Introduccedilatildeo agrave Criminologia e a Seguranccedila Puacuteblica
Criminologia introduccedilatildeo
A criminologia eacute o conjunto de conhecimentos a respeito do crime da
criminalidade e suas causas da viacutetima do controle social do ato criminoso
bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializaacute-lo
Etimologicamente o termo deriva do latim crimino (crime) e
do grego logos (tratado ou estudo) seria portanto o estudo do crime
Eacute uma ciecircncia empiacuterica por basear-se na experiecircncia da observaccedilatildeo nos fatos
e na praacutetica mais do que em opiniotildees e argumentos e tambeacutem interdisciplinar
por ser formada pelo diaacutelogo de uma seacuterie de ciecircncias e disciplinas tais como
a biologia a psicopatologia a sociologia poliacutetica a antropologia o direito
a criminaliacutestica a filosofia e outros
A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em
1883 e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885
em sua obra Criminologia
Escolas
Quando surgiu a criminologia tratava de explicar a origem da delinquecircncia
(crime) utilizando o meacutetodo das ciecircncias naturais a etiologia ou seja buscava
a causa do delito Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito
como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade
A criminologia eacute dividida em escola claacutessica (Beccaria seacuteculo XVIII) escola
positiva (Lombroso seacuteculo XIX) e escola socioloacutegica (final do seacuteculo XIX)
Academicamente a Criminologia comeccedila com a publicaccedilatildeo da obra de Cesare
Lombroso chamada LUomo Delinquente (O Homem Delinquente em
traduccedilatildeo livre) em 1876 Sua tese principal era a do delinquente nato Com
isto Lombroso pretendia identificar o criminoso por intermeacutedio de sua
aparecircncia fiacutesica (orelha tamanho da cabeccedila ossos cor da pele olhos) e
inclusive de procedecircncia espacial (asiaacuteticos indiacutegenas etc) o que se
comprovou completamente equivocado
Poreacutem ateacute os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os
suspeitos especialmente pelos seus estigmas Em 2004 Carlos Roberto Bacila
fez uma releitura histoacuterica do crime apresentando a tese dos estigmas como
metarregras na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas
as naturezas (racial mulher pobreza religiatildeo fiacutesica etc) e as influecircncias deles
no sistema penal
Jaacute existiram vaacuterias tendecircncias causais na criminologia Baseado em Rousseau
a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade baseado em
Lombroso para erradicar o delito deveriacuteamos encontrar a eventual causa no
proacuteprio delinquente e natildeo no meio Enquanto um extremo que procura todas as
causas de toda criminalidade na sociedade o outro organicista investigava
o arqueacutetipo do criminoso nato (um delinquente com determinados
traccedilos morfoloacutegicos influecircncia do Darwinismo) (Veja Rousseau Personalidade
Criminosa)
Isoladamente tanto as tendecircncias socioloacutegicas quanto as orgacircnicas
fracassaram Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social Volta a tomar
forccedila os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do
delinquente agrave testosterona (hormocircnio masculino) os estudos de geneacutetica ao
tentar identificar no genoma humano um possiacutevel conjunto de genes da
criminalidade (fator bioloacutegico ou endoacutegeno) e ainda haacute os que atribuem a
criminalidade meramente ao ambiente (fator mesoloacutegico) como fruto de
transtornos como a violecircncia familiar a falta de oportunidades etc
Lombroso eacute considerado o marco da Escola Positivista em termos filosoacuteficos
encontramos Augusto Comte Esta escola italiana critica os da Escola Claacutessica
como Beccaria e Bentham no que diz respeito agrave utilizaccedilatildeo de uma metodologia
loacutegico-dedutiva metafiacutesica onde natildeo existia a observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos
As caracteriacutesticas principais desta escola mostram-se em trecircs pontos
Empirismo (cientificidade observaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo dos factos Negaccedilatildeo
aos pensamentos dedutivos e abstractos) O Criminoso como objecto de
estudo (importacircncia do estudo do criminoso como autor do crime A
delinquecircncia eacute vista como um mero sintoma dos instintos criminogeacuteneos do
sujeito Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o
crime) Determinismo
Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o
indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue
controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de
[reeducaccedilatildeo] do delinquente
Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o
conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o
reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que
possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos
sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma
relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a
psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal
Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie
de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um
determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de
informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez
idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do
direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto
produzido por essa nova lei na criminalidade
Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso
Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do
criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e
motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os
antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva
o agressor a praticar pragmaacutetica o crime
Cientificidade da criminologia
A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de
conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da
experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de
conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio
da realidade)
Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um
rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade
de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de
seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se
confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e
sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo
Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve
numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de
controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que
agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)
A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem
crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma
abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa
que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-
se ao princiacutepio de justiccedila social
Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos
determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta
do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma
preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas
determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da
criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo
independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia
Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular
anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro
lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo
estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o
procedimento de deduccedilatildeo
Criminologia e ciecircncias afins
A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo
diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer
ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com
disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou
naturais
Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos
Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O
direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e
atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os
indiviacuteduos a evitar essas condutas
Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos
necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito
jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais
justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa
Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e
desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso
Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito
Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo
do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando
o objetivo de punir sem castigar
Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato
criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia
Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental
Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua
dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua
histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)
Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute
resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
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- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
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- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
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- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
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- ESCOLA POSITIVA
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- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
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- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
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- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
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Criminologia introduccedilatildeo
A criminologia eacute o conjunto de conhecimentos a respeito do crime da
criminalidade e suas causas da viacutetima do controle social do ato criminoso
bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializaacute-lo
Etimologicamente o termo deriva do latim crimino (crime) e
do grego logos (tratado ou estudo) seria portanto o estudo do crime
Eacute uma ciecircncia empiacuterica por basear-se na experiecircncia da observaccedilatildeo nos fatos
e na praacutetica mais do que em opiniotildees e argumentos e tambeacutem interdisciplinar
por ser formada pelo diaacutelogo de uma seacuterie de ciecircncias e disciplinas tais como
a biologia a psicopatologia a sociologia poliacutetica a antropologia o direito
a criminaliacutestica a filosofia e outros
A palavra Criminologia foi empregada pela primeira vez por Paul Topinard em
1883 e aplicada internacionalmente pelo italiano Raffaele Garofalo em 1885
em sua obra Criminologia
Escolas
Quando surgiu a criminologia tratava de explicar a origem da delinquecircncia
(crime) utilizando o meacutetodo das ciecircncias naturais a etiologia ou seja buscava
a causa do delito Pensou-se que erradicando a causa se eliminaria o efeito
como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle de natalidade
A criminologia eacute dividida em escola claacutessica (Beccaria seacuteculo XVIII) escola
positiva (Lombroso seacuteculo XIX) e escola socioloacutegica (final do seacuteculo XIX)
Academicamente a Criminologia comeccedila com a publicaccedilatildeo da obra de Cesare
Lombroso chamada LUomo Delinquente (O Homem Delinquente em
traduccedilatildeo livre) em 1876 Sua tese principal era a do delinquente nato Com
isto Lombroso pretendia identificar o criminoso por intermeacutedio de sua
aparecircncia fiacutesica (orelha tamanho da cabeccedila ossos cor da pele olhos) e
inclusive de procedecircncia espacial (asiaacuteticos indiacutegenas etc) o que se
comprovou completamente equivocado
Poreacutem ateacute os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os
suspeitos especialmente pelos seus estigmas Em 2004 Carlos Roberto Bacila
fez uma releitura histoacuterica do crime apresentando a tese dos estigmas como
metarregras na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas
as naturezas (racial mulher pobreza religiatildeo fiacutesica etc) e as influecircncias deles
no sistema penal
Jaacute existiram vaacuterias tendecircncias causais na criminologia Baseado em Rousseau
a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade baseado em
Lombroso para erradicar o delito deveriacuteamos encontrar a eventual causa no
proacuteprio delinquente e natildeo no meio Enquanto um extremo que procura todas as
causas de toda criminalidade na sociedade o outro organicista investigava
o arqueacutetipo do criminoso nato (um delinquente com determinados
traccedilos morfoloacutegicos influecircncia do Darwinismo) (Veja Rousseau Personalidade
Criminosa)
Isoladamente tanto as tendecircncias socioloacutegicas quanto as orgacircnicas
fracassaram Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social Volta a tomar
forccedila os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do
delinquente agrave testosterona (hormocircnio masculino) os estudos de geneacutetica ao
tentar identificar no genoma humano um possiacutevel conjunto de genes da
criminalidade (fator bioloacutegico ou endoacutegeno) e ainda haacute os que atribuem a
criminalidade meramente ao ambiente (fator mesoloacutegico) como fruto de
transtornos como a violecircncia familiar a falta de oportunidades etc
Lombroso eacute considerado o marco da Escola Positivista em termos filosoacuteficos
encontramos Augusto Comte Esta escola italiana critica os da Escola Claacutessica
como Beccaria e Bentham no que diz respeito agrave utilizaccedilatildeo de uma metodologia
loacutegico-dedutiva metafiacutesica onde natildeo existia a observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos
As caracteriacutesticas principais desta escola mostram-se em trecircs pontos
Empirismo (cientificidade observaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo dos factos Negaccedilatildeo
aos pensamentos dedutivos e abstractos) O Criminoso como objecto de
estudo (importacircncia do estudo do criminoso como autor do crime A
delinquecircncia eacute vista como um mero sintoma dos instintos criminogeacuteneos do
sujeito Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o
crime) Determinismo
Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o
indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue
controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de
[reeducaccedilatildeo] do delinquente
Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o
conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o
reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que
possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos
sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma
relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a
psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal
Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie
de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um
determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de
informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez
idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do
direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto
produzido por essa nova lei na criminalidade
Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso
Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do
criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e
motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os
antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva
o agressor a praticar pragmaacutetica o crime
Cientificidade da criminologia
A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de
conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da
experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de
conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio
da realidade)
Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um
rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade
de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de
seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se
confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e
sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo
Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve
numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de
controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que
agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)
A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem
crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma
abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa
que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-
se ao princiacutepio de justiccedila social
Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos
determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta
do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma
preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas
determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da
criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo
independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia
Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular
anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro
lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo
estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o
procedimento de deduccedilatildeo
Criminologia e ciecircncias afins
A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo
diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer
ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com
disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou
naturais
Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos
Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O
direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e
atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os
indiviacuteduos a evitar essas condutas
Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos
necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito
jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais
justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa
Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e
desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso
Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito
Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo
do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando
o objetivo de punir sem castigar
Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato
criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia
Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental
Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua
dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua
histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)
Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute
resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
Poreacutem ateacute os dias atuais o sistema penal vive o dilema de selecionar os
suspeitos especialmente pelos seus estigmas Em 2004 Carlos Roberto Bacila
fez uma releitura histoacuterica do crime apresentando a tese dos estigmas como
metarregras na qual realizou um amplo estudo sobre os preconceitos de todas
as naturezas (racial mulher pobreza religiatildeo fiacutesica etc) e as influecircncias deles
no sistema penal
Jaacute existiram vaacuterias tendecircncias causais na criminologia Baseado em Rousseau
a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade baseado em
Lombroso para erradicar o delito deveriacuteamos encontrar a eventual causa no
proacuteprio delinquente e natildeo no meio Enquanto um extremo que procura todas as
causas de toda criminalidade na sociedade o outro organicista investigava
o arqueacutetipo do criminoso nato (um delinquente com determinados
traccedilos morfoloacutegicos influecircncia do Darwinismo) (Veja Rousseau Personalidade
Criminosa)
Isoladamente tanto as tendecircncias socioloacutegicas quanto as orgacircnicas
fracassaram Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social Volta a tomar
forccedila os estudos de endocrinologia que associam a agressividade do
delinquente agrave testosterona (hormocircnio masculino) os estudos de geneacutetica ao
tentar identificar no genoma humano um possiacutevel conjunto de genes da
criminalidade (fator bioloacutegico ou endoacutegeno) e ainda haacute os que atribuem a
criminalidade meramente ao ambiente (fator mesoloacutegico) como fruto de
transtornos como a violecircncia familiar a falta de oportunidades etc
Lombroso eacute considerado o marco da Escola Positivista em termos filosoacuteficos
encontramos Augusto Comte Esta escola italiana critica os da Escola Claacutessica
como Beccaria e Bentham no que diz respeito agrave utilizaccedilatildeo de uma metodologia
loacutegico-dedutiva metafiacutesica onde natildeo existia a observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos
As caracteriacutesticas principais desta escola mostram-se em trecircs pontos
Empirismo (cientificidade observaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo dos factos Negaccedilatildeo
aos pensamentos dedutivos e abstractos) O Criminoso como objecto de
estudo (importacircncia do estudo do criminoso como autor do crime A
delinquecircncia eacute vista como um mero sintoma dos instintos criminogeacuteneos do
sujeito Deve-se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o
crime) Determinismo
Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o
indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue
controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de
[reeducaccedilatildeo] do delinquente
Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o
conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o
reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que
possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos
sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma
relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a
psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal
Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie
de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um
determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de
informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez
idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do
direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto
produzido por essa nova lei na criminalidade
Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso
Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do
criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e
motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os
antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva
o agressor a praticar pragmaacutetica o crime
Cientificidade da criminologia
A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de
conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da
experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de
conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio
da realidade)
Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um
rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade
de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de
seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se
confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e
sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo
Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve
numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de
controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que
agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)
A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem
crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma
abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa
que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-
se ao princiacutepio de justiccedila social
Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos
determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta
do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma
preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas
determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da
criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo
independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia
Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular
anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro
lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo
estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o
procedimento de deduccedilatildeo
Criminologia e ciecircncias afins
A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo
diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer
ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com
disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou
naturais
Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos
Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O
direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e
atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os
indiviacuteduos a evitar essas condutas
Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos
necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito
jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais
justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa
Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e
desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso
Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito
Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo
do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando
o objetivo de punir sem castigar
Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato
criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia
Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental
Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua
dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua
histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)
Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute
resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
Ele aborda o delinquente atraveacutes de um caraacuteter plurifatorial para ele o
indiviacuteduo eacute compelido a delinquir por causas externas as quais natildeo consegue
controlar assim as penas teriam o objetivo de proteccedilatildeo da sociedade e de
[reeducaccedilatildeo] do delinquente
Como em outras ciecircncias tambeacutem em criminologia se tem tentado eliminar o
conceito de causa substituindo-o pela ideia de fator Isso implica o
reconhecimento de natildeo apenas uma causa mas sobretudo de fatores que
possam desencadear o efeito criminoso (fatores bioloacutegicos psiacutequicos
sociais) Uma das funccedilotildees principais da criminologia eacute estabelecer uma
relaccedilatildeo estreita entre trecircs disciplinas consideradas fundamentais a
psicopatologia o direito penal e a ciecircncia poliacutetico-criminal
Outra atribuiccedilatildeo da criminologia eacute por exemplo elaborar uma seacuterie
de teorias e hipoacuteteses sobre as razotildees para o aumento de um
determinado delito Os criminoacutelogos se encarregam de dar esse tipo de
informaccedilatildeo a quem elabora a poliacutetica criminal os quais por sua vez
idealizaratildeo soluccedilotildees proporatildeo leis etc Esta uacuteltima etapa se faz atraveacutes do
direito penal Posteriormente outra vez mais o criminoacutelogo avaliaraacute o impacto
produzido por essa nova lei na criminalidade
Interessam ao criminoacutelogo as causas e os motivos para o fato delituoso
Normalmente ele procura fazer um diagnoacutestico do crime e uma tipologia do
criminoso assim como uma classificaccedilatildeo do delito cometido Essas causas e
motivos abrangem desde avaliaccedilatildeo do entorno preacutevio ao crime os
antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente ateacute a motivaccedilatildeo que leva
o agressor a praticar pragmaacutetica o crime
Cientificidade da criminologia
A criminologia eacute ciecircncia moderna sendo um modo especiacutefico e qualificado de
conhecimento e uma sistematizaccedilatildeo do saber de vaacuterias disciplinas A partir da
experimentaccedilatildeo desse saber multidisciplinar surgem teorias (um corpo de
conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domiacutenio
da realidade)
Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um
rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade
de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de
seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se
confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e
sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo
Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve
numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de
controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que
agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)
A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem
crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma
abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa
que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-
se ao princiacutepio de justiccedila social
Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos
determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta
do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma
preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas
determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da
criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo
independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia
Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular
anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro
lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo
estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o
procedimento de deduccedilatildeo
Criminologia e ciecircncias afins
A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo
diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer
ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com
disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou
naturais
Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos
Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O
direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e
atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os
indiviacuteduos a evitar essas condutas
Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos
necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito
jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais
justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa
Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e
desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso
Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito
Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo
do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando
o objetivo de punir sem castigar
Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato
criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia
Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental
Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua
dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua
histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)
Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute
resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
Enquanto ciecircncia a criminologia possui objeto proacuteprio e um
rigor metodoloacutegico que inclui a necessidade de experimentaccedilatildeo a possibilidade
de refutaccedilatildeo de suas teorias e a consciecircncia da transitoriedade de
seus postulados Ainda que interdisciplinar eacute tambeacutem ciecircncia autocircnoma natildeo se
confundindo com nenhuma das aacutereas que contribuem para a sua formaccedilatildeo e
sem deixar considerar o jogo dialeacutetico da realidade social como um todo
Objeto da criminologia eacute o crime o criminoso (que eacute o sujeito que se envolve
numa situaccedilatildeo criminoacutegena de onde deriva o crime) os mecanismos de
controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime e a viacutetima (que
agraves vezes pode ter inclusive certa culpa no evento)
A relevacircncia da criminologia reside no fato de que natildeo existe sociedade sem
crime Ela contribui para o crescimento do conhecimento cientiacutefico com uma
abordagem adequada do fenocircmeno criminal O fato de ser ciecircncia natildeo significa
que ela esteja alheia a sua funccedilatildeo na sociedade Muito pelo contraacuterio ela filia-
se ao princiacutepio de justiccedila social
Os estudos em criminologia tecircm como finalidade entre outros aspectos
determinar a etiologia do crime fazer uma anaacutelise da personalidade e conduta
do criminoso para que se possa puni-lo de forma justa (que eacute uma
preocupaccedilatildeo da criminologia e natildeo do Direito Penal) identificar as causas
determinantes do fenocircmeno criminoacutegeno auxiliar na prevenccedilatildeo da
criminalidade e permitir a ressocializaccedilatildeo do delinquente
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que natildeo satildeo
independentes mas sim interdependentes Temos de um lado a Criminologia
Cliacutenica (bioantropoloacutegica) - esta utiliza-se do meacutetodo individual (particular
anaacutelise de casos bioloacutegico experimental) que envolve a induccedilatildeo De outro
lado vemos a Criminologia Geral (socioloacutegica) esta utiliza-se do meacutetodo
estatiacutestico (de grupo estatiacutestico socioloacutegico histoacuterico) que enfatiza o
procedimento de deduccedilatildeo
Criminologia e ciecircncias afins
A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo
diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer
ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com
disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou
naturais
Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos
Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O
direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e
atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os
indiviacuteduos a evitar essas condutas
Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos
necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito
jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais
justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa
Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e
desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso
Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito
Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo
do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando
o objetivo de punir sem castigar
Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato
criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia
Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental
Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua
dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua
histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)
Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute
resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
A interdisciplinaridade eacute uma perspectiva de abordagem cientiacutefica envolvendo
diversos continentes do saber Ela eacute uma visatildeo importante para qualquer
ciecircncia social Em seus estudos a criminologia se engaja em diaacutelogo tanto com
disciplinas das Ciecircncias Sociais ou humanas quanto das Ciecircncias Fiacutesicas ou
naturais
Entre as aacutereas de estudo mais proacuteximas da Criminologia temos
Direito penal o principal ponto de contato da criminologia com o Direito
Penal estaacute no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia
na medida em que tipifica(define juridicamente) a conduta delituosa O
direito penal eacute sancional por excelecircncia Ele caracteriza os delitos e
atraveacutes de normas riacutegidas prescreve penas que objetivam levar os
indiviacuteduos a evitar essas condutas
Direito Processual Penal a Criminologia fornece os elementos
necessaacuterios para que se estipule o adequado tratamento do reacuteu no acircmbito
jurisdicional Tambeacutem indica qual a personalidade e o contexto social do
acusado e do crime auxiliando os juristas para que a sentenccedila seja mais
justa A criminologia oferece os criteacuterios valorativos da conduta criminosa
Ela pesquisa a eficaacutecia das normas do Direito Penal bem como estuda e
desenvolve meacutetodos de prevenccedilatildeo e ressocializaccedilatildeo do criminoso
Direito Penitenciaacuterio os dados criminoloacutegicos satildeo importantes no Direito
Penitenciaacuterio para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocializaccedilatildeo
do apenado A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana buscando
o objetivo de punir sem castigar
Psicologia Criminal eacute ciecircncia que demonstra a dimensatildeo individual do ato
criminoso estuda a personalidade do criminoso orientando a Criminologia
Psiquiatria Criminal eacute ramo do saber que identifica as diversas patologias
que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental
Antropologia criminal abrange o fenocircmeno criminoloacutegico em sua
dimensatildeo holiacutestica ou seja biopsicosocial Eacute o Estudo do homem na sua
histoacuteria em sua totalidade (homem como fator presente no todo)
Sociologia Criminal demonstra que a personalidade criminosa eacute
resultante de influecircncias psicoloacutegicas e do meio social
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
Ciecircncias Bioloacutegicas fornecem os elementos naturais e orgacircnicos que
influenciam ou determinam a conduta do criminoso
Vitimologia estuda a viacutetima e sua relaccedilatildeo com o crime e o criminoso
(estuda a proteccedilatildeo e tratamento da viacutetima bem como sua possiacutevel
influecircncia para a ocorrecircncia do crime)
Criminaliacutestica eacute o ramo do conhecimento que cuida da dinacircmica de um
crime Estuda os fatores teacutecnicos de como o crime aconteceu Haacute um setor
especializado da poliacutecia destinado a essa aacuterea
Ciecircncias Econocircmicas estuda o crime a partir do instrumental
analiacutetico racionalista O crime eacute visto como um mercado e sua oferta eacute
determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa
probabilidade de sucesso e intensidade da puniccedilatildeo em caso de falha
Criminologia
Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde
e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
INTRODUCcedilAtildeO
O professor Nestor Sampaio explica que natildeo existe uniformidade na doutrina
quanto ao surgimento da criminologia segundo padrotildees cientiacuteficos porque haacute
diversos criteacuterios e informes diferentes que procuram situaacute-la no tempo e no
espaccedilo No plano contemporacircneo a criminologia decorreu de longa evoluccedilatildeo
marcada muitas vezes por atritos teoacutericos irreconciliaacuteveis conhecidos por
ldquodisputas de escolasrdquo O proacuteprio Cesare Lombroso natildeo se dizia criminoacutelogo e
sustentava ser adepto da escola antropoloacutegica italiana Eacute bem verdade que a
criminologia como ciecircncia autocircnoma existe haacute pouco tempo mas tambeacutem eacute
indiscutiacutevel que ela ostenta um grande passado uma enorme fase preacute-
cientiacutefica
Para que se possa delimitar esse periacuteodo preacute-cientiacutefico eacute importante definir o
momento em que a criminologia alcanccedilou status de ciecircncia autocircnoma Muitos
doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
Lombroso com a publicaccedilatildeo em 1876 de seu livro O homem delinquente
Para outros foi o antropoacutelogo francecircs Paul Topinard quem em 1879 teria
empregado pela primeira vez a palavra ldquocriminologiardquo e haacute os que defendem a
tese de que foi Rafael Garoacutefalo quem em 1885 usou o termo como nome de
um livro cientiacutefico
Ainda existem importantes opiniotildees segundo as quais a Escola Claacutessica com
Francesco Carrara (Programa de direito criminal 1859) traccedilou os primeiros
aspectos do pensamento criminoloacutegico Natildeo se pode perder de vista no
entanto que o pensamento da Escola Claacutessica somente despontou na
segunda metade do seacuteculo XIX e que sofreu uma forte influecircncia das ideias
liberais e humanistas de Cesare Bonesana o Marquecircs de Beccaria com a
ediccedilatildeo de sua obra genial intitulada Dos delitos e das penas em 1764 Por
derradeiro releva frisar que numa perspectiva natildeo bioloacutegica o belga Adolphe
Quetelet9 integrante da Escola Cartograacutefica ao publicar seu Ensaio de Fiacutesica
Social (1835) seria um expoente da criminologia inicial projetando anaacutelises
estatiacutesticas relevantes sobre criminalidade incluindo os primeiros estudos
sobre ldquocifras negras de criminalidaderdquo (percentual de delitos natildeo comunicados
formalmente agrave Poliacutecia e que natildeo integram dados estatiacutesticos oficiais) Nessa
discussatildeo quase esteacuteril acerca de quem eacute o criador da moderna criminologia
uma coisa eacute imperiosa houve forte influecircncia do Iluminismo tanto nos
claacutessicos quanto nos positivistas conforme veremos
ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
A partir do seacuteculo XIX o conceito de crime e os fatores que desencadeiam uma
conduta criminosa foram sendo estudados com mais ecircnfase tanto pela ciecircncia
meacutedica assim como pelos filoacutesofos e juristas da eacutepoca Diante disso partindo
dessa interaccedilatildeo surge a Criminologia que nesse momento se ocupou de
estudar as causas do crime e o deliquente Conforme leciona o professor
Nestor Sampaio a etapa preacute-cientiacutefica da criminologia ganha destaque com os
postulados da Escola Claacutessica muito embora antes dela jaacute houvesse estudos
acerca da criminalidade Nessa etapa preacute-cientiacutefica havia dois enfoques muito
niacutetidos de um lado os claacutessicos influenciados pelo Iluminismo com seus
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
meacutetodos dedutivos e de loacutegica formal e de outro lado os empiacutericos que
investigavam a gecircnese delitiva por meio de teacutecnicas fracionadas tais como as
empregadas pelos fisionomistas antropoacutelogos bioacutelogos etc os quais
substituiacuteram a loacutegica formal e a deduccedilatildeo pelo meacutetodo indutivo experimental
(empirismo) Essa divisatildeo existente entre o que se convencionou chamar de
claacutessicos e positivistas quer com o caraacuteter preacute-cientiacutefico quer com o apoio da
cientificidade ensejou aquilo que se entendeu por ldquoluta de escolasrdquo
No seacuteculo XIX surgiram inuacutemeras correntes de pensamento estruturadas de
forma sistemaacutetica segundo determinados princiacutepios fundamentais Essas
correntes que se convencionou chamar de Escolas Penais foram definidas
como o corpo orgacircnico de concepccedilotildees contrapostas sobre a legitimidade do
direito de punir sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanccedilotildees
ESCOLA CLAacuteSSICA
Segundo o professor Cezar Roberto Bitencourt natildeo houve uma Escola
Claacutessica propriamente entendida como um corpo de doutrina comum
relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados
pelo crime e pela sanccedilatildeo penal Com efeito eacute praticamente impossiacutevel reunir
os diversos juristas representantes dessa corrente que pudessem apresentar
um conteuacutedo homogecircneo Na verdade a denominaccedilatildeo Escola Claacutessica natildeo
surgiu como era de esperar da identificaccedilatildeo de uma linha de pensamento
comum entre os adeptos do positivismo juriacutedico mas foi dada com conotaccedilatildeo
pejorativa por aqueles positivistas que negaram o caraacuteter cientiacutefico das
valoraccedilotildees juriacutedicas do delito Os postulados consagrados pelo Iluminismo
que de certa forma foram sintetizados na ceacutelebre obra de Cesare de Beccaria
Dos Delitos e das Penas (1764) serviram de fundamento baacutesico para a nova
doutrina que representou um grande avanccedilo na humanizaccedilatildeo das Ciecircncias
Penais A crueldade que comandava as sanccedilotildees criminais em meados do
seacuteculo XVIII exigia uma verdadeira revoluccedilatildeo no sistema punitivo entatildeo
reinante A partir da segunda metade desse seacuteculo os filoacutesofos moralistas e
juristas dedicam suas obras a censurar abertamente a legislaccedilatildeo penal
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
vigente defendendo as liberdades do indiviacuteduo e enaltecendo os princiacutepios da
dignidade do homem
Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor
Sampaio Penteado Filho in verbis
Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio)
que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social
ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os
homens no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da seguranccedila
coletiva
Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural
ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou
melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma
reprimenda por parte do Estado Diante da existecircncia da norma que de
maneira expressa (tipo penal) tipifica as condutas antijuriacutedicas cabe ao
individuo participante da sociedade a observacircncia ou natildeo da lei como
preleciona Alfonso Serrano Maiacutello senatildeo vejamos
Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos
benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar
da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos tenderaacute a cometer a
conduta delitiva
Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas
conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para
maior satisfaccedilatildeo do grupo social
ESCOLA POSITIVA
Segundo Bitencourt ldquoDurante o predomiacutenio do pensamento positivista no
campo da filosofia no fim do seacuteculo XIX surge a Escola Positiva coincidindo
com o nascimento dos estudos bioloacutegicos e socioloacutegicosrdquo Sampaio explica que
a chamada Escola Positiva tem sua origem no seacuteculo XIX na Europa
influenciada no campo das ideias pelos princiacutepios desenvolvidos pelos
fisiocratas e iluministas no seacuteculo anterior No entanto eacute importante lembrar
que antes da expressatildeo ldquoitalianardquo do positivismo - Lombroso Ferri e Garoacutefalo -
jaacute se delineava um cunho cientiacutefico aos estudos criminoloacutegicos com a
publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
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- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
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- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
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- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
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- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
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publicaccedilatildeo em 1827 na Franccedila dos primeiros dados estatiacutesticos sobre a
criminalidade Tal publicaccedilatildeo chamou a atenccedilatildeo de um importante
pesquisador o belga Adolphe Quetelet ndash jaacute mencionado na introduccedilatildeo deste
artigo que ficou fascinado com a sistematizaccedilatildeo de dados sobre delitos e
delinquentes justamente em funccedilatildeo disso em 1835 Quetelet publicou a obra
Fiacutesica Social
A corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de
observaccedilatildeo e investigaccedilatildeo que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia
Antropologia etc) No entanto logo se constatou que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem que a atividade juriacutedica natildeo era cientiacutefica e
em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo juriacutedica do delito fosse
substituiacuteda por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando
assim ao verdadeiro nascimento da Criminologia independente da dogmaacutetica
juriacutedica
Ademais os principais fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva
satildeo os seguintes a ineficaacutecia das concepccedilotildees claacutessicas relativamente agrave
diminuiccedilatildeo da criminalidade o descreacutedito das doutrinas espiritualistas e
metafiacutesicas e a difusatildeo da filosofia positivista a aplicaccedilatildeo dos meacutetodos de
observaccedilatildeo ao estudo do homem especialmente em relaccedilatildeo ao aspecto
psiacutequico os novos estudos estatiacutesticos realizados pelas ciecircncias sociais
(Quetelet) permitiram a comprovaccedilatildeo de certa regularidade e uniformidade nos
fenocircmenos sociais incluiacuteda a criminalidade Por fim as novas ideologias
poliacuteticas que pretendiam que o Estado assumisse uma funccedilatildeo positiva na
realizaccedilatildeo dos fins sociais mas ao mesmo tempo entendiam que o Estado
tinha ido longe demais na proteccedilatildeo dos direitos individuais sacrificando os
direitos coletivos
Desse modo pode-se afirmar que a Escola Positiva teve trecircs fases
antropoloacutegica (Lombroso) socioloacutegica (Ferri) e juriacutedica (Garoacutefalo) das quais
iremos discorrer mais adiante
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
-
CESAR LOMBROSO (1835-1909)
Segundo Bintecourt ldquoLombroso mdash com inegaacutevel influecircncia de Comte25 e
Darwin26 mdash foi o fundador da Escola Positivista Bioloacutegica destacando-se
sobretudo seu conceito sobre o criminoso ataacutevicordquo
Cesar Lombroso publicou em 1876 o livro ldquoo homem delinquenterdquo que deu
iniacutecio a um periacuteodo cientiacutefico de estudos criminoloacutegicos Na verdade Lombroso
natildeo criou uma teoria moderna mas sistematizou uma seacuterie de conhecimentos
esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligiacutevel Considerado o pai da
ldquoAntropologia Criminalrdquo Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas
para traccedilar um perfil dos criminosos
Lombroso examinava com intensa profundidade as caracteriacutesticas fisionocircmicas
e as comparou com os dados estatiacutesticos de criminalidade Nesse sentido
dados como estrutura toraacutecica estatura peso tipo de cabelo comprimento de
matildeos e pernas foram analisados com detalhes Lombroso tambeacutem buscou
informes em dezenas de paracircmetros frenoloacutegicos decorrentes de exames de
cracircnios traccedilando um vieacutes cientiacutefico para a teoria do criminoso nato
Em seus uacuteltimos estudos Lombroso reconhecia que o crime pode ser
consequecircncia de vaacuterios fatores que podem ser convergentes ou
independentes Todos esses fatores como ocorre com qualquer fenocircmeno
humano devem ser considerados natildeo atribuindo agrave conduta criminosa uma
uacutenica causa Essa evoluccedilatildeo no seu pensamento permitiu-lhe ampliar sua
tipologia de delinquentes a) nato b) por paixatildeo c) louco d) de ocasiatildeo e)
epileacutetico
Muitas foram as criacuteticas feitas a Lombroso justamente pelo fato de que
milhares de pessoas sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime
Os fenoacutetipos descritos por Lombroso em seus experimentos estavam
relacionados diretamente com a populaccedilatildeo que vivia agrave margem da sociedade
na eacutepoca porquanto os experimentos e pesquisas realizados em sua maioria
em manicocircmios e prisotildees vejam o que diz o professor Nestor Sampaio
Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
-
- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
-
- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
-
- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
-
- ESCOLA POSITIVA
-
- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
-
- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
-
- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
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Registre-se por oportuno que suas pesquisas foram feitas na maioria em
manicocircmios e prisotildees concluindo que o criminoso eacute um ser ataacutevico um ser
que regride ao primitivismo um verdadeiro selvagem (ser bestial) que nasce
criminoso cuja degeneraccedilatildeo eacute causada pela epilepsia que ataca seus centros
nervosos Estavam fixadas as premissas baacutesicas de sua teoria atavismo
degeneraccedilatildeo epileacutetica e delinquente nato cujas caracteriacutesticas seriam fronte
fugidia cracircnio assimeacutetrico cara larga e chata grandes maccedilatildes no rosto laacutebios
finos canhotismo (na maioria dos casos) barba rala olhar errante ou duro
etc32
Como jaacute tido anteriormente inuacutemeras foram as criticas agrave teoria do ldquocriminoso
natordquo de Lombroso Entatildeo em socorro do mestre surgiu o pensamento
socioloacutegico de Ferri
RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
Segundo Heleno Fragoso ldquoGarofalo foi o jurista da primeira fase da Escola
Positiva cuja obra fundamental foi sua Criminologia publicada em 1885rdquo 33
Como ocorre com todos os demais autores positivistas Garofalo deixa
transparecer em sua obra a influecircncia do darwinismo e das ideias de Herbert
Spencer34 Conseguiu na verdade dar uma sistematizaccedilatildeo juriacutedica agrave Escola
Positiva estabelecendo basicamente os seguintes princiacutepios a) a
periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente b) a
prevenccedilatildeo especial como fim da pena que aliaacutes eacute uma caracteriacutestica comum
da corrente positivista c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social deixando por isso em segundo plano os objetivos
reabilitadores d) formulou uma definiccedilatildeo socioloacutegica do crime natural uma vez
que pretendia superar a noccedilatildeo juriacutedica 35
Ressalta Sampaio que o jurista Rafael Garofalo teorizou que o crime estava no
homem e que se revelava como degeneraccedilatildeo deste criou o conceito de
temibilidade ou periculosidade que seria o propulsor do delinquente e a porccedilatildeo
de maldade que deve se temer em face deste fixou por derradeiro a
necessidade de conceber outra forma de intervenccedilatildeo penal ndash a medida de
seguranccedila Seu grande trabalho foi conceber a noccedilatildeo de delito natural
(violaccedilatildeo dos sentimentos altruiacutesticos de piedade e probidade) Classificou os
criminosos em natos (instintivos) fortuitos (de ocasiatildeo) ou pelo defeito moral
especial (assassinos violentos iacutemprobos e ciacutenicos) propugnando pela pena
de morte aos primeiros 36
Bitencourt explica que a posiccedilatildeo de Garofalo era a da defesa social como
principal justificativa para a pena de morte para os criminosos natos jaacute que
estes natildeo se adequariam de nenhuma forma agraves normas que regulam a vida em
sociedade vejamos
As contribuiccedilotildees de Garofalo na verdade natildeo foram tatildeo expressivas como as
de Lombroso e Ferri e refletiam um certo ceticismo quanto agrave readaptaccedilatildeo do
homem criminoso Esse ceticismo de Garofalo justificava suas posiccedilotildees
radicais em favor da pena de morte Partindo das ideias de Darwin aplicando a
seleccedilatildeo natural ao processo social (darwinismo social) sugere a necessidade
de aplicaccedilatildeo da pena de morte aos delinquentes que natildeo tivessem absoluta
capacidade de adaptaccedilatildeo que seria o caso dos ldquocriminosos natosrdquo Sua
preocupaccedilatildeo fundamental natildeo era a correccedilatildeo (recuperaccedilatildeo) mas a
incapacitaccedilatildeo do delinquente (prevenccedilatildeo especial sem objetivo
ressocializador) pois sempre enfatizou a necessidade de eliminaccedilatildeo do
criminoso Enfim insistiu na necessidade de individualizar o castigo fato que
permitiu aproximar-se das ideias correcionalistas A ecircnfase que dava agrave defesa
social talvez justifique seu desinteresse pela ressocializaccedilatildeo do delinquente
ENRICO FERRI (1856-1929)
Ferri consolidou o nascimento definitivo da Sociologia Criminal Na
investigaccedilatildeo que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) mdash seu
primeiro trabalho importante mdash sustentou a teoria sobre a inexistecircncia do livre-
arbiacutetrio considerando que a pena natildeo se impunha pela capacidade de
autodeterminaccedilatildeo da pessoa mas pelo fato de ser um membro da sociedade
De certa forma Ferri adota como Lombroso a concepccedilatildeo de Romagnosi
sobre a Defesa Social atraveacutes da intimidaccedilatildeo geral Por essa tese de Ferri
passava-se da responsabilidade moral para a responsabilidade social Mais
adiante quando publica a terceira ediccedilatildeo de sua Sociologia Criminal adere agraves
ideias de Garofalo sobre prevenccedilatildeo especial e agrave contribuiccedilatildeo de Lombroso ao
estudo antropoloacutegico criando o conteuacutedo da doutrina que se consubstanciou
nos princiacutepios fundamentais da Escola Positiva
O socioacutelogo criminalista Enrico Ferri adotou a concepccedilatildeo da defesa social do
grande mestre Romagnosi39 assim como os demais precursores da escola
positivista italiana no entanto divergia de Lombroso no que diz respeito agrave
impossibilidade de ressocializaccedilatildeo de um ldquocriminoso natordquo afirmando que soacute
poderiam ser considerados incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais
admitindo que ateacute mesmo entre estes seria possiacutevel a eventual correccedilatildeo de
uma minoria Vejamos o que diz Bintecourt
Apesar de seguir a orientaccedilatildeo de Lombroso e Garofalo deixando em segundo plano o objetivo
ressocializador (correcionalistas) priorizando a Defesa Social Ferri assumiu uma postura
diferente em relaccedilatildeo agrave recuperaccedilatildeo do criminoso Contrariando a doutrina de Lombroso e
Garofalo Ferri entendia que a maioria dos delinquentes era readaptaacutevel Considerava
incorrigiacuteveis apenas os criminosos habituais admitindo assim mesmo a eventual correccedilatildeo de
uma pequena minoria dentro desse grupo40
Apesar do predomiacutenio na Escola Positiva da ideia de Defesa Social natildeo deixou
de marcar o iniacutecio da preocupaccedilatildeo com a ressocializaccedilatildeo do criminoso Para
Ranieri a finalidade reeducativa da pena define-se claramente a partir da
Escola Positiva41
Os principais aspectos da Escola Positiva satildeo a) o Direito Penal eacute um produto
social obra humana b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida
em sociedade) c) o delito eacute um fenocircmeno natural e social (fatores individuais
fiacutesicos e sociais) d) a pena eacute um meio de defesa social com funccedilatildeo
preventiva e) o meacutetodo eacute o indutivo ou experimental e f) os objetos de estudo
do Direito Penal satildeo o crime o delinquente a pena e o processo 42
Por fim cabe ressaltar que a Escola Positiva teve enorme repercussatildeo
destacando-se como algumas de suas contribuiccedilotildees a) a descoberta de novos
fatos e a realizaccedilatildeo de experiecircncias ampliaram o conteuacutedo do direito b) o
nascimento de uma nova ciecircncia causal-explicativa a criminologia c) a
preocupaccedilatildeo com o delinquente e com a viacutetima d) uma melhor individualizaccedilatildeo
das penas (legal judicial e executiva) e) o conceito de periculosidade f) o
desenvolvimento de institutos como a medida de seguranccedila a suspensatildeo
condicional da pena e o livramento condicional e g) o tratamento tutelar ou
assistencial do menor 43
TERZA SCUOLA ITALIANA
O professor Bintecourt explica que a Escola Claacutessica e a Escola Positiva foram
as duas uacutenicas escolas que possuiacuteam posiccedilotildees extremas e filosoficamente
bem definidas
Posteriormente surgiram outras correntes que procuravam uma conciliaccedilatildeo
dos postulados das duas predecessoras Nessas novas escolas intermediaacuterias
reuniram-se alguns penalistas orientados por novas ideias mas que evitavam
romper completamente com as orientaccedilotildees das escolas anteriores
especialmente os primeiros ecleacuteticos Enfim essas novas correntes
representaram a evoluccedilatildeo dos estudos das ciecircncias penais mas sempre com
uma certa prudecircncia como recomenda a boa doutrina e o pioneirismo de
novas ideias44
Nestor Sampaio na mesma linha de pensamento explica em seu Manual de
Criminologia
As Escolas Claacutessica e Positiva foram as uacutenicas correntes do pensamento criminal que em sua
eacutepoca assumiram posiccedilotildees extremadas e bem diferentes filosoficamente Depois delas
apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos Dentre essas teorias
ecleacuteticas ou intermediaacuterias reuniram-se penalistas orientados por novas ideias mas sem
romper definitivamente com as orientaccedilotildees claacutessicas ou positivistas45
A primeira dessas correntes ecleacuteticas surgiu com a Terza Scuola italiana
tambeacutem conhecida como escola criacutetica a partir do famoso artigo publicado por
Manuel Carnevale Una Terza Scuola di Diritto Penale in Italia em 1891
Integrou tambeacutem essa nova escola que marcou o iniacutecio do positivismo criacutetico
Bernardino Alimena (Naturalismo Critico e Diritto Penale) e Joatildeo Impallomeni
(Istituzioni di Diritto Penale)46
A Terza Scuola acolhe o princiacutepio da responsabilidade moral e a consequente
distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mas natildeo aceita que a
responsabilidade moral fundamente-se no livre-arbiacutetrio substituindo-o pelo
determinismo psicoloacutegico o homem eacute determinado pelo motivo mais forte
sendo imputaacutevel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos A
quem natildeo tiver tal capacidade deveraacute ser aplicada medida de seguranccedila e natildeo
pena Enfim para Impallomeni a imputabilidade resulta da intimidabilidade e
para Alimena resulta da dirigibilidade dos atos do homem O crime para esta
escola eacute concebido como um fenocircmeno social e individual condicionado
poreacutem pelos fatores apontados por Ferri O fim da pena eacute a defesa social
embora sem perder seu caraacuteter aflitivo e eacute de natureza absolutamente distinta
da medida de seguranccedila47
ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
O mestre vienense Franz Von Liszt contribuiu com anais notaacutevel das correntes
ecleacuteticas que ficou conhecida como Escola Moderna Alematilde a qual
representou um movimento semelhante ao positivismo criacutetico da Terza Scuola
italiana de conteuacutedo igualmente ecleacutetico Esse movimento tambeacutem conhecido
como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica alematilde contou ainda com
a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do holandecircs Von Hammel
que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo Internacional de Direito Penal
que perdurou ateacute a Primeira Guerra Mundial O trabalho dessa organizaccedilatildeo foi
retomado em 1924 por sua sucessora a Associaccedilatildeo Internacional de Direito
Penal a maior entidade internacional de Direito Penal atualmente em atividade
destinada a promover por meio de congressos e seminaacuterios estudos
cientiacuteficos sobre temas de interesse das ciecircncias penais 48
Von Liszt (1851-1919) foi disciacutepulo de grandes mestres dentre os quais os
mais destacados foram Adolf Merkel e Rudolf Von Ihering49 recebendo grande
influecircncia deste uacuteltimo inclusive quanto agrave ideia de fim do Direito que motivou
toda a orientaccedilatildeo do sistema que Liszt viria a construir Von Liszt aleacutem de
jurista foi tambeacutem grande poliacutetico austriacuteaco tendo liderado na sua juventude
o Partido Nacional-Alematildeo da juventude acadecircmica austriacuteaca Nunca perdeu o
interesse pela poliacutetica que na verdade determinou sua postura juriacutedico-
cientiacutefica levando-o a conceber o Direito Penal como poliacutetica criminal
Catedraacutetico austriacuteaco posteriormente catedraacutetico alematildeo especialmente em
Marburg (1882) concluiu sua caacutetedra na Universidade de Berlim quando se
aposentou em 1916 vindo a falecer em 1919 Autor de inuacutemeras obras
juriacutedicas publicou o seu extraordinaacuterio Tratado do Direito Penal alematildeo em
1881 que teve vinte e duas ediccedilotildees consagrando-se como o grande
dogmaacutetico e sistematizador do Direito Penal alematildeo Von Liszt encarregou-se
digamos assim da segunda versatildeo do positivismo juriacutedico dividindo a
utilizaccedilatildeo de um meacutetodo descritivoclassificatoacuterio que excluiacutea o filosoacutefico e os
juiacutezos de valor mas se diferenciava ao apresentar ligaccedilotildees agrave consideraccedilatildeo da
realidade empiacuterica natildeo juriacutedica o positivismo de Von Liszt foi um positivismo
juriacutedico com matizes naturaliacutesticas50
Em 1882 Von Liszt ofereceu ao mundo juriacutedico o seu famoso Programa de
Marburgo mdash A ideia do fim no Direito Penal verdadeiro marco na reforma do
Direito Penal moderno trazendo profundas mudanccedilas de poliacutetica criminal
fazendo verdadeira revoluccedilatildeo nos conceitos do Direito Penal positivo ateacute entatildeo
vigentes Como grande dogmaacutetico que se revelou sistematizou o Direito Penal
dando-lhe uma complexa e completa estrutura admitindo a fusatildeo com outras
disciplinas como a criminologia e a poliacutetica criminal Por isso eacute possiacutevel afirmar
que a moderna teoria do delito nasce com Von Liszt 51
Inicialmente Von Liszt natildeo admitia o livre-arbiacutetrio que substituiacutea pela
normalidade que deveria conduzir o indiviacuteduo e deixou em segundo plano a
finalidade retributiva da pena priorizando a prevenccedilatildeo especial Von Liszt
incluiu na sua ampla concepccedilatildeo de ciecircncias penais a Criminologia e a
Penologia (esta expressatildeo criada por ele) a Criminologia para ele teria a
missatildeo de explicar as causas do delito enquanto a Penologia estudaria as
causas e os efeitos da pena Embora conhecedor das teorias de Lombroso
Ferri e Garofalo com os quais natildeo concordava com seu Programa de
Marburgo passou a defender a prevenccedilatildeo especial ganhando grande
repercussatildeo internacional 52 A moderna escola de Von Liszt logo entraria em
choque com os seguidores da escola claacutessica que tinha seu principal
representante na Alemanha Karl Binding (1841-1920) o mais autecircntico
seguidor das teorias de Kant e Hegel53
Os juristas Fernando Capez e Edilson Mogenout Bonfim lecionam que acerca
dessa temaacutetica destaca-se a importacircncia das liccedilotildees formuladas pela Escola
moderna alematilde cujo maior expoente fora Franz Von Liszt Esse movimento
tambeacutem conhecido como escola de poliacutetica criminal ou escola socioloacutegica
alematilde contou ainda com a contribuiccedilatildeo decisiva do belga Adolphe Prins e do
holandecircs Von Hammel que com Von Liszt criaram em 1888 a Uniatildeo
Internacional de Direito Penal A referida Escola ldquoera deliberadamente ecleacutetica
e visava ao estudo do ldquodireito penal totalrdquo ou seja agrave confluecircncia das ciecircncias
contributivas que formariam a ldquoenciclopeacutedia penalrdquo (Jimenez de Asuacutei) O crime
era estudado natildeo somente do ponto de vista juriacutedico mas antropoloacutegico e
socioloacutegicordquo 54
Enfim as principais caracteriacutesticas da moderna escola alematilde podem ser
sintetizadas nas seguintes a) adoccedilatildeo meacutetodo loacutegico-abstrato e indutivo-
experimental mdash o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais
ciecircncias criminais Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das
demais ciecircncias criminais tais como Criminologia Sociologia Antropologia
etc b ) distinccedilatildeo entre imputaacuteveis e inimputaacuteveis mdash o fundamento dessa
distinccedilatildeo contudo natildeo eacute o livre arbiacutetrio mas a normalidade de determinaccedilatildeo
do indiviacuteduo Para o imputaacutevel a resposta penal eacute a pena e para o perigoso a
medida de seguranccedila consagrando o chamado duplo-binaacuterio c) o crime eacute
concebido como fenocircmeno humanosocial e fato juriacutedico mdash embora considere o
crime um fato juriacutedico natildeo desconhece que ao mesmo tempo eacute um fenocircmeno
humano e social constituindo uma realidade fenomecircnica d) funccedilatildeo finaliacutestica
da pena mdash a sanccedilatildeo retributiva dos claacutessicos eacute substituiacuteda pela pena
finaliacutestica devendo ajustar-se agrave proacutepria natureza do delinquente Mesmo sem
perder o caraacuteter retributivo prioriza a finalidade preventiva particularmente a
prevenccedilatildeo especial e) eliminaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo das penas privativas de
liberdade de curta duraccedilatildeo mdash representa o iniacutecio da busca incessante de
alternativas agraves penas privativas de liberdade de curta duraccedilatildeo comeccedilando
efetivamente a desenvolver uma verdadeira poliacutetica criminal liberal55
CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
Apoacutes o estudo das diferentes correntes do positivismo eacute faacutecil constatar os
motivos do seu decliacutenio O principal deles consiste na visatildeo formalista e causal
explicativa do Direito Penal proporcionada pela pretensatildeo de fundamentar e
legitimar o sistema penal a partir do meacutetodo indutivo Como vimos o
positivismo pretendeu aplicar ao Direito os mesmos meacutetodos de observaccedilatildeo e
investigaccedilatildeo que eram utilizados nas disciplinas experimentais (fiacutesica biologia
antropologia etc) 56 Logo se percebeu no entanto que essa metodologia era
inaplicaacutevel em algo tatildeo circunstancial como a norma juriacutedica Essa constataccedilatildeo
levou os positivistas a concluiacuterem apressadamente que a atividade natildeo era
cientiacutefica e em consequecircncia proporem que a consideraccedilatildeo do delito fosse
por uma sociologia ou antropologia do delinquente chegando dessa forma ao
nascimento da Criminologia independentemente da dogmaacutetica juriacutedica 57
Com efeito a preocupaccedilatildeo com a produccedilatildeo de um conhecimento estritamente
cientiacutefico conduziu os juristas dessa eacutepoca a uma disputa acerca do autecircntico
conteuacutedo da Ciecircncia do Direito Penal Como vimos nas epiacutegrafes anteriores
houve uma grande polecircmica em torno das duas grandes vertentes que
abrangem a Ciecircncia Penal a criminoloacutegica e a juriacutedico-dogmaacutetica A vertente
criminoloacutegica voltada para a explicaccedilatildeo do delito como fenocircmeno social
bioloacutegico e psicoloacutegico natildeo era capaz de resolver questotildees estritamente
juriacutedicas como a diferenccedila entre tentativa e preparaccedilatildeo do delito em que
casos a imprudecircncia eacute puniacutevel os limites das causas de justificaccedilatildeo etc 58
A vertente juriacutedico-dogmaacutetica por sua vez ao considerar que a Ciecircncia do
Direito Penal tem por objeto somente o direito positivo e como missatildeo a
anaacutelise e sistematizaccedilatildeo das leis e normas para a construccedilatildeo juriacutedica atraveacutes
do meacutetodo indutivo natildeo foi capaz de determinar o conteuacutedo material das
normas penais nem de compreender o fenocircmeno delitivo como uma realidade
social permanecendo em um insustentaacutevel formalismo Haacute um claro
entendimento na atualidade de que a Ciecircncia do Direito Penal abrange tanto a
Criminologia como a Dogmaacutetica e que os conhecimentos produzidos por esses
ramos se inter-relacionam na configuraccedilatildeo da Poliacutetica Criminal mais adequada
para a persecuccedilatildeo de crimes Essa diferenciaccedilatildeo permitiu o avanccedilo da
construccedilatildeo juriacutedico-dogmaacutetica a partir dos estudos de Von Liszt e Binding mas
sem os equiacutevocos do meacutetodo positivista 59
INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
A leitura do Coacutedigo mostra a cada passo a decisiva e palpaacutevel influecircncia da
Escola Positiva na Exposiccedilatildeo de Motivos estaacute consignado que nele os
postulados claacutessicos fazem causa comum com os princiacutepios da Escola
Positiva 60 A poliacutetica de transaccedilatildeo ou conciliaccedilatildeo a que se refere agrave
Exposiccedilatildeo de Motivos permitiu que os traccedilos de inspiraccedilatildeo positivista dessem
um aspecto novo e sadio agrave fisionomia geral do Coacutedigo Donnedieu de Vabres
em arguta criacutetica diz que o Coacutedigo Penal de 1940 foi guiado por um prudente
oportunismo acessiacutevel agraves sugestotildees da ciecircncia nova mas firmemente
agarrado segundo a tradiccedilatildeo ao valor cominatoacuterio e intimidativo da pena 61O
Coacutedigo Penal foi elaborado por uma comissatildeo de seis membros dos quais
Roberto Lyra era o uacutenico positivista todavia podemos dizer que se trata de
coacutedigo de feitio ecleacutetico onde se conciliam o positivismo de Lyra e o
classicismo politicamente autoritaacuterio de Hungria Os princiacutepios da escola
positiva forneceram ao Coacutedigo Penal brasileiro agrave tocircnica individualizadora o
talhe subjetivista o porte defensista com os avanccedilos da responsabilidade
legal atraveacutes principalmente da periculosidade com as flexotildees do arbiacutetrio
judicial sobre os traslados biossocioloacutegicos 62
A influecircncia da Escola Positiva manifesta-se nitidamente no criteacuterio diretivo
estabelecido pelo artigo 59 no tocante a consideraccedilatildeo da personalidade do
criminoso A Exposiccedilatildeo de Motivos do Coacutedigo Penal de 1940 deixa bem
ressaltado que o reacuteu teraacute de ser apreciado atraveacutes de todos os fatores
endoacutegeno e exoacutegeno de sua individualidade moral e da maior ou menor
intensidade de sua ldquomens reardquo (aspecto subjetivo da responsabilidade) 63
O Coacutedigo Penal ressalta a consideraccedilatildeo do crime em funccedilatildeo do seu autor
assim a referida legislaccedilatildeo adotou de forma expliacutecita o exame da
personalidade do delinquente para o reconhecimento da periculosidade64
Ressaltamos a inegaacutevel influecircncia do positivismo nos dados pertinentes aos
motivos determinantes do crime Para a Escola Positiva o motivo era a pedra
de toque da periculosidade criminal com efeito o motivo fuacutetil e o motivo torpe
representam significativos sintomas de periculosidade individual conforme
acentua a Exposiccedilatildeo de Motivos ldquoadquire culminante relevo o motivo o
ldquoporquerdquo do crime sendo que na ldquoaplicaccedilatildeo da pena os motivos do crime
figuram como um dos criteacuterios centrais de orientaccedilatildeordquo Outrossim o motivo de
relevante valor moral ou social inspira-se no artigo 22 20 do Projeto Ferri65
A Escola Positiva comeccedilou a desacreditar da chamada pena dosimeacutetrica pena
medida e contada com ridiacuteculos requintes de pretensa exatidatildeo matemaacutetica
em correspondecircncia quase que exclusiva com a gravidade objetiva do fato
assim generalizou-se a tendecircncia de considerar a pessoa do delinquente em
seus aspectos fiacutesico antropoloacutegico e moral para efetiva individualizaccedilatildeo da
pena essa foi a diretriz preferida pelo legislador penal de 194066
O Coacutedigo satisfez a exigecircncia da Escola Positiva ao estabelecer a
circunstacircncia atenuante do erro de direito escusaacutevel (artigo 20 do Coacutedigo
Penal) Assim como a atenuante constante na aliacutenea ldquoerdquo inciso III do artigo 65
do Coacutedigo Penal
Influecircncia decisiva encontramos na disciplina das circunstacircncias do crime dois
criteacuterios fundamentais guiam o legislador ao disciplinar as circunstacircncias do
delito o objetivo e o subjetivo O criteacuterio objetivo tem em mira o elemento
poliacutetico do crime ou seja o alarma social por ele causado eacute o criteacuterio preferido
pelas legislaccedilotildees inspiradas pela Escola Claacutessica Para o criteacuterio subjetivo o
singular valor das circunstacircncias do delito resulta da periculosidade revelada
pelo criminoso eacute o criteacuterio preconizado pela Escola Positiva e cristalizado no
Projeto Ferri 67
Natildeo escapou tambeacutem a disciplina da reincidecircncia ao influxo da escola de Ferri
aleacutem de Ferri sustentavam a perpetuidade da reincidecircncia Garofalo Carelli
Niceforo dentre outros Por este criteacuterio a reincidecircncia prolonga-se no tempo
nada a desfigurando ou esmaecendo O Coacutedigo Penal de 1940 seguindo o
criteacuterio da perpetuidade da reincidecircncia salientando a exposiccedilatildeo ministerial de
motivos agrave relevacircncia da sentenccedila condenatoacuteria estrangeira para o efeito de
reconhecimento da reincidecircncia68
As medidas de seguranccedila natildeo foram introduzidas diretamente pela Escola
Positiva foram uma resultante do desenvolvimento das concepccedilotildees positivistas
sobre a prevenccedilatildeo dos delitos tais concepccedilotildees positivistas de defesa social
foram consagradas pelo Estatuto Penal de 1940 acolhendo a foacutermula das
medidas de seguranccedila destinadas a proteger a sociedade contra a
periculosidade criminal Eacute a periculosidade diretriz fundamental da Escola
Positiva seu conceito surge pela primeira vez na ldquotemibilitagraverdquo de Garofalo
definiu-a este como a perversidade constante e ativa do delinquente e a
quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo
delinquente69
O Coacutedigo Penal de 1940 constroacutei seu sistema dentro do dualismo culpabilidade
e periculosidade criminal pena e medida de seguranccedila Entretanto como
observa Roberto Lyra a periculosidade inclusive presumida condiciona natildeo
soacute a medida de seguranccedila como a aplicaccedilatildeo da pena e governa os
instrumentos de poliacutetica criminal 70
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As escolas penais foram correntes filosoacutefico-juriacutedicas que buscaram firmar
teses sobre o crime e a figura do deliquente A Escola Claacutessica de inspiraccedilatildeo
Iluminista visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbiacutetrio do Estado A
Escola Positivista encarou o crime sob a oacutetica socioloacutegica e o criminoso tornou-
se alvo de investigaccedilotildees biopsicoloacutegicas com fundamentos que natildeo resistem a
uma anaacutelise mais minuciosa e negam o livre-arbiacutetrio base da responsabilidade
inalienaacutevel que cabe ao homem por seus atos Ressaltamos que a Escola
Positiva natildeo obstante a contestaccedilatildeo de seus representantes foi um reflexo no
campo penal do pensamento positivista de Comte Darwin e Spencer A
Escola Criacutetica (tambeacutem denominada de Politica Criminal) e a Escola Moderna
Alematilde buscaram a moderaccedilatildeo como meio para avanccedilar nos estudos do crime
e do criminoso levando em conta as duas correntes anteriores
O Papel da Criminologia na Definiccedilatildeo do Delito
Contextualizar o momento durante o qual esta sendo feita a anaacutelise do
fenocircmeno delitivo eacute o primeiro e fundamental passo em direccedilatildeo agrave sua
conceituaccedilatildeo A compreensatildeo do crime como fato social engloba a visatildeo de
que tanto o delito quanto o delinquente satildeo produtos da sociedade
Mais do que isso conforme seraacute visto no presente trabalho o delito como
fato social eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo de um ciclo qual seja a
socieda- de elenca as condutas que entende como desviantes escolhe
dessa for- ma aqueles que seratildeo vistos como delinquentes e a praacutetica
das referidas condutas tipificadas se voltaraacute contra a proacutepria
comunidade responsaacutevel pela criaccedilatildeo de todas estas figuras
envolvidas
A sociedade dos dias de hoje eacute tida como uma sociedade de riscos e
natildeo eacute agrave toa A criminalidade produz uma sensaccedilatildeo de medo que atinge
o individual e o coletivo de uma comunidade Com isso natildeo apenas os
indiviacuteduos vivem suas vidas com uma constante sensaccedilatildeo de
inseguranccedila mas ndash principalmente ndash a ideia de sociedade de riscos eacute
responsaacutevel pela adoccedilatildeo de diversas atitudes por meio do poder
estatal
De forma a tentar controlar a arbitrariedade do poder responsaacutevel pela
implementaccedilatildeo das referidas medidas a criminologia se dispotildee a en-
tender o fenocircmeno delitivo e tudo o que se relaciona a ele Assim a partir da
construccedilatildeo de um conceito do que seja crime pelos criminoacutelogos estaraacute essa
ciecircncia auxiliando a poliacutetica criminal na importante e complicada tarefa de
elencar as medidas penais necessaacuterias para cada sociedade em seu tempo
Em constante contato com a dogmaacutetica penal e com a poliacutetica crimi- nal a
criminologia se faz cada vez mais necessaacuteria para uma real compre-
ensatildeo acerca do fenocircmeno delitivo A utilizaccedilatildeo de seu meacutetodo cientifico
e de sua observaccedilatildeo empiacuterica dos fatos levaraacute a resultados
considerados vaacutelidos e extremamente eficientes no combate aos altos
iacutendices de crimi- nalidade visando a controlaacute-los ndash tendo em vista a utopia
na pretensatildeo de extinguir por completo a praacutetica delitiva em uma
sociedade
NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
O ponto de partida reside na compreensatildeo do que seja crimino- logia
bem como na anaacutelise da sua natureza como ciecircncia Ciecircncia de
acordo com uma das definiccedilotildees do dicionaacuterio MICHAELIS eacute um ramo
de conhecimento sistematizado como campo de estudo ou observaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo de fatos atinentes a determinado grupo de fenocircmenos e for-
mulaccedilatildeo das leis que os regem Entender a criminologia como uma ciecircncia
eacute o primeiro passo em direccedilatildeo agrave sua definiccedilatildeo como ciecircncia penal
capaz de construir uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria do delito
De acordo com o valioso ensinamento do professor SEacuteRGIO SALO- MAtildeO
SHECAIRA ldquoqualquer observaccedilatildeo conceitual sobre a criminologia esbarra
nas diferentes perspectivas existentes nas ciecircncias humanasrdquo Dessa
forma eacute preciso ter em mente que a definiccedilatildeo que se apresente acerca da
criminologia seraacute intimamente relacionada com a oacutetica sob a qual ela estaacute
sendo observada Ao mesmo tempo deve haver uma ideia comum acerca
das ciecircncias criminoloacutegicas a partir da qual positivistas criacuteticos e radicais
construiratildeo seus proacuteprios conceitos
Descobertas cientificas invariavelmente trazem consigo marcas de seus
tempos e locais de realizaccedilatildeo Logo uma discussatildeo acerca da crimi-
nologia implica na realizaccedilatildeo de uma breve anaacutelise histoacuterica A histoacuteria da
criminologia cujo aparecimento remonta haacute cerca de um seacuteculo eacute a his-
toacuteria de uma eacutepoca de continua sucessatildeo alternacircncia ou confluecircncia de
meacutetodos e teacutecnicas de investigaccedilatildeo ndash isto eacute uma eacutepoca em que surgiram
diversas escolas criminoloacutegicas as quais identificavam seus problemas
com as concretas questotildees e meacutetodos que selecionaram
A partir dos anos 30 do seacuteculo XX a criminologia contemporacircnea se propocircs a
enfrentar o problema da criminalidade e da resposta penal que a esta era
constituiacuteda Para tanto pretendia individualizar as causas e os sinais
antropoloacutegicos da referida criminalidade de forma a observar os indiviacuteduos
que eram assinalados dentro de instituiccedilotildees como o caacutercere e os
manicocircmios judiciaacuterios
O conceito juriacutedico de delito natildeo eacute o objeto do discurso autocircnomo da
criminologia e sim o homem delinquente Este por sua vez eacute conside- rado
um indiviacuteduo diferente e como tal clinicamente observaacutevel Em ou- tras
palavras a criminologia surgiu com a funccedilatildeo de tentar compreender os
fatores que determinam o comportamento criminoso de forma a com- batecirc-
los por meio de praacuteticas que tendem a modificar o delinquente
Dessa forma a criminologia trata da criminalidade como algo que eacute produto
da sociedade Mais do que isso o crime vem a atingir a proacutepria sociedade
da qual eacute fruto Trata-se de um ciclo que se repete a toda e qualquer eacutepoca
em todas as comunidades de que se tem noticia Valen- do-se do
conhecimento acerca dessa inevitaacutevel relaccedilatildeo entre o delito e o
corpo social os criminoacutelogos buscam entender a fundo como ela pode ser
controlada ou mesmo interrompida
Neste momento vale apresentar um vieacutes da criminologia denomi- nado
criminologia da reaccedilatildeo social Segundo esse posicionamento a audi-
ecircncia social atua mediante trecircs diferentes processos de criminalizaccedilatildeo6
Estuda-se em primeiro lugar a maneira com a qual a reaccedilatildeo social se
manifesta ao criminalizar condutas antes liacutecitas mediante a criaccedilatildeo de
normas penais Em segundo lugar de que forma esta reaccedilatildeo se torna
uma variaacutevel que interfere na criminalidade de indiviacuteduos E em terceiro
lugar como esta mesma reaccedilatildeo contribui para a criminalizaccedilatildeo do
comporta- mento desviante e para a consequente perpetuaccedilatildeo do papel
delitivo
Com relaccedilatildeo a esse tema vale lembrar o ceticismo de alguns auto- res
com os dados utilizados pela ciecircncia criminoloacutegica Entre eles desta-
ca-se a opiniatildeo de NILS CHRISTIE para quem o crime eacute produto de
pro- cessos culturais sociais e mentais Segundo o autor condutas
passiacuteveis de criminalizaccedilatildeo satildeo como recursos naturais ilimitados
estando o crime em permanente oferta
A partir desse raciociacutenio a conclusatildeo do autor confirma a ideia de ciclo
da criminalidade anteriormente referida Segundo afirma a socieda- de
dos dias de hoje foi construiacuteda de forma com que o interesse de muitos
permita a facilidade em definir condutas indesejaacuteveis como crime (em vez
de simplesmente taxaacute-las como maacutes insanas ou excecircntricas)
Concomi- tantemente nessa mesma sociedade eacute permanentemente
encorajada a praacutetica de condutas indesejaacuteveis enquanto satildeo reduzidas
as possibilida- des de controle informal da criminalidade
Nesse sentido BARATTA ressalta o criteacuterio utilizado para que se
realize a distinccedilatildeo entre um comportamento dito conforme a lei e o com-
portamento desviado Para o autor tal diferenciaccedilatildeo iraacute depender muito
mais da definiccedilatildeo legal ndash a qual elenca quais satildeo os comportamentos
cri- minosos e quais satildeo os comportamentos liacutecitos ndash do que de uma
atitude interior intrinsecamente boa ou maacute isto eacute valorada positiva ou
negativa- mente pelos indiviacuteduos Isso confirma a ideia apresentada no
paraacutegrafo anterior natildeo haacute meio-termo entre condutas tipicas e atipicas
natildeo haacute va- loraccedilatildeo de praacuteticas como meramente positivas ou negativas
A principal atividade da criminologia eacute estudar as causas do deli- to
Existem diversas teorias criminoloacutegicas que tentam explicaacute-lo motivo pelo
qual existem autores que ousam afirmar que essa funccedilatildeo estaacute em crise ou
mesmo que teria sido abandonada No entanto na anaacutelise do fe- nocircmeno
delitivo sob uma perspectiva social parece pouco provaacutevel (aleacutem de
demasiadamente pessimista) que se tenha deixado de lado a busca pelas
razotildees que o ocasionam
A criminologia igualmente se interessa em tentar formular possiacuteveis respostas
preventivas para o delito de forma a controlaacute-lo Com relaccedilatildeo a esse ponto
insta ressaltar que a esfera que se ocupa do estudo e da im- plementaccedilatildeo de
medidas para prevenccedilatildeo e controle do delito eacute a Poliacutetica Criminal Natildeo se
trata de uma parte da criminologia e sim de uma ciecircncia autocircnoma que
conta com o auxiacutelio das teorias criminoloacutegicas e dos fatos empiacutericos bem
conhecidos sobre o crime para que possa emitir a decisatildeo final sobre se
determinada medida deveraacute ser adotada
Interessante constatar que as referidas atividades da criminologia satildeo
complementadas uma pela outra Isto porque conforme leciona SER- RANO
MAIacuteLLO10 ldquoseraacute dificil melhorar a prevenccedilatildeo e o controle do delito se antes
natildeo conhecermos algo sobre suas causasrdquo Portanto natildeo eacute possiacute- vel tratar
da atividade criminoloacutegica de forma fragmentada pois o estudo do fenocircmeno
delitivo eacute algo que demanda uma unidade de atenccedilatildeo volta- da agrave observaccedilatildeo
dos fatos que a ele dizem respeito
O estudo cientifico do delito abarca tambeacutem a anaacutelise de quantos delitos
satildeo cometidos em determinada localizaccedilatildeo durante certo periacuteodo de tempo
bem como quais satildeo as tendecircncias das taxas de criminalidade ao longo do
tempo Por fim com relaccedilatildeo agrave atividade da criminologia esta se ocupa de
entender por que as leis satildeo elaboradas ndash mais especifica- mente as leis
penais
A natureza da criminologia como ciecircncia tem fundamento em di- versas
razotildees Em primeiro lugar natildeo se pode afirmar que a criminologia seja
meramente uma disciplina KARL RAIMUND POPPER explica o motivo pelo
qual se pode realizar tal conclusatildeo
O filoacutesofo afirma que disciplinas nada mais satildeo do que aglomerados
de teorias e de teacutecnicas de prova que tendem a solucionar os problemas
Estes por sua vez satildeo encontrados sempre que se realize uma investiga- ccedilatildeo Problemas surgem dentro de uma teoria a qual por sua vez eacute uma dentre as muitas teorias que
constituem uma disciplina
CERETTI conclui que as disciplinas se apresentam como um con-
junto desordenado de distintas teorias as quais se encontram em conflito
entre si e natildeo podem ser consideradas como unitaacuterias Ao contraacuterio as
teorias cientificas podem ser corretamente interpretadas em sua globali-
dade ou totalidade justamente por serem sempre formais
Natildeo sendo mera disciplina a criminologia se enquadra na categoria de
ciecircncia Aleacutem dos seus meacutetodos de anaacutelise ndash os quais em breve seratildeo
explicados ndash o estudo do fenocircmeno delitivo passa tambeacutem pela conside-
raccedilatildeo do papel dos determinantes fortuitos Isso porque os antecedentes
que produzem o delito natildeo consistem apenas naquilo que os indiviacuteduos
fazem mas tambeacutem naquilo que eacute feito a eles por outros
Em outras palavras o azar pode funcionar na cadeia delitiva como uma
forccedila impulsora ou de forma a conspirar contra Com isso o delinquen- te
deve estar sempre consciente do papel daquilo que haacute de acidental em
suas condutas Naturalmente tais antecedentes natildeo satildeo de forma alguma a
uacutenica causa da praacutetica do crime mas complicaccedilotildees acidentais seratildeo de funda-
mental importacircncia para o destino da carreira criminal de um indiviacuteduo
O azar em muitas formas segue regendo o agir humano e isso deve
sempre ser levado em consideraccedilatildeo nos estudos criminoloacutegicos No
entanto por oacutebvio o estudo do delito pela criminologia natildeo poderia se
pautar apenas na consideraccedilatildeo dos desenvolvimentos acidentais ocorri-
dos ao longo da vida do delinquente Eacute preciso realizar uma anaacutelise
con- creta acerca das razotildees das referidas praacuteticas bem como das
possiacuteveis respostas mais adequadas a estas
A criminologia aspira a aplicar o meacutetodo cientifico no estudo do
delito16 motivo pelo qual se pode afirmar ter natureza de ciecircncia
Como ciecircncia visa a descrever e explicar a realidade atribuindo para
tanto de- cisiva importacircncia agrave anaacutelise empiacuterica observaccedilatildeo dos fatos
experimenta- ccedilatildeo e experiecircncia real
Ainda conforme jaacute fora anteriormente mencionado a resposta al- canccedilada
pela criminologia dependeraacute da oacutetica pela qual se optaraacute Dessa forma para
a criminologia eacute imprescindiacutevel o estudo das diversas teorias que tratam de
explicar o fenocircmeno criminoso AUGUSTO THOMPSON cor- robora com
essa afirmativa ao lecionar
Praticamente cada criminoacutelogo que se preza adota posiccedilatildeo pessoal no que concerne ao ponto O fato indiscutivel eacute ine- xistir a mais longiacutenqua ou remota esperanccedila de consenso a respeito da questatildeo
Diante disso a criminologia inevitavelmente iraacute se converter em um campo
formado pelos encontros e desencontros de todas as teorias a ela
relacionadas Cada uma dessas seguiraacute seus proacuteprios criteacuterios estabele-
cendo suas proacuteprias premissas e axiomas A compreensatildeo de tais teorias
permite obter respostas agraves perguntas formuladas com relaccedilatildeo ao delito
auxiliando a definiccedilatildeo da criminologia como ciecircncia
O meacutetodo empiacuterico a que se fez referecircncia utilizado para o estudo do crime
tambeacutem eacute objeto de criacuteticas A fundamental delas diz respeito ao fato de
que o sucesso desta teacutecnica depende diretamente da neutrali- dade e do
desinteresse por parte do sujeito que realiza a anaacutelise em ques- tatildeo O
conhecimento obtido somente poderaacute ser sistematizado a partir da pureza
dos dados recolhidos Entatildeo constroacutei-se a seguinte questatildeo como seria
possiacutevel a imparcialidade desse sujeito se ele mesmo eacute tambeacutem par- te do
objeto investigado
Apontada a referida criacutetica eacute preciso ressaltar que ela corresponde agrave opiniatildeo
minoritaacuteria dos estudiosos Majoritariamente entende-se que a criminologia
tem natureza de ciecircncia utilizando-se portanto do meacutetodo cientifico de
estudo Por certo eacute preciso que se conte com o maior rigor de
imparcialidade possiacutevel tendo sempre em mente que a imparcialidade
completa do investigador eacute uma utopia
O filoacutesofo Popper eacute novamente citado na obra de Serrano Maiacutello para
explicar que seraacute cientifica toda hipoacutetese que puder ser negada me
diante fatos observaacuteveis Diante disso tem-se que o meacutetodo cientifico
empregado pela criminologia aspira agrave construccedilatildeo de teorias das quais
deveratildeo derivar hipoacuteteses que seratildeo por fim submetidas agrave refutaccedilatildeo
A tarefa para quem trabalha com criminologia eacute definitivamente
descobrir a maior quantidade possiacutevel de erros nas teorias para encontrar
sempre uma teoria melhor Uma vez que supera com ecircxito os criteacuterios
de refutaccedilatildeo levadas em consideraccedilatildeo as demais qualidades jaacute
elencadas resta clara a natureza da criminologia como ciecircncia Sendo
uma ciecircncia voltada ao estudo do crime seratildeo os avanccedilos
criminoloacutegicos de grande utilidade para a construccedilatildeo de um conceito
de delito
Mais do que uma ciecircncia a criminologia eacute ciecircncia autocircnoma e inde-
pendente natildeo sendo parte integrante da esfera do direito penal ou mes-
mo da poliacutetica criminal Para que realizem de forma plena seus
estudos busca ser na medida do possiacutevel livre de valoraccedilotildees por
parte de qual- quer dos criminoacutelogos envolvidos em sua pesquisa Dessa
forma procura essta ciecircncia alcanccedilar maior pureza nas informaccedilotildees
colhidas bem como objetividade realismo e constante progresso
CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
Neste momento urge fazer a seguinte ressalva tambeacutem o direito penal
estuda o crime o criminoso e em sua essecircncia a criminalidade Da
mesma forma a poliacutetica criminal natildeo prescinde de indagar quanto ao
estudo desses trecircs objetos Diante dessa constataccedilatildeo eacute possiacutevel que
surja o seguinte questionamento seriam entatildeo a mesma coisa a
criminologiao direito penal e a poliacutetica criminal
Parece evidente que natildeo embora natildeo pareccedila justificaacutevel apartaacute- las
radicalmente em nome da autonomia cientifica Dentre as inuacutemeras
diferenccedilas que possuem entre si tais esferas de estudo do fenocircmeno cri-
minal SHECAIRA optou por apontar uma em especial
ldquo a criminologia aleacutem de requerer consideraacuteveis esforccedilos exige
profundos conhecimentos psicoloacutegicos e socioloacutegicos por ser uma
disciplina que trabalha com meacutetodos diferentes daqueles
normalmente utilizados na esfera juriacutedico-penalrdquo
Apesar das diferenccedilas existem pontos de semelhanccedila entre estas trecircs
distintas esferas que tornam imprescindiacutevel o exame do direito penal e da
poliacutetica criminal para que se realize o estudo da criminologia Isso porque
tais disciplinas encontram-se intimamente relacionadas depen- dendo
mutuamente umas das outras para se fazerem compreender uma vez que
ldquonatildeo existe problema juriacutedico-dogmaacutetico que natildeo requeira um
conhecimento de suas bases criminoloacutegicasrdquo
O objeto do presente trabalho eacute a criminologia e embora guarde inevitaacutevel
relaccedilatildeo com o direito penal e com a poliacutetica criminal natildeo seratildeo essas duas
disciplinas analisadas com especial atenccedilatildeo neste estudo A criminologia
de acordo com a claacutessica concepccedilatildeo de Sutherland eacute o ldquocon- junto de
conhecimentos sobre o delito como fenocircmeno social Inclui em seu acircmbito
os processos de elaboraccedilatildeo das leis de infraccedilatildeo das leis e de reaccedilatildeo agrave
infraccedilatildeo das leisrdquo
A tendecircncia no sentido da integraccedilatildeo entre a dogmaacutetica penal e discipli- nas
antropoloacutegicas e socioloacutegicas ndash como eacute o caso da criminologia ndash faraacute com que
sejam obtidos melhores resultados nos estudos da referida ciecircncia Espe-
cificamente com relaccedilatildeo agrave formulaccedilatildeo de um conceito de delito este seraacute mais
completo quanto maior a ciecircncia se utilizar do auxiacutelio das demais disciplinas
Importante ressaltar que isso natildeo significa que o direito penal ou a poliacutetica
criminal sejam meramente auxiliares da criminologia Assim como o inverso
natildeo eacute verdadeiro eacute preciso ter em mente que se estaacute diante de trecircs esferas
autocircnomas e independentes umas das outras que contam com seus
respectivos resultados e conceitos para alcanccedilarem suas proacute- prias
realizaccedilotildees distintamente
Por meio dessa integraccedilatildeo entre a ciecircncia da criminologia e as dis- ciplinas
penais a criminologia enriquece seu campo de estudo de forma a obter
resultados mais completos para seus questionamentos Desta for- ma com
relaccedilatildeo ao estudo do delinquente a criminologia iraacute buscar nos
sujeitos selecionados pelo sistema penal todas as variaacuteveis (excluindo-
se o processo de criminalizaccedilatildeo por si soacute) que possam vir a explicar sua
diver- sidade com relaccedilatildeo aos demais sujeitos ditos ldquonormaisrdquo
Ainda sobre o estudo do delinquente foi necessaacuterio que a crimi-
nologia partisse de definiccedilotildees preacutevias e de certa forma ateacute oacutebvias Em
primeiro lugar ldquocriminoso eacute um homem e homem eacute algo concreto real
faacutetico existente no mundordquo Entendendo-se o crime como um mal ndash
assim como a doenccedila eacute um mal no corpo do paciente de um meacutedico ndash
analogicamente se pode investigar os fatores relacionados ao delito por
meio do corpo dos seus portadores os delinquentes Resta mostrada a
importacircncia da supramencionada colaboraccedilatildeo das disciplinas penais
para os estudos criminoloacutegicos
Do mesmo modo a criminologia liberal contemporacircnea toma por
empreacutestimo do direito penal suas definiccedilotildees do que venha a ser compor-
tamento criminoso estudando tal comportamento como se fosse uma
qualidade criminal objetiva Partindo dessa premissa este vieacutes da crimi-
nologia realiza a anaacutelise das normas e valores transgredidos pelos
indiviacute- duos ou desviados por estes
Sendo a ordem legal uma construccedilatildeo incontestaacutevel natildeo pode ela ser
deixada de lado na anaacutelise do crime e de seus fatores pela criminolo-
gia A proposta da ciecircncia deve ser uma anaacutelise natildeo valorada ndash na
medida do possiacutevel ndash de tudo aquilo que envolve a praacutetica de uma
conduta tipica Para tanto naturalmente natildeo poderaacute abster-se do estudo
da lei positiva a qual eacute objeto e ferramenta tambeacutem de outras
disciplinas
Para que seja realizada a distinccedilatildeo entre as diferentes esferas pe- nais
eacute preciso ter em mente qual eacute a finalidade do estudo de cada uma de- las
Nem sempre esta tarefa seraacute de paciacutefico entendimento Natildeo somente
porque satildeo muitos os posicionamentos acerca dos fins a serem
alcanccedilados pelas ciecircncias penais como tambeacutem pelo simples fato de
que jaacute se tem como saber que em muitos casos tais fins natildeo mais
lograratildeo sucesso
Eacute o que ocorre com a poliacutetica criminal e mesmo com o proacuteprio direito penal
Se for considerado como objetivo de tais disciplinas uma ide- ologia de
tratamento ressocializador com vistas agrave reabilitaccedilatildeo do delin- quente
parece oacutebvio concluir que tal finalidade jaacute se encontra fracassada em nosso
paiacutes Com a criminologia natildeo eacute diferente para que se analise a integraccedilatildeo
desta ciecircncia com as supramencionadas disciplinas ndash em especial com a
dogmaacutetica juriacutedico-penal ndash eacute preciso partir da compreensatildeo da finalidade
dos estudos criminoloacutegicos
Conforme jaacute fora anteriormente explicitado a finalidade da crimi- nologia eacute
o recolhimento de dados que lhe permitam conhecer o delito como
fenocircmeno social O direito penal por sua vez tambeacutem possui suas
finalidades proacuteprias e especiacuteficas do seu campo de saber que fazem com
que seja um campo conexo com a criminologia enquanto ambos possuem
autonomia e independecircncia
Independentemente da teoria acerca do direito penal que se esteja adotando
insta salientar que este ramo do Direito eacute em boa parte vol- tado a
funcionar como instrumento de controle das classes privilegiadas sobre as
menos favorecidas Diante desta informaccedilatildeo tem-se que teo- rias
relativas absolutas ou agnoacutesticas resultaratildeo nesta afirmativa de que o
Direito natildeo eacute mais visto como um instrumento relativamente paciacutefico Ao
contraacuterio corresponde a um conflito real e constante entre interesses
diversos de classes distintas
Dessa forma ldquoo trabalho fundamental da Criminologia deve ser o estudo
do proacuteprio Direito e de sua produccedilatildeordquo (grifo do autor) Por meio da anaacutelise
das especificidades acerca da dogmaacutetica juriacutedico-penal e mes- mo do direito
penal como um todo seraacute possiacutevel que a criminologia alcance os resultados
para seus estudos acerca do delito e do delinquente As informaccedilotildees
obtidas com o auxiacutelio das demais disciplinas seratildeo acrescidas dos resultados
conquistados pelo meacutetodo empiacuterico dos criminoacutelogos en- riquecendo a
ambos os campos do conhecimento
A comunicaccedilatildeo entre os diversos estudiosos da lei penal importa
tambeacutem para fins de discordarem uns dos outros Tido por muitos como
o princiacutepio de maior importacircncia de todo o ordenamento juriacutedico ndash e
portanto do direito penal ndash a ideia de igualdade eacute convenientemente
refutada por uma teoria da criminologia a teoria do etiquetamento ou da
reaccedilatildeo social (labelling approach)
De acordo com essa teoria eacute errocircneo o enunciado do princiacutepio da
igualdade segundo o qual o direito penal eacute igual para todos Isso porque
o desvio e a criminalidade satildeo qualidades atribuiacutedas a determinados sujei-
tos selecionados formal ou informalmente Dessa forma afirmam os crimi-
noacutelogos que o fenocircmeno da criminalidade natildeo pode ser estudado sem que se
leve em consideraccedilatildeo tais processos de seleccedilatildeo dos indiviacuteduos desviados
Da mesma forma tambeacutem as finalidades das distintas esferas do saber
criminal satildeo questionadas entre si O princiacutepio do fim e da preven- ccedilatildeo
afirma que a pena natildeo tem unicamente o objetivo de retribuir a praacute- tica
do delito mas tambeacutem visa a preveni-lo No entanto essa ideia eacute
questionada pela criminologia
A ciecircncia se utiliza dos resultados de inuacutemeras pesquisas sobre a
efetividade do direito penal e de suas consequecircncias juriacutedicas A partir des-
sa anaacutelise conclui ser uma ilusatildeo o fim preventivo e retributivo do direito
penal a que faz referecircncia o supramencionado princiacutepio A criminologia se
justifica negando qualquer possibilidade de ser a ressocializaccedilatildeo do delin-
quente uma funccedilatildeo efetiva do caacutercere sendo impossiacutevel consideraacute-la como
um fim que possa ser alcanccedilado pela pena de privaccedilatildeo da liberdade
Esses foram alguns dos exemplos elencados para demonstrar que o
confronto entre as ideias da criminologia e da dogmaacutetica juriacutedico-penal
nem sempre eacute algo negativo Pelo contraacuterio na maioria das vezes seraacute
algo construtivo para uma maior eficaacutecia das medidas que seratildeo adotadas
ndash pelo campo da poliacutetica criminal ndash para que se vise a solucionar ao
maacutexi- mo o problema da criminalidade
Aleacutem do estudo da lei penal positiva e das medidas aplicaacuteveis a cada
sociedade de modo a enfrentar a praacutetica delitiva ndash objetos do saber do
direito penal e da poliacutetica criminal ndash eacute imprescindiacutevel que se faccedila uso
dos resultados obtidos pela criminologia Um valor importante dessa ci-
ecircncia em face de outras reside em seu conhecimento acerca do
sistema penal Dessa forma um estudo do delito e das formas de
controlaacute-lo precisa contar com uma anaacutelise acerca da definiccedilatildeo dos
problemas sociais e da ampliaccedilatildeo destes na esfera juriacutedico-penal
A integraccedilatildeo entre o saber da dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircn- cia
criminoloacutegica tem relevacircncia tambeacutem no que diz respeito ao auxiacutelio na
evoluccedilatildeo de tais esferas de conhecimento Naturalmente existe quem pense
que a dogmaacutetica encontra-se estagnada ancorada sem qualquer
possibilidade de evoluccedilatildeo Para os teoacutericos do Direito que se filiam a essa
opiniatildeo a justificativa residiria no fato de que o Direito haveria al- canccedilado
sua perfeiccedilatildeo
Por oacutebvio natildeo eacute o que ocorre No atual contexto da sociedade brasilei- ra o
ordenamento juriacutedico-penal ainda necessita de melhorias teoacutericas e praacuteti- cas O
direito penal jaacute atingiu um limite muito aleacutem do que outrora se esperou desse ramo
do Direito e com o auxiacutelio dos demais campos do saber ndash em especial a
criminologia ndash possui ainda muitas possibilidades de evoluccedilatildeo
Hoje em dia eacute majoritaacuterio o entendimento de que o Direito deve sempre se
dispor a evoluir natildeo podendo o penalista se acomodar aos limites da
interpretaccedilatildeo da lei positiva Deve ocupar-se de todo o direi- to vigente
tentando buscar a verdade do contexto juriacutedico em que estaacute inserido de
forma a alcanccedilar uma seguranccedila juriacutedica cada vez maior39 O jurista deve
dispor do auxiacutelio das diversas ciecircncias penais vez que natildeo pode se
conformar em realizar uma valoraccedilatildeo do direito positivo
Conforme jaacute fora ressaltado anteriormente natildeo pode haver qual- quer tipo
de confusatildeo entre o direito penal e a criminologia Trata-se de duas esferas
de conhecimento acerca das ciecircncias penais que possuem pontos de
convergecircncia e pontos extremamente distintos Logo eacute preciso esclarecer
que natildeo apenas satildeo a dogmaacutetica e a criminologia autocircnomas e
independentes entre si como satildeo disciplinas diversas uma da outra em
muitos aspectos
O principal diferenciador entre a dogmaacutetica juriacutedico-penal e a cri- minologia
eacute o objeto de cada uma delas O passar dos anos e a evoluccedilatildeo da histoacuteria satildeo
responsaacuteveis por mudanccedilas ocorridas nos objetos de investiga- ccedilatildeo de cada
uma das referidas disciplinas Ressalte-se mais uma vez que ja- mais se pode
deixar de ter em mente o papel do contexto histoacuterico e social para a
compreensatildeo do estudo do fenocircmeno delitivo como fato social
Dessa forma conforme leciona ALESSANDRO BARATTA acerca do
objeto das referidas esferas de conhecimento
ldquoHoje em dia o objeto de interesse da criminologia moderna se deslocou para a investigaccedilatildeo das instacircncias oficiais e dos mecanismos oficiais e natildeo oficiais que constituem a realidade total do sistema penal Pois bem A dogmaacutetica penal eacute tambeacutem parte desse sistema eacute um elemento do mesmo () No caso da dogmaacutetica a legislaccedilatildeo penal eacute seu objeto fundamentalrdquo
Existe portanto um niacutevel distinto de abstraccedilatildeo e de autonomia de am- bas as
disciplinas com relaccedilatildeo ao seu objeto As semelhanccedilas poreacutem permi- tem
que tais objetos se auxiliem e se complementem enriquecendo os resul-
tados obtidos por uma das disciplinas por meio dos alcanccedilados pela outra
Importante ressaltar que tanto a dogmaacutetica quanto a criminologia
tambeacutem satildeo alicerces para o eficaz funcionamento da poliacutetica criminal Eacute
certo que ainda natildeo se pode contar com um conceito claro e definido do
que seja poliacutetica criminal ou mesmo do que possa ser inserido em seu
conteuacutedo de estudo
Entretanto eacute possiacutevel apreciar como as concepccedilotildees mais amplas
acerca da poliacutetica criminal tratam-na de forma mais aleacutem daquilo que
meramente consta nos coacutedigos penais Entende-se que a poliacutetica criminal
deve alcanccedilar ateacute mesmo uma anaacutelise do que trata o processo penal e
a execuccedilatildeo das penas
Resta clara a existecircncia e inegaacutevel importacircncia da integraccedilatildeo muacutetua entre
dogmaacutetica juriacutedico-penal e a ciecircncia da criminologia Conservando- se a
autonomia cientifica de cada uma tal integraccedilatildeo deve ser incentiva- da
de forma a que ambas as disciplinas colaborem para a formaccedilatildeo de um
entendimento global acerca da delinquecircncia e dos demais problemas da
sociedade atual acompanhando suas constantes transformaccedilotildees
O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
O ordenamento juriacutedico brasileiro adota o sistema bipartido para
definiccedilatildeo de infraccedilatildeo penal A partir do Coacutedigo Criminal do Impeacuterio as
terminologias crime e delito satildeo tratadas como sinocircnimos Tais expres-
sotildees se diferenciam da outra espeacutecie de infraccedilatildeo penal existente no or-
denamento paacutetrio ndash as contravenccedilotildees ndash uma vez que estas uacuteltimas satildeo
infraccedilotildees de menor gravidade
Ainda de acordo com a atual legislaccedilatildeo penal brasileira a Lei de
Introduccedilatildeo ao Coacutedigo Penal traz a definiccedilatildeo legal do que seja crime ou
delito diferenciando-o da contravenccedilatildeo penal Em seu artigo 1ordm lecirc-se
Considera-se crime a infraccedilatildeo penal que a lei comina pena de re- clusatildeo ou de detenccedilatildeo quer isoladamente quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa contravenccedilatildeo a infra- ccedilatildeo penal a que a lei comina
isoladamente pena de prisatildeo sim- ples ou de multa ou ambas alternativa ou cumulativamente
Em outras palavras no que tange agrave definiccedilatildeo legal de delito o Brasil
historicamente optou pela adoccedilatildeo do chamado criteacuterio dicotocircmico No
entanto uma anaacutelise mais aprofundada acerca do fenocircmeno delitivo natildeo
deve se contentar apenas com o que ensina a lei positiva Dotada de tal
conhecimento a criminologia deve partir para a construccedilatildeo de um concei- to
cientifico do que seja crime
A sociedade atual eacute caracterizada por ser uma sociedade de riscos Em
outras palavras uma sociedade que jaacute natildeo se orienta por ideais posi- tivos
e solidaacuterios e sim por sentimentos negativos e por medos compar- tilhados
Diante disso torna-se imprescindiacutevel uma busca pela justiccedila por meio de
accedilotildees estatais o que propicie a propagaccedilatildeo de uma sensaccedilatildeo de seguranccedila
entre os indiviacuteduos
Em uma sociedade de riscos eacute cada vez mais visiacutevel a admissatildeo dos
problemas por parte da populaccedilatildeo A produccedilatildeo de toda forma de so-
frimento e opressatildeo pode ser observada e confirmada ateacute mesmo por
aqueles que negavam tais fatos Com isso o Direito deve ajustar-se agraves
necessidades de seu povo se forma a atingir a finalidade a que se propotildee a
atividade estatal qual seja atender agraves demandas sociais
A forma mais eficaz para que sejam implementadas medidas com este
cunho assecuratoacuterio da populaccedilatildeo eacute a construccedilatildeo de uma premis- sa que
deveraacute servir de ponto de partida em tal empreitada a completa
compreensatildeo de tudo que envolva a criminalidade Por meio de uma defi-
niccedilatildeo do que seja o crime seraacute possiacutevel trataacute-lo como fato social e a partir de
entatildeo realizar um estudo sobre suas causas e as possiacuteveis respostas que
lhes deveratildeo ser aplicadas
A definiccedilatildeo socioloacutegica de criminalidade partiraacute portanto daqui- lo que
a lei penal positiva define como delito Junto a isso englobaraacute tambeacutem
a anaacutelise da maneira pela qual os membros de uma sociedade definem
certa conduta como criminosa A explicaccedilatildeo de tudo que en- volve o
delito e sua natureza dependeraacute de como ele eacute definido em seu
momento de observaccedilatildeo
Nesse sentido SERRANO MAIacuteLLO relembra que a ldquoautonomia e in-
dependecircncia da Criminologia se justificam entre outras razotildees porque
estuda cientificamente o delito a partir de um determinado ponto de
vistardquo Significa dizer que deveraacute ser enquadrado no conceito de delito
tambeacutem o exame da reaccedilatildeo social diante do comportamento que eacute enten-
dido como desviante
Essa reaccedilatildeo social seraacute observada levando-se sempre em considera- ccedilatildeo
o contexto ndash histoacuterico e cultural ndash no qual aquele ato eacute definido social-
mente como delitivo Isso porque a sociedade natildeo representa meramente
uma soma de indiviacuteduos ldquoo sistema formado pela sua associaccedilatildeo
repre- senta uma realidade especiacutefica que tem suas proacuteprias
caracteriacutesticasrdquo Teraacute relevacircncia portanto o fato criminoso apenas
quando este atingir a consciecircncia coletiva de determinada sociedade
O papel da criminologia na definiccedilatildeo de delito eacute demasiadamente
importante diante desta atual condiccedilatildeo da sociedade Sendo uma ci-
ecircncia empiacuterica e disciplinar conforme fora explicado anteriormente a
criminologia visa a apresentar uma informaccedilatildeo vaacutelida e confiaacutevel sobre
tudo o que diz respeito ao seu objeto o delito Dessa forma apresen-
taraacute resultados que explicaratildeo o surgimento a dinacircmica e as variaacuteveis
do crime encarado pelos criminoacutelogos tanto como fato social quanto
como problema individual de todos
A criminalidade eacute inerente agrave existecircncia de qualquer sociedade Eacute
utoacutepica a tentativa de visualizar uma comunidade na qual natildeo haja o co-
metimento de qualquer fato considerado como criminoso pela sua popu-
laccedilatildeo Igualmente absurdo tentar imaginar a hipoacutetese de todos os crimes
serem solucionados pois para tanto seria preciso que todos os crimes
fossem conhecidos ndash e portanto se estaria abrindo matildeo de toda a priva-
cidade dos indiviacuteduos que vivem em um grupo
A premissa da inevitabilidade da ocorrecircncia de crimes correspon- de ao
princiacutepio da normalidade do delito Trata-se portanto da ideia de que em
todas as sociedades haveraacute a praacutetica de condutas entendidas como
desviadas ndash e assim tipificadas como crimes A investigaccedilatildeo em- piacuterica
realizada pela criminologia deparou-se com comportamentos que podem
ser abertamente qualificados como delitos em todos os grupos humanos
que foram por ela estudados
Uma vez firmado o referido raciociacutenio as medidas implementadas pela
poliacutetica criminal valendo-se dos conhecimentos adquiridos pelos es- tudos
da dogmaacutetica juriacutedico-penal e da criminologia natildeo tem o condatildeo de
eliminar por completo os iacutendices de criminalidade do local onde seratildeo
aplicadas Uma vez que tal objetivo eacute inatingiacutevel eacute preciso agir de forma a
normalizar tais cifras SHECAIRA sintetiza tal premissa ao lecionar que ldquoO
anormal natildeo eacute a existecircncia do delito senatildeo um suacutebito incremento ou
decreacutescimo dos nuacutemeros meacutedios ou das taxas de criminalidaderdquo
Neste momento um adendo precisa ser feito Parte importante da doutrina
penal brasileira eacute manifestamente contraacuteria agrave utilizaccedilatildeo da ter- minologia
ldquocriminalidaderdquo para que se faccedila referecircncia aos nuacutemeros relati- vos a praacuteticas
delitivas O Professor NILO BATISTA eacute categoacuterico ao afirmar que a ideia de
criminalidade na verdade natildeo existe
A justificativa para tanto nos valiosos ensinamentos do Professor reside no
fato de que qualquer taxa de criminalidade eacute falha Isso porque em primeiro
lugar deve-se sempre ter em mente a existecircncia das chama- das cifras
negras ndash ou seja existem delitos que satildeo cometidos sem que se tenha
conhecimento resultando portanto em uma inexatidatildeo das re- feridas taxas
de criminalidade Em segundo lugar porque tais iacutendices satildeo levantados por
pessoas resultando sempre falhos em razatildeo da inevitaacutevel possibilidade de
falha humana
Feita a ressalva insta salientar que o presente trabalho tem ciecircncia da falibilidade
do que se entende por criminalidade O termo eacute empregado para que se faccedila
entender a ideia acerca do iacutendice de praacuteticas delitivas ocorridas em
determinado local sem que se tenha a pretensatildeo de alcanccedilar exatidatildeo
A definiccedilatildeo do que seja delito representa natildeo apenas um problema para
a criminologia mas sim talvez o maior de seus problemas Ao mes mo
tempo as consequecircncias de se alcanccedilar uma conclusatildeo a respeito da
referida conceituaccedilatildeo satildeo de fundamental importacircncia para a realizaccedilatildeo
dos estudos criminoloacutegicos e para as consequentes conclusotildees obtidas
pela dogmaacutetica juriacutedico-penal e pela poliacutetica criminal (para futura decisatildeo
acerca das medidas a serem implementadas)
SERRANO MAIacuteLLO apresenta as concepccedilotildees de delito de acordo com
uma oacutetica legal ou uma oacutetica natural Segundo o autor a concepccedilatildeo
legal de delito refere-se agrave ideia de que o limite do objeto de estudo da cri-
minologia eacute o Coacutedigo Penal e as leis penais especiais A concepccedilatildeo
natural por sua vez propotildee a definiccedilatildeo de crime como todo ato de forccedila
fisica ou fraude que eacute realizado pelo indiviacuteduo em busca de beneficio
proacuteprio
Ambos os entendimentos mencionados acima satildeo objeto de criacuteticas56 A
concepccedilatildeo legal de delito eacute refutada principalmente pelo argumento de
que cada disciplina deveria definir ela mesma seu objeto de estudo Aleacutem
disso alega-se que as leis penais satildeo demasiadamente vagas e
imprecisas aleacutem de serem facilmente mutaacuteveis bem como que tais leis
podem ser me- ramente representativas dos interesses dos grupos sociais
dominantes
A concepccedilatildeo natural de delito partiu da correta premissa de defen- der a
necessidade de que a ciecircncia da criminologia defina por si mesma seu
proacuteprio objeto de estudo No entanto tambeacutem fora alvo de seacuterias criacute-
ticas referentes ao fato de contar com conceitos excessivamente impre-
cisos para a compreensatildeo do crime Refutou-se tambeacutem o fato de que tal
concepccedilatildeo abrange mais condutas do que aquelas que realmente impor-
tam para o objeto da referida ciecircncia aleacutem do fato de que de acordo com
tal percepccedilatildeo um crime natildeo poderia ser cometido em beneficio alheio
Partindo da compreensatildeo da criminologia como ciecircncia autocircnoma e
independente de qualquer outra disciplina de estudo do fenocircmeno delitivo
resta clara a necessidade de uma definiccedilatildeo criminoloacutegica do fato criminoso
Pois por mais que conte com o auxiacutelio de esferas do conhecimento como
o Direito penal e a poliacutetica criminal o estudo das leis positivas e das medi-
das penais aplicadas deve servir somente de base para a ciecircncia que dev
dotando-se dos seus meacutetodos de estudo e de seus proacuteprios resultados
obtidos ndash construir seu proacuteprio conceito acerca do fato criminoso
Dessa forma dotando-se dos referidos suportes e tendo sempre em
mente o contexto histoacuterico cultural e social no qual se estaacute inseridoa
criminologia construiu sua definiccedilatildeo de delito a qual eacute limitada agrave funccedilatildeo
etioloacutegica (causal) proacutepria da sua maneira de explicar Trata-se do seguinte
enunciado ldquodelito eacute toda infraccedilatildeo de normas sociais consagradas nas leis pe-
nais que tende a ser perseguida oficialmente no caso de ser descobertardquo
NOCcedilOtildeES DE CRIMINOLOGIA
Conceito CRIMINOLOGIA eacute o conjunto de conhecimentos que estudam as causas
(fatores determinantes) da criminalidade bem como a personalidade a
conduta do delinquente e a maneira de ressocializaacute-lo1
Histoacuterico
As ideacuteias da Criminologia satildeo antigas e remontam desde a antiguidade
senatildeo vejamos
Soacutecrates certa vez professou ldquo se devia ensinar aos indiviacuteduos que se
tornavam criminosos como natildeo reincidirem no crime dando a eles a instruccedilatildeo
e a formaccedilatildeo de caraacuteter de que precisavamrdquo2
Platatildeo disserdquoa falta de educaccedilatildeo dos cidadatildeos e maacute organizaccedilatildeo do
Estado satildeo causas geradoras do crimerdquo3
Em 1875 a criminologia que natildeo tinha ainda tal nomenclatura nasce com o
meacutedico psiquiatra Cesare Lombroso que estudou o viacutenculo ldquodas
caracteriacutesticas fiacutesicas do indiviacuteduo com o delito4rdquo O estudioso eacute considerado
o genitor da Criminologia
Para o meacutedico italiano o indiviacuteduo nasceria com predisposiccedilatildeo para a praacutetica
de infraccedilotildees penais sendo que tal predisposiccedilatildeo eacute delineada pelas suas
caracteriacutesticas fiacutesicas
Enrico Ferri aluno de Lombroso passa a sustentar que ldquo o criminoso nato
carecia de certos fatores fiacutesico ambientais para desenvolver sua
potencialidade criminal5rdquo
Em 1894 Rafael Garofalo utiliza pela primeira vez o termo Criminologia O
estudioso definiu delito como ldquoOfensa aos sentimentos altruiacutestas
fundamentais de piedade e probidade na medida meacutedia em que os possua
um determinado grupo social6rdquo
Frederico Oliveira nos ensina que a fase ecleacutetica da Criminologia ou de
Poliacutetica Criminal nasce em 1905 com ldquoa criaccedilatildeo de institutos de Criminologia
e de gabinetes penitenciaacuterios de Antropologia e ainda a formaccedilatildeo de
organismos internacionais que permitem a reuniatildeo dos mais famosos
tratadistas para discutir em congressos seus pontos de vista7rdquo Ainda
citando o festejado autorrdquo A diferenccedila entre Criminologia e Poliacutetica Criminal
repousa no fato de que esta eacute ramo do Direito Penal e natildeo estuda o
delinquente eis que tal estudo eacute objeto da Criminologiardquo Para finalizar a
Criminologia estuda os fatores da criminalidade e o delinquente procurando a
maneira de readaptaacute-lo enquanto a Poliacutetica Criminal eacute ramo do Direito Penal
e como tal busca a aplicaccedilatildeo pelo Estado das medidas necessaacuterias agrave
repressatildeo e prevenccedilatildeo da criminalidade8
Objeto da Criminologia
Segundo o Prof Frederico Oliveira os objetos da criminologia satildeo o
ldquoa) estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente)
baacutesicos da criminalidade mediante investigaccedilatildeo empiacuterica (Hurwitz)
b) estudo dos fatores baacutesicos e do fenocircmeno natural da luta contra o crime
tratamento e profilaxiardquo9
Meacutetodos
O festeja autor Frederico de Oliveira explana de maneira formidaacutevel os
meacutetodos empregados pela Criminologia
ldquoNo que concerne ao meacutetodo da Criminologia cabe considerar objetivamente
que a Criminologia como ciecircncia nova constroacutei seus meacutetodos das ciecircncias
naturais ou sociais () Os meacutetodos de anaacutelise utilizados pela Criminologia
satildeo a) relativamente aos fatores sociais os da sociologia
b) no concernente aos fatores individuais os da Psicologia Social do Exame
Meacutedico do Exame Psiquiaacutetrico e do Exame Psicoloacutegico()
Os meacutetodos de siacutentese compreenderiam o estudo das constelaccedilotildees de
fatores criminais a verificaccedilatildeo das hipoacuteteses formuladas como resultado
desse estudo a pesquisa do comportamentos poacutes-pena e o emprego das
taacutebuas de prognoacutesticordquo10
Finalidade da Criminologia
Eacute de se ressaltar que a a finalidade da criminologia se confunde com seu
conceito
O nobre colega Marcelo Sales Franccedila no trabalho ldquoPersonalidades
psicopaacuteticas e delinquentes semelhanccedilas e dessemelhanccedilas ldquonos ensina
ldquoDe forma direta e precisa Roberto Lyra diz que a Criminologia deve atentar
para a orientaccedilatildeo tanto da Poliacutetica Criminal ndash prevenindo diretamente os
delitos mais relevantes para a sociedade ndash como da Poliacutetica Social ndash
prevenindo geneacuterica e indiretamente os delitos ou mesmo accedilotildees e omissotildees
atiacutepicas e intervindo quando de suas manifestaccedilotildees e efeitos na sociedade
Um pouco mais exigente participante da denominada Criminologia Criacutetica
Orlando Soares enfatiza que a verdadeira Criminologia deve mais do que ter
consciecircncia das condiccedilotildees criminoloacutegicas atuais aplicar concretamente os
seus trabalhos a fim de mudar o grave panorama criminal que vivenciamos
uma vez que a Criminologia Tradicional natildeo fez outra coisa senatildeo endossar
legitimar e manter o status quo11rdquo
Criminologia e outras disciplinas
Sociologia Criminal
Surge com Enrico Ferri seu criador e para o estudioso trecircs seriam as causas
dos crimes a) bioloacutegicas (geneacutetica)b) fiacutesicas (as condiccedilotildees climaacuteticas) e c)
sociais
Sempre nos valendo dos ensinamentos do mestre Frederico de Oliveira o
autor conceitua a sociologia criminal como sendo ldquoa ciecircncia que cogita do
fenocircmeno social da criminalidade12rdquo
Professor Frederico ainda leciona dizendo que a ldquoSociologia criminal torna o
crime como um fato natural da vida em sociedade ()rdquo 13
ldquoHoje a Sociologia Criminal estuda o crime como fenocircmeno social mas se
sabe que eacute impossiacutevel a separaccedilatildeo dos fatores exoacutegenos daqueles de ordem
individualrdquo14
Psicologia Criminal
A Psicologia Criminal propotildee-se desvendar o caraacuteter e as tendecircncias do
criminoso indicando os rumos necessaacuterios agrave avaliaccedilatildeo de sua periculosidade
e estudando a incidecircncia do fenomenologia psiacutequica da Criminalidade15
Psiquiatria Criminal
A funccedilatildeo da Psiquiatria Criminal centraliza-se na terapia uma vez que a
profilaxia eacute mais cabiacutevel agrave Psicologia16
Biologia Criminal
A presente foi fundada por Cesare Lombroso Tambeacutem chamada de
Antropologia Criminal segundo Guaracy Moreira Filho ldquoeacute a ciecircncia que
estuda o homem delinquente a sua constituiccedilatildeo fiacutesica as causas que o
levam a cometer crimerdquo
ldquoHoje a Antropologia Criminal eacute o estudo integral da personalidade do
delinquente onde natildeo soacute os fatores endoacutegenos do delito mas tambeacutem os
coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a accedilatildeo criminosa
devem ser focalizados e equacionadosrdquo17
A reaccedilatildeo social agrave criminalidade e a prevenccedilatildeo do delito
Acompanhado de Antocircnio Garciacutea-Pablos de Molina meu mestre Luiz Flaacutevio
Gomes nos ensina que
ldquoA resposta tradicional ao problema da prevenccedilatildeo do delito eacute concretizada em
dois modelos muito semelhantes o claacutessico e o neoclaacutessico Coincidem
ambos em supor que o meio adequado para prevenir o delito deve ter
natureza penal (a ameaccedila do castigo) que o mecanismo dissuasoacuterio ou
contramotivador expressa fielmente a essecircncia da prevenccedilatildeo e que o uacutenico
destinataacuterio dos programas dirigidos a tal fim eacute o infrator potencial Prevenccedilatildeo
equivale a dissuasatildeo mediante o efeito inibitoacuterio da pena As discrepacircncias
natildeo satildeo acentuadas O modelo claacutessico polariza em torno da pena do seu
rigor ou severidade a suposta eficaacutecia preventiva do mecanismo intimidatoacuterio
Compartilha ademais uma imagem estandardizada e quase linear do
processo de motivaccedilatildeo e deliberaccedilatildeo O denominado modelo neoclaacutessico por
sua vez no que pertine agrave efetividade do impacto dissuasoacuterio ou
contramotivador confia mais no funcionamento do sistema legal tal como ele
eacute percebido pelo infrator potencial que na severidade abstrata das penas O
centro de atenccedilatildeo se desloca portanto da lei ao sistema legal daspenas que
o ordenamento contempla agrave sua efetividade e tudo isso a partir da concreta e
singular percepccedilatildeo do autor cujo processo motivacional se torna mais
complexo()
a) O modelo claacutessico
De acordo com uma opiniatildeo muito generalizada o Direito Penal simboliza a
resposta primaacuteria e natural (por excelecircncia) ao delito a mais eficaz A referida
eficaacutecia ademais depende fundamentalmente da capacidade dissuasoacuteria do
castigo isto eacute da sua gravidade Prevenccedilatildeo dissuasatildeo e intimidaccedilatildeo
conforme tais ideacuteias satildeo termos correlatos o incremento da delinquumlecircncia
explica-se pela debilidade da ameaccedila penal o rigor da pena se traduz
necessariamente no correlativo descenso da criminalidade Pena e delito
constituem os dois elementos de uma equaccedilatildeo linear Muitas poliacuteticas
criminais do nosso tempo (leia-se poliacuteticas penais) de fato identificam-se
com este modelo falacioso e simplificador que manipula o medo do delito e
que trata de ocultar o fracasso da poliacutetica preventiva (na realidade
repressiva) apelando em vatildeo agraves iras da lei
O modelo tradicional de prevenccedilatildeo natildeo convence de modo algum por muitas
razotildees Antes de tudo a suposta excelecircncia do Direito Penal como
instrumento preventivo - diante de outras possiacuteveis estrateacutegias - parece mais
produto de prejuiacutezos ou pretextos defensistas que de uma serena anaacutelise
cientiacutefica da realidade Pois a capacidade preventiva de um determinado meio
natildeo depende de sua natureza (penal ou natildeo penal) senatildeo dos efeitos que ele
produz Conveacutem recordar a propoacutesito que a intervenccedilatildeo penal possui
elevadiacutessimos custos sociais E que sua suposta efetividade estaacute longe de ser
exemplar A pena na verdade natildeo dissuade atemoriza intimida E reflete
mais a impotecircncia o fracasso a ausecircncia de soluccedilotildees que a convicccedilatildeo e
energia imprescindiacuteveis para abordar os problemas sociais Nenhuma poliacutetica
criminal realista pode prescindir da pena poreacutem tampouco cabe denegrir a
poliacutetica de prevenccedilatildeo convertendo-a em mera poliacutetica penal Que um rigor
desmedido longe de reforccedilar os mecanismos inibitoacuterios e de prevenir o delito
tem paradoxalmente efeitos criminoacutegenos eacute algo de outro lado sobre o que
existe evidecircncia empiacuterica Mais dureza mais Direito Penal natildeo significa
necessariamente menos crime Do mesmo modo que o incremento da
criminalidade natildeo pode ser explicado como consequumlecircncia exclusiva da
debilidade das penas ou do fracasso do controle social
Natildeo faltava razatildeo portanto a Beccaria quando sustentava jaacute em 1764 que o
decisivo natildeo eacute a gravidade das penas senatildeo a rapidez (imediatidade) com
que satildeo aplicadas natildeo o rigor ou a severidade do castigo senatildeo sua certeza
ou infalibilidade que todos saibam e comprovem - incluindo o infrator
potencial dizia o autor - que o cometimento do delito implica inevitavelmente
a pronta imposiccedilatildeo do castigo Que a pena natildeo eacute um risco futuro e incerto
senatildeo um mal proacuteximo e certo inexoraacutevel Pois se as leis nascem para ser
cumpridas temos que concordar com o ilustre milanecircs que soacute a efetiva
aplicaccedilatildeo da pena confirma a seriedade de sua cominaccedilatildeo legal Que a pena
que realmente intimida eacute a que se executa e que se executa prontamente de
forma implacaacutevel e ainda caberia acrescentar a que eacute percebida pela
sociedade como justa e merecida18
b) O modelo neoclaacutessico
Para a denominada escola neoclaacutessica (ou moderno classicismo) o efeito
dissuasoacuterio preventivo aparece associado mais ao funcionamento
(efetividade) do sistema legal que ao rigor nominal da pena Seus teoacutericos de
fato atribuem a criminalidade ao fracasso ou fragilidade daquele isto eacute a
seus baixos rendimentos Melhorar a infra-estrutura e a dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria
do sistema legal seria a mais adequada e eficaz estrateacutegia para prevenir a
criminalidade mais e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e
melhores prisotildees Deste modo os custos do delito se encarecem para o
infrator que desistiraacute de seus planos criminais ao comprovar a efetividade de
um sistema em perfeito estado de funcionamento A sociedade concluem os
partidaacuterios deste enfoque neoclaacutessico tem o crime que quer ter pois sempre
poderia melhorar os resultados da luta preventiva contra ele incrementando
progressivamente o rendimento do sistema legal aperfeiccediloando a sua
estrutura material e dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invertendo mais e mais recursos
em suas necessidades (humanas e materiais) assim se poderia sempre
esperar e conseguir de forma sucessiva e ilimitada mais ecircxitos e melhores
resultados
Mas este modelo de prevenccedilatildeo tampouco eacute convincente
Para a prevenccedilatildeo do crime a efetividade do sistema legal eacute sem duacutevida
relevante sobretudo a curto prazo e com relaccedilatildeo a certos setores da
delinquumlecircncia (p ex ocasional) Poreacutem natildeo cabe esperar muito dele Porque
o sistema legal deixa intactas as causas do crime e atua tarde demais (do
ponto de vista etioloacutegico) quando o conflito se manifesta () Sua capacidade
preventiva (prevenccedilatildeo primaacuteria) em consequumlecircncia tem alguns limites
estruturais insuperaacuteveis A meacutedio ou longo prazo natildeo resolve por si mesmo o
problema criminal cuja dinacircmica deriva de outras razotildees
Em segundo lugar e contrariamente ao que com frequumlecircncia se supotildee jaacute natildeo
parece razoaacutevel atribuir os movimentos da criminalidade (o incremento ou o
descenso de seus iacutendices) agrave efetividade maior ou menor do sistema legal
Tampouco a fragilidade deste sem mais determina um ascenso correlativo
da criminalidade (da criminalidade real naturalmente natildeo da oficial ou da
registrada) nem uma melhora sensiacutevel de seu rendimento reduz na mesma
proporccedilatildeo os iacutendices de criminalidade Natildeo existe tal correlaccedilatildeo porque o
problema eacute muito mais complexo e obriga a ponderar outras muitas variaacuteveis
Pela mesma razatildeo melhorar progressiva e indefinidamente os resultados da
prevenccedilatildeo do delito por meio do sistema legal potencializando o rendimento
e a efetividade dele eacute uma pretensatildeo pouco realista condenada ao fracasso
a meacutedio prazo
De uma parte porque natildeo falta razatildeo provavelmente agravequeles que invertem a
suposta relaccedilatildeo de causa e efeito afirmando que natildeo eacute o fracasso do sistema
legal (causa) que produz o incremento da delinquumlecircncia (efeito) senatildeo este
uacuteltimo (aumento da criminalidade) que ocasiona a fragilidade e o fracasso do
sistema legal De outra parte porque natildeo podemos confundir a criminalidade
real e a registrada supondo erroneamente que os nuacutemeros desta uacuteltima
constituem um indicador seguro da eficaacutecia preventiva do sistema legal Mais
e melhores policiais mais e melhores juiacutezes mais e melhores prisotildees dizia a
propoacutesito um autor significam mais infratores na prisatildeo mais condenados
poreacutem natildeo necessariamente menos delitos Uma substancial melhora da
efetividade do sistema legal incrementa desde logo o volume do crime
registrado se apuram mais crimes e se reduz a distacircncia entre os nuacutemeros
oficiais e os reais (cifra negra) Poreacutem nem por isso se evita mais crime
nem se produz ou gera menos delito em idecircntica proporccedilatildeo soacute se detecta
mais crime
() Eacute peacutessima a poliacutetica criminal que esquece que as chaves de uma
prevenccedilatildeo eficaz do delito residem natildeo no fortalecimento do controle social
formal senatildeo numa melhor sincronizaccedilatildeo do controle social formal e do
informal e na implicaccedilatildeo ou compromisso ativo da comunidade
Eacute imprescindiacutevel distinguir a poliacutetica criminal da poliacutetica penal se natildeo se
quer privar de conteuacutedo e autonomia o proacuteprio conceito de prevenccedilatildeo que
reclama uma certa poliacutetica criminal (de base etioloacutegica positiva assistencial
social e comunitaacuteria) natildeo foacutermulas repressivas ou intimidatoacuterias meramente
sintomatoloacutegicas policiais que natildeo cuidam das raiacutezes do problema criminal e
prescindem de toda anaacutelise cientiacutefica do mesmordquo(Grifei)
As duas grandes etapas da criminologia
A) ETAPA PREacute-CIENTIacuteFICA
A1) FILOacuteSOFOS E PENSADORES ndash Aqui podemos citar Montesquieu
Voltaire Rousseau e Marquecircs de Beccaria
A2) FISIONOMISTAS ndash Vem de fisionomia Os fisionomistas preocupam-se
com o estudo da aparecircncia externa do indiviacuteduo ressaltando a inter-relaccedilatildeo
entre o somaacutetico (corpo) e o psiacutequico Como meacutetodos de estudo eles
visitavam presos e realizavam necroacutepsias (exame do cadaacutever)
A3) FRENOacuteLOGOS ndash Os frenoacutelogos estudavam o caraacuteter das pessoas pela
observaccedilatildeo natildeo apenas dos traccedilos fisionocircmicos mas tambeacutem da
configuraccedilatildeo do cracircnio
A4) PSIQUIATRAS ndash Felipe Pinel eacute o pai da psiquiatria moderna Deu base
para posteriores estudos relacionando a loucura com o cometimento do crime
Depois dos estudos promovidos pelo meacutedico iniciou-se uma nova concepccedilatildeo
psiquiaacutetrica a loucura moral (indiviacuteduo que apresenta niacutevel de conhecimento
mas com psicopatologia grave)
B) CIENTIacuteFICA
B1) ANTROPOLOGIA CRIMINAL ndash Fundada por Cesare Lombroso com o
lanccedilamento do livro ldquoO homem delinquenterdquo Nele Lombroso diz ldquoO estudo
antropoloacutegico do homem criminoso deve necessariamente basear-se nas
suas caracteriacutesticas anatocircmicasrdquo
Baer (meacutedico das cadeias de Berlim) verificou por meio de inuacutemeras
investigaccedilotildees que os ocupantes das cadeias natildeo distinguem da populaccedilatildeo
natildeo-criminosa por qualquer sinal particular e assim o criminoso nato natildeo
existe como variedade morfoloacutegica da espeacutecie
A Criminologia moderna embora natildeo consagre a teoria do criminoso nato
admite a hipoacutetese da tendecircncia para a praacutetica de infraccedilotildees Reconhecendo
que o homem pode nascer com uma inclinaccedilatildeo para a violecircncia
B2) SOCIOLOGIA CRIMINAL ndash Como jaacute foi dito Enrico Ferri eacute o criador da
Sociologia Criminal Classifica o criminoso em 1) nato 2) louco 3) ocasional
4) habitual e 5) passional
Rafael Garofalo cria o termo Criminologia Classifica o criminoso em 1)
assassino 2) violento ou energeacutetico 3) ladrotildees ou neurastecircnicos 4) ciacutenicos
Enquanto na Antropologia Criminal os fatores orgacircnicos eram os causadores
da criminalidade na Sociologia Criminal os fatores ambientais eram
efetivamente os mais importantes ocasionadores do delito
B3) POLIacuteTICA CRIMINAL ndash A caracteriacutestica primordial deste periacuteodo eacute ter
estabelecido uma espeacutecie de treacutegua entre aqueles filiados agraves teorias
lombrosianas e aqueles crentes na influecircncia exclusiva dos fatores sociais no
cometimento do crime A pessoa com predisposiccedilatildeo para a praacutetica de
infraccedilotildees poderaacute se tornar um criminoso desde que esteja colocada em um
ambiente apto para que tal fato ocorra por conta da influecircncia do ambiente
em que vive
As concepccedilotildees de prevenccedilatildeo primaacuteria secundaacuteria e terciaacuteria estatildeo abaixo
Para a prevenccedilatildeo primaacuteria deve-se dar especial relevo para aspectos comoa
educaccedilatildeo a habitaccedilatildeo o trabalho a inserccedilatildeo do homem no meio social
aqualidade de vida sendo estes elementos essenciais que contribuem para a
prevenccedilatildeo do crime operando sempre a longo e meacutedio prazo com a
especialidade de que se dirige a todos os cidadatildeos e natildeo somente agrave pessoa
do delinquente O campo de atuaccedilatildeo se daacute em estrateacutegias voltadas para a
economia o social e o cultural para que os cidadatildeos tenham melhor
qualidade de vida e consequentemente capacidade social para superar os
conflitos cotidianos de forma produtiva Enfim a melhor qualidade de vida eacute
proporcionalmente influente sobre a delinquecircncia Fala-se em prevenccedilatildeo
secundaacuteria a atuaccedilatildeo onde os conflitos criminais podem se manifestar ou
exteriorizar Eacute a atuaccedilatildeo de curto e meacutedio prazo seletivamente sobre grupos
ou subgrupos concretos que apresentam maiores riscos de eclosatildeo de
problemas criminais Basta lembrar-se da poliacutetica legislativa penal e de accedilotildees
policiais em determinadas localidades assim como poliacuteticas de ordenaccedilatildeo
urbana com escopo de se evitar a criminalidade Por fim a prevenccedilatildeo
terciaacuteria se daacute sobre um sujeito jaacute identificado como delinquente
naturalmente o condenado recluso tendo por objetivo evitar que ele reincida
novamente em praacuteticas criminosas e que se ressocialize para sua volta ao
meio social
O Estado Democraacutetico de Direito e a prevenccedilatildeo da infraccedilatildeo penal
Antonio Garciacutea-Pablos de Molina e Luiz Flaacutevio Gomes na obra Criminologia
5edrev e atual- Satildeo Paulo Revista dos Tribinais 2007 ensinam
ldquoO crime natildeo eacute um tumor nem uma epidemia senatildeo um doloroso problema
interpessoal e comunitaacuterio Uma realidade proacutexima cotidiana quase
domeacutestica um problema da comunidade que nasce na comunidade e que
deve ser resolvido pela comunidade Um problema social em suma com
tudo que tal caracterizaccedilatildeo implica em funccedilatildeo de seu diagnoacutestico e
tratamento
A Criminologia claacutessica contemplou o delito como enfrentamento formal
simboacutelico e direto entre dois rivais - o Estado e o infrator - que lutam entre si
solitariamente como lutam o bem e o mal a luz e as trevas eacute uma luta um
duelo como se vecirc sem outro final imaginaacutevel que a incondicionada
submissatildeo do vencido agrave forccedila vitoriosa do Direito Dentro deste modelo
criminoloacutegico a pretensatildeo punitiva do Estado isto eacute o castigo do infrator
polariza e esgota a resposta ao fato delitivo prevalecendo a face patoloacutegica
sobre seu profundo significado problemaacutetico e conflitual A reparaccedilatildeo do dano
causado agrave viacutetima (a uma viacutetima que eacute desconsiderada neutralizada pelo
proacuteprio sistema) natildeo interessa natildeo constitui nem se apresenta como
exigecircncia social tampouco preocupa a efetiva ressocializaccedilatildeo do infrator
(pobre pretexto defensista mito inuacutetil ou piedoso eufemismo por desgraccedila
quando tatildeo sublimes objetivos fazem abstraccedilatildeo da dimensatildeo comunitaacuteria do
conflito criminal e da resposta solidaacuteria que ele reclama) Nem sequer se
pode falar dentro deste modelo criminoloacutegico e poliacutetico-criminal de
prevenccedilatildeo do delito (estricto sensu) de prevenccedilatildeo social senatildeo de
dissuasatildeo penal
A moderna Criminologia pelo contraacuterio eacute partidaacuteria de uma imagem mais
complexa do acontecimento delitivo de acordo com o papel ativo e dinacircmico
que atribui aos seus protagonistas (delinquumlente viacutetima comunidade) e com a
relevacircncia acentuada dos muitos diversos fatores que convergem e
interatuam no cenaacuterio criminal Destaca o lado humano e conflitivo do delito
sua aflitividade os elevados custos pessoais e sociais deste doloroso
problema cuja aparecircncia patoloacutegica epidecircmica de modo algum mediatiza a
serena anaacutelise de sua etiologia de sua gecircnese e dinacircmica (diagnoacutestico) nem
o imprescindiacutevel debate poliacutetico-criminal sobre as teacutecnicas de intervenccedilatildeo e
de seu controle
Neste modelo teoacuterico o castigo do infrator natildeo esgota as expectativas que o
fato delitivo desencadeia Ressocializar o delinquumlente reparar o dano e
prevenir o crime satildeo objetivos de primeira magnitude Sem duacutevida este eacute o
enfoque cientificamente mais satisfatoacuterio e o mais adequado agraves exigecircncias de
um Estado social e democraacutetico de Direito
A Criminologia no Brasil
Eacute nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX que comeccedila a recepccedilatildeo da criminologia
no paiacutes Diversos historiadores do direito penal18 consideram Joatildeo Vieira de
Arauacutejo (1844- 1922) professor da Faculdade de Direito do Recife o primeiro
autor a se mostrar informado a respeito das novas teorias criminais ao
comentar as ideacuteias de Lombroso em suas aulas na Faculdade do Recife e
tambeacutem em textos sobre a legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
E de fato em seu livro Ensaio de Direito Penal ou Repeticcedilotildees Escritas sobre o
Coacutedigo Criminal do Impeacuterio do Brasil publicado em 1884 Joatildeo Vieira de Arauacutejo
jaacute aponta para a necessidade de analisar a legislaccedilatildeo nacional de um ponto de
vista filosoacutefico mais moderno que no campo do direito criminal seria
representado sobretudo pela obra de Lombroso
O direito criminal dentre todos os outros direitos eacute justamente o que estaacute sujeito
agraves mais constantes e raacutepidas mudanccedilas em seu conceito Basta ler a obra do
grande professor italiano Cesare Lombroso ndash LUomo Delinquente ndash e ter uma
ligeira notiacutecia da importacircncia dos estudos realizados na antropologia em diversos
paiacuteses adiantados da Europa para avaliar ou prever que progressos estupendos
estatildeo reservados no futuro agraves instituiccedilotildees criminais (Arauacutejo 1884v)
Joatildeo Vieira de Arauacutejo se dedicaraacute a divulgar as ideacuteias da antropologia criminal
de Lombroso natildeo apenas entre seus alunos do Recife mas tambeacutem para um
puacuteblico especializado mais amplo ao publicar artigos em revistas juriacutedicas do
Rio de Janeiro Muitos dos futuros propagandistas da criminologia no Brasil
como o jurista Francisco Joseacute Viveiros de Castro reconheceratildeo Joatildeo Vieira de
Arauacutejo como o legiacutetimo pioneiro da Escola Positiva de direito penal no paiacutes (cf
Viveiros de Castro 189414)
Outros autores no entanto como Silvio Romero (195155) atribuem a Tobias
Barreto esse meacuterito E realmente no mesmo ano de 1884 quando Joatildeo Vieira
de Arauacutejo publica seus trabalhos acerca da legislaccedilatildeo criminal do Impeacuterio
Tobias Barreto em seu livro Menores e Loucos faz referecircncias ao LUomo
Delinquente ao discutir a necessidade de diferenciaccedilatildeo das diversas
categorias de irresponsaacuteveis no campo penal A avaliaccedilatildeo de Tobias Barreto
sobre essa obra natildeo eacute no entanto totalmente elogiosa pois se por um lado
admite que o trabalho de Lombroso pertence ao pequeno nuacutemero dos livros
revolucionaacuterios e que este estava muito familiarizado com a ciecircncia
germacircnica e com a liacutengua alematilde (Barreto 192667-68) ndash o que para o jurista
sergipano era condiccedilatildeo quase suficiente para garantir o interesse em relaccedilatildeo a
um autor ndash por outro natildeo deixa de censurar os exageros naturalistas da
abordagem da questatildeo criminal feita por Lombroso
De qualquer modo apoacutes essa recepccedilatildeo pioneira no Recife inuacutemeros outros
juristas ao longo da Primeira Repuacuteblica passam a divulgar as novas
abordagens cientiacuteficas acerca do crime e do criminoso Cloacutevis Bevilaacutequa
Joseacute Higino Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho Raimundo Pontes de Miranda
Viveiros de Castro Aurelino Leal Cacircndido Mota Moniz Sodreacute de Aragatildeo
Evaristo de Moraes Joseacute Tavares Bastos Esmeraldino Bandeira Lemos Brito
entre outros publicam artigos e livros em que satildeo discutidos os principais
conceitos e autores da criminologia e da Escola Positiva de direito penal
Alguns se tornam entusiastas das novas teorias penais outros censuram o
exagero de certas colocaccedilotildees consideradas radicais mas a grande maioria
toma as novas discussotildees no campo da criminologia como temas obrigatoacuterios
de debate no interior do direito penal
Se natildeo eacute possiacutevel apontar com absoluta precisatildeo quem foi efetivamente o
pioneiro nos estudos da criminologia no Brasil eacute interessante ressaltar que
tanto a reivindicaccedilatildeo do pioneirismo no novo campo quanto a busca de
reconhecimento internacional cedo se colocaram como importantes elementos
de legitimaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre os pensadores que comeccedilavam a trabalhar
com as novas teorias Viveiros de Castro por exemplo chama para si o meacuterito
de ter apresentado o primeiro livro de divulgaccedilatildeo das novas ideacuteias no Brasil
(Viveiros de Castro 189414) ao passo que Cacircndido Mota na apresentaccedilatildeo
da reediccedilatildeo de seu livro Classificaccedilatildeo dos Criminosos (Mota 1925) cita entre
os muitos elogios feitos ao seu trabalho no Brasil e no exterior a suposta
aprovaccedilatildeo do proacuteprio Lombroso ndash maior gloacuteria possiacutevel para os disciacutepulos das
novas teorias criminoloacutegicas
Provavelmente o fato de a antropologia criminal ter ganho impulso na Ameacuterica
Latina no momento em que entrava em decadecircncia no continente europeu
deve ter facilitado o reconhecimento internacional dos autores que no Brasil
se fizeram disciacutepulos das novas teorias pois se Lombroso e seus seguidores
jaacute natildeo encontravam a mesma receptividade para suas ideacuteias no cenaacuterio
europeu podiam encontrar na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil
grande nuacutemero de entusiastas dispostos a divulgar as principais ideacuteias do pai
da antropologia criminal e de seus correligionaacuterios
Se essa disputa em torno do pioneirismo e do reconhecimento internacional na
incorporaccedilatildeo dos conhecimentos da antropologia criminal ao saber juriacutedico no
Brasil eacute compreensiacutevel no acircmbito da construccedilatildeo de uma nova tradiccedilatildeo
intelectual eacute certo tambeacutem que os juristas brasileiros se mostram efetivamente
atualizados e sintonizados com as discussotildees que entatildeo ocorriam no exterior
Tanto eacute assim que os comentaacuterios de Joatildeo Vieira de Arauacutejo e Tobias Barreto
satildeo publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal em 1885
que foi o marco a partir do qual as ideacuteias de Lombroso ganham efetivamente
repercussatildeo internacional Os juristas nacionais que posteriormente se
destacam na discussatildeo das teorias da antropologia criminal acompanham de
perto o debate europeu em torno das novas teorias penais conhecendo
inclusive as principais criacuteticas a Lombroso e seus disciacutepulos Portanto se os
juristas valorizam a Escola Antropoloacutegica natildeo eacute por falta de informaccedilatildeo a
respeito do que ocorria na Europa mas sim por acreditarem que se tratava do
que de melhor se produzia na eacutepoca no campo da compreensatildeo cientiacutefica do
crime
Desse modo mesmo conhecendo as criacuteticas mais significativas apresentadas
na Europa contra a antropologia criminal os simpatizantes no Brasil natildeo
deixam de reafirmar a importacircncia fundamental dos conceitos dessa escola
Nesse sentido por exemplo o magistrado A J Macedo Soares ao defender
as novas ideacuteias penais em 1888 nas paacuteginas da revista O Direito editada no
Rio de Janeiro admite que mesmo na Itaacutelia as ideacuteias de Lombroso e seus
correligionaacuterios natildeo conseguiam sensibilizar a maioria dos profissionais do
direito e nem mesmo influenciar a proposta do novo Coacutedigo Penal italiano Mas
isso ainda segundo esse autor longe de desestimular a divulgaccedilatildeo da
antropologia criminal em terras nacionais mostrava pelo contraacuterio que o Brasil
estava na mesma situaccedilatildeo que os demais paiacuteses europeus podendo assim se
situar na vanguarda da realizaccedilatildeo dessa autecircntica revoluccedilatildeo que comeccedilava a
despontar no campo do direito
[] o que eacute notaacutevel eacute que na proacutepria Itaacutelia a Escola de Lombroso e Ferri natildeo
tenha recrutado proseacutelitos entre os legisladores professores e estadistas isto eacute
entre aqueles que mais podiam contribuir para a introduccedilatildeo das ideacuteias novas na
economia das leis paacutetrias[] Natildeo vemos poreacutem que de nenhum desses fatos se
possa concluir contra a verdade dos ensinos da escola antropo-juriacutedica A uacutenica
conclusatildeo a tirar eacute que os estadistas e professores italianos estatildeo quase no
mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros Para uns como para outros
esses estudos estatildeo por fazer satildeo novos e como toda a novidade que abala
desde os alicerces um sistema inteiro incutem receio e provocam resistecircncias
(Macedo Soares 1888499)
Ou seja natildeo era por mera imitaccedilatildeo que o Brasil deveria seguir as novas
concepccedilotildees da antropologia criminal mas sim por se tratar do que havia de
mais avanccedilado no mundo em termos de doutrinas penais segundo os
defensores da criminologia
Outros autores mesmo diante das criacuteticas especiacuteficas feitas aos trabalhos de
Lombroso na Europa ou apenas as desconsideram ou entatildeo se esforccedilam por
refutaacute-las Viveiros de Castro por exemplo cita em seu trabalho a contestaccedilatildeo
de Tarde agrave ideacuteia do tipo criminoso quase que apenas a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo
(Viveiros de Castro 189497-115) Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho por sua
vez discute extensivamente os conceitos de Durkheim acerca do crime mas
indica a impropriedade de suas objeccedilotildees agrave antropologia criminal (Carvalho
1900111-139) Jaacute Aragatildeo defende enfaticamente Lombroso e a teoria do
criminoso nato da tempestade que se desencadeou contra as afirmaccedilotildees
audaciosas das suas teorias que vinham abalar tatildeo fundamente os alicerces
da ciecircncia oficial (Aragatildeo 192825) Logo se esses e outros juristas defendem
as ideacuteias da antropologia criminal fazem-no tendo consciecircncia das principais
objeccedilotildees presentes no debate europeu
Parece difiacutecil desse modo caracterizar a presenccedila da antropologia criminal e
da sociologia criminal no Brasil apenas como mais um caso de importaccedilatildeo
equivocada de ideacuteias19 Longe de se apresentarem somente como ideacuteias fora
do lugar ou como simples modismo da eacutepoca as novas teorias criminoloacutegicas
parecem responder agraves urgecircncias histoacutericas que se colocavam para certos
setores da elite juriacutedica nacional Natildeo se pode negar entretanto que o estilo
dos autores brasileiros ao incorporarem as novas teorias eacute bastante ecleacutetico
e na maioria das vezes pouco original em termos teoacutericos
O ecletismo manifesta-se na tendecircncia a apagar as diferenccedilas entre as
diversas correntes de pensamento voltadas para o problema criminal tal como
se definiam na Europa justapondo autores e teorias rivais A proacutepria
terminologia utilizada eacute na maioria das vezes vaga antropologia criminal
criminologia e sociologia criminal20 satildeo termos frequumlentemente usados como
sinocircnimos que indicariam uma uacutenica disciplina Mas mesmo esse ecletismo natildeo
eacute totalmente estranho ao desenvolvimento da criminologia na Europa
Especialmente os intelectuais ligados agrave antropologia criminal Lombroso agrave
frente natildeo podem ser classificados como autores por demais rigorosos na
construccedilatildeo de seus conceitos E eacute seguindo as orientaccedilotildees de Lombroso que a
maioria dos autores nacionais pensa a sociologia criminal quase que como um
prolongamento da antropologia criminal de tal maneira que os aspectos sociais
aparecem como causas entre outras capazes de explicar a fraqueza moral dos
criminosos Assim a forte cisatildeo presente no debate europeu entre a
antropologia criminal de Lombroso Ferri e Garofalo e a sociologia criminal de
Tarde e Durkheim no Brasil dilui-se em benefiacutecio das concepccedilotildees da Escola
Antropoloacutegica com todos os autores aparentando pertencer ao campo uacutenico da
criminologia Para exemplificar essa frequumlente indiferenciaccedilatildeo basta
mencionar como autores que ainda no final do Impeacuterio defendem a
necessidade de incorporaccedilatildeo da antropologia criminal pelo pensamento juriacutedico
nacional sustentam que esta se decirc sobretudo mediante a criaccedilatildeo da cadeira de
sociologia nas faculdades de direito (ver Macedo Soares 1888 Arauacutejo 1889b)
Os trabalhos desenvolvidos satildeo igualmente pouco originais teoricamente
constituindo-se em geral no recenseamento das principais ideacuteias criminoloacutegicas
em voga Mas nem por isso os autores perdem totalmente de vista os
problemas praacuteticos que se apresentam em face da realidade nacional Pelo
contraacuterio eacute como se as questotildees mais imediatas precisassem ser vistas pela
grade conceitual fornecida pelas teorias importadas Assim as questotildees
juriacutedico-penais locais adquiriam novos contornos e possibilidades ao mesmo
tempo que o debate intelectual nacional se equiparava ao que de mais
avanccedilado existia no mundo
Como resultado da recepccedilatildeo ecleacutetica e conciliadora das teorias criminoloacutegicas
europeacuteias pelos juristas brasileiros o crime e o criminoso passam a ser
pensados como problemas complexos demais para serem observados de um
ponto de vista uacutenico Tanto os aspectos bioloacutegicos quanto o meio social devem
ser assim estudados pelas disciplinas criminoloacutegicas Nessa direccedilatildeo Cloacutevis
Bevilaacutequa argumenta que mesmo sendo simpatizante da Escola Socioloacutegica
natildeo deixa de admitir a presenccedila de causas bioloacutegicas na origem do crime
Estou convencido de que haacute um pathos criminogecircneo um morbus que impele ao
delito qualquer que seja a sua natureza e contra o qual a pena se revelaraacute
impotente na maioria dos casos mas essa anomalia eacute menos comum do que se
poderia supor estou igualmente convencido O que mais ordinariamente se
depara na vida eacute a combinaccedilatildeo de certas condiccedilotildees fisio-psiacutequicas apropriadas agrave
perpetraccedilatildeo do malefiacutecio com certas outras condiccedilotildees sociais que fecundam esse
germe individual se eacute que muitas vezes natildeo o fazem produzir-se (189617)
O que Bevilaacutequa censura na Escola Antropoloacutegica eacute o exagero daqueles que
interpretam de maneira exclusivamente bioloacutegica as causas do crime
subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes Situado
no extremo oposto da discussatildeo Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo em seu livro
As Trecircs Escolas Penais publicado originalmente em 1907 no qual critica as
abordagens socioloacutegicas do crime (inclusive a de Bevilaacutequa) natildeo deixa de
admitir que as causas sociais estatildeo igualmente presentes embora sejam
secundaacuterias em relaccedilatildeo agraves causas bioloacutegicas individuais21
Os estudiosos do tema no Brasil distribuem-se desse modo entre as Escolas
Antropoloacutegica ou Socioloacutegica especialmente pelo acento maior ou menor que
atribuem aos fatores bioloacutegicos ou socioculturais na etiologia do crime mas
natildeo discordam que a compreensatildeo do crime e do criminoso requer a presenccedila
simultacircnea das duas abordagens Sob essa tecircnue linha divisoacuteria do lado da
antropologia criminal perfilamse nomes como Joatildeo Vieira de Arauacutejo Viveiros
de Castro Cacircndido Mota Antonio Moniz Sodreacute de Aragatildeo Mais propensos a
atribuir importacircncia decisiva aos fatores sociais e culturais na etiologia do
crime alinham-se Cloacutevis Bevilaacutequa e Paulo Egiacutedio de Oliveira Carvalho entre
outros
De todo modo eacute evidente a forte presenccedila de Lombroso na maioria dos
trabalhos indicando a subordinaccedilatildeo como jaacute afirmei no Brasil das
abordagens socioloacutegicas do crime agravequela da antropologia criminal Mesmo
aqueles que natildeo se empolgam com os exageros deterministas da Escola
Antropoloacutegica natildeo deixam de render homenagem a Lombroso e seus
disciacutepulos Este eacute o caso jaacute citado de Tobias Barreto que embora tenha
lanccedilado muitas criacuteticas aos exageros de LUomo Delinquente natildeo deixa de
consideraacute-lo um livro revolucionaacuterio Mais do que a concordacircncia em torno da
contribuiccedilatildeo de Lombroso o principal ponto de convergecircncia do discurso da
criminologia no Brasil ou da Nova Escola Penal como passa a ser chamada
com mais propriedade pelos autores nacionais eacute a ideacuteia de que o objeto das
accedilotildees juriacutedica e penal deve ser natildeo o crime mas o criminoso considerado
como um indiviacuteduo anormal Assim com a emergecircncia do discurso da Nova
Escola Penal no interior dos debates juriacutedicos nacionais o que temos eacute a
presenccedila de um discurso normalizador no interior do saber juriacutedico22 Por isso
diferentes expressotildees ndash criminologia Nova Escola Penal antropologia criminal
Escola Antropoloacutegica sociologia criminal Escola Positiva de Direito Penal ndash
satildeo utilizadas pelos autores brasileiros praticamente como sinocircnimos de uma
nova concepccedilatildeo do direito penal que deve ser aplicada na reforma das
instituiccedilotildees juriacutedico-penais nacionais
Natildeo haacute portanto diferenccedilas substanciais entre aqueles que passam a
defender as novas teorias penais no Brasil quer do ponto de vista
antropoloacutegico quer do socioloacutegico A criacutetica agraves concepccedilotildees juriacutedicas da Escola
Claacutessica a defesa dos novos fundamentos do direito de punir e a necessidade
de reforma das leis e instituiccedilotildees penais satildeo pontos de convergecircncia entre os
diversos autores a despeito das divergecircncias pontuais que possam existir
Natildeo surpreende o fato de ter sido a Faculdade de Direito do Recife a porta de
entrada das ideacuteias criminoloacutegicas no Brasil pois como jaacute tive oportunidade de
mencionar o ambiente intelectual nessa faculdade era desde a deacutecada de
1870 bastante permeaacutevel agrave introduccedilatildeo de teorias cientificistas importadas
sobretudo da Europa O ambiente filosoacutefico mais criacutetico que vai entatildeo sendo
formado acaba por apontar para a necessidade de renovaccedilatildeo dos estudos
juriacutedicos e na eacutepoca sem duacutevida a antropologia criminal aparecia como o
triunfo por excelecircncia das concepccedilotildees cientificistas no campo do direito penal
Assim a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos estimulada pelo ambiente intelectual
do Recife teria de passar inevitavelmente pela discussatildeo dessas teorias e
efetivamente os trecircs professores que entatildeo se destacam na renovaccedilatildeo da
ciecircncia do direito ndash Joseacute Higino Tobias Barreto e Joatildeo Vieira de Arauacutejo (cf
Barros 1959148) ndash acabam por abordar em diferentes momentos de seus
trabalhos os debates em torno da antropologia criminal Essa recepccedilatildeo
pioneira marcou significativamente os estudos posteriores acerca do direito
penal na faculdade Nesse sentido Schwarcz (1993) por exemplo ao analisar
a Revista Acadecircmica da Faculdade de Direito do Recife a partir de 1891
mostra como a antropologia criminal ganha importacircncia nessa publicaccedilatildeo
servindo como instrumento de afirmaccedilatildeo do direito enquanto praacutetica cientiacutefica e
justificando a accedilatildeo missionaacuteria dos legisladores em vista dos problemas da
naccedilatildeo (idem156-157) Aleacutem disso dissertaccedilotildees e monografias sobre o tema
foram produzidas por professores e alunos da faculdade23
Mas se como afirma Schwarcz em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo juriacutedica nacional se do
Recife vinham as teorias e os novos modelos de explicaccedilatildeo enquanto de Satildeo
Paulo partiam as praacuteticas poliacuteticas convertidas em leis e medidas (idem184)
as teorias da criminologia corriam o risco de permanecer isoladas nos debates
teoacutericos dos juristas do Recife sem surtir efeitos concretos mais significativos
Mas isso natildeo aconteceu e rapidamente as ideacuteias da antropologia chegaram
aos debates juriacutedicos realizados no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo Na entatildeo
capital do Impeacuterio um dos principais responsaacuteveis por essa divulgaccedilatildeo eacute o
proacuteprio Joatildeo Vieira de Arauacutejo
A despeito das querelas anteriormente citadas acerca de quem foi o pioneiro
na recepccedilatildeo da antropologia criminal no paiacutes eacute certo que a divulgaccedilatildeo dos
novos conhecimentos inclusive para aleacutem do Recife coube muito mais a Joatildeo
Vieira de Arauacutejo mesmo porque ele se mostrou bem mais entusiasmado com a
antropologia criminal ao contraacuterio de Tobias Barreto que foi mais reticente na
defesa das ideacuteias de Lombroso Cloacutevis Bevilaacutequa define o perfil de Joatildeo Vieira
de Arauacutejo como jurista da seguinte maneira
Joatildeo Vieira pertenceu ao grupo de estudiosos a que se deu o nome de Escola do
Recife na sua fase juriacutedica ou antes aos que lhe prepararam a princiacutepio o
advento e depois se deixaram arrastar pelo movimento Adotara os princiacutepios da
doutrina evolucionista de Spencer Ardigoacute e outros mestres italianos
Especializando-se no Direito criminal seguiu a orientaccedilatildeo da Escola de Lombroso
Ferri e Garofalo entretanto nem foi jamais um sectaacuterio intransigente nem se
restringiu a cultivar o Direito criminal (189667)
Pela citaccedilatildeo de Bevilaacutequa jaacute eacute possiacutevel perceber que a antropologia criminal
tal como se apresenta na trajetoacuteria de Joatildeo Vieira de Arauacutejo aparece no
interior do movimento de especializaccedilatildeo da onda cientificista proacutepria da Escola
do Recife Como disse eacute o espiacuterito criacutetico e polecircmico do movimento cientificista
que estimula a renovaccedilatildeo dos estudos juriacutedicos mediante a importaccedilatildeo entre
outras teorias da antropologia criminal que adquire desde o iniacutecio um claro
significado reformador
Mesmo natildeo sendo no dizer de Bevilaacutequa um defensor radical das novas
teorias penais Vieira de Arauacutejo fortaleceu ainda mais sua reputaccedilatildeo como
jurista ao divulgar as ideacuteias da antropologia criminal no Brasil Ele se
correspondia diretamente com o proacuteprio Lombroso o que facilitou o
reconhecimento de seus trabalhos na Itaacutelia (cf Castiglione 1962276)
Provavelmente inspirado pelo espiacuterito militante de Lombroso e seus
seguidores Joatildeo Vieira de Arauacutejo se propocircs a divulgar as noccedilotildees da Nova
Escola para aleacutem do Recife Assim nas paacuteginas de O Direito revista
especializada em legislaccedilatildeo doutrina e jurisprudecircncia e publicada na cidade do
Rio de Janeiro Joatildeo Vieira de Arauacutejo apresentou vaacuterios artigos nos quais
defendia as teorias da Escola Antropoloacutegica No primeiro deles intitulado A
Nova Escola de Direito Criminal comenta os trabalhos de Lombroso Ferri e
Garofalo explicitando que a Nova Escola tem por objeto o homem criminoso e
sua atividade anormal e como fim a diminuiccedilatildeo dos crimes que assoberbam as
sociedades atuais no esplendor de toda sua civilizaccedilatildeo (Arauacutejo 1888487)
No ano seguinte ele divulga as ideacuteias da Escola Positiva em dois artigos O
Direito e o Processo Criminal Positivo e Antropologia Criminal No primeiro
afirma que Lombroso e outros autores como Spencer Darwin e Hackel
haviam mudado a face natildeo apenas das doutrinas juriacutedicas mas de todo o
processo penal Nesse sentido Arauacutejo defende ideacuteias que posteriormente
seratildeo bastante divulgadas pelos adeptos nacionais dos novos conhecimentos
tais como as de que o essencial eacute combater os crimes ocasionados por uma
constituiccedilatildeo orgacircnica e psiacutequica defeituosa e de que o juacuteri deve ser totalmente
abolido perante os crimes comuns
Haacute um outro ponto cardeal em que a Nova Escola natildeo pode transigir O juacuteri eacute uma
instituiccedilatildeo mais poliacutetica do que judiciaacuteria e pois ela pode ser conservada para
julgar crimes poliacuteticos Mas entregar ao juacuteri assassinos ladrotildees estupradores
falsaacuterios enfim o julgamento dos crimes comuns eacute sancionar a impunidade e a
impossibilidade de praticar qualquer sistema racional de repressatildeo social que se
funde nos ensinamentos da ciecircncia e no conhecimento exato da natureza real do
delinquumlente (Arauacutejo 1889b330)
O juacuteri seraacute sem duacutevida o principal alvo de criacuteticas da esmagadora maioria dos
juristas da Nova Escola24
No segundo artigo Joatildeo Vieira de Arauacutejo esclarece que os estudos anatocircmicos
que haviam celebrizado Lombroso eram na verdade apenas um apecircndice da
nova ciecircncia do crime que consistiria muito mais em uma grande siacutentese de
conhecimentos obtidos pelos processos cientiacuteficos da observaccedilatildeo e da
experiecircncia no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus
caracteres somaacuteticos e psiacutequicos (1889a178) Percebe-se desse modo que
Joatildeo Vieira de Arauacutejo entendeu claramente o ambicioso projeto do pai da
antropologia criminal
Em outro texto publicado na mesma revista jaacute em 1894 intitulado Sociologia
Filosofia Ciecircncia e Direito Joatildeo Vieira de Arauacutejo vecirc com satisfaccedilatildeo que o
direito penal mesmo no Brasil passa a ser influenciado cada vez mais pelos
estudos cientiacuteficos modernos sobre a criminalidade consolidando-se assim a
tendecircncia aberta pela antropologia criminal e por ele pioneiramente divulgada
no paiacutes para aplicaccedilatildeo dos meacutetodos positivos tambeacutem aos estudos juriacutedicos
O otimismo manifesto por Joatildeo Vieira de Arauacutejo nesses artigos publicados
sobretudo nos derradeiros anos do Impeacuterio natildeo era descabido uma vez que
nas mesmas paacuteginas de O Direito outros juristas o acompanham na defesa
das novas teorias penais como Macedo Soares e Melo Franco mostrando
assim que as ideacuteias da antropologia criminal jaacute ganhavam importacircncia no
centro poliacutetico do paiacutes Vai ficando claro nos artigos que a incorporaccedilatildeo da
Nova Escola Penal pelo pensamento juriacutedico nacional eacute segundo seus
defensores uma imposiccedilatildeo tanto da evoluccedilatildeo do pensamento moderno quanto
das condiccedilotildees poliacuteticas e sociais nacionais O jurista Melo Franco (1889337)
lamentava no entanto que no Brasil as reformas soacute se impunham quando jaacute
se estava como naquele momento diante da iminecircncia de uma revoluccedilatildeo
social A revoluccedilatildeo social natildeo ocorreu mas veio a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica
e com ela novas esperanccedilas de reformas legais e institucionais que
animaram ainda mais os juristas adeptos da criminologia presentes cada vez
em maior nuacutemero nas duas principais metroacutepoles do paiacutes Rio de Janeiro e
Satildeo Paulo
Tratar Desigualmente os Desiguais
No Brasil a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica foi saudada com grande entusiasmo
por muitos juristas que viam na consolidaccedilatildeo do novo regime a possibilidade
de reforma das instituiccedilotildees juriacutedico-penais segundo os ideais da Escola
Criminoloacutegica Italiana que ainda dominava o debate no interior do direito penal
na Europa Embora o otimismo inicial tenha dado lugar a uma certa decepccedilatildeo
uma vez que o Coacutedigo Penal de 1890 ficou muito aqueacutem do que se esperava
por se organizar como um coacutedigo ainda alicerccedilado nos ideais da Escola
Claacutessica a percepccedilatildeo dos juristas reformadores ndash de que as transformaccedilotildees
sociais e poliacuteticas pelas quais o Brasil passou da segunda metade do seacuteculo
XIX ao iniacutecio do XX colocavam a necessidade de novas formas de exerciacutecio do
poder de punir ndash manteacutem-se ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica A
substituiccedilatildeo do trabalho escravo pelo trabalho livre o acelerado processo de
urbanizaccedilatildeo no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo e os ideais de igualdade
poliacutetica e social associados agrave constituiccedilatildeo da Repuacuteblica estabeleceram novas
urgecircncias histoacutericas para as elites poliacuteticas e intelectuais no periacuteodo e para os
juristas reformadores em particular Sobretudo o ideal das elites republicanas
de construir uma sociedade organizada em torno do modelo juriacutedico-poliacutetico
contratual defronta-se com uma populaccedilatildeo que aparece aos olhos dessa
mesma elite ou excessivamente insubmissa como no Rio de Janeiro da eacutepoca
da Revolta da Vacina (cf Sevcenko 1984) ou por demais multifacetada e
disforme como em Satildeo Paulo (cf Adorno 1990) Assim o antigo medo das
elites diante dos escravos seraacute substituiacutedo pela grande inquietaccedilatildeo em face da
presenccedila da pobreza urbana nas principais metroacutepoles do paiacutes
A criminologia como conhecimento voltado para a compreensatildeo do homem
criminoso e para o estabelecimento de uma poliacutetica cientiacutefica de combate agrave
criminalidade seraacute vista como um instrumento essencial para a viabilizaccedilatildeo
dos mecanismos de controle social necessaacuterios agrave contenccedilatildeo da criminalidade
local Mas com a Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica os desafios colocados para as
elites republicanas natildeo iratildeo limitar-se ao estabelecimento de novas formas de
controle social mas incluiratildeo especialmente o problema ainda maior de como
consolidar os ideais de igualdade poliacutetica e social do novo regime ante as
particularidades histoacutericas e sociais da situaccedilatildeo nacional Eacute com relaccedilatildeo a esse
problema que os desdobramentos das ideacuteias da criminologia parecem ter sido
mais interessantes
As elites republicanas desde o princiacutepio manifestam grande desconfianccedila
diante da possibilidade de a maior parte da populaccedilatildeo contribuir positivamente
para a construccedilatildeo da nova ordem poliacutetica e social O novo regime republicano
longe de permitir uma real expansatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica iraacute se caracterizar
pelo seu aspecto natildeo democraacutetico pela restriccedilatildeo da participaccedilatildeo popular na
vida poliacutetica (cf Carvalho 1987 1990)
A mesma desconfianccedila em relaccedilatildeo ao que chamariacuteamos atualmente de
expansatildeo da cidadania estaraacute presente entres os juristas reformadores
adeptos da criminologia Para os criminologistas a igualdade juriacutedica natildeo
poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades histoacutericas raciais e
sociais do paiacutes Os ideais de igualdade natildeo poderiam afirmar-se em face das
desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira Essa
desconfianccedila em relaccedilatildeo agrave igualdade juriacutedica transparece tanto nos muitos
debates acerca da responsabilidade penal como nas diversas propostas de
reformulaccedilatildeo ou substituiccedilatildeo do Coacutedigo de 1890 que atravessam toda a
Primeira Repuacuteblica (cf Brito 1930)
Contudo quem desenvolveu de modo mais coerente a criacutetica ao ideal da
igualdade juriacutedica baseando-se igualmente nos ensinamentos da antropologia
criminal foi o meacutedico Nina Rodrigues Um dos mais importantes adeptos de
Lombroso no Brasil Rodrigues ndash em seu ensaio As Raccedilas Humanas e a
Responsabilidade Penal no Brasil publicado pela primeira vez em 1894 ndash
expotildee as principais consequumlecircncias no campo juriacutedico-penal que poderiam ser
deduzidas da aplicaccedilatildeo rigorosa das ideacuteias da antropologia criminal agrave realidade
nacional Se as caracteriacutesticas raciais locais influiacuteam na gecircnese dos crimes e
na evoluccedilatildeo especiacutefica da criminalidade no paiacutes consequumlentemente toda a
legislaccedilatildeo penal deveria adaptar-se agraves condiccedilotildees nacionais sobretudo no que
diz respeito agrave diversidade racial da populaccedilatildeo Daiacute sua criacutetica inequiacutevoca ao
Coacutedigo Liberal de 1890 que pretendeu aplicar um mesmo conjunto de regras a
uma populaccedilatildeo amplamente diferenciada
Posso iludir-me mas estou profundamente convencido de que a adoccedilatildeo de um
coacutedigo uacutenico para toda a repuacuteblica foi um erro grave que atentou grandemente
contra os princiacutepios mais elementares da fisiologia humana
Pela acentuada diferenccedila da sua climatologia pela conformaccedilatildeo e aspecto
fiacutesico do paiacutes pela diversidade eacutetnica da sua populaccedilatildeo jaacute tatildeo pronunciada e
que ameaccedila mais acentuar-se ainda o Brasil deve ser dividido para os efeitos
da legislaccedilatildeo penal pelo menos nas suas quatro grandes divisotildees regionais
que como demonstrei no capiacutetulo quarto satildeo tatildeo natural e profundamente
distintas (Rodrigues 1938225-226)
Ou seja se o paiacutes apresentava uma grande diversidade climaacutetica fiacutesica e
eacutetnica como seria possiacutevel estabelecer uma legislaccedilatildeo penal que abstraiacutesse
toda essa diversidade Assim para o meacutedico maranhense se as anaacutelises
cientiacuteficas da antropologia criminal demonstravam plenamente a desigualdade
fiacutesica bioloacutegica e social da naccedilatildeo somente as ilusotildees metafiacutesicas da Escola
Claacutessica poderiam ter levado como efetivamente ocorreu no Coacutedigo de 1890 o
legislador a estabelecer uma igualdade juriacutedica geneacuterica diante de uma
realidade tatildeo desigual Segundo Nina Rodrigues o legislador paacutetrio
simplesmente abstraiu todas as desigualdades bioloacutegicas e sociais que
marcavam de maneira inconteste aos olhos da ciecircncia a populaccedilatildeo brasileira
ao cometer o grande erro de tratar igualmente indiviacuteduos desiguais o que
ainda segundo o autor soacute poderia criar conflitos no interior do organismo
social
Os juristas adeptos da criminologia se por um lado concordavam no geral com
as ideacuteias acerca da responsabilidade penal expressas por Nina Rodrigues por
outro natildeo podiam levar tatildeo longe os argumentos da Escola Positiva pois isto
poderia colocar em risco o proacuteprio monopoacutelio dos profissionais da lei no campo
da justiccedila O que parece singularizar a atuaccedilatildeo desses juristas reformadores eacute
que eles buscaram conciliar teoacuterica e praticamente as doutrinas e os
dispositivos legais propostos pelas Escolas Positiva e Claacutessica Mesmo sem a
tatildeo desejada substituiccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1890 eles buscaram realizar
reformas juriacutedicas e institucionais que forccedilassem os limites aos quais o
liberalismo havia circunscrito o papel do Estado no paiacutes pois nas disputas
entre os adeptos da Escola Claacutessica e da Escola Positiva de direito penal
estavam fundamentalmente em jogo concepccedilotildees diferentes acerca do papel do
Estado ante a sociedade
Os claacutessicos portadores de uma concepccedilatildeo liberal viam o indiviacuteduo como
possuidor de uma vontade ou consciecircncia livre e soberana Os positivistas de
vaacuterios matizes representavam o indiviacuteduo como produto ou reflexo de um meio
geneacutetico e social singulares [] Ligadas evidentemente a essas duas
representaccedilotildees sociais do indiviacuteduo duas representaccedilotildees modelares do Estado e
seu papel na sociedade De um lado um Estado guardiatildeo de rebanhos
mantenedor liberal de outro um Estado intervencionista e tutelar para o qual natildeo
poderia haver mais nenhuma barreira sagrada agrave sua atuaccedilatildeo em prol do bem
comum (Fry e Carrara 198650)
Os juristas adeptos da Escola Positiva ao longo de toda a Primeira Repuacuteblica
iratildeo propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais que buscaratildeo
ampliar o papel da intervenccedilatildeo estatal Mulheres menores e loucos ou seja
aqueles que natildeo se enquadravam plenamente na nova ordem contratual e que
necessitariam de um tratamento juriacutedico diferenciado seratildeo alvos constantes
das preocupaccedilotildees dos criminologistas25 A discussatildeo em torno da legislaccedilatildeo
da menoridade que culminaraacute na elaboraccedilatildeo do Coacutedigo de Menores de
192726 e a criaccedilatildeo de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar27 e a
Penitenciaacuteria do Estado28 em Satildeo Paulo seratildeo algumas das reformas legais e
institucionais concretizadas ao longo da Primeira Repuacuteblica e que foram
influenciadas em grande medida pelas ideacuteias originalmente desenvolvidas por
Lombroso e seus seguidores Tambeacutem nos tribunais as concepccedilotildees acerca do
criminoso nato e seus desdobramentos se fizeram presentes durante muito
tempo no Brasil29 Portanto a incorporaccedilatildeo das ideacuteias da antropologia criminal
ao debate juriacutedico local natildeo deixou de produzir efeitos concretos e duradouros
tanto no plano dos saberes como no das praacuteticas penais
Em todas essas discussotildees e accedilotildees o grande desafio consistia em tratar
desigualmente os desiguais e natildeo em estender a igualdade de tratamento
juriacutedicopenal para o conjunto da populaccedilatildeo A introduccedilatildeo da criminologia no
paiacutes representava a possibilidade simultacircnea de compreender as
transformaccedilotildees pelas quais passava a sociedade de implementar estrateacutegias
especiacuteficas de controle social e de estabelecer formas diferenciadas de
tratamento juriacutedico-penal para determinados segmentos da populaccedilatildeo Como
um saber normalizador capaz de identificar qualificar e hierarquizar os fatores
naturais sociais e individuais envolvidos na gecircnese do crime e na evoluccedilatildeo da
criminalidade a criminologia poderia transpor as dificuldades que as doutrinas
claacutessicas de direito penal baseadas na igualdade ao menos formal dos
indiviacuteduos natildeo conseguiam enfrentar ao estabelecer ainda os dispositivos
juriacutedico-penais condizentes com as condiccedilotildees tipicamente nacionais
Se por um lado os juristas adeptos da criminologia natildeo puderam reformar
totalmente a justiccedila criminal segundo os preceitos cientificistas de Lombroso e
de seus seguidores por outro conseguiram ao menos influenciar reformas
legais e institucionais ao longo da Primeira Repuacuteblica E mesmo nas deacutecadas
seguintes as ideacuteias discriminatoacuterias da antropologia criminal de Lombroso e de
seus disciacutepulos continuaram a operar como um contraponto semiclandestino
ao valor formal da igualdade perante a lei (Fry 2000213) Portanto o estudo
dessa e de outras correntes cientificistas ndash que tiveram grande presenccedila no
debate intelectual brasileiro sobretudo na segunda metade do seacuteculo XIX e na
primeira metade do seacuteculo XX ndash aleacutem de esclarecer um momento importante
de nossa histoacuteria intelectual pode contribuir igualmente para repensarmos as
praacuteticas discriminatoacuterias ainda presentes no campo juriacutedico-penal em nosso
paiacutes
- Criminologia introduccedilatildeo
- Criminologia
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- Um breve histoacuterico das escolas claacutessica positiva criacutetica moderna alematilde e a influecircncia da escola positiva na formaccedilatildeo do Coacutedigo Penal de 1940
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- INTRODUCcedilAtildeO
- ESCOLA CLASSICA VERSUS ESCOLA POSITIVA
- ESCOLA CLAacuteSSICA
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- Os claacutessicos partiram de duas teorias distintas como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho in verbis
- Os Claacutessicos partiram de duas teorias distintas o jusnaturalismo (direito natural de Groacutecio) que decorria da natureza eterna e imutaacutevel do ser humano e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo de Rousseau) em que o Estado surge a partir
- Diante das teorias supracitadas a vida em sociedade tanto de forma natural ou convencionada soacute eacute possiacutevel apoacutes se criar um rol de regramentos ou melhor dizendo normas sociais das quais a inobservacircncia resultara em uma reprimenda por parte do Est
- Quando algueacutem encara a possibilidade de cometer um delito efetua um caacutelculo racional dos benefiacutecios esperados (prazer) e os confronta com os prejuiacutezos (dor) que acredita vatildeo derivar da praacutetica do delito se os benefiacutecios satildeo superiores aos prejuiacutezos
- Por fim Serrano defende a ideia de que as accedilotildees humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer ao indiviacuteduo e contribuam ou natildeo para maior satisfaccedilatildeo do grupo social
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- ESCOLA POSITIVA
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- CESAR LOMBROSO (1835-1909)
- RAFAEL GAROFALO (1851-1934)
- ENRICO FERRI (1856-1929)
- TERZA SCUOLA ITALIANA
- ESCOLA MODERNA ALEMAtilde
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- CRISE DO PENSAMENTO POSITIVISTA
- INFLUEcircNCIA DA ESCOLA POSITIVA NO COacuteDIGO PENAL DE 1940
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
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- NATUREZA DA CRIMINOLOGIA COMO CIEcircNCIA
- CRIMINOLOGIA E DOGMAacuteTICA JURIacuteDICO-PENAL
- O PROBLEMA DA DEFINICcedilAtildeO DE DELITO
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