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7/23/2019 Goldenberg Capitulo 1
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CW.RntsU.
Cai ogao-aa-(on ie
Sindicato Nacional dos dro ie i de Livros. R i .
Golderiberg, Minan
0566.
arte de pesquisar: conto fazer pesquisa
8
1
ed,
ualitativa em Cericias Sociais Mrtan
Goldeabcrg. - 8 e - Rio de Janeiro: Rccord, 2004.
Inclui gIoitiO
CiCncias socis - Metodologia. 2. Pesqusu
MetuduIuia. 3. Pesquss social. 1. Titulo. II.
hiato: Como a~saquabrativa
m CCn c las
Sociais.
CI)D - 300.18
97.0797
DU - 301:001.8
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aixa Postal 23.052
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naeo
A U.LaJ)A
Dedico este livro a todos os meus alunos e
alunas que tm me ensinado a ser uma
pessoa cada vez melhor
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A Me de Pesquisar / 17
Ao se pensar nas origens da pesquisa qualitativa em
cincias sociais, corre-se o risco de se perder num
-
imnho longo demais, que procurando as origens das
origens no chega jamais ao fim. Poderia chegar a
-
rdoto, que, descrevendo a guerra entre a Prsia e a
Grcia, se dedicou a esboar os costumes, as vesti-
mentas, as armas, os barcos, os tabus alimentares e as
cerimnias religiosas dos persas e povos circunvi-
zinhos.
No pretendo fazer um caminho to longo mas, para
situar a questo da utilizao de tcnicas e mtodos
qualitativos de pesquisa nas cincias sociais dentro de
uma discusso filosfica mais ampla, acredito ser im-
portante elucidar o debate entre a
sociologi positivist
e a
sociologia compreensiva
Os pesquisadores que adotam a abordagem quali-
tativa em pesquisa se opem ao pressuposto que defen-
de um modelo nico de pesquisa para todas as cin-
-cias, baseado no modelo de estudo das cincias da na-
tureza. Estes pesquisadores se recusam a legitimar seus
conhecimentos por processos quantificveis que ve-
nham a se transformar em leis e explicaes gerais.
Afirmam que as cincias sociais tm sua especificidade,
que pressupe uma metodologia prpria.
Os pesquisadores qualit.ativistas recusam o mode-
lo positivista aplicado ao estudo da vida social. O fun-
dador do positivismo, Augusto Comte (1798-1857), de-
fendia a unidade de todas as cincias e a aplicao da
abordagem cientfica na realidade social humana. Com
base em critrios de abstrao, complexidade e rele-
vncia prtica, Comte estabeleceu uma hierarquia das
cincias, em que a matemtica ocupava o primeiro lu-
gar, e a sociologia ou fsica social , o ltimo, precedi-
da, em ordem decrescente, da astronomia, fsica, qu-
mica e biologia. Para Comte, cada cincia dependia do
desenvolvimento da que a precedeu. Portanto, a socio-
logia no poderia existir sem a biologia, que no pode-
ria existir sem a qumica, e assim por diante.
Nesta perspectiva, na qual o objeto das cincias
sociais deve ser estudado tal qual o das cincias fsi-
cas, a pesquisa uma atividade neutra e objetiva, que
busca descobrir regularidades ou leis, em que o pes-
quisador no pode fazer julgamentos nem permitir que
seus preconceitos e crenas contaminem a pesquisa.
Emile Durkheim (1858-1917), preocupado, como
Comte, com a ordem na sociedade e com a primazia da
sociedade sobre o indivduo, tambm se posicionou a
favor da unidade das cincias. Tomando os fatos so-
ciais como coisas , Durkheim defendia que o social
_ real e externo ao indivduo, ou seja, o fenmeno social,
- como o fenmeno fsico, independente da conscincia
humana e verificvel atravs da experincia dos senti-
dos e da observao.
Durkheim acreditava que os fatos sociais s pode-
PESQUIS QU LIT TIV EM
CINCI S
Soci is
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18 / Mirian Goldenberg
Arte de Pesqu isar / 19
riam ser explicados por ou tros fatos sociais, e no por
fatos
psicolgicos ou biolgicos, como pretendiam al-
guns pensadores de seu tempo. Defendendo a viso da
cincia social como neutra e objetiva, na qual sujeito e
objeto do conhecimento esto radicalmente separados,
Durkheim teve uma influncia decisiva para que as
cincias sociais tenham adotado o m todo cientfico
das cincias naturais.
Na segunda metade do sculo passado, alguns pen-
sadores, influenciados pelo idealismo de Kant, reagi-
ram criticamente ao modelo positivista de conhecimen-
to aplicado s cincias sociais, acreditando que o estu-
do da realidade social atravs de mtodos de outras
cincias poderia destruir a prpria essncia desta rea-
lidade, j que esquecia a dimenso de liberdade e indi-
vidualidade do ser humano.
A soc io log ia compreens iva
que tem suas razes no
historicismo alemo, distinguind o natureza de cul-
tura , considera necessrio, para estudar os fenme-
nos sociais, um procedimento metodolgico diferente
daquele u tilizado nas cincias fsicas e ma temticas.
O filsofo alemo Wilhelm Dlthey (1833-1911) foi um
dos primeiros a criticar o uso da metodologia das cin-
cias naturais pelas cincias sociais, em funo da dife-
rena fundamental entre os objetos de estudos das mes-
mas. Nas primeiras, os cientistas Lidam com objetos
externos passveis de serem conhecidos de forma obje-
tiva, enquanto nas cincias sociais lidam com em oes,
valores, subjetividades. Esta diferena se traduz em
diferenas nos objetivos e no s mtodos de pesquisa. Para
r ilthey, os fatos sociais no so suscetveis de
quantificao, j que cada um deles tem um sentido
prprio, diferente dos d e m a i s e
isso torna n ecessrio
que cada caso concreto seja compreendido em sua sin-
cupar com a com preenso de casos particulares e no
com a formulao de leis generalizantes, como fazem
as cincias naturais.
Por meio de dois conceitos, Dilthey diferenciou o
mtodo das cincias naturais -
er h l a r en -
que busca
generalizaes e a descoberta de regularidades, do das
cincias
socia is - uers tehen
-, que visa compreen-
so interpretativa das experincias dos indivduos den-
t r o d o
contexto
m
que foram vivenciadas.
O ma ior representante da chamada
sociologia com-
preens iva
Max Weber (1864-1920), que se apropriou
da idia de
verstehen
proposta por Dilthey. Para Weber,
o principal interesse da cincia social o comporta-
mento significativo dos indivduos engajados na ao
social, ou seja, o comportamento ao qual os indivduos
agregam significado considerando o comportamento de
outros indivduos. Os cientistas sociais, que pesquisam
os significados das aes sociais de o utros indivduos
e deles prprios, so sujeito e objeto de suas pesquisas.
Nesta perspectiva, que se ope viso positivista de
objetividade e de separao radical entre sujeito e obje-
te da pesquisa, natural que cientistas sociais se inte-
ressem por pesqu isar aquilo que valorizam. Estes ci-
entistas buscam compreender os valores, crenas, mo-
t ivaes e sentimentos humanos, compreenso que s
pode ocorrer se a ao colocada dentro de um contex-
to de significado.
Esta discusso filosfica mais geral, que diferen-
cia as cincias sociais das demais cincias, contex-
tualiza o surgimento e o desenvolvimento das tcnicas
e m todos qualitativos de pesquisa social.
Frdric Le Play, contemporneo de Com te, foi um
dos primeiros a estudar a realidade social dentro de
uma perspectiva cientf ica que considerava a observa-
guiaridade. Portanto, as cincias sociais devem se preo-
o direta, controlvel e objetiva da sociedade como o
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Mirian Goldenberg
mtodo mais adequado pesquisa social. Em
La Rfor-
me Sociale en France 1864),
Le Play expe o
mtodo
das m onografias,
que se caracteriza por ser uma tcni-
ca, ordenada e m etdica, de observao direta da soci-
edade. Trouxe de sua exp erincia de mineralogista, na
qual estava habituado a colher am ostras de jazidas para
serem anal i sadas , a preocupao de observar di reta-
men te e anal i sar s i s temat icamente as faml ias oper-
r ias localizadas nos di ferentes pases da Europa o nde
pesquisou. De seus regis tros minuciosos e orden ados
resultou um conjunto de m onograf ias reunidas em
Les
ouuriers europens 1855).
No final do sculo XIX e inc io do sculo XX, os
estudos dos antroplogos nas sociedades pr imi t ivas
foram determinantes para o desenvo lvimento d as tc-
nicas de pesquisa que perm i tem recolher di retamente
observaes e informaes sob re a cul tura nat iva. As
soc iedades es tudadas di retamen te por esses ant rop-
logos so so ciedades sem escri ta, longnquas, isoladas,
de pequenas dimenses , com reduzida espec ializao
das atividades sociais, sendo classificadas como sim-
ples ou pr imi t ivas em contras te com a organizao
com plexa das sociedades dos pesquisadores.
O primeiro antroplogo a conviver com os nativos
foi o americano Lewis Henry M organ, um dos m ais
express ivos representantes do pensamento evoluc io-
nista. Jurista de formao, em 1851 pu blicou
The Lea-
gue of Ho-d-no-sau-nee,
or Iroquoi.s,
cons iderado o
- primeiro tratado cientfico de etnografia. Mas foram
os t raba lhos de cam po de Franz Boas , entre 1883 e
1902, e , par t icularmente , a exped io de Bronis law
M a l inow a ki s i lha s T rob r ia nd , que con sa g ra ram a
:1dia de que os antroplogos deveriam passar um lon-
go perodo de tempo na sociedade que esto estudando
para enco ntrar e interpretar seus prpr ios dado s , em
A Arte de P esquisar /21
vez de depender dos relatos dos viajantes, como faziam
os antroplogos de gabinete .
Nos primeiros tr inta anos do sculo XX, o
trabalho
de
campo
passou a or ientar as pesquisas ant ropolgi-
cas. Boas, um gegrafo d e formao, cr t ico radical dos
antroplogos evolucionis tas , ens inou que no cam po
tudo
dever i a s e r ano tado m et ic u l os amente e q u e u m
cos tume s tem s ignif icado se es t iver re lac ionado ao
seu contexto part icular . Ensino u tamb m o re la t i ..
vsmo cultural : o pesquisad or deveria estudar as cul-
turas com um mnimo d e preconcei tos etnocntricos .
Para Boas , o que const i tui o gnio prprio de um
povo repo usa sobre as experincias individuais e, por-
tanto, o objetivo do pesquisador compreender a vida
do indivduo dentro da prpria sociedade em que vive.
Boas foi o grande mes tre da antropologia amer icana
na pr imeira metade do sculo XX. Formou toda um a
gerao de antroplogos , como Ralph Linton, Ruth
Benedict e M argare t Mead, considerados representan-
tes da antropologia cultural americana,
que u t i l izam
mtodos e tcnicas de pesquisa qual i ta t iva somados a
modelos con cei tuais prximos d a ps icologia e da
ps
canlise '.
A primeira experincia de campo de M alinowski foi
em 1914, entre os mai lu na M elans ia . Impedido d e
voltar Inglaterra, no incio da Primeira Guerra Mun.
dial , ele com eou sua pesq uisa nas i lhas Trobriand, de
1915 a 1916, retornando em 1917 para uma es tada de
mais um ano . Es ta longa convivnc ia com os nat ivos
teve uma influnc ia dec is iva na inovao do m todo
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A expresso culturalismo ou 'teoria culturalista da personalidade foi
empregada pela primeira vez nos anos 50 para se referir s pesquisas
americanas sobre as re1ae8 entre cultura e personalidade.
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22/ Mirian Goldenberg
de pesquisa antropolgica.
Argonauts of the Western
Pacific, publicado em 1922, um verdadeiro tratado
sobre o trabalho de campo. A convivncia ntima com
os nativos passou a ser considerada o melhor instru-
mento de que o antroplogo dispe para compreender
de dentro o significado das lgicas particulares ca-
ractersticas de cada cultura. Malinowski d emonstrou
que o comportam ento nativo no irracional, mas se
explica por uma lgica prpria que precisa ser desco-
berta pelo pesquisador. Colocou em prtica a
obser-
v o
participante
criando um modelo do que deve
ser o trabalho de campo: o pesquisador, atravs de uma
estada de longa durao deve mergulhar profunda-
mente na cultura nativa, impregnando-se da mentali-
dade nativa. Deve v iver, falar, pensar e sentir como os
nativos.
Malinowski, considerado o pai do
funcionalismo
acreditava que cada cultura tem como funo a satis-
fao das necessidades bsicas dos indivduos que a
compem, criando instituies capazes de responder a
estas necessidades. A anlise funcional consiste em
analisar todo fato social do ponto de vista das relaes
de interdependncia que ele mantm, sincronicamente,
com outros fatos sociais no interior de uma totalida-
de. A conduta de observao etnogrfica, assim como a
apresentao dos resultados sob a forma monogrfica,
obedecem aos pressupostos do mtodo funcional.
Grande parte da reno vao das cincias sociais se
deve s influncias (diretas ou indiretas) dos mtodos
de pesquisa de M alinowski.
Argonauts ofthe Western
acific
provocou uma verdadeira ruptura m etodolgica
na antropologia priorizando a observao direta e a
r..experincia pessoal do pesquisador no campo.
i
alinowski sugeriu trs questes para o trabalho de
=EL campo: o que os nativos dizem sobre o que fazem? O que
A Arte de Pesquisar /23
realmente fazem? O que pensam a respeito do que fazem?
Por meio do contato ntimo com a vida nativa, exaustiva-
mente registrado no dirio de campo, M alinowski bus-
cou as respostas destas questes preocupando-se em com-
preender o ponto de vista nativo.
Para Malinowski, a antropologia era o estudo se-
gundo o qual compreendendo o primitivo poderamos
chegar a compreender melhor a ns mesmos. A rica ex-
perincia de campo de M alinowski, assim como suas
propostas metodolgicas, influenciaram decisivamente
a aplicao de tcnicas e mtodos de pesquisa qualitati-
va em cincias sociais.
Na dcada de 1970, surge nos EUA ., inspirada na idia
weberiana de que a ob servao dos fatos sociais deve le-
var compreenso (e no a um conjunto de leis), a
antro
pologia interpretativa.
Um dos principais representantes
da abordagem interpretativa Clifford Geertz, que pro-
pe um modelo de anlise cultural hermenutico: o an-
troplogo deve fazer urna descrio em profundidade
( descrio densa ) das culturas como textos vividos,
como teias de significados que devem ser interpreta-
dos. De acordo com Geertz, os textos antropolgicos
so interpretaes sobre as interpretaes nativas, j que
os nativos produzem interpretaes de sua prpria expe-
rincia. Tais textos so fices , no sentido de que so
construdos (no falsos ou inventados). Esta perspec-
tiva se traduz em um permanente questionamento do
antroplogo a respeito dos limites de sua capacidade de
conhecer o grupo que estuda e na necessidade de e xpor;
em seu texto, suas dvidas, perplexidades e os caminhos
que levaram a sua interpretao, percebida sempre como
parcial e provisria.
i
eertz inspirou a tendncia atual da chamada
antro-
pologia reflexiva ou ps
interpretativa
que prope uma
auto-reflexo a respeito do trabalho de campo nos seus
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24/ Mirian Goldenberg
aspectos morais e epistemolgicos. Esta antropologia
questiona a autoridade do texto antropolgico e prope
que o resultado da pesquisa no seja fruto da observao
pura e simples, mas de um dilogo e de urna negociao
de pontos de vista, do pesquisador e pesqu isados.
A ESCOLA DE CHICAGO E A
PESQUISA QUALITATIVA
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