Transcript
  • FILOSOFIACIDADANIA&

    Jorge Renato Johann Srie Bibliogrfica

  • 4 Edio

  • J65f Johann, Jorge Renato.Filosofia & cidadania. / Jorge Renato Johann. 4. ed. Aracaju : UNIT, 2012.204 p. : il.

    ISBN: 978-85-7833-162-7

    Inclui bibliografia

    1. Educao. 2. Filosofia. 3. Cidadania. 4. Ideologia. 5. tica e sociedade. I. Titulo.

    CDU: 37:1

    Redao:Ncleo de Educao a Distncia - NeadAv. Murilo Dantas, 300 - FarolndiaPrdio da Reitoria - Sala 40CEP: 49.032-490 - Aracaju/SETel.: (79) 3218-2186E-mail: [email protected]@set.edu.br

    Impresso:Grica Santa Marta

    Rua Hortncio Ribeiro de Luna, 3333 Distrito Industrial - Joo Pessoa - PB

    Telefone: (83) 2106-2200Site: www.graicasantamarta.com.br

    IlustraesGeov da Silva Borges Junior

    Jouberto Ucha de MendonaPresidente do Conselho de Administrao do

    Grupo Tiradentes

    Jouberto Ucha de Mendona JuniorSuperintendente Geral

    Andr TavaresSuperintendente Administrativo Financeiro

    Ihanmarck Damasceno dos SantosSuperintendente Acadmico

    Jouberto Ucha de Mendona Reitor Unit

    Dario Arcanjo de Santana Diretor Geral- Fits

    Temisson Jos dos Santos Diretor Geral Facipe

    Jane Luci Ornelas FreireGerente de Educao a Distncia

    Lucas Cerqueira do ValeCoordenador de Tecnologias Educacionais

    Maynara Maia Muller Assessora Pedaggica de Projetos

    Corporativos Online

    Equipe de Produo de Contedos Miditicos:

    AssessorRodrigo Sangiovanni Lima

    Corretores ortogricosAncjo Santana Resende

    Fabiana dos Santos

    DiagramadoresAndira Maltas dos Santos

    Claudivan da Silva Santana Edilberto Marcelino da Gama Neto

    Edivan Santos Guimares

    IlustradoresGeov da Silva Borges Junior Matheus Oliveira dos Santos Shirley Jacy Santos Gomes

    WebdesignersFbio de Rezende Cardoso

    Jos Airton de Oliveira Rocha JniorMarina Santana Menezes

    Pedro Antonio Dantas P. Nou

    Equipe de Elaborao de Contedos Miditicos:

    Supervisor Alexandre Meneses Chagas

    Assessoras PedaggicasKalyne Andrade Ribeiro

    Lvia Lima Lessa

    Projeto GricoAndira Maltas dos Santos Edivan Santos Guimares

  • Palavra do Autor

    Filosofar Viver!

    O ser humano nico ser que pensa e sabe que pensa. Quem no pra para pensar se move como um animal irracional, como um objeto manipulado e como uma massa de manobra passiva e teleguiada. Portanto, preciso garantir a condio humana atravs de um pensamento lcido a respeito de todas as coisas que nos rodeiam. Identificar-se como um ser pensante garantir a con-dio de um sujeito fazedor de sua prpria histria e da histria de seu povo. o pensamento que move a histria humana. Nisso se funda o significado e importncia da Filosofia na prtica educativa em todos os nveis da educao.

    O exerccio da Filosofia independe do espao que ocupamos e da tarefa que executamos. Assim todos os cursos precisam incluir a prtica filosfica na sua formao humana e profissional. Uma escola s cumprir sua misso inte-gralmente se promover sujeitos conscientes e comprometidos com a construo de um mundo melhor para todos. A Filosofia se coloca na base da cidadania necessria como condio de homens e mulheres que pensam e que agem em favor de uma sociedade mais justa e mais solidria.

    Filosofia e Cidadania a disciplina que representa um instrumento e um espao especial na formao dos alunos da Universidade Tiradentes. O compromisso histrico da UNIT se revela em todos os momentos das prticas educativas que nela se executam. O pensamento que as movem formar seres humanos e profissionais competentes e ticos para uma realidade melhor para todos os habitantes do planeta.

    A elaborao do livro texto de Filosofia e Cidadania perpassa, do prin-cpio ao fim, a utopia de um mundo bom para se viver. certo que ainda no temos a realidade com que sonhamos. Mas temos a certeza de que, com a cons-cincia que se faz compromisso e ao, haveremos de concretiz-la ao longo do tempo de nossa travessia como cidados.

    Para isso, apresentamos o texto de Filosofia e Cidadania. Convidamos a todos vocs a se desarmarem de qualquer ideia preconcebida e abrirem suas mentes e coraes para o despertar de pensamentos e prticas que contribuam para a formao de um novo ser humano e de uma nova sociedade.

    Prof. Jorge Renato Johann

  • Parte 1 Aspectos Filosicos, Ideolgicos e Educacionais

    1 A Era do Conhecimento _____________________________11

    1.1 O conhecimento ilosico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

    1.2 As relaes homem-mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    1.3 A sociedade aprendente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    1.4 A condio humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

    Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

    Exerccio de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    2 Filosoia e Ideologia ________________________________57

    2.1 O processo de ideologizao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    2.2 A construo da cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66

    2.3 O conhecimento e valores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

    2.4 Educao e mudana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

    Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

    Exerccio de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

    Sumrio

  • Parte 2 tica e Cidadania

    3 tica e Educao _________________________________ 107

    3.1 tica e moral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .108

    3.2 O compromisso tico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114

    3.3 A formao do cidado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121

    3.4 O ser humano integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .130

    Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .139

    Exerccio de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .140

    4 Ao Educativa e Cidadania _____________________ 149

    4.1 O exerccio da cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150

    4.2 tica, labor e trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .156

    4.3 Vita activa: tica e ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .170

    4.4 A utopia da esperana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .178

    Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .186

    Exerccio de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .188

    Referncias Bibliogricas ___________________________ 198

  • Ementa

    A era do conhecimento: conhecimento filosfico, as relaes homem-mundo, a sociedade aprendente, a condio humana. Filosofia, ideologia, edu-cao: o processo de ideologizao, a construo da cidadania, o conhecimento e valores, educao e mudana. tica e cidadania: tica e moral, o compromisso tico, a formao do cidado, o ser humano integral. A ao educativa e cidada-nia: o exerccio da cidadania, tica, labor e trabalho, vita activa: ao e tica, a utopia da esperana.

    Justificativa

    A tarefa da educao a de formar homens e mulheres que se desenvolvam em todos os aspectos de sua condio humana. Isso implica numa ampla formao tcnica e humana. A era do conhecimento precisa levar ao desenvolvimento da habilidade profissional, capacidade de conviver em um mundo plural, pleno de diversidades e em que as diferenas levam ao enriquecimento individual e coletivo. A disseminao dessas ideias o papel da Filosofia, como exerccio da reflexo crtica sobre todas as realidades humanas. O foco da disciplina de Filosofia e Cidadania se insere nessa perspectiva de formao integral do ser humano. O mundo atual se apresenta de forma paradoxalmente carregado de possibilidades e, ao mesmo tempo, com problemas que o remetem a uma barbrie primitiva. Disso surge a exigncia de que as transformaes aconteam urgentemente. Isso s ser possvel com a ao consciente, dinmica e solidria de indivduos que se constituam em cidados, ou seja, homens e mulheres fazedores de histria. A utopia de um novo homem e de uma nova sociedade, vivendo em um mundo onde haja lugar para todos os habitantes do planeta, o grande desafio histrico da atualidade.

    Concepo da Disciplina

  • Objetivos

    evidenciar uma ampla compreenso do processo de desenvolvimento do conhecimento humano e da sua origem atravs das diferentes leituras de mundo, da interpretao filosfica, at chegar cincia contempornea.

    identificar o significado e a importncia da filosofia no conjunto dos conhecimentos construdos pela humanidade e a necessidade de se desenvolver uma postura reflexiva e crtica diante da realidade do mundo e da vida contempornea;

    perceber a sutileza dos processos de ideologizao que movem e ma-nipulam os pensamentos, os comportamentos e os movimentos hist-ricos do mundo contemporneo;

    refletir sobre cidadania como valor e como exigncia na construo de uma sociedade sustentvel, em que a educao assume um papel fundamental;

    identificar a tica como uma postura filosfica na construo de um novo homem e de uma nova sociedade;

    desenvolver uma postura reflexiva e crtica que inspire e motive com-portamentos de cidados comprometidos com a construo de uma sociedade balizada por valores ticos.

    AvaliaoA avaliao da disciplina ser realizada a partir da:

    Medida de Eficincia (ME): que dever ser feita ao longo das Unidades no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) no total de duas ME por Uni-dade. O prazo para realizar a ME de at 48h antes da data da avaliao (por Unidade). Para cada ME voc ter duas tentativas de resposta;

  • Organizao da Disciplina

    Bibliografia Bsica

    ALVES, Rubem. Filosofia da Cincia. So Paulo: Loyola, 2007.

    BUZZI, Arcngelo R. Introduo ao Pensar. Petrpolis: Vozes, 2002.

    CHAU, Marilena. Convite a Filosofia. So Paulo: tica, 2008.

    Metodologia de estudoO aluno ter o acompanhamento docente no Ambiente Virtual de Aprendiza-

    gem, tendo acesso a diversos recursos como: contedo textual web, vdeos, podcast, os quais serviro de apoio para a compreenso do contedo. H tambm os fruns e chat, que permitem a interao e o compartilhamento de ideias, alm das atividades online como as Medidas de Eficincia. A disciplina possui uma dinmica que permite a relao teoria e prtica dos contedos e a interao entre professor/aluno e aluno/aluno, pre-sencial e a distncia. O Livro Impresso faz parte da dinmica de estudo e permite que o aluno, mesmo estando offline, estude os contedos necessrios para a compreenso da disciplina. Assim, de fundamental importncia o autoestudo por parte do aluno, reser-vando um tempo para o leitura e o desenvolvimento das atividades na disciplina.

    Exerccios de aprendizagemAo finalizar um Tema, o aluno ter a oportunidade de testar seu conhecimen-

    to respondendo o Exerccio de Aprendizagem que composto de quatro questes sub-jetivas, sendo uma para cada contedo e oito questes objetivas, sendo duas para cada contedo. O Gabarito das respostas estar no Ambiente Virtual de Aprendizagem.

    Avaliao Presencial: realizada presencialmente atravs de prova es-crita, sendo uma por Unidade, com o valor de 0,0 a 8,0 pontos. A avaliao individual e sem consulta, com questes objetivas e subjetivas contextualizadas.

  • Entendendo os cones do livroAo longo do Contedo da Disciplina voc ir encontrar no livro cones que

    iro orient-lo nos estudos. Conhea cada cone:

    Para Refletir: apresenta reflexes sobre o contedo abordado durante o texto a fim de desenvolver postura crtico reflexiva sobre a realidade;

    Ateno: destaca um contedo importante do texto para compreenso da temtica;

    Saiba Mais: so informaes ou relatos de experincias considerados interes-santes para o entendimento do contedo que est sendo abordado;

    Indicao de Leitura: ficar no final de cada contedo e seu objetivo promover a fundamentao: sugesto de texto, livro ou site que reforam ou ampliam o contedo;

    Anotao: tem por finalidade o registro das reflexes dos alunos.

    Est no AVA : indica acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem para co-nhecer outros recursos que iro contribuir com o contedo estudado;

    Exerccio de Aprendizagem: indica uma atividade que est associada aos contedos estudados, que ir conter questes objetivas e subjetivas;

    Resumo do Tema: sntese dos contedos do Tema abordado.

    Onde tirar as dvidas?No Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), acesse o "fale conosco" no

    mural principal para registrar suas Dvidas de Contedo com o professor da disci-plina e Dvidas Tcnicas quando for relacionado ao AVA.

  • ASPECTOSFILOSFICOS, IDEOLGICOS E EDUCACIONAIS

    Parte 01

  • 03Tema

    Neste tema, vamos abrir uma perspectiva ampla do mundo em que vivemos como a era do conhecimento. A busca incessante do conhecimen-to se apresenta como um caminho que viabiliza a realizao individual e coletiva. Portanto, preciso lanar-se com muita fora e esperana na aquisio do que temos como meio de conquistar o espao que nos cabe em um mundo de imensas contradies e tambm de infinitas possibilidades.

    preciso fazer com que, atravs do co-nhecimento, sejam ampliadas as facilidades e di-minuidas as dificuldades da existncia humana. A grande meta deste novo milnio a construo de um mundo em que haja lugar para todos os habi-tantes do planeta.

    Objetivos da AprendizagemAo terminar a leitura e as atividades do Tema 1, voc dever ser capaz de:

    compreender o conceito, o significado e a importncia do conhecimento filo-sfico no conjunto dos conhecimentos construdos pela humanidade;

    identificar o que leva o ser humano a construir o conhecimento em sua relao com o mundo circundante;

    identificar as caractersticas e os de-safios de uma sociedade aprendente;

    compreender a condio humana atual a partir de suas contradies e possibilidades.

    A ERA DO CONHECIMENTO

    Tema

    01

  • Filosoia e Cidadania12

    1.1 O conhecimento filosfico

    O processo de evoluo do conhecimento acontece e exige dos seres humanos um incessante esforo de superao das dificuldades e ampliao das facilidades para existir em um mundo onde precisa haver lugar para todos os habitantes do planeta.

    O ser humano se hominizar e se humanizar1 quanto mais cons-truir dentro de si e fora de si condies materiais, sociais, intelectuais e espirituais de melhor qualidade. Portanto, a humanizao ser um permanente processo de construo de sua prpria vida. Para isso, preciso conhecer cada vez mais o seu mundo para transform-lo e nele se inserir de forma plenamente realizadora.

    As hipteses com as quais os cientistas atualmente trabalham a respei-to da origem do universo remetem a sua datao para quinze bilhes de anos. A vida sobre o planeta terra teria surgido a aproximadamente cinco bilhes de anos e os vestgios mais antigos de homindeos remontam a sete milhes de anos. Portanto, embora sempre se trate de hipteses, considervel o tempo em que seres pensantes transitam sobre a terra.

    A ao humana sobre o planeta se deu de forma lenta e temerosa ao longo de todo esse tempo. A vertiginosa velocidade que o processo de transfor-maes foi tomando, data de um perodo muito recente. Ocorre que, enquanto todos os demais seres do universo receberam um projeto de existncia pronto e pr-determinado pela natureza, o ser humano recebeu uma mera possibilida-de de existir. Cabe a ele ajustar o meio para poder nele subsistir e sobreviver. Paradoxalmente, esse ser diferente de todos os demais os seres inanimados, os vegetais e os animais o mais frgil e indefeso. Sua infncia, at se tornar adulto e poder sobreviver por si mesmo, a mais demorada de todas.

    Todavia, com essa fragilidade, o ser humano recebe uma potencialidade infinita. Trata-se de uma dimenso que se revelar de mltiplas formas, atravs de suas capacidades intelectuais, emocionais e espirituais. Mesmo com o inexor-vel processo de envelhecimento fsico ao qual ele est submetido, inevitavelmente sucumbindo ao tempo, suas capacidades mentais podero evoluir de forma ascen-dente e ilimitada. Existe, portanto, neste ser finito uma dimenso infinita que o projeta para uma transcendncia sob todos os aspectos de sua condio humana.

    1 Hominizar diz respeito gerao de um ser humano do ponto de vista biolgico, enquanto hu-manizar se refere construo de um ser humano em seus mltiplos aspectos a serem desenvolvidos.

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    A discusso em torno da origem do universo e do homem uma tem-tica que se manifesta em mltiplias posies e de forma inesgotvel. H quem entenda que tudo teria surgido por obra de um processo evolutivo. De formas mais simples da matria, uma complexificao cada vez mais elaborada teria resultado no surgimento da vida sobre a terra e em nveis de conscincia nos seres humanos. Todos os seres que compem o universo seriam, portanto, re-sultantes de um processo evolutivo ascendente, de seres inferiores para seres mais complexos e, portanto, superiores na escala evolutiva. Na contrapartida, h quem defenda o creacionismo, isto , a explicao de que o universo e tudo quanto nele existe, especialmente o ser humano, teriam sido criados por Deus em um tempo determinado.

    O processo de hominizao e de humanizao acontece e exige dos se-res humanos um incessante esforo de superao das dificuldades que se im-pem a sua existncia. O ser humano em parte coincide com a natureza e, em outra parte, dela se diferencia. Sua existncia, assim, se constitui num somat-rio de dificuldades e de facilidades. Hominizar-se e humanizar-se so as tarefas que o desafiam permanentemente. Para isso, o ser humano haver de buscar contnua e indefinidamente os mltiplos saberes necessrios para se inserir em um mundo que parte coincide com ele e, em outra parte, diferencia-se dele e que precisa ser compreendido e ajustado. Portanto, todo o conhecimento ser resultado dessa relao do homem com o seu mundo, que precisa se arrumado de acordo com sua condio de nele existir. Atualmente, a ao humana sobre o mundo se intensifica e se acelera, sob alguns aspectos, de forma assustadora, enquanto se pensa em um mundo bom para todos.

    Mais do que as respostas, so as perguntas que movem a histria. As trans-formaes que ocorreram no mundo foram resultado do pensamento humano. A conscincia de que o existir se apresenta como um problema a ser resolvido que pode produzir os grandes avanos e as solues ne-cessrias para a humanizao do prprio homem e do ambiente circundan-te. Aqui se coloca a Filosofia como uma forma de conhecimento importante

  • Filosoia e Cidadania14

    e necessria, desde o seu conceito mais simples do senso comum at o seu significado mais amplo e profundo.

    Pode-se conceituar filosofia como sendo o simples modo de pensar de qualquer ser humano. A sua filosofia de vida constituda por suas ideias, seus ideais e seus valores. Ser de acordo com esse seu arcabouo mental que esse indivduo conduzir a sua vida. Muitas vezes, quando no consegue vi-ver coerentemente com sua forma de pensar, ele acabar modificando os seus pensamentos, adequando-os ao seu jeito de viver. Trata-se de uma questo de coerncia com a forma de construir a sua vida.

    Esse conceito simples acima exposto faz parte do senso comum e per-feitamente vlido. Todavia, essa uma primeira forma de se conceituar filosofia. Ao longo da histria, em suas origens, a filosofia surge com os pensadores gregos. Os filsofos - assim eram conhecidos e denominados esses pensadores - eram aqueles mestres que detinham a totalidade dos conhecimentos auferidos pela hu-manidade at ento. Essa a razo pela qual eles passaram a ser considerados amigos da sabedoria (filos=amigo e sofia=sabedoria) e assim eram chamados de filsofos. Eram os mestres, os educadores, os orientadores polticos, por vezes at mesmo orientadores religiosos e assim eram respeitados, ouvidos e seguidos pelos seus contemporneos. Eram os sbios que sabiam tudo de tudo.

    Diferentemente do senso comum, que difuso e acrtico, e tambm avanando em relao mitologia, uma linguagem ainda extremamente mar-cada por metforas, pela oralidade e pelo contedo fidesta, a filosofia se apre-sentava como um grande esforo racional de entendimento e explicao de todas as realidades humanas. O resultado desse esforo foi o surgimento de renoma-dos pensadores, que produziram obras que passaram a inspirar toda a constru-o do conhecimento humano at os dias de hoje.

    A histria da filosofia se constitui assim num captulo importante da cultura humana. Foi atravs dos filsofos que a interpretao sobre o mundo se aprofundou e foram lanadas as sementes do que resultou modernamente na ci-ncia contempornea. O mundo no teria evoludo no tivesse havido o esforo de grandes pensadores que sobre ele se debruaram em busca de seu entendimento.

    Desde a Antiguidade at a Idade Mdia, portanto, h pouco mais de quinhentos anos, havia somente a filosofia a englobar a totalidade dos conhe-

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    cimentos. Alm da Filosofia, preciso distinguir e destacar a Teologia, como a busca do conhecimento das coisas que remetem a humanidade para as ques-tes transcendentais. Alguns grandes filsofos foram tambm grandes telogos como Santo Agostinho (354-430 d.C) e So Toms de Aquino (1225-1274 d.C.).

    Eram os filsofos que cuidavam da matemtica, das cincias naturais, da busca do entendimento dos fenmenos humanos, das prticas educativas e tudo o que poderia dizer respeito s realidades do mundo e do homem. Com o advento da Idade Moderna e a substituio da cosmoviso teocntrica2 pela perspectiva antropocntrica, em que a f passava a ser substituda pela razo humana, os conhecimentos passam a se fragmentar cada vez mais, originando-se o conhecimento cientfico, produto da razo humana.

    Cada rea do saber comea a apresentar as suas especificidades e seus expoentes e pesquisadores. Os avanos da cincia e da tcnica comeam a se apresentar cada vez mais rapidamente e o que a humanidade no progrediu ao longo de milhares de anos, agora vai conhecer avanos cada vez mais acelera-dos. A idade contempornea chega e se afirma cada vez mais com a convico de que cincia e tcnica finalmente resolveriam todos os problemas humanos.

    A fragmentao dos saberes resultou em infindveis listas de novas e especficas reas do conhecimento, de sorte que, no caminho da mxima espe-cializao, o espao dos generalistas3 foi perdendo o seu status e sua impor-tncia. Imps-se o mundo dos especialistas. E diante da infinidade das novas reas do conhecimento e diante do volume imenso de novos conhecimentos a aumentar cada vez mais rapidamente, resta a pergunta:

    Qual o significado e a importncia da Filosofia no conjunto dos conheci-mentos construdos pela humanidade, quais as questes que ainda restam para o filsofo e qual o seu espao e sua tarefa?

    2 Cosmoviso teocntrica uma viso segundo a qual tudo era percebido e explicado como sendo obra de deuses ou de Deus... isso quando no se atribu a seres da natureza a condio de divindade. Por exemplo, uma trovoada era compreendida como se fosse a presena de um deus embravecido.... e que teria que ser apaziguado para que no viesse a punir os homens...

    3 Generalista aquele que procura saber tudo de tudo, enquanto o especialista aquele que procura saber tudo de um campo cada vez mais centrado e reduzido da realidade.

  • Filosoia e Cidadania16

    O filsofo no mais aquele que detm todo o conhecimento, at porque, diante da infinidade sem conta de novas reas de conhecimento, seria absoluta-mente impossvel algum ter a pretenso de ser um especialista em todos os conhe-cimentos. Porm, a importncia da Filosofia est na sua tarefa de pensar o mundo e refletir sobre seu significado. Assim, um pensador se dobrar sobre o seu mundo para perceb-lo com mais clareza a respeito de suas razes ltimas.

    A postura do filsofo se revela pela capacidade de perguntar. o af de construir permanentemente o que ainda no somos que nos leva ao questio-namento a respeito de tudo o que nos cerca. Nenhum outro ser conhecido faz uma pergunta. Repetindo o programa pr-determinado pela natureza, todos os demais seres do universo simplesmente realizam o que para eles j foi progra-mado pela natureza. Portanto, nenhuma nova indagao os inquietar.

    O ser humano, desde que abre os seus olhos, pela primeira vez, j ma-nifesta a sua inquietao que o far buscar respostas enquanto viver. A crian-a pergunta insistentemente a respeito de tudo. Infelizmente, essas perguntas, muitas vezes, so ridicularizadas, sufocadas e silenciadas. Muitos professores, na escola, no gostam do aluno que faz muitas perguntas, enquanto os pais, na famlia, sem saberem o que dizer, silenciam e tambm fazem calar.

    Diante de tantos mecanismos que buscam silenciar desde uma criana at adultos de todas as idades um ser humano quieto no incomoda! preci-so verificar se ainda somos capazes de nos indignar com tudo o que acontece ao nosso redor. O filsofo ainda no morreu dentro da gente se ainda no nos acostumamos com o inaceitvel diante de nossos olhos.

    Com que facilidade nos acostumamos com tudo e nada mais nos in-comoda. melhor ficar quieto. melhor no reagir. melhor no se envolver em confuso. Uma encrenca sempre d trabalho. E assim vamos morrendo por dentro e vivendo no limite do inaceitvel e intolervel. Porm, viver acostuma-dos com os absurdos que nos rodeiam abrir mo da prpria dignidade que nos faz sentir vivos, mais atores do que meros reatores diante dos acontecimentos.

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    Assim, o mundo dominante nos quer passivos e acomodados. Na antiguidade greco-romana, oferecia-se po e circo para as massas populares manterem-se passivas. Atualmente, basta oferecer o circo (futebol, novelas, etc.) e o povo se diverte, inconsciente e manipulado. A reao essa passividade um desafio dignificao humana. Diante disso, a inquietao filosfica se coloca como um meio de humanizao e de preservao da cidadania.

    O filsofo algum que busca viver e conviver com as diferenas. O dife-rente que nos instiga e encanta para alm da acomodao. J no existe mais um filsofo dentro de algum que no sabe conviver com um pensamento diferente, com uma cultura diferente da nossa, de um credo, de uma cor, de um sabor ou de um jeito diferente de ser. As diferenas sempre sero um desafio para aprender e crescer. Jamais a atitude de nivelamento e de achatamento produzir algo de sig-nificativo e interessante para mover a realidade. A convivncia com o diferente s ser possvel se nos despojarmos de qualquer atitude preconceituosa e dogmtica.

    A postura filosfica brotar da saudvel inquietude que nos leva a questionar o mundo que nos cerca. No se trata de uma inquietao neurtica e de uma ansiedade patolgica, mas de uma sensibilidade que se manifesta num profundo sentido de alteridade. O filsofo algum que se ocupa e se preocupa com o outro. Sua sensibilidade o faz perceber a alegria, a tristeza, o encanta-mento, o desapontamento, o medo, a raiva, o desnimo, a fora e tudo o mais de que se compe a personalidade humana. O filsofo se importa com o outro e tudo que diz respeito ao seu mundo. Ele est atento a tudo que se passa ao seu redor e buscar expressar essa percepo de alguma forma.

    Naturalmente que a postura do filsofo no permanecer somente ao nvel do senso comum, dos sentimentos e de uma mera sensibilidade inicial e ainda descomprometida. O filsofo tambm se exercita e se constri. Sua in-quietao o levar a sair de sua zona de conforto e exercer uma prtica liberta-dora corajosa e transformadora.

    O estudo da Filosofia, em nossa sociedade, acabou se transformando em um pesadelo para a maioria de nossos estudantes, restando uma experincia pou-co positiva. Dois aspectos explicam o fato: o primeiro histrico e o segundo

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    pedaggico. Historicamente, precisamos lembrar que as ltimas dcadas da histria brasileira foram marcadas por um obscurantismo cultural. Por oca-sio da revoluo militar de 1964, atendendo aos objetivos desenvolvimentis-tas do capitalismo internacional, ajustou-se a educao aos modelos poltico autoritrio e econmico associado e excludente aqui implantados. Para isso, excluiu-se das grades curriculares de todos os cursos mdios e superiores todo e qualquer espao reflexivo. Concomitantemente, submeteu-se cen-sura tudo o que fizesse esse povo pensar, ou seja, os meios de comunicao e toda expresso cultural. Resultou em um verdadeiro atraso cultural. Um povo que no pensasse, no ouvisse e nada falasse, isso , silencioso e passivo, estaria facilmente subjugado e dominado. Por outro lado, nos espaos reflexi-vos que ainda persistiram, ocupou-se o tempo em ler e decorar o pensamento dos clssicos da Filosofia, da Sociologia, da Histria etc., de tal forma que os estudantes passassem a rejeitar qualquer atividade cujo objetivo fosse des-pertar as conscincias e toda e qualquer sensibilidade criativa. Restou uma educao a servio de um modelo econmico determinado pela racionalidade tecnolgica e economicista. Por essas razes, preciso recuperar os espaos perdidos e fazer acontecer o despertar de um povo para a sua condio de cidados, donos e senhores de sua prpria histria. Filosofia e Cidadania se insere nesta busca e se constitui no espao educativo cujo objetivo aprender a pensar para fazer acontecer a histria individual e coletiva da melhor forma possvel. (Acesse a internet no Google/You Tube e escreva a pergunta O que Filosofia? Voc encontrar uma sequncia de vdeos sobre o tema).

    O que preciso para formar um filsofo?

    Muito estudo. Estudar ler o mundo e tambm ler o texto. Isso quer dizer que, para se exercitar o filsofo, preciso leitura. Ler algo rido e muitas vezes cansativo. Porm, somente quem l muito, pensa bem, escreve bem e fala bem. Os neurnios se exercitam e as habilidades intelectuais no so resultado apenas de uma mera caracterstica individual. bem verdade que existem di-ferentes inteligncias. Alguns sero naturalmente mais reflexivos. Outros tero uma habilidade especial para expressar seus pensamentos de forma verbal ou de forma escrita. Outros sero ainda mais prticos e operativos. Todavia, nada

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    substitui a transpirao de quem se exercita em qualquer atividade humana. As-sim como uma habilidade fsica resulta de muito treinamento, tambm as habi-lidades intelectuais e mentais so fruto e produto de muito esforo e empenho.

    Fazer silncio. Para refletir preciso criar espaos de silncio. co-mum que nossos estudantes tentem estudar com os fones de ouvido e o som nos ltimos decibis suportveis aos ouvidos humanos. Mesmo que haja quem afirme que assim mesmo que ele gosta de estudar, a super estimulao sonora incompatvel com o funcionamento das clulas nervosas do crebro no que diz respeito assimilao de contedos e da aprendizagem. Portanto, preciso criar espaos interiores para que possa desabrochar a criatividade, a sensibili-dade e florescer o mundo das ideias.

    Para produzir algo intelectualmente, preciso desligar os aparelhos

    eletrnicos, buscar uma condio razoavelmente confortvel e se concentrar. Sobretudo a reflexo filosfica, assim como a meditao e a orao, exige um mnimo de silncio para que possa florescer na mente e no corao. preciso comear j! Perguntou-se, certa vez, a um grande campeo de natao sobre qual era o momento mais difcil de sua vida esportiva. Ele respondeu que era o momento de saltar na gua. Assim, uma longa jornada sempre se far com o primeiro passo. No ser diferente com a construo intelectual. preciso dar a partida e, por fim, acaba-se tomando gosto e atingindo profundidade no saber.

    O produto do pensamento filosfico poder se manifestar das mais di-versas formas: h quem escreva textos de grande qualidade; h quem expresse seus pensamentos e sentimentos em poemas; h os que se manifestam em letras de msica; outros escrevero peas de teatro; outros ainda disseminaro ideias geniais na forma de humor e, de forma jocosa, elegante e inteligente, faro o pblico rir gostosamente, levando-o a pensar nas verdades que foram ditas; h tambm quem expresse um mundo de pensamentos em simples traos em uma folha em branco.

    Assim, a filosofia adquire seu espao que, de fato, ela nunca perdeu, mas apenas se modificou. O que tem feito morrer o sentido reflexivo, sobretudo em nossos jovens, uma maneira rida e cansativa de fazer decorar o pensamento de pensadores do passado. Esses tiveram o seu tempo, a sua importncia e sua originalidade. muito importante conhecermos o acervo que eles nos le-garam. Todavia, preciso faz-lo de forma prazerosa e, por certo, nunca ser

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    necessrio decorar o que disse esse ou aquele pensador. Para beber na fonte dos grandes pensadores, bastar ir ao encontro deles nos livros e textos que deixaram.

    Portanto, na sequncia da reflexo que se desenvolver, em busca de uma aproximao da filosofia com a cidadania, trataremos de questes que apontem para a possibilidade de construirmos um novo homem e uma nova sociedade. Isto quer dizer que, somente se compreendermos as contradies em que se movimenta o homem contemporneo, poderemos desencadear um processo de transformao.

    Superar o nvel de conscincia que mantm a massa humana na con-dio de mero objeto de controle e manipulao e fazer com que ela evolua para a condio de poder vivenciar a sua cidadania, o desafio que ter, sobre-tudo, a educao como fora mobilizadora. no ato educacional que se realiza a construo do conhecimento e a formao de seres humanos. Sua tarefa no poder se reduzir a uma mera transmisso dos saberes auferidos pela humani-dade, mas tambm preciso que sua tarefa se amplie maximamente para que dela surjam cidados para uma nova realidade, em que o mundo seja um bom lugar para todos.

    Voc encontrar todo o contedo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vdeos, podcast, objetos de aprendizagem e na participao do f-rum de discusso.

    SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as cincias. 13. ed. Porto: Afrontamento, 2002.

    A socilogo portugus Boaventura de Souza Santos faz uma reflexo sobre o

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    conhecimento desde o senso comum at a cincia. Mostra como as questes que brotam da simplicidade de um conhecimento ingnuo, difuso, acrtico, dogmtico e simples, d origem aos questionamentos que levam a um conhe-cimento altamente fundamentado e que precisa retornar sua origem como um senso comum esclarecido.

    GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. So Paulo: Companhia das Letras, 2011.

    O filsofo noruegus Jostein Gaarder elaborou uma sntese de toda a hist-ria da Filosofia, desde a Antiguidade at os dias atuais, de forma sedutora e envolvente: uma adolescente recebe cartas annimas em sua caixa postal e desafiada a responder a instigantes perguntas para descobrir quem seu correspondente annimo. Assim, de desafio em desafio, vai revisando toda a evoluo do pensamento filosfico, em um texto que arrasta para a leitura at o seu final.

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    1.2 As relaes homem-mundo

    A existncia humana constituir-se- num permanente desafio de su-perao de problemas. Todavia, preciso compreender a problematizao4 da vida como uma grande possibilidade de crescimento. Ter que modificar algo que inadequado e que, portanto, no serve, o que faz com que tudo evolua no entorno e com que todas as coisas possam ser mudadas para melhor. Entretan-to, essa melhoria s poder acontecer na medida em que se ampliar o nvel de conscincia das condies circunstanciais. Essa afirmao equivale a dizer que preciso conhecer o mundo para nele se inserir de uma forma mais satisfatria e realizadora. Quanto mais o homem conhece e penetra nos segredos da natureza e descobre os princpios que a regem, tanto mais ele ter possibilidade de se ajustar a um mundo de forma realizadora e satisfatria.

    So as ideias que movem o mundo. Durante muito tempo, a humanidade se manteve num processo lento de desenvolvimento por perceber o mundo pela tica do sagrado, intocvel e imutvel. A postura diante desta realidade era de temor e submisso. Como seu deu a passagem de uma perspectiva fideista e teocntrica para uma cosmoviso racionalista, dando origem s grandes e rpidas transformaes histricas da idade moderna e, por fim, ao mundo tecnolgico da idade contempornea?

    Ao longo da histria, as relaes entre os seres humanos e o seu mundo sempre foram marcadas pela maneira como estes conseguiam perceb-lo. Atuar ou no sobre a realidade vai depender de como ela compreendida. No mundo primitivo, nossos ancestrais ainda no tinham condies de explicar o mundo

    4 Problematizar a capacidade de identificar o que precisa ser mudado... s vezes difcil e doloroso mudar, mas a nica possibilidade que temos de crescer e se desenvolver... assim que as pessoas crescem e o mundo evolui Observe-se que essa questo da problematizao tambm a questo mais fundamental para o desenvolvimento da cincia. Levantar uma grande questo para ser resolvida um desafio que produz conhecimento. Portanto, problematizar a base de desenvolvimento da pesquisa cientfica.

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    circundante. Sua interpretao acabava sendo pela tica do sagrado. A natureza e tudo o que ela continha era explicada atravs de uma perspectiva teocntrica e fideista. Todos os fenmenos eram fruto e produto da ao de Deus ou de deuses. O que fundava esse conhecimento era um fidesmo, ou seja, a crena na presena e ao de divindades.

    Augusto Comte (1798-1857), filsofo positivista, afirma ter a humanida-de atravessado trs estgios no que diz respeito explicao do mundo: o estgio teocntrico, o racional e o positivo. O teocentrismo caracterizou todo o perodo pr-histrico, a Antiguidade e toda a Idade Mdia. Os povos primitivos e antigos eram politestas. Para eles, os deuses que comandavam a vida e a morte de todos os seres. A natureza era sagrada e imutvel. No se poderia tocar em algo que fos-se determinado por uma divindade ou que at mesmo fosse identificando como sendo a prpria divindade. O Cristianismo trouxe a crena em um Deus nico. O monotesmo cristo passou a determinar de vez a f como explicao de toda a condio humana: as relaes sociais, polticas e econmicas. Tudo se justificava em nome de Deus. A cultura estava circunscrita aos mosteiros e catedrais. Somen-te tinham acesso ao conhecimento mais elaborado os monges e alguns nobres.

    Esta viso teocntrica e fidesta de mundo no combinava com o desen-volvimento de uma ao mais efetiva sobre a natureza. Ao contrrio, a crena no sagrado infundia um sentimento de temor e um comportamento de submisso. Quem ousasse pensar diferentemente do estabelecido pela ortodoxia vigente era taxado de herege e punido severamente. Todavia, houve homens e mulheres que tiveram a coragem de comear a questionar as verdades impostas e a du-vidar de tudo o que no era explicado pela razo humana. A idade moderna, a partir do sculo dezesseis, surge com a ao crtica de homens e mulheres que tiveram a coragem de afirmar suas novas perspectivas. Um exemplo paradigm-tico se revela no pensamento de Ren Descartes (1596-1650). Um filsofo que inaugura um mtodo da dvida. Nada mais ser aceito sem que passe pelo crivo da razo humana. Tudo precisava ser interpretado e compreendido atravs da razo. Assim, a dvida metdica se coloca como um marco de um tempo em que a racionalidade humana vai conquistar e ocupar, cada vez mais, seu espao na construo do conhecimento, dando incio a era moderna. Junto de Descartes, outros pensadores vo concorrer para solidificar a revoluo do pensamento humano, como Leonardo Da Vinci (1452-1519), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), Giordano Bruno (1548-1600), etc.

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    Com uma nova compreenso de mundo, as transformaes vo ocor-rer em todos os setores da vida humana. A partir do momento em que se afir-ma o heliocentrismo5, percebeu-se que daria para navegar sempre para a frente e que no se cairia nas garras de monstros, habitantes de abismos pro-fundos. Afirma-se o sistema planetrio em substituio a uma compreenso de uma terra plana como uma mesa. Empreendem-se as grandes navegaes e descobrem-se novas terras em todos os quadrantes do planeta. Afronta-se o poder da igreja romana com os questionamentos dos reformadores protes-tantes. Buscam-se inspiraes na antiguidade greco-romana e a cultura d saltos de excelncia, constituindo-se num verdadeiro renascimento nas artes, na pintura, na escultura, na arquitetura, na msica, na pedagogia etc. O de-senvolvimento da cincia e da tcnica produz uma revoluo que afetar as re-laes humanas sob todos os pontos de vista. O modo de produo se desloca do setor primrio para o setor secundrio e, a partir de meados do sculo XIX, a industrializao vai se constituir no mecanismo de produo de bens econ-micos. Os pensadores iluministas disseminaram ideias de liberdade, de igual-dade e de fraternidade. Por fim, os trs sculos da idade moderna produzem a derrocada do feudalismo, cuja estrutura garantiu os privilgios da nobreza e do clero durante mil e trezentos anos. Com a revoluo burguesa, surge a nova ordem econmica e social do capitalismo e sua contrapartida socialista.

    A princpio, a natureza era tida como um obstculo intransponvel, j que era dominada por divindades que no permitiam que sobre ela se atuasse e se modificasse o que era prerrogativa exclusivamente sua. Pela tica do Cristia-nismo medieval, sob a hegemonia da igreja romana, o conhecimento no pode-ria chegar ao alcance do povo para que interpretaes errneas no induzissem a heresias. Quem ousasse pensar diferente do que era estabelecido pela Igreja e pela sociedade dominante de ento, poderia ser levado para a fogueira inquisi-torial. Muitos homens e mulheres, de fato, foram queimados, como a francesa Joana DArc (1412-1431) e o monge italiano Giordano Bruno (1548-1600). Ela, uma mulher guerreira, queimada viva com a acusao de bruxaria, e ele, um cientista, queimado, em Roma, sob a acusao de que seus estudos cientficos eram contra a doutrina crist. Na verdade, o que no se queria era correr o risco da perda de privilgios e de poder.

    5 Heliocentrismo a descoberta de que o centro do sistema planetrio o sol e no a terra... tudo gira em torno do sol e no da terra...

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    Com o advento das idades moderna e contempornea, a natureza passa a ser investigada em suas entranhas e seus princpios passam a ser dissecados. Surgem a cincia e a tcnica. Os seres humanos no se submetem mais na-tureza, mas aprendem com ela e a tornam coadjuvante em seu desenvol-vimento. Por fim, chega-se a um mundo em que a natureza dominada. Desenvolvem-se imensas possibilidades de se criar um verdadeiro cu neste planeta. As cincias vo dissecando os mistrios mais profundos de todos os fenmenos e a tcnica instrumentaliza os seres humanos, conferindo-lhes um extraordinrio poder de transformao. As dificuldades so minimizadas sob todos os pontos de vista. As facilidades para se viver cada vez mais e em condi-es cada vez melhores aumentam significativamente.

    Na contrapartida, surge um paradoxo assustador: jamais houve tanto poder para se resolverem todos os problemas humanos, jamais se construram tan-tas riquezas, jamais foi to possvel fazer deste planeta um lugar to bom para se viver e, contudo, nunca houve tanta violncia, nunca tantos seres humanos passaram tanta fome, nunca houve tanta destruio e morte e jamais houve tantas diferenas quanto ao longo do sculo vinte e vinte e um.

    Diante disso, preciso fazer-se algumas consideraes que exigiro uma reflexo profunda:

    a grande maioria das pessoas se relaciona com o seu mundo de forma simples, ingnua, acrtica, imediata, difusa e dogmtica. Isto quer dizer que sua interpretao da realidade marcada por um nvel bem redu-zido de conscincia sobre as verdadeiras razes que movem os acon-tecimentos ao seu redor. Resulta que elas acabam sendo submetidas e manipuladas pelo contexto que as cerca, tornando-se muito pouco su-jeitos de sua prpria histria. Elas percebem os fatos acontecendo, mas sequer se questionam sobre os porqus e tampouco se daro conta dos mecanismos de manipulao dos quais acabam sendo vtimas;

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    o grande fascnio da humanidade foi e continua sendo o fantsti-co desenvolvimento tecnolgico. O seu resultado se transformou numa parafernlia que encanta homens e mulheres em todas as idades. Ficou muito mais fcil se viver no que diz respeito ao trans-porte, s comunicaes, manuteno da sade e cura de do-enas, alimentao mais saudvel, ao lazer com o aumento do tempo liberado de tarefas antes braais e opressivas, o acesso ao conhecimento e educao etc. Atingiu-se a culminncia da enge-nhosidade humana com o desenvolvimento de uma tecnologia que substitui no somente a mo humana, mas o prprio pensamento humano. A rapidez com que tudo acontece, o ritmo alucinante das mudanas e inovaes, criam um admirvel mundo novo, na ex-presso do escritor ingls Aldous Huxley (1894-1963);

    entretanto, como explicar os descaminhos pelos quais se embre-nha a humanidade na razo geomtrica em que avana em suas conquistas? O fenmeno da massificao asfixia multides em todo o planeta, num processo de despersonalizao embrutecedora. O consumismo leva as pessoas perda da prpria identidade, em que ter coisas h muito passou a ser mais importante do que ser gente. Tem-se a impresso de que as massas correm desenfreadamente para o vazio do sem sentido, que se manifesta em neuroses, an-siedades, estresses e doenas psicossomticas de todo tipo. As exi-gncias de consumo de bens suprfluos impostos pela seduo da propaganda produzem um ativismo enlouquecedor. preciso tra-balhar cada vez mais para pagar o que se gastou com o que no era necessrio. A ansiedade, que resulta da presso por sempre se gastar mais do que se pode, vai gerando conflitos internos e externos e uma presso desmedida.

    O processo filogentico6 reproduzido, em pequena escala, pelo proces-so ontogentico. Isso quer dizer que, assim como a humanidade se desenvolveu ao longo de milhes de anos, tendo um longo perodo de infncia pr-histria,

    6 Filogenia diz respeito origem e evoluo da humanidade, enquanto ontogenia diz res-peito origem e evoluo do ser humano individual.

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    antiguidade, idade mdia, de adolescncia idade moderna, e de adultez, idade contempornea, tambm um ser humano individual passa pelas mesmas fases. As-sim como a evoluo de toda a humanidade foi determinada pela forma como foi compreendendo e atuando sobre o mundo, tambm o crescimento individual se dar pela maneira como ele se relaciona com o seu mundo. Assim, cada indivduo vai at onde acredita que pode ir e ter o tamanho de seu pensamento. O que deter-mina grandemente o crescimento ou a estagnao pessoal so as crenas que cada um fixa em sua mente a respeito de seu mundo. Muitos indivduos acreditam que nasceram para sofrer e que vontade de Deus a sua condio de misria e sofrimen-to. Todavia, quando algum desperta e compreende que ningum nasce para sofrer e que a misria no vontade de Deus, ele assume a tarefa histrica da transfor-mao pessoal e coletiva. Passa a estabelecer horizontes ilimitados e vai busca da realizao de seus projetos e propsitos. Portanto, desmistificar e desfazer crenas limitadoras para o prprio crescimento um desafio que se impe a todo ser hu-mano para romper com as amarras internas e externas. Assim como a humanidade foi avanando em seu processo de desenvolvimento, cada ser humano individual precisa compreender que, dentro do contexto em que ele se insere, preciso que cada um seja o sujeito, dono e senhor de sua prpria histria.

    O ser humano o nico ser que tem a tarefa de arrumar7 o mundo para nele se inserir. Esta a razo pela qual ele busca o conhecimen-to. Vai depender da forma como ele percebe o seu mundo o tanto que ele vai avanar no seu desenvolvimento pessoal e coletivo. O conheci-mento sempre resulta da relao do homem com o mundo. Portanto, preciso assumir uma postura de enfrentamento e de realizao, de forma positiva e esperanosa, para que a sua travessia por este planeta seja marcada por realizaes e conquistas e realizadoras. Voc ter o tamanho do alcance de seu pensamento e ir at aonde voc acredita que poder ir. Pense alto e olhe para o infinito. No haver limites para sua possibilidade de crescimento.

    7 Poderia utilizar outro termo?

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    Assim se apresenta a realidade paradoxal de nosso mundo: um uni-verso de infinitas possibilidades e de aspectos assustadores e ameaadores da prpria condio de sustentabilidade da sobrevivncia do prprio planeta. To-davia, preciso encarar tudo o que se apresenta de forma realista: esse o nosso mundo. Ele no melhor e nem pior do que j foi ou que poder vir a ser. Tudo vai depender de como haveremos de nos posicionar diante do que est posto. Assumir uma postura positiva e decisria frente ao mundo uma necessidade fundamental. Isso quer dizer que precisamos encarar a realidade em sua verda-deira dimenso de fragilidade e de potencialidades. Novamente se nos impe o desafio histrico de minimizar as dificuldades e ampliar as facilidades. Tudo isso resultar da postura e do engajamento de homens e mulheres conscientes, dinmicos, e que acreditam na utopia de um mundo melhor para todos. Isso que representa a postura de cidados a exercer a sua cidadania como um com-promisso tico fundamental. Toda a posio que prenuncia uma terra arrasada precisa ser abandonada e substituda pela esperana construda de que o mun-do transformvel, de que ainda h tempo e que a utopia de um mundo em que caibam todos pode ser transformada em realidade.

    No prximo assunto trataremos das caractersticas da sociedade em que vivemos. preciso compreender o tipo de sociedade que se apresenta para podermos pensar nos meios para nos inserir nela e nos realizar como seres hu-manos individuais e construir um mundo bom para todos. Verificaremos que se trata de uma sociedade do conhecimento e que o caminho ser a busca inces-sante dos saberes como possibilidade de concretizao da utopia de um novo homem e de uma nova sociedade.

    Voc encontrar todo o contedo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vdeos, podcast, objetos de aprendizagem e participao do frum de discusso do tema.

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    ORTEGA Y GASSET, Jos. Meditao da tcnica. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1963.

    O filsofo espanhol Jos Ortega Y Gasset faz uma anlise de todo o processo de desenvolvimento da cincia e da tcnica, desde a afirmao inicial de que o ser humano o nico que no recebeu a vida pronta e acabada e que, portan-to, ter que se fazer permanentemente, j que ele o que ainda no .

    CAPRA, Fritjof. O ponto de mutao: a cincia, a sociedade e a cultura emergente. So Paulo: Cultrix, 2001.

    Os cientistas de vanguarda da atualidade, como Fritjof Capra, nascido na ustria e radicado nos Estados Unidos, reconhecido como um fsico proemi-nente, tornam-se filsofos na medida em que realizam importantes reflexes sobre sua atividade cientfica. O Ponto de Mutao uma obra que demons-tra o profundo significado da mudana de paradigma cientfico que se estabe-leceu com o advento da fsica quntica e da teoria da relatividade.

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    1.3 A sociedade aprendente

    Um dos mais frgeis e dependentes seres que habitam o planeta o ser humano. Este, porm, que leva muitos anos para crescer e se autono-mizar, recebeu uma potencialidade em desenvolvimento para se preparar e transformar o seu mundo. Mesmo com o declnio de suas foras fsicas, por fora do tempo, seu potencial mental no conhece limites para sua amplia-o e crescimento. O ser humano o nico que precisa ajustar o seu mundo para nele se alojar. Para isso, ele precisa conhecer a realidade circundante. O conhecimento, como fruto e produto da racionalidade humana, est na base do processo de hominizao e de humanizao. O conhecimento assume um significado e uma importncia especiais para a construo do homem e do mundo. Assim, preciso destacar as razes que o colocam como pilar de sustentao de um mundo melhor para todos.

    O primeiro significado que o conhecimento assume no processo de construo humana est na revelao do desconhecido. Para se inserir no mun-do, preciso conhec-lo. O desconhecido, a princpio, sempre provoca temor e submisso. Na medida em que as luzes se acendem sobre uma realidade, a transformao se torna possvel e o usufruto dos bens da terra se colocam sua disposio. Portanto, quanto mais se conhecem os segredos do universo infinitamente pequeno, mdio e infinitamente grande, tanto mais cresce a pos-sibilidade de se imprimir o jeito humano de ser e de viver em todos os espaos que nos rodeiam.

    O conhecimento se constitui num direito fundamental de todo ser hu-mano. Aquele que no tem acesso ao saber, mantido em sua condio de cego de esprito, sempre ser reduzido a um mero objeto de controle e de manipulao. Portanto, o conhecimento se transforma num instrumento de libertao huma-na. Quanto mais algum cresce na dimenso do conhecimento, mais se instru-mentaliza para ser dono e senhor de sua prpria histria individual e tambm construtor da histria coletiva.

    Conhecer a realidade em que vivemos, confere a cada habitante des-te planeta condies de segurana e de firmeza diante da vida e na execuo de seus projetos de transformao. O ser humano s se sente seguro quando conhece. Da ser a superao da ignorncia uma das exigncias fundamentais no processo de desenvolvimento humano. O ser humano precisa assumir o seu

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    papel transformador. J que o mundo no lhe dado pronto, cabe-lhe modific--lo na perspectiva de sua realizao plena. Isso significa que a condio humana exige a busca do conhecimento para superar suas adversidades e assim desabro-char todas as suas potencialidades.

    Desta forma, a sociedade aprendente8 elegeu algumas palavras chave como expresso das exigncias da realidade atual: conhecer, fazer, conviver e ser. A insero no contexto scio-econmico sem o conhecimento se tornou algo impossvel. O desafio de aprender se tornou uma exigncia para toda a vida. Os saberes so substitudos por avanos cientficos e tcnicos numa exiguidade de tempo cada vez menor. A premncia pela atualizao se tornou uma constante com aspectos avassaladores. preciso estar sempre apren-dendo, sem jamais parar de buscar novos conhecimentos. Cada qual com a sua capacidade de ler o mundo e sua forma de inteligncia, ter que assumir uma postura de busca permanente de iluminao de sua realidade. No h mais lugar para amadores e a desculpa de que no se sabia no serve mais de libi para resultados negativos.

    As formas de ler o mundo so mltiplas: do senso comum ao conheci-mento cientfico. O senso comum se constitui dos saberes simples do cotidiano, acrticos, difusos, orais, frutos da experincia do cotidiano. O senso comum a compreenso simples e ingnua com que as pessoas enfrentam o seu dia a dia. Existe muita sabedoria tambm nesta forma de conhecer e viver a realidade cotidiana. desta forma de conhecimento que surgem as grandes questes que desafiam a busca do conhecimento cientfico. Cincia no outra coisa do que senso comum esclarecido. Portanto, o senso comum se constitui num grande comeo para a cincia. Por fim, quando elevado condio de conhecimento vlido pela pesquisas, aprofundamento e comprovao, preciso que os saberes

    8 Sociedade aprendente aquela em que o conhecimento assume uma importncia funda-mental para a insero de qualquer ser humano em suas relaes. Aprender uma tarefa para toda a vida...

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    retornem para o cotidiano da vida das pessoas, na forma de uma disseminao das conquistas cientficas.

    Os mitos se constituram no grande esforo de explicao do mundo exercido pelas comunidades primitivas. Esse legado nos vem at hoje numa lin-guagem metafrica, simblica e que contem, em germe, a semente dos conheci-mentos que foram evoluindo ao longo dos tempos. O fenmeno da mitificao ainda se apresenta nos dias atuais na forma de manipulao e mascaramento da realidade. Criam-se mitos pessoas, lugares, ideias etc. para apresentar uma realidade fantasiosa que preenche as necessidades das massas carentes de tudo e que transferem para a magia do pensamento a satisfao no atingida na realidade. O risco disso tudo est no fato de que essas carncias tornam as pes-soas presas fceis de entendimentos equivocados da realidade e a manipulao do consumismo e da explorao de povos inteiros. Portanto, enquanto os mitos do passado se constituram em semente do conhecimento moderno, o mundo da cincia e da tcnica deslocou o seu significado e os instrumentalizou como ferramentas de manipulao e de controle. Portanto, preciso aproveitar o que os mitos nos ensinam e desmascarar o que atravs deles nos transmitido sub- liminarmente.

    O conhecimento religioso, resultante da revelao divina, de acordo com a crena das diferentes religies, projeta o sentido de transcendncia para todos os seres humanos. Apresenta-se uma contradio aparente na medida em que a construo humana resulta do conhecimento cientfico e este fruto da razo. Todavia, preciso compreender que a viso religiosa no projeta o mes-mo objeto da perspectiva cientfica. A primeira confere um significa de infinito ou transcendente e a segunda busca a significao e o controle do finito ou ima-nente. Portanto, o que ambas busca no se contradiz, at porque so conheci-mentos diferentes. Bem colocados em suas tarefas, os conhecimentos religioso e cientfico no coincidem e no so excludentes, mas podem e devem se conciliar tanto na explicao de todas as realidades existentes, quanto na vida concreta de todos os seus habitantes. religio cabe a tarefa de conferir o significado vida humana e cincia cabe explicar o mundo material que nos cerca. Portanto, so objetos diferentes que concorrem para a construo e realizao da condio humana em sua pluridimensionalidade bio-psico-social-espiritual-material.

    Assim, a construo da utopia de um mundo bom para se viver, um mundo sustentvel, ou um mundo onde caibam todos os seres existentes, resul-

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    tar da simbiosinergia de toda a teia da vida em que se constitui nosso planeta e todo o universo. Ser atravs da evoluo de todos os saberes e de sua colocao a servio da realizao da utopia de um mundo melhor que uma nova realidade poder emergir.

    H algum tempo, conseguir um lugar em nossa sociedade, sem o estudo, era algo difcil. Hoje, conseguir sucesso pessoal e profissional, sem o estu-do, quase impossvel. Vivemos em uma era do conhecimento e a sociedade aprendente. Portanto, uma das poucas chances que tem aqueles que no esto includos nesta sociedade por herana atravs da busca do saber. La-mentavelmente, nosso mundo ainda um lugar em que no h lugar para todos. Sendo assim, precisamos buscar conquistar esse lugar. A maneira que est ao nosso alcance, por mais difcil que possa ser, atravs da educao. Cada vez mais, a seleo se far pela competncia. na escola que havere-mos de buscar aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

    A Organizao das Naes Unidas (ONU), atravs da UNESCO, seu brao que cuida da educao, cincia e cultura no mundo, ao tentar vislumbrar as prospectivas para o novo milnio, identificou quatro pilares para o sculo XXI: conhecer, fazer, conviver e ser, anteriormente j mencionados.

    Sempre o conhecimento foi o grande instrumento de transformao do mundo. Desde a realidade primitiva, os seres humanos se hominizaram e se humanizaram atravs do conhecimento. Se j era importante e necessrio conhecer o mundo para nele se inserir de forma mais hominizado e humani-zadora, atualmente muito difcil avanar, seja do ponto de vista individual, quanto do ponto de vista coletivo, sem a ampliao do conhecimento de si e de seu mundo. Estamos na era do conhecimento, por excelncia. Tanto para os indivduos, quanto para os povos, o mais importante caminho de desen-volvimento est na busca do conhecimento. preciso que se invista, cada vez mais, na produo do conhecimento atravs da educao e da pesquisa.

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    Para muitos, a nica possibilidade de se furar o bloqueio dos mecanismos de excluso social atravs do conhecimento. Portanto, temos que despertar para o esforo individual e coletivo para que todos tenham acesso educao e ao conhecimento. Ao se conseguir acessar os meios formais e informais de crescimento intelectual, preciso que sejam aproveitadas todas as oportuni-dades que se apresentem para que se consiga avanar e conquistar espaos pessoais e profissionais.

    O segundo pilar sobre o qual haver de se estruturar o desenvolvimento do novo milnio ser o aprender a fazer. Sero as habilidades exigidas por um mundo complexo que precisam ser treinadas. A multiplicidade de reas tcnicas que surgem em um mundo cada vez mais sofisticado exige empenho para a aqui-sio de suas especificidades. Um conhecimento slido precisa vir acompanhado da capacidade de aplicar o que se aprendeu teoricamente. Tanto as escolas quanto o esforo individual precisam concorrer para que cada indivduo possa ser um profissional competente e capaz de responder demanda de um mundo cada vez mais tecnificado e exigente em suas diversidades e complexidades.

    O mundo dos generalistas foi substitudo pelo mundo dos especialis-tas. Isso representou grandes ganhos e tambm algumas limitaes. Ainda ne-cessitamos de uma massa imensa que se dedicar aos servios gerais. Porm, preciso que haja uma evoluo no que diz respeito valorizao dessas ativida-des que no exigem maior preparo tcnico. Como veremos frente, o labor to necessrio e importante quanto as atividades da alta especializao. Todavia, o mundo precisa aprender a valorizar as atividades que se restringem a esses afa-zeres. A possibilidade maior de avano em um mundo tecnolgico est na espe-cializao para responder s demandas e exigncias atuais. Aprender a fazer a chave maior para a incluso no universo do trabalho cada vez mais exigente em suas especificidades. Todavia, o saber especializado no pode perder de vista o saber holstico, ou seja, a percepo do todo. Por exemplo, um especialista da rea da sade no pode esquecer que estar tratando um ser humano e no ape-nas uma doena. Precisa lembrar que uma doena no apenas uma limitao de um nico rgo do corpo, mas resultado da disfuno da totalidade do or-ganismo que se manifesta em seu ponto mais fraco. A reunificao dos saberes se coloca como uma busca de reintegrao do que se fragmentou em demasia.

    Dentre os quatro pilares de sustentao do desenvolvimento para o mundo de um novo milnio, o terceiro a ser apontado o aprender a conviver.

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    Verifica-se um avano tecnolgico que possibilita um mundo de infinitas possi-bilidades ao lado de dificuldades primrias no que diz respeito s relaes entre os seres humanos. Tanto nas relaes interpessoais de nossos espaos cotidia-nos quanto as relaes entre os povos, o que se verifica so dificuldades imensas e que as remete condies rigorosamente primrias e, por vezes, at mesmo a uma verdadeira barbrie humana. Vivemos em um mundo de entredevora-mentos primitivos e incompreensveis diante do maravilhoso potencial humano que se desenvolve na atualidade. Para fazer acontecer o avano para um mundo onde haja lugar para todos e em que todos possam viver em paz, faz-se neces-srio o aprender a conviver. Especialmente a educao precisa se constituir no principal espao e instrumento de convivncia humana. Iniciando-se na famlia e formando-se na escola, a sociedade necessita de homens e mulheres que sai-bam conviver em harmonia, fazendo de todas as diferenas possibilidades de enriquecimento individual e coletivo, com vistas a um mundo bom para se viver para todos os habitantes do planeta.

    O quarto pilar a ser erigido pela sociedade atual o do ser. O mundo redu-ziu o ser humano somente ao ter. Os direitos fundamentais do ser humano acaba-ram por serem suplantados unicamente pela necessidade de produzir e consumir. O ser humano precisa se desenvolver em seus mltiplas dimenses. Enquanto no houver a possibilidade de um indivduo crescer sob todos os pontos de vista bio-lgico, material, intelectual, social, espiritual, emocional, tico, esttico etc. no existir um ser humano inteiro e feliz. Essa perspectiva da integralidade do ser hu-mano se constituir na grande meta para a qual devero concorrer todas as foras de que se compe a realidade de nossa existncia nesse planeta.

    H uma afirmao corrente a respeito do mundo em que vivemos no que diz respeito busca de um bom lugar: com o conhecimento j est difcil con-seguir-se um bom lugar, sem o conhecimento impossvel! O que significa essa afirmao e em que medida a sociedade atual a est compreendendo e criando condies para que todos tenha acesso a uma formao humana e profissional de qualidade?

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    Esse processo de desenvolvimento integral, caracterizando-se uma so-ciedade aprendente, haver de acontecer ao longo de toda a vida. O mundo que se apresenta, em um ritmo vertiginoso de desenvolvimento, exige que as buscas do conhecimento, das habilidades do fazer, do aprender a conviver e da cons-truo do ser, faam-se ao longo de toda a vida. No existe mais a possibilidade de algum pensar que, uma vez formado em algum curso, estar pronto para sempre e que no precisar mais nada fazer para responder s exigncias que se apresentarem. Essas exigncias se modificam a cada instante e respond-las um desafio permanente de atualizao e de renovao. Portanto, os cidados de um novo mundo so e sero cada vez mais homens e mulheres atentos a tudo de novo que, a cada dia, est a se apresentar e a exigir respostas inovadoras. So-mente assim ser possvel inserir-se em uma realidade paradoxal e desafiadora de uma sociedade aprendente.

    Faremos agora, na sequncia do quarto assunto, uma observao aten-ta da condio em que se apresenta a vida cotidiana dos seres humanos. pre-ciso verificar em que e como os seres humanos ocupam predominantemente os seus dias e se encontram ou no a realizao de seus anseios e necessidades mais primordiais.

    Voc encontrar todo o contedo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vdeos, podcast, objetos de aprendizagem e na participao do f-rum de discusso sobre o tema.

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    DELORS, Jacques et al. Educao: um tesouro a descobrir. 5. ed. So Paulo: Cortez, 2001.

    A UNESCO, rgo da ONU que cuida da educao, cincia e cultura no mun-do, organizou uma comisso de proeminentes da cultura mundial para dis-cutirem as perspectivas de desenvolvimento para o sculo XXI. Coordenada por um ex-ministro das finanas da Frana Jacques Delors prenuncia o conhecimento como a grande fora que far girar a roda da histria neste novo tempo em que vivemos.

    CAPRA, Fritjof. Sabedoria incomum. So Paulo: Cultrix, 2002.

    O renomado fsico austraco Fritjof Capra, radicado nos Estados Unidos, es-tabelece uma relao entre os diferentes paradigmas cientficos e os rumos do desenvolvimento de uma perspectiva holstica para os saberes do mundo contemporneo.

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    1.4 A condio humana

    O ser humano o nico que tem que construir a sua vida e ela s avana na medida em que se perseguem metas consideradas, por vezes e de imediato, impossveis e irrealizveis. Nossa utopia a de um mundo bom para se viver. preciso construir uma realidade cada vez melhor para todos. Nossa reflexo filosfica vai percorrer os caminhos na busca da iluminao da utopia de um novo homem e de uma nova sociedade. Haveremos de nos questionar sobre quais aspectos e por quais razes partimos do pressuposto de que o mundo que temos carece urgentemente de mudanas profundas. Buscaremos com-preender que somente uma postura de uma autntica cidadania poder levar realizao de um mundo mais justo e mais equitativo.

    O ponto de partida de nossa reflexo vai abordar a condio humana, to-mando o pensamento da filsofa alem Hannah Arendt (1906-1975) como fio condutor. A grande novidade da existncia humana se faz pelo fato de algum vir a este mundo e ter que fazer uma travessia realizadora. Sua pas-sagem vai se constituir em uma permanente atividade de transformao de si e de seu mundo, atravs do labor, do trabalho e da ao9. Transitando entre as trs formas de atuao sobre o mundo ou se fixando em uma nica maneira de faz-lo, assim que a condio humana haver de se caracterizar. Sua passagem poder ser realizadora ou, ento, sucumbir em emaranhados de descaminhos desumanizadores e de frustraes.

    Labor

    Arendt (2007, p.90) inicia a reflexo sobre as atividades humanas dis-tinguindo-as em labor, trabalho e ao. Ao falar do labor, refere-se ao desprezo enraizado j na cultura da antiguidade grega a tudo que exigia esforo fsico.

    9 Destaca-se a importncia de se definirem os termos, mesmo quando poderiam ser usados como sinnimos, para conferir um significado especial a um e outro.

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    Desde ento, para suprir as necessidades bsicas da sobrevivncia, executando tarefas servis, era preciso designar indivduos como escravos, reduzindo-os condio de animais domsticos. Estes, por fora do que realizavam, no pode-riam ser considerados seres humanos. Esta era a condio do labor. Laborar significava ser escravizado pela necessidade, escravido esta inerente s condi-es da vida humana (ARENDT, 2007, p. 94). Para conquistar a liberdade era preciso escravizar outros indivduos para executar as tarefas braais e que eram consideradas indignas de um ser humano. Diferentemente dos tempos moder-nos, em que a escravido tinha como finalidade a busca de mo de obra barata e de lucro, na antiguidade a escravizao significava a tentativa de excluir o labor das condies da vida humana. Tudo o que os homens tinham em comum com as outras formas de vida animal era considerado inumano (ARENDT, 2007, p. 95). O escravo era conhecido como o animal laborans 1510.

    Mais tarde, na conceituao moderna, as atividades humanas sero divididas segundo Arendt (2007, p. 96 e 98), de forma no menos preconcei-tuosa em trabalho manual e intelectual e trabalho produtivo e improdutivo. O labor movido pelas necessidades imediatas de sobrevivncia. Desta forma, to logo ele realizado, desaparece to depressa quanto o esforo despendido e consumido para execut-lo. Um bom exemplo a atividade do cozinhar. Pron-ta a comida, todos se alimentam e nada mais resta da demorada e cansativa atividade de quem ocupa o espao da cozinha. Incluem-se aqui a gama imensa de atividades conhecidas como de servios gerais, que no exigem maior espe-cializao, que so pouco consideradas e muito pouco valorizadas. Aqueles que as executam, raramente por escolha e satisfao pessoal, mas por necessidade e obrigao, sentem-se envergonhados do que fazem, sua autoestima baixa e sua autoimagem minscula. Nesta condio, questiona-se sobre a possibilida-de de recuperar a cidadania de quem se sente menos e visto como um indiv-duo de segunda categoria.

    Arendt (2007) destaca, com o advento da teoria marxista, o processo de mudana desta mentalidade que colocava a atividade humana de sobrevivncia (labor) da forma pejorativa como foi caracterizada. De acordo com a viso mar-xista, todo o trabalho resultado da fora humana, produzindo um excedente, isto , alm do necessrio para a sobrevivncia. Enquanto o sentido da vida hu-

    10 Homo laborans o homem cuja atividade o labor cotidiano, simples, repetitivo, cansa-tivo e pouco valorizado em nossa sociedade.

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    mana se reduz produo de bens para construir o prprio corpo, desaparecem todas as concepes diferenciadas das atividades humanas. Tudo ser trabalho, independente de sua qualificao e, portanto, precisar ser valorizado equitati-vamente. Se o labor no deixa atrs de si vestgios permanentes, o processo de pensar no deixa coisa alguma tangvel (ARENDT, 2007, p. 101). Mesmo o re-sultado da produo intelectual necessitar das mos para se evidenciar, tanto no que diz respeito ao pensamento em si mesmo, quanto na sua concretizao em uma realidade material. De sorte que, de acordo com a perspectiva marxista, nada justifica a diviso e a hierarquizao das diferentes tarefas humanas em trabalhos mais ou menos nobres.

    A condio humana individual se dar sempre a partir de um contex-to de mundo pr e ps-existente sua chegada e sua partida. A sua vida se constituir no intervalo de tempo entre o nascimento e a morte (ARENDT, 2007, p. 108). A vida biolgica se dar em um movimento que repete os ciclos predeterminados pela natureza para todos os seres vivos. Dentro deste tempo, o ser humano far acontecer a sua histria. O processo biolgico da vida humana e o crescimento e declnio do mundo se constituem no eterno ciclo da natureza que se repete. neste movimento que se d a atividade do labor, encerrando-se somente com a morte desse organismo. Esta a permanente tarefa denominada labor, prover a subsistncia dos processos vitais, num movimento incessante, can-sativo e repetitivo. o labor humano que busca preservar as condies dos seres vivos mediante o interminvel movimento de crescimento e declnio de tudo o que existe. Manter limpo o mundo e evitar o seu declnio a implacvel tarefa humana. Eis a o seu significado e sua importncia. Portanto, o labor sempre poder ser e ser impregnado do exerccio da cidadania. Por mais simples que seja a atividade humana, ela importante e necessria e quem a executa precisa ser valorizado e dignificado como um cidado.

    Para se recuperar o significado e a importncia das atividades laboriosas, preciso que se faa acontecer uma profunda mudana de mentalidade. A fora de uma herana histrica e cultural poderosa. O preconceito com relao ao trabalho manual vem da moral dos senhores e dos escravos de Aristteles, na antiguidade grega. Somos herdeiros de uma cultura greco-romana. At hoje, temos profunda-mente enraizada em nossas mentes e coraes a imediata distino valorativa em relao s diferentes atividades humanas. Basta algum se apresentar como exe-cutor de servios gerais e sua apreciao social j se faz espontaneamente depre-

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    ciativa. Quando, porm, em nossa perspectiva funcionalista, que avalia as pessoas por aquilo que tem e fazem, algum se apresenta como um trabalhador de alta especializao, logo assume um status orgulhoso e, no raras vezes, de arrogncia e prepotncia em relao todas as atividades mais simples e aqueles que as execu-tam. Portanto, estamos diante de um desafio tico que remonta a tempos pretritos e, por isso, de difcil modificao em seus aspectos negativos e preconceituosos.

    Trabalho

    A durabilidade do mundo produzida pelo trabalho. Enquanto o la-bor marcado pela fugacidade das coisas que produz e que duram somente o tempo necessrio para a sua produo e seu consumo, o trabalho fabrica a in-finita variedade de coisas cuja soma total constitui o artifcio humano (AREN-DT, 2007, p. 149). O produto do trabalho so objetos durveis, embora no de forma absoluta. Tambm estes envelhecem e, na medida do tempo, havero de sofrer o desgaste, sero substitudos e acabaro desaparecendo. Sua durabilidade relativa tanto pelo seu uso quanto pelo seu desuso. Se no forem utilizados, sofrero a ao do prprio tempo e, aos poucos, perdero sua consistncia, at sucumbirem e retornarem ao ciclo vital da natureza.

    O que diferencia o desgaste de um produto do trabalho que a sua finalidade no desaparecer como algo produzido pelo labor, cujo sentido ser consumido imediatamente. Esta condio o torna independente de quem o produz e de quem o utiliza. Ser um objeto em si mesmo, sempre disponvel para sua utilizao por quem quer que seja, conferindo assim certa estabilidade vida humana.

    Diz Arendt (2007, p. 150), contra a subjetividade dos homens, er-gue-se a objetividade do mundo feito pelos homens. o ser humano arru-mando a casa para nela se instalar. O mundo lhe oferece facilidades e dificul-dades. preciso minimizar as dificuldades e aumentar as facilidades de toda ordem. A natureza precisa ser domada para se ajustar s condies da exis-tncia humana. Assim, ele cria meios para se proteger das intempries, para vencer as distncias, para preservar alimentos, para se vestir, para curar as doenas etc. O mundo natural precisa da artificialidade para se tornar habi-tvel. Isto quer dizer que os produtos do labor so de consumo e os produtos do trabalho so de uso.

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    Todavia, existe certa similaridade entre o labor e o trabalho no que diz respeito aos seus produtos. Ambos sero consumidos. Uns de forma imediata e outros mais lentamente. Este ltimo, porm, provido de certa reificao, ou seja, mantm a sua durabilidade enquanto cuidado atravs de constante manuteno, podendo ser usado por muito tempo. A universalizao consiste em fabricar algo a partir da matria prima e coloc-lo a servio, como instru-mento, para suprir necessidades humanas especficas. Enquanto o homo labo-rans est submetido natureza, o homo faber aprende com ela, descobre os seus princpios, atua sobre ela e a domina, tornando-se seu senhor. Neste processo de humanizao, ou seja, de impresso das marcas humanas sobre a natureza, sempre haver certa ao destruidora. O homem se serve da natureza para so-breviver e, para isso, acaba exaurindo-a com certa violncia. Trata-se, porm, da fora engenhosa de seus instrumentos, criados para submet-la e coloc-la sob seu domnio. J no se nutre mais com o suor de seu rosto, mas com a soli-dez das ferramentas por ele fabricadas.

    Outro aspecto da fabricao, apontado por Arendt (2007), refere-se ao modo como se d a criao de instrumentos. O que precede a criao de um instrumento sua concepo mental. Esta, por sua vez, depois que se efetivou a sua realizao, permanece como modelo terico para futuras aplicaes e multi-plicaes. Isto quer dizer que antes de qualquer coisa ser fabricada, ela j existe na forma de uma imagem e permanece depois como um modelo mental para futuras fabricaes. Assim, a caracterstica da fabricao e que a distingue das demais atividades humanas, est no fato de ter um comeo e um fim bem de-finido. Alm disso, outra caracterstica a reversibilidade do processo de produ-o. Alguma coisa que venha a ser fabricada pode perfeitamente ser destruda e, portanto, deixar de existir, de acordo com a vontade do homo faber.11

    Assim como o labor, o universo do trabalho tambm se constitui em uma das mais importantes questes a desafiar o mundo contemporneo: de um lado penoso instrumentalizao tecnolgica altamente desenvolvida e sofisti-ca facilitou-se enormemente a condio humana. Todavia, paradoxalmente, na medida em que aumenta a afluncia incomensurvel, em todo o mundo, de uma massa trabalhadora em busca de um bom trabalho, na contrapartida, a tecno-logia libera um contingente proporcionalmente da mesma medida. Resultam,

    11 Homo faber o homem que fabrica instrumentos mais durveis e os dissemina para uso de todos e em todos os lugares.

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    como espao de trabalho ocioso, ou as tarefas simples e desgastantes do labor ou, ento, os espaos da mais alta e seletiva especializao. Restam as questes de ordem econmica, poltica, social e tica: o que haver de fazer profissional-mente essa massa humana, especialmente de jovens, no presente e no futuro que se vislumbra? Enquanto um nmero cada vez maior procura trabalho, a quantidade que liberada ou que sequer tem acesso ao trabalho cresce nas mes-mas propores.

    Ao

    A construo da cidadania pode ser identificada com a ao humana. O processo de humanizao se faz atravs da temporalidade e da criticidade do homem, isto , quando ele pensa, olha, escuta e age. A atividade humana que Arendt (2007) expressa como sendo a ao aquela que se realiza sempre no universo das relaes, resultando da caracterstica humana fundamental da pluralidade. A ao humana perderia o seu sentido e, sequer existiria, se to-dos os homens fossem iguais. na diferena que surgem as necessidades que produzem os desafios e que levam os indivduos a agir, ou seja, no haveria o discurso e a ao sem a diversidade dos seres humanos. Todos os demais seres que habitam o universo so providos de diferenas mnimas entre os elementos de sua prpria espcie e a comunicao entre eles elementar, resultantes me-ramente de estruturas instintivas e respondendo a condicionamentos. Portanto, as diferenas precisam ser compreendidas e aproveitadas como infinitas possi-bilidades humanas.

    Um dos maiores desafios do sc. XXI encontrar um bom lugar para todos os seres humanos afluentes no mundo do trabalho, especialmente jovens e adul-tos excludos. O que havero de fazer essas multides, tanto as que no tem acesso educao, quanto aqueles que chegam ao nvel educacional superior, em uma realidade onde os espaos de trabalho diminuem e a afluncia cada vez maior? preciso pensar que no se trata de no haver o que fazer. O mundo est para ser construdo e melhorado. O que importa que tudo o que

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    precisa ser feito tem que ser valorizado de forma justa e equitativa. Portanto, jamais deixe que entre em sua mente a ideia de que voc no vai conseguir ser bem sucedido porque o mercado est saturado. Ele est saturado para uma realidade de excluso e de injustia social. Todavia, precisamos pensar em um mundo de incluso e onde todos os espaos no sejam produto de um mercado, mas um direito garantido a cada cidado habitante deste planeta.

    Esta pluralidade humana se manifesta em um profundo sentido de alteridade. Isto quer dizer que o ser humano s existe, de maneira singular, na relao com os outros, expressando-se no discurso e na ao. Um indivduo poderia, em sua existncia, at mesmo decidir no faz-los. Seria uma vida me-docre e pobre. Se ele abrisse mo da comunicao e da ao, estaria colocando em risco a prpria condio humana. Isto equivale a dizer que a sua vida est literalmente morta para o mundo; deixa de ser uma vida humana, uma vez que j no vivida entre os homens (ARENDT, 2007, p. 189). Proferir a palavra e agir corresponde a nascer para a vida e para o mundo. O ser humano como cida-do se define como tal pela sua palavra e pela sua ao. O primeiro nascimento se d por um fato biolgico, ainda restrito a uma condio fsica. O verdadeiro nascimento se dar na medida em que este indivduo cresce e passa a se comu-nicar e a agir, isto quer dizer, apresentar a singular novidade de sua existncia entre os demais seres humanos. Esta ser a expresso maior de sua cidadania.

    O nascimento se constitui no absolutamente novo e expressa a possi-bilidade do surgimento do imprevisvel e surpreendente, resultando da plura-lidade humana manifestada pelo discurso. O indivduo assume a sua condio humana atravs da ao e do discurso. preciso agir e revelar a ao atravs da palavra. Somente a palavra identifica o autor da ao e este anuncia o que e para quem age. A passividade e o silncio escondem o ser humano. Tanto suas qualidades e seus dons, quanto seus defeitos e limitaes, permanecem ocultos. O prprio ato do homem que abandona seu esconderijo para mostrar quem , para revelar e exibir sua individualidade, j denota coragem e at mesmo ousadia (ARENDT, 2007, p. 199).

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    Como fazer acontecer esta utopia de uma nova condio humana, ou seja, de homens e mulheres que agem e se comunicam na intensidade de fazedores da histria individual e coletiva, ou seja, como cidados em pleno exerccio de sua cidadania?

    A expresso maior da cidadania se dar pela ao consciente e livre. O ser humano se far atravs de suas escolhas que se configuram num proje-to realizador e criativo. Essa condio possibilitar a expresso de todo o seu potencial e a concretizao mxima de suas buscas ao longo de sua travessia humana. Somente assim ele se constituir em fazedor de sua histria e sujeito solidrio com a realizao da utopia de um mundo bom para todos os habitantes do planeta.

    Portanto, labor e trabalho assumiro a verdadeira expresso humana na medida em que forem assumidos com conscincia e liberdade. Todas as ati-vidades humanas podero revelar a condio humana de dignidade e de reali-zao plena quando forem executadas por homens e mulheres sujeitos de sua histria individual e coletiva. Isso quer dizer que, a ao humana brotar do dinamismo consciente e livre de quem faz as suas escolhas, percebe o sentido do que realiza e, assim, se torna participante ativo da construo da utopia de uma realidade melhor para todos.

    Voc encontrar todo o contedo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vdeos, podcast, objetos de aprendizagem e na participao do f-rum de discusso do tema, na resoluo de problemas com ajuda do profes-sor e dos colegas atravs do chat e e-mails.

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    ARENDT, Hannah. A condio humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007.

    A filsofa alem Hannah Arendt, de origem judia, transfere-se para os Es-tados Unidos, onde ser reconhecida como uma das grandes pensadoras do sculo XX. Tendo vivenciado a experincia de regimes totalitrios, constri uma filosofia poltica, refletindo sobre a condio humana em tempos de violncia e incertezas.

    ______. Entre o passado e o futuro. 5. ed. So Paulo: Perspectiva, 2003.

    Hannah Arendt reflete sobre a possibilidade de recuperar a condio huma-na, a partir do fato mais importante de toda a existncia que o nascimento. A natalidade se apresenta como o que h de mais inovador e que funda a infinita possibilidade de realizao humana.

    O sculo XXI e ser cada vez mais uma era marcada pelo conhecimento. preciso que sejam atingidas e ultrapassadas todas as fronteiras entre o que conhecemos e o que ainda no se conhece. um desafio individual e coletivo para que se possa ajustar o mundo condio humana plena. As abordagens na leitura do mundo se multiplicaram ao infinito atravs do desenvolvimento das mais diferentes reas dos saberes. filosofia cabe o papel de se dobrar sobre todo o mundo vivido e refletir sobre todas as realidades em busca de sua significao mais profunda. Todo o conhecimento se dar numa relao intensa entre o ser humano e seu mundo. Essa relao que, ao longo dos tem-pos, transitou entre uma atitude de submisso diante da natureza at uma ao predatria e destruidora, precisa voltar a ser uma relao de respeito e de colaborao. O ser humano no poder mais transitar pelo planeta como

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    se fosse o primeiro, o nico e o ltimo habitante. Muitas geraes j nos an-tecederam e outras tantas ainda havero de chegar. Todos precisam herdar um mundo


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