Físicos Arteiros: quando outras linguagens invadem o laboratório1
Zuleika Stefânia Sabino Roque2
Introdução
A escola do início do século XXI precisa se reinventar e quebrar paradigmas debruçando-
se sobre novas abordagens para dinamizar o processo de ensino e aprendizagem,
exercício válido tanto para alunos, quanto para professores. O presente trabalho apresenta
uma experiência interdisciplinar, de um colégio de ensino médio da rede pública
paulista3, pautada na relação entre a História da Ciência e do Ensino de Ciência com o
uso de múltiplas linguagens conectadas às formas de sociabilidade dos adolescentes e
jovens do ensino médio, considerando dimensões culturais do viver urbano na era da
informação. “Não temos dúvidas do quanto a globalização confere novas realidades à
educação. Talvez, para uma facilitação, pudéssemos dirigir nosso olhar para duas
direções. Primeira, o quanto são diferentes as múltiplas entradas do mundo exterior na
sala de aula; e a outra direção, o quanto essa sala de aula se exterioriza, atualmente, de
uma maneira diferenciada” (CHASSOT, 2003:89)
Observando-se o cotidiano escolar, os celulares, tablets e smartphones estão presentes
de tal modo que resistir a presença desses aparelhos significa criar um hiato entre os
alunos e professores. Se, por um lado, o uso indiscriminado desse material tem provocado
tensões na escola, interpretadas pelos docentes como indisciplina ou desinteresse; por
outro, a proibição dos mesmos não garante a aprendizagem nem a disciplina muitas vezes
idealizada por docentes.
1 Trabalho apresentado ao Simpósio Temático do 15. Simpósio da Sociedade Brasileira de História da
Ciência e Tecnologia, na Universidade Federal de Santa Catarina, de 16 a 18 de novembro de 2016. Este
artigo integra a pesquisa sobre alfabetização científica, vinculada ao Programa de Extensão Caravana da
Ciência, desenvolvido no ICT Unifesp Campus de São José dos Campos. 2 Doutora em História (PUCSP). Docente do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de
São Paulo. E-mail: [email protected]
3A atividade foi desenvolvida o segundo semestre de 2015 na Escola Estadual de Ensino Integral Professor
Nelson do Nascimento Monteiro, como disciplina eletiva da parte diversificada do currículo, proposta pelo
Programa de Ensino Integral da Rede Pública Estadual, implementado em 2013 em algumas escolas da
Rede e que fora expandido nos últimos anos.
O momento atual, perante às Tecnologias da Informação e Comunicação requer
construção de contratos didáticos que apontem para a corresponsabilidade tanto de
alunos, como de professores e de responsáveis, elucidando sobre os objetivos da escola
e sobre as diversas formas de aprender, de modo que todos saiam ganhando e que o tempo
seja utilizado em prol da construção do conhecimento e não para desgastes.
A experiência de desenvolver uma disciplina eletiva no Ensino Médio que levasse em
conta essa relação com as Tecnologias da Informação e do Conhecimento respaldou-se
na observação sobre o comportamento dos adolescentes. Outros prismas de observação
foram levados em conta, nesse sentido, verificou-se também que alguns grupos eram
adeptos de leituras de mangás4 e de eventos de cosplay5. Mais do que um hobby, esses
elementos constituem novas formas de sociabilidade, dando origem a eventos e festivais
que têm se espalhado por diversas regiões e são pouco compreendidos por aqueles que
não os frequenta.
A respeito dos mangás, Linsingen observou que se trata de um exemplo de literatura de
entretenimento com discursos cotidianos de fácil identificação entre leitor e personagem
justificando seu emprego como ferramenta pedagógica: “trata-se de um material já
familiar a muitos estudantes, escrito de forma obrigatoriamente fácil, dinâmica e
acessível, o que a torna agradável, e uma vez que é um tipo de HQ, usa padrões
linguísticos que visam a catarse (queda do estresse por parte do leitor)”. (LINSINGEN,
2007).
4 Os mangás apresentam certas características que as HQs ocidentais não oferecem quanto à manipulação
das imagens, ao design dos quadrinhos, à narrativa e ao enredo e ao enfoque diferenciado de acordo com o
tipo de público. A narrativa é elaborada como se fosse um livro, com começo, meio e fim, mas chega ao
público de maneira segmentada, em tomos (LINSINGEN, 2007). 5 A grosso modo pode se definir cosplay como a junção de duas palavras. No entanto, desse universo
cosplay surgiu uma nova forma de sociabilidade, bastante complexa, nas quais se identificam “convenções
que oferecem inúmeras atrações como os concursos de cosplay, apresentações de bandas de animês,
concursos de animekês (karaokê de trilhas sonoras de animês) salas temáticas voltadas a produtos culturais
consumidos pelo público jovem, constituindo-se em verdadeiras salas da memória ao atualizarem as
personagens e narrativas midiáticas: salas de ficções televisivas e cinematográficas, tokusatsus , cards ,
videogames, objetos e atividades medievais; exposições de mangás, fanzines, quadrinhos, e contam com
espaços onde estandes de empresas comercializam toda sorte de mercadorias referentes à cultura pop”
(NUNES, 2014)
Oriundo do mesmo universo dos mangás, o Cosplay tem se tornado objeto de pesquisa e
revelado uma gama de possibilidades de interpretação6; sendo interpretados como
geradores de sentidos, como forma de sociabilidade e, também, de memória. Alguns
autores também identificam relações entre cosplays e rolezinhos7. (HELLER, 2016)
Portanto, a experiência descrita nesse trabalho, combinou alguns elementos da cultura
jovem, urbana, de classe média, da zona sul do município de São José dos Campos, a
saber: redes sociais (Facebook), aplicativos de celular (WhatsApp) e o Cosplay; para a
partir da História da Ciência, promover a construção de conhecimentos de física de forma
interativa e colocando os alunos como protagonistas do processo ensino-aprendizagem.
A rede social e aplicativo acima mencionados, foram utilizados como forma de manter a
comunicação entre o grupo de alunos, professores e parceiros. Através do WhatsApp foi
possível organizar os encontros a partir de lembretes, ajustes de cronograma, auxílio para
aquisição de materiais para experimentos através de trocas constantes entre os alunos,
compartilhamento de experimentos principalmente que “não davam certo”, promovendo
intercâmbio de conhecimento entre os participantes no sentido de resolver o problema.
O Facebook serviu como um diário de bordo do grupo, documentando as pautas
trabalhadas, as pendências e registros tanto fotográficos como os de vídeo produzidos
semanalmente.
Na construção da proposta, que se trata da oferta de uma disciplina eletiva, levou-se em
conta também a necessidade de discutir e apresentar o Ensino Médio como meio e não
como fim da Educação. Incentivando os alunos a continuarem seus estudos, levando em
conta suas competências e habilidades. Dentro desse modelo de escola, denominado
6 A esse respeito vide: Cena Cosplay: comunicação, consumo, memória nas culturas juvenis, organizado
por Monica Rebecca Ferrari Nunes.
7 Os rolezinhos são encontros de jovens, geralmente de periferia; organizados através de redes sociais e
tendo majoritariamente como ponto de encontro shoppings, esses eventos tornaram-se motivo de polêmica
entre administradores de estabelecimentos, seguranças e responsáveis pelos jovens, tendo sido enfoque de
muitas manchetes no início de 2014. Sobre essa relação entre cosplay e rolezinhos “enquanto o segundo
escolhe a roupa como fator de distinção social, o primeiro pensa-a como elemento lúdico”
PEI8, a parte diversificada do currículo oferece Projeto de Vida, Preparação Acadêmica,
Mundo do Trabalho como disciplinas voltadas para a inserção do jovem no mercado de
trabalho e no Ensino Superior. Na parte diversificada do currículo, as disciplinas eletivas
são oferecidas semestralmente e orienta-se que o aluno opte sempre por aquelas que
estejam correlacionadas ao seu Projeto de Vida. No entanto, observa-se que, como nessas
disciplinas o agrupamento de alunos mistura tanto ingressantes quanto concluintes, os
alunos levam mais em conta outras razões, bastante subjetivas na hora de elegerem suas
eletivas, como por exemplo: afinidade com o docente que ofertará a disciplina, validação
dos alunos que já cursaram a disciplinas (caso ela já tenha sido ofertada anteriormente),
possibilidade de formar uma turma com colegas de outras séries e turmas, provocando
um fluxo combinado entre os alunos.
Na oferta de disciplinas eletivas do modelo Programa de Ensino Integral, essas são
disciplinas semestrais e que os alunos devem alinhar aos seus respectivos Projetos de
Vida. Mediante a uma demanda desproporcional entre Humanidades, Biológicas e
Exatas, os professores das áreas de Linguagens, Códigos e suas tecnologias, assim como
os de Ciências Humanas, enfrentam dificuldades de adesão às suas propostas de
disciplinas eletivas, em contrapartida, os docentes das Ciências Naturais e Matemática,
ficam sobrecarregados e isso exige plasticidade e adesão de metodologias diferenciadas
para que as opções de eletivas acomodem a todos os alunos matriculados e
preferencialmente levem em conta suas preferências.
Mediante tal problema docentes de áreas distintas optaram por realizar um piloto,
ministrando uma eletiva que adentrasse na seara das Ciências Naturais e Matemática sem
8 Programa de Ensino Integral, instituído pela Lei Complementar nº 1.164, de 4 de janeiro de 2012, alterada
pela Lei Complementar nº 1.191, de 28 de dezembro de 2012. Esse Programa foi iniciado em 2012, em 16
Escolas de Ensino Médio, e a partir de 2013 expandido para 22 escolas de Ensino Fundamental Anos Finais
e 29 escolas de Ensino Médio, e 2 escolas de Ensino Fundamental e Médio. Basicamente, pode se dizer que
o Programa Ensino Integral tem como aspectos : 1) jornada integral de alunos, com currículo integralizado,
matriz flexível e diversificada; 2) escola alinhada com a realidade do jovem, preparando os alunos para
realizar seu Projeto de Vida e ser protagonista de sua formação; 3) infraestrutura com salas temáticas, sala
de leitura, laboratórios de ciências e de informática e; 4) professores e demais educadores em Regime de
Dedicação Plena e Integral à unidade escolar
deixar de lidar com seus referenciais teóricos e metodológicos próprios, no caso Letras e
História, respectivamente das Linguagens e das Humanidades.
Na versão provisória da ementa, que é apresentada a todos os alunos antes das inscrições,
pontuou-se que o escopo do trabalho seria atender as expectativas de alunos cujos
projetos de vida fossem pautados em Humanidades e/ou Exatas, porém com uma
perspectiva que utilizassem linguagens plurais para a construção e sistematização dos
conhecimentos, visando a partir da História da Física, eleger um grupo de inventores e
de experimentos, sobre os quais fossem trabalhadas: biografias, caricaturas e cosplays,
de modo que aprimorassem suas técnicas de pesquisa, de desenho, de produção e de
representação, uma vez que deveriam estabelecer a ponte entre o conceito e a aplicação
do mesmo em situações cotidianas, preferencialmente com materiais de baixo custo e
que dispensassem o uso do laboratório, espaço esse muito disputado pelos alunos e de
preferência da maioria deles.
As escolas pertencentes ao PEI possuem laboratório de secos e molhados equipados e
os professores da área de Ciências da Natureza e Matemática recebem treinamento
diferenciado. No currículo dos alunos, constam aulas experimentais para as disciplinas
de biologia, física, química e matemática semanalmente. A expectativa gerada nos alunos
para as aulas práticas é grande, as disciplinas eletivas que estão relacionadas diretamente
ao uso desses espaços físicos geram uma demanda para a qual não se consegue suprir.
Levando isso em conta, optou-se por uma ressignificação de laboratório, no sentido de
compreenderem que as atividades experimentais podem e devem ser realizadas em
diferentes espaços. A analogia sobre como as áreas de Humanas e de Linguagens
realizam seus “laboratórios” a partir de pesquisas de campo, foi uma das justificativas
apresentadas aos alunos, somada ao desafio lançado de integrar as áreas de
conhecimento, ampliar o significado de laboratório, promovendo atividades
experimentais diversificadas, de baixo custo e sobretudo sustentáveis. Apresentando a
Ciência como “uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar
o nosso mundo natural” (CHASSOT,2000)
Objetivos
O objetivo geral da proposta foi o de promover a alfabetização científica9 a partir de
atividades lúdicas e da arte, utilizando gêneros textuais e atividades culturais populares
entre os jovens do ensino médio (caricatura e cosplay); desse modo pôde-se valorizar a
pesquisa como fator determinante para a construção do conhecimento não só sobre a
História da Ciência como também a apropriação de conceitos importantes da grade
curricular de ciência para o Ensino Médio, de forma contextualizada e tendo o aluno
como protagonista desse processo.
A História da Ciência é pouco trabalhada na Educação Básica. Muitas vezes o professor
de História trabalha, por exemplo, o contexto da Revolução Industrial, quase que ao
mesmo tempo em que o professor de Física trabalha a Termodinâmica (no caso da grade
curricular do 2.º ano do Ensino Médio da Rede Pública Estadual de São Paulo) e essas
conexões não são feitas de forma planejada, elucidando-se aos alunos e desse modo
potencializando ambas as situações de aprendizagem com abordagem contextualizada e
em perspectiva interdisciplinar. São inúmeros os exemplos de links que poderiam ser
estabelecidos ao longo do currículo que não são aproveitados.
A eletiva “Físicos Arteiros” tendo à sua frente uma professora de História, sinalizou
desde o início que a História da Ciência seria contemplada e da mesma forma, a
professora de Português (componente curricular que possui um grande número de aulas
semanais) enfatizou que abordaria outras linguagens, não só as textuais, como
metodologia, relacionando-as à História da Ciência. Essas estratégias de trabalho a partir
da História da Ciência, mostraram-se um caminho possível e atraente para a alfabetização
científica, propondo a desconstrução de uma abordagem sobre ciência
descontextualizada e fragmentada.
9 A alfabetização científica, segundo Chassot “pode ser considerada como uma das dimensões para
potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida (...) a ciência é uma
linguagem; ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza. É um
analfabeto científico aquele incapaz de uma leitura do universo” (CHASSOT, 2007:91).
Sabe-se que material didático específico sobre a História da Ciência, destinado ao Ensino
Médico é escasso, existem fragmentos nos livros didáticos de vários componentes
curriculares e títulos paradidáticos. Para o desenvolvimento desse trabalho, utilizou-se
de um material digital, intitulado: “História da Física”, disponibilizado pela Divisão de
Astrofísica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) de autoria de Luiz Carlos
de Lima, como material de apoio e a partir dele os próprios alunos elegeriam temas de
interesse dentro da História da Ciência, fazendo valer suas preferências, motivadas
sobretudo pela curiosidade de cada um. Como elucida Silva: “Muitos professores já têm
uma imagem positivista da ciência como produto acabado e não como um processo que
envolve pessoas comuns, contextos concretos e debates. Assim, um correto entendimento
da estrutura e dinâmica científica é essencial no ensino de ciência, pois contextualiza o
ensino historicamente, permitindo ao aluno a compreensão da dinâmica da ciência e da
produção do conhecimento científico, já que o desenvolvimento “da ciência dá-se tanto
por fatores internos à própria ciência quanto por fatores externos ou extracientíficos”
(SILVA, et al., 2008, p.498).
Constituiu um dos objetivos específicos deste trabalho, suscitar a reflexão sobre as
mulheres na ciência. No próprio quadro docente da Unidade Escolar, na área de Ciências
da Natureza, Matemática e suas tecnologias, o total de professores era de 8, distribuídos
igualmente 50% homens e 50% mulheres. No entanto, essa proporção não corresponde
à maioria dos cursos, principalmente quando não são de licenciatura. A necessidade de
se incentivar meninas para que continue a quebra de paradigmas sobre a atuação das
mulheres em determinados espaços e carreiras deve permear inclusive o cotidiano escolar
da Educação Básica, de modo que os alunos observem que tal situação não deve ser
naturalizada, ela é complexa, histórica e cultural10.
10 Segundo Chassot, “Não só a Ciência, mas (quase) toda a produção intelectual é predominantemente
masculina (...) Isso parece não ser diferente quando se fala nas Artes. Quais as mulheres proeminentes que
aparecem na constelação de grandes compositores, pintores ou escultores? Também na Filosofia,
encontramos nomes poucas mulheres, se comparado com os de homens. A Teologia é uma área de domínio
dos homens. Na Igreja católica há muitas ordens religiosas femininas fundadas por homens.
Preliminarmente parece que se possa concluir que não é apenas a Ciência que é predominantemente
masculina, mas nossa civilização, já há alguns milênios” (CHASSOT, 2007)
A metodologia utilizada nos encontros semanais foram: Rodas de Conversa, Aulas
expositivas dialogadas, Socialização de Pesquisas, Exibição de Vídeos, Palestras com
parceiros (organizadores de evento, desenhistas e adeptos de cosplay), Monitoria dos
próprios alunos segundo suas habilidades pessoais levantadas durante a sondagem,
Oficina de criação de personagens e de produção de caricaturas, Leitura Compartilhada
de Biografias de Cientistas.
A atividade realizada após a apresentação da ementa na aula inaugural, seguida da
sondagem das expectativas dos alunos e do levantamento dos seus conhecimentos
prévios a respeito da História da Ciência, foi o sorteio de nomes de físicos. A partir deste
nome, cada aluno trouxe a biografia que foi lida de forma compartilhada e também trouxe
um experimento ou ideia de experimento a partir de um conceito do respectivo cientista.
Detectou-se dificuldade por parte dos alunos de transpor a teoria para a prática e soluções
foram pensadas coletivamente, de modo de ficasse claro ao grupo que conceitos estavam
explícitos, implícitos e sobretudo de que forma ambos faziam-se presentes em situações
cotidianas. Às vezes esses elementos não estavam claros para o aluno que estava
apresentando e o grupo que estava assistindo, através de perguntas, conseguiam demarcar
quais explicações ainda encontravam-se fragilizadas e/ou colegas que estavam assistindo
estabeleciam relações com os experimentos que já haviam ou ainda seriam apresentados
incentivando o intercâmbio de conhecimentos científicos e a aplicação dos mesmos em
circunstâncias diversas.
Em alguns casos, houve a necessidade de eleger outros físicos e experimentos, cujas
invenções estivessem aos olhos dos alunos mais fáceis de serem contextualizadas, pois o
fato das docentes responsáveis pela disciplina terem formação em outra área do
conhecimento, não constituía uma necessidade o domínio de um outro conceito
específico e sim a promoção da construção do conhecimento (de ciência) dos alunos a
partir de outras linguagens, oportunizando-os não só o emprego de outra metodologia,
mas, reforçando conhecimentos que lhes eram próprios do seu “métier”, no caso História
da Ciência e domínio da linguagem através da descrição, argumentação, expressão,etc.
Sendo decidido pelos alunos a escolha do que contemplasse em partes a subjetividade
dos envolvidos, a objetividade das docentes sobre essas questões; o que poderia ter outro
contexto, se um professor de Ciência estivesse como proponente da atividade.
No percurso, percebeu-se que entre os alunos inscritos havia uma grande parte que
dominava técnicas de desenho, esses tornaram-se monitores de oficinas de produção de
caricaturas, socializando seus conhecimentos nos encontros. As caricaturas foram sendo
aprimoradas e a versão final, validada pelos seus autores, foi emoldurada, dando origem
ao primeiro produto final da disciplina.
Oficina de Caricatura 24/09/2015
Uma vez familiarizados com a biografia e a caricatura dos cientistas, os alunos foram
orientados a aprofundarem suas pesquisas, observando elementos que envolviam a
subjetividades dos cientistas e a trajetória acadêmica dos mesmos, colecionando desse
modo, elementos para a descrição de seus respectivos personagens. Até esse momento,
as técnicas de cosplay eram desconhecidas pela maior parte do grupo. Momento então
em que o grupo de alunos que eram cosplayers entraram em cena, explicando aos demais
a história do cosplay, os principais eventos no Brasil e no mundo, elucidaram sobre a
questão da sustentabilidade, criatividade e inclusive premiações em viagens e em
dinheiro que são atrativas dentro dessa forma de sociabilidade. Houve nesse estágio da
disciplina, a presença de um cosplayer de reconhecida importância regional, que trouxe
alguns de seus personagens, fotografias e realizou uma roda de conversa, a partir da qual
os alunos foram desafiados a juntarem o que já tinham produzido até então (biografia e
caricatura), esboçando um croqui de como poderia ser seu personagem “vivo”.
Roda de Conversa com o Cosplayer Rafael Oliveira e Oficina das alunas Cosplayers
A escolha dos físicos que seriam os personagens criados para a apresentação final, podem
ser analisadas do ponto de vista da semiótica da cultura para refletir tanto sobre a
memória, o consumo como a constituição da cena do cosplay; nesse sentido considera-
se a escolha uma espécie de texto cultural, uma vez que nele comparecem elementos de
sua vivência cultural. “Isso quer dizer que um cosplayer, antes de assumir um
determinado personagem, precisou, primeiro, acessar sua memória para, depois,
selecioná-lo. Não importa se esse processo foi consciente, mas, isso sim, reconhecer que
o resultado final, muito mais que uma “fantasia” ou um “modismo” ou uma “mera
brincadeira” (HELLER)
Saber lidar com as resistências a algumas propostas e contornar tais situações de aparente
desinteresse pela temática, revertendo-as a favor da aprendizagem, é uma necessidade da
escola contemporânea. A ideia de produção de um vídeo sobre a história da física,
contemplou não só aos alunos que dominavam as técnicas de desenho, como também
aqueles que possuíam domínio de informática, principalmente no que diz respeito à
edição de imagens e vídeos.
Com vistas ao momento de apresentação dos resultados finais produzidos durante o
semestre, além das biografias, caricaturas, croquis e do vídeo, os alunos tinham ainda
pela frente o desafio de realizar o experimento primeiramente para a turma, para depois
socializa-lo e de no dia da apresentação final, caracterizarem-se utilizando aquilo que se
apropriaram sobre cosplay.
Durante ao que denominou-se de primeira rodada de apresentação dos experimentos,
verificou-se a dificuldade em explicar o(s) conceito(s) e mediante a isso, a intervenção
pedagógica realizada foi a confecção de relatórios durante as apresentações. Eram claras
as dificuldades de domínio de referencial teórico e inclusive de domínio sobre o gênero
textual relatório, o que exigiu a apresentação de modelo padrão e inferências a fim de
superar as dificuldades; levando à segunda rodada de apresentações.
Apresentações dos experimentos e ilustração de conceitos com produção simultânea de relatórios
individuais e coletivos
O critério de avaliação foi acordado com os alunos, de modo que tudo o que fora
produzido no semestre fosse contemplado, ou seja, as habilidades de investigação e
compreensão, a representação e comunicação, a contextualização sociocultural,
habilidades essas relacionadas à Português e à História, disciplinas de formação das
docentes à frente da eletiva. No entanto, os conhecimentos teóricos e práticos
proporcionados a partir da História da Ciência, em especial da física, fizeram com que
os alunos desenvolvessem muito mais do que isso previsto, adquirindo e aprimorando
habilidades da área de ciências da natureza, matemática e suas tecnologias; que não
foram aferidas nessa disciplina pela ausência de um professor da referida área. Os
conhecimentos adquiridos sobre a Física e a História da Ciência.
Conclusão
Além de promover a descoberta da Física no cotidiano dos alunos, estreitando as relações
entre teoria e prática, foi possível a partir de experimentos práticos, trabalhar alguns eixos
cognitivos e habilidades diversas, tais como investigação e compreensão; representação
e comunicação e contextualização sociocultural.
Os conteúdos trabalhados contaram com a caracterização de gêneros textuais
diversificados como: biografia, artigos científicos, caricatura; técnicas básicas de
desenho, História da Física, Física no Cotidiano, Cosplay. A oralidade foi bastante
contemplada e à medida em que os alunos apresentaram experimentos para a turma, a
explicação que no ponto de vista deles, estava pronta; passou a mostrar-se limitada,
exigindo ajustes que passaram a ficar mais claros com o estabelecimento de uma
avaliação coletiva.
Em grupo, decidiu-se que para que ao final da eletiva, os personagens criados (cosplay)
e a mostra de experimentos obtivesse sucesso, as apresentações durante os encontros das
eletivas precisariam de um rigor, de objetividade e não apenas a performance e
curiosidade deveriam estar em foco. Sendo assim, optou-se pela apresentação com
elaboração de relatório individual e ao término redação coletiva, de modo que durante as
apresentações os alunos tomavam nota dos seguintes itens: Título do experimento,
Físico; Local, Data, Aluno responsável, Objetivo, Materiais, Procedimento, Dados
obtidos, Análise dos dados e Conclusão (quando os alunos identificavam a fragilidade de
algum desses itens, realizavam inferências ao colega que estava à frente e ficou acordado
com o grupo que outros colegas poderiam auxiliar na explicação, compartilhando
conhecimentos e do mesmo modo as docentes realizavam intervenções no sentido de
substituir a linguagem informal pela formal e de validar as iniciativas dos alunos).
A partir da experiência desenvolvida ao longo de quase cinco meses de trabalho,
observou-se que a disciplina eletiva “Físicos Arteiros” permitiu com que não só aspectos
conceituais da ciência fossem trabalhados, como também procedimentais e atitudinais,
pois foram desenvolvidas paralelamente habilidades tais como: negociação de soluções
coletivas para problemas comuns, propostos em sala de aula e reconhecimento do direito
do outro de manifestar-se e apresentar suas ideias.
Em relação aos conhecimentos sobre História da Ciência, os alunos demonstraram
interesse, estabeleceram conexões interessantes entre cientistas de épocas remotas e da
contemporaneidade, os principais ganhos observados nesse sentido foi a descoberta da
interdisciplinaridade (embora o nome da eletiva fosse Físicos Arteiros, os alunos
identificaram que os fenômenos científicos são complexos e as ciências dialogam entre
si de forma natural, o nosso sistema de ensino é que tende a fragmentar a ciência e
infelizmente reforçar e exigir a assimilação de conceitos e fórmulas, esvaziando o sentido
e dinâmica presente nesse universo que é a ciência) e um intercâmbio contínuo, que
extrapolaram as reuniões semanais, tendo o Facebook e o WhatsApp como ferramentas
para a divulgação de canais do YouTube com temática científica, livros, filmes e séries
que passaram a enriquecer as discussões de todos os envolvidos, não sendo aproveitado
esse material em toda sua potencialidade por questões como tempo e logística do espaço
escolar.
Dentre muitos aspectos relevantes da História da Ciência sobre a qual os alunos se
debruçaram, ressalta-se a contribuição das pesquisas de mulheres, aqui representadas
pelo trio: Rosalind Franklin, Mária Telkes e da brasileira Márcia Cristina Bernardes
Barbosa, que, recentemente foi reconhecida pela sua pesquisa sobre anomalia da difusão
de água e concedeu inúmeras entrevistas, que revelam aspectos culturais e históricos da
questão de gênero na produção do conhecimento científico, que foram discutidas em sala:
“Eu vivo em um país no qual o reconhecimento do cientista não é muito grande, em
particular o reconhecimento das cientistas mulheres (...) As mulheres não querem ir para
um ambiente que pareça hostil (...) As meninas têm uma tendência de, ao escolherem
uma carreira, buscarem alguma que tenha cara de lar”.11
11 https://noticias.terra.com.br/ciencia/pesquisa/fisica-brasileira-recebe-premio-mundial-e-quer-mais-
mulheres-na-ciencia,27f345034e8ad310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html acesso em 14.08.2016
Utilizando-se da concepção de aprendizagem de dialógica, interdisciplinar e com
metodologia ativa, conferindo espaço de protagonismo aos alunos, pode-se dizer que os
mesmos aceitaram o desafio de transformar as informações pesquisadas em diferentes
suportes e apresentá-las a outros colegas, desse modo, tiveram de explicar, resumir,
estruturas, definir, generalizar, elaborar, ilustrar, exigindo-se muito mais deles e com isso
ampliando seu repertório tanto do aprender a aprender, quanto do aprender a fazer. Como
afirmou Paulo Freire: “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender.” (FREIRE, 1997).
O produto final da sequência de atividades desenvolvidas na eletiva “Físicos Arteiros”
foi a produção de um vídeo sobre a História da Física, uma galeria de inventores12 com
caricaturas feitas pelos alunos, a criação de personagens “vivos”, que foram os cosplays,
apresentando experimentos simultâneos, na bancada do laboratório (sim, nesse dia
invadimos finalmente o laboratório da escola!) originando uma feira de ciência e arte
simultaneamente; reforçando a possibilidade de que, quando se permite a invasão de
outras linguagens no laboratório, consegue-se muito mais do que a transmissão de
conhecimentos científicos; “Hoje não se pode mais conceber propostas para um ensino
de ciências sem incluir nos currículos componentes que estejam orientados na busca de
aspectos sociais e pessoais dos estudantes” (CHASSOT,2003).
Agradecimento
Agradeço imensamente à amiga e professora Ana Paula de Cássia Gama, que, assim
como eu, não possui formação em Ciência e Tecnologia, mas, trazemos em nossa história
de vida, familiares que fizeram suas trajetórias pessoais e de trabalho (anônimas, sem
documentação no lattes, nem por isso menos importantes) em institutos de pesquisa
renomados, (ITA e INPE) dos quais nos orgulhamos por tabela... cada uma a seu modo,
12 Leonardo Da Vinci,Roger Bacon, Michael Faraday, Marcelo Gêiser, Erwin Schrodinger, Nikola Tesla,
Alexander Graham Bell, Carl Friedrich Gauss, Albert Einstein, Alessandro Volta, Benjamin
Franklin,Márcia Barbosa, Pascal, Stephen Hawking, James Watt, Luigi Galvani, Isaac Newton, Bartolomeu
de Gusmão, Mário Schenberg, Maria Telkes, Rosalind Franklin, Hervé This.
nas Letras ou na História, temos acreditado que a Ciência deve estar a serviço de todos e
sempre auxiliando na construção de um mundo melhor, nas pequenas coisas, inclusive.
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