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5/9/2018 Duílio Gomes - Bananas - slidepdf.com

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BananasDUÍLIO GOMES

In: SILVERMAN, Malcom. O novo conto Brasileiro , 9ª ed.Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985, p. 18–20.

Ao sinal do homem, o táxi parou. “Rodoviária,por favor, falou o homem, acomodando-se nobanco traseiro do carro. Era um homem de corescura, um pouco gordo, e trazia uma maleta, quedepositou no colo, ao sentar-se. O táxi começou acorrer no meio de outros carros, sob a coalhada luzdas sete horas da tarde. Fazia calor e o choferlimpou o suor da testa com a mão direita. Depoisligou o rádio. Uma rumba com mil bumbadorasirrompeu no carro. O chofer abaixou o volume dorádio e ouviu a palavra banana . O homem atrás desi estava falando se há uma coisa que eu gosto realmente é de bananas . Pelo retrovisor o choferentreviu a segunda metade de uma banana desapa-recendo na boca do homem. Viu também quando acasca foi atirada pela janela do carro. Abaixoumais um pouco o volume da música porque ohomem continuava falando. Falava: Eu como cerca de cinquenta bananas por dia . Fez-se um silêncio,logo acompanhado do ruído de uma banana sendodescascada. Era um ruído abafado e rápido, como

se uma ratazana estivesse correndo sobre um chãocoberto de seda. A banana , continuou o homem,devia ser industrializada em larga escala em nosso 

 país . O chofer sentiu que a frase fora dita com aboca cheia de banana. Não se incomodava absolu-tamente se seus passageiros comiam bananas oumelões dentro do seu carro — desde que não osujassem —, mas parecia-lhe humanamente impos-sível alguém comer cinquenta bananas por dia.Pelos seus cálculos, dentro de uma semana ohomem comeria trezentas e cinquenta bananas e

dentro de um mês ele teria ingerido uma quantida-de tão grande delas que os seus modestos cálculosnão conseguiam alcançar. A banana verde também 

 pode ser comida , falou o homem. O chofer come-çou a se interessar pelo apaixonado monólogo doseu passageiro. Disse, sem despregar os olhos daavenida à sua frente: O senhor come bananas verdes? Elas são melhores do que as maduras ,respondeu o homem. O chofer quis rir masconteve-se. O que o senhor acha de tão bom na banana verde? , perguntou o chofer. Nelas , respon-

deu o homem, engolindo um pedaço de banana queo chofer calculou, pela demora em continuar afrase, ter sido imenso, é que está a verdadeira 

essência da banana. Quando ela começa a amadu- recer, o seu ciclo seguinte é o apodrecimento; por- tanto, do nascimento ao apodrecimento, a melhor 

  fase dela é a verde. Você não vai poder saber direito quando a banana está realmente madura ou 

 podre porque a diferença entre os dois estados é muito pequena, ao passo que na banana verde você tem certeza, quer dizer, você sabe que dentro da casca verde você não vai encontrar uma banana madura ou podre, mas uma banana verde. Conse- quentemente, você não vai ter o problema de comer uma coisa que pode te fazer mal . O chofer concor-dou mudamente e considerou que o homem estavacom razão, apesar de sua explicação confusa — oque não o obrigaria jamais a comer uma bananaverde. O rádio agora emitia uma música lenta, do-lorosa. O calor de hoje está insuportável , comentouo chofer, parando no sinal vermelho. A banana ,falou o homem, sem ligar para o que o chofer haviadito, vai ser o alimento do futuro. Não estou de- 

  fendendo uma causa que é minha, porque eu,

 praticamente, me alimento de bananas, mas é uma boa solução para o fantasma da fome que espera o homem na virada do século . O chofer não soube oque falar, quando tornou a arrancar o carro. Intri-gava-lhe a obsessão do seu passageiro pelo assuntoe, de certa forma, não poderia sustentar aquelaconversa insólita por muito tempo. Desejava que ohomem parasse de falar em bananas. No ocosilêncio que se instalou atrás de si, ele entendeu,um pouco repugnado, que o outro comia uma novabanana, talvez a décima. O calor punha reflexos

azulados no parabrisa e ele não soube se explicar seaquelas gotinhas de água suspensas na sua frenteestavam no vidro ou penduradas fragilmente emvolta de seus olhos. Perdão , falou o homem derepente, atrás de si, estou comendo bananas há mais de meia hora e ainda não te ofereci nenhuma.Aceita?  Não ia aceitar mas a voz do homem eratão afável que, para agradá-lo e também paraimpedir que ele começasse a insistir, falou aceito .O homem estendeu-lhe a banana. Ela roçou o seupescoço, quente e latejante como se estivesse viva.

Ao pegá-la, viu a mão do homem — enorme, pe-luda.

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