferida por alguns estudiosos por natildeo ter necessidade de
supor um estaacutegio preacute-paulino para Fl 26-11 um tempo no qual o texto faria parte
do culto cristatildeo primitivo onde se cantava a salvaccedilatildeo trazida Deus em Jesus160
Acredita-se que a chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo de 26-11 repousa apenas no
contexto literaacuterio da carta161
Natildeo obstante apesar de cada um destes argumentos serem verdadeiros
quando totalizados e colocados na balanccedila ao lado da posiccedilatildeo contraacuteria o peso eacute
156 Escrevendo em 1998 Martin afirma que os dois marcos na histoacuteria da exegese de Fl 26-11 satildeo a obra de Lohmeyer de 1928 e o artigo de Kaumlsemann de 1950 MARTIN R P Carmen Christi Revisited p 1 157 Reconhecido entre outros por BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 158 FOWL S E Philippians p 106-107 159 Ibid p 107 160 Criacutetica de BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 122 161 A interpretaccedilatildeo eacutetica da passagem eacute mantida entre outros por Lohmeyer Cerfaux Hurtado Susan Eastman Bockmuehl Fee Hawthorne Cf MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 CERFAUX L Cristo na Teologia de Paulo p 292 BOCKMUEHL M op cit p 122-123 FEE G D Philippians 25-11 Hymn or Exalted Pauline Prose p 37-39 FEE G D Comentario
de la Epiacutestola a los Filipenses p 262-263 HAWTHORNE G Philippians p 104-105 FEWSTER G P The Philippians lsquoChrist Hymnrsquo Trends in Critical Scholarschip p 198-200
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muito maior em favor da outra interpretaccedilatildeo chamada ldquointerpretaccedilatildeo kerygmaacuteticardquo
ou ldquointerpretaccedilatildeo soterioloacutegicardquo postulada inicialmente em 1950 por E Kaumlsemann
e que tem em Ralph Martin o seu maior defensor contemporacircneo Satildeo vaacuterios os
pilares dessa interpretaccedilatildeo Antes de tudo a ecircnfase da conexatildeo entre 25 e 26-11 eacute
colocada na expressatildeo ἐν Χριστῷ acentuando toda a forccedila teoloacutegica que a
expressatildeo tem no corpus paulino como exposto acima Desse modo o que Paulo
estaacute afirmando em 25 eacute que os cristatildeos devem praticar as virtudes e
comportamentos indicados em 21-4 como conveacutem agravequeles que fazem parte do
Corpo de Cristo e estatildeo debaixo do senhorio dele De fato a interpretaccedilatildeo
soterioloacutegica acentua mais do que a interpretaccedilatildeo eacutetica o valor exegeacutetico da
expressatildeo ἐν Χριστῷ E esta maneira de entender o texto natildeo deixa de fazer justiccedila
ao contexto pareneacutetico de 21-4 e mais ainda de 127-218 Pois na perspectiva de
Paulo ele estaacute exortando a igreja a comunidade de batizados portanto pessoas que
fazem parte do corpo de Cristo que experimentaram o dom escatoloacutegico do Espiacuterito
Santo que se submeteram a Jesus como κύριος rejeitando todos os outros O que
o apoacutestolo estaacute dizendo eacute que os cristatildeos de Filipos devem viver em conformidade
com este espaccedilo espiritual escatoloacutegico cristoloacutegico onde foram inseridos como eacute
adequado aos que fazem parte da Igreja A diferenccedila eacute que a parecircnese estaacute mais
para a obediecircncia a Jesus do que para imitaccedilatildeo a Jesus como se constata pelo
contexto imediato posterior o versiacuteculo 212 Ωστε ἀγαπητοί μου καθὼς πάντοτε
ὑπηκούσατε μὴ ὡς ἐν τῇ παρουσίᾳ μου μόνον ἀλλὰ νῦν πολλῷ μᾶλλον ἐν τῇ
ἀπουσίᾳ μου μετὰ φόβου καὶ τρόμου τὴν ἑαυτῶν σωτηρίαν κατεργάζεσθεmiddot Natildeo
obstante natildeo se estaacute negando absolutamente que Cristo seja um modelo para os
cristatildeos162 mas que o papel de Fl 26-11 na epiacutestola natildeo eacute apresentar um modelo
eacutetico e sim descrever o acontecimento escatoloacutegico da salvaccedilatildeo ou melhor dizendo
apresentar uma eacutetica fundamentada na soteriologia163
162 Nas palavras de Barth ldquoCom isto sua conduta [a de Jesus descrita em 26-11] eacute a razatildeo para depois ser tambeacutem a norma e o criteacuterio para o cristatildeordquo BARTH G A carta aos Filipenses p 44 Um pouco mais hesitante afirma BYRNE B A Carta aos Filipenses In NCBSJ p 449 ldquoEmbora um aspecto de imitaccedilatildeo eacutetica natildeo seja necessariamente excluiacutedo Paulo mais provavelmente cita o hino para exortar os Filipenses a viver a atitude altruiacutesta (phronein) que deveria brotar de dentro deles por estarem lsquoem Cristorsquordquo 163 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 472 tenta oferecer uma soluccedilatildeo intermediaacuteria atraveacutes das categorias ldquoimagem primordialrdquo e ldquoimagem modelarrdquo Ele afirma ldquoComo imagem
primordial Jesus Cristo possibilita a nova existecircncia dos cristatildeos como imagem modelar ele os marca por sua proacutepria condutardquo (grifos dele) Faltou poreacutem um detalhamento maior de como isso funciona na interpretaccedilatildeo do hino e na relaccedilatildeo dele com o contexto
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Outra criacutetica levantada por Kaumlsemann contra a interpretaccedilatildeo eacutetica eacute que ela
tende a valorizar mais a primeira parte do hino isto eacute os versiacuteculos 6-8 de modo
que os versiacuteculos 9-11 natildeo seriam mais que um excurso ldquonecessaacuterios para nadardquo164
Isso porque se o objetivo do hino eacute apenas apresentar o exemplo de Jesus somente
nos versiacuteculos 6-8 trata-se da atitude de Jesus165 pois em 9-11 haacute uma mudanccedila de
sujeito Soacute que a segunda parte da passagem natildeo eacute um apecircndice um suplemento agrave
primeira ela eacute parte integrante e necessaacuteria166 Na verdade o hino eacute um todo tendo
o seu cliacutemax em 9-11 por conta do seu caraacuteter escatoloacutegico e narrativo como se
veraacute a seguir167
Nesta perspectiva Fl 26-11 descreve um evento na verdade o evento
escatoloacutegico por excelecircncia que tem efeitos sobre todo o universo ldquoEacute o ato de
salvaccedilatildeo o que se celebra se apresenta aqui o acontecimento da salvaccedilatildeo em todas
as suas caracteriacutesticasrdquo168 O hino eacute marcado pela visatildeo escatoloacutegica do cristianismo
primitivo que em relaccedilatildeo agrave apocaliacuteptica judaica distingue-se pela afirmaccedilatildeo do
caraacuteter presente da salvaccedilatildeo A era da salvaccedilatildeo jaacute chegou Deus jaacute exaltou Jesus
Ele jaacute eacute o κύριος que deve ser reverenciado e confessado Em relaccedilatildeo ao helenismo
religioso o texto distingue-se pela afirmaccedilatildeo de que esse κύριος realmente se fez
homem e foi morto na cruz169 Por sinal esta eacute a relaccedilatildeo entre 9-11 e 6-8 porque a
exaltaccedilatildeo sem a encarnaccedilatildeo e a cruz resultaria em uma ldquoteologia da gloacuteriardquo sem
164 Observaccedilatildeo extrema de Kaumlsemann contra a intepretaccedilatildeo eacutetica sobretudo no formato que ela apareceu nos livros de E Lohmeyer e M Dibelius KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 80 165 KREITZER L ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 ldquoEacute difiacutecil incorporar a estrofe final do hino cristoloacutegico dentro de uma interpretaccedilatildeo da passagem que foca somente o exemplo eacutetico de Jesusrdquo 166 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 117 Segundo MARTIN R P Filipenses p 106 as interpretaccedilotildees que divergem de Kaumlsemann entendem os versiacuteculos 9-11 como digressatildeo dada a dificuldade de se aplicar ao tema da imitaccedilatildeo de Cristo 167 Isso natildeo significa que inexistam diferenccedilas entre as duas seccedilotildees do hino Entre outras aleacutem da mudanccedila de sujeito do Filho para o Pai enquanto a primeira parte descreve a ldquodescidardquo do Filho a segunda parte descreve a sua ldquosubidardquo Cf MAZZAROLO I Carta aos Filipenses p 86 O que se estaacute propondo poreacutem eacute que a relaccedilatildeo entre essas partes natildeo eacute linear e sim progressiva de forma que 29-11 eacute a continuidade e o cliacutemax de 26-8 168 KAumlSEMANN E op cit p 94 169 KAumlSEMANN E op cit p 118-119 Na paacutegina 111 referindo-se agrave exaltaccedilatildeo de Jesus em 29-11 ele afirma ldquoAinda que natildeo se pense aqui em um ato no final dos tempos o acontecimento descrito eacute sem duacutevida escatoloacutegico enquanto tal da mesma maneira que a encarnaccedilatildeo a cruz [tratadas em 6-8] e a ressurreiccedilatildeo que satildeo consideradas sempre no Novo Testamento como acontecimentos escatoloacutegicos Segundo a concepccedilatildeo neotestamentaacuteria o tempo do fim comeccedila precisamente no que se realiza com Cristo e em Cristordquo Segundo KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 113 a desconsideraccedilatildeo do contexto escatoloacutegico eacute a grande negligecircncia na intepretaccedilatildeo de Fl 26-11 especialmente responsaacutevel pela omissatildeo do papel dos versiacuteculos 29-11
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uma ldquoteologia da cruzrdquo O que foi exaltado eacute aquele se encarnou se humilhou e foi
obediente ateacute a morte170
Nesse sentido a questatildeo por traacutes do hino natildeo eacute responder agrave questatildeo
dogmaacutetica sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho171 ou sobre as duas
naturezas nem oferecer um padratildeo comportamental O seu objetivo eacute narrar o
evento histoacuterico da salvaccedilatildeo em um colorido escatoloacutegico culminando no atual
senhorio de Cristo sobre todo o universo Em favor desta interpretaccedilatildeo estaacute a
observaccedilatildeo de Martin e Nash que considerando Fl 26-11 um hino segundo os
criteacuterios da retoacuterica helenista afirmam que nessa perspectiva o hino
necessariamente apresenta uma sequecircncia cronoloacutegica172 Com efeito isso quer
dizer que o texto natildeo eacute uma peccedila dogmaacutetica mas uma narrativa apresentando uma
sucessatildeo de fases um iniacutecio um meio e um cliacutemax um auge Esse auge estaacute
justamente no que acontece apoacutes a morte de Cruz que representa o status presente
daquele cuja histoacuteria eacute narrada Falando sobre Fl 26-11 Becker comenta
Para reconhecer isso eacute preciso ter claro que Cristo sempre eacute descrito mediante uma histoacuteria Ela eacute o evento soterioloacutegico para todos os crentes Ela faz de Cristo a figura escatoloacutegica central da salvaccedilatildeo O seu destino como um todo aconteceu lsquopor noacutesrsquo Exatamente isso natildeo sua humildade subjetiva eacute o que se descreve com as afirmaccedilotildees sobre o sentido fundamental e objetivo desse evento e desse salvador Natildeo eacute por meio da imitaccedilatildeo que os cristatildeos estabelecem uma relaccedilatildeo com o modelo Cristo Sua relaccedilatildeo como Cristo natildeo se baseia na accedilatildeo imitativa mas sim em uma realidade viver no novo estado de salvaccedilatildeo173
E esse ldquonovo estado de salvaccedilatildeordquo essa realidade presente eacute descrita na
seccedilatildeo de 9-11 que deve ser considerado o apogeu da narrativa hiniacuteca174 pois o
cliacutemax no senhorio de Jesus faz de forma efetiva a conexatildeo com o contexto
pareneacutetico da carta Porque os cristatildeos estatildeo ldquoem Cristordquo eles estatildeo debaixo do
senhorio de Jesus Porque Jesus eacute o Senhor eles devem obedececirc-lo (versiacuteculo
212)175 Porque eles satildeo participantes desse evento escatoloacutegico e soterioloacutegico
devem viver correspondendo a essa nova existecircncia Diga-se aliaacutes que essa
maneira de entender Fl 26-11 daacute agrave passagem a condiccedilatildeo de coraccedilatildeo teoloacutegico da
170 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119 171 KAumlSEMANN E op cit p 94 ldquoNatildeo eacute uma relaccedilatildeo o que se descreve aqui e sim um acontecimento um dramardquo No mesmo local ele informa que tal reconhecimento ele tirou de K Barth 172 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the
Light of Ancient Rhetorical Theory p 135 173 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 450-451 174 MARTIN R P A Hymn of Christ p xv xviii utiliza o termo alematildeo mitte 175 Ibid p xvi
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epiacutestola sem a qual faltaria na carta uma seccedilatildeo de exposiccedilatildeo teoloacutegica em torno da
qual gravitariam as seccedilotildees de exortaccedilotildees repreensatildeo aos adversaacuterios gratidatildeo e
apresentaccedilatildeo da situaccedilatildeo e planos do apoacutestolo
Outro dado em favor de 9-11 como cliacutemax do hino eacute a presenccedila da foacutermula
ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo A expressatildeo eacute reconhecida como a ldquoconfissatildeo de feacute por
excelecircncia que estaacute na origem de todas as demais e a todas abarcardquo176 O texto tanto
mostra quem eacute esse Senhor a ser confessado (eacute o que se tornou homem se
humilhou morreu na cruz foi exaltado por Deus e recebeu dele o nome sobre
todos) quanto em uma suposta utilizaccedilatildeo lituacutergica como hino antes da inserccedilatildeo na
carta desafiava os ouvintes a reverenciar e confessaacute-lo como Senhor No contexto
literaacuterio em que estaacute reforccedila a ideia de que estar ldquoem Cristordquo eacute simultaneamente
estar debaixo do senhorio de Jesus
Por outro lado considerar Fl 29-11 o cliacutemax do hino natildeo significa desprezar
26-8 para a interpretaccedilatildeo da passagem como um todo Na verdade natildeo se entende
29-11 sem 26-8 porque ambas as seccedilotildees fazem parte de uma uacutenica trama
narrativa literariamente formatada como um hino em duas partes e teologicamente
descrevendo o evento histoacuterico-salviacutefico fundamental O que se estaacute afirmando eacute
que o auge dessa trama estaacute em 29-11 e que essa maneira de entender o conjunto
de Fl 26-11 e o seu papel no contexto da carta aos Filipenses eacute mais bem explicado
pela chamada interpretaccedilatildeo soterioloacutegica
Por tudo isso a interpretaccedilatildeo soterioloacutegica proposta por Kaumlsemann deve ser
preferida e adotada nesta dissertaccedilatildeo177 por apresentar uma argumentaccedilatildeo coerente
para o hino como um todo fazendo jus agraves suas duas partes explicar de maneira
adequada a relaccedilatildeo do hino com o versiacuteculo 25 sobretudo a forccedila da expressatildeo ἐν
Χριστῷ e natildeo desconsiderar o contexto pareneacutetico da epiacutestola mas tirar a questatildeo
eacutetica do vieacutes da imitaccedilatildeo (como proposto pela chamada ldquointerpretaccedilatildeo eacuteticardquo) para
o contexto da participaccedilatildeo ἐν Χριστῷ e da submissatildeo ao senhorio de Jesus
E dada a importacircncia do versiacuteculo 25 para a compreensatildeo de 26-11 diante
do que foi exposto acima e somando-se ao paralelismo existente entre as
176 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 284 embora aqui a foacutermula esteja em uma versatildeo aumentada Natildeo apenas ldquoJesus eacute Senhorrdquo mas ldquoJesus Cristo eacute Senhorrdquo 177 Esta interpretaccedilatildeo eacute adotada entre outros por MARTIN R P A Hymn of Christ p 68-74 MARTIN R P Filipenses p 104-107 BARTH G A carta aos Filipenses p 43-45 BECKER J Apoacutestolo Paulo Vida Obra e Teologia p 449-451 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 p 111-118 Uma posiccedilatildeo intermediaacuteria eacute defendida por FOWL S E Philippians p 1006-108
58
expressotildees ἐν ὑμῖν e ἐν Χριστῷ e de que o normal no grego em frases eliacutepticas
como 25b eacute suprir o verbo a partir da primeira proposiccedilatildeo178 a seguinte traduccedilatildeo
poderia ser sugerida para o versiacuteculo 25 ldquoVivam isto entre vocecircs como conveacutem
viver em Cristo Jesusrdquo que parafraseado seria ldquoVivam tudo isto que mencionei
acima entre vocecircs como conveacutem a todos que fazem parte do corpo de Cristo e estatildeo
debaixo do senhorio delerdquo
178 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 267
4 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o seu novo nome
41 Introduccedilatildeo ao capiacutetulo
A seccedilatildeo que se inicia em 29 vincula-se agrave anterior pelo tema O assunto de
26-8 eacute o mesmo de 29-11 Jesus soacute que agora em uma nova perspectiva Antes
encarnaccedilatildeo e humilhaccedilatildeo Agora exaltaccedilatildeo e senhorio O sujeito tambeacutem muda
mas o epicentro temaacutetico continua o mesmo179 Isso eacute sugerido pela posiccedilatildeo
enfaacutetica do pronome αὐτὸν mostrando que ldquoelerdquo o que se humilhou eacute o mesmo
ldquoelerdquo que seraacute exaltado180 Cristo continua o centro da narrativa181 Quer dizer na
primeira parte Jesus eacute o sujeito das accedilotildees ele natildeo se apegou ao ser igual ao Deus
ele se esvaziou ele assumiu a forma humana e a forma de servo e foi obediente
ateacute a morte Na segunda parte Deus o exalta daacute ele o nome sobre todo nome
diante do nome dele todos os joelhos se dobraratildeo e toda liacutengua confessaraacute que ele
eacute o Senhor A passagem como um todo eacute cristocecircntrica sem contudo abrir matildeo
do monoteiacutesmo182
Pela perspectiva da histoacuteria das formas eacute possiacutevel que toda a seccedilatildeo de 29-
11 esteja emoldurada segundo os antigos cerimoniais de entronizaccedilatildeo orientais
(especialmente egiacutepcios) presentes em alguns textos do Novo Testamento Nestes
rituais a entronizaccedilatildeo do rei divino seguia trecircs partes exaltaccedilatildeo a apresentaccedilatildeo
diante dos deuses e a entronizaccedilatildeo Em Fl 29-11 esta estrutura foi adaptada da
seguinte forma exaltaccedilatildeo (διὸ καὶ ὁ θεὸς ὑπερύψωσε αὐτὸν) proclamaccedilatildeo do
179 MARTIN R P A Hymn of Christ p 230 180 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141 HELLERMAN J H Philippians p 119 tambeacutem observa que o objeto direto αὐτὸν eacute enfaacutetico aqui 181 HELLERMAN J H Philippians p 118 182 Existem no entanto diferenccedilas entre Fl 26-8 e 29-11 Aleacutem do sujeito dos verbos nota-se o contraste na utilizaccedilatildeo dos particiacutepios satildeo cinco na primeira parte e nenhum na segunda Haacute tambeacutem uma mudanccedila no pano de fundo lexical poreacutem as opiniotildees satildeo diversas Enquanto BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los Filipenses
(Phil 26-11) p 447 defende que a terminologia de 26-8 possui colorido semiacutetico e 29-11 um vocabulaacuterio caracteristicamente helenista SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 argumenta exatamente o contraacuterio
60
novo nome (καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα) e homenagem ao
entronizado por gestos e confissatildeo (os versiacuteculos 10-11)183
Do ponto de vista da retoacuterica grega como notado no capiacutetulo anterior
Martin e Nash entendem que o segmento διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν faz
parte do toacutepico ldquoEventos Poacutestumosrdquo e todo o restante do versiacuteculo 9 junto com os
versos 10 e 11 estariam incluiacutedos no toacutepico ldquoNomes e Tiacutetulosrdquo Todavia a
expressatildeo τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα funcionaria como uma syncrisis isto eacute um toacutepico
adicional que ampliaria o entendimento de outro toacutepico atraveacutes de comparaccedilatildeo184
Sintaticamente Fl 29-11 constitui uma uacutenica sentenccedila que pode ser
dividida em duas oraccedilotildees διὸ καὶ ὁ θεὸς αὐτὸν ὑπερύψωσεν καὶ ἐχαρίσατο αὐτῷ
τὸ ὄνομα τὸ ὑπὲρ πᾶν ὄνομα seria o periacuteodo principal porque traz os dois verbos
no indicativo (ὑπερύψωσεν e ἐχαρίσατο) e compreende todo o verso 9 Estes dois
verbos estatildeo conectados por um καὶ que pode ser entendido como epexegeacutetico
fazendo a frase toda ser uma hendiacuteadis ou seja os dois verbos natildeo apontam para
acontecimentos independentes mas satildeo dois aspectos de um mesmo evento185 A
exaltaccedilatildeo e o novo nome satildeo simultacircneos Um resultado semelhante eacute alcanccedilado
atraveacutes de uma outra abordagem sintaacutetica isto eacute quando se desmembra o periacuteodo
principal em duas pequenas oraccedilotildees cada qual com um verbo em uma relaccedilatildeo de
paralelismo sinoniacutemico186
O segundo periacuteodo eacute composto por duas oraccedilotildees subordinadas agraves oraccedilotildees
principais do versiacuteculo 9 e coordenadas entre si Este periacuteodo abrange os versos
10 e 11 ἵνα ἐν τῷ ὀνόματι Ἰησοῦ πᾶν γόνυ κάμψῃ ἐπουρανίων καὶ ἐπιγείων καὶ
καταχθονίων καὶ πᾶσα γλῶσσα ἐξομολογήσηται ὅτι κύριος Ἰησοῦς Χριστὸς εἰς
δόξαν θεοῦ πατρός Ele eacute comandado pela conjunccedilatildeo de propoacutesito ἵνα e traz seus
dois verbos no subjuntivo (κάμψῃ e ἐξομολογήσηται)187 Pode-se dizer que
enquanto o versiacuteculo 9 descreve a exaltaccedilatildeo de Jesus os versos 10 e 11 trazem o
propoacutesito (ou consequecircncia conforme seraacute discutido mais agrave frente) desta
183 MARTIN R P A Hymn of Christ p 242-243 GOPPELT L Teologia do Novo
Testamento p 331 Este uacuteltimo afirma que o mesmo modelo eacute encontrado em 1Tm 36 Hb 13-13 e Ap 56-14 184 MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive Hymnos A Study in the
Light of Ancient Rhetorical Theory p 112-113 185 FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 289 Segundo ele na hendiacuteadis o segundo verbo desenvolve ou completa o significado do primeiro A mesma opiniatildeo tem HELLERMAN J H Philippians p 119 186 BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico de la epiacutestola a los
Filipenses (Phil 26-11) p 446 187 Entre outros esta perspectiva sintaacutetica eacute apresentada em SILVA Moiseacutes Philippians p 108
61
exaltaccedilatildeo Portanto este capiacutetulo tem como objetivo investigar a descriccedilatildeo da
exaltaccedilatildeo no versiacuteculo 9 enquanto que os proacuteximos capiacutetulos se ocuparatildeo do
propoacutesito (ou consequecircncia) da exaltaccedilatildeo de Jesus apresentadas em Fl 210-11
O versiacuteculo 9 eacute iniciado pela expressatildeo διὸ καὶ O primeiro elemento διὸ eacute
uma conjunccedilatildeo inferencial Ela eacute em geral usada para coordenar o que segue com
o que vem antes e sua traduccedilatildeo comum eacute por isso por essa razatildeo O καὶ que vem
associado pode ser entendido como intensificando a conjunccedilatildeo188 indicando que a
inferecircncia eacute auto evidente189 ou que a conclusatildeo a seguir eacute de alguma forma
oacutebvia190 Essa interpretaccedilatildeo resultaria em uma traduccedilatildeo livre do tipo por isso
naturalmente obviamente Silva no entanto questiona esse raciociacutenio
mostrando que a utilizaccedilatildeo de διὸ e a combinaccedilatildeo διὸ καὶ no Novo Testamento
natildeo oferecem suporte para esta maneira de ver pois nem sempre a expressatildeo
combinada indica uma ldquoinferecircncia auto evidenterdquo e ao mesmo tempo a
conjunccedilatildeo sozinha agraves vezes pode de fato apontar nesta direccedilatildeo Ele prefere
sugerir que o papel do καὶ seja intensificar ou realccedilar a conjunccedilatildeo e que o uso
paulino pode estar influenciado pelo texto de Is 5312 na LXX (διὰ τοῦτο)191 Isto
encaminha uma traduccedilatildeo mais simples com apenas um ldquoe por issordquo192
42 O responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus
O texto natildeo deixa duacutevida que o responsaacutevel pela exaltaccedilatildeo de Jesus eacute
Deus De fato a seccedilatildeo de 29-11 eacute marcada de forma profunda pelo monoteiacutesmo
Deus exalta Jesus compartilha com ele o seu proacuteprio nome e tudo isso resulta na
gloacuteria de Deus Eacute importante delimitar o que significa o substantivo θεὸς no
contexto da teologia paulina Enquanto judeu o conceito que Paulo tinha acerca
de Deus eacute profundamente marcado pelo Antigo Testamento como aliaacutes eacute o caso
188 FEE G Christology p 395 189 De acordo com BAGD p198 190 Conforme BALZ H SCHNEIDER G διό In DENT v I p 1018 HELLERMAN J H Philippians 118 percebe uma ironia aqui pois do ponto de vista da cultura romana predominante em Filipos a exaltaccedilatildeo de algueacutem qualificado na primeira parte como δοῦλος e que terminou sua vida crucificado seria tudo menos uma coisa oacutebvia 191 Isto foi primeiro afirmado por CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p295 e 304 Cerfaux acredita que por traacutes de Fl 26-11 existe uma grande influecircncia dos cacircnticos de servo em Isaiacuteas 192 SILVA Moiseacutes Philippians p 115
62
de todos os autores neotestamentaacuterios embora com matizes diferentes Para o
apoacutestolo o θεὸς que enviou seu Filho ao mundo e agora o exaltou eacute o mesmo Deus
de Israel revelado nas Escrituras hebraicas Poreacutem o encontro com o Cristo
ressuscitado levou o apoacutestolo a inclui-lo na sua feacute monoteiacutesta A heranccedila judaica e
a convicccedilatildeo cristoloacutegica constituem assim o cerne do entendimento paulino de
Deus
Dessa forma o θεὸς para ele eacute o criador do mundo (Rm 12025) que atua
de maneira contiacutenua nele e se importa com ele a ponto de redimi-lo O impacto do
evangelho fez Paulo incluir nessa argumentaccedilatildeo o papel de Cristo na criaccedilatildeo
como mediador e finalidade (respectivamente em 1Co 85-6 e Cl 116)
Igualmente se no Antigo Testamento Israel poderia ser chamado de Filho de
Deus (Os 111) para Paulo Deus eacute o Pai de toda a criaccedilatildeo mas de maneira
particular ele eacute o Pai de Jesus e dos cristatildeos Esse Deus que eacute criador e Pai
tambeacutem reina soberano sobre todo o universo e um dia atuaraacute como juiz de todas
as pessoas (Rm 141012) E nestes temas verifica-se de novo a influecircncia
cristoloacutegica pois Paulo pode falar do reinado exercido por Jesus (1Co 1525 com
efeito a partir da sua exaltaccedilatildeo) e do juiacutezo que vem atraveacutes de Jesus na parusia
(Rm 216 2Co 510) E ainda a visatildeo paulina de Deus eacute caracterizada por uma
seacuterie de atributos compartilhados com a tradiccedilatildeo judaica a saber a gloacuteria (Rm
323 1Co 1031 Ef 117) a sabedoria (1Co 27 130 onde ele identifica Cristo
com a sabedoria de Deus) a santidade (percebida como exortaccedilatildeo em especial por
aqueles que agora satildeo filhos de Deus em Cristo como Rm 17 1Ts 47 1Co 619-
20) justiccedila (Rm 321-22 103 Gl 26) amor e graccedila (Rm 324 55 2Co 1313) e
fidelidade (1Co 19 1013) Para Paulo esse foi o Deus que exaltou Jesus193
Outro ponto importante eacute perguntar como a mudanccedila de sujeito no
contexto do hino seria notada pelos cidadatildeos filipenses Eacute muito provaacutevel que essa
virada na narrativa chamaria a atenccedilatildeo deles por conta da sua sensibilidade soacutecio-
poliacutetica O ponto eacute que no mundo romano da eacutepoca existia uma enorme
valorizaccedilatildeo da cultura da honra e do prestiacutegio puacuteblico ldquoStatus era uma
commoditie puacuteblica no mundo romanordquo194 Nesse sistema cultural quando se era
honrado por algueacutem a honra do homenageado aumentava proporcionalmente agrave
honra que o doador possuiacutea Em consequecircncia o ideal era ser honrado por um
193 GUTHRIE D MARTIN R P Deus In DPL p 379-397 194 HELLERMAN J H Philippians p 119
63
homem honrado receber prestiacutegio de quem ocupasse a mais alta posiccedilatildeo social195
Essa loacutegica eacute elevada agrave uacuteltima potecircncia em Fl 29 mostrando que Jesus foi
exaltado pelo ser mais honrado e exaltado do universo Deus A autoridade do
doador garante a eficaacutecia da honra recebida
43 A exaltaccedilatildeo de Jesus e o sentido do verbo ὑπερυψόω
O verbo ὑπερυψόω pode ser traduzido d forma literal como elevar algueacutem
ao lugar mais alto196O termo eacute um hapax no Novo Testamento e na literatura
cristatilde primitiva foi utilizada uma uacutenica vez na 1ordf carta de Clemente 145 Em
contrapartida o termo foi utilizado 50 vezes na LXX197BAGD indica que Fl 29
parece ecoar Sl 969 LXX ldquoPois tu eacutes Senhor o Altiacutessimo sobre a Terra
grandemente exaltado acima de todos os deusesrdquo198 Haacute dessa forma uma
perspectiva de comparaccedilatildeo a exaltaccedilatildeo de YHWH eacute considerada em relaccedilatildeo aos
deuses (τοὺς θεούς na LXX יםאה no texto hebraico) Interessante observar que
o texto hebraico utiliza a mesma preposiccedilatildeo nas duas partes do versiacuteculo (על)
enquanto a LXX utiliza ἐπὶ na primeira parte quando o termo de comparaccedilatildeo eacute a
Terra e ὑπὲρ na segunda parte quando o contraste eacute com os deuses Eacute esta uacuteltima
preposiccedilatildeo que Fl 29 vai usar Ademais essa relaccedilatildeo com o Salmo contribui para
a compreensatildeo comparativa do verbo ὑπερυψόω no conjunto de Fl 26-11 como
seraacute discutido abaixo
431 A exaltaccedilatildeo no Antigo Oriente em geral e no judaiacutesmo em particular
A ideia de exaltaccedilatildeo desempenhava papel importante nos mitos do Antigo
Oriente Por exemplo no mito babilocircnico Enucircma Elish Marduque foi exaltado na
assembleia dos deuses apoacutes derrotar Tiamate e Kingu o que lhe proporcionou a
195 HELLERMAN J H Philippians p 119 196 BAGD p 842 197 Segundo a contagem de MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v1 p 83-87 198 BAGD p 842 O versiacuteculo corresponde ao Sl 979 da Biacuteblia Hebraica Sl 979 O hebraico traz literalmente ldquoPois tu eacutes YHWH o Altiacutessimo sobre toda a Terra exaltado sobre todos os deusesrdquo
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soberania sobre o mundo Em consequecircncia ele instala na Terra Hamurabi como
seu representante exaltado entre os homens Entre os egiacutepcios existia o mito de
exaltaccedilatildeo do faraoacute Tutmose III realizado pelo deus sol Recirc Atraveacutes da exaltaccedilatildeo o
faraoacute foi coroado e instalado como filho de deus Tambeacutem existiam mitos
babilocircnicos que descreviam a tentativa de seres humanos buscarem a exaltaccedilatildeo
atraveacutes do esforccedilo proacuteprio Contudo o empreendimento terminava mal porque
natildeo contava com o favor dos deuses199
O Antigo Testamento utiliza alguns termos para expressar a ideia de
exaltaccedilatildeo No texto hebraico satildeo גדל גבה רום e א A LXX os traduz pelos נש
verbos ὑψόω e ὑπερυψόω O pensamento israelita eacute que somente Deus tem o
poder de exaltar (e ao mesmo tempo de humilhar) A auto-exaltaccedilatildeo humana eacute
sempre rejeitada Eacute algo que se opotildee a Deus e recebe a sua condenaccedilatildeo (Sl 757
Is 211 e 17) A exaltaccedilatildeo eacute vista de um modo mais positivo quando o homem estaacute
em uma situaccedilatildeo de opressatildeo e busca o socorro divino Ele eacute exaltado quando
Deus muda suas circunstacircncias exaltado a uma realidade melhor (Sl 37 34 8917
e 1129) Em relaccedilatildeo a Deus ele eacute exaltado nos cultos e demais cerimocircnias
religiosas atraveacutes da adoraccedilatildeo do seu povo (Sl 3433) E agrave medida que comeccedila a
surgir uma esperanccedila escatoloacutegica dentro do Antigo Testamento tambeacutem vai se
desenvolvendo uma expectativa de exaltaccedilatildeo do povo de Deus Eacute nesse contexto
que estatildeo inseridos os cacircnticos de servo em Isaiacuteas um dos possiacuteveis panos de
fundo para a narrativa da exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl 29-11 Entre outros L
Cerfaux acredita que todo o hino de Fl 26-11 estaacute sob a influecircncia desta tradiccedilatildeo
especiacutefica Dessa forma laacute eacute prometido que o servo receberaacute na exaltaccedilatildeo as
multidotildees (Is 5312) aqui seu triunfo estende-se ao cosmos Em Isaiacuteas (LXX) a
exaltaccedilatildeo eacute descrita com o verbo ὑψόω em Filipenses com o verbo ὑπερυψόω200
E aleacutem de Is 5213-5312 existe em Fl 29-11 a alusatildeo ao trecho de Is 4521-23
como seraacute avaliado adiante no trabalho
De fato o Novo Testamento interpreta o עבד do Decircutero-Isaiacuteas como uma
figura messiacircnica que tem o seu cumprimento em Jesus (At 826-40) Contudo no
contexto de Isaiacuteas tanto eacute possiacutevel que o termo faccedila referecircncia a um indiviacuteduo
199 Para todo este paraacutegrafo cf MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v 1 p 83-87 200 CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 304-306 Para ele a mudanccedila de verbo diz respeito agrave intenccedilatildeo de Paulo de acentuar a exaltaccedilatildeo de Cristo sobre as potestades celestes
65
quanto que ele esteja designando o povo de Israel como um todo201 E essas
alternativas natildeo satildeo necessariamente excludentes pois eacute provaacutevel que em algumas
passagens exista uma distinccedilatildeo entre o servo e Israel (Is 491-9 421-7 504-10)
e em outras (Is 5417 566 6317 658-9) uma identificaccedilatildeo entre ambos202 O
judaiacutesmo por sua vez interpretava o עבד como uma referecircncia ao povo de
Israel203 Tudo isso vai ser importante para a exegese proposta por N T Wright
para Fl 26-11 Na visatildeo dele por traacutes dessa passagem estaacute a expectativa da
exaltaccedilatildeo de Israel a uma posiccedilatildeo de proeminecircncia por conta da sua obediecircncia
algo que se cumpriu na exaltaccedilatildeo de Jesus Ele chama esse raciociacutenio de
ldquocristologia israelitardquo204 uma variaccedilatildeo da mais conhecida cristologia adacircmica O
fundamento para essa exegese seriam os ecos intertextuais entre Fl 26-11 e Gn
126-28 Sl 84-7 Dn 714 e acima de tudo Is 4523
Tambeacutem a literatura apocaliacuteptica judaica testemunha essa expectativa
escatoloacutegica sendo a exaltaccedilatildeo parte da esperanccedila humana Haacute tanto uma
perspectiva futura como algo que seraacute consumado no fim dos tempos quanto
espacial com a ideia de ser exaltado aos mais altos ceacuteus (particularmente na
tradiccedilatildeo de Enoque) Seja como for e a despeito de ser possiacutevel uma delimitaccedilatildeo
precisa das influecircncias veterotestamentaacuterias sobre Fl 29-11 eacute certo que esse texto
deve ser lido e interpretado a partir das expectativas israelitas de uma exaltaccedilatildeo
escatoloacutegica que o cristianismo primitivo entendeu estarem cumpridas na
exaltaccedilatildeo de Jesus
201 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 308 202 KAISER W C עבד In DITAT p 1067 203 CARPENTER E עבד In NDITEAT v III p 310 204 Para Wright a cristologia a partir de Adatildeo e a cristologia a partir do servo sofredor de Isaiacuteas natildeo satildeo contraditoacuterias Ambas satildeo cristologias baseadas em Israel Como uacuteltimo Adatildeo Jesus assumiu o papel que Israel deveria ter desempenhado segundo o Antigo Testamento Ainda segundo Wright Paulo natildeo chegou a essa conclusatildeo porque havia na feacute judaica preacute-cristatilde a expectativa da vinda de um Messias escatoloacutegico a partir de Isaiacuteas 53 Pelo contraacuterio foram os eventos da cruz que fizeram ele repensar o cliacutemax do plano salviacutefico de Deus WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 60-61
66
432 A exaltaccedilatildeo no Novo Testamento
O Novo Testamento articula o tema da exaltaccedilatildeo sobretudo atraveacutes do
verbo ὑψόω utilizado em vinte ocasiotildees Ele eacute aplicado a Jesus em Joatildeo 314
828 123234 At 233 531 Na mensagem de Jesus a exaltaccedilatildeo eacute vista dentro da
temaacutetica do discipulado e com uma dimensatildeo escatoloacutegica Ela eacute geralmente
trabalhada atraveacutes do binocircmio exaltaccedilatildeo-humilhaccedilatildeo A exaltaccedilatildeo passa pelo
caminho da humilhaccedilatildeo e obediecircncia diante de Deus Quem se exalta nesta vida
seraacute humilhando no julgamento final Quem se humilha (para servir a Deus e ao
proacuteximo) seraacute exaltado pelo proacuteprio Deus no juiacutezo final Tiago e 1Pedro vatildeo
exortar os cristatildeos a partir deste paradigma (Tg 410 1Pe 56) Diversos
testemunhos no Novo Testamento apontam para a esperanccedila da exaltaccedilatildeo dos
cristatildeos na parusia e a exaltaccedilatildeo de Jesus vai se tornar o fundamento desta
esperanccedila205
E para tratar da exaltaccedilatildeo de Jesus o Novo Testamento segue o padratildeo
veterotestamentaacuterio e natildeo a situa em termos de mito mas de histoacuteria O exaltado
eacute Jesus de Nazareacute o mesmo que foi levantado em uma cruz Destarte esse
conceito eacute trabalhado de forma diversificada nos escritos neotestamentaacuterios
Tradiccedilotildees primitivas presentes no livro de Atos em 233 e 531 designam a
entronizaccedilatildeo de Jesus como Senhor por meio do verbo ὑψόω206 Na literatura
paulina encontra-se em Fl 29-11 a exaltaccedilatildeo relacionada agrave ideia de senhorio mas
em Rm 14 ela diz respeito a Jesus ser designado Filho de Deus e 1Tm 316 a ele
ser recebido na gloacuteria207 No quarto evangelho o tema da exaltaccedilatildeo seraacute paralelo
ao da glorificaccedilatildeo atraveacutes do verbo δοξάζω (Jo 739 1216 175) Ali Jesus jaacute eacute
o exaltado na sua crucificaccedilatildeo que eacute o cumprimento da sua missatildeo Hebreus natildeo
utiliza o verbo ὑψόω e vai articular a teologia da exaltaccedilatildeo atraveacutes de outras
expressotildees coroado (19) ungido (113 1012 122) assentado agrave direita de Deus
(55) Em resumo como notado por Bruce todas as fontes do Novo Testamento
celebram a exaltaccedilatildeo de Jesus208
205 LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1910-1911 206 Ibid p 1911-1912 De acordo com MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112 a exaltaccedilatildeo de Jesus fazia parte do ldquolsquokerygmarsquo apostoacutelico conservado nos Atos dos Apoacutestolosrdquo 207 MUumlLLER D ὑψόω In DITNT v I p 83-87 208 BRUCE F F Filipenses p 88
67
Quanto agrave origem e disseminaccedilatildeo do conceito da exaltaccedilatildeo de Jesus no
Novo Testamento era corrente afirmar ateacute metade do seacuteculo passado que uma
cristologia da exaltaccedilatildeo isto eacute o reconhecimento de que o Jesus ressuscitado atua
no presente como κύριος podendo ser inclusive invocado e cultuado pela
comunidade foi um fenocircmeno surgido na comunidade cristatilde helenista Essa foi a
tese defendida originalmente por W Bousset na obra Kyrios Christos em 1913
De acordo com ele a comunidade cristatilde primitiva de Jerusaleacutem de fala aramaica
natildeo possuiacutea uma cristologia da exaltaccedilatildeo tese que foi aprovada e assumida por
Bultmann como observa Cullmann209
Posteriormente entretanto a tese recebeu muitas criacuteticas ficando
desprestigiada no final do seacuteculo 20210 Fundamental para esse processo de
superaccedilatildeo foi a identificaccedilatildeo de trechos e expressotildees nos livros do Novo
Testamento a maior parte em textos paulinos que remontam a um periacuteodo
anterior agrave produccedilatildeo destes livros Satildeo testemunhos do cristianismo mais primitivo
recolhidos e transmitidos pelos autores do Novo Testamento Entre estes textos
estatildeo alguns sermotildees no livro de Atos textos considerados hinos cristoloacutegicos
como 1Tm 316 e Fl 26-11 confissotildees de feacute como ldquoJesus eacute Senhorrdquo (Rm 1023
1Co 123) e acima de tudo a expressatildeo μαράναθά presente em 1Co 1622 Esta
expressatildeo que tambeacutem ocorre no cristianismo primitivo em Didaquecirc 106211 eacute a
transliteraccedilatildeo de uma frase aramaica que pode ser traduzida como uma suacuteplica
ldquoNosso Senhor vemrdquo212 Entende-se que ela estaacute por traacutes de Ap 2210b onde
estaria sendo citada de forma traduzida Enquanto suacuteplica seria uma peticcedilatildeo
dirigida ao proacuteprio Jesus Cristo exaltado213 seja para que ele realize sua parusia
seja para que ele se manifeste de uma forma especial agrave igreja que estaacute reunida em 209 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p280-281 mostra que na obra posterior ldquoJesus der Herrrdquo de 1916 Bousset abandou sua explicaccedilatildeo original mas acabou reassumindo-a na segunda ediccedilatildeo de Kyrios Christos em 1921 Curiosamente Cullmann informa que Bultmann adotou em sua Teologia do Novo Testamento a explicaccedilatildeo provisoacuteria dada por Bousset em 1916 210 Veja-se que aleacutem de Bultmann encontra-se uma adoccedilatildeo da tese de Bousset em KRAMER W Christ Lord and Son of God p 65-71 obra lanccedilada em 1966 e GOPPELT L Teologia do
Novo Testamento p 327-333 que remonta a meados da deacutecada de 1970 211 ldquoQue venha a graccedila e passe este mundo Hosana ao filho de Davi Se algueacutem for santo que venha Se algueacutem natildeo for santo faccedila penitecircncia Maranata Ameacutemrdquo Texto segundo FITZMYER J A To Advance The Gospel p 224 212 Existe discussatildeo sobre a correta divisatildeo da expressatildeo e consequentemente sua respectiva traduccedilatildeo A saber μαραν ἀθῆ - ldquoNosso Senhor estaacute vindordquo μαραν ἄθα ndash ldquoNosso Senhor veiordquo ou ldquoNosso Senhor estaacute aquirdquo μαράνα θά - ldquoNosso Senhor vemrdquo Cf FITZMYER J A To
Advance The Gospel p 226 A uacuteltima forma eacute a adotada no Novo Testamento grego de Nestleacute-Aland 213 SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 29 GOPPELT L Teologia
do Novo Testamento p 278
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torno da eucaristia214 De qualquer jeito a expressatildeo μαράναθά e os demais
extratos do cristianismo primitivo no Novo Testamento atestam que desde o iniacutecio
da igreja jaacute na comunidade de fala aramaica em Jerusaleacutem os cristatildeos criam em
um Jesus exaltado Senhor dos cosmos mas tambeacutem Senhor da comunidade e de
suas vidas Senhor com quem eles podiam se relacionar de forma especial no
culto215 Logo apoacutes a ressurreiccedilatildeo quando os disciacutepulos ser reuniram como igreja
cristatilde creram que sobre eles Jesus estava como Senhor exaltado Eacute a ressurreiccedilatildeo
o acontecimento fundamental para o surgimento do conceito de exaltaccedilatildeo de
Jesus Nas palavras de Cullmann
Eacute a convicccedilatildeo dos disciacutepulos de que a ressurreiccedilatildeo de Cristo havia inaugurado o fim dos tempos O que jaacute havia sido realizado dava agrave sua esperanccedila esta firme confianccedila o fim dos tempos jaacute havia comeccedilado Cristo natildeo podia ser para eles meramente o Filho do Homem que havia de vir Ele devia tambeacutem ter uma significaccedilatildeo presente jaacute que este presente pertencia ao tempo da consumaccedilatildeo A esperanccedila ardente da manifestaccedilatildeo proacutexima do seacuteculo vindouro natildeo eacute pois a causa mas a consequecircncia da feacute na ressurreiccedilatildeo de Cristo 216
433 A exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina
4331 Linhas gerais da exaltaccedilatildeo de Jesus na literatura paulina
A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute um tema central na cristologia paulina Eacute ela que
revela ldquoa verdadeira identidade de Jesus daacute um significado definitivo a sua vida e
morte e fornece a base para a esperanccedila cristatilderdquo217 Isto pode remontar a sua
proacutepria experiecircncia com Jesus (e portanto das suas comunidades) que natildeo foi
uma experiecircncia com o Jesus terreno (como os 12 apoacutestolos) mas
fundamentalmente com o Cristo exaltado A sua experiecircncia de encontrar o Jesus
exaltado na estrada para Damasco tornou-se o epicentro da sua cristologia Isso
214 ldquoTemos visto a dupla significaccedilatildeo de Maranata lsquoVem a noacutes que estamos reunidos em teu nome e lsquoVem definitivamentersquo [] A ceia evoca com efeito retrospectivamente a uacuteltima refeiccedilatildeo de Jesus antes de sua morte e as da Paacutescoa onde o ressuscitado apareceu e por outro lado ela prefigura o banquete messiacircnico de Cristo e dos seus reunidos no Reino de Deusrdquo CULMMANN O Cristo e o Tempo p 199 215 Entre outros BROWN R Introduccion a la cristologia del Nuevo Testamento p 121-158 e SCHNACKENBURG R Cristologia do Novo Testamento p 24-38 216 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 272 217 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522
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natildeo quer dizer que Paulo imaginasse o Cristo exaltado dissociado do Jesus
histoacuterico como pensaram Bultmann e outros Para Paulo o exaltado natildeo era
ningueacutem diferente daquele Jesus que foi crucificado em Jerusaleacutem e ressuscitou
trecircs dias depois Nessa perspectiva o hino de Fl 26-11 ocupa papel importante
pois como expressatildeo de uma cristologia paulina autecircntica (articulada de forma
original por ele ou aproveitada de tradiccedilatildeo lituacutergica jaacute existente) ele revela que
este que agora estaacute exaltado eacute Senhor e deve ser reverenciado e confessado natildeo eacute
outro senatildeo aquele que se encarnou completamente assumindo a forma humana e
humilhou-se como servo e morreu na cruz como aacutepice da sua obediecircncia ao Pai218
Essa cristologia da exaltaccedilatildeo articulada por Paulo segue e desenvolve
linhas que jaacute existiam no cristianismo anterior a ele como a leitura cristoloacutegica do
Sl 1101 a profissatildeo de feacute de Jesus como κύριος e os trechos de cunho lituacutergico
mais desenvolvidos como Rm 13-4 1Co 153-8 Cl 115-20 1Tm 316 A partir
dessa base cristoloacutegica tradicional somada a sua matriz de pensamento judaica e a
sua experiecircncia de encontro com Cristo o apoacutestolo desenvolve sua cristologia da
exaltaccedilatildeo a partir de quatro aspectos219 a ressurreiccedilatildeo a ascensatildeo a
entronizaccedilatildeo220 e a parusia221
Aqui em Fl 29 eacute provaacutevel que as primeiras trecircs accedilotildees estejam incluiacutedas no
verbo ὑπερύψωσεν222 Neste texto a exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute descrita em estaacutegios
Tudo estaacute indicado atraveacutes de um uacutenico verbo223 Como notado por Bockmuehl
ldquoPaulo enfatiza somente o fato natildeo o processo desta exaltaccedilatildeo que em outros
lugares envolve ressurreiccedilatildeo ascensatildeo e sentar-se agrave direita de Deusrdquo224
A ressurreiccedilatildeo atesta o iniacutecio da exaltaccedilatildeo sendo a reversatildeo imediata do
auge da sua humilhaccedilatildeo a morte de cruz A ressurreiccedilatildeo eacute mais do que um 218 MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 522-523 219 Conforme MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523-524 220 Nem todos os autores trabalham com a categoria da ldquoentronizaccedilatildeordquo de Cristo como algo distinto da ascensatildeo dado que o Novo Testamento natildeo menciona um acontecimento especiacutefico relacionado agrave entronizaccedilatildeo Geralmente a discussatildeo acerca da ldquoascensatildeordquo jaacute inclui a entronizaccedilatildeo 221 MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 112-113 apresenta a partir da obra de J MacArthur uma descriccedilatildeo da exaltaccedilatildeo que tambeacutem conteacutem quatro aspectos com a diferenccedila que o quarto aspecto natildeo eacute a parusia mas a atuaccedilatildeo de Jesus no governo celestial 222 Assim pensa entre muitos outros HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 485 Segundo ele a parte da parusia apareceraacute nos versiacuteculos 10 e 11 quando todos iratildeo confessar e se ajoelhar diante de Jesus O pensamento contraacuterio foi defendido por Lohmeyer em sua exposiccedilatildeo claacutessica da passagem Para ele o verbo diz respeito ao assentar-se de Cristo agrave direita de Deus Pai e natildeo agrave ressurreiccedilatildeo Isso indicaria a origem natildeo paulina do hino pois o apoacutestolo contrariamente iria se referir agrave ressurreiccedilatildeo e natildeo agrave exaltaccedilatildeo Isso aproxima de acordo com este autor o pensamento do hino da teologia joanina BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 14 223 OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 236 224 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141
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simples voltar agrave vida eacute uma nova existecircncia gloriosa natildeo mais sujeita agraves
fraquezas da vida humana e aos poderes malignos que ainda atuam neste universo
Quanto agrave ascensatildeo Paulo natildeo a menciona de maneira expliacutecita o que natildeo quer
dizer que ele natildeo conhecesse nada a respeito Em alguma medida Paulo
pressupotildee uma transiccedilatildeo entre o ministeacuterio terreno de Jesus (que vai ateacute a cruz e
se desenvolve na Terra) e o ministeacuterio exaltado (que comeccedila na ressurreiccedilatildeo mas
vai se desenvolver no ceacuteu) mas parece que ele natildeo descreve essa transiccedilatildeo como
ascensatildeo sendo mesmo possiacutevel que ele natildeo conhecesse essa tradiccedilatildeo225 Natildeo
obstante o Jesus ressurreto vai ser entronizado Paulo descreve esta realidade por
intermeacutedio da metaacutefora do ldquoestar sentado agrave direita de Deusrdquo e ter os inimigos
debaixo dos peacutes ambas tiradas do Sl 1101 (talvez em combinaccedilatildeo com o Sl 86)
Cinco vezes ele usa explicitamente esse versiacuteculo Rm 834 1Cor 1525 Ef
12022 Cl 31226 E eacute bastante possiacutevel que por traacutes de Fl 29-11 tambeacutem esteja
presente uma reflexatildeo cristoloacutegica que parte do Sl 1101 A ideia eacute que Cristo estaacute
exercendo a sua soberania sobre todo o universo acima de todo poder e
autoridade E quando ocorrer a parusia a gloacuteria do Senhor exaltado seraacute revelada
(1Cor 17) seus inimigos seratildeo derrotados em definitivo (1Cor 1524-26) e todo o
universo o aclamaraacute como Senhor
Quanto agrave exaltaccedilatildeo como entronizaccedilatildeo a perspectiva paulina envolve a
temaacutetica da vitoacuteria de Jesus sobre poderes espirituais que por sua vez remonta agrave
perspectiva veterotestamentaacuteria de YHWH como guerreiro divino Conforme
Reid encontra-se no Antigo Testamento a visatildeo de YHWH como um guerreiro
que luta primeiro em favor e junto com seu povo Israel mas posteriormente
contra ele por conta da sua desobediecircncia227 O paradigma para essa perspectiva
foi a luta de YHWH contra as forccedilas do Egito em favor da libertaccedilatildeo do seu povo
A infidelidade de Israel agrave alianccedila fez com que YHWH se tornasse guerreiro contra
Israel revogando o ecircxodo e levando seu povo ao exiacutelio Isto eacute descrito por Isaiacuteas
como a ldquoobra insoacutelitardquo de YHWH (Is 2821) A uacuteltima fase dessa perspectiva no
Antigo Testamento eacute a esperanccedila escatoloacutegica de quando YHWH agiraacute como
guerreiro divino contra os inimigos de Israel Seraacute o dia da restauraccedilatildeo atraveacutes do
225 Diferente do que defende MAILE J F Exaltaccedilatildeo e Entronizaccedilatildeo In DPC p 523 Lohfink citado por Maile argumenta que Paulo natildeo conhecia a estrutura lucana de ressurreiccedilatildeo quarenta dias e ascensatildeo 226 Caso se desconsidere Efeacutesios e Colossenses como cartas autecircnticas entatildeo temos duas ocorrecircncias expliacutecitas 227 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209
71
triunfo contra todos aqueles que se levantaram contra o povo da alianccedila Eacute a partir
deste pano de fundo veterotestametaacuterio que Paulo vai compreender a exaltaccedilatildeo de
Jesus Cristo que teraacute assim uma orientaccedilatildeo tanto monoteiacutesta quanto escatoloacutegica
isto eacute a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute vista como a realizaccedilatildeo do triunfo de YHWH sobre
os inimigos cumprindo a esperanccedila judaica da intervenccedilatildeo divina no fim dos
tempos Eacute por isso que em Fl 29 o sujeito eacute explicitamente mencionado ao
contraacuterio da primeira parte 26-8 enfatizando que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o
cumprimento do plano escatoloacutegico de Deus
4332 A exaltaccedilatildeo de Jesus como evento escatoloacutegico
O que foi dito acima jaacute aponta para a importacircncia da escatologia para a
compreensatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus na teologia paulina A escatologia eacute uma das
estruturas fundamentais da teologia paulina228 Ela natildeo eacute apenas um ponto de
partida para a sua reflexatildeo teoloacutegica mas todas as linhas da sua argumentaccedilatildeo satildeo
influenciadas por essa base A escatologia paulina funciona de forma
bidimensional uma dimensatildeo temporal (presente e futuro) e uma dimensatildeo
espacial (terreno e celeste)229 Com efeito eacute a primeira dimensatildeo que predomina
Como muitos autores judeus do primeiro seacuteculo Paulo entendia que o
aparecimento do Messias significava a chegada do futuro tempo de salvaccedilatildeo De
forma mais especiacutefica ele entende que a ldquoressurreiccedilatildeo de Jesus eacute primordialmente
um acontecimento escatoloacutegicordquo230 que fez o futuro escatoloacutegico invadir o
presente Em consequecircncia a partir da ressurreiccedilatildeo o reino de Deus eacute posto em
accedilatildeo na histoacuteria humana os inimigos de YHWH satildeo derrotados e o cosmos eacute
colocado debaixo do senhorio de Jesus E nisso Paulo natildeo estaacute sozinho no
228 Eacute melhor utilizar o plural ldquoestruturasrdquo como H Ridderboss do que entrar na discussatildeo que natildeo alcanccedila nenhum consenso sobre qual seria a ldquoestruturardquo fundamental para o pensamento paulino Segundo Ridderboss essas estruturas seriam a revelaccedilatildeo do misteacuterio na plenitude do tempo a relaccedilatildeo entre escatologia e cristologia Cristo como o primogecircnito dos mortos e uacuteltimo Adatildeo ldquoestar em Cristordquo (o velho e o novo homem) a carne e o Espiacuterito Cristo como imagem de Deus Cristo como primogecircnito da criaccedilatildeo Cristo como exaltado RIDDERBOS H A teologia do
apoacutestolo Paulo p 47-99 229 KREITZER L Escatologia In DPC p 478-479 230 KREITZER L Escatologia In DPC p 464
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cristianismo primitivo Ele compartilha a determinaccedilatildeo escatoloacutegica de todo o
kerygma cristatildeo231
Quando se entende a ressurreiccedilatildeo de Jesus como parte da sua exaltaccedilatildeo e
se reconhece que em Fl 29 o verbo ὑπερύψωσεν pressupotildee a ressurreiccedilatildeo fica
muito claro todo o contexto escatoloacutegico que envolve a exaltaccedilatildeo de Jesus em Fl
29-11232 Ainda mais quando se leva em consideraccedilatildeo a utilizaccedilatildeo do texto de
Isaiacuteas 4523 no versiacuteculo 10 visto ser esse um texto de forte acento escatoloacutegico
quando YHWH anuncia a realidade de um futuro tempo de salvaccedilatildeo O hino de Fl
26-11 estaacute afirmando que esse tempo chegou no momento em que Deus
ὑπερύψωσεν Jesus A exaltaccedilatildeo de Jesus eacute o cumprimento escatoloacutegico de Is 45
pois atraveacutes da confissatildeo de Jesus como κύριος eacute que vem o reconhecimento
escatoloacutegico universal de YHWH como criador233 Existe um fortiacutessimo
monoteiacutesmo escatoloacutegico expresso nas profecias do Decircutero-Isaiacuteas que anuncia
entre outras coisas um futuro ato de salvaccedilatildeo que resultaraacute em um
reconhecimento universal de YHWH como soberano234 Fl 29-11 estaacute mostrando
que esse ato de salvaccedilatildeo jaacute aconteceu (a encarnaccedilatildeo a morte e ressurreiccedilatildeo de
Jesus) e resultou em Deus exaltando Jesus para que ele seja reconhecido como
soberano universal O reconhecimento de Jesus como soberano eacute a aceitaccedilatildeo da
soberania de YHWH Portanto Fl 29-11 eacute ldquouma versatildeo cristoloacutegica da
escatologia monoteiacutesta do Deutero Isaiacuteasrdquo235 Esse raciociacutenio revela como o hino
constroacutei a sua cristologia sem recuar um palmo sequer do seu monoteiacutesmo
Atraveacutes da exaltaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel detectar em Fl 29-11 uma
dimensatildeo escatoloacutegica espacial Primeiro porque o senhorio de Jesus abrange
todas as partes do cosmos como se percebe na triacuteplice expressatildeo ἐπουρανίων καὶ
ἐπιγείων καὶ καταχθονίων Segundo porque do ponto de vista dos leitores da carta
231 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101 232 Entre outros GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 354 e MARTIN R P A
Hymn of Christ p 239 afirmam que o verbo ὑπερύψωσεν abrange tanto a ressurreiccedilatildeo quanto a ascensatildeo Para Martin um paralelo seria o texto de 1Pe 318-20 onde a expressatildeo ζῳοποιηθεὶς δὲ πνεύματι expressaria toda a realidade do ministeacuterio poacutes-ressurreiccedilatildeo de Jesus Em outra direccedilatildeo LUumlDEMANN G ὑψόω In DENT v II p 1912 afirma que no Novo Testamento a exaltaccedilatildeo natildeo foi identificada com a ressurreiccedilatildeo ainda que isso houvesse acontecido em tempos primitivos 233 GOPPELT L Teologia do Novo Testamento p 331-332 234 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 132-133 235 BAUCKHAM R J The Worsphip of Jesus in Philippians 29-11 p 133 Segundo ele Isaiacuteas 40-66 foi fundamento escrituriacutestico para os primitivos cristatildeos compreenderem o significado dos eventos relacionados a Jesus e ao seu futuro Eacute uma influecircncia que perpassa todos os escritos do Novo Testamento Contudo ele chama atenccedilatildeo para o fato que eles natildeo liam as assim chamadas passagens-servo isoladas dos temas da salvaccedilatildeo escatoloacutegica e do monoteiacutesmo escatoloacutegico que dominam aqueles capiacutetulos
73
(e talvez um dia daqueles que ouviram e cantaram o hino) os versiacuteculos 10-11
desafia os que estatildeo na Terra a reverenciar e confessar aquele que estaacute sentado
agora nos ceacuteus agrave direita do Pai (embora esta expressatildeo natildeo esteja presente aqui
faz parte da perspectiva paulina da exaltaccedilatildeo) E isso encaminha um terceiro
aspecto pois a comunidade de feacute eacute o espaccedilo no qual o Cristo exaltado reina
atraveacutes do Espiacuterito Santo236 A Igreja funciona como epicentro do reinado
coacutesmico de Jesus
Assim tanto em um acircngulo temporal quanto em uma dimensatildeo espacial
natildeo se pode subestimar a importacircncia da escatologia para a compreensatildeo do
conjunto de Fl 26-11 sobretudo na parte que trata da exaltaccedilatildeo A ausecircncia desta
perspectiva no tratamento exegeacutetico da passagem foi denunciada por Kaumlsemann
ao constatar que ldquotalvez seja a caracteriacutestica mais singular e mais surpreendente
da histoacuteria recente da exegese do nosso texto o fato de que a palavra chave
lsquoescatoloacutegicorsquo desapareccedila por traacutes dessas outras palavras chaves lsquoeacuteticorsquo e
lsquomiacuteticorsquordquo237 Se na exegese atual ldquomitordquo como palavra chave para entender o texto
natildeo goza da mesma popularidade que no passado o mesmo natildeo se pode dizer a
respeito da palavra chave ldquoeacuteticordquo
Destarte no pensamento paulino essa linha escatoloacutegica que se desenvolve
a partir do Antigo Testamento vai culminar em Cristo atraveacutes de quem Deus
triunfa sobre os seus inimigos Paulo vai descrever esse triunfo de Deus em Cristo
atraveacutes dos eventos da morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus (o ponto de partida) e da
parusia (o ponto de culminacircncia) Nesse intervalo de tempo Cristo estaacute no ceacuteu
exercendo seu domiacutenio sobre seus adversaacuterios e guiando seu povo aqui na Terra
que continua lutando contra as forccedilas hostis ainda que gozando os benefiacutecios e as
vantagens da vitoacuteria de Cristo na cruz e na expectativa da consumaccedilatildeo na
parusia238 A exaltaccedilatildeo de Cristo efetua uma espeacutecie de troca de soberania no
universo um universo que ateacute entatildeo estava em confronto com poderes que
tentavam escravizaacute-lo239
236 VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 253 237 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 101-102 Esta observaccedilatildeo eacute de certa forma irocircnica pois o proacuteprio Kaumlsemann entende que por traacutes do hino estaacute o mito do redentor coacutesmico e que esse pano de fundo mitoloacutegico eacute fundamental para o entendimento do hino e rejeitar o modelo de interpretaccedilatildeo eacutetico 238 REID D G Triunfo In DPC p 1208-1209 239 KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 119
74
Esses poderes e autoridades que agora estatildeo subordinados ao Cristo
exaltado satildeo conforme Reid equivalentes agraves naccedilotildees inimigas de Israel240 Na
verdade o judaiacutesmo interpretava esses poderes espirituais ou democircnios como as
forccedilas atuantes por detraacutes das naccedilotildees inimigas e seus deuses Enquanto inimigos
de Israel esses poderes satildeo inimigos de YHWH e em consequecircncia tornam-se
inimigos de Cristo A crucificaccedilatildeo pode ser vista como o contiacutenuo ataque desses
poderes contra Israel a tentativa de destruir aquele que representava o povo da
alianccedila O aparente ecircxito deles na morte de Jesus significou no entanto sua
proacutepria derrota O seu ataque ao segundo Adatildeo obediente foi sua proacutepria derrota
ldquoCristo os levou apoacutes si no cortejo triunfal da cruz revelou a derrota deles e os
expocircs publicamenterdquo241
Assim na narrativa paulina a exaltaccedilatildeo natildeo eacute uma simples vindicaccedilatildeo do
justo sofredor o reconhecimento e aceitaccedilatildeo de Deus Pai da obediecircncia do seu
Filho e muito menos a recompensa por um sacrifiacutecio voluntaacuterio A cruz e a
exaltaccedilatildeo estatildeo no centro de um drama soterioloacutegico pois de acordo com o
substrato judaico com o qual Paulo trabalha natildeo existe salvaccedilatildeo sem o triunfo
escatoloacutegico de YHWH sobre os inimigos de Israel A cruz e a exaltaccedilatildeo natildeo satildeo
dois toacutepicos que se equivalem um ao lado do outro mas dois capiacutetulos de uma
mesma sequecircncia narrativa Essa metaacutefora faz perceber que a ldquomorte de cruzrdquo natildeo
eacute sozinha o cumprimento da esperanccedila escatoloacutegica israelita E em contrapartida
os inimigos que agora estatildeo subordinados ao Cristo exaltado soacute foram vencidos
porque ele era o Filho de Deus que natildeo apegou ao ser igual a Deus mas assumiu
a forma humana adotou a forma de servo e foi obediente ateacute a morte e morte de
cruz O Exaltado eacute o crucificado Para Paulo o acontecimento escatoloacutegico da
crucificaccedilatildeo e exaltaccedilatildeo de Jesus foi a derrota destes poderes e a sua subordinaccedilatildeo
ao Cristo exaltado ldquoDesse modo o tema paulino da exaltaccedilatildeo e entronizaccedilatildeo de
Cristo simboliza o triunfo de Deus em Cristordquo242
240 REID D G Triunfo In DPC p 1209 241 REID D G Triunfo In DPC p 1211 242 Ibid p 1210
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434 A exaltaccedilatildeo de Jesus em relaccedilatildeo a sua preexistecircncia
A reflexatildeo anterior contribui para elucidaccedilatildeo do papel da exaltaccedilatildeo na
trama do texto de Fl 26-11 como um todo A questatildeo eacute dimensionar o valor exato
do verbo ὑπερυψόω no contexto Satildeo duas opccedilotildees A primeira acentua o valor
comparativo do verbo reconhecendo a forccedila da preposiccedilatildeo ὑπὲρ presente na
palavra Nesse caso a interpretaccedilatildeo resultante eacute que Cristo foi exaltado a uma
posiccedilatildeo superior a que ele tinha na sua preexistecircncia isto eacute Fl 29 vai aleacutem de Fl
26243 A segunda possibilidade eacute dar ao verbo um valor superlativo indicando
que Cristo estaacute exaltado acima de todos e na mais alta posiccedilatildeo Em favor desta
linha de interpretaccedilatildeo afirma-se antes de tudo que o verbo aqui eacute derivado da
LXX de Is 5213 que afirma que o servo de YHWH se ldquoelevaraacute seraacute exaltado
[ὑψωθήσεται] seraacute posto nas alturasrdquo Outro argumento eacute que os verbos
compostos com ὑπὲρ fazem parte do estilo caracteriacutestico de Paulo geralmente
com sentido superlativo Aleacutem disso o uso aqui teria mais a ver com o estilo do
autor do que com um significado superior ao uso do verbo simples (ὑψόω)244
Todavia ainda que a tradiccedilatildeo dos cacircnticos de servo tenha influenciado a
elaboraccedilatildeo do hino cristoloacutegico natildeo haacute como provar que justo o texto de Is 5213
esteja por traacutes de Fl 29 Ademais o verbo que Paulo usa eacute diferente do utilizado
pela LXX em Is 5213 De fato seria de se esperar que Paulo usasse o verbo mais
comum ὑψόω pois aleacutem de prover um paralelo perfeito com o texto de Isaiacuteas jaacute
era utilizado no cristianismo primitivo para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus245 Ele
contudo escolheu ὑπερυψόω246 Quanto agrave preferecircncia paulina por verbos
compostos eacute difiacutecil de imaginar que em uma passagem com palavras tatildeo
selecionadas formando um delicado e criativo equiliacutebrio teoloacutegico Paulo
escolhesse descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus com um termo que nunca usou em outro
lugar apenas por uma questatildeo de ldquoestilo literaacuteriordquo E quanto agrave comparaccedilatildeo com os 243 Enquanto proposta foi adotada na claacutessica exegese da passagem feita por E Lohmeyer 244 Entre os que adotam a posiccedilatildeo superlativa estatildeo OrsquoBrien P T The Epistle to the Philippians p 235-236 245 Assim em At 233 e 531 textos reconhecidos como tradiccedilotildees primitivas utilizadas por Lucas tradiccedilotildees que Paulo deve ter conhecido ὑψόω tambeacutem eacute utilizado pelo quarto evangelho para descrever a exaltaccedilatildeo de Jesus (314 828 e 1232) mas o texto eacute posterior a Paulo 246 Como nota MAZZAROLO I Carta de Paulo aos Filipenses p 83 ldquonatildeo obstante tenha havido um texto como inspiraccedilatildeo [do hino] a terminologia e o estilo satildeo uma construccedilatildeo nova Por outro lado eacute difiacutecil sustentar a tese de CERFAUX L Cristo na teologia de Paulo p 305 para quem a mudanccedila do verbo foi porque Paulo queria estender a exaltaccedilatildeo de Jesus para aleacutem da humanidade a fim de incluir o seu senhorio sobre as potestades
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outros compostos verbais que fazem uso da mesma preposiccedilatildeo ela eacute instrutiva
mas natildeo determinante247 Nada impede que Paulo que estaacute usando um hapax
legomena utilize este composto verbal de uma forma especiacutefica por conta do seu
contexto248 Dessa forma o fato exegeacutetico eacute que o verbo ὑπερυψόω eacute usado no
corpus paulino e no Novo Testamento de maneira exclusiva dentro da passagem
de Fl 26-11 e este contexto literaacuterio deve ser o privilegiado para explicaacute-la
Assim sendo partindo do pressuposto que Paulo tinha um outro verbo a
sua disposiccedilatildeo (ὑψόω) mesmo que natildeo se deva exagerar o valor do composto
verbal natildeo eacute boa exegese subestimar que foi exatamente este o termo que Paulo
escolheu Como observa Cullmann ldquoNotamos que este ὑπερύψωσεν natildeo eacute uma
mera figura de retoacuterica mas que o prefixo ὑπερ lsquosobrersquo tem de ser tomado em
seu pleno sentidordquo249 Em outras palavras o verbo ὑπερυψόω vai aleacutem do que o
simples ὑψόω250 Por conseguinte eacute bastante plausiacutevel compreender a passagem
como um todo e o versiacuteculo 9 em particular concedendo um valor comparativo e
assim especiacutefico ao verbo ὑπερυψόω251
Em primeiro lugar a interpretaccedilatildeo natural de Fl 29 eacute que Jesus recebe um
nome que natildeo tinha anteriormente Conforme seraacute aprofundado a seguir esse
novo nome indica um novo ofiacutecio uma nova funccedilatildeo do Filho de Deus diante do
cosmos Uma outra consideraccedilatildeo eacute que o grande argumento em favor da
interpretaccedilatildeo superlativa eacute dogmaacutetico natildeo exegeacutetico pois diz respeito agrave
impossibilidade de se ir aleacutem da ldquoigualdade com Deusrdquo pressuposta em Fl 26252
247 KREITZER L J ldquoWhen He at Last Is Firstrdquo Philippians 29-11 and the Exaltation of the Lord p 118 afirma que Paulo aprecia muito as construccedilotildees com ὑπερ mas essas comparaccedilotildees satildeo uma base insuficiente para afastar o sentido comparativo do verbo 248 Por exemplo FEE G D Comentario de la Epiacutestola a los Filipenses p 290 argumenta que ldquona grande maioria dos casosrdquo em que Paulo usa verbos compostos com a preposiccedilatildeo ὑπὲρ natildeo indica uma posiccedilatildeo superior agrave anterior Ora eacute possiacutevel extrair uma conclusatildeo segura apenas pela combinaccedilatildeo da mesma preposiccedilatildeo com outros verbos completamente diferentes que ainda assim soacute possuem essa utilizaccedilatildeo ldquona grande maioria dos casosrdquo 249 CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 285 250 CULMANN O Cristologia do Novo Testamento p 236 Ele por sua vez toma essa informaccedilatildeo de J Heacutering 251 Segundo SILVA Moiseacutes Philippians p 115 a etimologia da forma verbal aponta para um sentido comparativo 252 Por conta disso o tratamento que a cristologia dogmaacutetica da Igreja Antiga dava a passagem sempre fazia do versiacuteculo 6 o centro do hino KAumlSEMANN E Ensayos Exegeticos p 94
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Soacute que a exaltaccedilatildeo natildeo quer dizer uma mudanccedila de οὐσία mas de funccedilatildeo253 Paulo
natildeo estaacute seguindo uma agenda de discussatildeo ontoloacutegica mas desenvolve uma
narrativa cristoloacutegica para descrever um evento soterioloacutegico e escatoloacutegico que
acarreta implicaccedilotildees eclesioloacutegicas tendo em vista o contexto pareneacutetico de 127-
217254 Como destaca Bockmuehl ldquoEnquanto natildeo haacute nenhuma sugestatildeo de uma
mudanccedila do ser existe apesar de tudo uma mudanccedila de nome e de funccedilatildeordquo
(grifos dele)255 O paralelo neotestamentaacuterio seria Mt 2818 onde apenas apoacutes a
ressurreiccedilatildeo Jesus recebe toda autoridade sobre o ceacuteu e sobre a Terra256
Deve-se ainda notar que a interpretaccedilatildeo do hino de forma linear (e natildeo
ciacuteclica) a partir de um pano de fundo histoacuterico-salviacutefico deixa claro que a ecircnfase
da narrativa estaacute na virada escatoloacutegica que ocorre a partir do 29 O hino caminha
para exaltaccedilatildeo e tem seu cliacutemax nela Eacute muito difiacutecil sustentar exegeticamente que
tudo o que eacute descrito em 29-11 jaacute estava presente nas expressotildees ἐν μορφῇ θεοῦ
τὸ εἶναι ἴσα θεῷ De fato ldquono iniacutecio ele era ἐν μορφῇ θεοῦ mas natildeo era
253 SILVA Moiseacutes Philippians p 115 considera afirmaccedilatildeo de que a exaltaccedilatildeo levou o Filho de Deus a um estaacutegio superior ao que ele tinha na preexistecircncia estranha ao texto Seria de fato estranho se o conjunto de Fl 26-11 natildeo mencionasse qualquer tipo de preexistecircncia No entanto preexistecircncia e exaltaccedilatildeo fazem parte do mesmo conjunto literaacuterio Natildeo tentar relacionaacute-las eacute que eacute estranho Como observa CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p236 ldquoSe Jesus era jaacute em sua preexistecircncia a imagem de Deus ndash eacute com efeito do v 6 que eacute preciso partir [] ndash e se agora se diz que Deus fez mais do que elevaacute-lo natildeo significa isto que depois de sua morte Jesus natildeo voltou tatildeo somente agrave existecircncia que tinha antes de sua encarnaccedilatildeo [] mas que em virtude de uma nova funccedilatildeo entrou em relaccedilatildeo ainda mais estreita com Deus relaccedilatildeo que lhe confere o tiacutetulo Kyrios com plena soberania sobre o universo inteirordquo (grifos dele) 254 O ponto eacute bem observado por HELLERMANN J H Philippians p 105-106 Entretanto parece que ele vai longe demais ao afirmar que o interesse de Paulo no hino seria apenas socioloacutegico O hino possui implicaccedilotildees socioloacutegicas mas esse natildeo eacute o seu objetivo principal 255 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 144 Na mesma paacutegina ele ainda faz a ousada afirmaccedilatildeo que ldquoA humilhaccedilatildeo e o triunfo da encarnaccedilatildeo em outras palavras fez uma diferenccedila identificaacutevel mesmo dentro da divindaderdquo 256 Este paraacutegrafo eacute importante para afastar qualquer relaccedilatildeo entre a exegese proposta e algum tipo de arianismo De acordo com BASEVI C Estudio literario y teoloacutegico del himno cristoloacutegico
de la epiacutestola a los Filipenses (Phil 26-11) p 464 os arianos tomavam os versiacuteculos 9-11 como prova de que antes da exaltaccedilatildeo Cristo natildeo era Deus como o Pai Poreacutem como observado acima natildeo estaacute se discutindo aqui a divindade do Filho de Deus que deve ser considerada completa e sem alteraccedilotildees ao longo de toda a passagem do versiacuteculo 26 a 211 Destarte CASEY P M From Jewish Prophet to Gentile God p 114-115 ao mesmo tempo que afirma que a exaltaccedilatildeo de Jesus eacute estaacutegio acima do que ele possuiacutea na sua preexistecircncia vai ao extremo quando defende que em nenhum momento do hino Jesus eacute considerado inteiramente divino
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κύριοςrdquo257 Haacute uma progressatildeo natildeo apenas um retorno ldquoO novo status de Jesus
Cristo eacute mais do que uma mera volta para a preexistente igualdade com Deusrdquo258
Outro ponto diz respeito agrave tese que a exaltaccedilatildeo eacute uma simples volta ao
estaacutegio da preexistecircncia ou que a exaltaccedilatildeo eacute relativa ao Jesus encarnado
apenas259 Afirmaccedilotildees como esta deixam de perceber o peso e o significado do
tiacutetulo κύριος dado a Jesus a partir da exaltaccedilatildeo segundo o contexto do proacuteprio
hino260 Na verdade na perspectiva escatoloacutegica de Paulo a exaltaccedilatildeo de Jesus
corresponde agrave intervenccedilatildeo de Deus na histoacuteria de modo que um novo eacuteon chegou
o novo e definitivo eacuteon e ao contraacuterio do antigo esse eacute caracterizado pela
soberania de Jesus e pela necessidade de se reverenciaacute-lo como Senhor do
universo Diversos textos no corpus paulino tanto das cartas autecircnticas quanto
daquelas consideradas posteriores satildeo unacircnimes em afirmar que foi agora a partir
da exaltaccedilatildeo que os poderes desse mundo aqueles que dominavam no antigo eacuteon
estatildeo todos subordinados a Jesus (cf Ef 121-22 Cl 215 1Co 1524-25)
257 BROWN C Ernst Lohmeyerrsquos Kyrios Jesus p 29-30 Em sentido oposto FOWL S E Philippians p 104 entende que esse tipo de intepretaccedilatildeo sugere que alguma coisa estava ausente na divindade de Cristo pressuposta no versiacuteculo 6 o que seria na sua visatildeo impossiacutevel do ponto de vista teoloacutegico A questatildeo entretanto eacute o que determina a interpretaccedilatildeo da passagem ela mesma ou algum sistema teoloacutegico Ele observa ldquoSimplesmente tratar esta passagem como uma narrativa direta na qual um evento cria as condiccedilotildees para o proacuteximo evento levantaria seacuterias questotildees sobre a loacutegica teoloacutegica da passagem que devem no miacutenimo ser notadasrdquo O ponto eacute aleacutem de notar essas questotildees respondecirc-las de forma coerente com o texto e como ele mesmo reconhece quando se daacute atenccedilatildeo apenas ao fluxo narrativo da passagem eacute difiacutecil fugir da ideia que Cristo recebeu algo que natildeo tinha anteriormente 258 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 473 grifos dele Na mesma linha BARTH G A carta aos Filipenses p 47 ldquoesta exaltaccedilatildeo natildeo significa apenas a restauraccedilatildeo do seu estado anterior em subsistecircncia divina mas que ela lhe concede mais do que possuiacutea anteriormenterdquo 259 FOWL S E Philippians p 104 informa que Tomaacutes de Aquino enfrentando a questatildeo teoloacutegica de uma possiacutevel mudanccedila em Cristo nos versiacuteculos 9-11 aponta duas possiacuteveis soluccedilotildees A primeira adotada por Ambroacutesio propotildee que a exaltaccedilatildeo corresponde agrave divinizaccedilatildeo da natureza humana de Jesus A segunda que remonta a Agostinho defende que a exaltaccedilatildeo eacute apenas a manifestaccedilatildeo agrave criaccedilatildeo daquilo era verdade desde a eternidade Ocorre tatildeo soacute uma mudanccedila na revelaccedilatildeo Segundo Fowl Aquino considera as duas explicaccedilotildees plausiacuteveis para o texto Em tempos mais recentes HENDRIKSEN W Efeacutesios e Filipenses p 486 estaacute entre os que seguem a primeira soluccedilatildeo enquanto HELLERMAN J H Philippians p 120-121 se aproxima da segunda quando a partir de categorias socioloacutegicas afirma que na exaltaccedilatildeo Jesus natildeo recebeu um novo nome mas sim uma aclamaccedilatildeo puacuteblica da sua reputaccedilatildeo Contudo a primeira soluccedilatildeo de Aquino deve ser rejeitada porque o autor do texto natildeo desenvolveu sua argumentaccedilatildeo seguindo a categoria ldquoduas naturezasrdquo que conquanto seja uma categoria teoloacutegica legiacutetima eacute anacrocircnica ao texto O sentido do fluxo narrativo eacute que o evento do versiacuteculo 9 estaacute relacionado ao mesmo personagem que eacute sujeito no versiacuteculo 6 Dizer que no versiacuteculo 6 trata-se da natureza divina e no versiacuteculo 9 da natureza humana natildeo eacute razoaacutevel exegeticamente Tampouco a segunda soluccedilatildeo de Aquino eacute uma saiacuteda melhor porque ela desloca o fenocircmeno da exaltaccedilatildeo de Jesus para o mundo Eacute o mundo que muda possuindo uma nova visatildeo sobre Deus Embora isso de fato tenha ocorrido eacute uma consequecircncia da exaltaccedilatildeo de Jesus e natildeo a exaltaccedilatildeo em si 260 Conforme OrsquoBRIEN P T The Epistle to the Philippians p 238 ldquoEm seu estado exaltado Jesus tem uma nova posiccedilatildeo que envolve o exerciacutecio do senhorio universalrdquo
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Uma quinta observaccedilatildeo envolve a percepccedilatildeo que em geral a opccedilatildeo pelo
verbo como superlativo eacute muito comum nas explicaccedilotildees da passagem de cunho
eacutetico onde o objetivo de Fl 26-11 seria natildeo mais que a apresentaccedilatildeo aos cristatildeos
de um modelo de vida baseado nas atitudes de Jesus261 E para estabelecer um
paralelo entre a exaltaccedilatildeo de Jesus e a futura exaltaccedilatildeo dos cristatildeos natildeo seria
interessante entender a primeira em termos de uma nova missatildeo um novo ofiacutecio
(como defende este trabalho) Seria melhor (segundo os proponentes da
interpretaccedilatildeo eacutetica) compreender a exaltaccedilatildeo apenas como a justificaccedilatildeo de Jesus
o reconhecimento da humilhaccedilatildeo dele por Deus O complicado eacute que isso daacute aos
versiacuteculos 9-11 um valor completamente relativo diante de 6-8 Veja por
exemplo a afirmaccedilatildeo de Fee ldquoCom esta nota de exaltaccedilatildeo Paulo tanto afirma a
correccedilatildeo do paradigma ao qual ele chamou os filipenses e manteacutem ante os seus
olhos a vindicaccedilatildeo que aguarda aqueles que estatildeo em Cristordquo262 Nesse modo de
ver os versiacuteculos 9-11 servem apenas para confirmar o valor de 6-8 o verdadeiro
centro da passagem
Por sua vez a aplicaccedilatildeo do modelo interpretativo paradigmaacutetico na
segunda parte do hino reduz a exaltaccedilatildeo de Jesus a um modelo para os cristatildeos se
Deus exaltou Jesus porque ele renunciou aos seus interesses e foi obediente da
mesma forma exaltaraacute todo aquele que abrir matildeo do seu interesse em favor da
missatildeo de Deus para sua vida263 O detalhe eacute que na perspectiva paulina a
exaltaccedilatildeo de Jesus natildeo eacute um modelo do tipo Deus fez uma vez vai fazer de
novo A exaltaccedilatildeo de Jesus fundamenta a esperanccedila cristatilde porque ela inaugurou
um novo tempo escatoloacutegico pondo em operaccedilatildeo uma nova criaccedilatildeo (ldquoSe algueacutem
estaacute em Cristo eacute nova criatura Passaram-se as coisas antigas eis que se fez
261 Cf o capiacutetulo anterior 262 FEE G D Pauline Christology p 393 Tambeacutem em FEE G D Comentario de la Epiacutestola
a los Filipenses p 262 ldquoO contexto deixa claro que os vs 6-8 funcionam principalmente como um paradigmardquo Jaacute BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 141-142 segue a mesma direccedilatildeo da exaltaccedilatildeo de Jesus como vindicaccedilatildeo da parte de Deus mas acrescenta que isso seria uma necessidade para que Deus manifeste a sua justiccedila Por conseguinte caso se considere o texto como um credo em uma prosa exaltada como sugere Fee rejeitando qualquer relaccedilatildeo do texto com o gecircnero hino isso natildeo alteraria a avaliaccedilatildeo exposta acima posto que os credos satildeo afirmaccedilotildees concisas das verdades centrais da feacute com acento especial na cristologia e soteriologia (e natildeo na eacutetica ou parecircnese) 263 Eacute o que pensa FOWL S Christology and Ethics in Philippians 25-11 p 147 quando diz que se os filipenses estiverem unidos colocando em praacutetica as virtudes listadas em Fl 22-4 mesmo diante de perseguiccedilotildees ldquoentatildeo Deus iraacute salvaacute-los da mesma forma que salvou o Cristo obediente humilhado e sofredor em 26-11rdquo
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realidade novardquo 2Co 517)264 Se Deus exaltou Jesus em Fl 29 a mensagem
paulina natildeo eacute ser exaltado como ele mas exaltado por ele (Fl 321) A partir da
exaltaccedilatildeo Jesus eacute o agente escatoloacutegico que cumpriraacute a esperanccedila cristatilde265 O
conjunto inteiro de Fl 26-11 descreve o evento escatoloacutegico da encarnaccedilatildeo morte
e exaltaccedilatildeo do Filho de Deus e esse evento singular traz o indiviacuteduo crente para o
domiacutenio de Cristo Esse eacute o significado exato do estar ldquoἐν Χριστῷrdquo (25) domiacutenio
no qual se entra atraveacutes da confissatildeo na ressurreiccedilatildeo de Jesus (Rm 109)266 e pelo
sacramento do batismo que estabelece uma uniatildeo entre o fiel e o Jesus ressurreto
(Rm 63-11) a ponto de aquele jaacute experimentar no presente os efeitos
escatoloacutegicos da ressurreiccedilatildeo deste E eacute a experiecircncia desse poder quando se estaacute
em Cristo que capacita o fiel agrave resposta eacutetica necessaacuteria ao evangelho e natildeo a
tentativa de imitar Jesus267
A esperanccedila cristatilde natildeo eacute vencer a morte como ele venceu mas vencer
porque ele venceu porque eacute a ressurreiccedilatildeo dele que torna possiacutevel a ressurreiccedilatildeo
dos mortos no futuro (ldquoCom efeito visto que a morte veio por um homem
tambeacutem por um homem vem a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo 1Co 1521) Enquanto
Senhor do cosmos ele tem a ldquoforccedila que lhe daacute poder de submeter a si todas as
coisasrdquo e por esse motivo os cristatildeos podem esperar que ele transfiguraraacute o seu
corpo humilhado (Fl 321) ldquoFazer viver os mortos eacute direito escatoloacutegico
exclusivo de Deusrdquo comenta Becker ldquocontudo em Fl 321 Cristo tem o poder de
transfigurar os homens mortaisrdquo268 porque a partir da exaltaccedilatildeo Deus o agraciou
com essa autoridade
Dessa forma natildeo basta ao indiviacuteduo fazer como Jesus fez (se que eacute
possiacutevel) mas submeter-se a ele como Senhor Por isso o hino culmina na
exaltaccedilatildeo celebra Jesus como Senhor e desafia os leitores agrave submissatildeo e
obediecircncia a ele Tudo agora depende de ser ou natildeo ser obediente a Jesus o
κύριος269 O tema da obediecircncia vai ser explicitamente usado por Paulo no
264 ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ καινὴ κτίσιςmiddot τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν ἰδοὺ γέγονεν καινά Notar que o verbo γίνομαι estaacute no indicativo perfeito talvez para indicar a continuidade dos efeitos dessa nova realidade escatoloacutegica no presente 265 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 157 266 Texto que inclusive associa a confissatildeo de Jesus como Senhor agrave ressurreiccedilatildeo ldquoPorque se confessares com tua boca que Jesus eacute Senhor [κύριον Ἰησοῦν] e creres em teu coraccedilatildeo que Deus o ressuscitou dentre os mortos seraacutes salvordquo 267 DODD B J The Story of Christ and the Imitation of Paul p 160 268 BECKER J Apoacutestolo Paulo vida obra e teologia p 563 269 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 65
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contexto imediato em Fl 212 atraveacutes do verbo ὑπακούω quando ele retoma a
parecircnese extraindo do hino implicaccedilotildees para a igreja O caminho para essa
obediecircncia eacute pontuado por Morgan ldquoNoacutes nos tornamos obedientes natildeo pela
imitaccedilatildeo de um modelo mas atraveacutes de uma palavra que nos diz que pertencemos
a elerdquo270
A uacuteltima consideraccedilatildeo em favor deste sentido comparativo de ὑπερύψωσεν
eacute que ele pode fechar com a interpretaccedilatildeo do tipo res rapienda de Fl 26 a saber
quando a expressatildeo οὐχ ἁρπαγμὸν eacute interpretada indicando que o Filho de Deus
embora existindo ἐν μορφῇ θεοῦ ainda natildeo possuiacutea o governo soberano sobre
todo o universo (significado no contexto da expressatildeo τὸ εἶναι ἴσα θεῷ) e natildeo
buscou consegui-lo de forma independente alheio agrave vontade do Pai271 Aliaacutes o
hino nem mesmo sugere que o Filho de Deus almejasse por isso pois senatildeo
chegariacuteamos agrave conclusatildeo de que a obediecircncia e humilhaccedilatildeo do Filho de Deus
foram um meio para um fim um caminho para se chegar na soberania Se o
cliacutemax do hino realmente eacute a exaltaccedilatildeo entatildeo ele natildeo tem como objetivo justificar
porque Jesus foi exaltado mas mostrar para os leitores quem eacute o verdadeiro
Senhor de todo o cosmos272 ou ainda mais especificamente responder ldquocomo eacute
possiacutevel confessar o senhorio de algueacutem que viveu e morreu como um homem
qualquer e chamar de Senhor algueacutem que na sua vida se configurou a um
escravordquo273 A resposta de Fl 26-11 eacute que ele natildeo era um homem qualquer mas
tinha a imagem de Deus e foi ateacute a cruz em submissatildeo a Deus E natildeo foi ele quem
270 MORGAN R Incarnation Myth and Theology p 67 271 Assim MARTIN R P A Hymn of a Christ p 148-153 Tambeacutem CULLMANN O Cristologia do Novo Testamento p 233-234 que enxerga todo o hino de Fl 26-11 como uma antiacutetese entre Jesus e Adatildeo Este desejou a igualdade com Deus e abriu matildeo da obediecircncia a Deus para buscaacute-la Em sentido totalmente oposto o Filho de Deus aleacutem de natildeo desejar ser igual a Deus (que Cullmann interpreta natildeo em termos de divindade mas de soberania sobre o universo) submeteu-se com humildade e obediecircncia a Deus Na mesma linha COLLINS A Y Psalms
Philippians 26-11 and the Origins of Christology p336 que opta pela interpretaccedilatildeo res
rapienda e ainda declara ldquoO enredo da passagem requer que o estado final de Jesus seja maior que o estado inicialrdquo Por sua vez GUTHRIE D Teologia do Novo Testamento p 351 avalia essa interpretaccedilatildeo como ldquorazoaacutevelrdquo Ele afirma ldquoO hino certamente sugere alguma forma na qual a exaltaccedilatildeo ia aleacutem do estado preexistenterdquo Natildeo obstante o proacuteprio R P Martin entende que a sua interpretaccedilatildeo seria uma variaccedilatildeo entre as claacutessicas posiccedilotildees res rapta (Cristo jaacute possuiacutea a igualdade com Deus na preexistecircncia e natildeo se apegou a isso e a exaltaccedilatildeo natildeo muda nada em relaccedilatildeo a isso) e res rapienda (Cristo natildeo possuiacutea a igualdade com Deus inclusive a divindade que seriam recebidas na exaltaccedilatildeo) WRIGHT N T The Climax of the Covenant p 62-81 faz uma extensa avaliaccedilatildeo das interpretaccedilotildees do termo ἁρπαγμός na literatura especializada e identifica 17 possibilidades diferentes Na avaliaccedilatildeo dele a exegese de Cullmann e Martin deve ser classificada como res rapienda 272 Conforme VOUGA F Teologia del Nuevo Testamento p 268 mostra que o tema do hino eacute a afirmaccedilatildeo de que o Senhor do mundo eacute o crucificado 273 BARBAGLIO G As cartas de Paulo II p 378
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se exaltou mas o proacuteprio Deus o colocou na posiccedilatildeo mais elevada do universo
compartilhando sua soberania com ele Ou seja o κύριος que Deus exaltou natildeo
satildeo os imperadores de Roma nem as divindades orientais O κύριος exaltado pelo
uacutenico Deus de Israel eacute aquele que natildeo buscou a exaltaccedilatildeo se esvaziou e assumiu a
forma de servo e foi obediente a Deus ateacute a morte de cruz O κύριος eacute aquele que
agora eacute soberano sobre todo o universo acima de todos os poderes visiacuteveis e
invisiacuteveis Este κύριος deve ser confessado e reverenciado por todos sem
exceccedilatildeo E o reconhecimento de que esse κύριος eacute Jesus Cristo glorifica Deus Pai
o Deus uacutenico de Israel
Portanto ainda que natildeo seja impossiacutevel tomar o verbo ὑπερύψωσεν em
uma dimensatildeo superlativa parece que faz mais jus ao texto como um todo e ao
papel desempenhado pela exaltaccedilatildeo de Jesus no conjunto a dimensatildeo
comparativa
435 A exaltaccedilatildeo de Jesus e a cultura romana de exaltaccedilatildeo
O Jesus exaltado apresentado em Fl 26-11 eacute diametralmente oposto agraves
figuras consideradas exaltadas no ambiente soacutecio-poliacutetico da eacutepoca paulina O
anuacutencio da exaltaccedilatildeo de Jesus eacute contra cultural quase subversivo tanto no que diz
respeito ao seu status atual como κύριος como no que se refere ao caminho que
ele trilhou ateacute chegar a esse status de exaltaccedilatildeo Porque ao contraacuterio das
autoridades que chegavam ao poder atraveacutes da violecircncia e do roubo o Filho de
Deus nem sequer desejou o poder274 Ao inveacutes da apoteose ocorreu a kenosis275
Ele optou pela obediecircncia agir como servo humilhou-se e morreu recebendo a
pena romana da crucificaccedilatildeo276
Eacute uma mensagem que causaria impacto em qualquer canto do impeacuterio
romano onde ecoasse a ideologia do cursus honorum Este pensamento levava os
cidadatildeos romanos na capital e em toda extensatildeo do impeacuterio a lutar entre si por
tiacutetulos cargos homenagens e outras situaccedilotildees que acarretassem prestiacutegio e
274 SCHNELLE U Paulo Vida e Pensamento p 475 275 BOCKMUEHL M The Epistle to the Philippians p 143 276 WRIGHT N T Paulo novas perspectivas p 89 ldquoo supliacutecio da cruz veio a se tornar um siacutembolo eficaz e temido nas matildeos do poder imperial bem antes de vir a se tornar o siacutembolo de qualquer outra coisardquo
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reconhecimento que tempos depois eram listadas de forma ascendente e
colocadas em inscriccedilotildees puacuteblicas277 Esse coacutedigo cultural era muito importante
para a cidade de Filipos enquanto colocircnia romana que tanto se orgulhava da sua
ligaccedilatildeo com o impeacuterio exibindo sua influecircncia por toda parte Para esse cenaacuterio
sociocultural Fl 26-11 funciona como uma mensagem contra cultural
descrevendo o caminho de Jesus como cursus pudorum onde ele abriu matildeo da
sua alta posiccedilatildeo de honra prestiacutegio e gloacuteria e desceu para servir aos outros
chegando ao mais baixo patamar da condiccedilatildeo humana da eacutepoca a morte de
cruz278 A mensagem cristatilde proclamava um Senhor acima de todos os senhores
que natildeo chegou a esse status pelo cursus honorum romano mas que seguiu pelo
cursus pudorum
Soacute que o texto natildeo termina afirmando que o humilhado foi simplesmente
exaltado O texto vai adiante para mostrar que o exaltado recebeu o nome sobre
todo nome o proacuteprio tiacutetulo κύριος e agora eacute o uacutenico que deve ser reverenciado e
confessado (Fl 210-11) por todos os seres do universo O imperador romano era
considerado Senhor do impeacuterio e no culto ao imperador a figura dele
representava a unidade do impeacuterio Fl 29-11 apresenta Jesus como Senhor do
universo e a unidade do universo nele eacute celebrada no culto cristatildeo279 Tudo isso
aponta para a clara dimensatildeo poliacutetica da exaltaccedilatildeo de Cristo280 que como
realidade escatoloacutegica traz seacuterias implicaccedilotildees para a vida dos cidadatildeos de Filipos
que estatildeo debaixo do poder de Roma281 A partir de entatildeo eacute impossiacutevel para os
cristatildeos reconhecerem a reivindicaccedilatildeo de domiacutenio do imperador ou de qualquer
outro Com a exaltaccedilatildeo de Jesus eles estatildeo debaixo de um novo Senhor de um
277 HELLERMAN J H Philippians p 106 278 Idem Enquanto cursus honorum significa um caminho de honras cursus pudorum quer dizer um caminho de vergonha de humilhaccedilotildees 279 WORTHAM R A Christology as Community Identity in the Philppians Hymn the
Philippians Hymn as Social Drama (Philippians 25-11) p 282 280 O proacuteprio formato da passagem como reconhecido de forma ampla segue a estrutura dos cerimoniais de entronizaccedilatildeo do rei pode intencionar um contraste com os governantes contemporacircneos que foram entronizados E pelo acircngulo da retoacuterica grega chega-se a mesma impressatildeo pois como nota MARTIN M W NASH B A Philippians 26-11 as Subversive
Hymnos a Study in the Light of Ancient Rhetorical Theory p 130 em geral esse toacutepico era utilizado em referecircncia a deificaccedilatildeo poacutes-morte do imperador Daiacute em Fl 26-11 este toacutepico funciona como uma aguda retoacuterica apontada contra Roma Tambeacutem nessa perspectiva KRENTZ E Paulo os jogos e a miliacutecia p 325 cita R R Brewer segundo o qual Paulo teria formulado Fl 29-11 com a intenccedilatildeo de fazer oposiccedilatildeo ao culto ao imperador Nero 281 FOWL S E Philippians p 105 ldquoEsses versos assentam o fundamento para a contra-poliacutetica que Paulo deseja que os filipenses incorporem em sua vida comumrdquo