HISTÓRIA
A-10 Período Napoleônico (1799-1815)
No módulo anterior, vimos os fatores responsáveis pela eclosão da
Revolução Francesa, no ano de 1789. Vimos também que a
heterogeneidade do Terceiro Estado – jacobinos, girondinos e sans-
culottes – foi responsável pela manutenção do conflito entre os membros
do próprio Terceiro Estado que discordavam em relação aos projetos
políticos que deveriam ser colocados em prática. Esse conflito estendeu-
se até o ano de 1799, quando, diante da ascensão de Napoleão
Bonaparte, os cenários político e econômico tornaram-se mais estáveis.
Esse é o assunto desse módulo.
I. Consulado Napoleônico (1799-1804)
A instabilidade do Diretório, que aparentemente poderia ruir a
qualquer momento por conta de uma intervenção aristocrática ou
popular, favoreceu a ascensão do general Napoleão Bonaparte. Nascido
na ilha mediterrânea de Córsega, localizada a oeste da península itálica,
um ano após a ilha ser transferida para a França, era descendente da
pequena nobreza italiana. Seu pai, Carlo Maria Bonaparte, era
representante da Córsega na corte do rei Luís XVI. As conexões de sua
família permitiram que Napoleão tivesse boas oportunidades de
educação e que ingressasse na Escola Militar de Paris em 1784. Aos 16
anos, tornou-se tenente antes do início da Revolução Francesa.
No contexto da França revolucionária, ganhou notoriedade ao
defender a Franças das ofensivas austríacas e aproximou-se de
Robespierre após publicar em 1792 um panfleto pró-modelo político
republicano. Durante o período do Diretório, foi mantido sobre prisão
domiciliar durante duas semanas devido à sua aproximação com os
jacobinos, mas foi solto para que voltasse a atuar na guerra contra os
austríacos e os britânicos – que haviam ocupado a região da Córsega.
Em 1799, a França permanecia marcada pelo conflito ideológico
entre jacobinos e girondinos. O quadro político e o cenário econômico
permaneciam caóticos. Por outro lado, o histórico de Napoleão contribuiu
para que fosse visto como uma possibilidade de estabilidade política e
econômica. Assim, sob o comando de Napoleão Bonaparte, em conjunto
com membros dos próprios girondinos, o Diretório deu lugar ao
Consulado, momento conhecido como Golpe de 18 de Brumário.
O novo regime, de características republicanas, era formado por
três cônsules - Roger Ducos, Emmanuel Sieyès e Napoleão Bonaparte,
quem tinha mais influência e poder no executivo, pois foi nomeado
primeiro-cônsul. Nesse período, foi iniciado o projeto de desenvolvimento
nacional, através da estabilidade política, adquirida pela neutralização
dos inimigos da revolução. Neste sentido, Napoleão concedeu anistia
aos jacobinos, normalizou as relações com a Igreja Católica, por meio da
assinatura da Concordata com o Clero e celebrou a paz com as
coligações européias. Além disso, criou a Sociedade de Fomento
Industrial, promoveu obras públicas, criou a moeda nacional (o Franco),
ergueu barreiras protecionistas, fundou o Banco da França, com o
dinheiro proveniente da venda da Luisiana, organizou os Liceus, coibiu a
organização sindical e criou o Código Civil Napoleônico.
Em 1804, Napoleão convocou um plebiscito para consultar a
população a respeito da implantação de um império. Com maioria de
votos favoráveis, tornou-se Imperador da França no dia 2 de dezembro
de 1804. A cerimônia para sua coroação foi realizada pelo papa Pio VII
na catedral de Notre-Dame. No entanto, Napoleão não permitiu que o
papa o coroa-se, tirando a coroa de suas mãos e se autocoroando. Em
seguida, coroou sua esposa, a imperatriz Josefina.
II. Império Napoleônico (1804-1815)
Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os
altos cargos públicos foram ocupados por membros da elite militar, da
alta burguesia e da antiga nobreza. Como forma de celebrar os triunfos
de seu governo, Napoleão I – como ficou conhecido após a coroação -
construiu monumentos grandiosos, como o Arco do Triunfo. Pelo
Catecismo Napoleônico, os franceses passaram a aprender os seus
deveres para com Deus e para com o Imperador.
Almejando expandir a sua influência por todo o continente europeu,
a fase do Império caracterizou-se pela expansão através da força militar.
Com este intuito, em 1805, Napoleão Bonaparte tentou invadir a
Inglaterra pelo Canal da Mancha com a ajuda da marinha espanhola,
conhecida como “A invencível armada”, mas foi derrotado na Batalha de
A tela de Jacques-Louis David, de 1800, mostra o primeiro-cônsul Napoleão cruzando os Alpes.
Detalhe do quadro "A coroação de Josefina", de Jacques-Louis David.
Trafalgar. No mesmo ano, porém, venceu as forças do Império Austríaco
e expandiu-se, nos anos seguintes, para a Prússia, a Holanda, a Bélgica,
a Suíça, as penínculas Itálicas e Ibéricas, nomeando seus parentes
como governadores das novas regiões conquistadas.
Em 1806, decretou o Bloqueio Continental, proibindo todos os
países europeus de comercializarem com a Inglaterra sob pena de
serem invadidos caso desrespeitassem o decreto. Até mesmo a Rússia
do czar Alexandre I aderiu ao bloqueio. Portugal, no entanto, em 1807,
reafirmou sua aliança com os ingleses, o que desencadeou a ocupação
do território português e a consequente transferência da Corte
portuguesa para o Brasil. A Espanha fora invadida nesse contexto. Para
evitar invadir Portugal pela via marítima, o que poderia levar a um
embate com os ingleses, Napoleão assinou com Carlos IV, o rei
espanhol, o Tratado de Fontainebleau, por meio do qual os franceses
obtiveram autorização para passar pela Espanha para chegar a Portugal.
Em troca, após a ocupação, Portugal seria dividido entre franceses e
espanhóis. Todavia, Napoleão aproveitou o momento para destituir
Carlos IV do trono espanhol, passar a coroa para o seu irmão José
Bonaparte e ocupar Lisboa.
A campanha contra a Rússia, diferentemente das outras batalhas,
foi desastrosa. Após o rompimento com o Bloqueio Continental pelo Czar
Alexander I, em 1812, Napoleão iniciou o avanço sobre a Rússia. Graças
à estratégia da “terra arrasada”, o exército napoleônico conseguiu invadir
o país praticamente sem resistência. Entretanto, sem ter onde se
abastecer já que os campos estavam queimados, os soldados franceses
morriam de fome, doentes e muitos desertavam. Gradativamente, com o
avançar dos meses, o rigor do clima, somado à falta de suprimentos e à
resistência russa, derrotou o exército francês. Dos quase 600 mil
homens que iniciaram a campanha, aproximadamente 100 mil
regressaram à França.
Em 1813, os austríacos e prussianos retomaram a guerra contra
Napoleão. Os franceses foram expulsos da Holanda, da Bélgica, da
Suíça, da Espanha e, em 1814, Paris foi invadida, o que forçou Napoleão
a abdicar. Exilado na Ilha de Elba, localizada a 20km do litoral italiano, a
monarquia francesa foi restaurada e entregue novamente à família
Bourbon – o rei Luís XVIII era irmão do rei guilhotinado.
Contudo, no ano seguinte, em 1815, Napoleão conseguiu fugir da
ilha de Elba e retornou para a França. Com o apoio do exército,
reassumiu o poder, dando início ao período conhecido como “governo
dos cem dias”, pois ainda em junho do mesmo ano, Bonaparte foi
derrotado na batalha de Waterloo, na Bélgica, pelo Duque de Wellington
e foi desterrado para a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde
morreu em 1821.
III. Congresso de Viena (1814-1815)
Após a primeira derrota napoleônica, em 1814, um Congresso
Continental foi convocado na capital do Império Austríaco, Viena, com o
objetivo de refazer a política européia. As principais decisões foram
tomadas pela França, Áustria, Prússia, Rússia e Inglaterra, embora os
ingleses não tenham participado de todos os detalhes acordados. O
principal intuito era a reconstrução da ordem absolutista na França, da
sociedade aristocrática de privilégios e das fronteiras do continente
europeu.
Assim, os princípios fundamentais formulados no Congresso de
Viena foram o da legitimidade e o do equilíbrio europeu. O primeiro
estabelecia que as monarquias destituídas nos conturbados anos finais
do século XIX até aquele momento deveriam ser restauradas. O
equilíbrio europeu estava associado ao fundamento de que as fronteiras
da Europa deveriam retornar aos limites pré-revolucionários. Ambos os
princípios foram acompanhados de outras concepções, como o princípio
das compensações aos vencedores, o que garantiu à Inglaterra pontos
estratégios para a atividade comercial, como a ilha de Malta, no
Mediterrâneo, a colônia do Cabo, na África e o Ceilão, no Índico. Dentro
da mesma ótica, houve a formação da Confederação Germânica, com 38
estados – o que mais tarde deu origem a Alemanha. A França,
representada pelo ministro Talleyrand, conseguiu manter sua
independência politica e integridade territorial.
O Congresso de Viena inaugurou ainda a Santa Aliança, espécie de
acordo firmado entre um Império cristão ortodoxo, um reino luterano e
um Império Católico – Rússia, Prússia e Áustria – com o objetivo de
intervir nos países e/ou nas colônias que fossem ameaçados por
movimentos nacionalistas e/ou liberais. Entretanto, a força dos ideais
liberais não perdeu o seu fôlego. A partir da década de 1820,
movimentos de caráter liberal varreram o continente europeu. Nas
Américas, por outro lado, o século XIX foi marcado pela onda das
independências. O liberalismo estava, portanto, em marcha.
IV. O liberalismo em marcha
O século XIX assistiu ao fortalecimento do liberalismo politico. Como
vimos em módulos anteriores, ainda nos séculos XVII e XVIII, os
pensadores iluministas defenderam que todos os homens nasciam com
alguns direitos, como a liberdade, a igualdade e a propriedade.
Afirmavam que a autoridade política somente poderia existir se tivesse o
consentimento dos cidadãos e que o poder dos reis deveria ser limitado
através da separação dos poderes e da promulgação de uma
Constituição.
Mesmo após o Congresso de Viena, as revoluções que eclodiram
no século XIX tiveram como binômio principal o liberalismo e o
nacionalismo. O primeiro ameaçava o absolutismo por propor medidas
como a organização constitucional, a separação dos poderes, a
representação por voto e a igualdade civil. O nacionalismo, por outro
lado, ameaçava a hegemonia de monarquias como a austríaca e a
russa, pois estes países controlavam territórios de outras nacionalidades.
As ondas revolucionárias do século XIX marcaram as décadas de
1820 e de 1830, bem como o ano de 1848.
Em 1820, em Portugal, a Revolução do Porto exigiu o retorno de D.
João VI a Portugal, bem como a promulgação de uma Constituição, o
que obrigaria o rei a governar sob um regime de monarquia
constitucional. Na mesma década, em 1823, a agitação política obrigou o
rei Fernando VII a restaurar a Constituição liberal preconizada por
Napoleão em 1812. Com o auxílio da Santa Aliança, a Revolução de
Cádiz foi controlada. Em compensação, o movimento de libertação nas
colônias espanholas, localizadas na América Latina, obteve êxito no ano
de 1825. Na península itálica, os carbonários defendiam a Unificação
através da organização das classes trabalhadoras em torno dos ideais
liberais.
Ainda na década de 1820, contrariando os princípios da Santa
Aliança, a Rússia apoiou a independência da Grécia, em prejuízo do
Império Turco-Otomano. Os russos ambicionavam obter uma saída para
o mar Mediterrâneo e calculavam que o enfraquecimento dos turcos
poderia favorecê-los na obtenção dos estreitos de Bósforo e de
Dardanelos. (Observe nos mapas abaixo a localização dessas regiões.)
O apoio russo ao processo de independência grego provocou o colapso
do sistema da Santa Aliança. A guerra de independência, iniciada em
1821, acabou apenas em 1829.
A segunda onda revolucionária varreu a Europa na década de 1830.
Na França, Carlos X, sucessor do absolutismo de Luis XVIII, foi
derrubado por um movimento liberal. Carlos X havia rompido com a
liberdade de imprensa e dissolvido a Câmara, o que estimulou a
mobilização da classe trabalhadora e da pequena burguesia em prol do
modelo republicano. O rei sentiu-se forçado a abdicar, embora a
monarquia tenha sido preservada. Com receio do radicalismo popular, a
alta burguesia apoiou a ascensão de Luís Felipe de Orleans ao trono,
alcunhado de “o rei burguês” graças aos investimentos realizados na
industrialização. Tal movimento é retratado por Victor Hugo, na obra Os
Miseráveis.
Na mesma década, a Bélgica conquistou sua independência da
Holanda. Na Polônia, o czar Nicolau I sufocou um levante nacionalista.
Na Peninsula Itálica, houve a tentativa de estabelecer uma unificação
liberal em detrimento da Igreja e dos reis locais, mas o movimento, mais
uma vez, foi sufocado pela intervenção austríaca. Em Hambach, na
Alemanha, os nacionalistas preconizaram os “Estados Unidos da
Alemanha”, intento também fracassado. Na Grã-Bretanha, a Irlanda
garantiu a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da agitação
reformista.
A terceira e a maior das ondas revolucionárias foi a de 1848.
Na França, o descontentamento popular contra o rei Luís Filipe e
seu ministro Guizot avolumou-se diante das condições precárias dos
trabalhadores, das más colheitas e do aumento dos preços. As
reivindicações populares giravam em torno de reformas parlamentares e
da introdução do voto universal masculino. Em 23 de fevereiro de 1848,
um protesto popular foi duramente reprimido, resultando na morte de 500
pessoas. A repressão, no entanto, fomentou as manifestações. Membros
da Guarda Nacional recusaram-se a prender ou atacar os manifestantes.
Luís Felipe abdicou e fugiu. No dia seguinte, a Segunda República
francesa (1848-1852) foi proclamada. O trono real foi queimado em
praça pública.
Um dos candidatos à presidência foi Luís Bonaparte, sobrinho de
Napoleão Bonaparte. Seu sobrenome garantiu a sua vitória na eleição de
10 de dezembro de 1848. Em 1851, porém, a monarquia foi restaurada
após Luís Bonaparte dissolver a Assembléia Constituinte e se
autoproclamar chefe supremo do Poder Executivo, com o título de
Napoleão III, o que foi aprovado em plebiscito. Seu prestígio foi abalado
no processo das Unificações Italiana e Alemã. O apoio à Unificação da
Itália colocou a França em conflito com a Áustria. Por outro lado, a luta
pela Unificação Alemã, opôs o reino da Prússia e a França. A derrota
dos franceses levou a anexação por parte da Alemanha da região da
Alsácia-Lorena.
O ano de 1848 é conhecido como “A Primavera dos Povos”, pois
além do movimento liberal na França, o nacionalismo despontou como
fator aglutinador do movimento de unificação da Itália e da Alemanha. A
consolidação do ideal liberal afastou a Igreja católica dos governos e
abriu caminho para o voto universal masculino. Por fim, a publicação do
Manifesto comunista de Karl Marx e Friedrich Engels afirmou o
operariado como grupo social a ser considerado na participação política.
Traçando um paralelo:
A primavera árabe e as lembranças de 1848. (2011)
Texto de Chiara Araujo Gomes, doutora Ciência Política pelo IESP-
UERJ.
As revoltas populares em países do Norte da África e do Oriente
Médio vêm sendo chamadas por muitos de “primavera árabe”. A onda de
protestos e enfrentamentos iniciada na Tunísia no mês de janeiro já teve
reflexos em pelo menos mais 13 países da região. Dois presidentes que
ocupavam os cargos há décadas foram derrubados, um país está sendo
bombardeado por uma coalizão internacional liderada pela OTAN,
milhares de pessoas foram mortas, presas ou deslocadas e os conflitos
ainda parecem longe do fim.
A idéia da primavera é uma metáfora expressiva para descrever
estes acontecimentos, se tomarmos como referência as zonas
temperadas do globo, em que as quatro estações do ano são bem
definidas. A primavera traduz-se no despertar da natureza após os
rigores do inverno. É a vida que volta a brotar da terra adormecida. A
primavera árabe, despertar de povos submetidos a governos de caráter
autoritário, não é de modo algum um movimento com sentido único, deve
ser reconhecida a pluralidade de questões que estão colocadas nos
diferentes focos de insatisfação. O que há em comum nas diversas
manifestações? Homens e mulheres que exigem “reformas políticas” e,
sobretudo, melhores condições de vida.
O título primavera remete também a outro importante momento da
história do Ocidente: a Primavera dos Povos, em 1848. Em alguma
medida é possível estabelecer analogias entre a Primavera de 1848 e as
convulsões no mundo árabe. Em primeiro lugar, deve-se recordar que os
anos 1846-1847 foram marcados pela baixa produção agrícola e por
uma crise industrial que geraram escassez de alimentos e desemprego.
Além disso, as populações dos países em que ocorreram levantes
estavam submetidas a regimes autoritários e, em alguns casos, sujeitos
à dominação estrangeira. Por fim, outro aspecto característico de 1848
foi a difusão do espírito de contestação por várias nações, o “efeito
dominó” que transformou insurreições inicialmente localizadas em um
acontecimento de grandes proporções.
De modo análogo, a região atualmente em conflito sofre com os
impactos de uma prolongada crise econômica mundial, com governos
autoritários, comandados por líderes que procuram prolongar a sua
permanência no poder indefinidamente, apesar da insatisfação popular e
das frequentes acusações de corrupção. Diante deste cenário, seria
possível afirmar como Tocqueville – em suas lembranças sobre 1848 –
“Nós dormimos sobre um vulcão…”. De fato, um vulcão adormecido
parece ter entrado em erupção e, como em 1848, o efeito de “contágio”
foi quase imediato.
Na primavera do século XIX revoltas de caráter liberal, nacionalista
e, em alguns casos, democrático se espalharam por parte do continente
europeu. Franceses, húngaros, tchecos, austríacos, alemães e italianos
se insurgiram contra seus governos nacionais protagonizando o que na
leitura do historiador inglês Eric Hobsbawm foi o mais próximo que se
chegou, até então, de uma revolução mundial.
Na França, por exemplo, em fevereiro de 1848, os trabalhadores
parisienses derrubaram a Monarquia de Julho e instauraram a Segunda
República. Entretanto, em pouco tempo os moderados assumiram o
poder e reprimiram as manifestações de caráter mais popular. Em março
do mesmo ano a população alemã saia às ruas de Berlim para exigir a
convocação de uma Assembleia Nacional eleita por sufrágio universal.
Na Áustria, ainda em março, manifestações populares, insufladas
por políticos de orientação liberal, contribuíram para derrubar o chanceler
Metternich, no poder há 30 anos. Em Praga, os nacionalistas
conseguiram reunir o Congresso Pan-Eslavo, que representava o
esforço de afirmar uma identidade eslava frente aos germânicos, mas o
congresso foi reprimido e dissolvido à força.
A história da Primavera dos Povos narra mais derrotas do que
conquistas. Em alguns casos, os avanços obtidos foram incorporados à
dinâmica política local, mas na maior parte da Europa a situação anterior
foi restaurada. Se os resultados concretos das insurreições ficaram
aquém do espírito revolucionário que as presidia, o seu valor simbólico
permanece ainda hoje. Aquela primavera serviu de inspiração para
muitos movimentos contestatórios que aconteceriam depois.
Não é possível precisar ainda quais serão os efeitos reais da
primavera árabe, mas alguns analistas já apontam para a possibilidade
de que sejam realizadas reformas, sem a mudança efetiva dos grupos
que dominam o poder, como ocorreu até agora na Tunísia e no Egito.
Apesar do desejo de ver os revoltosos triunfarem, não se pode ignorar
que a situação é complexa, pois aparentemente na maioria dos países
não há uma oposição articulada capaz de substituir prontamente os
autocratas e responder de forma imediata aos anseios da população.
A postura das lideranças dos países mais ricos do mundo em
relação a toda esta situação é ambígua, pois a retórica democrática não
combina com a tentativa de disciplinar o rumo dos levantes, motivada
pelo temor de que os atuais governantes sejam substituídos por grupos
radicais islâmicos. Ironicamente, governos que se intitulam defensores
da democracia, por um longo tempo apoiaram e legitimaram os regimes
autoritários. O conservadorismo travestido no discurso humanitário
provavelmente atuará para garantir que o equilíbrio de forças na região
permaneça inalterado.
Ainda que esta primavera não consiga extinguir definitivamente o inverno
que até bem pouco tempo parecia eterno nestes países, ela demonstra,
ao contrário de uma visão muito difundida por alguns ideólogos do
Ocidente, que estes povos não estão condenados ao despotismo e nem
são intrinsecamente refratários aos valores liberais. Na pior das
hipóteses, a imagem da primavera ajuda a recordar que os invernos não
duram para sempre.