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Eixo: 06 – Educação e Movimentos Sociais Populares
ESCOLA REGIONAL DE MERITY: MEMÓRIAS E PATRIMÔNIO.
UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM
DUQUE DE CAXIAS
Cristiane Dias Nunes de Araújo (CEPEMHEd)1
Luciana Pires Alves (CEPEMHEd)2
Renata Spadetti Tuão (CEPEMHEd)3
Resumo:
A cidade de Duque de Caxias situada na Baixada Fluminense/RJ carrega as
contradições que são marcas da sociedade capitalista desde sua formação. É nesse
cenário pontuado por incoerências que o nosso objeto traz as marcas da luta das
agências da sociedade civil organizada pela preservação da Escola Regional de Merity
(atual Escola Dr. Álvaro Alberto), criada em 1921. Entre as agências citadas, destacam-
se o FORAS (Fórum de Oposição e Resistência ao Shopping), o SEPE (Sindicato dos
Profissionais da Educação do Rio de Janeiro) e o CEPEMHEd (Centro de Pesquisa,
Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense).
Das instituições nascidas no bojo da organização social, o SEPE vem se preocupando
com o patrimônio escolar e a formação de professores. A atuação do mesmo propõe o
debate que fundamenta a construção de políticas numa perspectiva contra-hegemônica,
como a criação do CEPEMHEd no processo de salvaguarda do patrimônio da Escola
Regional de Merity. Por esse motivo, o objetivo é divulgar o acervo da referida escola
pela contribuição dada ao campo da História da Educação e ao município, além de
apresentar como denúncia a ameaça de apagamento das memórias desse lugar. Essa
investigação tem como referencial teórico Gramsci e Edward Thompson no crescente
processo de conscientização patrimonial em relação à educação local. Seu recorte
temporal compreende o período de 2000 até os dias atuais e, a partir da pesquisa
documental do acervo da Escola Regional de Merity, sob a guarda provisória do
CEPEMHEd, o estudo evidencia as tensões que marcaram e continuam marcando o
caminho percorrido.
Palavras-chave: Memória; Educação patrimonial; Acervo; Duque de Caxias.
1 Cristiane Dias Nunes de Araújo - Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de
Duque de Caxias e Baixada Fluminense – Rio de Janeiro – Brasil – [email protected]. 2Luciana Pires Alves - Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de
Caxias e Baixada Fluminense – Rio de Janeiro – Brasil – [email protected]. 3 Renata Spadetti Tuão - Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de
Caxias e Baixada Fluminense – Rio de Janeiro – Brasil – [email protected].
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Introdução
As contradições sociais, marcas de uma sociedade capitalista, não estão
desassociadas da constituição de Duque de Caxias enquanto município. Estão presentes
desde sua formação - quando ainda era uma pequena vila rural pertencente a Nova
Iguaçu - até os dias atuais - quando consagrada como grande centro urbano.
Doenças como malária e febres foram frequentes na região nos anos iniciais do
século XX, como resultado, em grande parte, da existência de um saneamento básico
deficitário ou, muitas vezes, inexistente. Como afirma Armanda Álvaro Alberto (2016)
sobre o atendimento escolar e as condições sociais da população:
“Além de educação gratuita, a escola Regional fornece merenda,
vestuário, calçado, assistência médica e remédios. [...] Dadas as
condições em que vivem nossos alunos, cedo compreendemos que a
sua escola não devia ter férias completas. Assim, a assistência médica
e as aulas de trabalhos manuais não se interrompem nesse período.
[...] A pobreza e a doença são a regra entre os nossos
escolares”.(ALBERTO, 2016) Nessa conjuntura, na década de 1920, é criada a escola Regional de Merity. A
despeito de todas as dificuldades, Caxias foi sendo povoada de forma acelerada. Cada
vez mais loteamentos de terra eram criados a partir do retalhamento das grandes
fazendas da região e vendidos a migrantes vindos do interior do país e/ou a pessoas
pobres, oriundas do município do Rio de Janeiro, que foram deslocadas do espaço
central, da grande metrópole, para os morros, subúrbios e/ou lugares periféricos como a
Baixada Fluminense.
Em 1943, houve a emancipação da cidade, configurando-se como um espaço
industrial, em sua maior parte urbana, que vem se destacando, economicamente, tanto
no estado do Rio de Janeiro quanto no Brasil. Duque de Caxias encontra-se dividida,
atualmente, em quatro distritos: Duque de Caxias (1º), Campos Elíseos (2º), Imbariê
(3º) e Xerém (4º), com 41 bairros e uma população estimada em 855.046 habitantes4.
Nos anos iniciais de 2000, ganhou vida o movimento de preservação do
patrimônio documental dessa instituição, que vinha sendo descartado, esvaindo-se,
desta maneira, suas fontes de pesquisa e lugares de memória. Essa iniciativa demandou
4 Censo de 2010, estimativa 2010. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatística/população/
censo 2010. Acesso em 10.04.2016.
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a criação de políticas públicas voltadas ao patrimônio e à memória da educação do
município de Duque de Caxias, como a criação do Centro de Pesquisa, Memória e
História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense -
CEPEMHEd, em 2005, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, a partir da
reivindicação dos profissionais da educação da rede municipal de ensino.
Em 2008, o acervo remanescente da escola, da biblioteca e do museu escolar foi
entregue à guarda do CEPEMHEd, que iniciou um trabalho de tratamento e
identificação dos documentos, com objetivos de preservação e de disponibilização para
pesquisa. Compõe-se de documentos escritos, fotográficos, iconográficos,
tridimensionais e bibliográficos, datados das décadas de 1920 a 1990, os quais nos
oportunizam a reapropriação da cultura e das práticas dessa instituição. A despeito de
servir para a materialização de uma política de educação e de saúde que modelava a
população para um projeto nacionalista e higienista, a Escola Regional de Merity
oferecia atendimento aos alunos e suas famílias em ações pedagógicas, sociais e
culturais, contribuindo para o desenvolvimento local.
O olhar sensível dos militantes à preservação da Escola manifesta-se também na
mobilização para a proteção do seu prédio, objeto de reivindicação por tombamento
desde o início dos anos 2000. Em 2013, retomando-se esse processo, foi entregue o
requerimento de tombamento da Escola à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo,
iniciando-se outra demanda por política pública de preservação e nova arena de disputa
junto ao poder público.
Mate com Angu: Escola e Movimento Social na Baixada Fluminense
A Escola Regional de Merity (atual Escola Dr. Álvaro Alberto, mais conhecida
como “Mate com Angu”) está localizada no município de Duque de Caxias, Rio de
Janeiro. Foi fundada em 13 de fevereiro de 1921, por iniciativa da Professora Armanda
Álvaro Alberto5, com a colaboração de outros idealistas, quando parte da atual área
geográfica do município compreendia Merity, 4º Distrito de Nova Iguaçu6. Um local
5 Signatária do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, participou efetivamente da Associação
Brasileira de Educação, da Liga Brasileira contra o Analfabetismo, da Associação Cristã Feminina, dentre
outras instituições e manifestos. Para maiores esclarecimentos, consultar os estudos de Ana Chrystina
Venâncio Mignot. 6 Duque de Caxias foi emancipada do município de Nova Iguaçu em 1943.
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tipicamente rural, caracterizado por insalubridade, epidemias e ausência de saneamento,
serviços e equipamentos públicos, povoado por pessoas simples, em sua maioria sem
escolaridade. Uma escola de iniciativa privada, mantida por donativos e pela Fundação
Dr. Álvaro Alberto7, entretanto de cunho puramente público, servindo gratuitamente os
alunos e suas famílias em ações pedagógicas, sociais e culturais.
Foi criada com o nome de Escola Proletária de Merity, idealizada para atender,
gratuitamente, aos trabalhadores da Fábrica de Explosivos Rupturita, de propriedade do
irmão da fundadora, e a seus filhos. Entretanto, ante a impossibilidade de
funcionamento em horário noturno devido à falta de infraestrutura da região, abriu suas
portas apenas para as crianças e os adolescentes. Em 1924, passou à denominação de
Escola Regional de Merity, nome que lhe foi destinado desde a fundação, aguardando
apenas que a vissem “‘afeiçoada pelo seu próprio meio’ e ‘capaz de reagir eficazmente
sobre elle’ – em suma, com os seus traços bem definidos, livre já das incertezas dos
primeiros tempos”.8 E finalmente, em 1964, após a doação9 da instituição ao Instituto
Central do Povo10, passou à denominação atual: Escola Dr. Álvaro Alberto, em
homenagem ao pai da fundadora, o médico, sanitarista e cientista Álvaro Alberto da
Silva. Uma ideia concebida desde o primeiro ano da instituição.11
A partir de 1967, o ICP uniu-se à Prefeitura de Duque de Caxias para
manutenção do espaço e atendimento à comunidade.12 Firmaram oficialmente, a partir
de 1990, um convênio em curso até os dias atuais, para administração da instituição e
7 A Fundação foi criada em 1924, com fins de custeio da escola. Foi a mantenedora e gestora até 1964,
quando não dispôs mais de condições financeiras e decidiu doá-la ao o Instituto Central do Povo. 8 Relatório da Directora, de 1924, p. 3. Acervo sob guarda do CEPEMHEd – Centro de Pesquisa,
Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense. 9 A doação da escola foi decidida em Assembleia Geral Extraordinária da Fundação Dr. Álvaro Alberto
de 7/07/1964, registrada no Cartório Fausto Vieira, 2º Ofício em 16/12/1964, fl. 3. Deu-se mediante oito
condições que garantissem a continuidade dos cursos e projetos pedagógicos e sociais oferecidos pela
escola, assim como a preservação do patrimônio escolar, biblioteca, museu e oficina e a vedação de
transferência e cessão da escola a outra instituição. 10 O Instituto Central do Povo (ICP) é uma instituição criada em 1906 e filiada a Igreja Metodista
Episcopal. Atualmente, é o Instituto Metodista de Ação Social (IMAS). Apesar de ter sido uma escola
laica desde a sua fundação, sua filosofia e projetos sociais e pedagógicos se assemelhavam aos do ICP, o
que justificava a confiança de continuidade do trabalho que realizavam. 11 Pretendiam assim chamá-la quando a vissem mais próxima do que idealizaram: “uma acabada ‘escola
regional’”. Uma vez extinta a Fundação, foi-lhe conferido o “nome definitivo”. (Relatório da escola, de
1921, p. 1. Acervo Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC). 12 Conforme documentos da escola encontrados no acervo da Subsecretaria de Administração e Gestão de
Pessoal/Secretaria Municipal de Educação, digitalizados e inventariados pelo CEPEMHEd.
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oferta de vagas para “1ª a 4ª série do 1º grau”13, “facultado também o pré-escolar e a
educação especial”. A Escola Dr. Álvaro Alberto atende, atualmente, da educação
infantil ao 5º ano de escolaridade e educação especial.
Com organização institucional nos moldes da escola contemporânea, representa
um marco na História da Educação, por implementar e concretizar princípios e práticas
pedagógicas da Educação Renovada e do Ensino Regional no Brasil. Uma instituição
que desde sua fundação já iniciara seu trabalho sob tais orientações filosóficas e
metodológicas.
A historiografia sobre a história da educação na Baixada Fluminense nesse
período destaca a insuficiência de escolas existentes na região. A despeito dos
investimentos em instrução pública, a região alcançou intenso crescimento
populacional. Ademais, os tipos de escolas existentes revelava pouca consistência em
função dos prédios alugados e do mobiliário escolar disponível (DIAS, 2014).
O trabalho realizado na Escola Regional foi referência para outras escolas e
redes educacionais em todo o país, assim como para normalistas, entidades
governamentais e não governamentais envolvidas nas áreas de educação, saúde e
agricultura. Foi um laboratório das práticas escolanovistas e do ensino regional na
Associação Brasileira de Educação, na Sociedade Nacional de Agricultura e em outras
instituições que discutiam e influenciavam a implementação de políticas públicas.
Ficou, também, conhecida internacionalmente por meio de publicações a seu respeito
em livros, jornais e revistas. No clássico da literatura pedagógica brasileira, Introdução
ao Estudo da Escola Nova, Lourenço Filho destaca:
A Escola Regional de Meriti, na cidade de Caxias, nas proximidades
do Rio de Janeiro, parece ter sido no Brasil a mais completa
experiência de educação renovada pela intenção socializadora, os
procedimentos didáticos e a compreensão de cooperação da família na
obra da escola. (LOURENÇO FILHO, 1978).
Fernando de Azevedo também a cita na obra A Cultura Brasileira:
Não faltam, aqui e ali, iniciativas particulares, como para citar uma
das primeiras e de sentido mais corajosamente renovador, a Escola
Regional de Merity, fundada no Estado do Rio de Janeiro, em 1921,
por Armanda Álvaro Alberto, que se alistava entre os pioneiros da
educação nova no Brasil. (AZEVEDO, 1944).
13 Atualmente 1º ao 5º ano de escolaridade de acordo com a legislação atual.
6
Delgado de Carvalho, em Methodologia do ensino geographico (1925),
menciona a didática utilizada na Regional de Merity e a aponta como a primeira a
utilizar imagens na promoção da aprendizagem.
Estudiosos do campo da história da educação já se debruçaram sobre alguns
aspectos da história da escola ou de sua fundadora, como Mignot, Silva, Santos,
Magaldi e Freitas.
Apesar das pertinentes críticas ao uso da escola para materialização de uma
política de educação e de saúde que modelavam a população para o projeto nacionalista
e higienista da época (SANTOS, 2007), torna-se inquestionável sua importância e
contribuição ao se considerar o contexto educacional de corrente tradicional e
enciclopédica vigente e a intervenção na precária e carente realidade local. O alcance
educacional, social, político, cultural e ambiental influenciou diretamente o
desenvolvimento da cidade (SILVA, 2008).
Criaram com a escola, em 1921, a Biblioteca e o Museu Escolar, ambos com os
objetivos de subsidiar a prática pedagógica e contribuir para o desenvolvimento cultural
da comunidade.
A utilização de bibliotecas escolares já constituía uma prática desde o século
XIX, porém, voltada ao uso e instrução do professor. A ressignificação do uso por
discentes deu-se gradativamente, com o advento da Escola Nova. No Distrito Federal -
Rio de Janeiro, somente em 1928 se expandiu a instalação de bibliotecas e museus
escolares às escolas primárias com vistas à intervenção na prática pedagógica, a partir
da Reforma do Ensino proposta por Fernando de Azevedo, através do Decreto nº 3281
(VIDAL, 2004).
Na cidade ao lado, entretanto, a Escola Regional de Merity já havia
ressignificado seu uso desde 1921: organizou sua biblioteca, desde o início, em três
seções: alunos, professores e comunidade. O hábito da leitura era uma das principais
finalidades da escola, incentivando toda a comunidade escolar e local. Posteriormente,
estendeu-se a alunos de outras escolas, através do Concurso de Redação Monteiro
Lobato, divulgado na imprensa local, e do Concurso Olavo Bilac, de declamação. Entre
outras atividades realizadas pela Biblioteca Euclides da Cunha, estavam as audições de
discos para alunos e comunidade, palestras sobre música e músicos brasileiros, Clube de
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Leitura para os adultos e sessões de cinema regulares. Inscrita no Instituto Nacional do
Livro, foi a única biblioteca franqueada ao público em Duque de Caxias até a década de
1960.14 Encontra-se nos jornais locais Grupo e Tópico das décadas de 1950 e 1960, as
cobranças pela instituição da biblioteca pública.
O acervo desse segmento da escola era oriundo de doações particulares e de
instituições privadas e públicas, constituído por livros de literatura infanto-juvenil e
para adultos, de aplicação didática, técnicos, mapas, atlas, revistas, periódicos, manuais,
dicionários, dentre outros. Havia uma significativa rotatividade de empréstimos,
principalmente pelos alunos, chegando, em 1956, ao número de 2391 retiradas. Possuía,
ainda, a seção de discos. Em 1964, quando a escola foi doada ao Instituto Central do
Povo tinha um acervo de 4493 livros e 150 discos, conforme o relatório escolar desse
ano.
O Museu Escolar, denominado Museu Regional de Meriti a partir de 1924, o
único em Duque de Caxias por muitas décadas, também objetivava subsidiar a prática
pedagógica e oferecer opções culturais à comunidade. Da mesma forma que a
biblioteca, adiantava-se a outras escolas primárias. Com acervo composto por coleções
de variados tipos de material, doados por alunos, moradores, colaboradores, Museu
Nacional, Instituto Oswaldo Cruz, Divisão de Geologia e Mineralogia do Ministério da
Agricultura, Jardim Botânico, dentre outras instituições.
O Museu, organizado gradativamente, era utilizado de forma interativa, não
somente contemplativa, visto seu objetivo de utilização didática nas aulas de História
Natural e de Geografia. Animais embalsamados, conchas, corais, minerais, aquário,
amostras vegetais, peças de vidro utilizadas em laboratórios, reativos químicos e outras
substâncias, amostras de madeira e de peles de animais, gravuras, quadros, cerâmicas,
miniaturas, cartões postais de todas as regiões do Brasil e de todos os continentes,
revistas nacionais e internacionais, coleções de gráficos e etnográfica, “aparelhos de
ensino”, dentre outras peças. Em 1960, foi classificado em Seções de Física, Química,
14 A primeira Biblioteca Pública Municipal, Dr. Gastão Reis, só foi inaugurada em 11/01/1968, segundo o
Boletim da BPM Dr. Gastão Reis, vol. 1, nº 2, jul/dez 1969. Documento constituinte do acervo da
Biblioteca Euclides da Cunha, sob a guarda do CEPEMHEd.
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Mineralogia, Botânica, Zoologia e Artes Populares. Tinham por objetivo, desde sua
criação, franqueá-lo ao público quando conseguissem uma sede própria.
A escola possuía, ainda, um terceiro grande segmento: a Oficina Heitor Lyra.
Atividade iniciada em 1921 com as aulas de trabalhos manuais masculinos,
transformou-se na oficina de carpintaria que contribuiu para a formação profissional de
muitos caxienses, incluindo pessoas com necessidades especiais.
Importante ressaltar a utilização desse espaço escolar pelas organizações do
movimento social nas décadas de 1970 e 1980. Suas instalações eram cedidas para
reuniões do Centro Estadual de Professores (CEP, atual SEPE - Sindicato Estadual dos
Profissionais em Educação), do Movimento União dos Bairros (MUB) e do Movimento
Negro Unificado (MNU) servindo como espaço de discussões que contribuíram para a
constituição de importantes políticas públicas para o município.
Os profissionais da educação e a luta pela preservação do patrimônio educacional
A Diretoria Colegiada do SEPE/Núcleo Duque de Caxias15 ao visitar a Escola
Dr. Álvaro Alberto no início dos anos de 2000, em demandas da data-base da categoria
dos profissionais da educação da rede municipal de ensino, descobriu que o patrimônio
escolar estava se perdendo gradativamente. É nesse contexto, que o coletivo dos
profissionais da educação despertou para a necessidade de assegurar a preservação do
patrimônio e das memórias da educação do município por intermédio da instituição de
um órgão público com tal finalidade.
Começaram, então, as negociações dentro do Sindicato e com as universidades
do município para a chancela de criação de um Centro de Memória da Educação. Dada
a inviabilidade de criação dentro dessas instituições, a ideia avançou para a
possibilidade de constitui-lo por intermédio do poder público municipal. Discutida nos
encontros de formação com os profissionais da rede pública e nos conselhos de
representantes da categoria, foi levada à Assembleia dos profissionais da rede municipal
de ensino na data-base de 2005. Aprovada, a proposta foi incluída na pauta de
reivindicações da categoria e apresentada à Secretaria Municipal de Educação (SME)
pelo SEPE/RJ núcleo Duque de Caxias, com uma Minuta discutida coletivamente. A
solicitação foi acatada pela SME e em 23 de dezembro de 2005, foi assinado o Decreto
15 Sindicato Estadual dos Profissionais em Educação/ Núcleo Duque de Caxias.
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nº 4805 criando o CEPEMHEd – Centro de Pesquisa, Memória e História da Cidade de
Duque de Caxias e Baixada Fluminense, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, nos
moldes da Minuta apresentada. Em 2008, após a reivindicação do estabelecimento do
Centro por lei, foi sancionada a Lei nº 2223, transformando o Decreto de criação em Lei
Municipal e instituindo, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Arquivo
Público Municipal. Este último ainda não concretizado.
O CEPEMHEd surgiu, assim, como produto da “experiência” do movimento dos
trabalhadores em educação no esforço de legitimação de seus valores, no sentido
apontado por Edward Thompson (1987), de uma relação histórica e uma consciência
social para além da identidade de classe, onde se compartilha e articula interesses
comuns, em oposição a outros de classe antagônica. Apresenta-se como instituição de
salvaguarda das memórias e patrimônio da educação local e como agente propulsor de
políticas públicas voltadas a esses objetos de disputa.
Surge, também, nos moldes da teoria gramsciana de interação, conflito e
dialogicidade entre sociedade civil e sociedade política – “fruto de conflitos entre
sujeitos coletivos organizados a partir da Sociedade Civil que, visando consolidar sua
hegemonia, buscam fazer-se presentes junto à Sociedade Política ou Estado Restrito.”
(MENDONÇA, 2005).
Traz, ainda, nesse viés de “estado ampliado” (GRAMSCI, 2000), a conquista
inovadora de uma gestão compartilhada, com ação direta de agências da sociedade civil
na administração de um órgão do poder público municipal. Essa intensa luta pela sua
efetivação, garantiu questões de muita relevância para o CEPEMHEd, configurando-o
como uma instituição pública administrativamente, inovadora. Como o escrito no artigo
2º, da Lei de criação desta instituição:
Art 2º. O CEPEMHEd é uma organização criada no âmbito da
Secretaria Municipal de Educação, paraestatal mista, com fim público,
e gerida pela sociedade civil e pelo poder público, sem qualquer
discriminação:
I. Com ausência de finalidade de lucro;
II. Com ausência de remuneração para os seus dirigentes ou
conselheiros;
III. Os membros da diretoria executiva serão funcionários públicos
cedidos pelo poder público, sem ônus para a instituição.(Lei 223,
2008)
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É gerido por um Conselho Deliberativo formado por representantes do poder
público e por entes da sociedade civil16, e conduzido por uma Diretoria Executiva,
composta por professores das redes públicas municipal e estadual, cedidos sem cargo
comissionado. Cabe ao conselho Deliberativo:
Art. 15 - O Conselho Deliberativo tem a incumbência de:
I - Estabelecer as diretrizes fundamentais da política geral do
CEPEMHEd, verificar e acompanhar sua execução, conforme o
Estatuto;
II - Autorizar a Diretoria Executiva a comprar ou alienar bens, contrair
empréstimos, emitir títulos, dar garantias e contratar pessoal e serviço
de terceiro;
III - Examinar anualmente, até o dia 30 de novembro, o Plano de Ação
da Diretoria Executiva para o exercício seguinte, assim como o
relatório de atividades do exercício vigente;
IV - Destituir a Diretoria Executiva ou algum dos seus membros por
inoperância administrativa, improbidade e/ou atividades incompatíveis
com o cargo;
V – Estabelecer parcerias, convênios e alianças de cooperação técnica.
Único - É conferida à Diretoria Executiva autonomia para atos de
cunho administrativo, em caso de relevância e/ou iminência de prazos,
sem a prévia autorização do Conselho Deliberativo. (ESTATUTO
SOCIAL DO CEPEMHEd, 2007)
A diretoria Executiva, segundo seu estatuto, é composta por diretor geral, diretor
de Pesquisas Acadêmicas, Diretor de Ações Pedagógicas e Diretor Administrativo. A
primeira gestão da instituição foi indicada pelo SEPE/RJ - núcleo Duque de Caxias,
aprovada pelo Conselho Deliberativo e apresentado em assembleia à categoria. As
demais gestões foram indicadas por outras instituições que compõem o Conselho
Deliberativo. Cabe a Diretoria Executiva:
Art. 22 - Compete à Diretoria Executiva:
I - Promover a realização dos objetivos a que se propõe o
CEPEMHEd;
II - Cumprir e fazer cumprir o presente Estatuto;
III - Manter o funcionamento do órgão como um projeto a serviço de
pesquisadores e de docentes;
16 O Conselho Deliberativo é formado pela Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de
Cultura, Coordenadoria Regional da Região Metropolitana V/SEE, Sindicato Estadual dos Profissionais
em Educação/Núcleo D. Caxias – SEPE/Caxias, Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/UERJ –
FEBF/UERJ, Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - FEUDUC,
Universidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy – UNIGRANRIO, Associação dos Amigos
do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto / CMDC, União de Bairros/Federação Municipal
das Associações de Moradores de Duque de Caxias - MUB, Escola Dr. Álvaro Alberto e Instituto Central
do Povo/IMAS.
11
IV - Produzir, fomentar e publicar pesquisas;
V - Possibilitar o desenvolvimento de um projeto de Educação
Patrimonial, objetivando implementar um olhar mais cuidadoso,
responsável e de preservação dos acervos escolares como fonte
histórica do conhecimento construído nas instituições escolares da
cidade e da Baixada Fluminense, que permita compreender a escola e
suas práticas;
VI - Oportunizar a formação continuada do educador através de
cursos, palestras, seminários, congressos, exposições, produção e
acervo de documentação pedagógica, vídeos, filmes, apoio a
programas inovadores, tornando o órgão um espaço de diálogo, de
reflexão, de troca e de primazia do professor-pesquisador;
VII - Elaborar as demonstrações financeiras e o orçamento anual, com
parecer do Conselho Fiscal, para apreciação do Conselho
Deliberativo, que as submeterá à Assembléia Geral;
VIII - Assinar convênios e demais instrumentos de interesse sócio-
cultural ou educacional para o CEPEMHEd;
IX - Indicar contratação de pessoal, quando necessário;
X - Administrar as finanças do CEPEMHEd;
XI - Emitir cheques e assinar convênios, investindo os recursos
existentes da melhor maneira possível;
XII - Fixar os valores dos serviços a serem prestados pelo
CEPEMHEd;
XIII - Outorgar procuração a terceiro, fixando no instrumento de
mandato os poderes e o prazo de sua duração, com a prévia aprovação
do Conselho Deliberativo.
XIV – Participar das reuniões ordinárias e extraordinárias do
Conselho Deliberativo. (ESTATUTO SOCIAL DO CEPEMHEd,
2007)
A instituição, que tem como principal objetivo preservar a História e a Memória
da Educação de Duque de Caxias e da Baixada Fluminense, se propõe a oportunizar um
espaço de fomento à produção e divulgação de pesquisas, de formação docente, de
arquivamento e tratamento de dados coletados e de educação patrimonial.17
Adota como princípio norteador de suas pesquisas e projetos a ênfase nas
“memórias subterrâneas” (POLLAK, 1989). Busca, dessa forma, desvelar as
“experiências” coletivas (THOMPSON, 1987) e o protagonismo de sujeitos históricos
anônimos enredados no processo de consolidação da educação local e no esforço de
instituição de políticas públicas para a democratização e melhoria da educação. Vem
desenvolvendo projetos e ações que contribuam para a promoção da conscientização
patrimonial em relação às memórias e bens culturais da educação da região.
17 Maiores informações sobre o CEPEMHEd podem ser encontradas no site
centrodememoriadaeducacao.net.br.
12
SEPE, CEPEMHEd e FORAS: a resistência por uma memória para além do
capital
No contexto de proteção do patrimônio escolar, o acervo remanescente da
Escola Regional de Merity foi recolhido e entregue à guarda do CEPEMHEd pela
Secretaria Municipal de Educação em 2008. Sem lugar para guardá-lo, visto ainda
encontrar-se em obra de reforma a futura sede do Centro no Complexo do Museu Vivo
do São Bento18, o acervo foi acondicionado e abrigado pelo Instituto Histórico Vereador
Thomé Siqueira, da Câmara Municipal de Vereadores de Duque de Caxias, onde ficou
até 2011, após organizada a Sala de Tratamento e Guarda de Acervo do CEPEMHEd,
localizada no Instituto de Educação Governador Roberto Silveira. Deu-se início, então,
à identificação e tratamento do material, para preservação e disponibilização a
pesquisadores.
O acervo proveniente da escola, da biblioteca e do museu escolar foi constituído
por documentos escritos, fotográficos, iconográficos, tridimensionais e bibliográficos,
datados das décadas de 1920 a 1990, os quais nos oportunizam a reapropriação da
cultura e das práticas da instituição, assim como dos contextos educacional e cultural da
época – locais e gerais.19
Dentre os documentos, encontram-se os relatórios anuais da escola, entre 1921 a
1964; cadernos de registro dos programas desenvolvidos, de doações e de registros
financeiros; variados documentos escritos internos e externos à instituição; fotografias
diversas; livros de registros de obras e cadernos de controle da biblioteca e do museu
escolar; discos de vinil com gravações de festas e eventos da escola; mais de mil cartões
postais do Brasil e de todos os continentes; peças confeccionadas na oficina de
carpintaria; peças de vidro de laboratório; amostras de madeira e de pele de animais;
animais empalhados; conchas e corais; utensílios indígenas; peças de cerâmica; livros
relativos a educação, utilizados pelos professores; de literatura infanto-juvenil e adulta;
didáticos de diversas áreas; dicionários; enciclopédias e livros de assuntos diversos.
18 O Museu Vivo do São Bento constitui um museu território que guarda referências de diversos
agrupamentos humanos em diferentes tempos, dos povos das conchas aos moradores atuais. Está
localizado no bairro São Bento, 2º Distrito de Duque de Caxias/RJ. 19 Pode ser encontrado acervo da escola para pesquisa também no Instituto Histórico Vereador Thomé
Siqueira, da Câmara Municipal de Vereadores de Duque de Caxias. E no arquivo pessoal da Professora
Armanda Álvaro Alberto, no PROEDES/UFRJ (Programa de Estudos e Documentação Educação e
Sociedade/Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
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Parte desse acervo encontra-se, desde 2011, exposto na escola em seu espaço
museal - uma exposição de longa duração organizada pela equipe escolar.20
Em 2015, foi aprovado um projeto de financiamento junto à FAPERJ (Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), proposto pela
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – FEBF/UERJ, em parceria com o
CEPEMHEd, para tratamento, reacondicionamento e melhor disponibilização do
material para pesquisa.
As ações de salvaguarda do patrimônio da Escola manifestam-se também na
mobilização para a proteção do seu prédio. Mais uma vez, deu-se a organização coletiva
nas agências da sociedade civil e disputa para inserção de seus valores e prioridades no
Estado restrito.
Desde o início dos anos de 2000, há um movimento incansável de professores,
historiadores e de outros militantes de Duque de Caxias para proteger e preservar a
Escola Regional de Merity, juntamente com outros bens patrimoniais do município, que
vêm sendo gradativamente dilapidados. Ante o descaso do governo municipal, o
Conselho Municipal de Cultura votou, em agosto de 2006, o tombamento simbólico de
41 bens do município, entre eles, a Escola. Ainda por iniciativa dos Conselheiros, foi
elaborada e sancionada a Lei Municipal de Tombamento, nº 2300, em 2009.21 A
despeito da lei e das frequentes reivindicações, nenhum bem está tombado ainda na
cidade. A não ser no outro emprego semântico da palavra: alguns deles foram
demolidos.
Em 2013, preocupados com a ameaça à escola ante a construção de um shopping
ao lado, a sociedade organizada retomou a mobilização. No mesmo ano, numa
assembleia da rede municipal de ensino, foi votado o pedido de tombamento da escola.
20 Em 2011, duas professoras que participavam do curso anual realizado pelo CEPEMHEd Escola. Lugar
de Memória, Pesquisa e Experiências em Educação Patrimonial tiveram a ideia de articular a escola para
a reabertura do museu escolar, como atividade do seminário proposto aos cursistas. A escola disponibiliza
esse espaço ao CEPEMHEd para realização de visita mediada em seus projetos “Palimpsesto. Reescrita
do patrimônio histórico-educativo: Espaço museal da Escola Dr. Álvaro Alberto e do Instituto de
Educação Governador Roberto Silveira e “Patrimônio histórico-educativo. Leituras da Educação em
Duque de Caxias: Andanças para ver e ler”. 21 Lei n. 2300, de 16/12/2009. Dispõe sobre o Tombamento de Bens Materiais e Imateriais que
constituem o Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Município de Duque de Caxias.
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O SEPE/ RJ núcleo Duque de Caxias levou a solicitação para a Reunião do Conselho
Deliberativo do CEPEMHEd, por ser uma entidade componente desse Conselho.
O CEPEMHEd, assumiu, então, a condução e convidou pessoas e instituições
ligadas a educação, cultura e patrimônio, bem como as Secretarias Municipais de
Cultura, Educação, Planejamento e Urbanismo, Obras e Meio Ambiente; a Escola; o
Instituto Central do Povo e o Conselho Municipal de Cultura para uma reunião em
setembro de 2013, na Biblioteca Municipal Leonel de Moura Brizola, a fim de dialogar
a respeito e propor a solicitação do tombamento. Dessa reunião saiu um requerimento
com dezenas de assinaturas, solicitando o Tombamento da Escola Dr. Álvaro Alberto.
O requerimento foi entregue à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo
(SMCT) em setembro de 2013, pelo CEPEMHEd, representando todos os requerentes.
E reapresentado novamente em outubro do mesmo ano, visto o prazo expirado pela
SMCT para abertura do processo, conforme a lei municipal de tombamento.22 O
processo foi, então, aberto em outubro de 2013, sob o nº 037349. Instaurou-se, assim, a
comissão técnica para elaboração do parecer técnico sobre a escola, a ser encaminhado
ao Conselho Municipal de Cultura, constituída pelas Secretarias Municipais de Cultura
e Turismo, Educação, Planejamento e Urbanismo, Ações Institucionais e Comunicação,
Meio Ambiente e Agricultura; pela Procuradoria Geral do Município e pelo
CEPEMHEd, este último encarregado de elaborar a pesquisa histórica sobre a escola.
Foram, ainda, convidados para acompanhar a comissão como representantes da
sociedade civil juntamente com o CEPEMHEd, a APPH-Clio (Associação dos
Professores e Pesquisadores de História da Baixada Fluminense – Clio) e o
SEPE/Núcleo D. Caxias.
Ao processo, somaram-se várias cartas de apoio de universidades e instituições
envolvidas com educação e cultura, e moções de apoio do encontro estadual de história
da educação e das conferências municipal e estadual de cultura.
22 Art. 4º. O procedimento de Tombamento será iniciado a pedido de qualquer interessado, seja um
cidadão, uma organização ou representante do Poder Público, através de requerimento à Secretaria
Municipal de Cultura e Turismo que instituirá o processo com as informações necessárias e com parecer
técnico, encaminhando-o ao Conselho Municipal de Cultura num prazo de 30 (trinta) dias, ocasião em
que o proprietário ou titular do domínio do bem será notificado da existência do mesmo, sendo convidado
a se manifestar num prazo de 15 (quinze) dias.
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Conforme a lei municipal de tombamento, artigos 4ª e 5ª, o prazo processual
deverá transcorrer em, no máximo, cento e cinco dias, após o qual, “havendo a
indicação para o tutela do bem, o processo será encaminhado ao Chefe do Executivo
Municipal que decretará o Tombamento definitivo” (art. 5º, § 2º). No entanto, o
processo encontra-se, ainda, há dois anos, parado na SMCT, sem a apresentação ao
Conselho Municipal para apreciação e deliberação.
Essa lei assegura, em seu artigo 21, um entorno de cinquenta a quinhentos
metros sobre o bem tombado, o que entra em conflito com o projeto original de um
shopping em vias de construção. A proposta aprovada no Conselho Municipal de
Cultura pelos representantes do poder público, com desempate por voto de minerva, foi
a alteração da lei, retirando o referido artigo, antes de proceder a deliberação sobre o
tombamento.
Num embate de interesses opostos entre a sociedade civil, que prima pela
proteção da escola e da Catedral de Santo Antonio, e os do poder público, interessado
na construção de um shopping muro a muro com esses bens, outras instituições e
instâncias de reivindicação integraram-se ao processo, intensificando a arena de disputa.
Em 2014, foi criado o FORAS (Fórum de Oposição e Resistência ao
Shopping)23, formado por várias instituições e por militantes sem vínculos
institucionais, mobilizados contra a construção de um shopping numa área central de
Duque de Caxias, comprovadamente inadequada para recebê-lo24, devido aos impactos
de vizinhança e consequentes transtornos ambientais, climáticos, patrimoniais,
econômicos ao comércio local, na mobilidade urbana, dentre outros. E cuja tramitação
vem se caracterizando por vícios processuais de licenciamento. O FORAS uniu-se,
então, à causa da escola, somando forças e ações de proteção ao patrimônio, ampliando
a divulgação por intermédio de boletins, panfletagem, elaboração de vídeo, reimpressão
do documentário sobre a escola escrito por Armanda Álvaro Alberto que, em
colaboração com o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira), aconteceu em maio de 2016 e já está disponível para consulta em
23 Maiores esclarecimentos sobre o FORAS e instituições componentes disponíveis no site www.
foras.com.br. 24 Segundo estudos realizados pelo IPPUR/UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional/Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
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arquivo digital no próprio site do INEP25. Dessa forma, fortalece a “disputa pela
memória” em oposição ao “enquadramento” articulado pelas forças antagônicas.
(POLLAK, 1987).
A seara de disputa chegou, por intermédio do FORAS, ao Ministério Público,
que se propôs a dar início a uma ação civil pública de proteção à escola
independentemente ao processo de tombamento, caso comprovada a sua importância
histórica. Em setembro de 2014, o CEDECA/RJ (Centro de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente) entrou, então, com a petição, apresentando um dossiê com a
pesquisa histórica acompanhada de dezenas de documentos, fotografias, reportagens em
periódicos e publicações sobre a escola, preparado pelo CEPEMHEd.
Convencida, a 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva - Núcleo Duque de
Caxias deu início, em outubro, à ação civil pública. A fim de garantir a participação da
sociedade civil efetivamente no processo, o SEPE/RJ - Núcleo Caxias entrou com o
pedido de Assistente na Ação. Apesar de aceito formalmente o pedido, a audiência de
conciliação e assinatura do Termo de Ajuste de Conduta pela empresa construtora e pela
prefeitura aconteceram sem o conhecimento e presença do SEPE. Esse último tentou ser
ouvido para garantir termos de proteção à escola considerados mais seguros e
satisfatórios à sociedade civil, além de garantir o mínimo de cinquenta metros de
proteção de entorno para construção do shopping, como garantido na lei, posto que,
uma vez instaurado o processo de tombamento, a escola se encontra tombada
provisoriamente.
Na tentativa de garantir o tombamento em outra instância, o CEPEMHEd dá
entrada no pedido de tombamento estadual da escola no INEPAC (Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural/RJ) em abril de 2014, sob protocolo nº 413/14, cujo processo
encontra-se ainda em análise.
E a resistência continua...
Os caminhos para se construir uma política que permita a seus cidadãos o direito
à memória estão sendo traçados pelos agentes da sociedade civil inseridos nos
movimentos sociais, pelos historiadores da cidade, assim como, pelo coletivo do
25 http://www.publicacoes.inep.gov.br
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CEPEMHEd nos seus fazeres cotidianos e nos movimentos de luta que permeiam as
ações desses espaços.
Vale tomar emprestado de Thompson suas conclusões para finalizar esse
modesto relato sobre uma “experiência” vivenciada num município da Baixada
Fluminense estigmatizado e acompanhado por uma trajetória de violência e
“paternalismo” desde seus primórdios.
Felizmente, um município marcado por forte militância e resistência, presença
constante na arena de disputa por direitos e por legitimação.
A partir de seus escritos, arriscamos concluir que os bens culturais são produtos
das “experiências” de sujeitos e de classes no cenário de negociação por afirmação de
seus valores e modos de viver e sobreviver.
Nessa contextura, perder as memórias e patrimônios materiais e imateriais da
educação significa contentar-se em ver o apagamento de escritas deixadas por
professores, funcionários, alunos e outros sujeitos históricos que compartilharam um
“contexto, processo e movimento” (THOMPSON apud SCHUELER, 2007) no esforço
de consolidar a escolarização e a democratização do acesso à educação em Duque de
Caxias.
Busca-se, talvez, aprender com a própria história fazendo uso do exercício de
rememoração, onde somos provocados a pensar na potência do rememorar como um ato do
conhecer que reúne tempos, espaços, saberes, conhecimentos e implica a formulação de novos
conceitos, de novas ações, enfim, de novos olhares sobre a cidade e sua história.
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