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FOTOGRAFIA DE ARQUITETURA E CIDADE: PURA DEFORMAÇÃO.
César Bastos de Mattos Vieira Prof. Arq. Dr.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Arquitetura – Brasil
E-mail: [email protected]
Resumo
A fotografia, e em especial a fotografia de arquitetura e cidade, apresenta uma semelhança
incontestável com seu referente real... semelhante sim, mas não igual. Walter Benjamim, já
alertava que “a natureza que fala com a câmera é distinta da que fala ao olho. Em 1975, Cervin
Robinson, alertava para estas “discrepâncias entre a imagem e a realidade” e Suzan Sontag
corrobora, também, com esta hipótese ao afirmar que “a foto pode distorcer”. Este trabalho visa
evidenciar e problematizar o uso indiscriminado dos recursos do aparelho fotográfico no intuito,
consciente ou não, de construir uma imagem deformada da realidade. A utilização destas
estratégias de obtenção de imagens de prédios e parcelas da cidade como forma de agregar ou
atribuir valores subjetivos, tais como monumentalidade são pura deformação e tornaram-se uma
maneira de fazer fotografia, esperada e até desejada pelos leitores.
Palavras-chave
FOTOGRAFIA; ARQUITETURA E CIDADE; REPRESENTAÇÃO; PERCEPÇÃO
Introdução
A fotografia, e em especial a fotografia de arquitetura e cidade, apresentam uma
semelhança incontestável com seu referente real. Desde as primeiras fotografias a
arquitetura e a cidade se prestam como modelos apresentando um registro da realidade
com grande precisão... seriam, então, estas afirmações totalmente verdadeiras? Walter
Benjamim, já alertava que “a natureza que fala com a câmera é distinta da que fala ao
olho (2008, p. 26, tradução do pesquisador). Em 1975, Cervin Robinson1, também
alertava para estas “discrepâncias entre a imagem e a realidade” (1975. p. 10), no Journal
1 Fotógrafo, historiador e crítico, Cervin Robinson é reconhecido como um dos mais destacados estudiosos da
arquitetura americana. Robinson faz palestras e escreve regularmente para vários periódicos acadêmicos e de
arquitetura e tem lecionado fotografia de arquitetura na Universidade de Columbia. Disponível em
<http://designobserver.com/author/cervin-robinson/1417/> Acessada em 01/10/2011.
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of Architectural Education (JAE). Suzan Sontag corrobora com esta hipótese de que a
fotografia é imprecisa na maneira como registra a realidade visível ao afirmar que “a foto
pode distorcer” (2004, p. 16 grifo do pesquisador). Assim, posto desta maneira, o que se
pode afirmar é que a fotografia é semelhante sim, ao referente real, mas não igual.
O uso indiscriminado dos recursos do aparelho fotográfico e dos programas de
pós edição, no intuito de construir uma imagem espetacularizada da realidade visível, de
maneira consciente ou não, poderia estar criando, no leitor/espectador, uma imagem
deformada daquela cena. A utilização destas estratégias de obtenção de imagens de
prédios e parcelas da cidade, como forma de agregar ou atribuir valores subjetivos, tais
como a monumentalidade, poder, riqueza são pura deformação e tornaram-se um padrão
de fazer fotografia de arquitetura e cidade, esperada e até mesmo desejada por todos os
envolvidos no jogo fotográfico: fotógrafos, leitores/espectadores, editores e teóricos de
arquitetura e cidade. Sontag corrobora com estas afirmações e suposições ao afirmar:
A visão fotográfica, quando se examinam suas aspirações, revela-se sobretudo
a prática de um tipo de visão dissociativa, um hábito subjetivo reforçado pelas
discrepâncias objetivas entre o modo como a câmera e o olho humano
focalizam e julgam a perspectiva. Essas discrepâncias foram bastante notadas
pelo público nos primeiros tempos da fotografia. Assim que começaram a
pensar fotograficamente, as pessoas pararam de falar de distorção fotográfica,
como então se chamava. (Hoje, como observou William Ivins, Jr., as pessoas
de fato buscam tais distorções.) (2004, pg. 113-114)
Este trabalho visa evidenciar e problematizar este aspecto da fotografia de
arquitetura e cidade para que o leitor/espectador/pesquisador não caia na armadilha de
acreditar estar diante de uma representação fiel, objetiva e precisa de uma realidade visual.
A fotografia de arquitetura e cidade e as técnicas de representação em
arquitetura: uma relação antiga e harmônica
Conforme Benjamim (1994. p. 104) já destacava, a fotografia tem dois campos de
atuação bem distintos: artístico, onde concorre com alguns tipos de arte; e técnico, no
campo das representações. Desta sua dupla origem – arte e técnica – a fotografia sempre
oferece ao leitor/espectador um pouco de cada uma de suas facetas. Entretanto,
especificamente a fotografia de arquitetura e cidade, onde pode se considerar que haja uma
predominância do campo das representações, devido a sua intensão de servir como registro
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“o mais preciso possível” do “real”, a fotografia e o desenho tradicional tiveram uma
convivência mais pacífica. “Os registros de arquitetura, feitos tradicionalmente através da
representação em desenhos, passavam assim a contar com o novo recurso da fotografia,
quando se tratava de representar o existente” (CARVALHO e WOLFF, 1998 p. 137). Por
sua pretensão de substituir o desenho técnico com mais precisão e maior riqueza de
informações a fotografia tenta, de certa maneira, se aproximar e respeitar as regras e leis da
representação técnica do desenho. Desta forma, a fotografia de arquitetura e cidade, torna-
se, aparentemente, mais técnica e objetiva. Muitas destas diretrizes são utilizadas até os dias
atuais sem que haja, por parte dos envolvidos no ato fotográfico, nenhum questionamento
do porquê o fazem desta ou daquela maneira. Comprova-se pela observação empírica o que
Flusser já afirmava: “Os fotógrafos são inconscientes da sua práxis” (2002, pg. 75). Nos
quase 10 anos de pesquisa ainda não foi encontrada citação explícita e clara, por exemplo,
do porquê, na fotografia de arquitetura, se evita a convergência das linhas verticais2. Ao
serem questionados, fotógrafos de arquitetura, editores e pesquisadores/teóricos da área,
apenas afirmam que “é assim”: se faz desta maneira porque é uma “distorção indesejável”.
A justificativa mais provável, porém, conforme a hipótese defendida neste trabalho, é que
a fotografia de arquitetura continua seguindo os preceitos do desenho técnico de arquitetura
e que busca representar o existente baseado nas regras da geometria euclidiana. Da mesma
maneira, nas perspectivas cônicas, suas linhas verticais são mantidas paralelas seguindo os
preceitos da “perspectiva naturalis desenvolvida por Leo Batista Alberti” (MACHADO,
2015, pg 74).
Dizia-se, naquela época, que por ser um sistema de representação fundado nas
leis científicas (leia-se Euclidianas) de construção do espaço, a perspectiva
renascentista deveria nos dar a imagem mais justa e fiel da realidade visível.
Dizia-se mais: essa mesma perspectiva deveria corresponder à visão da
natureza mais próxima daquela que o olho humano obtém através de seu
mecanismo óptico. (MACHADO, 2015, pg. 74)
Mesmo havendo sido desenvolvido todo um arcabouço teórico para habilitar o
desenho em perspectiva para que este apresentasse o terceiro ponto de vista, este terceiro
2 A convergência das linhas verticais acontece quando a tomada fotográfica não ocorre perpendicularmente as
faces do objeto, ou seja, ao movimentar a câmera para cima ocorrerá o surgimento de um novo ponto de fuga para onde
as linhas verticais convergirão. Este efeito, então, indesejável, poderá ser eliminado ou pelo retorno da câmera para
uma posição perpendicular, ou pela utilização de objetiva especial (Tilt & Shift), ou por câmeras de fole, ou, mas
contemporaneamente, pela pós-edição via softwares de tratamento de imagens, como por exemplo, o Photoshop.
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ponto continua sendo eliminado tanto na área do desenho técnico quanto na fotografia de
arquitetura e cidade.
Há outros indícios deste emparelhamento entre as regras do desenho técnico e da
fotografia de arquitetura e cidade, tais como, a tentativa de reprodução das vistas
ortogonais em fotografias, o cone de visão de no máximo 60º e as regras compositivas,
tais como, as vistas de frente (alçadas) ou vistas com um ponto de fuga, vistas inclinadas
a 30/60º ou simétricas (45º). Basta uma passada de olhos em sites especializados em
arquitetura, como, por exemplo, o Archdaily (http://www.archdaily.com.br/br) para uma
comprovação do que está sendo afirmado aqui.
A figura 01 apresenta um desenho do famoso arquiteto americano Frank Lloyd
Wrigth, de 1953. Este desenho é uma perspectiva cônica de dois pontos de vista que não
apresenta a convergência vertical (não está presente o terceiro ponto de fuga vertical). A
linha de horizonte baixa denota ao projeto grande monumentalidade e a perspectiva se
deforma nas extremidades do edifício devido ao cone de visão alargado. Este recurso ao
mesmo tempo que pode gerar uma certa estranheza visual também o diferencia e permite
apresentar linhas dinâmicas como de uma visada nunca vista a olho nu.
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Figura 01 – Perspectiva Frank Lloyd Wright - 1953 Fonte: DREXLER, 1962. Página 247
A fotografia e suas demandas
Se por um lado o desenho técnico impôs suas regras à fotografia de arquitetura e
cidade, por outro lado, como Flusser já alertava: “o fotógrafo somente pode fotografar o
fotografável” (2002, p. 31). Isto significa que a fotografia também tem limitações e
demandas e, portanto, impõe certas exigências, para que se consiga fazer um registro
fotográfico minimamente satisfatório. Para que isto seja alcançado são necessárias as
seguintes condições: qualidade de luz, distanciamento e ordenamento. Sendo assim, para
que a cena seja fotografada com qualidade, ela precisa oferecer uma boa luz, que seja
possível posicionar a objetiva a uma distância mínima necessária para um bom
enquadramento e, por fim, que o ambiente a ser registrado, ofereça uma possibilidade de
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ordenamento, preferencialmente, sem interferência de elementos obstrutivos da visada.
Desta maneira, é possível uma tomada limpa, nítida, organizada e luminosa, onde o ente
arquitetônico ou a parcela urbana seja o protagonista. Estas demandas são apresentadas e
detalhadas na tese “A fotografia na percepção da arquitetura” (VIEIRA, 2012). Quando
estas demandas não são satisfeitas pode o desenho técnico ser uma ferramenta capaz de
um registro mais eficiente da cena, uma vez que o artista pode, por exemplo, eliminar
elementos obstrutivos da visada, fazer seu registro mesmo em condições desfavoráveis
de luz ou distanciamento. Lê-se desenho técnico, nos dias de hoje, tanto o desenho feito
a mão pelo desenhista/artista, quanto o desenho assistido pelo computador (CAD) e suas
vistas virtuais ultrarrealistas (render).
Um dos pontos fundamentais para que a fotografia possa oferecer uma
significativa variação entre a “realidade visível” e o registro fotográfico da cena se origina
na utilização de lentes com distâncias focais diferentes da normal, ou seja, uso de lentes
que oferecem um cone visual diferente ao da visão humana.
Quando o aparato tecnológico (a câmera fotográfica) foi criado, sua primeira
pretensão era de substituir, ou pelo menos se equivaler, ao olho humano, ser
uma prótese mecânica equivalente. Assim, buscou-se de todas as formas obter
deste aparelho imagens que se igualassem às imagens como as vemos. Uma
das primeiras premissas era a de buscar lentes que apresentassem o mesmo
ângulo de visão do olho humano. A lente ‘normal’ é assim chamada porque
tem o ângulo de visão mais próximo do ângulo experimentado pelo olho
humano, ou seja, em torno de 45º. (VIEIRA 2012. pg. 157)
A visão humana, por ser dinâmica e não estática como a visão fotográfica, oferece
uma percepção do campo visual muito mais amplo do que os 45°. Afirma-se que o campo
de visão possa abranger entre 180° e 200°. Consegue-se isto a partir da visão binocular
focada, da visão periférica (desfocada) e da visão monocular periférica desfocada, ou seja,
o olho humano apresenta distintas área de visão com variações na nitidez de imagem.
Apenas uma pequena área central do campo de visão é de total nitidez e se refere a “visão
foveal” (aproximadamente 3°), a partir deste centro a visão vai perdendo em nitidez
gradualmente. Considera-se uma imagem com razoável proporção equivalente ao que o
olho humano percebe em uma única visada ser um cone de visão entorno de 45°. Seria
mais preciso dizer que esta seria a imagem oferecida por um olho só fixo, o olho do
Cíclope, e Machado dispara: “Isso quer dizer que a visão da perspectiva renascentista é a
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visão do Cíclope muito mais que a visão do homem” (2015, pg. 77). Com isto, para que
o objeto arquitetônico ou a parcela da cidade, que se pretende registrar, seja enquadrado
na sua totalidade há a necessidade de se afastar consideravelmente da cena, o que, em
muitos casos é impossível. A figura 02 apresenta esta situação ideal para o desenho de
uma perspectiva técnica de dois ou três pontos de fuga e que também pode ser considerada
a demanda ideal para a obtenção de uma fotografia com a utilização de uma lente normal.
Para Barcelos o cone visual ideal se apresenta ainda mais justo: entre 30 e 40°.
Figura 02 – Posição ideal para determinar a perspectiva. Objeto colocado com as faces a 30º | 60º em relação ao
Observador, a uma distância do Observador entre 2,5 a três vezes a sua dimensão e num ângulo de observação entre 30º a 40º (BARCELOS)
Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAABDaEAK/nocoes-basicas-perspectiva# Acessado em 12/07/2016
Estas variações de graus do cone de visão ideal persistem entre os autores
pesquisados e já era indicado no texto da tese do pesquisador. O que se observa em raros
casos é o alerta ou descrição das consequências da utilização de cones visuais alargados
na representação da realidade visível.
O cone de visão ‘normal’ que reproduzirá as mesmas proporções do que se vê
a olho nu é de no máximo 60°, sendo 45° o ângulo considerado que os olhos
humanos oferecem na visão focada. A aproximação maior eliminará ou deixará
de fora partes do objeto ou, no caso de se ampliar o cone de visão com a
utilização das lentes grande angular, obter-se-ão deformações como, por
exemplo, a convergência de linhas paralelas – aberrações visuais. (VIEIRA
2012. pg. 107)
No desenho técnico, se define como 60° o cone de visão máximo (LASEAU,
1982. p. 37), corroborada pelo que afirma Barcelos:
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O cone óptico do homem está calculado em aproximadamente 60º graus, embora
o nosso ângulo de visão seja de 180º. Contudo, apenas consegue-se focar com
rigor, as formas existentes num ângulo de 60º. Na representação das formas,
quando se emprega um ângulo maior de 60°, a imagem fica com um aspecto
distorcido. Este aspecto pode ser perfeitamente realçado e explorado, no campo
artístico. No campo da fotografia, consegue-se facilmente, imagens distorcidas,
através do emprego de objetivas "grande angular" e "olho de peixe".
Barcelos, nesta colocação, já levanta a possibilidade do uso “no campo artístico”
da exploração de ângulos maiores e indica a fotografia como “ferramenta” de
representação que possibilitaria a utilização deste recurso com consequentes distorções
nas imagens resultantes e, ainda, aponta para a utilização de objetivas (lentes) “grandes
angulares” e “olho de peixe”3.
A figura 03 apresenta duas situações de desenho perspectivado com dois pontos
de fuga. No primeiro caso o observador estava a uma boa distância do objeto o que gera
os pontos de fuga razoavelmente afastados entre si permitindo realizar uma perspectiva
equilibrada. No segundo caso, a exagerada aproximação do observador e consequente
aproximação dos pontos de fuga provoca uma deformação acentuada da perspectiva.
Figura 03 – Deformações na perspectiva devido a aproximação do observador.
Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAABDaEAK/nocoes-basicas-perspectiva# Acessado em 12/07/2016
O efeito apresentado na figura dois também pode ser reproduzido, em fotografia,
com a utilização de objetivas com diferentes distâncias focais ao enquadrar a mesma cena.
A objetiva, para filmes de 35 mm e sensores “full frame”, que oferece um cone de visão
de 60 graus é a 28 mm. Até as décadas de 1980 e 1990, esta lente 28mm, era considerada,
3 “Olho de peixe” é um tipo de lente considerada “super grande angular” que pode apresentar um cone de visão
próximo de 180 graus e resultando em uma imagem muito distorcida com aparência de uma bolha.
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para a fotografia de arquitetura, como limite da “perspectiva exagerada inevitável do uso
de uma visão alargada” (MCGRATH, 2009. pg 20). Este “padrão” vem sendo alterado e
cada vez mais se encontra em “dicas” para fotografia de arquitetura e cidade a sugestão
para a utilização de lentes mais amplas (de menor distância focal). Encontra-se, como
exemplo, afirmações como esta: “A grande-angular (GA) – é uma das objetivas mais
relacionadas à fotografia arquitetônica, possibilitando um enquadramento amplo (curta
distância focal) já que muitas vezes é impossível captar a extensão ou se distanciar do
assunto”4 ou, esta: “A grande angular ou lente ultra grande angular ajuda a obter
composições dramáticas e é provavelmente o tipo de lente mais importante para fotos de
arquitetura”5. Percebe-se que não há mais referência nenhuma às questões relativas as
deformações e aberrações dimensionais proporcionadas por estas lentes. O mercado
oferece, por exemplo, a lente Tilt and Shift - T&S (objetiva que permite a correção de
perspectiva e por isso indicada para a fotografia de arquitetura) com distância focal de
17mm, ou seja, uma ultra grande angular, cada vez mais utilizada por fotógrafos de
arquitetura e cidade. Neste trabalho serão apresentados exemplos de fotografias obtidas
com o uso desta lente. Esta objetiva oferece um ângulo de visão (horizontal, vertical,
diagonal): 93°/ 70°30’/ 104° respectivamente. Com esta objetiva é possível se obter uma
tomada inteira de um ente arquitetônico ou uma parcela de cidade sem que tenha que se
tomar grande distanciamento da cena a ser registrada. Para se ter uma noção melhor desta
demanda de distância, para uma objetiva normal há que se estar a uma distância de 2,5 a
3 vezes a maior dimensão do objeto. Já com uma objetiva de 17mm é possível enquadrar
todo um prédio a uma distância de uma vez a maior dimensão do objeto.
A figura 04 é um exemplo de uma fotografia obtida com uma lente de 17mm
posicionada de maneira inclinada para cima com relação ao prédio, o que faz surgir a
convergência das linhas verticais. Entretanto, por se tratar de uma lente aesférica6, esta
imagem não apresenta o efeito bolha ou “olho de peixe”. Neste caso há apenas um
“tombamento” dos prédios com o edifício protagonista (centro da fotografia) tomando
4 Fonte da informação: Fotografia – DG. Fotografia e arquitetura. Parte 1 de 2. Site: http://www.fotografia-
dg.com/fotografia-arquitetura/ Acessado em 13/07/2016. 5 Fonte da informação: Architecture Photography: Top 10 Tips For Creating Breathtaking Architecture Photos.
Site: Fotoblur Blog http://www.fotoblur.com/blog/1/architecture-photography-tips Acessado em 15/07/2016. 6 As objetivas fotográficas construídas com elementos de lente aesférica, oferecem imagens com distorções
mínimas dimensionais e cromáticas e imagens bem definidas o que as diferenciam dramaticamente das lentes
construídas com elementos esféricos, denominadas de lente “olho de peixe”.
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uma forma piramidal. Este efeito é apresentado também nas perspectivas cônicas com
três pontos de fuga ou nas imagens virtuais construídas vias softwares de CAD. Nestes
programas há literalmente câmeras fotografias virtuais onde se pode escolher diferentes
lentes e parâmetros como ISO, abertura do diafragma, tempo do obturador e se gerar
imagens “realísticas” também denominadas de renderes. O que é mais curioso é que estas
imagens, assim como as fotografias obtidas por câmeras “reais” que apresentam a
convergência, são depois editadas por softwares de pós-edição, como no Photoshop da
ADOBE, para a eliminação deste efeito óptico.
Figura 04 – Exemplo de fotografia com o observador muito próximo do objeto fotografado. Sem correção de perspectiva – com o terceiro ponto de fuga.
Fonte: Fotografia do pesquisador – César Bastos de Mattos Vieira
Já a figura 05 é uma fotografia obtida com uma lente Tilt & Shift, de 17mm,
posicionada de maneira perpendicular aos planos do edifício. Desta maneira as linhas
verticais do edifício se mantém paralelas. Isso não quer dizer que se trata de uma imagem
mais agradável que a apresentada na figura 04 ou, pelo menos, mais “realística” e que não
gere tanto quanto a outra fotografia uma certa estranheza ao olhar. Esta imagem foi obtida
em uma distância extremamente pequena do ente arquitetônico, o que resultou em um
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exagero na perspectiva, possível somente com a utilização desta objetiva. Contudo, este
tipo de imagem mostra-se “desejável” no meio arquitetônico. É indiscutível que esta
maneira de registrar a arquitetura e partes da cidade transmita uma impressão de
monumentalidade e imponência, sendo uma representação distinta daquela que o olho
humano oferece. Percebe-se então que mesmo com a busca de respeitar diretrizes técnicas
da representação por desenho, as fotografias oferecem valores subjetivos. Ao ser
extrapolado os parâmetros técnicos agrega-se valores artísticos ao registro fotográfico.
Figura 05 – Exemplo de fotografia com o observador muito próximo do objeto fotografado. Com correção da
perspectiva – eliminação do terceiro ponto de fuga.
Fonte: Fotografia do pesquisador – César Bastos de Mattos Vieira
O universo espetacularizado da fotografia de arquitetura e cidade
Flusser instiga e problematiza a fotografia ao afirmar que “O motivo do fotógrafo,
em tudo isto, é realizar cenas jamais vistas, ‘informativas’” (2002, pg. 35). No universo
da fotografia de arquitetura e cidade esta afirmação toma uma dimensão incontestável.
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Nunca foi mais verdadeiro que a fotografia de arquitetura e cidade busca a
espetacularização da realidade visível: a tomada jamais vista. Encontra-se em todos os
meios de informação “dicas” e sugestões que reforçam estas estratégias e moldam padrões
de representação cada vez mais distanciados da realidade visual oferecida pelos olhos
humanos. Nos dias de hoje, não apenas pela oferta de novos equipamentos, softwares e
estratégias fotográficas o que se apresenta aos leitores/espectadores, de maneira
consciente ou inconsciente, é pura deformação!
No prefácio do livro Mundo perfeito, do fotógrafo português Fernando Guerra,
escrito por Luís Urbano, o autor aborda “a dualidade da fotografia ao confundir perfeição
possível com as possibilidades de alteração desta realidade” (VIEIRA, 2012, pg. 250).
Tal como os arquitectos reconstroem um mundo particular em cada projecto,
procurando dar um sentido de unicidade a partir das variáveis com que se
confrontam - do cliente ao lugar, da geografia ao orçamento, das contingências
materiais às limitações estruturais - as fotografias de Fernando Guerra
devolvem à arquitectura essa procura da perfeição possível, “intensificando a
realidade retratada”, reconfigurando o mundo que a rodeia. (URBANO)
Sontag, por sua vez, destaca que este fenômeno de reconfiguração do mundo, em
parte devido a “uma predileção a favor da visão” (PALLASMAA, 2011, pg. 9) está
ensinando novos códigos visuais.
Ao nos ensinar um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas
ideias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de observar.
Constituem uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver. Por fim,
o resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos dar a sensação
de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça – como uma antologia
de imagens. Colecionar fotos é colecionar o mundo. (SONTAG, 2004, pg. 13)
Algumas consequências desta era do espetáculo, sem a devida desconfiança do
que está sendo apresentado pelas imagens fotográficas, são descritas por Jungmann (apud
CATTANI, 2010. pg. 12) da seguinte maneira:
(...) nossa cultura está se tornando tão imagética que estamos nos afastando cada
vez mais dos originais, das obras in situ. A imagem passa a ser o intermediário
universal entre o objeto e seu observador; a imagem é tão moderna, atual e
sedutora que corremos o risco de esquecer o objeto possível por trás dela. A obra
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original parece uma realidade ultrapassada e mesmo um conceito dispensável em
produções como a fotografia. (JUNGMANN, 2010. pg. 12) 7
Sem a devida atenção e compreensão destes fenômenos e de como se dá o registro
fotográfico da arquitetura e cidade, um leitor/espectador/pesquisador corre o risco de cair
em uma armadilha de acreditar no que é mostrado como uma cópia file da “realidade
visível”.
Considerações finais
Enfim, como era o objetivo deste texto, procurou-se fomentar uma discussão sobre
o grau de precisão e equivalência do universo “real visível”, dos registros fotográficos de
arquitetura e da cidade. Uma vez que estas imagens são fruto de uma codificação pelo
aparato tecnológico, pelo fotógrafo/operador e que seguem estratégias, padrões, que
podem produzir representações muito distantes da “realidade” e, assim, com
consequências diversas, e porque não afirmar negativas, na construção imagética por
parte dos leitores/espectadores.
Perceber com estranheza as imagens fotográficas, de arquitetura e cidade,
apresentadas pelos meios de comunicação e difusão é um bom sinal de que este leitor
ainda não foi estimulado a tal ponto de banalizar, de achar normal tanta discrepância entre
o que o olho percebe e o que a fotografia apresenta. É necessário retomar a consciência
de que pode existir uma grande diferença entre a realidade visível e suas representações
fotográficas.
Saber ler a fotografia, perceber suas armadilhas, entender sua maneira de codificar
o universo visível é permitir a este leitor reconstruir realidades e alcançar informações.
7 Referência original citada por Cattani (2010): JUNGMANN, Jean-Paul. L’image en achitecture: de la
représentation et de son empreinte utopique. Paris: Éditions de la Villette, 1996.
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Referências Bibliográficas
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http://www.ebah.com.br/content/ABAAABDaEAK/nocoes-basicas-perspectiva#
Acessado em 12/07/2016.
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Espanha: Imprenta Kadmos, 2008.
CARVALHO, Maria Cristina Wolf de ; WOLF, Silvia Ferreira Santos, Arquitetura e
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CATTANI, Airton. Sistemas de representação em arquitetura. Relatório de estágio pós-
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