Universidade Nove de Julho – Uninove
Curso: História
Disciplina: História do Brasil III (2012-1)
Professor responsável: Geraldo José Alves
Raisa Sampaio Moura de Oliveira R.A 911109072 3º Semestre Turma A Manhã
TEMÁTICA: A EXPERIÊNCIA OPERÁRIA
A FUGA E A GREVE
CONDIÇÕES DE TRABALHO E REVOLTA EM FERROVIAS BRASILEIRAS (1878-9 – 1920)
A estrada de ferro aparece como um dos símbolos da expansão do capitalismo industrial, que
tinha o objetivo de estabelecer-se no “mercado mundial” 1, a partir do século XIX.
Nicolau Sevcenko, na introdução de História da Vida Privada no Brasil, O prelúdio republicano,
astúcias da ordem e ilusões de progresso, aponta a origem “dessa dinâmica expansionista”,
que é a Revolução Industrial e considera que essa industrialização tem três fatores básicos,
inicialmente: “o ferro, o carvão e as máquinas a vapor” 2. É a origem da fábrica, onde o trem é
um dos responsáveis pelo transporte da matéria prima e daquilo que é produzido.
Interpretando a tabela apresentada no livro A Era do Capital, de Eric J. Hobsbawm, é possível
perceber que essa expansão do capital por estradas de ferro chega à América Latina a partir de
1860, quando havia menos de 500 milhas de trilhos. O número aumenta para 2,2 milhares de
milhas em 1870 e para 6,3 em 18803. O Brasil, por volta de 1875, tinha aproximadamente mil
milhas de trilhos4, e em 1897, o “Poder Público” era responsável por cerca de 90% das linhas.5
A construção de estradas de ferro caracteriza o tempo das “grandes obras públicas
internacionais”6. Esses projetos necessitavam de grandes investimentos, tramas financeiras,
alianças entre empresários, investidores, engenheiros e o Estado.
1 E. J. Hobsbawm, A Era do Capital, Rio de Janeiro, 1996, p.81.2 Nicolau Sevcenko, O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões de progresso, in: História da Vida Privada no Brasil, São Paulo, 1998, p. 8.3 E. J. Hobsbawm, A Era do Capital, Rio de Janeiro, 1996, tabela p. 87.4 Idem, Ibidem, tabela p. 86.5 Dissertação de Glaucia Cristina Candian Fraccaro, Morigerados e Revoltados – Trabalho e organização de ferroviários Da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920), p. 12.6 F. F. Hardman, Trem Fantasma. A Ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva, São Paulo, 2005. p. 141.
Tão grande quando o projeto era o número de trabalhadores. Estrangeiros e brasileiros,
recrutados para a construção e a manutenção das linhas férreas, exercendo diferentes ofícios
dentro da empresa, desde cargos administrativos a pesados trabalhos braçais. Francisco Foot
Hardman, que trata sobre a ferrovia Madeira-Mamoré no livro Trem fantasma A ferrovia
Madeira Mamoré e a modernidade na selva, diz que :
“É nesse momento de meados do século XIX que se pode falar de um verdadeiro mercado
de obra plenamente constituído em escala mundial. Quem o organiza são as próprias
necessidades da produção capitalista em expansão” 7.
Esses trabalhadores são levados até onde o capitalismo deseja se instalar, inclusive nas áreas
mais remotas, em que há extração de algum produto a ser industrializado.
Isso explica a instalação da ferrovia Madeira-Mamoré, em plena floresta amazônica, local de
extração de látex no Brasil, que contratou oficialmente 21.817 operários entre julho de 1912 e
agosto de 19128, período da segunda fase da construção da linha.
Hardman cita Manoel Rodrigues Lima em sua observação sobre o número de trabalhadores.
Além dos operários oficiais contratados, haviam operários avulsos, ou recrutados por
subcontratantes, podendo chegar a mais de 30 mil trabalhadores nas obras da ferrovia
Madeira-Mamoré.
Esses operários, ao chegarem no local de trabalho, tinham contato com diversas doenças
epidêmicas, somadas a trabalho excessivo. A citação seguinte é a respeito da Ferrovia
Madeira-Mamoré, mas as epidemias eram comuns entre mais ferrovias brasileiras:
“(...) pneumonia, sarampo, ancilostomíase (originada de um parasita intestinal), beribéri,
disenteria, hemoglobinúria, febre amarela, pé-de-madura, pinta, espúndia, calazar
(leishmaniose visceral) e, mais grave de todas, impaludismo (malária) (...)”9
Além das doenças, as ferrovias ofereciam um grande potencial de acidentes. Os laudos
médicos feitos pela Brazil Railway Company, em 1913, somam 1.693 mortos10 oficiais, porém,
o número de mortos reais e esquecidos não se sabe.
Também na Ferrovia da Bahia ao São Francisco - tema da dissertação de Robério Santos Souza
Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia : trabalho, solidariedade e
7 Idem, Ibidem, p. 148-149.8 Idem, Ibidem, tabela p. 164.9 Idem, Ibidem, p.176. Lista de moléstias feita por Oswaldo Cruz, médico sanitarista que esteve na região da construção da Madeira-Mamoré, a partir de 1909. 10 Idem, Ibidem, tabela p. 166.
conflitos (1892-1909) - as doenças eram ameças aos ferroviários. A falta de habitação fazia
com que os operários vivessem amontoados, facilitando o contágio. No caso da Ferrovia
Madeira-Mamoré, Hardman fala em acampamentos, que eram abandonados à medida que os
quilômetros de trilhos instalados cresciam.
Em meio a péssimas condições de trabalho, muitas vezes longe de suas terras, submetidos à
exploração da mão de obra, aos ferroviários, em várias regiões do país, não faltavam motivos
para revolta.
“Os ferroviários ocupavam um setor essencial no período” 11, uma vez que a ferrovia é uma das
responsáveis pela movimentação do capital e um problema afeta o lucro. Um problema para o
capital poderia ser uma greve que paralisa os trabalhos ou a quantidade de operários
impossibilitados de executar as obras e a manutenção por causa das doenças que contraíam.
Hardman trata do que seria “uma das primeiras greves operárias no Brasil” 12, por relatos do
engenheiro Neville Craig, que em 1903 foi encarregado de escrever a história da Madeira-
Mamoré (Craig escreve sobre uma primeira fase da construção da linha, que foi fracassada,
entre 1878-9).
O ocorrido envolve italianos recém chegados ao Brasil, que perceberam que norte americanos
e irlandeses tinham salários maiores e então paralisaram os trabalhos de escavação no leito da
linha e exigiram um aumento “de um e meio para dois dólares diários, inclusive alimentação.
Brandindo um cabo de picareta sobre suas cabeças, o sr. Collins, em pessoa, ordenou-lhes que
retomassem o serviço.” 13
Os italianos revoltados se organizaram e provocaram um motim armado, ocupando um
depósito e ameaçando mais ocupações. Craig assinala que haviam insatisfeitos de muitas
nacionalidades e por isso é provável que não fossem apenas italianos.
A empresa P. & T. Collins logo mobilizou uma guarda, prendendo líderes e suspendendo
alimentação aos “218 amotinados” 14 ,que voltaram ao trabalho.
Numa manhã, algo tido como incomum aconteceu. Cerca de 75 operários somem.
11 Dissertação de Glaucia Cristina Candian Fraccaro, Morigerados e Revoltados – Trabalho e organização de ferroviários Da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920), p. 9.12 F. F. Hardman. Trem Fantasma, p. 157.13 Idem, Ibidem, p. 157.14 Idem,Ibidem, p. 158.
“Pelas investigações procedidas conseguiu-se saber que haviam partido por terra, rumo à
Bolívia, através da impenetrável floresta, sem mapa, bússola, nem provisões. Nunca mais
se teve notícia deles [...]”15
Somente pessoas com alto grau de indignação e revolta seriam capazes de fugir para um lugar
desconhecido, sem saber o que lhes esperava. Nesse caso, ficar e se submeter a uma
“escravidão moderna” era pior.
Hardman usa o termo “escravos modernos”. Deserções e motins, dão características do regime
escravista à relação de trabalho que se tem nesse caso, o assalariado livre. Outra continuidade
na relação de trabalho pode ser percebida através da necessidade extrema de reposição do
contingente operário, que era desfalcado por doenças, expulsões, frequentes mortes. Para não
prejudicar a produção, os operários, assim como os escravos, eram logo repostos na massa
trabalhadora. A escravidão moderna é mostrada também em um trecho de Neville Craig,
trazida por Hardman, que também assemelha os operários aos seringueiros da Amazônia.
“Pelo contrato, [...] os operários era debitados pelo custo do transporte até Santo Antônio
até que tivessem seis meses de serviço, e só teriam direito à passagem de volta ao fim de
dois anos. Assim é que muitos, principalmente aqueles que, devido à doença, perderam
muito tempo, nada tinham a receber. Não poucos estavam em débito para com a firma.
Os que tinham vencimentos a receber podiam comprar artigos de vestuários, fumo e
outras miudezas, no armazém P. & T. Collins, mas não conseguiam obter nem por compra,
nem por qualquer outro meio, alimento adequado ao clima, ou capaz de estimular o
apetite de um organismo combalido”. 16
No caso das estradas de ferro do Rio de Janeiro, Glaucia C. C. Fraccaro, na dissertação
Morigerados e Revoltados – Trabalho e organização de ferroviários Da Central do Brasil e da
Leopoldina (1889-1920), aponta que as ferrovias D. Pedro II e Leopoldina faziam um conjunto
com o porto, dando ao Rio “um papel relevante” na economia de exportação, que sofreu com
o aumento da inflação causado pelo encilhamento, mas manteve sua posição de “principal
polo importador”. Em sua dissertação, Glaucia analisa as greves ferroviárias no Rio.
Em 1889, acontece a greve dos operários da Estrada de Ferro D. Pedro II, em função de
aumento salarial. A manifestação foi reprimida pela força policial, e antes mesmo do início da
greve, os líderes ferroviários José Martins da Rocha e Luiz Fellipe Cotegipe tinham sido presos.
15 Idem,Ibidem, p. 158.16 Idem,Ibidem, p. 153-154.
Em 1920, os ferroviários da Leopoldina Railway Company exigem “aumento de salários, regras
para contratações definitivas e fim dos trabalhos aos domingos” 17.Nesse caso, a mobilização
grevista conseguiu apoio de outros centros de trabalhadores, como os ferroviários da Central
do Brasil, sendo a maior greve geral no Rio de Janeiro até então18.
Sobre os ferroviários da Bahia, Robério Santos Souza, trata a presença do negro na classe
operária e nas ações grevistas, usando o caso de Galdino Calmon, operário de possível origem
escrava, um dos agitadores da greve que parou a Ferrovia da Bahia ao São Francisco, em
189419. Foi preso com mais quatro grevistas, acusado de danos. Foi uma greve de
carregadores, trabalhadores baianos, por questões salariais.
Em 1920, acontecem na Bahia manifestações contra empresas ferroviárias. Trabalhadores
param os serviços e depredam instalações em protesto. As causas: baixos salários, atraso nos
pagamentos, más condições de trabalho, excesso de serviço.
O movimento envolveu milhares de trabalhadores, criando estratégias de boicote para a
“manutenção da greve” 20. Esses ferroviários representaram resistência e criaram laços de
solidariedade, se comunicando e aderindo às paralisações. Há o “sentimento de pertencimento
comum”. 21 Logo, inimigo comum...
Essas são algumas das greves ocorridas entre 1878-9, ano do motim na Madeira-Mamoré e
1920, data da greve geral na Leopoldina Railway no Rio e da paralisação ferroviária na Bahia.
Os ferroviários, ao mesmo tempo que tentavam sobreviver às doenças e aos
descarrilhamentos, criavam formas de resistência,de conseguir algo que pudesse melhorar
suas vidas. A fuga, a greve, e outras possíveis mais que cabem à historiografia resolver.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVROS
17 Dissertação de Glaucia Cristina Candian Fraccaro, Morigerados e Revoltados – Trabalho e organização de ferroviários Da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920), p. 9.18 Idem, Ibidem, p. 13.19 Robério Souza Santos, dissertação Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia : trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909), p 15-16.20 Idem,Ibidem, p. 89.21 Idem,Ibidem, p.90-91.
HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma. A ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na
selva. 2º edição rev. e ampl. – São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
HOBSBAWN, Eric J. A Era do Capital. 1848-1875. 10º edição – Paz e Terra, 1996.
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões de progresso. In:
História da Vida Privada. Volume 3 – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
DISSERTAÇÕES
FRACCARO, Glaucia Cristina Candian. Morigerados e Revoltados – Trabalho e organização de
ferroviários Da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920).
SANTOS, Robério Souza. Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia :
trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909).