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HISTÓRIA A-10 Período Napoleônico (1799-1815) No módulo anterior, vimos os fatores responsáveis pela eclosão da Revolução Francesa, no ano de 1789. Vimos também que a heterogeneidade do Terceiro Estado jacobinos, girondinos e sans- culottes foi responsável pela manutenção do conflito entre os membros do próprio Terceiro Estado que discordavam em relação aos projetos políticos que deveriam ser colocados em prática. Esse conflito estendeu- se até o ano de 1799, quando, diante da ascensão de Napoleão Bonaparte, os cenários político e econômico tornaram-se mais estáveis. Esse é o assunto desse módulo. I. Consulado Napoleônico (1799-1804) A instabilidade do Diretório, que aparentemente poderia ruir a qualquer momento por conta de uma intervenção aristocrática ou popular, favoreceu a ascensão do general Napoleão Bonaparte. Nascido na ilha mediterrânea de Córsega, localizada a oeste da península itálica, um ano após a ilha ser transferida para a França, era descendente da pequena nobreza italiana. Seu pai, Carlo Maria Bonaparte, era representante da Córsega na corte do rei Luís XVI. As conexões de sua família permitiram que Napoleão tivesse boas oportunidades de educação e que ingressasse na Escola Militar de Paris em 1784. Aos 16 anos, tornou-se tenente antes do início da Revolução Francesa. No contexto da França revolucionária, ganhou notoriedade ao defender a Franças das ofensivas austríacas e aproximou-se de Robespierre após publicar em 1792 um panfleto pró-modelo político republicano. Durante o período do Diretório, foi mantido sobre prisão domiciliar durante duas semanas devido à sua aproximação com os jacobinos, mas foi solto para que voltasse a atuar na guerra contra os austríacos e os britânicos que haviam ocupado a região da Córsega. Em 1799, a França permanecia marcada pelo conflito ideológico entre jacobinos e girondinos. O quadro político e o cenário econômico permaneciam caóticos. Por outro lado, o histórico de Napoleão contribuiu para que fosse visto como uma possibilidade de estabilidade política e econômica. Assim, sob o comando de Napoleão Bonaparte, em conjunto com membros dos próprios girondinos, o Diretório deu lugar ao Consulado, momento conhecido como Golpe de 18 de Brumário. O novo regime, de características republicanas, era formado por três cônsules - Roger Ducos, Emmanuel Sieyès e Napoleão Bonaparte, quem tinha mais influência e poder no executivo, pois foi nomeado primeiro-cônsul. Nesse período, foi iniciado o projeto de desenvolvimento nacional, através da estabilidade política, adquirida pela neutralização dos inimigos da revolução. Neste sentido, Napoleão concedeu anistia aos jacobinos, normalizou as relações com a Igreja Católica, por meio da assinatura da Concordata com o Clero e celebrou a paz com as coligações européias. Além disso, criou a Sociedade de Fomento Industrial, promoveu obras públicas, criou a moeda nacional (o Franco), ergueu barreiras protecionistas, fundou o Banco da França, com o dinheiro proveniente da venda da Luisiana, organizou os Liceus, coibiu a organização sindical e criou o Código Civil Napoleônico. Em 1804, Napoleão convocou um plebiscito para consultar a população a respeito da implantação de um império. Com maioria de votos favoráveis, tornou-se Imperador da França no dia 2 de dezembro de 1804. A cerimônia para sua coroação foi realizada pelo papa Pio VII na catedral de Notre-Dame. No entanto, Napoleão não permitiu que o papa o coroa-se, tirando a coroa de suas mãos e se autocoroando. Em seguida, coroou sua esposa, a imperatriz Josefina. II. Império Napoleônico (1804-1815) Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os altos cargos públicos foram ocupados por membros da elite militar, da alta burguesia e da antiga nobreza. Como forma de celebrar os triunfos de seu governo, Napoleão I como ficou conhecido após a coroação - construiu monumentos grandiosos, como o Arco do Triunfo. Pelo Catecismo Napoleônico, os franceses passaram a aprender os seus deveres para com Deus e para com o Imperador. Almejando expandir a sua influência por todo o continente europeu, a fase do Império caracterizou-se pela expansão através da força militar. Com este intuito, em 1805, Napoleão Bonaparte tentou invadir a Inglaterra pelo Canal da Mancha com a ajuda da marinha espanhola, conhecida como “A invencível armada”, mas foi derrotado na Batalha de A tela de Jacques- Louis David, de 1800, mostra o primeiro-cônsul Napoleão cruzando os Alpes. Detalhe do quadro "A coroação de Josefina", de Jacques-Louis David.

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Page 1: HISTÓRIA A-10 - cursodac.com.br · Império Napoleônico (1804-1815) Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os altos cargos públicos foram ocupados por

HISTÓRIA

A-10 Período Napoleônico (1799-1815)

No módulo anterior, vimos os fatores responsáveis pela eclosão da

Revolução Francesa, no ano de 1789. Vimos também que a

heterogeneidade do Terceiro Estado – jacobinos, girondinos e sans-

culottes – foi responsável pela manutenção do conflito entre os membros

do próprio Terceiro Estado que discordavam em relação aos projetos

políticos que deveriam ser colocados em prática. Esse conflito estendeu-

se até o ano de 1799, quando, diante da ascensão de Napoleão

Bonaparte, os cenários político e econômico tornaram-se mais estáveis.

Esse é o assunto desse módulo.

I. Consulado Napoleônico (1799-1804)

A instabilidade do Diretório, que aparentemente poderia ruir a

qualquer momento por conta de uma intervenção aristocrática ou

popular, favoreceu a ascensão do general Napoleão Bonaparte. Nascido

na ilha mediterrânea de Córsega, localizada a oeste da península itálica,

um ano após a ilha ser transferida para a França, era descendente da

pequena nobreza italiana. Seu pai, Carlo Maria Bonaparte, era

representante da Córsega na corte do rei Luís XVI. As conexões de sua

família permitiram que Napoleão tivesse boas oportunidades de

educação e que ingressasse na Escola Militar de Paris em 1784. Aos 16

anos, tornou-se tenente antes do início da Revolução Francesa.

No contexto da França revolucionária, ganhou notoriedade ao

defender a Franças das ofensivas austríacas e aproximou-se de

Robespierre após publicar em 1792 um panfleto pró-modelo político

republicano. Durante o período do Diretório, foi mantido sobre prisão

domiciliar durante duas semanas devido à sua aproximação com os

jacobinos, mas foi solto para que voltasse a atuar na guerra contra os

austríacos e os britânicos – que haviam ocupado a região da Córsega.

Em 1799, a França permanecia marcada pelo conflito ideológico

entre jacobinos e girondinos. O quadro político e o cenário econômico

permaneciam caóticos. Por outro lado, o histórico de Napoleão contribuiu

para que fosse visto como uma possibilidade de estabilidade política e

econômica. Assim, sob o comando de Napoleão Bonaparte, em conjunto

com membros dos próprios girondinos, o Diretório deu lugar ao

Consulado, momento conhecido como Golpe de 18 de Brumário.

O novo regime, de características republicanas, era formado por

três cônsules - Roger Ducos, Emmanuel Sieyès e Napoleão Bonaparte,

quem tinha mais influência e poder no executivo, pois foi nomeado

primeiro-cônsul. Nesse período, foi iniciado o projeto de desenvolvimento

nacional, através da estabilidade política, adquirida pela neutralização

dos inimigos da revolução. Neste sentido, Napoleão concedeu anistia

aos jacobinos, normalizou as relações com a Igreja Católica, por meio da

assinatura da Concordata com o Clero e celebrou a paz com as

coligações européias. Além disso, criou a Sociedade de Fomento

Industrial, promoveu obras públicas, criou a moeda nacional (o Franco),

ergueu barreiras protecionistas, fundou o Banco da França, com o

dinheiro proveniente da venda da Luisiana, organizou os Liceus, coibiu a

organização sindical e criou o Código Civil Napoleônico.

Em 1804, Napoleão convocou um plebiscito para consultar a

população a respeito da implantação de um império. Com maioria de

votos favoráveis, tornou-se Imperador da França no dia 2 de dezembro

de 1804. A cerimônia para sua coroação foi realizada pelo papa Pio VII

na catedral de Notre-Dame. No entanto, Napoleão não permitiu que o

papa o coroa-se, tirando a coroa de suas mãos e se autocoroando. Em

seguida, coroou sua esposa, a imperatriz Josefina.

II. Império Napoleônico (1804-1815)

Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os

altos cargos públicos foram ocupados por membros da elite militar, da

alta burguesia e da antiga nobreza. Como forma de celebrar os triunfos

de seu governo, Napoleão I – como ficou conhecido após a coroação -

construiu monumentos grandiosos, como o Arco do Triunfo. Pelo

Catecismo Napoleônico, os franceses passaram a aprender os seus

deveres para com Deus e para com o Imperador.

Almejando expandir a sua influência por todo o continente europeu,

a fase do Império caracterizou-se pela expansão através da força militar.

Com este intuito, em 1805, Napoleão Bonaparte tentou invadir a

Inglaterra pelo Canal da Mancha com a ajuda da marinha espanhola,

conhecida como “A invencível armada”, mas foi derrotado na Batalha de

A tela de Jacques-Louis David, de 1800, mostra o primeiro-cônsul Napoleão cruzando os Alpes.

Detalhe do quadro "A coroação de Josefina", de Jacques-Louis David.

Page 2: HISTÓRIA A-10 - cursodac.com.br · Império Napoleônico (1804-1815) Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os altos cargos públicos foram ocupados por

Trafalgar. No mesmo ano, porém, venceu as forças do Império Austríaco

e expandiu-se, nos anos seguintes, para a Prússia, a Holanda, a Bélgica,

a Suíça, as penínculas Itálicas e Ibéricas, nomeando seus parentes

como governadores das novas regiões conquistadas.

Em 1806, decretou o Bloqueio Continental, proibindo todos os

países europeus de comercializarem com a Inglaterra sob pena de

serem invadidos caso desrespeitassem o decreto. Até mesmo a Rússia

do czar Alexandre I aderiu ao bloqueio. Portugal, no entanto, em 1807,

reafirmou sua aliança com os ingleses, o que desencadeou a ocupação

do território português e a consequente transferência da Corte

portuguesa para o Brasil. A Espanha fora invadida nesse contexto. Para

evitar invadir Portugal pela via marítima, o que poderia levar a um

embate com os ingleses, Napoleão assinou com Carlos IV, o rei

espanhol, o Tratado de Fontainebleau, por meio do qual os franceses

obtiveram autorização para passar pela Espanha para chegar a Portugal.

Em troca, após a ocupação, Portugal seria dividido entre franceses e

espanhóis. Todavia, Napoleão aproveitou o momento para destituir

Carlos IV do trono espanhol, passar a coroa para o seu irmão José

Bonaparte e ocupar Lisboa.

A campanha contra a Rússia, diferentemente das outras batalhas,

foi desastrosa. Após o rompimento com o Bloqueio Continental pelo Czar

Alexander I, em 1812, Napoleão iniciou o avanço sobre a Rússia. Graças

à estratégia da “terra arrasada”, o exército napoleônico conseguiu invadir

o país praticamente sem resistência. Entretanto, sem ter onde se

abastecer já que os campos estavam queimados, os soldados franceses

morriam de fome, doentes e muitos desertavam. Gradativamente, com o

avançar dos meses, o rigor do clima, somado à falta de suprimentos e à

resistência russa, derrotou o exército francês. Dos quase 600 mil

homens que iniciaram a campanha, aproximadamente 100 mil

regressaram à França.

Em 1813, os austríacos e prussianos retomaram a guerra contra

Napoleão. Os franceses foram expulsos da Holanda, da Bélgica, da

Suíça, da Espanha e, em 1814, Paris foi invadida, o que forçou Napoleão

a abdicar. Exilado na Ilha de Elba, localizada a 20km do litoral italiano, a

monarquia francesa foi restaurada e entregue novamente à família

Bourbon – o rei Luís XVIII era irmão do rei guilhotinado.

Contudo, no ano seguinte, em 1815, Napoleão conseguiu fugir da

ilha de Elba e retornou para a França. Com o apoio do exército,

reassumiu o poder, dando início ao período conhecido como “governo

dos cem dias”, pois ainda em junho do mesmo ano, Bonaparte foi

derrotado na batalha de Waterloo, na Bélgica, pelo Duque de Wellington

e foi desterrado para a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde

morreu em 1821.

III. Congresso de Viena (1814-1815)

Após a primeira derrota napoleônica, em 1814, um Congresso

Continental foi convocado na capital do Império Austríaco, Viena, com o

objetivo de refazer a política européia. As principais decisões foram

tomadas pela França, Áustria, Prússia, Rússia e Inglaterra, embora os

ingleses não tenham participado de todos os detalhes acordados. O

principal intuito era a reconstrução da ordem absolutista na França, da

sociedade aristocrática de privilégios e das fronteiras do continente

europeu.

Assim, os princípios fundamentais formulados no Congresso de

Viena foram o da legitimidade e o do equilíbrio europeu. O primeiro

estabelecia que as monarquias destituídas nos conturbados anos finais

do século XIX até aquele momento deveriam ser restauradas. O

equilíbrio europeu estava associado ao fundamento de que as fronteiras

da Europa deveriam retornar aos limites pré-revolucionários. Ambos os

princípios foram acompanhados de outras concepções, como o princípio

das compensações aos vencedores, o que garantiu à Inglaterra pontos

estratégios para a atividade comercial, como a ilha de Malta, no

Mediterrâneo, a colônia do Cabo, na África e o Ceilão, no Índico. Dentro

da mesma ótica, houve a formação da Confederação Germânica, com 38

estados – o que mais tarde deu origem a Alemanha. A França,

representada pelo ministro Talleyrand, conseguiu manter sua

independência politica e integridade territorial.

O Congresso de Viena inaugurou ainda a Santa Aliança, espécie de

acordo firmado entre um Império cristão ortodoxo, um reino luterano e

um Império Católico – Rússia, Prússia e Áustria – com o objetivo de

intervir nos países e/ou nas colônias que fossem ameaçados por

movimentos nacionalistas e/ou liberais. Entretanto, a força dos ideais

liberais não perdeu o seu fôlego. A partir da década de 1820,

movimentos de caráter liberal varreram o continente europeu. Nas

Américas, por outro lado, o século XIX foi marcado pela onda das

independências. O liberalismo estava, portanto, em marcha.

IV. O liberalismo em marcha

O século XIX assistiu ao fortalecimento do liberalismo politico. Como

vimos em módulos anteriores, ainda nos séculos XVII e XVIII, os

pensadores iluministas defenderam que todos os homens nasciam com

alguns direitos, como a liberdade, a igualdade e a propriedade.

Afirmavam que a autoridade política somente poderia existir se tivesse o

consentimento dos cidadãos e que o poder dos reis deveria ser limitado

Page 3: HISTÓRIA A-10 - cursodac.com.br · Império Napoleônico (1804-1815) Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os altos cargos públicos foram ocupados por

através da separação dos poderes e da promulgação de uma

Constituição.

Mesmo após o Congresso de Viena, as revoluções que eclodiram

no século XIX tiveram como binômio principal o liberalismo e o

nacionalismo. O primeiro ameaçava o absolutismo por propor medidas

como a organização constitucional, a separação dos poderes, a

representação por voto e a igualdade civil. O nacionalismo, por outro

lado, ameaçava a hegemonia de monarquias como a austríaca e a

russa, pois estes países controlavam territórios de outras nacionalidades.

As ondas revolucionárias do século XIX marcaram as décadas de

1820 e de 1830, bem como o ano de 1848.

Em 1820, em Portugal, a Revolução do Porto exigiu o retorno de D.

João VI a Portugal, bem como a promulgação de uma Constituição, o

que obrigaria o rei a governar sob um regime de monarquia

constitucional. Na mesma década, em 1823, a agitação política obrigou o

rei Fernando VII a restaurar a Constituição liberal preconizada por

Napoleão em 1812. Com o auxílio da Santa Aliança, a Revolução de

Cádiz foi controlada. Em compensação, o movimento de libertação nas

colônias espanholas, localizadas na América Latina, obteve êxito no ano

de 1825. Na península itálica, os carbonários defendiam a Unificação

através da organização das classes trabalhadoras em torno dos ideais

liberais.

Ainda na década de 1820, contrariando os princípios da Santa

Aliança, a Rússia apoiou a independência da Grécia, em prejuízo do

Império Turco-Otomano. Os russos ambicionavam obter uma saída para

o mar Mediterrâneo e calculavam que o enfraquecimento dos turcos

poderia favorecê-los na obtenção dos estreitos de Bósforo e de

Dardanelos. (Observe nos mapas abaixo a localização dessas regiões.)

O apoio russo ao processo de independência grego provocou o colapso

do sistema da Santa Aliança. A guerra de independência, iniciada em

1821, acabou apenas em 1829.

A segunda onda revolucionária varreu a Europa na década de 1830.

Na França, Carlos X, sucessor do absolutismo de Luis XVIII, foi

derrubado por um movimento liberal. Carlos X havia rompido com a

liberdade de imprensa e dissolvido a Câmara, o que estimulou a

mobilização da classe trabalhadora e da pequena burguesia em prol do

modelo republicano. O rei sentiu-se forçado a abdicar, embora a

monarquia tenha sido preservada. Com receio do radicalismo popular, a

alta burguesia apoiou a ascensão de Luís Felipe de Orleans ao trono,

alcunhado de “o rei burguês” graças aos investimentos realizados na

industrialização. Tal movimento é retratado por Victor Hugo, na obra Os

Miseráveis.

Na mesma década, a Bélgica conquistou sua independência da

Holanda. Na Polônia, o czar Nicolau I sufocou um levante nacionalista.

Na Peninsula Itálica, houve a tentativa de estabelecer uma unificação

liberal em detrimento da Igreja e dos reis locais, mas o movimento, mais

uma vez, foi sufocado pela intervenção austríaca. Em Hambach, na

Alemanha, os nacionalistas preconizaram os “Estados Unidos da

Alemanha”, intento também fracassado. Na Grã-Bretanha, a Irlanda

garantiu a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da agitação

reformista.

A terceira e a maior das ondas revolucionárias foi a de 1848.

Na França, o descontentamento popular contra o rei Luís Filipe e

seu ministro Guizot avolumou-se diante das condições precárias dos

trabalhadores, das más colheitas e do aumento dos preços. As

reivindicações populares giravam em torno de reformas parlamentares e

da introdução do voto universal masculino. Em 23 de fevereiro de 1848,

um protesto popular foi duramente reprimido, resultando na morte de 500

pessoas. A repressão, no entanto, fomentou as manifestações. Membros

da Guarda Nacional recusaram-se a prender ou atacar os manifestantes.

Luís Felipe abdicou e fugiu. No dia seguinte, a Segunda República

francesa (1848-1852) foi proclamada. O trono real foi queimado em

praça pública.

Um dos candidatos à presidência foi Luís Bonaparte, sobrinho de

Napoleão Bonaparte. Seu sobrenome garantiu a sua vitória na eleição de

10 de dezembro de 1848. Em 1851, porém, a monarquia foi restaurada

após Luís Bonaparte dissolver a Assembléia Constituinte e se

autoproclamar chefe supremo do Poder Executivo, com o título de

Napoleão III, o que foi aprovado em plebiscito. Seu prestígio foi abalado

no processo das Unificações Italiana e Alemã. O apoio à Unificação da

Itália colocou a França em conflito com a Áustria. Por outro lado, a luta

pela Unificação Alemã, opôs o reino da Prússia e a França. A derrota

Page 4: HISTÓRIA A-10 - cursodac.com.br · Império Napoleônico (1804-1815) Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os altos cargos públicos foram ocupados por

dos franceses levou a anexação por parte da Alemanha da região da

Alsácia-Lorena.

O ano de 1848 é conhecido como “A Primavera dos Povos”, pois

além do movimento liberal na França, o nacionalismo despontou como

fator aglutinador do movimento de unificação da Itália e da Alemanha. A

consolidação do ideal liberal afastou a Igreja católica dos governos e

abriu caminho para o voto universal masculino. Por fim, a publicação do

Manifesto comunista de Karl Marx e Friedrich Engels afirmou o

operariado como grupo social a ser considerado na participação política.

Traçando um paralelo:

A primavera árabe e as lembranças de 1848. (2011)

Texto de Chiara Araujo Gomes, doutora Ciência Política pelo IESP-

UERJ.

As revoltas populares em países do Norte da África e do Oriente

Médio vêm sendo chamadas por muitos de “primavera árabe”. A onda de

protestos e enfrentamentos iniciada na Tunísia no mês de janeiro já teve

reflexos em pelo menos mais 13 países da região. Dois presidentes que

ocupavam os cargos há décadas foram derrubados, um país está sendo

bombardeado por uma coalizão internacional liderada pela OTAN,

milhares de pessoas foram mortas, presas ou deslocadas e os conflitos

ainda parecem longe do fim.

A idéia da primavera é uma metáfora expressiva para descrever

estes acontecimentos, se tomarmos como referência as zonas

temperadas do globo, em que as quatro estações do ano são bem

definidas. A primavera traduz-se no despertar da natureza após os

rigores do inverno. É a vida que volta a brotar da terra adormecida. A

primavera árabe, despertar de povos submetidos a governos de caráter

autoritário, não é de modo algum um movimento com sentido único, deve

ser reconhecida a pluralidade de questões que estão colocadas nos

diferentes focos de insatisfação. O que há em comum nas diversas

manifestações? Homens e mulheres que exigem “reformas políticas” e,

sobretudo, melhores condições de vida.

O título primavera remete também a outro importante momento da

história do Ocidente: a Primavera dos Povos, em 1848. Em alguma

medida é possível estabelecer analogias entre a Primavera de 1848 e as

convulsões no mundo árabe. Em primeiro lugar, deve-se recordar que os

anos 1846-1847 foram marcados pela baixa produção agrícola e por

uma crise industrial que geraram escassez de alimentos e desemprego.

Além disso, as populações dos países em que ocorreram levantes

estavam submetidas a regimes autoritários e, em alguns casos, sujeitos

à dominação estrangeira. Por fim, outro aspecto característico de 1848

foi a difusão do espírito de contestação por várias nações, o “efeito

dominó” que transformou insurreições inicialmente localizadas em um

acontecimento de grandes proporções.

De modo análogo, a região atualmente em conflito sofre com os

impactos de uma prolongada crise econômica mundial, com governos

autoritários, comandados por líderes que procuram prolongar a sua

permanência no poder indefinidamente, apesar da insatisfação popular e

das frequentes acusações de corrupção. Diante deste cenário, seria

possível afirmar como Tocqueville – em suas lembranças sobre 1848 –

“Nós dormimos sobre um vulcão…”. De fato, um vulcão adormecido

parece ter entrado em erupção e, como em 1848, o efeito de “contágio”

foi quase imediato.

Na primavera do século XIX revoltas de caráter liberal, nacionalista

e, em alguns casos, democrático se espalharam por parte do continente

europeu. Franceses, húngaros, tchecos, austríacos, alemães e italianos

se insurgiram contra seus governos nacionais protagonizando o que na

leitura do historiador inglês Eric Hobsbawm foi o mais próximo que se

chegou, até então, de uma revolução mundial.

Na França, por exemplo, em fevereiro de 1848, os trabalhadores

parisienses derrubaram a Monarquia de Julho e instauraram a Segunda

República. Entretanto, em pouco tempo os moderados assumiram o

poder e reprimiram as manifestações de caráter mais popular. Em março

do mesmo ano a população alemã saia às ruas de Berlim para exigir a

convocação de uma Assembleia Nacional eleita por sufrágio universal.

Na Áustria, ainda em março, manifestações populares, insufladas

por políticos de orientação liberal, contribuíram para derrubar o chanceler

Metternich, no poder há 30 anos. Em Praga, os nacionalistas

conseguiram reunir o Congresso Pan-Eslavo, que representava o

esforço de afirmar uma identidade eslava frente aos germânicos, mas o

congresso foi reprimido e dissolvido à força.

A história da Primavera dos Povos narra mais derrotas do que

conquistas. Em alguns casos, os avanços obtidos foram incorporados à

dinâmica política local, mas na maior parte da Europa a situação anterior

foi restaurada. Se os resultados concretos das insurreições ficaram

aquém do espírito revolucionário que as presidia, o seu valor simbólico

permanece ainda hoje. Aquela primavera serviu de inspiração para

muitos movimentos contestatórios que aconteceriam depois.

Não é possível precisar ainda quais serão os efeitos reais da

primavera árabe, mas alguns analistas já apontam para a possibilidade

de que sejam realizadas reformas, sem a mudança efetiva dos grupos

que dominam o poder, como ocorreu até agora na Tunísia e no Egito.

Apesar do desejo de ver os revoltosos triunfarem, não se pode ignorar

que a situação é complexa, pois aparentemente na maioria dos países

não há uma oposição articulada capaz de substituir prontamente os

autocratas e responder de forma imediata aos anseios da população.

A postura das lideranças dos países mais ricos do mundo em

relação a toda esta situação é ambígua, pois a retórica democrática não

combina com a tentativa de disciplinar o rumo dos levantes, motivada

pelo temor de que os atuais governantes sejam substituídos por grupos

radicais islâmicos. Ironicamente, governos que se intitulam defensores

da democracia, por um longo tempo apoiaram e legitimaram os regimes

autoritários. O conservadorismo travestido no discurso humanitário

Page 5: HISTÓRIA A-10 - cursodac.com.br · Império Napoleônico (1804-1815) Os familiares de Bonaparte receberam títulos nobiliárquicos e os altos cargos públicos foram ocupados por

provavelmente atuará para garantir que o equilíbrio de forças na região

permaneça inalterado.

Ainda que esta primavera não consiga extinguir definitivamente o inverno

que até bem pouco tempo parecia eterno nestes países, ela demonstra,

ao contrário de uma visão muito difundida por alguns ideólogos do

Ocidente, que estes povos não estão condenados ao despotismo e nem

são intrinsecamente refratários aos valores liberais. Na pior das

hipóteses, a imagem da primavera ajuda a recordar que os invernos não

duram para sempre.