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Guia de Leitura100 autores que você precisa ler

Organização e edição de Léa Masina

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JORGE LUIS BORGES

óBuenos Aires, Argentina, 1899V Genebra, Suíça, 1986

Jorge Luis Borges dedicou-se à literatura, escrevendo e lendo em inglês e espanhol. Em 1914, foi residir com a família na Suíça, onde permaneceu até 1919, bacharelando-se em Ge-nebra. Mais tarde, mudou-se para a Espanha, freqüentando as rodas literárias ligadas ao Ultraísmo. Em 1921, já em Buenos Aires, conviveu com a intelectualidade argentina, dentre os quais pontificavam Adolfo Bioy Casares, Ricardo Güiraldes e as irmãs Ocampo. Integrou o movimento modernista argenti-no e fundou as revistas Proa e Prisma. Colaborou em periódi-cos e produziu uma vasta obra, apesar de sua cegueira progres-siva. Sua erudição, a intimidade com os clássicos adquirida na infância e os anos em que viveu na Europa refletiram-se em sua obra, acentuando a tendência ao cosmopolitismo. Borges também foi fiel aos motivos da tradição platina, tendo sido por ele renovada. Sua obra veio a ser consagrada na América Latina depois de prestigiada na França.

OBRAS PRINCIPAIS: Ficções, 1944; O Aleph, 1949; Antologia pes-soal, 1961; O informe de Brodie, 1970; O livro de areia, 1975

JORGE LUIS BORGES

por Denise Vallerius de Oliveira

Provavelmente, mesmo aqueles que nunca tenham lido o escritor argentino Jorge Luis Borges já tiveram acesso a algum fragmento crítico a seu respeito ou, então, ouviram algum co-mentário acerca do autor e de sua obra. E, certamente, den-tre esses comentários, sobressaem-se os adjetivos de literatura fantástica e erudita, construída sobre temas metafísicos, como o tempo e a individualidade, simbolizados em especial por la-birintos, sonhos e espelhos. Indubitavelmente, essa é a ima-gem que consagrou Borges junto à critica literária ocidental,

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graças às traduções francesas, realizadas na década de 1940, dos contos “La lotería en babilonia” e “La Biblioteca de Babel”, as quais foram precedidas de uma apresentação do tradutor em que definia o escritor exclusivamente como cosmopolita e universal. Cabe, pois, alertarmos ao leitor que enseja dar seus primeiros passos no universo borgeano para o fato de que, se por um lado a crítica acerta ao identificá-lo com essas caracte-rísticas, por outro peca ao limitar o horizonte de expectativas do público leitor, quando, na verdade, o aclamado universa-lismo e cosmopolitismo de Jorge Luis Borges só é alcançado devido, primeiramente, a um grande comprometimento com questões locais, com a tradição e com a cultura de seu país.

Borges surge no cenário literário argentino como poeta vanguardista, sendo um dos fundadores do movimento Ultraísta, que tinha como um de seus objetivos minar as bases do modernis-mo hispano-americano. Embora abandone o movimento pouco tempo depois, esse constitui um marco para o desenvolvimento de toda a sua produção vindoura – eis que já é possível perceber a tentativa de conciliar renovação estética e tradição através de uma releitura da gauchesca e do crioulismo e, por conseguinte, a consciência de que a originalidade não está no novo (adjetivo completamente desacreditado por Borges), mas em estabelecer um diálogo inusitado com o que já existe. Destarte, Borges procu-rará universalizar temas e personagens locais e marginais (como gauchos y compadritos dos arrabais portenhos) e, por outro lado, argentinizar temas e personagens consagrados pela literatura uni-versal, a fim de burlar tanto os discursos nacionalistas quanto os discursos eurocêntricos. Aos primeiros, demonstrava como era possível e legítimo apropriar-se da tradição universal sem deixar de ser argentino; aos últimos, como era possível constituir um sistema literário nacional sem o sentimento de dívida para com a literatura européia. Ao jogar com diferentes textos e contextos, fazia com que os empréstimos temáticos e estilísticos, por muito tempo considerados sinônimos dessa dívida, passassem a denotar não mais imitação, e sim uma nova abordagem original. Essa sua consciência de ser a literatura um infinito palimpsesto fez com que antecipasse, em seus ensaios e em seus contos, a discussão de muitos conceitos, hoje caros à Teoria Literária, tais como autoria, originalidade e intertextualidade, além de estabelecer um jogo com os limites dos diferentes gêneros literários.


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