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Page 1: Isolamento Jarbas / Estadão

Acostumado a vencer, senador tem como adversário governador com maior taxa deaprovação do País, está em desvantagem nas pesquisas e enfrenta boicote do PSDB

Lourival Sant’Anna /ENVIADO ESPECIAL / RECIFE

‘LULA NÃO SABE O DANOQUE CAUSOU AO PAÍS’

A CAMPANHA EM PERNAMBUCO

Reportagem Especial ✽● Votos em disputaO Estado de Pernambuco tem6,2 milhões de eleitores, o querepresenta 4,6% do eleitoradobrasileiro

JARBAS, UM ESTRANHONA PRÓPRIA CAMPANHA

D epois de duas horas degravação, Jarbas Vas-concelos finalmentesai do estúdio, numaprodutora de TV numbairro central do Reci-

fe. Tira a gravata e a camisa branca,que troca por uma xadrez, e mantém acalça jeans e o sapatênis com que jáestava. Caminha para a bancada companelas no refeitório dos fundos:“Tem a quantia certa?”, pergunta an-tes de se servir de cuscuz com carne,preocupado com os cabos eleitorais,que já estão jantando. São 18h30, e Jar-bas ainda não almoçou. Nesse ritmo, efumando uma carteira e meia de cigar-ro por dia (seu normal é uma), ele jáperdeu 4 kg desde que se lançou aogoverno de Pernambuco, no dia 6 demaio.

“Já gostei mais de campanha”, con-fessa o senador, conhecido pela suafranqueza. “Hoje isso tem se prostituí-

do muito. Não tem mais coisas espon-tâneas, ir para a rua. Agora, o camara-da pede emprego, dinheiro”, diz ele,referindo-se aos cabos eleitorais. “An-tes tinha gente que ia na base do amorfebril.” Retraído, Jarbas não gosta degravar: “Você não fica à vontade. O tex-to não é seu. Grava, regrava, tem deolhar assim, está ruim, tem de sorrir”.Mas sabe que nessas gravações está asua chance de reverter uma situaçãoextremamente desfavorável.

Jarbas terá 6 minutos e 35 segundosno programa eleitoral, apenas 10 se-gundos a menos do que seu adversá-rio, o governador Eduardo Campos(PSB); e 198 inserções na TV, ante 203.“Este é o momento crucial”, avalia.“Quem está em grande desvantagemnumérica, como eu, tem de fazer pro-gramas de excelente qualidade e con-teúdo.”

Ao longo de 40 anos de carreira, osenador Jarbas Vasconcelos (PMDB-

PE) se acostumou com o gosto da vitó-ria. Já começou a carreira como depu-tado estadual mais bem votado, em1970, e elegeu-se deputado federal,duas vezes prefeito, duas governadore senador – seu mandato atual, até2014.

A pedidos. Prestes a completar 68anos, no dia 23, Jarbas vive uma situa-ção inusitada. A última pesquisa doIbope atribui 60% das intenções de vo-to a Eduardo Campos, candidato à ree-leição, e 24% ao senador. Pelo Datafo-lha, a vantagem é de 59% a 28%. Jarbasnão pretendia entrar na disputa comEduardo Campos, que completa 45anos na terça-feira, o governador coma maior taxa de aprovação do País –62% dos pernambucanos consideramseu governo ótimo ou bom, segundo oDatafolha. Mas cedeu aos pedidos in-sistentes do candidato José Serra, quequeria seu apoio em Pernambuco. En-

tretanto, dos 17 prefeitos do PSDB, 14debandaram para o governador.

Isso, apesar de o presidente nacio-nal do PSDB e coordenador da campa-nha de Serra ser de Pernambuco, o se-nador Sérgio Guerra, que em 2006 que-ria ser candidato à sucessão de Jarbas,mas o então governador escolheu seuvice, Mendonça Filho, do DEM. “Nãosou coronel para obrigar os prefeitos aapoiar Jarbas”, defende-se Guerra.“Não tenho tempo nem para cuidar daminha candidatura. Por isso saí a depu-tado federal. Não teria a mínima chan-ce a senador.” À pergunta sobre se asse-gurar o apoio dos prefeitos tucanosnão é sua função como coordenadorde Serra, ele responde: “Todos os pre-feitos do PSDB apoiam Serra. Eles es-tão com Eduardo e com Serra”.

Jarbas não pode contar nem com opartido que o levou a candidatar-senem com o próprio partido, no qual éum dissidente, remanescente do

PMDB “autêntico”. O presidente doPMDB, deputado Michel Temer (SP),é candidato a vice na chapa de DilmaRousseff, e praticamente todo o parti-do aderiu ao governo.

Estrutura. A diferença de estruturadas duas campanhas é impressionan-te. Eduardo é acompanhado em suascaminhadas por dezenas de carros dacampanha dele e dos candidatos a sena-dores, deputados federais e estaduaisque o apoiam, além de vários ônibuslotados de cabos eleitorais remunera-dos. Jarbas conta com alguns poucoscarros de candidatos a deputados.

“Já ingressei nessa disputa sabendoque ia enfrentar uma luta muito dura,muito desigual”, diz ele. “Isso não me-xe com a minha cabeça. Vivo bem como mundo. Não procuro estar na contra-mão.” Jarbas diz que o futebol é sua“válvula de escape”. Ele costuma ir aoestádio prestigiar o seu Sport Club doRecife, mas não está lhe servindo deconsolo. Campeão da Copa do Brasilde 2008, o Sport está na série B nacio-nal, beirando a zona de rebaixamento.Sua namorada, a ex-miss e modelo Mei-rielle Abrantes, completa 28 anos nasexta-feira, 13. Jarbas brinca com ela:“Se eu soubesse, não teria ficado conti-go”.

“Em toda eleição, entramos para ga-nhar ou para perder”, continua. Masreconhece que as outras foram diferen-tes: “Sempre entrava em eleições emcondição mais tranquila, bem avalia-do, com mais apoios”. Eduardo Cam-pos “abusa da máquina”, acusa ele. “Ogovernador faz cooptação de prefeitose até de candidatos.” Eduardo nega. “Agente colhe o que planta”, diz, insi-nuando que Jarbas também cooptouquando foi candidato à reeleição, em2002. “Estão nos apoiando pelas açõesdo meu governo. Recebo apoio dos queapoiavam meu avô”, acrescenta Eduar-do, neto do ex-líder socialista MiguelArraes, morto em 2005.

Jarbas faz uma pausa. “Não adiantaeu estar me lamuriando para você, co-mo se eu fosse um despreparado. Eusabia que as dificuldades se avoluma-riam. Não posso estar exteriorizandoisso, como desculpa ou pretexto”, repe-te ele, como que para si mesmo. “Eusabia que o estilo do governo era esse,agora é lutar, mostrar determinação,fazer isso (os filmes para a TV).”

Jarbas explica que os empresários lo-cais preferem ajudar o governador.“Acho profundamente constrangedorpedir dinheiro, principalmente paragente com quem não tenho intimida-de.” Ele nega que tenha ido a São Pauloreclamar mais ajuda a Serra, como saiupublicado na imprensa. “Serra ficou deme ajudar e (a ajuda) tem chegadoaqui. Eu sou daqueles que fazem cam-panha com o que têm. Só contratei oque estava previsto arrecadar.”

Embora a campanha de Serra sejaem grande medida a razão de ser e ocordão umbilical da sua, Jarbas às ve-zes passa vários dias sem falar com otucano. “Serra liga muito para sabercomo está.” Mas não todos os dias. Àsvezes passa quatro, cinco dias sem li-gar. Jarbas não toma a iniciativa. “Sem-pre imagino que uma pessoa como Ser-ra, no papel que está exercendo..., ficoconstrangido de ligar, a não ser que se-ja uma coisa premente”, diz com sim-plicidade. “Sou tímido. Estranho, paraum político, não?”

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O senador Jarbas Vasconcelos costu-mava ter um bom relacionamentocom o presidente Luiz Inácio Lula daSilva, também pernambucano. Comodeputado federal atuante na área dosdireitos humanos, foi o primeiro parla-mentar a visitar Lula quando o entãolíder sindical saiu da prisão, em 1978.Lembra-se do sobrado modesto emSão Bernardo, de Lula tapando um bu-raco no sofá com uma almofada, e dabarata que matou na parede.

O afastamento – “ruptura não hou-ve” – aconteceu quando assumiu suacadeira no Senado, em 2007.

“Eu me decepcionei muito no Sena-do”, recorda. “Achei que funcionavamelhor. No primeiro ano peguei o rolodo (senador) Renan (Calheiros, acusadode aceitar propina de uma empreiteira).Bati de frente. Não há constrangimen-to maior do que assistir às sessões doSenado olhando para (José) Sarney(presidente da Casa), como se nada ti-vesse acontecido”, acrescenta, referin-

do-se às acusações de envolvimentoem irregularidades. Renan e Sarneypertencem à fatia do PMDB que apoiao presidente Lula.

“Lula e o PT não inventaram a cor-rupção, mas ele foi conivente”, afirmaJarbas. “Não sabe o dano que causouao Brasil. As pessoas aqui no terceiro,quarto escalão, dizem: ‘Se lá em Brasí-lia o PT está roubando, não vou fazer omesmo aqui?’”.

Em contraste, Eduardo Campos, ex-ministro de Ciência e Tecnologia deLula, gaba-se da gratidão que o presi-dente tem por ele pelo apoio que lhedeu durante o escândalo do mensalão,quando era líder do PSB na Câmara.

A amizade traz dividendos. Numapesquisa realizada pelo Datafolha nofim do mês, 52% dos entrevistados dis-seram que votariam num candidato agovernador de Pernambuco indicadopor Lula; outros 26% responderam“talvez” e apenas 15%, “não”. Dos cer-ca de 3 milhões de famílias de Pernam-

buco, 1,1 milhão recebe o benefício doBolsa-Família.

Ironia. Ironicamente, o primeiro car-go de Eduardo Campos foi o de chefede gabinete do secretário de governode Jarbas, Fernando Correa, no seu pri-meiro mandato de prefeito do Recife,em 1985 (embora isso não conste deseu currículo no seu site de campa-nha).

Jarbas era aliado de Arraes, o avô deEduardo, que governou o Estado trêsvezes. O pivô da ruptura foi justamen-te Eduardo, conta Jarbas, por causa deuma discordância em torno da forma-ção de uma chapa para a prefeitura doRecife, em 1988.

Arraes lançou Eduardo a prefeito,que ficou em quinto lugar. Jarbas sereelegeu no primeiro turno.

Em 1998, Jarbas desafiou Arraes, en-tão candidato à reeleição, na disputapelo governo de Pernambuco.

Ganhou por mais de 1 milhão de vo-tos de diferença. A derrota humilhantepraticamente selou o fim da carreirade Arraes, que depois teria só mais ummandato de deputado federal.

Agora, o senador Jarbas Vasconce-los teme que Eduardo pretenda vingarseu avô nas urnas. COLABOROU ANGELA

LACERDA

FOTOS: GUALTER NAVES/AE

Na luta. Pausa durante caminhada de campanha no Recife: Jarbas fuma uma carteira e meia de cigarros por dia e já perdeu 4 quilos na campanha

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A12 Nacional DOMINGO, 8 DE AGOSTO DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO

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