ENADE: O DISCURSO DE UMA POLÍTICA GLOBALIZADA
ARSEGO, Deizi Cristina – PUCPR1
MIOTTO, Denise Mazocco – PUCPR2 [email protected]
QUIRINO, Vanessa Ferreira dos Santos – PUCPR3
Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O Enade está inserido no âmbito das políticas educacionais do governo brasileiro. Neste trabalho, objetiva-se compreender como se manifesta(m) os discursos (s)/sustentado(s) pela política educacional, que, por sua vez, é a base do Enade. Para tanto, busca-se um estudo reflexivo sob uma abordagem discursiva. A análise da elaboração e aplicação desse exame, considera a conjuntura política, tanto brasileira quanto internacional, que direciona as medidas governamentais desde a instituição obrigatória do Enade. A legislação que estabeleceu a avaliação e os conteúdos contemplados pelo exame são observados sob um viés discursivo. Com a primeira, nota-se que o Estado se constitui como autoridade que avalia as instituições superiores, garantida pela afirmação de uma memória discursiva. Esta memória do dizer está vinculada às demandas internacionais que cobram do Estado a manutenção dos Direitos Humanos, tema observado nas questões das provas do Enade. A partir desta proposta, este estudo coloca em discussão a possibilidade de localizar esta avaliação na linha tênue que divide a política interna e externa brasileira, como medida de validar, garantir, e justificar as políticas educacionais do Estado brasileiro, frente às demandas dos outros Estados e da própria sociedade, a qual intenciona acessar o processo produtivo global. Palavras-chave: Enade. Análise do Discurso. Avaliação. Políticas Educacionais.
1Mestre em Linguística. Professora do Curso de Letras PUC-PR 2 Acadêmica da Graduação em Letras PUCPR 3 Acadêmica da Graduação em Letras PUCPR
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Introdução
O Enade faz parte das políticas educacionais do governo brasileiro. Para analisar a
elaboração e aplicação desse exame, é preciso considerar a conjuntura política, tanto brasileira
quanto internacional, que direciona as medidas governamentais desde a instituição obrigatória
do Enade, bem como do Provão, avaliação do Ensino Superior criada no governo de Fernando
Henrique Cardoso. Neste trabalho, portanto, objetiva-se compreender como se manifesta(m)
os discursos (s)/sustentado(s) pela política educacional, que, por sua vez, é a base do Enade.
Sem pretender exaurir o tema – exatamente o contrário – quer-se iniciar um estudo reflexivo
sob uma abordagem discursiva, com fundamentação teórica em Pêcheux (1997), Foucault
(1995).
1. Globalização e avaliação
A respeito do sistema político brasileiro, este trabalho sustenta-se em Rocha (2004), o
qual analisa a política interna e externa brasileira no contexto de globalização, desenvolvida
na segunda metade do século XX. Para o autor, a partir desse período, a divisão entre ambas
torna-se cada vez mais tênue, uma vez que a primeira apresenta-se condicionada à segunda.
Segundo o autor, as economias tornaram-se interdependentes. As indústrias, por dependerem
de grandes investimentos em ciência e tecnologia para a produção de bens e serviços com
reduzido ciclo de vida útil, devido à competição global, perdem sua identidade territorial.
Dessa forma, as economias nacionais passam a constituir estruturas pelas quais transitam os
fluxos comerciais – financeiros e informacionais – nos quais o sistema capitalista de
produção, organizado em rede, constitui-se (ROCHA, 2004, p.269). É nesse âmbito, que
Rocha (2004, p.370) insere a política brasileira, para o autor:
A maior interdependência das economias implica a necessidade de os estados concentrarem ações e definirem regras comuns, já que o espaço da atuação das empresas em setores-chave é a própria economia global e os custos de ‘ficar fora’ desse mercado são elevados demais. Em consequência, políticas que outrora se caracterizavam claramente como internas passam a ter implicações para a inserção internacional dos países, ao passo que ações antes consideradas de ‘política externa’ geram repercussões relevantes para processos internos a cada sociedade.
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Rocha (2004) afirma, portanto, que as atividades econômicas, a partir da década de
1990, passam a ser desenvolvidas de modo encadeado, em diversas partes do mundo, o que
diminui de modo significativo a fronteira entre a política interna e externa. O autor aponta que
o aprofundamento do processo de globalização está ancorado em um equilíbrio político
específico, que ocasionou a emergência de instituições e normas destinadas para organizar
estruturas de produção, consumo e publicidade, aproveitando-se de ganhos de escala
proporcionados por inovações tecnológicas. Nesse contexto, o autor observa a necessidade de
promover uma transição da economia industrial para a da informação, impossível de ser
promovida sem boas políticas de educação e de tratamento de informações. As políticas
fiscais e monetárias são importantes para o desenvolvimento da capacidade de economias de
países emergentes atraírem investimentos. Diante da demanda por essas políticas, Rocha
observa que cabe aos governos a regulação das atividades produtivas e o provimento de
infraestrutura e segurança, também jurídica, e aos agentes privados a produção de riqueza e de
inovações. Os governos pouco podem fazer de modo isolado, porque as atividades que ficam
a cargo de sua supervisão, acontecem, cada vez menos, exclusivamente em seus territórios.
Resta aos governantes a realização de políticas com a finalidade de conquistar o respeito de
investidores internacionais (ROCHA, 2004, p.371).
Nesta, cada vez mais evidente, interdependência econômica global, os cidadãos,
segundo Rocha (2004), esperam do governo o incentivo, de modo eficaz, a atividades que
possibilitam a inserção das sociedades nos processos produtivos globais. Dessa forma,
objetivam o acesso a bens e serviços ofertados pela moderna economia da informação.
Mas será somente a interdependência econômica o agente condutor da política
interna? Como este trabalho diz respeito à educação, vale considerá-la como um direito, cujo
dever de garantia ao cidadão cabe ao Estado. A consideração do governo como mantenedor
desse direito decorre da Declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, texto presente no
constitucionalismo moderno. Esses direitos podem ser classificados, segundo Matteucci
(2000, p.354), em civis, políticos e sociais. Os direitos sociais interessam mais a este estudo,
uma vez que abrangem o direito ao trabalho, à assistência, à tutela da saúde, à educação, entre
outros. De acordo com Mengozzi (2000, p.355-357). Após a Segunda Guerra Mundial, as
Nações Unidas tomaram para si o objetivo garantir a cooperação dos países na solução de
problemas internacionais de viés econômico, social e cultural ou humanitário, e promover o
respeito pelos Direitos Humanos.. As negociações entre os Estados-membros procuraram o
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estabelecimento de pactos contendo compromissos determinados no âmbito do direito. O
respeito a esses acordos depende dos interesses desses Estados de manutenção de uma relação
amigável, por meio da qual seja possível o estabelecimento de outros acordos de caráter
econômico e comercial. Esses pactos, para que funcionem de modo eficiente, demandam
medidas de controle recíproco entre os Estados, o que ocorre por meio de sistemas de
controle. Essas relações são submetidas ao Conselho Econômico e Social.
[...] o pacto sobre os direitos civis e políticos e o pacto sobre direitos econômicos, sociais e culturais são caracterizados ou acompanhados por diferentes sistemas de controle. Ambos os pactos preveem que os Estados contraentes devem, dentro de uma data preestabelecida, ou periodicamente, apresentar relações, respectivamente, sobre medidas que adotarem na execução dos direitos reconhecidos no pacto. (MENGOZZI, 2000, p.357).
Não é objetivo central deste trabalho aprofundar a discussão sobre as atuações da
ONU e os resultados de suas políticas em prol dos Direitos Humanos. O intuito é perceber,
com isso, que a educação é um dever do Estado e assegurá-la à população é uma
determinação internacional, com base na declaração desses direitos. É outro ponto que
evidencia que a política educacional brasileira está vinculada à internacional.
Essa relação entre política interna e externa repercute nas políticas educacionais. O
que é confirmado com o a criação dos exames de avaliação do Ensino Superior na última
década do século XX. Nesse período, a prestação de contas do Estado – como resultado de
sua política educacional – é estimulada pelas deliberações do Consenso de Washington.
Reunião realizada em novembro de 1989, no International Institute for Economy, na qual
funcionários do governo dos EUA, dos organismos internacionais e economistas latino-
americanos discutiram um conjunto de reformas essenciais para que a América Latina
superasse a crise econômica e retomasse o caminho do crescimento. Nesse encontro,
reafirmou-se a proposta neoliberal, que era altamente recomendada pelo governo norte-
americano como condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou
multilateral.
Batista (1994) observa que “não se tratou, no Consenso de Washington, de
formulações novas, mas simplesmente de registrar, com aprovação, o grau de efetivação das
políticas já recomendadas, em diferentes momentos, por diferentes agências.” Para o autor, as
mensagens registradas no encontrou já vinham sendo transmitidas habilmente, no governo
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Ronald Reagan, a partir de recursos financeiros e humanos, por meio de agências
internacionais do governo norte-americano. Além disso, o neoliberalismo foi facilmente
assimilado pelas elites políticas, empresariais e intelectuais e tornou-se sinônimo de
modernidade. Assim, essa parcela da sociedade incorporou o discurso neoliberal.
De acordo com Batista (1994), “Os princípios neoliberais consolidados no Consenso
de Washington batem de frente com alguns dos pressupostos do modelo de desenvolvimento
brasileiro e da política econômica externa que lhe dava apoio.” Assim, como afirma Soares
Apud Amaral (2009), o Brasil precisou aderir às prescrições do Consenso de Washington e,
com isso, tomar medidas como: redução dos gastos públicos e das tarifas de importação;
eliminação de barreiras não-tarifárias e de normas que restringem o ingresso de capital
estrangeiro; eliminação de instrumentos de intervenção do Estado no campo financeiro, como
controle de juros, incentivos fiscais etc.; privatização de empresas e serviços públicos. A nova
configuração da sociedade, individualista, produtivista e competitiva, começou a se delinear
no governo de Fernando Collor de Mello, mas só atingiu o âmbito da educação no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando as reformas do ensino superior
materializaram-se.
No governo FHC, com o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, foi criado o
INC, o Provão, com intuito de avaliar as instituições de Ensino Superior. Nesse período,
houve uma grande expansão das universidades do setor privado. No governo de Luís Inácio
Lula da Silva, com implantação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES), Lei 10.861/2004, que estabeleceu condições mais restritivas para a autorização,
criação e reconhecimento de cursos de graduação, ocorreu um menor crescimento das
instituições privadas de Ensino Superior.4
Para Amaral (2009), o sistema avaliativo promoveu maior competição entre as IES,
uma vez que a classificação das instituições influenciou na demanda de matrículas.
Consequentemente, as instituições privadas passaram a se preocupar com a preparação para
esses exames.
Porém, faz-se necessário atentar para o aspecto político subjacente a um sistema de
avaliação. Nesse sentido, Silva (2008) ressalta que a universidade busca sistematizar as
4 Para dados mais detalhados, recomenda-se a leitura do artigo AMARAL. Nelson Cardoso. Avaliação e financiamento de instituições de ensino Superior: uma comparação dos governos Lula e FHC. ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO – PPGE/ME FURB ISSN 1809– 0354 v. 4, nº 3, p. 321-336, set./dez. 2001
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demandas da sociedade, já que não está desvinculada das regras de competição socio-
econômicas e de suas consequências para o processo ensino-aprendizagem. Assim, a
autonomia das universidades relaciona-se com as determinações dos sistemas de ensino,
adaptando-se às intervenções políticas e econômicas.
2. O Enade: reflexões sobre um discurso
O Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade) constitui um dos sistemas
de avalição do Sinaes. O objetivo desse exame, aplicado pelo Inep (MEC), é acompanhar o
processo de aprendizagem e desempenho acadêmico dos estudantes, com base no conteúdo
programático do currículo dos cursos de graduação. Os graduandos que realizam o exame
também são avaliados quanto à capacidade de compreender temas exteriores à graduação,
relacionados à realidade brasileira e mundial. Os resultados do Enade geram dados que
permitem definir ações voltadas à melhoria dos cursos de graduação pelos professores e
autoridades educacionais.
O que garantiria esse movimento de dados que geram ações? Em função do quê?
Neste estudo considera-se a existência de uma memória discursiva permitindo manifestações
discursivas, que devem se efetivar praticamente.
Para Brandão (s/d, p. 76-7) é a memória discursiva que permite o “diálogo” entre o
que já foi dito e o que se diz neste momento. Citando Mainguenau, a autora afirma que todo
discurso é na verdade um interdiscurso com um outro já dito. Ou seja, um discurso dito agora
está sempre permeado de um ou mais discursos pronunciados anteriormente, em outras
condições. É justamente esse já dito que vimos na prova do Enade.
O que os discursos políticos representados nas questões de prova em análise realizam
é uma relação de sentido com o discurso pré-construído, resgatado pela memória discursiva.
A resposta de agora só acontece justamente porque há uma interligação com o discurso
anterior. Vejamos o que Pêcheux (1997, p.77) diz a respeito das relações de sentido no
discurso político: “Ele [o discurso político] deve ser remetido às relações de sentido nas quais
é produzido: assim, tal discurso remete a tal outro, frente ao qual é uma resposta direta ou
indireta, ou qual ele 'orquestra' os termos principais ou anula os argumentos”. Para o pensador
francês, o orador (em nosso caso o Governo Federal) sabe que o ouvinte tem conhecimento do
que já fora dito anteriormente e o evoca, no sentido de tornar coerente o seu discurso atual.
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Aqui começa a configuração do chamado “jogo de imagens” de Pêcheux. Para o
filósofo, é no momento em que o orador começa a produzir discursos-resposta, estabelecendo
relações de sentido, que ele se coloca no lugar do ouvinte. É uma espécie de “antecipação do
que o outro vai pensar”(ibidem), prática comum dos discursos mais empáticos, ou seja,
aqueles em que o orador coloca-se no lugar do seu público e fala o que ele espera ouvir. A
reação do ouvinte (vaias, aplausos, cartas etc.) faz com que o enunciador “modele” seu
discurso da melhor forma possível.
Para Pêcheux (1997, p.83) há algumas perguntas que norteiam os discursos dos
oradores e suas recepções por parte dos ouvintes:
1º → Um sujeito A (orador): “ Quem sou eu para lhe falar assim?”
“ Quem é ele para que eu lhe fale assim?”
2º → Um sujeito B (ouvinte): “ Quem sou eu para que ele me fale assim?”
“ Quem é ele para que me fale assim?”
São essas perguntas que atestam ou não a credibilidade do discurso. Por elas, o sujeito
A sente-se ou não em condições de pronunciar um discurso X para B e, ao mesmo tempo, o
sujeito B sente-se ou não persuadido pelo discurso X de A.
Para além dos sujeitos, há o que se diz em determinado discurso. Aqui, o sujeito A
pergunta: “De que lhe falo assim?” e o sujeito B: “De que ele me fala assim?” (1997, p.84).
Por essas perguntas, o jogo de imagens pecheuxniano contempla o que se diz (X) por quem
se diz (A) e para quem se diz (B).
Nessa relação, o discurso-resposta é constituído como um conjunto de relações de
sentido. Em outras palavras: se o Governo Federal (A) sente-se autorizado (ou obrigado) a
dizer para as instituições de ensino superior/os professores/alunos (B) o que está fazendo (X)
é para responder ou justificar um discurso que ele tinha antes de ser eleito (Y). A memória
discursiva, assim, não apenas contextualiza o discurso atual como dará condições para o
Governo dizer que esse discurso é coerente com o que já havia dito.
Para que o jogo de imagens se complete em nosso estudo, consideram-se os papéis
sócio-históricos assumidos pelo Governo Federal, pelas instituições de ensino superior, pelos
professores e pelos acadêmicos.
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Foucault (1995, p.234) afirma que as relações de poder se dão por meio de algumas
oposições (homem X mulher, pais X filhos, por exemplo). Para ele, essas relações acontecem
numa “parceria” entre os grupos e indivíduos envolvidos, cada um com suas “ações que se
induzem e se respondem umas às outras”. (1995, p.240). Entretanto, essas ações só
acontecerão se houver um “consentimento”, por vezes anterior ou permanente e não é, por
natureza, a manifestação de um consenso. Foucault (1995. p.242-3).
A relação de autoridade na fala do Governo Federal vem da posição que ocupa, ou
seja, no contexto político interno não há outra autoridade reconhecidamente superior a ele. E é
exatamente isso que o autoriza a mostrar as ações democráticas em exames nacionais como o
Enade. Ele tem autoridade reconhecida e indiscutível para dizer o que diz para quem diz.
Além disso, transmitir o seu discurso para as instituições de ensino superior, para o professor
e para o estudante é um modo de convencer uma instituição e uma classe (professores), que
exerce poder sobre outra (acadêmicos), de que a política governamental democrática está
realizando. Tudo isso com vistas a atender à demanda externa de resultados das políticas
educacionais nacionais e internacionais.
As leis, como suportes discursivos de relações de poder, garantem a manifestação e a
realização de poder(es). Ao analisar a lei que institui a obrigatoriedade do Enade, como parte
da política educacional brasileira, observa-se a efetivação dessa rede de poder em que o
Estado se vale das relações entre as instâncias a ele subordinadas, ou que dele fazem parte5,
para garantir uma única ação em uma única voz, centrada em dois aparatos semânticos
“cidadão e cidadania” que apontam para a “missão pública”, de mantenedor dos Direitos
Humanos, como se observa no Parágrafo 1º do Artigo 1º 6:
5 § 1º O ENADE será realizado pelo INEP, sob a orientação da CONAES, e contará com o apoio técnico de Comissões Assessoras de Área.§ 2º O INEP constituirá um banco de itens, elaborados por um corpo de especialistas, conforme orientação das Comissões Assessoras de Área, para composição das provas do ENADE. Art. 33-E O ENADE será realizado todos os anos, aplicando-se trienalmente a cada curso, de modo a abranger, com a maior amplitude possível, as formações objeto das Diretrizes Curriculares Nacionais, da legislação de regulamentação do exercício profissional e do Catálogo de Cursos Superiores de Tecnologia. 6 Os trechos da legislação foram retirados do Manual do ENADE 2011, disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/legislacao-2011
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Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, com o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII e IX, da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 1º O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional. (grifo nosso).
O Estado se institui na vez e voz – “Faço saber e eu sanciono a seguinte Lei” – do seu
representante maior, o presidente da República, que no corpo da lei ganha destaque em caixa
alta. Essa autoridade, representando um corpo social, econômico, político e educacional, ao
mesmo tempo centralizador e polarizador, deve garantir uma espécie de “parceria” entre
excelência acadêmica e responsabilidade social, em consonância com as demandas sócio-
políticas internacionais. Está garantindo, na verdade, sob aparato discursivo, uma memória de
dizer (memória discursiva). Ou seja, é preciso assegurar o já dito para se garantir a se dizer
aos próximos interlocutores, às próximas gerações.
À universidade cabe a responsabilidade, assegurada pela voz maior do presidente, de
efetivar as medidas de manutenção e respeito aos Direitos Humanos. Como observado no
Inciso III, Artigo 3º.:
III - a responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural;
A instituição de Ensino Superior é um agente formador. ENADE, nesse sentido, tem
por objetivo garantir o melhor desempenho desse papel. A seção II do ENADE, Artigo 33 D
confirma:
Seção II / Do ENADE: Art. 33-D O ENADE aferirá o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, e as habilidades e competências adquiridas em sua formação.
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As questões que compõem a prova de todos os cursos já avaliados pelo ENADE,
principalmente as de FORMAÇÃO GERAL, sejam elas discursivas ou objetivas, avaliam a
capacidade do acadêmico de "pensar o Brasil e o mundo”, seguindo uma proposta de
formação do cidadão. A questão discursiva número nove, para a avaliação do ano de 2008,
ano em que se comemoraram os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, solicita do
acadêmico uma posição argumentativa que discuta os temas “moradia”, “segurança” e
“trabalho”, como condição de dignidade, bem-estar, ação para vida, respectivamente. Ao
escolher uma das possibilidades, deveria o aluno esclarecer em que medida a concepção
escolhida significa “um avanço para o exercício pleno da cidadania, na perspectiva da
integralidade dos Direitos Humanos.”
Figura 1 - Questão de Formação Geral do Enade 2008.
Fonte: Ministério da Educação. Portal INEP . 2011. Enade. Provas e Gabaritos.
A questão 21, da mesma prova de formação específica do curso de graduação em
Letras propõe uma reflexão sobre a formação e ação do professor em sala de aula,
considerando a inclusão digital frente às inovações tecnológicas, como um direito de todos:
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Figura 2 - Questão do Enade 2008. Formação Específica Letras. Fonte: Ministério da Educação. Portal INEP.
Tema já contemplado na prova de 2005, na questão 2, de formação geral:
Figura 3 - Questão de Formação Geral do Enade 2005. Fonte: Ministério da Educação. Portal INEP.
A desigualdade de renda entre os cidadãos, tema que tem relação direta com o
exercício cidadão, por exemplo, foi contemplado na prova de 2008, na questão 7. Reunindo
duas linguagens, a gráfico-estatística com a verbal, cobrou-se uma leitura interpretativo-
crítica e, ao mesmo tempo, um cálculo matemático, necessários à compreensão do nível de
estratificação social.
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Outro tema de relevância como item de reflexão do exercício cidadão é a participação
política. A questão número 1, de formação geral, da prova de 2005, contempla a reforma
política, uma das discussões de grande relevância neste mesmo ano. Ou seja, o acadêmico foi
convidado a refletir sobre o significado de uma reforma político e eleitoral e em que medida
ela irá interferir nos rumos do país:
Figura 4 - Questão de Formação Geral do Enade 2005.
Fonte: Ministério da Educação. Portal INEP.
Direitos Humanos, inclusão digital, desigualdade de renda, participação política são
temas que apontam para uma memória discursiva. O conteúdo dessas questões analisadas se
remete a um discurso já dito: das atribuições do Estado de assegurar aos seus cidadãos os
direitos humanos e o direito ao exercício da cidadania. Um exame que contempla esses
aspectos constata que o Estado está exigindo que os alunos do Ensino Superior reflitam sobre
essas questões. Com essa exigência, o Estado se autoafirma como autoridade máxima que
garante – comprovadamente, com exames como o Enade – os direitos do cidadão. Esta
autoridade máxima é reforçada pelo discurso legal, analisado anteriormente.
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Considerações Finais
Este estudo se propôs uma análise introdutória do tema. Portanto, será expandido em
pesquisas posteriores, a fim de se confirmar as hipóteses elencadas.
O que a presente pesquisa apontou até aqui, portanto, evidencia, mesmo que de modo
inicial, um vínculo direto entre o Enade, a política educacional brasileira e as políticas interna
e externa do país. O Enade avalia a Universidade, esta que, ao buscar sistematizar as
demandas da sociedade, traz no processo de ensino-aprendizagem o vínculo com as
competições sociais e econômicas, decorrente das intervenções políticas internas do Estado.
No entanto, como já foi mencionado, essas políticas não estão desassociadas da dinâmica
global. Na linha tênue que divide a política interna e externa brasileira, localiza-se o exame
em questão como uma medida de validar, garantir, e justificar as políticas educacionais do
Estado brasileiro frente às demandas internacionais. O Brasil precisa mostrar aos outros
países que se preocupa com a educação de nível superior também, de modo a garantir a
confiança internacional, e sua participação nos acordos que visam assegurar os Direitos
Humanos.
REFERÊNCIAS
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